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Para que gays vivam sua vocação e dignidade de filhos de Deus na Igreja e na sociedade.
À primeira vista, saltam aos olhos as declarações duríssimas contra o casamento gay, as
famílias homoparentais e a teoria de gênero. A equiparação da união homossexual à
união heterossexual é considerada uma ferida grave infligida à justiça e à paz. A família
sem a dualidade homem e mulher tornaria o filho não um sujeito de direito, mas um
objeto que se pode adquirir. E a teoria de gênero, que contesta a heterossexualidade
compulsória e a submissão da mulher ao homem, seria uma auto-emancipação do ser
humano em relação à criação e ao Criador, conduzindo-o à destruição de si mesmo.
Estas oposições da Igreja já existiam no pontificado de João Paulo II, mas Bento XVI
lhes deu uma dimensão catastrófica. Isto teve imensas repercussões na mídia, além de
inevitavelmente alimentar o ódio contra os gays.
Estas declarações, porém, não são tudo. Houve um avanço importante que ficou quase
despercebido. Em 2008, discutiu-se na ONU a descriminalização da homossexualidade
em todo mundo, conforme uma proposta encabeçada pela França. Nações ocidentais se
posicionaram a favor, e nações islâmicas contra. A delegação da Santa Sé, ainda que
divergindo parcialmente da proposta francesa, manifestou-se pela descriminalização e
condenou todas as formas de violência contra pessoas homossexuais. Para a Igreja, os
atos sexuais livres entre pessoas adultas não devem ser considerados um delito pela
autoridade civil. Isto significa admitir, no mínimo, que eles não são uma ameaça para a
humanidade.
A cidadania LGBT por um lado é fortemente combatida, mas por outro lado é apoiada.
Esta disparidade na Igreja Católica se deve à sua tradição milenar judaico-cristã, que é
heteronormativa, e à sua inserção no mundo moderno, onde as mudanças ocorrem em
um ritmo alucinante. Com o Concílio Vaticano II, nos anos 60, a Igreja incorporou
muitos elementos da modernidade, como a aceitação da separação entre Igreja e Estado,
o reconhecimento da autonomia das ciências, e da liberdade de consciência. A
fidelidade à norma reta da própria consciência é um direito e um dever da pessoa,
acompanhados da obrigação de sempre buscar a verdade.
De acordo com o ensinamento da Igreja hoje, nenhum ser humano é um mero homo ou
heterossexual, mas é antes de tudo criatura de Deus e destinatário de Sua graça, que o
torna filho Seu e herdeiro da vida eterna. Quanto à moral, ela deve se basear na razão
iluminada pela fé, servindo-se das descobertas seguras das ciências. Embora a doutrina
católica se oponha à prática homossexual, considerada intrinsecamente desordenada,
também reconhece que há pessoas com tendência homossexual em circunstâncias onde
a prática é inevitável, e a culpabilidade é nula.
A Igreja, porém, não são só o papa e os bispos, que formulam estes ensinamentos. São
todos os fiéis, que fazem diferentes leituras nos diversos contextos em que vivem. Na
França, por exemplo, o deputado socialista e relator do projeto de lei do Casamento para
Todos, Erwann Binet, é católico praticante. Ele afirma que os valores aprendidos na
cultura cristã e os valores de esquerda são coerentes. O ex-primeiro-ministro britânico
Tony Blair se converteu ao catolicismo, religião de sua esposa, e defende o casamento
gay. Nos Estados Unidos, a maioria dos católicos votou em Obama, bem como a
maioria dos protestantes. Todos eles são protagonistas de mudanças importantíssimas
em favor do direito homoafetivo.
É preciso reconhecer também que os gays não estão a salvo em muitos ambientes
católicos, onde há pregações homofóbicas utilizando a doutrina com extrema rigidez e
sem matizes. Alguns gays são encaminhados a “orações de cura e libertação”, que
frequentemente são formas escamoteadas de exorcismo. É um assédio moral devastador.
Em outros ambientes católicos, por sua vez, há leigos, religiosos e sacerdotes
compreensivos e acolhedores. Há grupos que ajudam as pessoas a conciliarem a
orientação homossexual e a fé, como o Dignity USA, o Rumos Novos, o Diversidade
Católica e a Pastoral da Diversidade. Um dos grandes desafios é proteger os gays dos
ambientes religiosos homofóbicos, e encaminhá-los aos ambientes acolhedores.