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Electromagnetismo

(cap. 1. eletrostática)

José Pinto da Cunha

universidade de coimbra
2016
2
Conteúdo

1 Eletrostática 5
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.1 A lei de Coulomb . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.1.2 Distribuições de cargas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2 Vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2.1 Produto escalar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.2.2 Produto vectorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.3 Sistemas de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.3.1 Coordenadas retangulares: (x, y, z) . . . . . . . . . . . 14
1.3.2 Coordenadas cilı́ndricas: (̺, ϕ, z) . . . . . . . . . . . . 15
1.3.3 Coordenadas esféricas: (r, ϑ, ϕ) . . . . . . . . . . . . . 16
1.4 Operadores diferenciais vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.4.1 O gradiente de uma função . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.4.2 A divergência de um campo vectorial . . . . . . . . . . 21
1.4.3 O rotacional de um campo vectorial . . . . . . . . . . . 24
1.4.4 O Laplaciano de um campo . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.4.5 Considerações adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.5 O campo eletrostático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.5.1 Divergência do campo eletrostático . . . . . . . . . . . 31
1.5.2 Rotacional do campo eletrostático − o potencial . . . . 34
1.5.3 Distribuições de cargas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1.5.4 Superfı́cies de fronteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.5.5 Energia eletrostática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
1.5.6 O dipolo elétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
1.5.7 Momento dipolar de uma distribuição contı́nua de cargas 49
1.5.8 O potencial e o campo de um dipolo elétrico ideal . . . 50
1.5.9 Expansão multipolar do potencial . . . . . . . . . . . . 52

3
4 CONTEÚDO

1.6 Campos elétricos na matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55


1.6.1 Condutores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
1.6.2 Dielétricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
1.6.3 Pressão e tensão eletrostática . . . . . . . . . . . . . . 78
1.7 Teorema da unicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
1.8 Teorema de Helmholtz⋆ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
1.9 Teorema de Earnshawn⋆ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Capı́tulo 1

Eletrostática

1.1 Introdução
É sabido que as cargas elétricas interagem entre si, ainda que estejam afas-
tadas umas das outras. A ação à distância entre corpos que não estão em
contacto era já uma dificuldade referida pelo próprio Isaac Newton acerca da
força de atração gravitacional entre dois corpos distantes. Pois não é deveras
estranho que corpos que estão afastados e sem qualquer contacto exerçam
um sobre o outro uma força?!
Esta dificuldade conceptual fundamental deu origem à ideia de campo.
Nesta descrição, uma carga elétrica cria algo em todo o espaço em seu re-
dor, a que chamamos campo - uma carga elétrica estática cria um campo
eletrostático. Se outra estiver carga colocada algures num ponto afastado
interage então com esse campo e fica assim sujeita a uma força. A interação
deixa pois de ser à distância para passar a ser uma interação local da carga
com o campo que exista na sua vizinhança imediata.
Um campo medeia portanto a interação entre os dois corpos (cargas)
que estão afastados um do outro, descrevendo-a como um efeito local entre
qualquer desses corpos e o campo na respetiva vizinhança.
Mas, como adiante veremos, o campo é mais que um mero edifı́cio con-
ceptual, tem mesmo existência real; tem energia e pode ser perturbado e
essas perturbações propagam-se através do espaço como ondas imateriais,
c j. pinto da cunha, eletromagnetismo /eletrostática, universidade de coimbra, 2016.

5
6 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

E
E1 (r)
E2 r’ q2 F2

r E1 (r2)
q1 r2

F1

Figura 1.1: A força de interação eletrostática entre duas cargas estáticas, q1 e


q2 afastadas uma da outra, resulta da interação local entre uma carga e o campo
criado pela outra nesse ponto, sendo as forças de interação F 1 = −F 2 . Num
qualquer ponto, r, o campo é a soma vectorial dos campos criados por cada uma
das cargas.

transportando energia e momento à velocidade da luz. Isto significa que se


um corpo mudar de posição, a consequente alteração do campo demora al-
gum tempo a propagar-se pelo espaço envolvente. Por isso, o outro não “vê”
qualquer alteração até que essa perturbação do campo chegue até ele.1
As ondas do campo eletromagnético foram descobertas por Hertz em 1888,
cerca de dez anos após terem sido previstas. Hoje ninguém duvidará que
são reais, tal é o seu impacto na nossa civilização. As ondas do campo
gravitacional foram previstas em 1916 e foram observadas agora, 100 anos
depois (a descoberta foi publicada hoje mesmo!).
Estes princı́pios são gerais, comuns a todas as teorias de campo: as in-
terações não são nem à distância nem instantâneas - são locais, entre as
cargas/corpos e os campos na sua vizinhança.
O eletromagnetismo é pois em larga medida o estudo dos campos: - do
campo eletrostático criado por cargas elétricas estáticas; do campo mag-
netostático, devido a correntes estacionárias, e mais fundamentalmente, do
campo eletromagnético associado ao regime variável (não estacionário).
É por isso importante saber como caracterizar um campo, pois essa é a
via para descrever as interações.

1
De facto, é mesmo “ver”, pois, como dissemos acima, a perturbação de um campo
imaterial propaga-se à velocidade da luz.
1.1. INTRODUÇÃO 7

1.1.1 A lei de Coulomb


É um facto da observação que duas cargas elétricas pontuais, q1 e q2 , sepa-
radas pela distância r12 exercem uma sobre a outra uma força que decresce
com o quadrado da distância, em que a força sobre a carga q2 é
1 q1 q2
F2 = 2
r̂12 (1.1)
4πǫ0 r12
onde r 12 = r12 r̂12 é o vector que vai de q1 para q2 (e r̂12 é o respetivo
versor). Na carga q1 atua uma força exatamente simétrica, F 1 = −F 2 .
Esta é a conhecida lei de Coulomb, de 1785.2 A constante ǫ0 caracteriza o
meio envolvente, que é por hipótese o espaço vazio.
A força à distância expressa pela lei de Coulomb, eq. 1.1, resulta de facto
da interação local entre a carga q2 e o campo eletrostático criado pela carga
q1 . Isto significa que a carga pontual estática, q1 , origina no espaço em redor,
na posição r, o campo eletrostático,
1 q1
E 1 (r) = r̂ (1.2)
4πǫ0 r2
onde r = rr̂ é o vector posição com origem em q1 e r̂ é o respetivo versor
(ver fig. 1.1). Estando a carga q2 no ponto r 2 , ela interage localmente com
o campo E(r 2 ), criado pela carga q1 nesse ponto r 2 , originando a força da
interação,
F 2 = q2 E 1 (1.3)
tal como prevê a lei de Coulomb da eq. 1.1.
Mas a carga q2 também cria, ela própria, um campo eletrostático à volta
1 q2 ′ ′ ′ ′
dela, E 2 (r) = 4πǫ 0 r
′2 r̂ tendo r = r r̂ a sua origem na posição de q2 (ou

seja, r ′ = r − r 2 , na fig. 1.1). Este campo interage localmente com a carga


q1 , no sı́tio em que ela está, daı́ resultando a força (ver fig. 1.1),
F 1 = q1 E 2 = −F 2
2 1
A constante de proporcionalidade, 4πǫ 0
, tem esta forma estranha para que as equações
dos campos (mais adiante) tenham estética mais pura.
Curiosamente, a lei de Coulomb (1785) tem a mesma estrutura que a lei de atração
gravitacional de Newton (1686), entre duas massas m1 e m2 ; a força de m1 sobre m2 é
m 1 m2
F2 = G 2 r̂12
r12
e a força sobre m1 é simétrica, F 1 = −F 2 .
8 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

+ +
+ q1 −
q2

a) b)
Figura 1.2: O campo eletrostático é em cada ponto a soma dos campos criados
por cada uma das cargas (ver eq. 1.2). Um campo vectorial é convenientemente
representado pelas chamadas linhas de campo - estas linhas são tangentes aos
vectores do campo em cada ponto e dão-nos uma representação mental da estrutura
do campo em causa. As linhas de campo divergem sempre das cargas positivas e
convergem para as cargas negativas (ou para o infinito). a) Linhas de campo (e
vectores) do campo criado por duas cargas positivas: q1 e q2 = q41 , e b) campo de
duas cargas de sinal oposto, q1 e q2 = − q41 .

As forças de interação que atuam respetivamente numa carga e na outra,


são portanto mutuamente simétricas − há quem diga que formam um par
ação-reação, ainda que não seja distinguı́vel a ação da reação, nem exista
uma antes da outra ou em consequência dela, como esta designação parece
sugerir.3
O campo criado por uma carga depende certamente das caracterı́sticas
do espaço envolvente, mormente se é espaço vazio ou se é um meio material.
A constante ǫ0 é a permitividade do espaço vazio (que caracteriza o vazio);
outro meio terá a sua própria permitividade, ǫ, caracterı́stica desse meio.
Se uma terceira carga pontual q3 for trazida para o espaço das duas cargas
anteriores, ela interagirá com o campo criado por cada uma dessas cargas per
se, ficando portanto sujeita à força F 3 = q3 (E 1 + E 2 ). Isto é, as duas cargas,
q1 e q2 , criam em cada ponto um campo E = E 1 + E 2 (ver fig. 1.2). Este
argumento pode ser evidentemente generalizado: - o campo elétrico criado
3
Desta reflexão resulta claro que não há “auto-ações”. Isto é, a (inter)ação ocorre
sempre entre (“inter”) uma carga e o campo local a essa carga, criado pelas demais
cargas. Isto é, o campo criado por uma carga não atua sobre ela própria, apenas sobre as
outras. Houvesse “auto-ações” e a natureza seria estranha, totalmente diferente do que é.
1.2. VECTORES 9

por várias cargas q1 , q2 , . . . , qN , num determinado ponto do espaço é a soma


P
(vectorial) dos campos de cada uma dessas cargas, per se, E = N i=1 E i . Ou
seja, o campo eletrostático satisfaz o princı́pio de sobreposição; compreende-
se que seja assim pois o campo é diretamente proporcional às cargas.

1.1.2 Distribuições de cargas


Uma distribuição de cargas discretas e estáticas cria num ponto r um campo
eletrostático que é, como vimos, a soma vectorial, dos campos criados nesse
ponto por cada uma das cargas individualmente consideradas, podendo por-
tanto escrever-se que (ver fig. 1.3),
N N
X 1 X qi ′′
E(r) = Ei = r̂ , com r ′′i = r − r ′i (1.4)
i=1 4πǫ0 i=1 ri′′ 2 i
onde r ′i é a posição da carga qi e r ′′i = r − r ′i , com i = 1, 2, . . . , N .
Se a distribuição de cargas for contı́nua, em cada elemento infinitesimal,
dτ , haverá uma carga infinitesimal elementar, dq, que cria em seu redor, num
certo ponto, um campo infinitesimal dE (ver fig. 1.3b)). O campo total num
ponto é a soma, i.e. é o integral, de todas essas contribuições infinitesimais,
Z
1 Z ρ(r ′ )
E(r) = dE = dτ ′ ′′ 2 r̂′′ , com r ′′ = r − r ′ (1.5)
4πǫ0 τ r
dq
onde ρ = dτ é a densidade volumétrica de carga, (i.e. a carga por unidade
de volume) e dτ ′ = dx′ dy ′ dz ′ .
No caso geral os campos são descritos por funções vectoriais às quatro
variáveis espacio-temporais, E = E(x, y, z, t). É por isso conveniente rever
alguns conceitos fundamentais sobre: i) vectores e sistemas de coordenadas;
ii) cálculo infinitesimal diferencial e integral; iii) operadores diferenciais vec-
toriais e; iv) os teoremas integrais de funções vectoriais.
Supor-se-á que, por norma, os campos são sempre descritos por funções
bem comportadas, i.e., funções regulares, contı́nuas e de derivadas contı́nuas
em todo o espaço, que convergem para zero no infinito, tão rapidamente
quanto o necessário.

1.2 Vectores
Os vectores permitem escrever de forma compacta e conveniente campos vec-
toriais e as interações que tenham carácter direcional. Importa pois discutir
10 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

y y
qi dq
r"
i r"

r’i r Ei r’ r dE

O O
x x
z z
a) b)

Figura 1.3: O campo eletrostático. a) a carga qi cria um campo E i na posição


identificada pelo vector de posição, r. As cargas qi estão estáticas nas posições
identificadas por r ′i , com i = 1, 2, . . . , N . O campo criado pela distribuição das
P
cargas discretas no ponto r é pois dado pela soma vectorial, E(r) = i E i (r ′′i ),
onde r ′′i = r − r ′i ; b) numa nuvem contı́nua de cargas, a carga infinitesimal,
dq = ρdτ , situada em r ′ , cria em r o campo infinitesimal dE(r). O campo
eletrostático criado em cada ponto pela distribuição contı́nua de cargasRé a soma
de todos os campos criados por essas cargas infinitesimais, isto é, E(r) = dE(r ′′ ),
onde r ′′ = r − r ′ .

alguns conceitos, em particular o produto escalar e o produto vectorial entre


dois vectores.
A maneira mais simples (e simplista) de definir um vector talvez seja a
de que é uma quantidade com uma direção e um sentido bem determinados.
Qualquer vector escrever-se-á então como a = aâ, isto é, um vector a rep-
resenta uma certa quantidade, a, que se expressa numa certa direção e num
sentido especı́ficos, â, (que é aquele para que aponta esse vector). O versor
â é pois, especificamente, um vector de módulo (ou norma) 1. Os vectores
escrevem-se habitualmente com caracteres negritos (bold ) ou com uma seta;
usamos a primeira, a ≡ ~a.

1.2.1 Produto escalar


Sejam os vectores a e b da fig. 1.4. Estes vectores definem um plano se não
tiverem a mesma direção.
O produto escalar (ou interno) entre a e b é definido como o produto das
projeções dos vectores na direção de um deles. Isto é, como se vê na fig. 1.4,

a · b = (a cos θ)b = a(b cos θ) (1.6)


1.2. VECTORES 11

onde θ é o ângulo entre esses vectores. A projeção ortogonal de um vector a


numa certa direção/sentido, x̂, com a qual faz um ângulo ϑ, é portanto
ax = a · x̂ = a cos ϑ (1.7)
(a é portanto a projeção de a em â e chama-se por isso componente escalar ).
Um sistema ortogonal de referência (ou referencial) que represente o
espaço tem três direções ortogonais (o espaço é tridimensional). No
caso do sistema de coordenadas cartesianas retangulares essa base de
direções/sentidos é constituı́da pelos versores {ê1 , ê2 , ê3 } (ou {x̂, ŷ, ẑ}).4 A
base ser ortogonal significa que a projeção de qualquer desses versores na
direção de qualquer dos outros é nula, i.e., que
(
1, se i = j
êi · êj = δij ; onde δij = (1.8)
0, se i =
6 j
e δij é o sı́mbolo de Kronecker.
Um vector, a, pode ser expresso num determinado sistema ortogonal de
referência, {ê1 , ê2 , ê3 }, como
3
X
a= ai êi , onde ai = (a · êi ) (1.9)
i=1
P P
Com efeito, (a · êℓ ) = 3i ai êi · êℓ = 3i ai δiℓ = aℓ , (cf. eq. 1.8). Um vector
é portanto representado pelas suas componentes, ai , referidas aos elementos
da base de um referencial.
Ou seja, um vector expressa-se num qualquer sistema de referência através
das suas componentes nesse referencial. Se S e S′ forem dois referenciais
diferentes, então esse objeto terá representações geralmente diferentes num e
no outro,
3
X 3
X
a= ai êi = a′j ê′j
i=1 j=1

onde ai = a · êi e = a · são as projeções nos respetivos eixos de S e S′ .


a′i ê′i
Se os vectores a e b tiverem num referencial as representações a =
P3 P3
i=1 ai êi e b = j=1 bj êj , então o seu produto escalar é

3
X
a·b= ai b i
i=1

4
A notação varia: {ê1 , ê2 , ê3 } ≡ {êx , êy , êz } ≡ {x̂, ŷ, ẑ} ≡ {ı̂, ̂, k̂}.
12 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

a
θ a
b θ b⊥ b
a⊥
a . b = b a ⊥ = a b⊥ a b
e⊥
a) b)

Figura 1.4: Os produtos escalar e vectorial de dois vectores, a e b. a) o produto


escalar entre a e b é o produto das projeções dos vectores na direção de um deles,
i.e., a·b = ab cos θ; b) o vector produto vectorial entre a e b é igual à multiplicação
das projeções mutuamente perpendiculares entre um vector e o outro, e tem direção
normal ao plano formado pelos dois vectores, e o sentido da regra da mão direita,
a × b = ab sin θ ê⊥ ; sendo pois a × b = −b × a. O módulo do produto vectorial é
pois igual à área do paralelogramo que tem os dois vectores por lados.

já que êi · êj = δij . Ou seja, o produto escalar dos dois vectores é igual à
soma dos produtos das componentes respetivas.

1.2.2 Produto vectorial


O produto vectorial (ou externo) entre dois vectores, a e b, é um vector cuja
norma é dada pelo produto das projeções mutuamente ortogonais, de um
vector em relação ao outro; tem direção perpendicular ao plano formado por
esses vectores e o sentido dado pela regra do parafuso (ou da mão direita).
Isto é, a × b = ab sin θ ê⊥ , ver fig. 1.4. Resulta portanto que a × b = −b × a.
É frequente haver necessidade de representar vectores que apontem per-
pendicularmente ao plano da página de texto, seja de cá para lá, ou de lá
para cá. É por isso particularmente conveniente definir os versores ê⊗ (de cá
para lá) e ê⊙ (de lá para cá), de que apenas se veem a “cauda” e o “bico” da
respetiva seta.
Num Aplicando a definição de produto vectorial (fig. 1.4) a um referencial
ortogonal cartesiano (fig. 1.5), tem-se: x̂ × ŷ = ẑ, e ẑ × x̂ = ŷ, e ŷ × ẑ = x̂.
Assim, se a e b tiverem as formas: a = ax x̂+ay ŷ+az ẑ e se b = bx x̂+by ŷ+bz ẑ,
então

a × b = (ay bz − az by )x̂ + (az bx − ax bz )ŷ + (ax by − ay bx )ẑ


1.3. SISTEMAS DE COORDENADAS 13

e^3 e^2
y
e^
1

Figura 1.5: Representação ortogonal de um vector. As projeções do vector no


sistema de eixos são ai = a · êi , i = 1, 2, 3, onde {êi } são os vectores/versores da
base do sistema de eixos.

Isto é, o produto vectorial de a e b pode-se escrever na forma de um deter-


minante simbólico,

x̂ ŷ ẑ

a × b = ax ay az


(1.10)
bx by bz

em que a primeira linha tem os versores que compõem a base e as restantes


linhas têm as componentes dos vectores nessa base.

1.3 Sistemas de coordenadas


Um campo é geralmente função da posição no espaço e tem portanto que
ser descrito em determinado sistema de referência, que é afinal uma repre-
sentação desse espaço.
Os sistemas de referência ou de coordenadas podem ser definidos de
muitas maneiras diferentes, mais ou menos convenientes consoante a simetria
da fı́sica que se queira descrever.
Os sistemas de referência mais usuais são os sistemas ortogonais com: i)
coordenadas cartesianas retangulares; ii) coordenadas cilı́ndricas ou iii) co-
ordenadas esféricas. Mas há muitos mais sistemas referência, que podem ser
14 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

(x,y,z) dl
dz
dx
dy
r dτ

z^ y dy
x^ y^
x

Figura 1.6: Coordenadas cartesianas, (x, y, z) e respetivos versores, (x̂, ŷ, ẑ).

convenientes em casos mais especı́ficos, citando-se nomeadamente os sistemas


de coordenadas elı́pticas, parabólicas, bipolares, hiperbólicas, etc...
Qualquer que seja o sistema de referência em apreço ele terá sempre três
coordenadas (pois o espaço é tridimensional) e a correspondente base de
versores, à qual são referidas quaisquer direções/sentido.
Em geral, um campo vectorial é descrito em cada ponto por um vector,
que e tem a priori três componentes independentes. Por isso geralmente
são necessárias três funções em cada ponto do espaço para representar um
campo. No caso do campo elétrico,

E(r, t) = Ex (x, y, z, t)x̂ + Ey (x, y, z, t)ŷ + Ez (x, y, z, t)ẑ (1.11)

sendo as componentes, Ex , Ey e Ez , funções escalares das variáveis do espaço


e do tempo (se acaso não for um campo estático).

1.3.1 Coordenadas retangulares: (x, y, z)


Nas habituais coordenadas cartesianas retangulares cada ponto é represen-
tado por três variáveis, (x, y, z), e as direções do espaço são referidas à base
vectorial, {x̂ , ŷ , ẑ} (ver fig. 1.6).
Um elemento infinitesimal de linha entre dois pontos (x, y, z) e (x+dx, y+
dy, z + dz) tem componentes dℓ = dr = dx x̂ + dy ŷ + dz ẑ. Importa também
referir que um elemento diferencial de volume é dado pelo produto das três
diferenciais, nas três direções perpendiculares, dx, dy e dz, i.e., dτ = dx dy dz
1.3. SISTEMAS DE COORDENADAS 15

dz
z z
z^ dl dz
ϕ
^
ρ
^ dρ ρdϕ

r dτ
r

ϕ
^ y dϕ
ϕ y
ρ ϕ ρdϕ
ρ
ρ^
x x dρ

Figura 1.7: Coordenadas cilı́ndricas, (̺, ϕ, z) e respetivos versores, (ˆ


̺, ϕ̂, ẑ). Note
que os versores ̺ˆ e ϕ̂ mudam de direção de ponto para ponto.

(os volumes não são representados pela letra V para não se confundir com o
potencial).

1.3.2 Coordenadas cilı́ndricas: (̺, ϕ, z)


Cada ponto é representado pelas coordenadas (̺, ϕ, z), e a base vectorial é

̺, ϕ̂, ẑ}, em cada ponto (ver fig. 1.7). O ângulo ϕ é geralmente referido ao
eixo x. Como se pode constatar nessa figura,
 √ 2 2

 ̺= x +y
  ̺ˆ = cos ϕ x̂ + sin ϕ ŷ

y
ϕ = arctan x e  ϕ̂ = − sin ϕ x̂ + cos ϕ ŷ (1.12)


z 
ẑ = ẑ

Neste sistema de coordenadas um qualquer vector, a = ax x̂ + ay ŷ + az ẑ,


expressa-se na forma a = a̺ ̺ˆ + aϕ ϕ̂ + az ẑ. Cada uma das componentes de
a é a projeção de a em cada uma das direções/sentido de referência,

 a̺ = a · ̺ˆ = ax cos ϕ + ay sin ϕ

aϕ = a · ϕ̂ = ay cos ϕ − ax sin ϕ


az = a · ẑ

As coordenadas cilı́ndricas são particularmente adequadas para descrever


regiões, superfı́cies ou volumes, que tenham simetria cilı́ndrica (ou axial).
16 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

z z
r^ dr dϕ
ρ
ϕ
^ dl dr
^
θ r dθ ρdϕ
r
θ r θ r dθ
dθ dτ

ϕ ϕ
^ y dϕ y
ϕ ρ ρd ϕ

x x

Figura 1.8: Coordenadas esféricas, (r, ϑ, ϕ) e respetivos versores, (r̂, ϑ̂, ϕ̂). Note
que ̺ = r sin ϑ e que os três versores mudam de direção de um ponto para outro.

Nestas coordenadas, um elemento infinitesimal de linha tem a forma, dℓ =


dr = d̺ ̺ˆ + ̺ dϕ ϕ̂ + dz ẑ (ver fig. 1.7). Um elemento de volume é dado pelo
produto das componentes de dℓ, sendo neste caso dτ = ̺ d̺ dϕ dz.

1.3.3 Coordenadas esféricas: (r, ϑ, ϕ)


Nestas coordenadas cada ponto é caracterizado por uma distância, r, e dois
ângulos, ϑ e ϕ. O ângulo polar, ϑ, é normalmente referido ao zénite (eixo
z)5 . Da fig. 1.8 conclui-se que

 √ 2 
 r̂ = sin ϑ cos ϕ x̂ + sin ϑ sin ϕ ŷ + cos ϑ ẑ
2 2
 r = x +y +z
 
θ = acos zr e
ϑ̂ = cos ϑ cos ϕ x̂ + cos ϑ sin ϕ ŷ − sin ϑ ẑ
 

ϕ = atan xy 
ϕ̂ = − sin ϕ x̂ + cos ϕ ŷ
(1.13)
P
Um vector a escreve-se neste sistema de referência como a = i ai êi ,
onde ai são as componentes dadas pelas projeções de a na base vectorial,

ar = a · r̂; aϑ = a · ϑ̂; aϕ = a · ϕ̂
5
Nota importante: Infelizmente, na matemática é costume usar os sı́mbolos ϑ e ϕ ao
contrário da fı́sica e engenharia, porque na matemática se lista primeiro o ângulo azimutal,
antes do polar. É pois necessário ter cuidado ao consultar bibliografia diversa!
1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 17

isto é, a = ar r̂ + aϑ ϑ̂ + aϕ ϕ̂.


Como se vê diretamente da figura, os elementos diferenciais de linha, de
superfı́cie e de volume são6

 dℓ = dr = dr r̂ + r dϑ ϑ̂ + r sin ϑ dϕ ϕ̂


ds = r2 sin ϑ dϑ dϕ (1.14)
dτ = r2 sin ϑ dr dϑ dϕ

Estas variáveis aplicam-se com vantagem a problemas com simetria


esférica. Por exemplo, o volume de uma esfera de raio R é o integral (i.e. a
soma) dos elementos infinitesimais de volume que o compõem, dτ . Fazendo
o varrimento de todos os pontos da esfera: r ∈ [0, R], ϑ ∈ [0, π], ϕ ∈ [0, 2π],
tem-se
Z Z Z Z Z Z Z
R π 2π
2
R
2
π 2π 4
V = dτ = r sin ϑ dr dϑ dϕ = r dr sin ϑdϑ dϕ = πR3
V 0 0 0 0 0 0 3
Este cálculo é trivial em coordenadas esféricas, mas não tão trivial noutras
coordenadas quaisquer. A análise das simetrias de uma situação fı́sica e a
escolha adequada do sistema de coordenadas são pois sobremaneira impor-
tantes para descrever um fenómeno.

1.4 Operadores diferenciais vectoriais

Como vimos, em geral, um campo vectorial requer em cada ponto do espaço


três funções escalares, uma por cada componente do campo (ver eq. 1.11).
Em qualquer outro sistema de coordenadas as componentes do campo são
descritas por funções diferentes, mas em princı́pio serão também necessárias
três funções em cada ponto do espaço. Porém, se o sistema fı́sico apresentar
simetria em alguma das coordenadas de um referencial então o campo não
depende dessa coordenada e uma das funções é constante - i.e., são precisas
menos funções. Por isso a ponderação e escolha do referencial mais adequado
às circunstâncias tem importância capital.
6
O fator r2 sin ϑ que aqui surge é o jacobiano da transformação em coordenadas esféricas
(em coordenadas cilı́ndricas o jacobiano da transformação é ̺, como já vimos). Mais
geralmente, numa transformaçãoPqualquer entre as coordenadas x e as coordenadas u
(tal que: x → u ; tem-se duk = i ∂u ∂xi dxi ); o jacobiano é o determinante das derivadas
k

parciais do conjunto das variáveis transformadas em relação às variáveis iniciais, J = ∂u
k
∂xi .
18 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

f(x,y)
11111111dfy
00000000
y
00000000
11111111
00000000
11111111dfx
df=dfx+ df y
000000000000
111111111111
00000000
11111111
000000000000
111111111111dfx dy
O
000000000000
111111111111
dx x
Figura 1.9: A diferencial de uma função, f (x, y). Se x → x + dx ⇒ f → f + δx f ;
se y → y + dy ⇒ f → f + δy f ; então quando (x, y) → (x + dx, y + dy), f → f + df
e, portanto, df = δx f + δy f ≈ ∂x f dx + ∂y f dy.

Há duas formas principais de representar graficamente um campo vecto-


rial: i) desenhando alguns vectores locais, espalhados na região de interesse;
ou ii) traçando as linhas que uniriam uma mirı́ade de sucessivos pequenos
vectores do campo - formando as chamadas linhas de campo. As linhas de
campo são então linhas tangentes aos vectores do campo vectorial em cada
ponto do espaço (ver fig. 1.2). No seu conjunto formam uma representação
mental muito eficaz de um campo vectorial.
Importa pois descrever as caracterı́sticas das funções de várias variáveis.

1.4.1 O gradiente de uma função


Seja uma função escalar f (r) = f (x, y, z), onde r = xx̂ + y ŷ + z ẑ é o vector
posicional de um ponto do espaço. Se a posição r variar de r → r + dℓ,
então a função varia de f → f + df . Isto é, quando {x → x + dx; y → y + dy;
z → z + dz}, a diferencial da função é

∂f ∂f ∂f
df = dx + dy + dz (1.15)
∂x ∂y ∂z

onde ∂f∂x
representa a derivada parcial da função em ordem à variável x (i.e.,
quando varia x mas se mantêm constantes as restantes variáveis). Ou seja,
a variação da função pode-se escrever como a soma das variações parciais,
quando se varia isoladamente cada uma das coordenadas em sequência (ver
fig. 1.9).
Considerando que um elemento infinitesimal de linha tem nestas coorde-
nadas a forma, dℓ = dx x̂ + dy ŷ + dz ẑ, e comparando-a com a forma de df
1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 19

na eq. 1.15, reconhecemos de imediato que esta tem a forma de um produto


escalar,
df = (∇f ) · dℓ (1.16)

em que
∂f ∂f ∂f
∇f = x̂ + ŷ + ẑ
∂x ∂y ∂z
Esta quantidade é o chamado gradiente da função, ou gradf ≡ ∇f . O
sı́mbolo ∇, (chama-se nabla), representa pois um operador diferencial vecto-
rial, da forma7 ,
def ∂ ∂ ∂
∇= x̂ + ŷ + ẑ (1.17)
∂x ∂y ∂z
cuja operação sobre uma função (regular), f , nos dá o gradiente dessa função
em cada ponto,
∂f ∂f ∂f
∇f = x̂ + ŷ + ẑ (1.18)
∂x ∂y ∂z
Mas qual é afinal o significado e que interpretação tem grad f ≡ ∇f ?
Como se disse acima, se dr → r +dℓ então df → f +df . Porém, a quantidade
df depende em geral da direção de dℓ (ver fig. 1.10). A derivada, df dℓ
, segundo
uma certa direção/sentido, ℓ̂, é igual à projeção do gradiente nessa direção e
sentido, já que sendo dℓ = dℓℓ̂, a eq. 1.16 fica,

df
= (∇f ) · ℓ̂
dℓ

Ou seja, o gradiente é portanto a máxima derivada direcional de uma


função em cada ponto do espaço, i.e., em cada ponto aponta sempre na
direção em que a função varia maximamente a partir desse ponto (ver
fig. 1.10). A derivada em qualquer outra direção/sentido é portanto menor,
sendo dada pela projeção do vector gradiente nessa direção/sentido.
7 ∂f ∂f
Usaremos daqui em diante, por ser uma notação mais económica, ∂x f ≡ ∂x , ∂y f ≡ ∂y ,
2
∂z f ≡ ∂f 2 ∂ f
∂z , ∂x f ≡ ∂x2 , etc... O operador nabla terá também a forma mais compacta:
∇ = ∂x x̂ + ∂y ŷ + ∂z ẑ.
Dado que o operador ∇ é vectorial dever-se-ia escrever ∇ (ao invés de ∇). Todavia, ∇
é um sı́mbolo distinto e não resulta ambiguidade por se escrever ∇, e a mancha gráfica
fica mais leve.
20 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

f
40

f 30
f
dl
20

10

Figura 1.10: Uma função escalar, f , pode ser representada por curvas de igual
valor ou de nı́vel. O gradiente de uma função f , grad f ≡ ∇f , é igual à máxima
derivada direcional da função em cada ponto; i.e., em cada ponto, aponta na
direção e sentido em que f cresce mais depressa, i.e., na perpendicular às linhas
(ou superfı́cies) de equivalor da função, em cada ponto.

Teorema do gradiente

Resulta da equação 1.16 que o integral de uma função entre dois pontos
quaisquer, a e b, é
Z b Z b
df = f (b) − f (a) = (∇f ) · dℓ (1.19)
a a

Este é o chamado teorema do gradiente.

Teorema do gradiente. O integral de caminho do gradiente de uma função


entre um ponto e outro é sempre igual à diferença dos valores da função
nesses dois pontos (independentemente do caminho).

Com alguma audácia podemos estender os argumentos anteriores e definir


outras operações vectoriais envolvendo o operador nabla (∇). Visto que
∇ tem carácter vectorial que significado terão operações como o “produto
escalar”ou o “produto vectorial”com este operador? Por exemplo, se E(r)
é uma função vectorial, que significado terão as operações ∇ · E e ∇ × E?
Consideramos estas questões a seguir.
1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 21

n^
θ ds⊥
E
E θ E
E ds
ds⊥ ds
a) b)

Figura 1.11: Fluxo de um campo vectorial, E, através de uma superfı́cie elemen-


tar, ds.

1.4.2 A divergência de um campo vectorial


O fluxo de uma função vectorial, E, através de um elemento infinitesimal
(diferencial) de superfı́cie, ds = ds n̂, onde n̂ é a normal (ver fig. 1.11),
define-se como
dΦ = E · n̂ ds

Ou seja, o fluxo de um campo através de um elemento infinitesimal de su-


perfı́cie, ds, é o produto da projeção do campo na direção normal à superfı́cie
vezes essa superfı́cie.8
O fluxo total através de uma superfı́cie finita, S, é pois igual à soma
de
R
todosR os fluxos infinitesimais sobre toda a superfı́cie considerada, Φ =
S dΦ = S v · n̂ds.
A superfı́cie que define a fronteira de um volume é uma superfı́cie fechada,
em que estão definidos inequivocamente os lados interior e exterior. Nesse
caso, convenciona-se que a normal, n̂, aponta para fora em cada ponto da
superfı́cie, e isso pode-se fazer sem ambiguidade. Deste modo, fica portanto
definido como positivo o fluxo que sai através da superfı́cie de um volume e
como negativo o fluxo que entrar por essa superfı́cie.
H
Como é óbvio,
H
o fluxo
total através da superfı́cie de um volume é Φ = S E · n̂ds, onde S designa
um integral que se estende sobre uma superfı́cie que é fechada.
8
Considere-se por exemplo o campo de velocidades de um fluido em movimento, v(r, t).
O fluxo deste campo através de uma superfı́cie, S = S n̂, é então Φ = v · S. Uma análise
2
dimensional elucida-nos quanto ao significado deste fluxo, [Φ] = m/s m m3 /s, ou seja,
é o volume de fluido que passa através de S por unidade de tempo, tendo em conta a
orientação da superfı́cie em relação a v.
22 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

Seja um elemento infinitesimal de volume, dτ = dx dy dz, na fig. 1.12. O


fluxo que sai através das faces desse elemento de volume é (em cada face n̂
aponta para fora),

dΦ = Ey (x′ , y + dy, z ′ ) dxdz − Ey (x′ , y, z ′ ) dxdz


+Ex (x + dx, y ′ , z ′ ) dydz − Ex (x, y ′ , z ′ ) dydz
+Ez (x′ , y ′ , z + dz) dxdy − Ez (x′ , y ′ , z) dxdy

onde x′ ≈ x̄ ≈ x + dx 2
; y ′ ≈ ȳ ≈ y + dy
2
; e z ′ ≈ z̄ ≈ z + dz
2
são posições
(inter)médias no volume considerado. Considerando a expansão em série de
Taylor, em relação a (x, y, x), de cada uma das componentes, tem-se, por
exemplo, Ey (y + dy) ≈ Ey (y) + ∂y Ey dy, etc... Ou seja, obtém-se,

dΦ = (∂x Ex + ∂y Ey + ∂z Ez ) dx dy dz = ∇ · E dτ (1.20)

(ver eq. 1.17).


A divergência de um campo vectorial define-se como o fluxo que sai pela
superfı́cie da vizinhança de um ponto, normalizada ao volume dessa vizin-
hança, isto é,
def dΦ
divE = =∇·E

Em coordenadas cartesianas a divergência é portanto

∇ · E = ∂x Ex + ∂y Ey + ∂z Ez (1.21)

A divergência, ∇ · E, é uma função escalar que expressa a divergência do


campo vectorial, E, em cada ponto do espaço. Com efeito, se o fluxo que
entra na vizinhança de um ponto for igual ao que sai, então é porque desse
ponto não divergem, nem para esse ponto convergem, vectores de campo com
origem ou terminus nesse volume, e o fluxo total é nulo.

Teorema de Gauss-Ostrogradsky
Considere-se um volume qualquer, finito, τ , constituı́do por elementos in-
finitesimais de volume, dτ , que justapostos perfazem o volume completo (ver
fig. 1.13). A normal à superfı́cie (fechada) que delimita dτ aponta para fora
em todas as suas microfaces. As microfaces entre dois elementos de volume
contı́guos têm por isso normal n̂ ou −n̂, consoante se referiram a um ele-
mento de volume ou ao outro. O fluxo do campo que sai de um elemento
1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 23

E(x,y,z)

dz
y
dx
x dy

Figura 1.12: A divergência de um campo vectorial E(x, y, z).

de volume, dτj , através de uma dessas faces é exatamente o que entra por
essa mesma face no elemento de volume seguinte, dτk . Esses dois fluxos são
portanto simétricos, e quando se somam anulam-se mutuamente, porquanto
dsj = −dsk (ver fig. 1.13). Isto verifica-se em todas as microfaces de con-
tacto.
A soma de todos os fluxos do campo através de todos os elementos de
volume, dτ , é efetivamente a soma de todos os fluxos elementares através de
todas as microfaces de todos os elementos do volume. Como os elementos
de fluxo através de microfaces internas se anulam mutuamente, ficam ape-
nas os fluxos que saem através das microfaces exteriores, que compõem a
superfı́cie, S, do volume considerado. Consequentemente, a soma dos fluxos
infinitesimais através de todos os elementos dτ de um volume qualquer, τ ,
fica reduzida ao fluxo através da superfı́cie desse volume. Isto é,
Z I
dΦ = E · ds , com ds = ds n̂
S

em que n̂ é normal à superfı́cie do volume em cada ponto, e aponta para fora


(ver fig. 1.13). Assim, dado que da eq. 1.20, dΦ = ∇ · E dτ , então
I Z
E · ds = (∇ · E)dτ (1.22)
S τ

Este é o teorema de Gauss-Ostrogradsky.


Teorema da divergência de Gauss-Ostrogradsky. O integral de volume
da divergência do campo em cada ponto de um volume é igual ao fluxo do
campo que sai através da superfı́cie fechada que delimita esse volume.
24 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

ds
111
000 11
00
E
000
111 00
11
00
11
ds
000
111 00
11
000
111 00
11
000
111
dsj
00
11
ds 000
111 00
11
dτ 000
111
dsk
00
11
E
000
111 00
11
S τ
000
111 00
11
000
111
ds
a) b)

Figura 1.13: A soma de todos os fluxos através das superfı́cies de todos os ele-
mentos de um volume é igual ao fluxo do campo através da superfı́cie que delimita
esse volume; b) os fluxos através de elementos de superfı́cie que separam elemen-
tos de volume contı́guos anulam-se todos mutuamente, pois o fluxo que sai de
um elemento de volume τj por uma microface, dsj , entra no elemento contı́guo,
τk , pela mesma microface. Com efeito, o primeiro é dΦj = E · dsj e o outro é
dΦk = E · dsk = −dΦj , sendo nula a sua soma.

O teorema anterior é de sobremaneira importante e poderoso porque es-


tabelece uma conexão entre as caracterı́sticas do campo no interior de um
volume e o seu comportamento na superfı́cie que delimita esse volume.
Este teorema pressupõe contudo que o campo é uma função é bem com-
portada em todos os pontos do volume e da superfı́cie.

1.4.3 O rotacional de um campo vectorial


O rotacional de um campo vectorial está, tal como o nome sugere, relacionado
com a rotação dos vectores do campo quando se passa de um ponto para outro
da vizinhança, i.e. caracteriza a vorticidade desse campo. Esta propriedade é
posta em evidência calculando o integral de circulação do campo, i.e., fazendo
o integral de caminho do campo ao longo de um percurso que seja fechado.
Chama-se integral de caminho, ou de linha, de um campo vectorial, E,
ao integral das projeções desse campo vectorial ao longo de determinado
percurso, desde um certo ponto, a, até um ponto, b, (ver fig. 1.14)
Z b
U= E · dℓ
a
1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 25

E b
dl dl
dl
E E
a

Figura 1.14: Integral de linha


R
de um campo vectorial E, ao longo de um percurso
entre dois pontos a e b, é ab E · dℓ. Se o campo for conservativo este integral é
uma função f (a, b), não depende do caminho.

onde dℓ é o elemento infinitesimal de linha, tangente em cada ponto ao


percurso considerado. O trabalho de uma força, Rb
F , é um exemplo bem
conhecido de um integral de caminho, w(a, b) = a F · dℓ.
Se os pontos a e b corresponderem à mesma posição, então o percurso é
fechado e o integral de caminho ao longo de tal percurso é um integral de
circulação.
Seja o percurso fechado elementar da fig. 1.15, no plano xy. A circulação
elementar do campo E = Ex x̂ + Ey ŷ + Ez ẑ ao longo desse percurso elementar
é,
dΓ = Ex (x′ , y, z) dx + Ey (x + dx, y ′ , z) dy
+Ex (x′ , y + dy, z) (−dx) dx + Ey (x, y ′ , z) (−dy)
onde x′ ≈ x̄ ≈ x + dx 2
e y ′ ≈ ȳ ≈ y + dy
2
são valores médios sobre o percurso
considerado. No limite infinitesimal da aproximação em série de Taylor em
relação a (x, y) fica,
dΓ = (∂x Ey − ∂y Ex ) dx dy (1.23)
Da expressão anterior e da eq. 1.18 conclui-se assim que a circulação elemen-
tar à volta do elemento de superfı́cie considerado tem a forma9
dΓ = (∇ × E) · ẑ dxdy = (∇ × E) · ds (1.24)
9
Note que se a e b forem os vectores: a = ax x̂ + ay ŷ + az ẑ e b = bx x̂ + by ŷ + bz ẑ, então
a × b = (ay bz − az by )x̂ + (az bx − ax bz )ŷ + (ax by − ay bx )ẑ.
26 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

E(x,y,z)

^z ^
^y n
^x
−dy y
dx −dx

x dy

Figura 1.15: Circulação elementar de um campo vectorial, E(x, y, z).

onde ds = n̂ dxdy, sendo a normal definida de acordo com a regra da mão


direita (ou do parafuso), relativamente ao sentido da circulação.
A função vectorial rot E ≡ ∇ × E é o chamado rotacional do campo E
em cada ponto do espaço e descreve de que forma rodam os vectores E entre
pontos de uma dada vizinhança. Com efeito, só por causa dessa eventual
“rotação” é que a circulação do campo ao redor dessa vizinhança será não
nula.
A conclusão anterior é válida qualquer que seja a superfı́cie elementar ds,
uma vez que podemos sempre rodar o sistema de eixos até fazer coincidir ẑ
com a normal local, n̂. Por conseguinte, podemos concluir que a circulação
elementar de um campo vectorial, E, no contorno de um qualquer elemento
de superfı́cie, ds, é igual ao fluxo elementar através dessa superfı́cie,
dΓ = (∇ × E) · ds (1.25)
Em coordenadas retangulares a operação ∇ × E tem a forma

x̂ ŷ ẑ

∇ × E = ∂x ∂y ∂z
(1.26)

Ex Ey Ez

Esta função vectorial, ∇ × E, caracteriza, como se disse, de que forma os


vectores do campo rodam (e as linhas do campo E “curvam”) ao passar de
um ponto para outro da proximidade (ver fig. 1.17).

Teorema de Stokes
Seja S uma superfı́cie qualquer, aberta, constituı́da por elementos infinitesi-
mais, ds, que justapostos perfazem completamente a superfı́cie. Considerem-
1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 27

se as circulações elementares do campo E ao redor de todos esses elementos


de superfı́cie. Imediatamente se vê que as microsuperfı́cies contı́guas partil-
ham linhas de contacto, que são percorridas sempre num sentido e também
no outro quando se faz a circulação de elementos da superfı́cie contı́guos (ver
fig. 1.16). Consequentemente, a soma de todas as circulações elementares
ao redor de todos os elementos superficiais, ds, todas no mesmo sentido de
circulação, é uma soma de parcelas que se anulam mutuamente em todos
os elementos de linha internos que separam elementos superficiais contı́guos,
visto que eles são sempre percorridos num sentido e também no sentido in-
verso. Sobram portanto apenas as contribuições ao longo dos elementos de
linha que perfazem (no seu conjunto) o contorno limite (i.e., o bordo) da
superfı́cie S (ver fig. 1.16). Por conseguinte, a soma de todas circulações in-
finitesimais feitas sobre a superfı́cie S é igual à circulação ao longo do bordo
dessa superfı́cie, Z I
dΓ = E · dℓ (1.27)
C
H
onde C E · dℓ é a circulação do campo no percurso fechado, C, que constitui
o bordo da superfı́cie considerada, S. Dado que dΓ = (∇×E)·ds, (eq. 1.25),
então I Z
E · dℓ = (∇ × E) · ds (1.28)
C S
Este é o teorema de Stokes.
Teorema do Stokes. A circulação de um campo vectorial num contorno
fechado, C, é igual ao fluxo do rotacional desse campo através de qualquer
superfı́cie, S, que seja delimitada por C, se a normal em cada ponto da
superfı́cie apontar segundo a regra da mão direita, com referência ao sentido
da circulação.10
O teorema de Stokes pressupõe que o campo é descrito por uma função
bem comportada em todos os pontos da superfı́cie considerada.

1.4.4 O Laplaciano de um campo


O gradiente de uma função escalar, f (r), é uma função vectorial. A di-
vergência desta última é o chamado Laplaciano de f , i.e.,
def
lap f = div(grad f ) ≡ ∇ · (∇f ) ≡ ∇2 f (1.29)
10
A restrição quanto à normal resolve a ambiguidade na definição do sentido da normal
a uma superfı́cie aberta, que a priori tanto pode ser n̂ ou −n̂.
28 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

d lj dlk
C

b)

Figura 1.16: A soma de todas as circulações elementares sobre uma superfı́cie, S,


resume-se à circulação ao longo do bordo dessa superfı́cie; b) percursos elementares
contı́guos anulam-se mutuamente.

O Laplaciano é portanto uma operação nas segundas derivadas de f (r). Das


eqs. 1.17 e 1.12 vem, em coordenadas cartesianas,
∇2 f = ∂x2 f + ∂y2 f + ∂z2 f (1.30)
O nome de Laplaciano é uma homenagem a Laplace e à famosa equação de
Laplace, ∇2 V = 0, publicada no seu Tratado de Mecânica Celeste em 1799.
Também se define o Laplaciano de um campo vectorial. Se um campo E
for expresso em coordenadas cartesianas retangulares, então, aplicando-lhe o
Laplaciano,
X 3
X
E= Ei êi ⇒ ∇2 E = ∇2 Ei êi , com {êi } = {x̂, ŷ, ẑ} (1.31)
i i=1

pois neste caso os versores {êi } não mudam de um ponto para outro - são
constantes. Ou seja, em coordenadas cartesianas retangulares o Laplaciano
de um campo vectorial é o vector cujas componentes são os Laplacianos
das componentes desse campo. Todavia, isso é falso noutros sistemas de
coordenadas curvilı́neas, e.g. em coordenadas esféricas, porque as direções
dos respetivos versores variam de ponto para ponto e é necessário derivá-los
também ao aplicar o Laplaciano.
Pode-se mostrar que, em geral, o Laplaciano de um campo vectorial é
dado por,
∇2 E = ∇(∇ · E) − ∇ × (∇ × E) (1.32)
sendo esta igualdade válida em qualquer sistema de coordenadas, (ver
apêndice A). Note-se portanto que, em geral, o Laplaciano de um campo
1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 29

G G G G

a) b) c) d)

Figura 1.17: Campos vectoriais:


a) campo uniforme: G = κx̂; ∇ · G = 0; ∇ × G = 0;
b) campo radial: G = κr; ∇ · G = 3κ; ∇ × G = 0;
c) campo solenoidal: G = κ × r; ∇ · G = 0; ∇ × G = 2κ;
d) campo em geral: G = κ × r + cr; ∇ · G = 3c; ∇ × G = 2κ.

vectorial não é o gradiente da divergência do campo. Só é assim se


esse campo for irrotacional.

1.4.5 Considerações adicionais


Como se viu nas páginas anteriores, um campo vectorial é descrito por uma
função vectorial, cujas caracterı́sticas estão embutidas em propriedades como
a divergência e o rotacional. A fig. 1.17 ilustra a tipificação dessas pro-
priedades. Se um campo tem rotacional nulo diz-se que é um campo irrota-
cional. Por outro lado, um campo com divergência nula é designado campo
solenoidal. Estas caracterı́sticas dos campos relacionam-se com a fı́sica que
esses campos representam. Como se verá, a divergência e o rotacional de um
campo são suficientes para o descrever em qualquer ponto do espaço.
No apêndice A listam-se as identidades vectoriais do operador ∇ que são
de utilização mais comum. Mas importa aqui destacar, pela sua importância,
duas delas em particular:
i) ∇ × (∇f ) = 0
ii) ∇ · (∇ × E) = 0 (1.33)
Estas identidades dizem-nos respetivamente que:
i) o gradiente de uma função é um campo irrotacional (tem rotacional
nulo) e;
30 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

ii) o rotacional de um campo é um campo solenoidal (não tem divergência).

Estas duas propriedades são fundamentais e têm grandes implicações.11


Os operadores diferenciais gradiente, divergência, rotacional e laplaciano
têm expressões diferentes nos diversos sistemas de coordenadas. Todavia,
representam sempre as mesmas propriedades, independentemente do sistema
de coordenadas em que eles sejam expressos.
No apêndice A estão reunidas as expressões dos operadores nos sistemas
de referência considerados, com coordenadas: retangulares, cilı́ndricas e
esféricas. No apêndice B explica-se como se podem obter as expressões desses
operadores em coordenadas curvilı́neas. Por ser muito laborioso obter algu-
mas destas expressões, convém tê-las por perto, já que não é praticável ter
que repetidamente as calcular.

1.5 O campo eletrostático


A situação mais comum de que trata o eletromagnetismo consiste em rela-
cionar as cargas e correntes de uma região com os campos que causam.
Helmholtz demonstrou que a divergência e o rotacional de um campo
são suficientes para o definir completamente em qualquer ponto do espaço,
contando que as funções que descrevem a divergência e o rotacional tendem
para zero no infinito, mais depressa do que com o quadrado da distância (ver
§ 1.8).
Veremos a seguir que o campo eletrostático é efetivamente descrito por
duas equações que relacionam respetivamente a divergência e o rotacional
do campo com as cargas que o produzem. Por igual razão, o campo mag-
netostático será também descrito por duas equações correspondentes (para
a divergência e o rotacional). O caso mais geral do campo eletromagnético,
que engloba os campos elétrico e magnético, requer portanto quatro equações
11
O carácter vectorial de ∇ sugere que as igualdades anteriores são óbvias, já que um
produto vectorial é sempre normal aos vectores que o compõem. Todavia, ∇ não é um
vector qualquer - é um operador vectorial- e acerca dele não se pode argumentar como se
de um ordinário vector se tratasse.
Por exemplo, se ∇ fosse um vector ordinário, quaisquer que fossem f1 e f2 , ter-se-ia
sempre ∇f1 × ∇f2 = 0, o que não é verdade. Também não é verdade que o rotacional de
um campo seja necessariamente perpendicular a esse campo: e.g., se B = y x̂ + ẑ então
∇ × B = ẑ, sendo B · (∇ × B) = −1 6= 0 e portanto ∇ × B 6⊥ B.
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 31

ds
Ei
ds
z ds⊥
r
r"
i

O
r’i τ
x S
qi
y

Figura 1.18: Lei de Gauss da eletrostática. O fluxo do campo da carga qi através


do elemento ds da superfı́cie S é igual ao fluxo através de ds⊥ = ds · Ê.

diferenciais - as chamadas quatro equações de Maxwell. Nos termos do teo-


rema de Helmholtz, não são necessárias mais.

1.5.1 Divergência do campo eletrostático


Seja um conjunto de cargas elétricas pontuais e estáticas colocadas num
espaço vazio, à volta das quais imaginamos estar uma superfı́cie imaginária,
fechada, S. O campo eletrostático criado pelo conjunto das N cargas num
ponto r é dado pela lei de Coulomb, onde as posições das cargas qi são
identificadas pelos vectores posicionais, ri′ , (ver fig. 1.18),
N N
X 1 X qi ′′
E(r) = Ei = r̂
i=1 4πǫ0 i=1 ri′′ 2 i
onde r ′′i = r − r ′i , com r ′′i = r′′ r̂i′′ .
1 qi ′′ ′′
O campo criado pela carga qi em r é E i = 4πǫ 0 ri′′
2 r̂i = Ei r̂i . O fluxo de

E i através do elemento de superfı́cie ds = ds n̂ é portanto dΦi = Ei r̂i′′ · ds =


Ei ds⊥ , onde ds⊥ = ri′′ 2 sin ϑ′′i dϑ′′i dϕ′′i (ver fig. 1.18). Por conseguinte, o fluxo
de E i através de ds é
1 qi ′′ 2
dΦi = r sin ϑ′′i dϑ′′i dϕ′′i
4πǫ0 ri′′ 2 i
O fluxo total de E i através de toda a superfı́cie fechada, S, é portanto
qi Z π Z 2π qi
Φi = sin ϑ′′i dϑ′′i dϕ′′i =
4πǫ0 | 0 0 {z } ǫ0

32 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

Por conseguinte, o fluxo do campo E que sai através de toda uma superfı́cie
fechada (imaginária), S, que encerra um conjunto de N cargas, é
I N
1 X
E · ds = qi (1.34)
S ǫ0 i=1
ou seja, é proporcional apenas às cargas que estão dentro da superfı́cie.
Outras cargas localizadas fora da superfı́cie S não contam para o fluxo do
campo que a atravessa. Se existirem criam campo certamente, mas a sua
contribuição para o fluxo total em S é nula. Esta é a lei de Gauss da elet-
rostática.
Lei de Gauss da eletrostática. O fluxo do campo elétrico que sai através
de uma superfı́cie imaginária, fechada, arbitrária, é igual à soma das cargas
que estão dentro dessa superfı́cie a dividir pela permitividade do meio em que
se insere.
A lei de Gauss permite calcular o campo eletrostático de forma muito ex-
pedita em casos com elevada simetria, em que se possa perceber a priori que
o campo não depende de alguma variável ou tem determinada direção. Nesse
caso pode-se escolher uma superfı́cie conveniente sobre a qual o campo não
varie, podendo então extrair-se o campo para fora do integral de superfı́cie,
e calculá-lo trivialmente.
Todavia, o interesse da equação de Gauss está sobretudo no seu grande
alcance teórico, por se tratar de uma equação mais geral que a lei de Coulomb
de que partimos, a qual só é válida no caso estritamente estático.

Distribuições contı́nuas - equação de Gauss


Se as cargas elétricas estiverem distribuı́das pelo espaço numa nuvem
contı́nua, então na vizinhança de cada ponto há uma carga infinitesimal,
dq
dq = ρdτ , onde ρ = ρ(r) = dτ é a densidade volumétrica de carga, que no
caso estático é uma função da posição. A lei de Gauss, eq. 1.34, escreve-se
então como, I
1 Z
E · ds = ρ dτ (1.35)
S ǫ0 τ
onde o integral de volume compreende todos os pontos interiores à superfı́cie
S. O teorema da divergência de Gauss-Ostrogradsky, diz-nos porém que
I Z
E · ds = (∇ · E) dτ (1.36)
S τ
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 33

e portanto, consequentemente,
Z  
ρ
∇·E− dτ = 0 , (1.37)
τ ǫ0

Esta igualdade integral é válida qualquer que seja o volume, τ , consider-


ado. Por conseguinte, como este integral de volume é identicamente nulo,
independentemente dos limites de integração que se considerem, então, nec-
essariamente, a função integranda deve ser, ela mesma, identicamente nula
em todos os pontos desse volume. Isto é, em qualquer ponto do volume,
tem-se
ρ
∇·E = (1.38)
ǫ0

Esta é a equação diferencial de Gauss do campo eletrostático, em cada ponto


do espaço. É também conhecida como primeira equação de Maxwell.
A equação 1.38 diz-nos claramente que i) as cargas são fontes do campo
eletrostático; ii) que emergem linhas de campo de cada ponto onde ρ > 0,
onde a divergência será sempre positiva e; ii) que onde for ρ < 0 então
∇ · E < 0, e que portanto há linhas de campo que se extinguem onde ρ < 0.
Por outras palavras: - as linhas do campo eletrostático “nascem” nas cargas
positivas e “morrem” nas negativas (ver fig. 1.2).
A lei de Gauss assume portanto duas formas:

i) a forma integral, (eqs. 1.34 e 1.35), que relaciona o fluxo do campo


através de uma determinada superfı́cie fechada, macroscópica, com as
cargas que se encontram no seu interior e;

ii) a forma diferencial, (eq. 1.38), que relaciona, em cada ponto do espaço,
a divergência do campo com a densidade de cargas nesse ponto.

Ambas as formas anteriores descrevem porém a mesma lei fı́sica - são versões
da mesma lei - pois uma decorre da outra e vice-versa.
Esta dualidade entre equações diferenciais e integrais do campo encontra-
se também noutras leis do campo eletromagnético, as quais podem apresentar
quer a forma de uma equação diferencial local ou a forma de uma equação
integral sobre uma região finita.
34 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

1.5.2 Rotacional do campo eletrostático − o potencial


O campo eletrostático criado pela carga pontual qi da fig. 1.18 é, como vimos,
qi r̂i′′ qi (r − ri′ )
Ei = = , com r ′′ = r − r ′i (1.39)
4πǫ0 ri′′ 2 4πǫ0 (r − ri′ )3
Conclui-se sem esforço que, sendo E i radial a partir da posição de qi , então
∇ × E i = 0, (ver fig. 1.17).
Com efeito, como r e r ′i são variáveis independentes (o sı́tio onde se quer
saber o campo não tem relação com os sı́tios onde estão as cargas) e visto
que r ′′i = r − r ′i , então as derivadas em ordem a r são iguais às derivadas em
ordem a r ′′i . Isto é, ∇ × E i = ∇′′ × E i , onde ∇′′ = (∂x′′i , ∂yi′′ , ∂zi′′ ) é o operador
nabla em relação às variáveis r ′′i = (x′′i , yi′′ , zi′′ ). Mas, como o campo é radial
na variável r ′′i , então ∇′′ × E i = 0, porque um campo radial é irrotacional
(ver fig. 1.17).12
P
O campo criado por uma distribuição discreta de N cargas é E = N i=1 E i
PN
e por conseguinte, ∇ × E = i=1 ∇ × E i = 0. Se a distribuição for contı́nua
o rotacional é também nulo, evidentemente. Conclui-se assim que o campo
eletrostático é necessariamente irrotacional, quaisquer que sejam as cargas,
∇×E =0 (1.40)
O campo eletrostático é portanto descrito em cada ponto pelo par de equações
diferenciais, (
∇ · E = ǫρ0
(1.41)
∇×E =0
Nos termos do teorema de Helmholtz estas equações são suficientes, não são
necessárias mais (mas faltam ainda as condições de fronteira).
O facto de o campo eletrostático ser irrotacional em todos os pontos é da
maior importância e tem consequências fundamentais. Com efeito, o teorema
de Stokes diz-nos que
I Z
E · dℓ = (∇ × E) · ds
C S
12
Querendo poderemos também calcular explicitamente ∇ × E i e verificar que o rota-
cional é de facto nulo. Por exemplo, em coordenadas cartesianas a eq. 1.39 tem a forma
qi (x−x′i )x̂+(y−yi′ )ŷ+(z−zi′ )ẑ
E i = 4πǫ 0
3 e é fácil concluir que ∇ × E i = 0. Mas, como o
[(x−x′i )2 +(y−yi′ )2 +(z−zi′ )2 ] 2
campo E i é radial em (x′′i , yi′′ , zi′′ ), é ainda mais simples fazer este cálculo em coorde-
nadas esféricas, pois o campo só depende de ri′′ .
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 35

Visto que ∇ × E = 0, então a circulação de qualquer campo eletrostático ao


longo de qualquer percurso fechado, C, é sempre nula,
I
E · dℓ = 0 (1.42)
C

Um consequência direta deste facto é que o integral de caminho do campo


eletrostático entre dois pontos quaisquer não depende do caminho escolhido
para ir de um ao outro.13 Um campo com estas caracterı́sticas é um campo
conservativo.

O potencial eletrostático
Visto que ∇ × E = 0 e, visto que o gradiente de qualquer função escalar,
f , é sempre irrotacional, ∇ × (∇f ) = 0, (eq. 1.33), então todo o campo
eletrostático pode ser escrito na forma,

E = −∇V (1.43)

onde V = V (r) é a função potencial escalar, ou simplesmente potencial.


Ou seja, por outras palavras, é condição suficiente para que o rotacional do
campo seja nulo em cada ponto que ele seja o gradiente de uma função, pois
∇ × (∇V ) = 0. O sinal negativo na eq. 1.43 é uma mera convenção, tem
o propósito de que o campo eletrostático aponte no sentido dos potenciais
decrescentes e, portanto, no sentido oposto ao gradiente em cada ponto (isto
permite mais adiante associar V à energia potencial).
Qualquer campo vectorial, E, que seja irrotacional (∇ × E = 0) pode
portanto ser descrito pelo gradiente de uma função escalar. O facto de se
poder descrever o campo através de uma única função escalar constitui uma
vantagem matemática importante: - com uma única função escalar descreve-
se o que normalmente requer três funções escalares correspondentes às três
componentes vectoriais do campo.
O teorema do gradiente, (eq. 1.19), permite transformar a equação difer-
encial 1.43 numa equação integral. Com efeito, o integral de caminho da
13
Dois pontos, a e b, marcados sobre o um percurso fechado, C, dividem-no em dois
H H Rb Ra
troços, (1) e (2) Dado que C E·dℓ = 0, então fica 0 = C E·dℓ = a,(1) E·dℓ+ b,(2) E·dℓ =
Rb Ra Ra Rb
0. Ou seja, a,(1) E · dℓ = − b,(2) E · dℓ = b,(2) E · (−dℓ) = a,(2) E · dℓ. Consequentemente,
o integral de caminho do campo eletrostático do ponto a para o ponto b não depende do
caminho escolhido, se é (1) ou (2) ou outro qualquer - o campo eletrostático é portanto
conservativo.
36 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

função V entre quaisquer dois pontos do espaço, a e b, é, (atendendo à


eq. 1.16, dV = ∇V · dℓ),
Z b Z b
E · dℓ = − dV = V (a) − V (b)
a a

Isto é, o integral de caminho do campo eletrostático não depende do caminho


escolhido, é somente função das posições inicial e final desse percurso,
Z b
V (a) − V (b) = E · dℓ (1.44)
a

Esta equação integral corresponde à equação diferencial E = −∇V .


Se tomarmos a equação E = −∇V e adicionarmos a V uma constante,
tal que V → V + const, obtém-se o campo E = −∇(V + const) = −∇V .
Ou seja, o campo eletrostático (que é o campo fı́sico) é insensı́vel à soma de
qualquer constante ao potencial. Por consequência: - a função potencial, a
que corresponde determinado campo, é sempre definida em qualquer ponto a
menos de uma constante.
A caracterı́stica anterior está também patente na eq. 1.44, a qual se pode
pôr na forma,
Z b
V (r) = V (b) + E · dℓ (1.45)
r
o que significa que V (r) é definido a menos da constante V (b). Mas a
diferença de potencial entre dois pontos não depende de nenhuma constante.
Se a distribuição de cargas estiver confinada a uma região finita do espaço,
como geralmente acontece, será vista de qualquer ponto do infinito como um
mero ponto, o que significa que V (∞) =constante. Esta constante não tem
significado
R
particular e pode ser absorvida fazendo V (∞) = 0, nesse caso
V (r) = r∞ E · dℓ.

Equações de Laplace e Poisson

Combinando as equações 1.38 e 1.43, obtemos uma equação que relaciona


diretamente as cargas com os potenciais em cada ponto,
ρ
∇2 V = − (1.46)
ǫ0
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 37

É a equação de Poisson (Poisson 1813). No caso particular em que ρ = 0,


esta equação transforma-se na equação de Laplace,14

∇2 V = 0 (1.47)

A equação de Poisson (e a de Laplace) é uma equação de grande im-


portância para o cálculo dos campos porque é uma equação escalar. A sua
resolução permite em princı́pio calcular o potencial e, a partir dele, o campo
eletrostático criado por quaisquer distribuições de cargas. Problemas compli-
cados, com pouca ou nenhuma simetria, geralmente resolvem-se integrando
numericamente a equação de Poisson (Laplace).
Em qualquer caso, a solução da equação tem que satisfazer as condições
de fronteira do problema em causa. Discutiremos essa questão mais adiante.

1.5.3 Distribuições de cargas


À escala atómica as cargas elétricas mais elementares que hoje se conhecem
são todas discretas. Todas elas se materializam em múltiplos de ±e, em
que e é a carga de um eletrão (os quarks têm carga fraccionária mas não
existem isolados). Todavia, à escala macroscópica faz sentido considerar quer
distribuições discretas de cargas (i.e. de cargas enumeráveis), quer também
distribuições contı́nuas de cargas, em que estas se distribuem continuamente,
seja ao longo de uma linha, ou sobre uma superfı́cie ou num volume (ver
fig. 1.19). É costume designar as correspondentes densidades por λ = dq dℓ
,
dq dq 15
σ = ds e ρ = dτ , respetivamente. Todas as cargas (estáticas) criam campos
eletrostáticos.
Como vimos, o campo eletrostático de uma distribuição contı́nua de car-
gas pode-se escrever como uma sobreposição de campos coulombianos. Se as
cargas se distribuı́rem num volume τ , com densidade ρ(r ′ ), então o campo
eletrostático que elas criam num posto r, fazendo r ′′ = r′′ r̂′′ = r − r ′ , é (ver
fig. 1.3),

1 Z ρ(r ′ ) ′′ ′
 
1 Z ′ 1
E(r) = r̂ dτ = ρ(r ) −∇ dτ ′ (1.48)
4πǫ0 τ r′′ 2 4πǫ0 τ r′′
14
A equação de Laplace aparece no tratado de Mecânica Celeste de Laplace sobre o
campo gravitacional, em 1799. Poisson generalizou esta equação em 1813, tendo obtido a
que ficou conhecida como equação de Poisson.
15 2 3
No sistema SI de unidades tem-se pois λ [C/m], σ [C/m ] e ρ [C/m ].
38 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

r dE
Ei
r dE
ri r dE σ dτ
dl ds
ρ
qi

a) b) c) d)

Figura 1.19: Distribuições de cargas discretas e contı́nuas: a) sobre uma linha;


b) sobre uma superfı́cie; c) num volume; com densidades λ = dq/dℓ, σ = dq/ds e
ρ = dq/dτ , respetivamente.

já que16
1 r̂′′
= − ∇ (1.49)
r′′ r′′ 2
note-se que r e r ′ são variáveis independentes. Por conseguinte, tem-se
efetivamente E = −∇V , com
1 Z ρ(r ′ )
V (r) = dτ ′ + const. arbitrária (1.50)
4πǫ0 τ |r − r ′ |
Ou seja, o potencial de uma distribuição de cargas também pode ser es-
crito como uma sobreposição dos potenciais coulombianos associados a
cada elemento de carga, dq = ρdτ . A constante é determinada fixando
o potencial num ponto. Mas se as cargas não tiverem extensão infinita,
(limr′ →∞ ρ(r′ ) = 0), pode-se absorver a constante fazendo V (∞) = 0, como
se disse.
No caso mais geral, em que haja cargas no volume e também na superfı́cie,
o campo é evidentemente,
1 Z ρ(r ′ ) ′′ ′ 1 Z σ(r ′ ) ′′ ′
E(r) = r̂ dτ + r̂ ds (1.51)
4πǫ0 τ r′′ 2 4πǫ0 S r′′ 2
16
Em coordenadas cartesianas, r − r ′ = (x − x′ )x̂ + (y − y ′ )ŷ + (z − z ′ )ẑ, portanto
!    
1 1 1 1
∇ = ∂x p x̂ + ∂y ŷ + ∂z ẑ
|r − r |
′ ′ 2 ′ 2
(x − x ) + (y − y ) + (z − z ) ′ 2 ··· ···
 −3/2
1 r−r′
= − [(x − x′ ) x̂ + (y − y ′ ) ŷ + (z − z ′ ) ẑ] = − 3
··· |r − r ′ |
′′
Ou seja, ∇ r1′′ = − rr̂′′ 2 .
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 39

O potencial correspondente é portanto,

1 Z ρ(r ′ ) ′ 1 Z σ(r ′ ) ′
V (r) = dτ + ds + const. arbitrária (1.52)
4πǫ0 τ r′′ 4πǫ0 S r′′

1.5.4 Superfı́cies de fronteira


As equações que descrevem o campo eletrostático são, como vimos atrás,
(
∇ · E = ǫρ0
(1.53)
∇×E =0

O teorema de Helmholtz garante que estas duas equações são suficientes para
calcular E, de forma única. Todavia, percebe-se que esta descrição não está
completa, pois falta nas equações anteriores qualquer referência ao efeito
devido a distribuições superficiais de cargas. Isto sugere que em superfı́cies
nas quais haja cargas superficiais17 , as relações 1.53 não funcionam: - ou
estão incompletas ou são insuficientes. Com efeito, o teorema de Helmholtz
presume que a função é regular em todo o espaço, mas isso não se verifica
em superfı́cies carregadas.
Seja, por hipótese, uma superfı́cie Ψ na qual existe uma distribuição
superficial de cargas, σ (ver fig. 1.20). Suponha-se, por hipótese, que o
campo elétrico é descontı́nuo ao longo de toda essa superfı́cie. Nesse caso,
as equações diferenciais, eqs. 1.53, não se aplicam nos pontos da superfı́cie
Ψ, pois as derivadas de E são aı́ infinitas. Todavia, as equações integrais
do campo são válidas, pois nada obsta a que pontos da superfı́cie Ψ estejam
englobados nos respetivos integrais. Isto é, nessa região,
I P
q
E · ds = (1.54)
I
S ǫ0
E · dℓ = 0 (1.55)
C

Vejamos agora o que se passa na vizinhança de Ψ. Comecemos por designar n̂,


a normal à superfı́cie Ψ, em cada ponto (ver fig. 1.20). Se nos aproximarmos
de Ψ, primeiro pelo lado para que aponta a normal n̂ e depois pelo lado
oposto, obtemos limites, E + e E − , que são supostamente diferentes, pois
17
As distribuições lineares não são geralmente tratadas explicitamente.
40 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

+ +++ E+ E+
++ E_
σ ++++
ds ^n
+ ++ Ψ E_
S
+++ ^n σ
+ h l
ds +++
+
+ h
+ ++
+
+ ++
++
Ψ

Figura 1.20: Superfı́cie de fronteira do campo eletrostático, Ψ, sobre a qual, por


hipótese, o campo E é descontı́nuo. O vector n̂ é normal à superfı́cie em cada
ponto; o vector E + é limite de E na vizinhança da superfı́cie Ψ, do lado para
o qual aponta n̂; E − é o limite de E, quando nos aproximamos de Ψ pelo lado
oposto a n̂.

o campo é, por hipótese, descontı́nuo em Ψ. Ou seja, na vizinhança de Ψ,


quando h → 0, tem-se (ver fig. 1.20)
I
σS
lim E · ds = n̂ · (E + − E − ) S =
h→0 S ǫ0
Isto é,
σ
n̂ · (E + − E − ) = (1.56)
ǫ0
Isto significa que E+⊥ − E−⊥ = ǫσ0 , onde E+⊥ = n̂ · E + e E−⊥ = n̂ · E − são
as componentes do campo perpendiculares à superfı́cie Ψ, de cada lado. Ou
seja, de facto, se σ 6= 0 ⇒ E+⊥ 6= E−⊥ . A componente do campo elétrico
normal a uma superfı́cie é descontı́nua se/onde a superfı́cie tiver cargas.
Por outro lado, a circulação de E é sempre nula, independentemente do
percurso. Num percurso fechado, C, constituı́do por dois troços de compri-
mento δℓ, paralelos à superfı́cie a certa distância, h, um de cada lado, ligados
entre si em dois pontos da superfı́cie (ver fig. 1.20), obtém-se, no limite em
que h → 0, I  
k k
lim E · dℓ = E + − E − · δℓ = 0
h→0 C
k k
onde E+ e E−são as componentes do campo tangentes à superfı́cie Ψ, de
cada lado da superfı́cie e δℓ é o vector de linha paralelo à superfı́cie. De
k
facto, decompondo E + = E ⊥ ⊥
+ + E + , é evidente que E + · dℓ = 0 e o mesmo
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 41

para E ⊥− . Visto que o percurso, C, é qualquer, δℓ é um vector arbitrário da


k
superfı́cie, sem qualquer relação com o campo E ± , pelo que, necessariamente,
k k
E + = E − . Ou seja, a componente do campo eletrostático que é tangente à
superfı́cie Ψ é sempre contı́nua, independentemente das cargas que possam
k
existir nessa superfı́cie. Dado que E ⊥+ = (E + ·n̂)n̂, então E + = (E + ·n̂)n̂+E +
k
e, portanto, n̂ × E + = n̂ × E + ; o mesmo se diz de E − . Consequentemente,
em qualquer ponto da superfı́cie tem-se
n̂ × (E + − E − ) = 0 (1.57)
Há portanto duas condições de fronteira que condicionam as componentes
de qualquer campo eletrostático em qualquer superfı́cie com cargas,
(
divS E = n̂ · (E + − E − ) = ǫσ0
(1.58)
rotS E = n̂ × (E + − E − ) = 0
as quais por vezes se designam, respetivamente, como divergência superficial e
o rotacional superficial, dada a semelhança formal com as respetivas equações
no volume.
Em suma, as equações que descrevem o campo eletrostático são portanto,
( (
∇ · E = ǫρ0 divS E = ǫσ0
com as cond. fronteira (1.59)
∇×E =0 rotS E = 0
As condições de fronteira, representadas por divS E e rotS E, devem ser sat-
isfeitas em todas as superfı́cies em que haja cargas distribuı́das.
Apesar de o campo elétrico ser descontı́nuo em superfı́cies com cargas,
o potencial deve ser sempre uma função contı́nua. De contrário, o campo
E = −∇V teria que ser infinito nos pontos em que houvesse descontinuidade
de V , o que é fisicamente inaceitável.
Todavia, as condições de fronteira do campo E têm implicações na
derivada do potencial. As condições de fronteira do potencial são pois,
(
V+ = V− ; (i.e., a função V é contı́nua)
(1.60)
∂n V )+ − ∂n V )− = − ǫσ0
onde ∂n V ≡ ∇V · n̂ é a derivada de V na direção normal à superfı́cie, de cada
lado da superfı́cie, já que E ⊥± = − (∇V · n̂)± ≡ − ∂n V )± . Estas condições
de fronteira são fundamentais para quando se obtém o potencial a partir da
resolução das equações de Laplace e de Poisson; qualquer solução válida tem
que satisfazer a estas condições.
42 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

1.5.5 Energia eletrostática


A diferença de potencial entre Rb
dois pontos quaisquer, a e b, é como se viu
na eq. 1.44, V (a) − V (b) = a E · dℓ. Se as cargas não se estenderem até
infinito, então o potencial V (∞) é uma constanteR e pode ser eliminada sem
prejuı́zo, fazendo-a nula, já que V (r) = V (∞) + r∞ E · dℓ, (§ 1.4.3).
Sejam duas cargas pontuais q1 e q2 , ambas positivas, localizadas em r 1
e r 2 , respetivamente (ver fig. 1.21). A carga q1 cria um campo E, que na
q1 r̂12
posição da carga q2 é E(r 2 ) = 4πǫ 2 , com r 12 = r 2 −r 1 . A carga q2 interage
0 r12
com o campo nesse ponto e fica sujeita à força F 2 = q2 E(r 2 ). Por sua vez, a
carga q1 sente a força F 1 = q1 E(r 1 ) = −F 2 ao interagir com o campo de q2 .
Fixemos por hipótese a carga q1 e deixemos livre a carga q2 . Esta última
afastar-se-á então até infinito por ação
R
da força elétrica, a qual nesse processo
realiza o trabalho18 w(r 2 → ∞) = r∞2 F 2 · dℓ = q2 V (r 2 ) = q2 V2 , onde V2 =
V (r 2 ). Se finalmente libertarmos q1 ela permanecerá imóvel no mesmo lugar,
por não ter outra carga com que interagir. Nestas circunstâncias, libertou-se,
sob a forma de trabalho, toda a energia que estava armazenada como energia
potencial no sistema eletrostático das duas cargas (i.e., libertou-se a energia
em potência que estava no sistema).
Porém, se ao invés tivéssemos libertado primeiro q1 , mantendo q2 fixa,
só depois libertando esta, então o trabalho realizado seria w(r 1 → ∞) =
R∞
r 1 F 1 · dℓ = q1 V (r 1 ) = q1 V1 . Nesse caso também se teria libertado toda a
energia do sistema das duas cargas. Ou seja, a energia do sistema de duas
cargas é
1
U = q1 V1 = q2 V2 = (q1 V1 + q2 V2 ) (1.62)
2
O argumento anterior é generalizável para uma distribuição de N cargas
pontuais, {qk }, k = 1, 2, . . . , N (ver fig 1.21). A energia potencial que se
18
Se uma partı́cula se move por força do campo, realiza-se trabalho, que será feito
a expensas do decréscimo de energia potencial da partı́cula nesse campo. Isto é, num
percurso infinitesimal, dℓ, o trabalho realizado é dw = F · dℓ; a energia potencial baixa de
dU = −F · dℓ e a energia cinética tem um incremento de dEk = dw = F · dℓ. Por isso, não
havendo atrito, d(Ek + U ) = 0, e portanto a energia mecânica, E = Ek + U , é constante.
Quando a partı́cula se move de a para b, como dU = −F · dℓ, a diferença de energia
Rb
potencial é pois, obviamente, Ua − Ub = a F · dℓ; isto é,

Ua − Ub = q(Va − Vb ) (1.61)

Há pois uma relação simples entre a diferença de potencial e a diferença de energia poten-
cial.
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 43

qi
F1 q1
rik qk

r1 q
2
ri
r2 F2 rk
O O

a) b)

Figura 1.21: a) interação eletrostática entre duas cargas, q e q ′ ; b) interação


eletrostática as cargas de uma distribuição de cargas.

liberta com o afastamento da carga qk até ao infinito é Uk = qk Vk , onde Vk é


o potencial na posição inicial da carga qk , devido às outras cargas todas (que
permanecem fixas),
N
1 X qi
Vk = (1.63)
4πǫ0 i=1 rik
i6=k

sendo rik = |r i − r k | = rki a distância entre as cargas qi e qk . Por conseguinte,


a energia eletrostática associada à carga qk no sistema das N cargas é

N N
1 X qi qk X
Uk = = Uik (1.64)
4πǫ0 i=1 rik i=1
i6=k i6=k

onde Uik é a energia potencial do par (qj , qk ). Ou seja, a energia poten-


cial associada a cada carga qk é a soma das energias potenciais de todos os
pares formados entre essa carga e cada uma das outras que constituem a
distribuição.
Por conseguinte, a energia potencial da distribuição de cargas é igual à
soma das energias de todos os pares de cargas, (qi , qk ), que a constituem.
P
Isto é, como há N/2 pares de cargas e rik = rki , então U = 21 ik Uik , com
1 qi qk
i 6= k. Isto é, como Uik = 4πǫ 0 rik
, (i 6= k), então a energia da distribuição é
pois,
1 1 X qi qk 1X
U= = qk V k (1.65)
4πǫ0 2 ik rik 2 k
i6=k
44 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

A eq. 1.62 é um caso particular desta expressão.19


Os argumentos anteriores também podem ser aplicados a uma distribuição
dq
contı́nua de cargas, com densidade volumétrica, ρ = dτ . A energia elet-
rostática dessa distribuição é portanto,
1Z
U= ρV dτ (1.66)
2 τ
onde o integral se estende a todo o volume ocupado pelas cargas. Note-se,
porém, que este integral pode abranger todo o espaço até infinito, porque
evidentemente ρ = 0 em todos os pontos fora do volume ocupado por cargas.
ǫ0 R
Visto que ρ = ǫ0 ∇·E, então a equação anterior fica, U = 2 τ (∇·E)V dτ .
Considerando a identidade vectorial, ∇ · (EV ) = (∇ · E)V + ∇V · E, (ver
apêndice A), e o facto de o integral poder ir até infinito, tem-se
Z Z 
ǫ0
U = ∇ · (EV )dτ − ∇V · E dτ
2 I τ τ
ǫ0 ǫ0 Z 2
= (EV ) · ds + E dτ
2 | S {z } 2 τ
ց0

De facto, como o volume abarca todo o espaço até infinito, e como, por
definição, o infinito é equidistante de qualquer ponto, então S é de facto uma
esfera de raio infinito. Ou seja, vista a partir do infinito qualquer distribuição
de cargas tem a dimensão de um ponto e, nesse limite assimptótico em que
r → ∞, o campo é E ∼ 4πǫ10 r2 , e o potencial é V ∼ 4πǫ10 r . Consequentemente,
I Z Z
π 2π 1 2 1
lim EV ds ∼ r→∞
lim 3
r sin θ dθ dφ = r→∞
lim = 0
r→∞ S 0 0 r r
Conclui pois que Z
ǫ0 2
U=
E dτ (1.67)
τ 2
Esta equação diz-nos que a energia eletrostática está distribuı́da pelo espaço
com uma densidade de energia eletrostática, uE = dU dτ
,
ǫ0 2
uE = E (1.68)
2
19
P
Como se está a ver, U 6= k Uk , pois a distribuição altera-se a cada carga que se
afaste para infinito. Após ter saı́do uma carga a energia libertada com a retirada de uma
outra carga é menor do que Uk , que é calculada quando ainda lá estão as cargas todas.
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 45

Isto é, o campo eletrostático tem energia − a energia está onde houver campo,
distribuı́da com uma densidade que é proporcional ao quadrado do campo
em cada ponto.
O facto de a energia variar quadraticamente com o campo tem a con-
sequência de que se a carga duplicar em todos os pontos, o campo duplica em
todo o espaço, mas a energia quadruplica. Isto é, o princı́pio de sobreposição
não se aplica à energia eletrostática, relativamente às cargas.
Vemos assim que, relativamente à energia de um sistema de cargas, se
podem ter duas perspectivas: a de que se trata de energia potencial das
cargas e a de que se trata de energia do próprio campo. Porém, no contexto
da eletrodinâmica constata-se que os campos têm efetivamente energia e que
há propagação de energia numa onda eletromagnética.

Energia de cargas pontuais⋆


Em retrospectiva podemos ver o que parece ser uma contradição nos argu-
mentos que nos conduziram à conclusão de que o campo tem energia. Os
argumentos que foram esgrimidos baseiam-se em considerações acerca da en-
ergia potencial de interação entre as cargas, mas concluiu-se no fim que essa
energia está afinal no campo. Porém, este simples facto implica, por si só,
que uma carga, única e isolada no mundo, que não interage com nada, tenha
energia apenas por criar um campo eletrostático em seu redor. Assim sendo,
as eqs. 1.65 e 1.68 não podem descrever a mesma quantidade fı́sica. Mas
porquê?!
O facto é que na distribuição contı́nua de cargas em baseámos os argu-
mentos não há cargas isoladas. A energia é a da interação eletrostática entre
todos os elementos infinitesimais da distribuição de carga. As eqs. 1.66 e 1.68
descrevem ambas a energia de sistemas contı́nuos, em que não cabem car-
gas isoladas. Ao queremos agora aplicar a eq. 1.68 ao campo de uma carga
pontual, finita e isolada, está-se efetivamente a contar a energia de interação
entre as partes infinitesimais que constituem essa carga, na circunstância em
que as temos todas concentradas num ponto. Não deve pois surpreender que
essa energia dê infinito!
R
De facto, a eq. 1.68 prevê para uma carga pontual,
q, a energia U = 8πq2 ǫ0 0∞ r14 dτ = ∞ (!).
Em última instância, a dificuldade em aplicar a eq. 1.68 a cargas pontuais,
advém de se estar a tentar aplicar o cálculo infinitesimal a um ponto, sabendo-
se ser inconcebı́vel decompor um ponto em elementos infinitesimais!
Temos pois que concluir que o facto de se atribuir energia ao campo
46 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

elétrico é inconsistente com a ideia da existência de cargas pontuais. Na


verdade, a teoria clássica não se aplica em escalas muito pequenas, pois há
processos que não considera. Esse é o domı́nio da eletrodinâmica quântica.
As cargas pontuais são portanto, frequentemente, um embaraço conceptual,
difı́cil de lidar.20

1.5.6 O dipolo elétrico


Um dipolo elétrico elementar é constituı́do por duas cargas simétricas, +q
e −q, fisicamente separadas, cuja distância de separação assumiremos con-
stante, por ora (ver fig. 1.22). O momento dipolar, p, é um vector que é
definido como o produto entre a carga q e o vector ℓ, que vai da carga neg-
ativa para a carga positiva, p = qℓ. Esta definição revelar-se-á muito útil
(e.g., na análise de moléculas polares, etc...).
Se o dipolo for colocado numa região em que haja um campo elétrico, o
respetivo momento dipolar orientar-se-á na direção desse campo, tal como a
agulha magnética de uma bússola (que é de resto um dipolo magnético) se
orienta no campo magnético da Terra.
A interação de um dipolo elétrico com um campo assume particular
relevância no contexto da análise do comportamento dos materiais ditos
dielétricos. De facto, ver-se-á mais adiante que é essencialmente devido a
essa interação dipolar que os meios materiais dielétricos têm propriedades
diferentes das do espaço vazio.

20
Ademais, como é possı́vel que a eq. 1.68 seja sempre positiva se é uma consequência
direta das eqs. 1.66 e 1.65 e estas não são necessariamente positivas?
Na verdade, analisámos em (§ 1.5.5) a energia de interação entre duas cargas pontuais
positivas, q1 e q2 , que se repelem, sendo nesse caso U > 0. Porém, se essas cargas fossem
uma positiva e a outra negativa, e.g., se q1 < 0 e q2 > 0, então U < 0. Essas cargas mover-
se-iam então uma em direção à outra, tornando incontornável a questão dos infinitos da
teoria. Nesse caso,
R 0 qo1 qtrabalho da forçaR elétrica realizado durante a aproximação das cargas
1 1 0 q1 q2
seria w = 4πǫ0 r0 r2 r̂12 · dℓ = 4πǫ
2
0 r0 r122 dr12 = ∞. Todavia, é evidente que a energia
12
que se liberta quando q1 e q2 se encontram não é infinita! Essa energia, sabemo-lo, é igual
à variação de energia potencial do sistema das duas cargas, ∆U = Uf − Ui , entre o inı́cio
e o fim do processo. Porém, assim que as cargas se encontrem, ficamos apenas com uma
carga (se |q1 | = |q2 | fica carga nenhuma), carga essa que, deste ponto de vista clássico, tem
energia de interação nula por não ter com quem interagir, i.e., Uf = 0. Por consequência, a
energia libertada no processo é ∆U = −Ui , finita e positiva. Nesta acepção a contradição
a que se aludiu é afinal aparente.
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 47

b
F+
c + q
E a
+ q θ r+
O
l
r− θ
p a’ c’ E
q
q F b’
a) b)

Figura 1.22: a) O dipolo elétrico; b) interação do dipolo com um campo elétrico,


E.

Binário de forças sobre um dipolo elétrico

Seja uma região do espaço na qual existe um campo elétrico uniforme, E.


Se um dipolo elétrico elementar for posicionado nessa região as cargas que o
constituem vão interagir com esse campo e ficar sujeitas às forças F = qE e
F = −qE (ver fig. 1.22). O dipolo fica pois sujeito a um binário de forças,
que eventualmente o fará rodar na direção (e sentido) do campo e alinhar-se
com ele. Se cada carga tiver massa (todos os corpos têm alguma massa),
então, devido à inércia, o dipolo oscilará em torno da direção do campo, se
não perder energia.21
O momento das forças que atuam no dipolo, p, posto na presença de um
determinado campo E, é pois (ver fig. 1.22)22
X
τ = τ i = r + × qE + r − × (−q)E = ℓqE sin θ ê⊙
i

Isto é,
τ =p×E (1.69)

(não confundir este τ com um volume)

21
A rotação do dipolo depende contudo de este poder trocar energia com a vizinhança.
Este aspecto é muito relevante à escala atómica, nomeadamente em sistemas de ressonância
magnética nuclear (RMN).
22
Note-se que este campo é alheio ao dipolo, i.e., o campo E não é devido às cargas
desse dipolo.
48 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

Energia potencial de um dipolo elétrico


Como se viu, um dipolo, na presença de um campo, fica sujeito a um binário
de forças que o faz eventualmente alinhar com a direção daquele. Esse movi-
mento faz variar a energia potencial do dipolo.
Na fig. 1.22, se o dipolo rodar um ângulo θ em relação à direção do campo,
as cargas vão, respetivamente, da posição a para a posição b e de a′ para b′ . A
variação de energia potencial é U (θ)−U (θ = 0) = q(Va −Vb )+(−q)(Va′ −Vb′ ).
Considerando
Rb Rb
que a diferença de potencial entre os pontos a e b é Va − Vb =
′ ′
a E · dℓ = c Edz = E(b − c), e que Va′ − Vb′ = E(b − c ) = −E(b − c),
então U (θ) − U (0) = 2qE (b − c). Porém, b − c = 2ℓ (1 − cos θ), pelo que
U (θ) − U (0) = qEℓ(1 − cos θ) = pE − pE cos θ
Como esta igualdade se tem que verificar para qualquer ângulo, θ, então,
necessariamente,
U (θ) = −p · E (1.70)
com U (0) = −pE. Ou seja, como é evidente, a energia é mı́nima quando o
dipolo se alinha no sentido do campo.

Força sobre um dipolo elétrico


Se o campo que existe na vizinhança do dipolo não for uniforme, i.e., se for
E = E(r), então as forças que atuam são ligeiramente diferentes numa carga
e na outra. Consequentemente, a força total sobre o dipolo não é exatamente
P
nula: F = F + + F − = q(E + − E − ) = qδE. Visto que E = i Ei êi , então
X X
δE = δEi êi = [ (∇Ei ) · ℓ ] êi , com |ℓ| ≪ 1 (1.71)
i i

(considerou-se que, na prática, que ℓ ≪ 1 e usou-se a definição do gradiente


de uma função, δf = ∇f · δℓ). Nessa circunstância,
X
F =p· ∇Ei êi = (p · ∇)E (1.72)
i

Ou seja, se o campo elétrico não for uniforme, mas tiver um gradiente na


direção do dipolo, então a força total que atua sobre ele não é nula. Neste
caso, o dipolo fica sujeito quer a uma força quer e a um binário de forças.
Estas considerações são particularmente relevantes quando se trate de meios
materiais, nomeadamente materiais dielétricos polarizados em que o campo
varie muito rapidamente com a posição, caso em que se podem desenvolver
no seu seio tensões mecânicas de monta.
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 49

+ +
+ + ++ + + +
+ + +
+
l

r+
r−
O

Figura 1.23: Distribuição dipolar elétrica.

1.5.7 Momento dipolar de uma distribuição contı́nua


de cargas
Os conceitos anteriores acerca de um dipolo elementar aplicam-se também a
distribuições de cargas, às quais podemos associar um momento dipolar.
Seja a distribuição contı́nua de cargas da fig. 1.23, cuja densidade
volumétrica é ρ(r). Trata-se de uma distribuição manifestamente as-
simétrica, em que o centro geométrico das cargas positivas não coincide
com a posição média das cargas negativas. Cada par infinitesimal de cargas
(+dq, −dq) define um dipolo elementar infinitesimal, dp = dq ℓ. O momento
dipolar total da distribuição é a soma de todos os dipolos presentes nessa
distribuição, e obtém-se neste caso integrando sobre todos os pares de cargas
(+dq, −dq) presentes na distribuição; o que é equivalente a somar/integrar
apenas sobre as cargas positivas (ou só sobre as negativas). Assim,
Z Z Z
dq
p= dp = ℓ dτ = ρ(r + − r − )dτ
τ(q>0) dτ τ(q>0)

pois ℓ = r + − r − . Isto é,


Z
p= ρ r dτ (1.73)
τ
Este integral estende-se a todas as cargas, quer as positivas quer as negativas,
e r refere-se à posição de cada uma dessas cargas23 , nas posições descritas
por r.
23
P
Se a distribuição fosse discreta, em vez da eq. 1.73, ter-se-ia p = i qi r i . O dipolo
elementar constituı́do por duas cargas é um caso particular desta expressão, pois fica
p = qr + + (−q)r − = q(r + − r − ) = qℓ.
50 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

A expressão anterior parece sugerir que p fica a depender da origem de


coordenadas. Todavia, a origem das coordenadas não é relevante para a
definição do momento, se for nula a soma de todas as cargas da distribuição.
De facto, nessa circunstância, uma translação da origem do sistema de coor-
denadas não altera o momento dipolar da distribuição, pois se
Z Z
r → r + R =⇒ p → dτ ρr + R dτ ρ = p

Isto é, se a carga total da distribuição for nula, então o respetivo momento
dipolar não está referido a nenhum sistema de referência particular24 .

1.5.8 O potencial e o campo de um dipolo elétrico ideal


O caso com mais interesse é o do dipolo ideal. Um dipolo é ideal se a distância
entre as cargas desse dipolo for infinitesimal comparativamente à distância a
que ele é observado.
Vimos acima que um dipolo elétrico interage com um campo elétrico
exterior, e que há uma energia potencial associada a essa interação. Mas um
dipolo também origina, ele próprio, um campo elétrico em seu redor, que não
se confunde com o referido na secção anterior.

O potencial
O dipolo da fig. 1.24 cria à sua volta um campo eletrostático de Coulomb, que
se pode obter convenientemente a partir do respetivo potencial. O potencial
em cada ponto é, (ver eq. 1.50),
!
1 q q
V (r) = ′′
− ′′
(1.74)
4πǫ0 r+ r−

onde se vê que r ′′+ = r + − r ′ e r ′′− = r − − r ′ . Fazendo, r ′′± = r − r ′± , então


′′2
r± = r ′′± · r ′′± = r2 + r±
′2
− 2r · r ′± , e portanto,
 !2 − 1
′ ′ 2
1 1 r± r±
′′
= 1 + ∓2 cos θ (1.75)
r± r r r
24
Se a distribuição for assimétrica, com mais cargas de um sinal que doutro, o momento
dipolar dessa distribuição depende da origem de coordenadas. Haverá nessa circunstância
um referencial em relação ao qual o momento dipolar é nulo.
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 51

z êr
r"
+
V( r) êθ
+q r
r’+ r"
_
θ
y
r’_
x
−q

Figura 1.24: O potencial de um dipolo elétrico elementar.


Na aproximação de dipolo ideal tem-se, rr ≪ 1; podemos por isso de-
sprezar o termo quadrático e aproximar a raiz quadrada aos primeiros termos
da série de Taylor, (1 ∓ x)−1/2 ≈ 1 ± x2 , com x ≪ 1. Nestas condições,
!

1 1 r±
′′
≈ 1 ± cos θ (1.76)
r± r r

e portanto,

q 2r+ cos θ
V (r) =
4πǫ0 r r
ou seja,
1 p · r̂
V (r) = , para r ≫ 1 (1.77)
4πǫ0 r2
Conclui-se portanto que o potencial eletrostático de um dipolo decresce com
∼ r12 , ou seja, muito mais depressa que o potencial de uma carga pontual,
que diminui com ∼ 1r ).

O campo
O campo devido a um dipolo elétrico pode ser calculado pela soma vectorial
dos campos de cada uma das cargas. Contudo, é mais simples calculá-lo a
partir do potencial, através da relação E = −∇V .
Assim, calculando o campo E em coordenadas esféricas, a partir da
eq. 1.77 obtêm-se as seguintes componentes,

2p cos θ
Er = −∂r V =
4πǫ0 r3
52 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

1 p sin θ
Eθ = − ∂θ V =
r 4πǫ0 r3
1
Eϕ = − ∂ϕ V = 0
r sin θ
isto é,
p  
E(r, θ) = 2 cos θ r̂ + sin θ θ̂ (1.78)
4πǫ0 r3
O campo eletrostático criado por um dipolo elétrico ideal decresce portanto
com o cubo da distância, ∼ r13 , i.e., muito mais depressa que o campo de
uma carga pontual.

Linhas do campo
Esta é uma boa oportunidade para calcular analiticamente as linhas de campo
de um dipolo ideal, dado pela eq. 1.78, e que estão representadas na fig. 1.25.
As linhas de campo são, como se disse no inı́cio, linhas tangentes a E em
cada ponto. Por conseguinte, cada elemento de linha de campo, dℓ, é tal que
E × dℓ = 0, em cada ponto. No caso vertente, dℓ = dr r̂ + rdθ θ̂ e, portanto,
dr
fazendo explicitamente o produto vectorial, conclui-se que rdθ = 2sin
cos θ
θ
, ou
dr
seja, r = 2cotan θ dθ. Integrando esta expressão obtém-se a famı́lia de
curvas que representam as linhas de campo,

r(θ) = κ sin2 θ

onde κ é uma constante de integração arbitrária. Estas curvas estão repre-


sentadas na fig. 1.25, para vários valores de κ.

1.5.9 Expansão multipolar do potencial


Seja uma nuvem de carga localizada num determinado volume, cuja carga
total é Q. Pretende-se mostrar que o potencial devido a esta distribuição de
cargas, em pontos afastados da região onde essas cargas se localizam, pode
ser descrito como uma soma de contribuições elementares de importância
progressivamente decrescente, na forma:

distribuição = 1 carga pontual + 1 dipolo + 1 quadrupolo + 1 octopolo + · · ·

Isto é, há uma série perturbativa que produz um efeito que é equivalente à
distribuição das cargas, em pontos afastados da distribuição.
1.5. O CAMPO ELETROSTÁTICO 53

E
θ r

a) b)

Figura 1.25: Linhas de campo de um dipolo elétrico elementar: a) na região


próxima (dipolo real) e b) em pontos muito afastados (dipolo ideal).

A expressão geral do potencial devido à distribuição é (cf. § 1.5.3)


1 Z dq 1 Z ρ(r ′ ) ′
V (r) = = dτ (1.79)
4πǫ0 r′′ 4πǫ0 r′′
(onde r ′ é posição das cargas; r ′′ é a distância destas ao ponto referenciado
por r; sendo r ′′ = r − r ′ , (ver fig. 1.3)). Tem-se,

r′′2 = r ′′ · r ′′ = r2 + r′2 − 2r · r ′ (1.80)


r  ′ 2 √  
′ 2 ′
ou seja, r′′ = r 1 + rr − 2 rr cos α = r 1 + ξ, com ξ = rr − 2 rr cos α,

onde α é o ângulo entre r e r ′ .


Em pontos afastados da distribuição de cargas, tal que r ≫ r′ , pode-se

expandir a raiz quadrada em série de Taylor, em potências de ζ = rr , com
ζ ≪ 1, ficando
 
1 1 − 12 1 1 3 2 5 3
= (1 + ξ) ≈ 1 − ξ + ξ − ξ + · · ·
r′′ r r 2 8 16

1 1 3 4
 
= 1 − ζ 2 + ζ cos α + ζ + 4ζ 2 cos2 α − 4ζ 3 cos α
r 2 8

5  6 3 3 4 2 5

− ζ − 8ζ cos α + 12ζ cos α − 6ζ cos α + · · ·
16
Rearranjando as parcelas em potências de ζ fica
 
1 1 21

2
 1
3 3

= 1 + ζ cos α + ζ 3 cos α − 1 ζ 5 cos α − 3 cos α + · · ·
r′′ r 2 2 
! !2 !3
1 r′ r′ r′ 
= 1 + P 1 (cos α) + P 2 (cos α) + P 3 (cos α) + · · ·
r r r r 
54 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

onde os coeficientes Pn (cos α) são os polinómios de Legendre25 .


Por conseguinte, a eq. 1.79 pode ser decomposta na série,

1 1Z 1 Z
V (r) = ρ(r ′ ) dτ ′ + 2 ρ(r ′ )r′ cos α dτ ′ +
4πǫ0 r r
Z 
1 ′ 1 Z ′
+ 3 (· · ·) dτ + 4 (· · ·) dτ + · · · (1.81)
r r

Esta é a expansão multipolar do potencial em potências de 1r . O primeiro


R
termo desta série tem a forma 1r ρ dτ ′ = Qr e corresponde ao potencial de
um monopolo (como se todas as cargas estivessem R
no centro Rgeométrico da
nuvem). O segundo termo, cuja forma é r12 ρ r′ cos α dτ ′ = r12 ρ r′ r̂ · r̂′ dτ ′ =
1 R
ρ r̂ · r ′
dτ ′
= p·r̂ , é portanto o potencial de um dipolo, onde p = R ρ r ′ dτ ′
r 2 r2
é o momento dipolar da distribuição de cargas (ver eq. 1.73). O terceiro
termo, que é proporcional a r13 , é o chamado termo quadrupolar. Seguem-se
o termo octopolar, proporcional a r14 , hexapolar, etc...
Para valores de r suficientemente elevados, a série anterior converge rap-
idamente, e o potencial pode ser calculado com precisão sucessivamente
mais elevada, acrescentando-lhe parcelas cada vez vemos importantes, até
ser atingida a precisão requerida.
Na fig. 1.26 representa-se pictoricamente a expansão do potencial de uma
distribuição de cargas, em pontos afastados dessa região.
Há duas formas principais de representar graficamente um campo vecto-
rial: i) desenhando alguns vectores locais, espalhados na região de interesse;
ou ii) traçando as linhas que uniriam uma mirı́ade de sucessivos pequenos
vectores do campo - formando as chamadas linhas de campo. As linhas de
campo são pois linhas tangentes aos vectores do campo vectorial em cada
ponto do espaço.
25
Os primeiros cinco polinómios de Legendre são:

P0 (x) = 1
P1 (x) = x
P2 (x) = 12 (3x2 − 1)
P3 (x) = 21 (5x3 − 3x)
P4 (x) = 81 (35x4 − 30x2 + 3)
P5 (x) = 18 (63x5 − 70x3 + 15x)
...
Estes coeficientes surgem amiúde na solução da parte angular da equação diferencial de
Laplace em coordenadas esféricas.
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 55
111
000
000
111
000
111
000
111
= +
+ + −
+ + +
−−
+
+
+
+ − + − +
+ + +

+ + −−
−−
+
+ ...

− + − + +

Figura 1.26: Representação pictórica dos termos da expansão multipolar do po-


tencial de uma distribuição de cargas. Em pontos afastados da distribuição,
ela é aproximadamente a) um monopolo (V ∼ 1/r), b) mais termos dipolares
(V ∼ 1/r2 ), c) mais termos quadrupolares (V ∼ 1/r3 ), d) mais termos octopolares
(V ∼ 1/r4 ), mais etc...

1.6 Campos elétricos na matéria


Até agora tratámos essencialmente dos campos no vazio. Todavia, importa
analisar de que forma os campos se alteram na presença de objetos materiais.
A maioria dos materiais entra numa de duas grandes classes: i) os condutores
e ii) os dielétricos. Analisaremos ambos separadamente por serem distintas
as suas propriedades. Posteriormente poderemos também analisar aqueles
materiais que sendo dielétricos têm também uma certa condutividade.
Todos os materiais têm cargas elétricas na sua constituição − cargas
positivas (nos núcleos atómicos) e cargas negativas (nos eletrões das nuvens
atómicas e moleculares)26 . Porém, do ponto de vista desta discussão, pode-
mos ignorar que essas cargas são discretas na escala quântica e em geral
tratá-las como parte de distribuições contı́nuas de carga.
Um material neutro que contenha tantas cargas positivas quantas as neg-
ativas, se estiverem uniformemente distribuı́das no volume, não constitui per
se fonte de campo elétrico. À escala macroscópica tudo se passa como se o
material não contivesse cargas algumas, e fosse ρ = 0 em todo o seu volume.
Porém, mesmo este material pode interagir com um campo elétrico que
exista localmente. Sob a ação desse campo as cargas do material deslocar-se-
ão se puderem: as positivas são puxadas no sentido do campo, as negativas
em sentido contrário, sendo esse efeito mais ou menos significativo consoante
as caracterı́sticas do material.
26
Ignoram-se as cargas dos constituintes subnucleares
56 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

O que distingue os materiais do ponto de vista elétrico é essa resposta


a um campo exterior. Se o campo apenas fizer deslocar levemente o centro
da nuvem eletrónica relativamente ao núcleo atómico de cada átomo, sem
que contudo as cargas se movam livres pelo material, estamos perante um
material dielétrico. Se, porém, as cargas se moverem livremente em resposta
ao campo externo, então é porque o material é um bom condutor.
Em qualquer caso, a separação das cargas positivas relativamente às neg-
ativas, origina per se um campo elétrico, o qual terá sempre sentido oposto
ao do campo externo aplicado, que motivou a separação. Consequentemente,
o campo efetivamente existente dentro do material é sempre menor do que o
campo aplicado externamente; isto é, as cargas concorrem sempre para baixar
o campo dentro do material, num grau que depende das suas caracterı́sticas.
O campo reduz-se proporcionalmente ao grau de separação entre as cargas
positivas e negativas, atingindo o valor mais baixo (zero) nos condutores
ideais, por estes terem muitas cargas e elas se poderem mover livremente
dentro deles. No interior dos materiais dielétricos (não condutores) o campo
reduz-se devido à da polarização dos dipolos, mas não se anula.

1.6.1 Condutores
Os materiais condutores são meios que contêm cargas livres. Trata-se de
eletrões fracamente ligados às nuvens eletrónicas, que efetivamente não per-
tencem a nenhum átomo em particular, mas ao coletivo e que, por isso, se
podem mover mais ou menos livremente através do material.27 Para o que
nos interessa, consideraremos que os materiais condutores são ideais, no
sentido em que constituem reservatórios inesgotáveis de cargas livres.28
Estudaremos por ora apenas condutores em equilı́brio eletrostático, i.e.,
já em condições estacionárias, após todas as cargas estarem paradas, em
equilı́brio estático (estado este que se atinge nos bons condutores em apenas
∼ 10−18 s).
27
No caso de fluidos condutores, eletrólitos ou plasmas, as cargas livres incluem também
iões que se podem difundir através do meio.
28
A aproximação de condutor ideal assenta no facto de o número de eletrões livres de
um condutor ser muito grande. Com efeito, 1 grama ∼ 1 mole ≃ 6.022 × 1023 átomos. O
número de eletrões livres numa amostra de material condutor é assim uma fração de um
número da ordem de 1023 eletrões por grama, pois só uma fração dos eletrões são eletrões
livres; p.ex., o cobre tem ∼ 0.85 × 1023 eletrões livres por cm3 . Este é um número tão
verdadeiramente gigantesco que justifica a razoabilidade da aproximação de condutor ideal
(por comparação, a idade do Universo é só ∼ 1010 anos!).
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 57

Como vimos, do ponto de vista macroscópico, apenas temos de nos ocupar


da carga efetivamente existente no material. Isto é, onde for igual a densidade
média de protões e de eletrões dir-se-á que não há cargas ou que é nula a
sua densidade, pois só a diferença pode criar campos em escalas superiores à
escala atómica.
Suponhamos a priori, por hipótese, que um condutor é ideal e está neutro
e em equilı́brio eletrostático. Se o campo elétrico no interior desse condutor
fosse diferente de zero, então as cargas livres existentes no seu seio mover-se-
iam sob a ação desse campo. Isso, porém, significaria que ele não estava afinal
em equilı́brio eletrostático, contrariando a hipótese (reductio ad absurdum).
Consequentemente, o campo elétrico é sempre nulo em todo o volume de um
condutor ideal em equilı́brio eletrostático.
A conclusão anterior significa também que o potencial é constante em
todos os pontos de um condutor ideal em equilı́brio eletrostático, pois, como
E = −∇V e E = 0, então V = constante, necessariamente. Ou seja, o
condutor é uma região equipotencial a um potencial bem definido. Para
além disso, como dentro dele E = 0, então ρ = ǫ0 ∇ · E = 0. Isto é, a
densidade efetiva de carga elétrica é sempre nula dentro de um condutor
ideal em equilı́brio eletrostático.
Se um condutor ideal for colocado numa região em que há um campo
elétrico externo, as cargas livres mover-se-ão para a superfı́cie desse condutor
até que o equilı́brio eletrostático se (r)estabeleça e o campo seja nulo em todo
o interior. Portanto, havendo campo no exterior de um condutor, haverá
certamente cargas induzidas na sua superfı́cie que, em equilı́brio, impedem
que o campo entre no condutor. Este processo transiente é muito rápido.
O teorema da unicidade (ver § 1.7) diz-nos que esse arranjo superficial de
cargas é o único que torna isto possı́vel.
Decorre dos argumentos anteriores que no equilı́brio eletrostático, havendo
campo elétrico no lado exterior à superfı́cie do condutor, ele deve ser sem-
pre perpendicular a essa superfı́cie, em cada ponto. Doutro modo, as cargas
superficiais mover-se-iam ao longo da superfı́cie sob ação da componente
tangencial do campo, o que configuraria uma situação de não-equilı́brio,
contrária à hipótese. Portanto, em equilı́brio, o campo superficial só tem
componente normal.29
29
Porém, geralmente este campo normal não é suficiente para arrancar as cargas da
superfı́cie. As cargas não saltam para fora da superfı́cie do condutor (excepto se o campo
for muito elevado) porque há uma barreira de energia de superfı́cie que é necessário vencer.
Todavia, aquecendo o material, algumas cargas adquirem energia térmica suficiente para
58 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

Em suma, em qualquer condutor ideal em equilı́brio eletrostático:

i) E = 0 em todo o volume;

ii) ρ = 0 em todo o volume;

iii) V é uma constante em todo o volume;

iv) E é normal à superfı́cie em cada ponto.

Um condutor ideal carregado com uma certa carga total, Q, atinge o


equilı́brio quando essa carga se distribuir toda na superfı́cie, de tal modo
que o campo no interior se anule (situação em que não haverá então carga
efetiva no volume, na perspetiva macroscópica). De facto, se por um instante
injetássemos uma carga algures no volume do condutor, então o campo que
ela criaria faria deslocar cargas livres, (o condutor ideal é uma fonte in-
esgotável dessas cargas), até ser atingido novo equilı́brio eletrostático em
que o campo fosse nulo no interior e este estivesse efetivamente sem cargas
(pois a carga injetada seria anulada pelas cargas livres). Este transiente é
muito rápido, ∼ 10−18 s, podendo-se portanto considerar instantâneo para
frequências abaixo de GHz.

Cavidades
O campo elétrico também é nulo no volume de uma cavidade de um condutor
se o condutor estiver em equilı́brio eletrostático e a cavidade não contiver
quaisquer cargas. De facto, se houvesse campo dentro da cavidade ele teria
que ser criado por cargas localizadas à superfı́cie dessa cavidade, já que no
condutor propriamente dito não há campo eletrostático e portanto cargas,
como vimos. As linhas desse campo teriam então que começar em cargas
positivas e terminar em cargas negativas da superfı́cie da dita cavidade, (ver
fig. 1.27). O integral de caminho do campo feito ao longo de uma dessas
linhas de campo seria necessariamente ou positivo ou negativo, consoante o
caminho fosse no sentido do campo ou no sentido contrário. Em todo o caso,
seria definitivamente não nulo, já que dℓ k E em todos os pontos do percurso
saltar − este é o chamado efeito termoiónico, muito usado nos tubos de raios catódicos
de televisões e osciloscópios da geração anterior. Também se extraem cargas da superfı́cie
projetando luz sobre ela, dando às cargas superficiais energia suficiente para que possam
deixar a superfı́cie. Este efeito fotoelétrico foi descoberto por H. Hertz em 1887 e está na
base dos dispositivos CCD dos equipamentos de imagem e vı́deo do presente.
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 59
R
e, portanto, seria Va − Vb = C E · dℓ 6= 0. Porém, isto é absurdo porque
contradiz o facto de o condutor ter que ser equipotencial, e portanto Va = Vb .
Consequentemente, não pode haver nem campo na cavidade, nem cargas à
sua superfı́cie:
Teorema. O campo eletrostático é nulo dentro de qualquer cavidade sem
cargas de um condutor em equilı́brio eletrostático.

Cargas induzidas
Se a cavidade do condutor contiver cargas, essas cargas criam um campo no
interior dessa cavidade e induzem cargas induzidas na superfı́cie da mesma.
Porém, o campo eletrostático continuará sendo nulo em todo o volume do
condutor propriamente dito, como antes. Aplicando a lei de Gauss a uma
superfı́cie arbitrária imaginária, que envolva totalmente a cavidade, conclui-
se imediatamente que a soma das cargas induzidas presentes na parede da
cavidade é necessariamente simétrica da carga total que exista no seu interior
(ver fig. 1.27).
Se este condutor estiver neutro, isso significa que haverá uma quantidade
de cargas igual à da cavidade, distribuı́da na parede exterior do condutor.
Estas cargas superficiais são induzidas pelas cargas que estão dentro da cavi-
dade, e só existem porque elas lá estão.30 Ou seja, apesar do campo ser
nulo no interior do condutor, a presença de cargas na cavidade origina in-
diretamente um campo na região exterior ao condutor, que é criado pela
distribuição das cargas induzidas localizadas na sua superfı́cie. Todavia, essa
distribuição superficial é independente da forma da distribuição de cargas no
interior da cavidade. Isto é, a distribuição de carga na superfı́cie exterior
do condutor é a mesma que ele teria se não tivesse nenhuma cavidade, mas
estivesse carregado com a mesma carga total que há na cavidade (pois só há
uma solução para as mesmas condições de fronteira do campo E, cf. teorema
da unicidade, § 1.7).
Por outro lado, como o campo no exterior da cavidade, em pleno condu-
tor, é sempre nulo, independentemente de qual seja o campo no espaço fora
desse condutor, isso significa que o volume da cavidade está eletricamente
isolado do exterior. Nenhuma variação do campo exterior se sente na cavi-
dade (pelo menos variações que tenham frequências abaixo de GHz). Um
30
Se o condutor não estiver neutro mas tiver uma certa carga, então na superfı́cie exte-
rior estarão distribuı́das essa carga, mais as cargas induzidas (indiretamente) a partir da
cavidade.
60 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

1111111111111111
0000000000000000
0000000000000000
1111111111111111
E=0
− − −
0000000000000000
1111111111111111
b +q
0000000000000000
1111111111111111 −
0000000000000000
1111111111111111
− − E
0000000000000000
1111111111111111

0000000000000000
1111111111111111
a −
0000000000000000
1111111111111111
0000000000000000
1111111111111111
S

Figura 1.27: Condutor ideal em equilı́brio eletrostático, com uma cavidade sem
cargas. Se o condutor estiver carregado as cargas estarão à superfı́cie. No interior
do condutor propriamente dito nem há cargas nem há campo. Se o condutor
estiver carregado as cargas estarão à superfı́cie. O campo eletrostático à superfı́cie
do condutor tem sempre a direção da normal em cada ponto.
Dentro de qualquer cavidade sem cargas o campo também é nulo, pois de contrário
teria que haver carga na superfı́cie da cavidade e isso faria com que o integral de cir-
culação de E num contorno C que atravesse a cavidade não fosse necessariamente
nulo.

condutor em equilı́brio eletrostático funciona portanto como escudo elétrico.


Se determinado volume for totalmente envolvido por parede condutora, even-
tualmente uma simples rede condutora, ele fica protegido do campo externo.
Este fenómeno designa-se habitualmente como blindagem eletrostática e é
um fenómeno que tem enorme relevância prática, pois permite isolar uma
região da influência de quaisquer campos exógenos. Este é o princı́pio de
funcionamento da chamada gaiola de Faraday.
Um condutor carregado também induz cargas noutro condutor que esteja
próximo, de tal modo que seja E = 0 dentro de qualquer deles. De facto,
resulta óbvio da fig. 1.28 que as cargas existentes nas partes das superfı́cies
de ambos os condutores que estejam dentro de um chamado tubo de linhas
de campo são simétricas (um tubo de linhas de campo é um volume cujas
paredes acompanham e são tangentes às linhas de campo na região entre os
condutores, ao longo dos quais evidentemente E ⊥ ds, onde ds é um elemento
da parede desse tubo).
H
O fluxo total do campo através da superfı́cie do tubo
é portanto nulo, S E · ds = 0, já que, ou E ⊥ ds (nas paredes laterais), ou
E = 0 (nas partes dentro dos condutores). Por consequência, uma carga,
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 61

q1 q2
S +++
+ +
+ +
+ E=0 + E
++
E=0 ++ + +E
+
+ + ++
+
E
E

Figura 1.28: Cargas induzidas entre dois condutores quaisquer. b) cargas induzi-
das por uma carga pontual na superfı́cie de uma esfera condutora.

q, da superfı́cie de um condutor induz necessariamente uma carga simétrica,


−q, na superfı́cie de outro condutor que esteja próximo.

Sistemas de condutores - capacidade


O potencial eletrostático num ponto r do espaço, criado por uma distribuição
de cargas da superfı́cie de um condutor, com densidade σ, é, como vimos em
§ 1.5.3, a soma dos potenciais de todos os elementos de carga, dq = σds,

1 Z σ(r ′ )ds′
V (r) =
4πǫ0 S |r − r ′ |

Como o potencial é linearmente proporcional às cargas, V ∝ σ, isto significa


que, se a carga duplicar em cada ponto, o potencial passará também para o
dobro em todos os pontos do espaço, i.e., se
q
q → αq ⇒ V → αV , =⇒ = C = const
V

À constante de proporcionalidade, C, chama-se capacidade.


A capacidade de um condutor isolado tem que ver com o facto de a
quantidade de carga que ele tem ser proporcional ao potencial a que ele se
encontra31 relativamente a um ponto do infinito (ver § 1.5.2). Por isso, neste
caso a capacidade também é relativa a um ponto do infinito.
31
O potencial de um condutor em equilı́brio eletrostático está bem definido, dado que é
constante em todos os pontos desse condutor.
62 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

A capacidade tem particular interesse entre pares de condutores com car-


gas simétricas. O quociente entre a carga dos condutores e a diferença de
potencial entre eles define a capacidade relativa desse par de condutores.
No caso mais geral, teremos capacidades relativas entre pares de condu-
tores. Num sistema de N condutores em equilı́brio eletrostático, o potencial
de um deles depende da carga que tenha, mas também das cargas dos outros
condutores, variando linearmente com todas essas cargas, como se viu acima.
Isto é, o potencial de um condutor j (relativamente ao potencial de infinito)
é uma combinação linear das cargas dos vários condutores do sistema,

N
X
Vj = ajk qk , com j = 1, 2, . . . , N (1.82)
k=1

onde Vjk = ajk qk é o potencial do condutor j devido às cargas do condutor


P
k. Visto que a energia do sistema eletrostático (eq. 1.65) é, U = 21 j qj Vj =
1 P
2 jk ajk qj qk , então ajk = akj .
O sistema de equações inverso terá a forma genérica,
X
qj = cjk Vk (1.83)
k

Isto é, as cargas também se podem escrever como uma combinação linear dos
potenciais dos condutores presentes. Os coeficientes cjk dependem apenas
das caracterı́sticas do sistema de condutores, nomeadamente da geometria
de cada um e das suas posições relativas. Os coeficientes cjj são capaci-
dades relativa, enquanto que cjk (j 6= k)são os coeficientes de indução (ver
fig. 1.29).32
P P
A energia do sistema é , U = 12 j qj Vj = 12 jk cjk Vj Vk e portanto cjk =
ckj .

32
Note-se que cjj > 0, pois se um condutor tiver qj > 0 ⇒ Vj > 0. Mas cjk < 0 se
j 6= k, pois qj induz cargas de sinal contrário no condutor k, sendo pois negativa a energia
de ligação entre eles, Ujk = qj Vk < 0. Considerando a eq. 1.83,

(se qj > 0 e qj Vk < 0 com j 6= k) ⇒ Vk < 0 ⇒ cjk < 0, ∀j 6= k

(o mesmo concluindo se qj < 0).


1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 63

O condensador
Um condensador é um sistema de dois condutores com cargas simétricas, +q
e −q. Escrevendo explicitamente as equações 1.83 temos, neste caso,
(
q1 = q = c11 V1 + c12 V2
(1.84)
q2 = −q = c21 V1 + c22 V2
Resolvendo para V1 e V2 e depois subtraindo, conclui-se que
c11 + c22 + 2c12 q
V1 − V2 = 2
q= (1.85)
c11 c22 − c12 C
A constante C é a capacidade do condensador, e é sempre positiva (já que
cjj > 0 e cjk < cjj , j 6= k, como é evidente). No Sistema Internacional de
unidades a capacidade é medida em farad (F). Os condensadores correntes
têm capacidades tı́picas da ordem de µF, (uma capacidade de 1F é enorme).
Mas em anos recentes têm vindo a ser desenvolvidos super condensadores
com capacidades extremamente elevadas.
A energia armazenada num condensador é (ver eq. 1.65)33
1X 1 C
U= qj Vj = q(V1 − V2 ) = (V1 − V2 )2 (1.86)
2 j 2 2

Teorema da reciprocidade de Green⋆


A eq. 1.83 diz que a carga num dos N condutores de um sistema pode ser
expressa como combinação linear dos potenciais a que estão os condutores.
Se acaso mudarmos as cargas que estão nos condutores do sistema, passando
qj → qj′ , com j = 1, 2, . . . N , então os potenciais a que eles se encontram
também mudam, passando de Vj → Vj′ , com j = 1, 2, . . . N , respetivamente.
Visto que as capacidades relativas, cjk , são caracterı́sticas do sistema de
condutores e ele não mudou, (só mudaram as cargas e os potenciais), então
X
qj′ = cjk Vk′
k

Se a carga qj , do condutor j for multiplicada por Vj′ e se somarmos estes


produtos para todos os condutores, obtém-se
X X
qj Vj′ = cjk Vk Vj′
j jk

33
Veja-se que se a carga do condensador
Rq variar dq, a energia varia dU = dq(V1 − V2 ).
Como (V1 − V2 ) = Cq , portanto U = 0 Cq dq = 21 C(V1 − V2 )2 .
64 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

Procedendo de forma análoga, somando todos os produtos qj′ Vj , obtemos


X X
qj′ Vj = cjk Vj Vk′
j jk

Ou seja, conclui-se que X X


qj Vj′ = qj′ Vj (1.87)
j j

Este resultado é conhecido como o teorema da reciprocidade de Green.

Teorema da reciprocidade de Green. Num sistema de condutores em


P
equilı́brio, se qj → qj′ e se Vj → Vj′ , com j = 1, 2, . . ., então j qj Vj′ =
P ′
j qj V j .

O teorema da reciprocidade de Green relaciona situações de operação


diferentes de um mesmo sistema permitindo assim cruzar condições de
operação especı́ficas, mais simples de calcular, com situações cuja análise
é mais complicada. Tem importância nomeadamente na teoria de circuitos.
Por exemplo, suponham-se dois condutores neutros, isolados e posiciona-
dos a alguma distância um do outro. Suponha-se que inserimos uma certa
quantidade de carga, q, no condutor 1 e que após isso o outro condutor fica ao
potencial V2 . Imagine-se agora que transferimos toda a carga q do condutor
1 para o condutor 2. Segundo o teorema da reciprocidade, nesse processo o
potencial do condutor 2 como que se “transfere” do condutor 2 para o con-
dutor 1. Isto é, o condutor 1 fica ao mesmo potencial que tinha o condutor
2 antes de se mudar a carga do primeiro para o segundo. Este resultado
é espantoso uma vez que não depende de nenhuma das caracterı́sticas dos
condutores: forma, posição, orientação, etc.
Argumentos semelhantes aos anteriores permitem concluir que, por exem-
plo, permutando as impedâncias de entrada e de saı́da de um circuito elétrico
ligado a uma fonte de tensão não altera a corrente de saı́da do circuito.

O efeito de pontas em condutores


Como vimos, o potencial é constante em todo o volume de um condutor
em equilı́brio eletrostático. Para além disso, na vizinhança exterior o campo
elétrico é perpendicular à superfı́cie em todos os pontos. Porém, a intensidade
do campo à superfı́cie não é geralmente constante, depende da curvatura
local em cada ponto da superfı́cie, a qual pode variar significativamente. A
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 65

V2

V1 C12
V2
C23
V1

C2

8
C13
C V
1 3

8
V3

C3

8
V=0 V=0

a) b)

Figura 1.29: a) Sistema de condutores a diferentes potenciais, sendo um deles


infinito; b) capacidades relativas equivalentes do mesmo sistema de condutores.

análise completa desta questão requer uma discussão das soluções da equação
de Laplace, mas pode-se discutir aproximadamente recorrendo a argumentos
simples.
Seja uma esfera condutora de raio R, isolada, em cuja superfı́cie há uma
distribuição uniforme de cargas, σ. O potencial desta esfera é

σ4πR2 1 σR
V = = (1.88)
4πǫ0 R ǫ0
Considere-se agora um condutor com uma forma genérica, como o da
fig. 1.30. O raio de curvatura da superfı́cie varia de um ponto para outro, (a
curvatura é o inverso do raio). O campo eletrostático junto à superfı́cie pode
obter-se das condições de fronteira do campo, n̂ · (E + − E − ) = ǫσ0 . Visto
que o campo em pontos do condutor é nulo, então em pontos imediatamente
exteriores à superfı́cie, o campo é
σ
E= (1.89)
ǫ0
Ou seja, para um ponto limite, imediatamente na vizinhança da superfı́cie,
esta aparece como se fora um plano infinito carregado34 , com densidade su-
perficial, σ. Combinando as eqs. 1.88 e 1.89 conclui-se assim que E ≈ VR ,
onde R é o raio de curvatura local. O potencial do condutor é constante em
todo o condutor, mas o campo à superfı́cie é maior em pontos da superfı́cie
com elevada curvatura (com R pequeno), onde σ é também mais elevada.
34
O campo criado por um condutor plano infinito, com densidade de carga superficial,
σ, é E = ǫσ0 .
66 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

E
E=0
V= const. E

Figura 1.30: O efeito de pontas num condutor em equilı́brio. O campo é mais


elevado em quaisquer proeminências da superfı́cie.

Conclui-se da eq. 1.88 que σR ≈ constante em toda a superfı́cie, já que


V é constante em todo o condutor. Isto é, σ é mais elevado em pontos
de maior curvatura (menor raio) e vice-versa. Consequentemente, o campo
eletrostático à superfı́cie é muito elevado em pontos da superfı́cie com elevada
curvatura (i.e., com raio muito pequeno),
( (
V const. σ≫1
−→ σR ∼ const ⇒ se R ≪ 1, então
V ∼ σR
ǫ0 E≫1

O campo eletrostático é pois muito mais elevado na ponta de uma agulha


condutora do que noutros pontos da superfı́cie desse condutor, apesar de
(aliás, por causa de) todos os pontos estarem ao mesmo potencial. Este é o
chamado efeito de pontas ou do para-raios (ver fig. 1.30).
O efeito de pontas tem muitas aplicações práticas, desde logo nos para-
raios. Na ponta de uma agulha condutora muito afiada o campo elétrico
é muito mais elevado do que noutros pontos das proximidades. Em caso
de tempestade a ponta da agulha será a primeira a eventualmente atingir
o campo de disrupção do ar, Emax ≈ 3 MV/m, valor a que o ar se torna
condutor. Por esse facto, aumenta a probabilidade de que uma eventual
descarga atmosférica se desenvolver na direção da ponta de uma agulha,
podendo-se conduzir então essa corrente para a terra através de um cabo,
possivelmente sem estragos.
O efeito de pontas é também utilizado nos chamados microscópios de
efeito de campo, que têm capacidade para “ver” à escala atómica. A ob-
servação da corrente que passa por efeito túnel (um efeito quântico) entre
uma superfı́cie, cuja estrutura atómica se quer observar, e a ponta de um
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 67

Eapl E
− − − − −
− +
apl − −
− −− +
− −− − − −
− − − − − −
− + − + −

−− − + − − − +
− − − −−
− − − − − − +

− − − − − −

− − + −
− − −− − − +
Eapl − − − − E apl
a) b) c)

Figura 1.31: Nuvem eletrónica de um átomo ou molécula não polar; a) os centros


geométricos das cargas positivas e negativas coincidem; b) se for aplicado um
campo externo as cargas são tendencialmente puxadas em sentidos contrários e
forma-se um dipolo orientado no sentido do campo; c) num material polarizado os
dipolos orientam-se tendencialmente no sentido do campo a que estão sujeitos.

estilete muito afilado que passeia rente por sobre a superfı́cie, mas sem lhe
tocar, dá-nos uma imagem da superfı́cie que permite “ver” a presença dos
átomos.
O efeito de pontas também pode ser problemático, podendo provocar
descargas indesejáveis em equipamentos elétricos, nomeadamente em pontos
com tensões elevadas. É por isso de toda a conveniência que os pontos de
solda dos circuitos fiquem bem arredondados, sem os apêndices pontiagudos
caracterı́sticos das soldaduras mal executadas.

1.6.2 Dielétricos
Quando um material não condutor é sujeito a um campo elétrico exterior,
as nuvens eletrónicas dos átomos e moléculas desse material deslocam-se no
sentido contrário ao campo, e como consequência a posição média das cargas
positivas (os núcleos) deixa de coincidir com posição média das nuvem de
eletrões de cada átomo ou molécula. Isto significa que se formam pequenos
dipolos no seio do material, induzidos pelo campo externo aplicado (ver
fig. 1.31).35 A densidade dipolar correspondente mede a polarização do ma-
terial e é geralmente proporcional ao campo aplicado.
35
Se o campo for suficientemente intenso pode mesmo dar-se a ionização das moléculas,
a disrupção do meio e a subsequente descarga elétrica. Esse valor do campo designa-
se por rigidez dielétrica (ou campo de disrupção), e é uma propriedade macroscópica
caracterı́stica de cada material. Os valores tı́picos da rigidez dos materiais são da ordem
de ∼ 107 V/m (cerca de 100 kV/cm).
68 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

Porém, há também materiais que têm na sua constituição moléculas que
são espontaneamente polares, em que os centros geométricos das nuvens de
eletrões e das cargas positivas dos núcleos atómicos de cada molécula não
coincidem; estas moléculas têm a priori um certo momento dipolar, que não
é induzido por um campo externo (e.g., a molécula da água é polar). Sem
campo aplicado estes dipolos orientam-se aleatoriamente; porém, se lhes for
aplicado um campo externo eles orientar-se-ão tendencialmente no sentido
desse campo.36 Este alinhamento é geralmente proporcional ao campo apli-
cado, pois, como vimos, o binário sobre cada dipolo é diretamente propor-
cional ao campo a que é sujeito.
Existem ainda materiais sólidos iónicos, cuja rede cristalina tem iões,
como os cristais de cloreto de sódio, NaCl. Estes materiais não apresentam
polarização espontânea porque os dipolos vizinhos se cancelam mutuamente.
Todavia, um campo exterior pode distorcer ligeiramente a rede cristalina,
induzindo a polarização desse meio.
Em todos os casos referidos, a polarização do meio é geralmente propor-
cional ao campo elétrico aplicado e surge por causa dele, ou induzida por ele.
Isso significa que cada dipolo per se é efetivamente proporcional ao campo,
p = αE, onde α é a polarizabilidade do material. Num material podem co-
existir os três tipos de polarização acima referidos, sendo α, de facto, a soma
das polarizabilidades presentes.
Estudaremos apenas materiais lineares, homogéneos e isotrópicos (também
designados como do tipo A).37 Os dielétricos reais não são tão simples, mas
esta aproximação é suficiente para a maioria das aplicações. Ademais, quando
assim não for a análise ainda se baseia nos mesmos conceitos que aqui discu-
timos.
Uma classe de materiais dielétricos que convém referir é a dos eletretos,
que são materiais com polarização permanente, uma espécie de “magnetes
elétricos” com múltiplas aplicações, mas que não discutiremos.
36
Devido à agitação térmica, os dipolos orientam-se apenas tendencialmente na direção
do campo. A probabilidade de um dipolo fazer um ângulo θ com o campo segue uma
distribuição de Boltzmann, f = e−U/kT = epE cos θ/kT , onde k é a constante de Boltzmann
e U = −p · E é a energia dipolar (§ 1.5.6). Por conseguinte, este tipo de polarização de-
pendente fortemente da temperatura. É um fenómeno semelhante ao do paramagnetismo.
37
Consideramos apenas o caso em que α é constante. Mais geralmente porém, a pro-
porcionalidade) pode não ser estritamente linear, sendo p = αE + βE 2 + γE 3 + · · ·. Se
o material não for homogéneo, α, β, γ, . . . variam com a posição; se o material for
anisotrópico, α, β, γ, . . . são matrizes, e os seus elementos correlacionam as diferentes
direções.
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 69

Campos em dielétricos
A polarização do meio está, como vimos, associada e decorre de pequenos
deslocamentos locais de pares de cargas. Estes deslocamentos são locais,
surgem como reação ao campo aplicado e desaparecem quando este deixar
de existir. As cargas de que aqui falamos são pois “cargas ligadas” ou de
polarização, que não se confundem com as “cargas livres”. Diferentemente
das cargas livres, as cargas de polarização não se podem pôr ou tirar do
material, pois fazem parte dos átomos e moléculas seus constituintes, nem se
movem livremente através dele.38 Assim, nos meios dielétricos tem-se
campo E −→ densidade dipolar −→ cargas de polarização.
Suponha-se que um material dielétrico é colocado numa região do espaço
onde já existe um campo, E. Dentro do material formam-se/alinham-se
dipolos elementares a que correspondem cargas de polarização, quer na su-
perfı́cie quer eventualmente no volume. Estas cargas criam um campo E ′′
que se opõe ao campo E em cada ponto (ver fig. 1.32). Por consequência, o
campo dentro de um material polarizado é E ′ = E + E ′′ , e por isso é sempre
menor que o campo exterior aplicado, i.e.,
E ′ = E + E ′′ , com Ê ′′ = −Ê ⇒ |E ′ | < |E|
A formação/orientação de dipolos elétricos no corpo do material vai-se
traduzir no surgimento de cargas nas superfı́cies fronteira do material (ver
fig. 1.32). À escala macroscópica as cargas dos dipolos espalhadas pelo vol-
ume compensam-se umas às outras; se o campo for uniforme e o material for
homogéneo, a carga de polarização média efetiva é mesmo nula em todo o vol-
ume do dielétrico. Mas o alinhamento dipolar faz surgir cargas de polarização
à superfı́cie, com sinais opostos de cada lado do dielétrico relativamente ao
sentido do campo.
Se o campo não for uniforme, a polarização será mais significativa onde o
campo for mais intenso, sendo de esperar que as cargas de polarização estejam
desigualmente distribuı́das pelo volume. Nesse caso haverá uma distribuição
volumétrica de cargas de polarização no volume do dielétrico.
38
Como é óbvio, as cargas de polarização existem sempre aos pares (é da sua natureza) e
a soma de todas elas é sempre nula. As outras, as cargas livres, são aquelas que não estão
ligadas. Todavia, apesar de livres podem não se poder mover livremente se a condutividade
do material for muito pequena. Por exemplo, podem ser implantadas cargas livres dentro
de um dielétrico não condutor, as quais ficarão presas no seu interior (as memórias flash
baseiam-se nisso). Mas isso não as torna cargas de polarização, evidentemente.
70 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

E − +
− − p + +
d E’
− E" +
− +− +− +− +
dp dp
− E’ +
− − +
dp +
E− E" E
− +

Figura 1.32: O campo eletrostático no interior de um dielétrico polarizado. As


cargas de polarização localizadas à superfı́cie criam um campo E ′′ que tem sempre
direção e sentido oposto ao campo exterior aplicado, E. O campo dentro do
dielétrico é por isso menor do que aquele que seria se pudéssemos “desligar”o
dielétrico.

Polarização
A polarização P é, por definição, a densidade dipolar em cada ponto,
dp
P = (1.90)

isto é, é o número de dipolos por unidade de volume.39 O campo P é pois
uma quantidade macroscópica que mede a polarização do meio.
Seja a superfı́cie de um dielétrico polarizado, cuja polarização é P . Nessa
superfı́cie há, por hipótese, uma densidade superficial de cargas de polar-
ização, σp . Do lado de fora é o vazio (ver fig. 1.33). Do lado de dentro, junto
à superfı́cie, cada elemento de volume, dτ = dxds cos θ, tem uma carga de
polarização dq e um momento dipolar infinitesimal, dp = dq dx P̂ . Ou seja,
dado que
dp dqdxP̂
P = =
dτ dxds cos θ
e como n̂ · P̂ = cos θ, então, por conseguinte,

σp = n̂ · P (1.91)

Isto significa que as cargas de polarização localizadas nas superfı́cies do


dielétrico são proporcionais ao fluxo de P através da superfı́cie.
39
No sistema internacional SI, P tem unidades de coulomb/metro quadrado, (C/m2 ).
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 71

σp +
++
+++
+
− +++ ^
n
−− + θ
dq − +++ ds
− dp
ds −− ++
P
ds
dx ++ dx
Ψ
Figura 1.33: Cargas de polarização numa superfı́cie Ψ entre um meio dielétrico e
o vazio. O vector ds = n̂ ds é normal à superfı́cie.

Como se disse, sempre que o campo não seja uniforme dentro do dielétrico,
podem também existir cargas de polarização no volume, já que, do ponto
de vista macroscópico, as cargas dos dipolos vizinhos podem não se anular
mutuamente em pontos do volume. Seja pois um volume τ , delimitado por
uma superfı́cie S, numa região onde o campo E (e a polarização) não é
uniforme e onde haverá por hipótese uma distribuição volumétrica de cargas
de polarização, ρp (ver fig. 1.34). Como é evidente, a soma de todas as cargas
de polarização do dielétrico, localizadas nas superfı́cies e no volume, é sempre
necessariamente nula. Assim,
I Z
σp ds + ρp dτ = 0 (1.92)
S τ

onde σp e ρp são as densidades superficial e volumétrica de cargas de polar-


ização. Visto que σp = n̂ · P , então o primeiro integral é efetivamente um
integral de fluxo através da superfı́cie fechada, S, a que se pode aplicar o
teorema de Gauss, I Z
P · n̂ ds = ∇ · P dτ (1.93)
S τ
Assim, por conseguinte, tem-se
Z Z
∇ · P dτ + ρp dτ = 0 (1.94)
τ τ

Esta igualdade verifica-se qualquer que seja o volume, τ , sendo portanto uma
identidade, da qual se conclui que

∇ · P = −ρp (1.95)
72 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

P P
τ

Figura 1.34: Cargas de polarização no interior de um dielétrico, numa região de


campo não uniforme.

Esta equação diz-nos que as fontes do campo P , das quais esse campo di-
verge, são as cargas negativas de polarização. É natural que assim seja, pois
qualquer momento dipolar elementar é um vector que aponta no sentido da
carga negativa para a carga positiva desse dipolo.
O campo de polarização, P , é evidentemente um campo descontı́nuo na
fronteira do dielétrico (ver fig. 1.33). Se dois dielétricos diferentes forem pos-
tos em contacto, a priori serão diferentes as polarizações de cada lado dessa
interface e P deverá ter aı́ uma eventual descontinuidade. Nessa superfı́cie de
contacto surgirão também, por certo, cargas de polarização, com densidade
superficial σp . É pois necessário analisar as condições de fronteira do campo
P , também nessa circunstância.
Aplicando a lei de Gauss ao campo P num volume τ que inclua parte da
superfı́cie de contacto entre dois meios diferentes, no limite em que o volume
colapsa sobre essa superfı́cie, tem-se (ver fig. 1.35),
I Z
lim P · ds = lim ∇ · P dτ
h→∞ S h→∞ τ
Z
(P + − P − ) · ds = − lim ρp dτ = −σp S
h→∞ τ

onde P + e P − são as polarizações no lado para que aponta n̂ e no lado oposto,


respetivamente. Isto é, a condição de fronteira do campo P em interfaces
entre meios dielétricos distintos, é
n̂ · (P + − P − ) = −σp (1.96)
Esta expressão é também chamada divergência superficial, divS P = −σp ,
pela similitude formal com a eq. 1.95. A equação 1.91 é pois, manifestamente,
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 73

um caso particular das condições de fronteira de P , para o caso em que o


dielétrico faceia com o espaço vazio.
Como se disse, caso os materiais sejam lineares, a polarização do meio
é diretamente proporcional ao campo elétrico aplicado, P ∝ E. Podemos
então escrever P na forma conveniente,

P = ǫ0 χ E E (1.97)

onde χE é a susceptibilidade elétrica do material, a qual caracteriza macro-


scopicamente o material em causa. No caso mais geral, χE é uma matriz
cujos elementos relacionam as diferentes componentes dos campos P e E.
Porém, apenas consideraremos materiais cuja susceptibilidade elétrica, χE ,
seja um número constante, que se determina experimentalmente.40
A existência de cargas de polarização faz com que tenhamos necessidade
de as distinguir face às cargas livres, que são as que podemos pôr e tirar
conforme nos aprouver. As respetivas densidades, volumétrica e superficial,
designam-se habitualmente como ρp e σp e como ρℓ e σℓ , respetivamente.
Todas as cargas elétricas criam campo elétrico, independentemente da
sua natureza. Por conseguinte, em geral
ρℓ + ρp
∇·E = (1.98)
ǫ0
ou, escrevendo de outro modo e usando a eq. 1.95, tem-se ǫ0 ∇·E +∇·P = ρℓ ;
isto é, ∇·(ǫ0 E+P ) = ρℓ . É pois conveniente definir o campo de deslocamento,
D,
D = ǫ0 E + P (1.99)
A divergência deste campo é igual à densidade das cargas livres existentes
em cada ponto do espaço,
∇ · D = ρℓ (1.100)
independentemente das cargas de polarização que possam eventualmente co-
existir nesse espaço.
A equação anterior parece indicar que o campo D é criado somente pelas
cargas livres e que apenas depende dessas cargas, independentemente de
no dielétrico poder também haver cargas de polarização. Todavia tal ideia
está errada! É verdade que ∇ · D = ρℓ mas, de acordo com o teorema de
Helmholtz (§ 1.8), a divergência não é suficiente para definir o campo - é
40
Isto significa considerar apenas materiais homogéneos e isotrópicos.
74 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

P=0

ds
P
P C h

Figura 1.35: Polarização de um meio dielétrico. A circulação de P num contorno


na vizinhança da superfı́cie exterior de dielétrico não é em geral nula, e portanto,
∇ × P 6= 0.

também necessário saber qual é o seu rotacional. Ora, aplicando o rotacional


à eq. 1.99 tem-se: ∇ × D = ǫ0 ∇ × E +∇ × P e, consequentemente,
| {z }
=0

∇×D =∇×P (1.101)

Ou seja, o campo D tem as suas fontes em ρℓ , pois ∇ · D = ρℓ , mas depende


também, indiretamente, das cargas de polarização, já que ∇ × D = ∇ × P
e as fontes de P são as cargas de polarização.
Em geral, ∇ × P 6= 0; é isso que acontece por exemplo na superfı́cie do
dielétrico da fig. 1.35, visto que a circulação de P no contorno indicado é
claramente não nula (e, consequentemente, ∇×P 6= 0). Contudo, haverá cer-
tos casos particulares, com simetria, em que ∇×P = 0. Nessa circunstância,
∇ × D = 0 e D fica a depender exclusivamente das cargas livres, mas só
nessa circunstância. Todavia, o campo D é, ainda assim, fundamental para
descrever e analisar os meios dielétricos.41
Visto que P = ǫ0 χE E, então, da eq. 1.99,

D = ǫ0 E + P = ǫ0 (1 + χE ) E = ǫ0 Ke E = ǫE (1.102)
| {z }
Ke ≥1

41
O campo D não tem portanto o mesmo carácter que o campo eletrostático. Este
último tem ∇ × E = 0 e pode por isso ser associado a um potencial através da relação
E = −∇V , independentemente do meio considerado. Porém, nenhum dos campos, D ou
P , pode ser associado a um potencial, pois, como se disse, geralmente ∇×D = ∇×P 6= 0,
(i.e., não são campos conservativos).
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 75

onde Ke = 1 + χE é a constante dielétrica e ǫ = ǫ0 Ke é a permitividade do


meio. A constante Ke é adimensional e expressa a permitividade relativa do
meio, pois Ke = ǫr = ǫǫ0 . Como é evidente, Ke = ǫr ≥ 1, o que significa que
o vazio é o meio com a permitividade mais baixa em termos absolutos.
Conclui-se assim que, importa frisá-lo,
D = ǫE (1.103)
e, portanto,
ρℓ + ρp ρℓ
∇·E = = (1.104)
ǫ0 ǫ
Esta equação diz-nos que, se um material dielétrico for da classe A, (i.e., se for
linear, homogéneo e isotrópico), então as equações da eletrostática do vazio
também são válidas nesse dielétrico se em vez de ǫ0 , se usar a permitividade
desse meio, ǫ.
Com base no teorema de Gauss-Ostrograsky pode-se também obter a
equação integral para D, correspondente à lei de Gauss do campo E,
concluindo-se que I X
D · ds = qℓ (1.105)
S
Consequentemente, nas interfaces entre dois dielétricos diferentes da classe
A, as condições de fronteira do campo D são (cf. eq. 1.56),
divS D = n̂ · (D + − D − ) = σℓ (1.106)
Nessas superfı́cies entre dois dielétricos as condições de fronteira do campo
eletrostático são, portanto,
n̂ · (ǫ+ E + − ǫ− E − ) = σℓ (1.107)
onde ǫ+ é a permitividade do meio no lado para que aponta a normal à
superfı́cie e ǫ− a do lado oposto. Esta condição compara-se com a da eq. 1.56.
As densidades de cargas livres e de cargas de polarização podem ser rela-
cionadas diretamente uma com a outra em cada ponto. Com efeito, dado
que P = ǫ0 (Ke − 1)E = ǫ0 (K e −1)
ǫ0 Ke
D, então, aplicando a divergência, tem-se
imediatamente
Ke − 1
ρp = − ρℓ (1.108)
Ke
As densidades volumétricas de carga são portanto proporcionais uma à outra
em cada ponto do volume dielétrico, (i.e., em pontos do dielétrico em que
ρℓ = 0 então ρp = 0).
76 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

Todavia, importa frisar que σp 6= − KKe −1 e


σℓ , pois não é verdade que as
cargas de polarização nas superfı́cies sejam proporcionais às cargas livres
que existam nesse pontos. Uma superfı́cie pode ter cargas de polarização
sem ter que ter quaisquer cargas livres. De facto, nas superfı́cies que tenham
cargas os campos são descontı́nuos e isso invalida o argumento que permitiria
estender a relação 1.108 às cargas superficiais.
Se uma região do vazio em que existe um campo E (e D = ǫ0 E) for
ocupada por um dielétrico de constante dielétrica ǫr = ǫ/ǫ0 , como D = ǫE ′ ,
então o campo (macroscópico) em cada ponto desse meio dielétrico passará
a ser E mac = E ′ = D ǫ
= E ǫr
. Por consequência, tal como se tinha visto,
a intensidade do campo nesse espaço é menor do que sem dielétrico, pois
|Emac | < |E|.

O campo na cavidade de um dielétrico

A discussão que fizemos da polarização de um material dielétrico é uma


análise macroscópica, que descreve o campo médio dentro do dielétrico. De
um ponto de vista macroscópico, se a polarização for uniforme os dipolos
elementares do meio cancelam-se mutuamente em todos os pontos do volume,
restando apenas cargas de polarização nas superfı́cies. Porém, à escala local,
microscópica, o efeito local dessas cargas deve-se fazer sentir. Isto é, o campo
local que atua em cada átomo ou molécula do meio deve ser algo diferente
do campo médio, macroscópico que se considerou.
É interessante analisar o campo numa cavidade de um dielétrico. Essa
discussão permite desde logo distinguir o campo macroscópio, que até agora
considerámos, do campo local à escala microscópica, que é aquele que efeti-
vamente os átomos e moléculas sentem.
Suponha-se que se faz uma pequena cavidade esférica no interior de um
dielétrico, com um certo raio, R, (ver fig. 1.36). Se o dielétrico estiver polar-
izado, por influência de um campo externo, a superfı́cie da cavidade fica com
cargas de polarização. O campo dentro da cavidade deve ser portanto igual
ao campo que existe no restante dielétrico, (supomos que a cavidade não o
alterou significativamente), mais o campo criado pelas cargas à superfı́cie da
cavidade.
A densidade superficial de cargas na superfı́cie da cavidade é σp = n̂ · P ,
onde P = ǫo χE E mac e E mac é o campo macroscópico no meio dielétrico.
Um elemento de carga dq = σp ds da superfı́cie da cavidade cria no centro
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 77

n^

σp n^ −
+ − +
R
− +− +− + − +− +
θ −
+ Eloc − +
− Emac
Emac + n^
+ − +

+ −
+
− P

E n^

Figura 1.36: O campo eletrostático numa cavidade de um dielétrico polarizado.


Note-se que a normal n̂ aponta para fora do volume do dielétrico, em cada ponto.

dessa cavidade um campo infinitesimal,

σp ds cos θ
dE ′′ = êk + dE⊥′′ ê⊥ (1.109)
4πǫ0 R2

onde êk e ê⊥ são as direções


R
paralela e perpendicular a E mac . Dada a simetria,
′′ ′′
a componente E ⊥ = dE ⊥ é nula. Portanto, como σp = n̂ · P = P cos θ,
como P = ǫo χE E mac e como ds = R2 sin θdθdϕ, então

χE E mac Z π
′′ χE
E = dθ cos2 θ sin θ = E mac
2 0 3

Por conseguinte, no centro da cavidade o campo (local) é E loc = E mac +


E ′′ ,  
χE
E loc = 1 + E mac (1.110)
3
Ou seja, o campo local é sempre mais intenso que o campo macroscópico.
O campo que atua sobre cada átomo (ou molécula) do dielétrico é o campo
criado por todas as cargas, excepto as desse átomo/molécula (recorda-se
que não há auto-ações, só inter-ações). Supondo que esse átomo é esférico,
que o retiramos do material e que fica nesse sı́tio uma cavidade esférica,
imediatamente percebemos que o campo que efetivamente atua sobre esse
átomo é de facto o campo local, E loc .
Conclui-se portanto que cada átomo/molécula, per se, sente um campo
maior do que o campo macroscópio que atribuı́mos ao volume dielétrico.
Este facto tem consequências ao nı́vel microscópico, em particular no valor
78 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

σ ++
++ 0000
1111
+
+ + n^
0000
1111 E"
0000
1111
ds
++
0000
1111
+ ++
+ + n^
0000
1111
E" + +
E+
++ E
+

Figura 1.37: A pressão eletrostática sobre uma superfı́cie com cargas. O elemento
de superfı́cie ds tem cargas dq = σ ds as quais criam, por hipótese, um campo
infinitesimal dE ′′ .

da polarizabilidade do material, visto que cada dipolo elementar será então,


efetivamente,42 p = αE loc .
Quando se trate de materiais dielétricos há pois que distinguir três campos
diferentes: i) o campo externo aplicado, E; ii) o campo macroscópico dentro
do meio dielétrico, E mac = E/ǫr ; e iii) o campo local sentido localmente por
cada átomo/molécula desse meio, E loc = (1 + χE /3)E mac .

1.6.3 Pressão e tensão eletrostática


Em superfı́cies em que o campo eletrostático tenha uma descontinuidade
surgem tensões mecânicas, em razão da diferença entre os campos de am-
bos os lados dessas superfı́cies. Isso pode ocorrer por exemplo na fronteira
entre dois dielétricos diferentes ou à superfı́cie de um condutor com cargas
superficiais.
Seja a superfı́cie de fronteira da fig. 1.37, na qual a densidade superficial
42
Se existirem n átomos por unidade de volume, então a polarização é

dp
P = = np = nαEloc ; mas por outro lado, P = ǫ0 χE Emac

Ou seja, como ǫr = χE + 1, considerando a eq. 1.110, então
3ǫ0 ǫr − 1
α= (1.111)
n ǫr + 2
Esta expressão relaciona as propriedades macroscópicas com as propriedades locais mi-
croscópicas de um material dielétrico e é conhecida como relação de Claussius-Mossoti.
1.6. CAMPOS ELÉTRICOS NA MATÉRIA 79

de cargas é σ. Como o campo elétrico é descontı́nuo nos pontos da superfı́cie,


convém averiguar que campo e força atuam efetivamente sobre as cargas à
superfı́cie e originam a pressão eletrostática. Sobre o elemento de cargas
dq atua obviamente o campo E ′ criado pelas outras cargas todas, já que
o campo criado pelas cargas dq não age sobre elas próprias, só age sobre
terceiros (i.e., não há auto-ações, só há inter-ações 43 ). As cargas dq = σds
criam por hipótese o campo dE ′′ na sua vizinhança. É este campo, de resto,
que efetivamente cria a descontinuidade do campo nesse ponto da superfı́cie,
pois dE ′′ tem sentidos opostos de cada lado da superfı́cie (ver fig. 1.37). Não
fora haver cargas nesse elemento ds e o campo seria contı́nuo nesse ponto, já
que n̂ · (E + − E − ) = ǫσ0 .
Na vizinhança da superfı́cie ds, onde dq = σds, os campos são (ver
fig. 1.37), (
E + = E ′ + dE ′′
(1.112)
E − = E ′ − dE ′′
E +E
Somando vem, E ′ = + 2 − . Por conseguinte, a força sobre um elemento
de carga dq = σds à superfı́cie do material é dF = dqE ′ = σE ′ ds. A pressão
F = σ E ′ , (a pressão é a força por unidade
eletrostática é portanto f = dds
de área; designa-se aqui por f e não por p ou P para não confundir com o
momento dipolar ou a polarização). Assim,
E+ + E −
f =σ (1.113)
2
Por exemplo, a pressão eletrostática na superfı́cie de um condutor com carga
superficial com densidade σ é f = σ E 2
, onde E é o campo à superfı́cie, do
lado de fora, já que do lado de dentro, E = 0. Ademais, como n̂·(E + −E − ) =
σ
ǫ0
, tem-se σ = ǫ0 E e, portanto,
ǫ0 2
f= E Ê = uE Ê
2
Isto é, a pressão eletrostática à superfı́cie de um condutor é igual à densidade
de energia eletrostática nessa superfı́cie, e tem a direção do campo que aı́
existir.
Esta pressão eletrostática é porém geralmente pequena. Por exemplo, a
pressão sobre a superfı́cie de uma esfera condutora de raio R = 1 cm, a um
43
Ninguém se empurra a si próprio; é da interação com a vizinhança que resulta a
mudança de movimento.
80 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

V(r )

r τ
S
O

Figura 1.38: A equação de Poisson tem solução única, que é função exclusiva das
cargas que existirem no volume e do valor do potencial sobre toda a superfı́cie, S,
que o envolve.

potencial de 1000 V, é f = 21.96 Pa, o que dá uma força de repulsão entre
os dois hemisférios de apenas F ≈ 1.4 µN.
Podem também ser importantes as tensões mecânicas no seio de meios
dielétricos, mormente se o gradiente do campo for elevado.

1.7 Teorema da unicidade


O teorema da unicidade diz grosso modo que a solução da equação de Poisson
é única para cada problema. O teorema aplica-se igualmente à equação de
Laplace, como é evidente.
Seja uma região do espaço, de volume τ , em que se conhece o potencial
em todos os pontos da superfı́cie que a delimita e bem assim a distribuição
de cargas no seu interior (ver fig. 1.38). Suponha-se que se pretende saber
qual é o potencial, V (r), em todos os pontos desse volume.
Teorema da unicidade. Existe uma única solução da equação de Poisson
(e de Laplace) que satisfaz as condições de fronteira na superfı́cie do domı́nio
em que é definida.
Por outras palavras, se existir uma função bem comportada que é solução
da equação de Poisson e que descreve bem o potencial à superfı́cie do volume
de integração, então está encontrada a única solução do problema!

Demonstração: Sejam por hipótese V1 e V2 , duas soluções da equação de


Poisson, válidas numa região τ e que são iguais na fronteira, S, dessa região.
1.7. TEOREMA DA UNICIDADE 81

Isto é,
 2 ρ
 ∇ V 1 = − ǫ0

∇2 V2 = − ǫρ0


V1 ) S = V2 ) S
Fazendo a diferença V3 = V1 − V2 , vem que
(
∇2 V 3 = 0
V 3 )S = 0

Ora, se em qualquer ponto do volume τ , se tem ∇2 V3 = 0, então como


∇2 V3 = ∇·(∇V3 ), conclui-se que ∇·(∇V3 ) = 0. Isto significa que o gradiente
da função V3 não diverge em nenhum ponto do volume. Consequentemente,
a função V3 não pode ter qualquer extremo em todo o volume considerado,
nem máximo nem mı́nimo44 , e por isso só pode ser monótona em todos os
pontos desse volume45 . Porém, a função V3 é zero em toda a superfı́cie S.
Ora, se V3 é uma função regular, que não tem quaisquer extremos no volume,
e que é nula em toda a superfı́cie, então tem que ser identicamente nula em
todos os pontos desse volume. Mas então, se V3 = 0 isto quer dizer que
V1 = V2 em todo o domı́nio considerado, e portanto que afinal só há uma
solução para o problema inicial - a solução é única!
Este teorema também é válido no caso em que as condições de fronteira
especifiquem, não o potencial, mas o campo, E = −∇V sobre a superfı́cie.
As duas putativas soluções da equação de Poisson, V1 e V2 , satisfazem nesse
caso, por hipótese, as mesmas condições de fronteira, ∇V1 )S = ∇V2 )S . A
solução V3 = V1 − V2 satisfaz portanto a condição de fronteira ∇V3 )S = 0, em
todos os pontos da superfı́cie do domı́nio em causa. Tal como acima, a função
V3 deve ser uma função monótona em todos os pontos do domı́nio. Mas
neste caso, V3 deve também ter derivada nula na direção normal à superfı́cie
fronteira S, em todos os pontos dessa fronteira, pois ∇V3 )S = 0 (e portanto
∂n V3 )S = ∇V3 · n̂ = 0). Porém, se a função não tem quaisquer máximos ou
mı́nimos no domı́nio e se a derivada normal à superfı́cie limite é identicamente
44
Se uma função tiver um máximo num certo ponto, então nesse ponto o seu gradiente
é nulo, evidentemente. Mas, em pontos da vizinhança o gradiente é todavia positivo e,
consequentemente, o fluxo do gradiente da função, que sai dessa vizinhança, é necessaria-
mente negativo. Ou seja, a divergência do gradiente da função é negativa onde a função
tiver máximos e positiva onde ela tiver mı́nimos.
45
Uma função é monótona no sentido em que ou é sempre crescente ou é sempre decres-
cente ou é sempre constante
82 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

nula, então necessariamente é V3 = 0 em todos os pontos desse domı́nio. Mas


então isso significa, também neste caso, que a solução da equação de Poisson
é única.
As condições de fronteira acima consideradas são as clássicas:46 :
i) condições de fronteira de Dirichlet, em que se especifica o valor da
função f a integrar, em todos os pontos da fronteira e;

ii) condições de fronteira de Neumann, em que se fixa a priori a derivada


normal da função, ∂n f , em todos os pontos da fronteira.
Em suma: se existir uma solução bem comportada da equação de Poisson,
válida em todos os pontos de um volume, τ , que obedeça às condições de
fronteira na superfı́cie (fechada) que o delimita, então essa solução é a única.
Ficam pois, desde já, legitimados todos os métodos que permitam chegar
a uma função que satisfaça as condições de fronteira de um problema e que
seja solução da equação de Poisson (ou Laplace). Não importa como se lá
chegue, seja por intuição, por tentativa e erro, por adivinhação, etc... - não
importa mesmo! Se tal função for uma solução eletrostática (i.e. se satisfizer
a equação de Poisson) e se descrever bem o potencial em todas as fronteiras
do domı́nio do problema, então o problema está resolvido.
Ao longo dos anos foram-se desenvolvendo muitas técnicas para o cálculo
de problemas de eletrostática sem solução analı́tica:- o método das imagens
eletrostáticas, as transformações conformais no plano complexo, etc..., todas
elas legitimadas pelo teorema da unicidade. Com o incremento da capacidade
de cálculo numérico essas técnicas foram-se tornando menos necessárias, em
face dos meio de cálculo disponı́veis para integrar numericamente as equações
de Poisson/Laplace (incluindo a disponibilidade de software especı́fico). To-
davia, tais métodos não dispensam a necessidade de se compreender a fı́sica
subjacente as essas situações/aplicações, e a capacidade de avaliar a con-
sistência das soluções numéricas.

1.8 Teorema de Helmholtz⋆


A situação mais comum de que trata o eletromagnetismo consiste em partir
das cargas e das correntes e obter os campos a que estas dão causa. As fontes
dos campos elétrico e magnético relacionam-se diretamente com a divergência
46
vide J. D. Jackson, Classical Electrodynamics, 3rd ed., J wiley.
1.8. TEOREMA DE HELMHOLTZ⋆ 83

e o rotacional do campo respetivo. A questão é se a divergência e o rotacional


do campo são suficientes para, a partir deles, obter o campo em qualquer
ponto do espaço.
O teorema de Helmholtz diz que se G for um campo vectorial, de que
se conhecem quer a divergência quer o rotacional em cada ponto e se estes
forem funções que convergem para zero no infinito mais depressa que 1/r2 ,
então essa informação é necessária e suficiente para obter o campo G, em
qualquer ponto do espaço.
Teorema do Helmholtz. Um campo vectorial G pode ser escrito na forma
geral como uma sobreposição de campos, um irrotacional e outro solenoidal,
G = −∇V + ∇ × A, se as respetivas funções forem bem comportadas e
tenderem para zero no infinito, com uma potência da distância superior a
dois.

Demonstração: Seja um campo G do qual se conhecem ∇ · G = ρ e


∇ × G = j. Pode-se começar por escrever G na forma mais geral, como
uma sobreposição de campos, um irrotacional, outro solenoidal e outro que é
ambas as coisas: G = −∇V + ∇ × A + F , com ∇ · F = 0 e ∇ × F = 0. Por
conseguinte, fica ∇2 V = −ρ e ∇×∇×A = j = ∇(∇·A)−∇2 A. As funções
V e A não podem ser absolutamente definidas: V é definido a menos de uma
constante (pois ∇(V + C) = ∇V , com C uma constante arbitrária) e A é
definido a menos de um gradiente (pois ∇ × (A + ∇λ) = ∇ × A, com λ uma
função arbitrária regular). A função λ e a constante C não têm significado
fı́sico e podemos escolhê-las como for mais adequado, como quem escolhe
o sistema de coordenadas mais conveniente. Escolhendo λ adequadamente
podemos, sem qualquer perda de generalidade, anular a divergência de A,
fazendo A → A + ∇λ, desde que ∇2 λ = −∇ · A. Há portanto três equações:
∇2 λ = −∇ · A, ∇2 V = −ρ e ∇2 A = −j, as quais têm todas solução única
bem definida, nos termos do teorema da unicidade, § 1.7. Por outro lado, se
no infinito forem ρ(∞) = 0 e j(∞) = 0, tais que limr→∞ G = 0 ⇒ F (∞) =
0. Mas como, ∇ × F = 0, então F = ∇η e como ∇ · F = 0, então ∇2 η = 0,
em todos os pontos. Isto significa que F é identicamente nula, pois, se F = 0
no infinito, então η(∞) = const.; mas como ∇2 η = 0, então η é constante
em todo o espaço (porque se as segundas derivadas de η são sempre nulas ela
não tem qualquer extremo) e só pode ser identicamente nula: - logo F ≡ 0.
Então G = −∇V + ∇ × A e, consequentemente, ∇ · G e ∇ × G definem
univocamente as funções V e A e, portanto, o campo, G.
84 CAPÍTULO 1. ELETROSTÁTICA

A conclusão anterior pressupõe, evidentemente, que as soluções, V e A,


existem. Ambas são soluções da equação de Poisson e têm portanto a forma
1 R ρ
da eq. 1.50, V (r) = 4π τ r′′ dτ ′ (o mesmo para as componentes de A). Existe
solução se este integral convergir quando r → ∞; ou seja, se ρ descrescer
mais rapidamenteR que 1/r′′2 ; (se ρ(r → ∞) ∼ 1/r2 , o integral diverge loga-
ritmicamente: ∼ r1′3 r′2 4πdr′ ∼ [ln r]∞ 0 = ∞). Por conseguinte, as funções
ρ = ∇ · G e j = ∇ × G devem tender para zero no infinito, mais depressa
que 1/r2 . q.e.d.

1.9 Teorema de Earnshawn⋆


Há por vezes a tentação de acreditar na possibilidade de fazer levitar no vazio
um corpo com uma certa massa, dispondo cargas elétricas em posições tais
que, em conjunto, criem uma força de repulsão eletrostática vertical, oposta
à gravidade. Todavia, isso nunca é possı́vel, como a seguir se demonstra.

Teorema do Earnshawn. Não é possı́vel manter uma coleção de cargas


elétricas a levitar no vazio, em equilı́brio estável, apenas com a força de
repulsão eletrostática.

Demonstração: A forçaR que atua sobre um corpo, que por hipótese está
suspenso no vazio, é F = τ ρ′ Edτ , onde ρ′ é a distribuição de cargas
R ′
do corpo
(só será repelido se estiver carregado; neste caso a carga é Q = τ ρ dτ ), e E
é o campo eletrostático criado pela distribuição de cargas que supostamente
suporta o corpo.
As forças entre as cargas do corpo são forças internas que não contribuem
para a força externa que o suspende (de contrário qualquer corpo carregado
levitava sozinho!).
No vazio, ∇ · E = 0 e consequentemente ∇ · F = 0, pois as cargas estão,
por hipótese, fixas em posições estáticas. Por conseguinte, considerando a
relação entre a força e a energia potencial eletrostática, F = −∇U , conclui-se
que ∇2 U = 0, em qualquer ponto.
Se o corpo pudesse ser suspenso num ponto de equilı́brio estável, então
a função de energia potencial teria um mı́nimo nesse ponto, e todas as se-
gundas derivadas da função U seriam necessariamente positivas nesse ponto.
Isto é, se esse ponto estável existisse haveria então pelo menos um ponto
1.9. TEOREMA DE EARNSHAWN⋆ 85

onde ∇2 U > 0. Como esse ponto não existe, então o equilı́brio de forças elet-
rostáticas não tem nenhum mı́nimo estável. Não se pode portanto suspender
um corpo apenas com base nas forças eletrostáticas. Está demonstrado o
teorema.
Ou seja, não é possı́vel fazer levitar um corpo só com cargas estáticas.
A força, F , até pode simétrica da força gravı́tica, mas o equilı́brio é sempre
instável, e rompe-se à menor flutuação. Nem vale a pena tentar; é inglório
lutar contra um teorema!47

47
O teorema de Earnshawn também se aplica ao campo magnetostático, pelo que não
é possı́vel a levitação magnética apenas com recurso a magnetes permanentes. De facto,
como adiante se verá, a energia potencial de um dipolo magnético, m, numa região com
campo magnético, B, é U = −m·B. Consequentemente, ∇U = −(m·∇)B e ∇2 U = −(m·
∇)(∇·B) = 0. Mas, o campo magnetostático satisfaz a equação de Gauss, ∇·B = 0 e, por
isso, não há qualquer ponto de equilı́brio estável que permita ter levitação magnética. Tal
só será possı́vel variando m ou B, de modo a criar dinamicamente um mı́nimo de energia
potencial. Isso permite a um diamagnete levitar, especialmente os supercondutores, porque
o efeito de repulsão é dinâmico, como à frente veremos. Quanto ao mais, para ter levitação
é mesmo necessário operar um sistema de eletromagnetes retroalimentado com controle
fino da posição.

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