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1. INTRODUÇÃO
O investimento na educação da infância desviante passa a ser, antes de tudo, uma questão de
cunho político e econômico. Concebida como elemento de desordem, ela representa uma
ameaça ao futuro da nação. No entanto, pode transformar-se em elemento de utilidade, capaz
de contribuir, com seu potencial de produtividade, para o progresso do país. Portanto, a
infância pobre, neste período, torna-se alvo não só de atenção, mas de receios. Médicos,
juristas, educadores, jornalistas e outros denunciam a situação da infância no país - seja nas
famílias, nas ruas ou nos asilos, o consenso é geral: a infância está em perigo. Mas há um
outro lado da questão: a infância moralmente abandonada passa a ser considerada
potencialmente perigosa, já que, devido às condições de extrema pobreza, baixa moralidade,
doenças, etc. de seus progenitores, esta não recebe a educação considerada adequada pelos
especialistas, que vem a ser a educação física, moral, instrucional e profissional.
prevenir a desordem que o excesso de miséria pode gerar. A conservação das populações,
como também o controle e a vigilância sobre os desajustados vão se constituir em metas da
assistência. O trabalho assume uma dupla face para a assistência, econômica e moral. A
questão econômica baseia-se na formação de uma futura mão-de-obra, através da educação
profissional a ser empreendida pelas instituições de assistência. No entanto, a
profissionalização da infância revela também uma preocupação com a higiene moral da
sociedade.
As instituições começam a adotar novos métodos de trabalho, orientados não somente pelos
princípios religiosos, mas principalmente pelos conhecimentos oriundos das ciências. Deste
modo, as instituições devem obedecer aos preceitos da higiene e adotar como método de
tratamento dos desajustados, a educação física, moral, instrucional e profissional. As
instituições passam a visar à devolução à sociedade de indivíduos não só adaptados ao meio
social, mas também, atendendo ao crescente apelo nacionalista, torná-los instrumentos para
servirem ao engrandecimento da pátria.
Portanto, a história da assistência à infância no Brasil indica que as instituições para menores
surgiram da necessidade das elites de garantir a docilidade política e a utilidade econômica de
uma parcela da população que começa a se tornar ameaçadora aos seus olhos. As instituições
de atendimento ao menor, não tem, desta forma, sua origem vinculada às necessidades da
criança de ser protegida, educada e amada, como as autoridades tentam mostrar à opinião
pública.
Ao contrário, a análise das instituições para menores mostra que a tentativa de retirar essas
crianças do meio social para devolvê-las com uma outra moldura, é cruel, desumana e motivo
de enorme sofrimento para o interno, já adolescente, que é devolvido à sociedade sem
conseguir identificar-se com grupo social algum, a não ser com aquele proveniente do próprio
estabelecimento de onde teve que sair.
A história tem esse importante papel de mostrar como muitas vezes o que é apresentado sob a
máscara de uma atitude corajosa, humanitária e em defesa da criança, não resiste à uma
análise mais criteriosa.
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Neste item, abordaremos o universo das instituições para menores do município do Rio de
Janeiro, baseando-nos em informações recolhidas predominantemente da pesquisa realizada
por Ataulpho de Paiva em 1913, sob encomenda da Prefeitura (Município do Rio de Janeiro,
1922), como também em relatórios de juizes e comissários de menores da Capital Federal.
Incluiremos no estudo algumas instituições estatais de São Paulo e de Minas Gerais, pela
importância que estas assumiram na discussão sobre assistência ao menor, seja pelo trabalho
inovador ou como era mais comum, pelo fato de serem alvos constantes de críticas por parte
dos autores.
O Estado mantinha 07 estabelecimentos no Rio de Janeiro, sendo que 03 deles não eram
instituições específicas para menores, acolhendo também adultos com as mesmas
características morais e legais, como a Casa de Detenção, a Colônia Correcional dos Dois
Rios e o Asilo de Mendicidade. Estas recebiam menores delinqüentes, viciosos e abandonados
respectivamente. Esta mistura de menores com adultos era amplamente denunciado na época,
por ser percebida como uma promiscuidade prejudicial ao desenvolvimento moral do menor e
da sociedade.
Das religiosas, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, tinha presença marcante com seus
05 estabelecimentos, que com exceção da Casa dos Expostos, atendiam somente meninas e
moças órfãs, desvalidas ou abandonadas. As instituições religiosas eram mantidas pelas
ordens a que pertenciam, por donativos, sendo que algumas recorriam à própria renda do
trabalho dos internos. Três delas eram subvencionadas pelo Estado.
As 07 instituições particulares sem vínculo religioso foram fundadas por pessoas de posses,
muitas delas ocupando cargos no Governo, como o Prefeito Ubaldino do Amaral e o Ministro
dos Negócios do Império Antônio Ferreira Vianna, cujos estabelecimentos eram os únicos que
recebiam subvenção municipal e federal, respectivamente. Associações filantrópicas como o
Patronato de Menores e a Associação Protetora da Infância Desamparada, mantinham asilos
para menores, os quais eram parte de um programa que compreendia a assistência asilar e a
extra-asilar.
Os internos eram classificados segundo sua origem social e os atos praticados contra a
sociedade. Estes critérios, juntamente com os critérios de sexo e idade vão determinar a
clientela de cada estabelecimento. Deste modo, 15 instituições recebiam apenas meninas; 13
eram para meninos e havia 06 que atendiam a ambos os sexos. Relativamente, havia mais
instituições para menores do sexo feminino, pois das 13 instituições que recebiam menores do
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sexo masculino, 03 não eram instituições para menores, conforme explicação dada
anteriormente.
Quanto à origem social dos internos, 19 instituições recebiam somente crianças e jovens
desvalidos ou abandonados; 09 atendiam órfãos ou desvalidos e 6 internavam delinqüentes ou
viciosos. Estes dados já são um primeiro indicador da preocupação da sociedade em prevenir
a criminalidade, procurando educar suas crianças desvalidas para posteriormente apresentá-las
validadas por sua capacidade produtiva.
É interessante notar que havia uma divisão da clientela pelas três instâncias mantenedoras das
instituições. As instituições religiosas atendiam basicamente órfãs e meninas e moças
desvalidas. Os estabelecimentos mantidos pelo Estado atendiam a menores delinqüentes,
viciosos e abandonados, do sexo masculino. As particulares sem vínculo religioso, abarcavam
um universo mais amplo da clientela ao atenderem órfãs, abandonados e desvalidos de ambos
os sexos, muito embora os delinqüentes ficassem a cargo do Estado. Apenas 07
estabelecimentos atendiam a menores de ambos os sexos, sendo 04 destes religiosos, 2
particulares e um estatal.
Com referência às finalidades das instituições, 24 delas tinham por fim a educação e/ou
formação profissional dos internos. A preparação para o trabalho doméstico era a mais
enfatizada - 10 estabelecimentos tinham este fim. A educação das meninas órfãos ou
desvalidas era invariavelmente voltada para o ensino doméstico, o qual visava a formar
"futuras criadas e esposas de operários" (Município do Rio de Janeiro, 1922, p. 494). Estes
estabelecimentos eram de origem religiosa. Neste caso, o objetivo de uma educação moral-
religiosa aparece mesclado com o objetivo econômico, representado pela formação
profissional. Este era o caso, por exemplo, da instituição Órfãs Brancas do Colégio Imaculada
Conceição, o qual destinava-se à "formação religiosa, moral e prática de boas empregadas
domésticas e donas de casa" (Município do Rio de Janeiro, op. cit., p. 493).
impedindo assim que por falta dela se desviassem do amor ao trabalho e se tornassem maus
e prejudiciais cidadãos" (Brasil, Atos do Poder Executivo, art. 10, # 20).
Havia também estabelecimentos que se destinavam apenas a recolher menores, ou por serem
incômodos ao convívio social como os delinqüentes e os viciosos ou por não disporem de
nenhum meio de sobrevivência na sociedade, como os órfãos e os abandonados. Somaram-se
10 estabelecimentos deste tipo, inclusive a Casa de Detenção, a Colônia Correcional e o Asilo
da Mendicidade. Apenas 03 estabelecimentos utilizavam a palavra "educar" ao descreverem
suas finalidades, porém sempre de maneira vaga, não especificando qual o tipo de educação
que seria dada.
O isolamento ainda era um objetivo importante neste período, a se notar pelo número
significativo de instituições que destinavam-se explicitamente a este fim. No entanto, muitas
destas instituições viam seus objetivos e métodos de atuação serem alvos de críticas
combativas, forçando o fechamento de algumas, como ocorreu à Colônia Correcional dos
Dois Rios em 1914, a transformação de outras, fato ocorrido com a Escola Correcional
Quinze de Novembro, a qual passou inclusive a chamar-se Escola Premunitória Quinze de
Novembro. A correção cede lugar à prevenção.
Os institutos semi-oficiais eram mantidos pela União e administrados por associações civis,
por delegação permitida pelo Código de Menores. Havia sete estabelecimentos semi-oficiais,
de propriedade da União, e dois, de propriedade do Patronato de Menores.
Segundo relatório do juiz Sabóia Lima (1939), o Juízo mantinha uma seção educativa que
tinha por finalidade desenvolver programas de ensino primário, profissional, religioso e
esportivo, a serem seguidos pelos patronatos. O Juízo objetivava obter um controle direto
sobre a vida diária dos estabelecimentos, prioritariamente no que se referia ao
desenvolvimento pedagógico e psicológico de cada educando. Visando a atender esta
finalidade, Sabóia Lima (op. cit.) nos conta que "mensalmente (os menores) fazem provas
globalizadas, que são enviadas ao Juízo, com os relatórios pedagógicos de todos os
professores. As provas são estudadas na Seção Educativa e guardadas em pastas
correspondentes à vida escolar de cada menor. Assim, o Juízo acompanha o desenvolvimento
de cada menor internado e dele provem interessante documentação psicológica e
pedagógica" (p. 39).
Pelos relatórios dos juizes da década de 30, podemos pressupor que o discurso psicológico é
introduzido nos estabelecimentos de assistência através da orientação recebida dos serviços
auxiliares do Juízo. Assim, a portaria de 21/02/38 determinava que, a Seção de Educação
Física do Juízo orientasse os estabelecimentos a respeito deste serviço, "tendo em apreço a
idade, o desenvolvimento e o estado físico e psicológico do educando" (Lima, Sabóia, op. cit.,
p. 205).
Embora a aprovação de uma lei não garanta a sua aplicação, a portaria é um indicador da
disposição do Juízo em "fornecer as bases científicas para o tratamento médico-pedagógico
da infância abandonada e delinqüente" (Lima, op. cit., p. 204). Dentro desta nova
perspectiva, Burle de Figueiredo, o juiz de menores que antecedeu Sabóia Lima, criou o
Laboratório de Biologia Infantil, órgão que funcionava junto ao Instituto Sete de Setembro,
instituição que até então abrigava menores recolhidos nas ruas. O Instituto passará a abrigar
menores a serem examinados e classificados pelos profissionais lotados no Laboratório, de
modo a fundamentar as decisões do juiz quanto ao encaminhamento de menores.
Apesar desta tentativa de dar um caráter científico à assistência oficial ao menor, os juizes em
seus relatórios queixam-se de que não há a devida continuidade entre a atuação do
Laboratório e a assistência posteriormente dada ao menor. Os menores eram classificados
pelos técnicos do Laboratório segundo critérios considerados científicos, mas não raro eram
encaminhados para institutos onde viviam em promiscuidade, sob um regime repressivo ao
invés de premunitório/reeducativo, como mandavam as novas tendências assistenciais do
mundo ocidental.
Em 1938, Sabóia Lima (op. cit.) enviou ao Presidente da República um memorial sobre a
situação dos institutos de proteção à infância abandonada e delinqüente, em que constata a
total falência do regime administrativo e educativo dos estabelecimentos. É feito um estudo
minucioso dos institutos subordinados ao Juízo de Menores, principalmente dos oficiais,
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considerados os mais problemáticos. Na Escola João Luíz Alves, por exemplo, S. Lima
constatou que os problemas eram muitos: custo elevado por aluno; funcionalismo excessivo
para um pequeno número de abrigados; burocracia enorme e nomeações por influência
política. Havia também o obstáculo do regime interno da Escola, como o próprio diretor
aponta em seu relatório:
"(...) o regime dos grandes dormitórios coletivos (...) faz desaparecer aquele ambiente de
família, que deve existir nos educandários destinados à regeneração de menores." (p. 326)
O relatório da Comissão nomeada pelo Ministro da Justiça, formada pelo Major Correa Lima
e pelos Drs Cincinato Ferreira Chaves e Pedro Amaral Pallet, verificou que "a ineficiência da
Escola João Luíz Alves e Quinze de Novembro decorre das causas de ordem moral, técnico-
pedagógica, administrativa e material." (Lima, op. cit.)
No final da década de 30, já é de senso comum que os institutos criados no início do século,
alguns pelo Estado, "tornaram-se insuficientes e mesmo prejudiciais à educação da infância e
da adolescência" (Lima, 1941, p. 08). As propostas de reformulação dos "velhos
reformatórios", das "escolas do vício", são do mesmo teor dos projetos de transformação dos
asilos, defendidos no início do século.
Uma rápida análise do quadro da assistência asilar da época, nos mostra que a despeito da
adoção de uma nova orientação no atendimento ao menor por alguns estabelecimentos, era
ainda comum a prisão de menores na Casa de Detenção, o que agredia a nova mentalidade
regenerativa/preventiva que se impunha não somente nos meios especializados, mas também
na sociedade de um modo geral. Esta prática não é somente denunciada por especialistas, mas
também através de campanhas denunciadoras da imprensa, como ocorreu no ano de 1925.
Se não era comum a prisão de menores do sexo feminino, no entanto, poucas mudanças
ocorreram do final do século ao ano de 1941 na assistência às "órfãs", às "desvalidas", às
"abandonadas", às "pervertidas" e às "delinqüentes". Estas continuaram a ser enclausuradas
em instituições regidas por religiosas, onde recebiam educação doméstica com o fim de se
tornarem boas esposas, domésticas ou até religiosas.
No artigo "A ação do juiz de Menores. Duas mocinhas transviadas fazem-se freiras", o jornal
"O Globo" de 19/02/26 louva o regime do Asilo Bom Pastor, para onde o juiz enviava as
"menores viciosas ou vítimas de atentado ao pudor". Estas recebiam instrução primária,
educação moral, o aprendizado de costuras, bordados e serviços domésticos. Havia no Asilo
uma seção destinada às "moças transviadas", que regeneradas e com a autorização do juiz,
poderiam tornar-se religiosas, se assim o desejassem. A seção chama-se "Congregação das
Magdalenas".
O Serviço de Assistência a Menores (SAM), criado em 1941, herda algumas das atribuições
do Juízo, como por exemplo, o estudo da criança. No decreto que o instituiu, a Psicologia está
presente, o que não garante a sua presença nas instituições de atendimento.
5. COMENTÁRIO FINAIS
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Na passagem do século XIX para o século XX, vimos prevalecer o projeto de uma assistência
racional, metódica e baseada nos cânones científicos, como nas noções médicas de prevenção
e cura. Um modelo de assistência á infância voltado para a prevenção das desordens, tendo
como exemplo máximo, a criminalidade, atende aos anseios de disciplinarização da sociedade
do novo regime político representado pela República.
A educação é concebida como o melhor instrumento para alcançar a tão desejada adaptação
do indivíduo ao meio social. Preparação do corpo pela educação física; da mente pela
educação moral; do intelecto pela educação instrucional e para o trabalho pela educação
profissional. A Psicologia é requisitada para auxiliar no estudo do menor, devido, em parte, à
sua capacidade de oferecer um instrumental técnico formado capaz de medir o nível de
inteligência de forma a justificar a necessidade ou não de internar o menor. O teste do Q.I.,
por exemplo, era utilizado pelo Laboratório de Biologia Infantil do Juízo de Menores. Os
exames do Laboratório pretendiam, inclusive, indicar se a sua afetividade e o seu psiquismo
eram normais.
O novo asilo ultrapassa os limites de seus muros, ao pretender não se restringir somente à
"gerir os reclusos", mas também "presidir à inclusão social" (Donzelot, 1980, p.121). Citemos
León Renault (1930), diretor do Instituto "João Pinheiro" (Minas Gerais), que em poucas
linhas resume os anseios do novo modelo de assistência asilar:
5. BIBLIOGRAFIA