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Fundação de Educação para o Trabalho de Minas Gerais

ENFERMAGEM NEURO PSIQUIATRICA/


SAÚDE MENTAL
2ª Etapa
Curso: Técnico em Enfermagem
Etapa: 2ª

DISTRIBUIÇÃO DE PONTOS

1º Bimestre – 40 pontos

20 pontos: a critério do professor

20 pontos: avaliação bimestral.

2º Bimestre – 60 pontos

20 pontos: a critério do professor

10 pontos: mostra cientifica

30 pontos: avaliação final

Carga Horária Semanal: 02 horas/aulas

Carga Horária Total: 40 aulas


SUMÁRIO

1.0- INTRODUÇÃO Á PSIQUIATRIA.....................................................................

2.0-A LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA E OS TRATAMENTOS NA ANTIGUIDADE....

2.1-AS ORIGENS DA PSICOPATOLOGIA.........................................................................

2.2-PINEL E A PSIQUIATRIA...........................................................................................

3.0-O CONTEXTO HISTÓRICO DA PSIQUIATRIA NO BRASIL.........................................

3.1-OS PRMEIROS HOSPÍCIOS DA PSIQUIATRIA NO BRASIL.......................................

4.0-O PROCESSO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA...........................................................

4.1-A REFORMA PSIQUIÁTRICA DEPOIS DA LEI NACIONAL (2005-2006)......................

4.2-BREVE HISTÓRICO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA..............................

4.3-FRANCO BASAGLIA E A PSIQUIATRIA.....................................................................

5.0-OS NOVOS MODELOS DE SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL-

-PROGRAMA DE VOLTA PARA CASA......................................................................

-DESINSTITUCIONALIZAÇÃO..................................................................................

-REDUÇÃO DE LEITOS.........................................................................................

-RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS.............................................................................

6.0-A LUTA ANTIMANICOMIAL....................................................................................

7.0-A REFORMA PSIQUIÁTRICA QUE BUSCAMOS........................................................

8.0-RECURSOS DE ATENDIMENTO NA COMUNIDADE: CENTROS DE ATENÇÃO


PSICOSSOCIAL.................................................................................

8.1-OS CAPS, CAPS-AD, CAPS-I ………………………………………………………………..

8.2-OS CAPS NA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE MENTAL...........................................

8.3-CAPS OU CERSAMS ..............................................................................................

8.4-A PROPOSTA E FUNCIONAMENTO DOS CAPS ........................................................

8.5-O TRABALHO DESENVOLVIDO NO CAPS ................................................................

9.0-A ORGANIZAÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL ................................................

10.0-O DIA A DIA NO CAPS ................................................................................................


11.0-FUNÇÕES DO TÉCNICO DE ENFERMAGEM NO CAPS /ATRIBUIÇÕES GERAIS DA
EQUIPE DE ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA ...............................................................

12.0-ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE MENTAL ....................

12.1-ENCAMINHAMENTO DO PACIENTE AO SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL ..................

12.2-A CHEGADA DO PACIENTE NO SERVIÇO DE SAÚDE ............................................

13.0-HUMANIZAÇÃO E ACOLHIMENTO NOS CAPS ........................................................

14.0-O VÍNCULO E RESPONSABILIZAÇÃO DO CUIDADO ...............................................

14.1-A ATUAÇÃO EM EQUIPE .......................................................................................

15.0-A PARCERIA SAÚDE MENTAL - SAÚDE DA FAMÍLIA ..............................................

15.1-A ATUAÇÃO DA EQUIPE DE SAÚDE MENTAL NAS UNIDADES BÁSICAS .............

15.2-O FLUXO E OS CRITÉRIOS DE ENCAMINHAMENTO EM SAÚDE MENAL ...............

15.3-AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL ...................................................................

16.0-PROJETOS DE SAÚDE MENTAL: CONSTRUÇÃO COLETIVA ............................

17.0-A COMUNICAÇÃO DO PACIENTE PORTADOR DE SOFRIMENTO MENTAL ......

18.0-INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS EM SAÚDE MENTAL ..................................

19.0-O USO ABUSIVO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS .........................................

19.1-MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO ABUSO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS ...

19.1.1-INTOXICAÇÃO ALCOÓLICA ..............................................................................

19.1.2-SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA ALCOÓLICA ......................................................

19.1.3-ALUCINOSE ALCOÓLICA ...................................................................................

19.1.4-TRANSTORNOS ORGÂNICOS ..............................................................................

19.2-O PERCURSO DO USUÁRIO DE ÁLCOOL E DE DROGAS NA REDE DE ASSISTÊNCIA


À SAÚDE .........................................................................................

19.3-A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE E O USUÁRIO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS ....

19.4-O CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – ÁLCOOL E DROGAS (CAPS-AD) ......

20.0-A LEGISLAÇÃO NA SAÚDE MENTAL ....................................................................


1.0-INTRODUÇÃO Á PSIQUIATRIA

Casos de perturbações mentais estão registrados por toda a História e são, desde as épocas
mais remotas, citados por historiadores, poetas, pintores, escultores e médicos.

Algumas figuras históricas conhecidas:


 Os Imperadores Romanos Calígula e Nero, os reis franceses Clóvis II e Carlos VI, este
último chamado de Carlos, o Louco, o qual acreditava ser feito de vidro e que inseria
pequenas hastes de ferro em suas roupas a fim de prevenir que se partisse em
pedaços. Eduard Einsten, filho do renomado físico Albert Einstein, o lendário bailarino
ucraniano Vaslav Nijinsky, e o prêmio Nobel de Economia Jonh Forbes Nash Jr.,
sofriam de Esquizofrenia.
 O famoso pintor Vincent Van Gogh (1853-1890), sofria de crises de instabilidade de
seu humor.

Diversos historiadores afirmam que Van Gogh sofria "ataques epilépticos" o que para alguns
seria o resultado do uso frequente de bebidas contendo absinto (Artemisia absinthium),
substância que era utilizada para modificar a atividade cerebral e assim "estimular" atividades
artísticas.

Houve diversas tentativas de estabelecer um diagnóstico para a doença de Van Gogh.


Atualmente, o mais aceito é o Transtorno do Humor Bipolar, levando-se em consideração os
estados depressivos, alternados de episódios eufóricos (ou maníacos) que lhe faziam
mergulhar em um estado de humor de grande energia e paixão. Van Gogh cometeu suicídio
aos 37 anos de idade.

No Brasil colonial e durante parte do Império, a ordem jurídica era determinada pelas
Ordenações do Reino e nelas a loucura possuía várias denominações: "desassisados",
"sandeus", "mentecaptos" ou "furiosos"; eram ali contemplados ainda os "desmemoriados" e os
"pródigos".

Loucura

Designa-se por louco aquele indivíduo cuja maneira de ser é “diferente” em comparação com
outra maneira de ser considerada pela sociedade como “normal”. Porém com as diferenças:
culturais, sociais, éticas, filosóficas, religiosas existentes, como se poderia definir o que é um
indivíduo normal?

Nem sempre a loucura foi vista como uma doença ou um problema de integração social. Assim
como a conceituação de loucura, os cuidados dedicados as pessoas com transtorno de
comportamento variaram no decorrer dos tempos, sempre influenciados por crenças,
costumes, religião.

2.0-A LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

O homem primitivo atribuía todas as doenças à ação de forças externas, forças sobrenaturais,
maus espíritos, bruxos, demônios, deuses.

Acredita-se que nessa época as pessoas com distúrbios de comportamento eram atendidas em
rituais tribais, para corrigir tal distúrbio. E em casos de insucesso, o indivíduo era abandonado
à própria sorte.
Na antiguidade:
• Na Grécia e Roma antigas não existiam procedimentos ou espaços sociais destinados
aos “loucos”.
• Os ricos permaneciam em suas residências e os pobres circulavam pelas ruas, onde
recebiam caridade pública ou realizavam pequenos serviços.
• A sociedade atribuía as crises de agitação a forças sobrenaturais, decorrentes de
possessões demoníacas.
• O indivíduo louco era visto como um problema familiar e não social.
• Na Grécia de 860 a.C. os sacerdotes recomendavam que os loucos fossem tratados
com bondade e que lhes fossem proporcionadas atividade físicas.
• Nessa mesma época, médicos, estudiosos tinham grande consideração pelos doentes,
estes podiam desfrutar de ar fresco, água pura, luz solar. Mestres, alunos e doentes
faziam caminhadas, encenações teatrais para melhorar o “humor”.
• No entanto os pacientes que não reagiam ao tratamento eram submetidos à inanição e
a flagelação.

Idade média:
• Nessa época a loucura era vista com grande tolerância. Acreditava-se que o mundo
era todo organizado de acordo com os desígnios de Deus.
• Os loucos e os miseráveis eram considerados parte da sociedade e alvo de caridade.
• Os doente mentais eram chamados de lunáticos (do latim luna=lua), pois acreditava-se
que a mente das pessoas era influenciada pelas fase da lua. Eram também considerados
pecadores.
• Desfrutavam de relativa liberdade de ir e vir.
• Doente mentais mais graves ou agressivos eram acorrentados, escorraçados,
submetidos a jejuns prolongados sob a alegação de estarem possuídos pelo
“demônio”.
• Muitas vezes eram submetidos a rituais religiosos de exorcismo.

Idade moderna:

• Retomada de princípios racionalistas na observação e descrição das doenças mentais,


em oposição ao misticismo religioso.
• Nessa fase com o início do mercantilismo, formação de cidades e concentração da
população, começaram a surgir os problemas sociais e sanitários, ocorrendo aumento
do número de mendigos.

Idade contemporânea:

• Final do século XVIII, denúncias contra as internações de doentes mentais junto aos
marginais e contra as torturas a que eram submetidos.
• Abordagem mais humanística ao doente mental.
• Construção de asilos, porém permaneciam sob formas de violência, com ameaças e
privações.
• A loucura passa a ser considerada uma doença, que exigia condições e tratamentos
específicos.
• Em 1793, o médico francês Philippe Pinel quebrou as correntes que prendiam os
alienados ou insanos.
• Nessa época avança a descrição das doenças mentais.
• Século XX, postura mais humanista no tratamento dos doente s mentais, os asilos
onde os doentes eram aprisionados foram substituídos pelos Hospitais Psiquiátricos.
• Século XX: Freud revela a concepção do homem como um todo mente-corpo e o
papel da história pessoal no desenvolvimento dos transtornos emocionais.
• Compreender a loucura não como defeito biológico.
• 1952: sintetizada em laboratório o primeiro neuroléptico do mundo, a clorpromazina.

• Progressos:
• Atitude positiva em relação à doença mental;
• Doentes crônicos melhoram;
• O tratamento em casa tornou-se possível;
• Expandem-se tratamentos psicoterápicos;
• Hildegard Peplau – teoria do relacionamento terapêutico enfermeiro-paciente.
• Enfoque da assistência física (higiene, limpeza) para centrar-se nas relações
interpessoais (ambiente terapêutico).

2.1-AS ORIGENS DA PSICOPATOLOGIA

Antiguidade - As concepções mágicas:

Povos primitivos e homens em geral: a doença como fenômeno inexplicável.

Doença mental: causas exteriores. Ex.: comida, influência malévola, sobrenatural, espírito
possuído, roubo de almas do corpo por feiticeiros e espíritos.

A doença é explicada de forma irracional por crenças. Atitude em relação ao doente.

O doente pode ser respeitado ou temido. Dependendo da condição socioeconômicas e cultural


o doente será abandonado ou não.

Para enfrentar as forças misteriosas o homem usa: magia, rituais, intimidação, suplicação,
confissão, etc. Essas práticas são aplicadas por um homem detentor do poder. Ex.: feiticeiro.
Há sempre algo de ruim para ser extraído: unha, cabelos, objetos para simular a doença e a
cura.

Concepções médico-filosóficas.

Mundo ocidental de Hipócrates séc. XIX, a medicina acredita nos filósofos.

O médico compreende os fenômenos mórbidos que tenta localizar e observar de modo


sistemático, a partir de uma concepção filosófica do mundo.

Os tratamentos continuam sendo empíricos, inclusive mágicos.

A doença mental ou ingressa no quadro geral das doenças ou permanecem no domínio da


magia ou da religião.

DESTACAM-SE ALGUNS MODELOS DE COMPREENSÃO DOS FENÔMENOS


PSICOPATOLÓGICOS

A filosofia e a medicina da Antiguidade grega tiveram importância e serviram de modelo, com


variações, até a época moderna.

A doença era a ruptura de um equilíbrio interno, concebido de acordo com a concepção


cósmica: uma ordem racional das doenças pode ser introduzida em consequência de uma
observação sistemática dos fenômenos mórbidos que constituem a tradução de uma
perturbação global do organismo.
HIPÓCRATES nascido no ano 460 a.c., foi o representante da escola de Cós que procurou
introduzir a razão, em oposição com a escola de Cnido, baseada numa abordagem empírica.
Ele acreditava na medicina pela filosofia e afirmou: “Não existe muita diferença entre a filosofia
e a medicina: tudo o que esta na primeira encontra-se na segunda”. (Da Decência). Ele excluía
toda explicação sobrenatural das doenças e toda medicina baseada em forças divinas.
Estabeleceu sua medicina baseada nos filósofos.

A explicação das doenças baseava-se na observação aliada ao raciocínio. “Considerar o que é


apreensível por intermédio da visão, do tato, do ouvido, do olfato, da língua, do pensamento,
aquilo que se pode chegar a discernir por todos os meios que estão à nossa disposição”.

O homem era estudado como um microcosmo, regido por leis físicas, semelhantes às do
universo, do macrocosmo.

A doença mental fazia parte da ruptura do equilíbrio do organismo em relação com o meio sem
ser diferenciada.

A epilepsia: “eis o que se me ofereceu dizer sobre a chamada doença sagrada. Ela não me
parece ter nada de mais divino nem de mais sagrado do que outras doenças... a verdade é que
o cérebro é a origem tanto dessa afecção quanto de todas as outras enfermidades muito
grandes. A epilepsia produz-se quando um fluxo de pituíta invade a cabeça”.

As teorias hipocráticas e pós-hipocráticas introduziram uma ordem racional na patologia, que


pode ser explicada de acordo com as leis físicas, baseando-se na observação sistemática, mas
o raciocínio permaneceu analógico, prestando-se a interpretações sobrenaturais das leis
físicas, como não deixaram de o fazer os sucessores de Hipócrates.

GALENO (131-211 d.c.) - utilizou teorias de Hipócrates, Platão, Epicuro, Zenão. A tendência
analítica e explicativa perfigurava a divisão do corpo em órgãos, que era feita na perspectiva
anatomo clínica do séc. XIX. A doença resultaria sempre de um desequilíbrio ligado a um
sistema de causas complexas (causas internas, antecedentes ou conjuntas, manifestas ou
encobertas, as causas externas não entrariam na composição do corpo). A doença mental não
era individualizada como tal, pois se trataria de uma disfunção do todo. Toda a vida mental era
reduzida a um funcionamento orgânico. O ensino greco-romano perdeu importância com o
declínio do Império para ceder de volta o lugar às concepções místicas e religiosas.

Medicina Islâmica: conservou e enriqueceu a contribuição grega e romana, no momento em


que a influência desta estava desaparecendo no Ocidente (séc. IV).

Idade Média Ocidental

Obras de são Tomas de Aquino (1225-1274), representa uma elaboração das concepções
teológicas segundo o ponto de vista moral inspirado nas ideias de Aristóteles. O objetivo era
alcançar a harmonia, tendo o homem recebido o que lhe era necessário para o seu
aperfeiçoamento.

O homem que perdia a razão estava fora de si e delirante, violento, inacessível a uma relação
humana, reduzido a um estado animal, em que se perdeu a alma espiritual, sede da razão, a
qual permitiria desprender-se do material e chegar ao conhecimento de Deus.

O pensamento desenvolveu-se por volta do ano 1000, favorecido pelos meios de comunicação;
o progresso urbano e um novo desequilíbrio: a fome , a guerra e a peste a partir de 1347.

A segregação aos leprosos estendeu-se a outras categorias, como os loucos, em face ao


medo. As explicações sobrenaturais e demonológicas se estenderam até os sécs. XV e XVI. A
caridade levou a criação de hospitais para indigentes, entre eles os loucos, nos sécs. XII e XIII.
Nos séculos XIV e XV foram fundados os primeiros asilos específicos para loucos: o primeiro
em Hamburgo (1375). Nos períodos conturbados, a doença era logo assimilada ao mal e, no
final da Idade Média, instalou-se um maniqueísmo em que o diabo era o instigador da loucura
pela possessão. As doenças da alma como as epidemias ou as guerras, podiam atingir os fiéis
culpados e ser de origem demoníaca.

A CAÇA ÀS BRUXAS (final da Idade Média)- 1453.

Os temores das guerras e das epidemias foram seguidos por uma angústia em que o louco
assumiu o lugar do leproso, ser perigoso, maldito, contagioso. O medo era ligado à
sexualidade.( o contágio pela sífilis, o mal venéreo levado da América por Cristóvão Colombo
em 1493 e /ou 1496).

CORNELIUS AGRIPPA(1486-1435) tentou aliar a medicina à cabala com uma visão do mundo
que compreendia o mundo dos espíritos, dos demônios e das idéias celestes e um mundo dos
corpos terrestres, os três influenciando-se pela maneira mágica.

PHILIPPE BOMBAST von HOHENHEIM (conhecido como Paracelso- 1493/1541): tinha uma
visão de medicina em que a alquimia, a magia e a teosofia estavam implícitas. Ele propunha
entregar-se a uma intuição teosófica que permitia entrar em contato com Deus e as coisas
criadas. O homem era sempre concebido como um microcosmo correspondente ao
macrocosmo, mas cada órgão estava em conexão com os planetas( a lua com o cérebro...). Os
corpos eram oriundos de um grande mistério e compunha-se de substâncias materiais e
imateriais, e as doenças tornavam-se algo de extraordinário, causado por entidades astrais,
venenos e entidades naturais, sob influência dos astros ou dos efeitos diretos de Deus. Os
tratamentos baseavam-se nas virtudes ocultas dos elementos.

Fusão das teorias de Paracelso + rosa-cruzes=concepção demoníaca das doenças. Uma


maneira de estar possuído pelo demônio era a loucura, portanto, o louco deveria sofrer os
tratamentos reservados aos sequazes de Satã. Toda doença desconhecida era atribuída ao
diabo.

“Toda feitiçaria provém dos desejos carnais que estão instalados nas mulheres... As mais
ardentes, para lograr a satisfação de seus desejos imundos. “ Livro: O martelo dos malignos,
1486. Jacob Sprenger e Heinrich Kramer. Este livro foi ao mesmo tempo, um manual
psicopatológico e uma obra pornográfica.

Forma de cura neste período: astrologia, quiromancia, imposição mágica das mãos, inquisição.

Nesse contexto de demonologia e em reação a ele é que nasce a psiquiatria.

O belga Jean Wier (1515-1588)- imbuido de espírito humanista, defendeu os loucos acusados
de feitiçaria. Ele afirmava crêr nos demônios e conhceceu a feitiçaria na Africa e Oriente. Ele
escreveu um livro onde fala que as feiticeiras deveriam antes de tudo ser avaliadas por um
médico. Defendia a idéia que era preciso distinguir a possessão da doença mental.

FÉLIX PATER(1536-1614), médico em Basiléia, descreveu os sintomas da melancolia (1583) e


tentou estabelecer uma classificação das doenças mentais, embora continuando a afimar a
origem sobrenatural das mesmas. No mesmo movimento o italiano GAZONI reivindicou que os
loucos fossem tratados em hospitais. A doença mental entrava no domínio médico, mas
representada uma entidade particular.

RENASCENÇA

Uma nova concepção do homem nasceu de um desejo de conhecimento, rejeitando dogmas e


ressituando o homem na realidade. Se existia uma alma imaterial divina (problema teológico),
mas também existia uma alma sensível e material, um espírito, como proferiu dizer BACON;
seria possível conhecer o espírito com os progressos da ciência. Este período foi uma
designação correta no domínio patológico, em que os autores da Antiguidade voltaram a ser
discutidos e superados pouco a pouco.

Séc. XVII e XVIII - GALILEU, NEWTON, HARVEY: aplicações dos princípios da física à
medicina. A metafísica e as etiologias de Galeno foram substituídas por teorias químicas ou
mecânicas. Preponderou a afirmativa cartesiana, segundo a qual só a matéria e o movimento
existem na natureza.

SYDENHAM(1563-1633), médico inglês, observava rigorosamente os doentes, antes de


procurar uma explicação: a histeria em homens e crianças e afirmou “a histeria não era devido
a um dano ou crise localizada no útero, mas sediava-se no cérebro.” Houve a partir dai uma
aproximação mais da fisiologia com a medicina. Com o progresso médico a loucura perdeu
o caráter mágico. Os doentes mentais podiam, como na Idade Média, ser guardados pela
família ou fazer parte de um rebanho de vagabundos.

1682- Abertura do hospício São Lázaro na França. Juntava-se neste período de crise, nestes
estabelecimentos, desempregados, ociosos, vagabundos, doentes mentais. Estas pessoas
poderiam ser usadas como mão de obra barata. Eram montados espetáculos em Charenton.
Os dementes eram exibidos atrás das grades. Era preciso zombar da loucura. Se os loucos
fossem perigosos eram amarrados e acorrentados sob palha, para mostrar a animalidade
deles.

Séc. XIII- nascimento do espírito filantrópico: a sociedade devia reparar seus erros.

1785- Adaptação dos hospitais às diversas espécies de demência.

Séc. XVII-XVIII: A doença mental passou a ser identificada como uma enfermidade particular,
marcada pela perda da razão. Certos sistemas que buscavam explicar as doenças só tinham
de científico a aparência.

Tratamento para os distúrbios mentais estão próximos dos utilizados pela magia:

 Princípio de consolidação: faltava a razão ao indivíduo e cumpria reforçá-la.

 Princípio de purificação: o indivíduo devia ser purificado, se necessário mergulhá-lo em


água.

 Princípio do despertar da consciência: a consciência estava obscurecida e precisava


ser despertada por estimulações, com ferro em brasa.

 Princípio da exteriorização de emoções: teatro.

NASCIMENTO DA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA

1793 – PINEL liberta os alienados do Hospital Bicêtre, durante a revolução francesa. Pinel
defendia a idéia de tratar os doentes mentais com humanidade. Este fato representa o início da
era moderna, os doentes mentais deveriam ser tratados como doentes e não como criminosos
ou representantes da animalidade. O doente foi libertado, mas permaneceu no asilo ou no
manicômio.

Pinel situou a abordagem clínica para chegar a quadros clínicos. Ele enfatizava a atividade
clínica e as referências científicas antes de qualquer concepção de conjunto. Era uma
abordagem medicalizada. Neste período foi feito um estudo sobre a neurose.
Depois de Pinel, a clínica desenvolveu-se nas mesmas bases: observação sitemática;
concepção psicodinâmica das relações entre o físico e o moral, não sendo a alienação mais do
que um desvio do normal; descrição de síndromes sem que fossem necessariamente
determinadas por uma etiologia orgânica.

2.2-PHILIPPE PINEL E A PSIQUIATRIA

Philippe Pinel (1745-1826)

(...) há sempre um resto de razão no mais alienado dos alienados.

Sintonizado com os ideais revolucionários franceses de liberdade, igualdade e fraternidade,


preconizou o tratamento moral para os alienados e desacorrentou os loucos em Paris. Sua
prática médica exercida durante os anos em que chefiou os hospitais em Bicêtre e La
Salpêtrière na França, aliada a sua profunda reflexão sobre a alienação mental, concorreram
para inaugurar a Escola dos Alienistas Franceses.

Em 1801 publicou o "Tratado médico-filosófico sobre a alienação ou a mania", no qual


descreveu uma nova especialidade médica que viria & a se chamar Psiquiatria (1847)

http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/Mostra/pinel.html
3.0-O CONTEXTO HISTÓRICO DA PSIQUIATRIA NO BRASIL

A partir do nascimento da sociedade moderna, a loucura passou a ser vista de um


modo muito diferente.

Na Antiguidade e na Idade Média, os chamados loucos gozavam de certo grau de


liberdade, muitas vezes circulando e fazendo parte do cenário e das linguagens
sociais. É verdade que sempre existiram formas de encarceramento dos loucos;
igualmente, desde a Antiguidade, a Medicina se ocupava deles; eram também
abordados por práticas mágicas e religiosas; muitos, ainda, vagavam pelos campos e
pelas cidades. Contudo, nenhuma dessas formas de relação da sociedade com a
loucura prevalecia, variando sua predominância conforme as épocas e os lugares.

Apenas a partir do final do século XVIII, instala-se, ao menos na sociedade ocidental,


uma forma universal e hegemônica de abordagem dos transtornos mentais: sua
internação em instituições psiquiátricas.
Como se dá essa passagem?
Com o declínio dos ofícios artesanais e o início da sociedade industrial, as cidades,
cada vez maiores, encheram-se de pessoas que não encontravam lugar nesta nova
ordem social. Multiplicam-se nas ruas os desocupados, os mendigos e os vagabundos
– os loucos dentre eles.

As medidas adotadas para abordar esse problema social foram essencialmente


repressivas – estas pessoas eram sumariamente internadas nas casas de correção e
de trabalho e nos chamados hospitais gerais. Tais instituições, muitas vezes de origem
religiosa, não se propunham a ter função curativa – limitando-se à punição do pecado
da ociosidade. É esse o fenômeno chamado por Foucault de Grande Internação. Ali, o
louco não era percebido como doente, e sim como um dentre vários personagens que
haviam abandonado o caminho da Razão e do Bem.

Ao final do século XVIII, surgiu uma nova reestruturação do espaço social, simbolizada
na Europa pela Revolução Francesa. Não mais se admitia, ao menos formalmente, o
encarceramento arbitrário de nenhum cidadão. De nenhum... Com uma única exceção:
os loucos!

Tendo em vista sua alegada periculosidade, entendia-se que os loucos não podiam
circular no espaço social como os outros cidadãos. Contudo, já não se dizia que eram
pecadores, e sim doentes, que necessitavam de tratamento. Assim, com o objetivo
declarado de curá-los, passaram a ser internados em instituições destinadas
especificamente a eles: nasceu o manicômio.

Nos manicômios ou hospitais psiquiátricos, realizava-se então, o chamado “tratamento


moral”. A doença do alienado o teria feito perder a distinção entre o bem e o mal; para
ser curado, ele deveria reaprendê-la. Portanto, a cada vez que cometesse um ato
indevido devia ser advertido e punido, para vir a reconhecer seus erros: quando se
arrependia deles e não os cometia mais, era considerado curado.
Sempre seguindo Foucault, podemos notar aqui algumas contradições curiosas.
Primeiro, embora se diga que o louco não é culpado de sua doença, ele é tratado para
tornar-se capaz... de sentir culpa! Segundo, embora se diga que a punição foi
substituída pelo tratamento, na verdade, a punição passa a fazer parte do tratamento!

Essa reclusão dos loucos nos manicômios possibilitou o nascimento da psiquiatria:


começou, então, todo o trabalho de descrição e de agrupamento dos diferentes tipos
dos sintomas e a denominação dos diversos tipos de transtorno psíquico que
fundamentam a psiquiatria moderna. Contudo, não houve qualquer avanço em termos
de terapêutica: os ditos doentes mentais passaram a permanecer toda a sua vida
dentro dos hospitais psiquiátricos.

Nas primeiras décadas do século XX, os manicômios não apenas cresceram


enormemente em número, como se tornaram cada vez mais repressivos. O
isolamento, o abandono, os maus-tratos, as péssimas condições de alimentação e de
hospedagem, agravaram-se progressivamente. Ao final da II Guerra Mundial, era
dramática situação dos hospitais psiquiátricos. Surgiram, então, os primeiros
movimentos de Reforma Psiquiátrica.

3.1-PRIMEIROS HOSPÍCIOS PÚBLICOS PARA ALIENADOS NO BRASIL

Província/Estado Ano Estabelecimento (município)


Rio de Janeiro 1852 Hospício de Pedro II (Rio de Janeiro)
1878 Enfermaria de Alienados anexa ao Hospital São João Batista
1890 (Niterói)
Colônias de São Bento e Conde de Mesquita (Ilha do
Governador)
São Paulo 1852
Hospício Provisório de Alienados de São Paulo (Rua São João)
1864
Hospício de Alienados de São Paulo (Chácara da Tabatingüera)
1895
Hospício-colônia provisório de Sorocaba
1898
Hospício-colônia de Juqueri (atual Franco da Rocha)

Pernambuco 1864 Hospício de Alienados de Recife-Olinda (da Visitação de Santa


1883 Isabel)
Hospício da Tamarineira (Recife)
Pará 1873 Hospício Provisório de Alienados (Belém, próximo ao Hospício
1892 dos Lázaros).
Hospício do Marco da Légua (Belém)
Bahia 1874 Asilo de Alienados São João de Deus (Salvador)
Rio Grande do 1884 Hospício de Alienados São Pedro (Porto Alegre)
Sul
Ceará 1886 Asilo de Alienados São Vicente de Paula (Fortaleza)
Alagoas 1891 Asilo de Santa Leopoldina (Maceió)
Paraíba 1890 Asilo de Alienados do Hospital Santa Ana (João Pessoa)

Amazonas 1894 Hospício Eduardo Ribeiro (Manaus)


Minas Gerais 1903 Hospício de Barbacena
Paraná 1903 Hospício Nossa Senhora da Luz (Curitiba)
Maranhão 1905 Hospício de Alienados (São Luis do Maranhão)

4.0-O PROCESSO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

O início do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil é contemporâneo da


eclosão do “movimento sanitário”, nos anos 70, em favor da mudança dos modelos de
atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, eqüidade na oferta
dos serviços, e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos
processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado.
Embora contemporâneo da Reforma Sanitária, o processo de Reforma
Psiquiátrica brasileira tem uma história própria, inscrita num contexto internacional de
mudanças pela superação da violência asilar. Fundado, ao final dos anos 70, na crise
do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por um lado, e na eclosão,
por outro, dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes
psiquiátricos, o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção
de novas leis e normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas
governamentais e nos serviços de saúde.
A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, composto de
atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos,
nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos
serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com
transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do
imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de
transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida
das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma
Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios.
Nas páginas seguintes, fazemos o esforço de descrição dos principais
componentes da história da Reforma Psiquiátrica no Brasil, com destaque para o
processo de delineamento progressivo da política de saúde mental do Ministério da
Saúde, alinhada com os princípios da Reforma.

Histórico da Reforma: (I) crítica do modelo hospitalocêntrico (1978-1991)

O ano de 1978 costuma ser identificado como o de início efetivo do movimento


social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso país. O Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), movimento plural formado por
trabalhadores integrantes do movimento sanitário, associações de familiares,
sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico
de internações psiquiátricas, surge neste ano. É sobretudo este Movimento, através de
variados campos de luta, que passa a protagonizar e a construir a partir deste período
a denúncia da violência dos manicômios, da mercantilização da loucura, da
hegemonia de uma rede privada de assistência e a construir coletivamente uma crítica
ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às
pessoas com transtornos mentais. A experiência italiana de desinstitucionalização em
psiquiatria e sua crítica radical ao manicômio é inspiradora, e revela a possibilidade de
ruptura com os antigos paradigmas, como, por exemplo, na Colônia Juliano Moreira,
enorme asilo com mais de 2.000 internos no início dos anos 80, no Rio de Janeiro.
Passam a surgir as primeiras propostas e ações para a reorientação da assistência. O
II Congresso Nacional do MTSM (Bauru, SP), em 1987, adota o lema “Por uma
sociedade sem manicômios”. Neste mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional
de Saúde Mental (Rio de Janeiro).

Neste período, são de especial importância o surgimento do primeiro CAPS no


Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, e o início de um processo de intervenção,
em 1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital
psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes. É
esta intervenção, com repercussão nacional, que demonstrou de forma inequívoca a
possibilidade de construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao
hospital psiquiátrico. Neste período, são implantados no município de Santos Núcleos
de Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionam 24 horas, são criadas cooperativas,
residências para os egressos do hospital e associações. A experiência do município
de Santos passa a ser um marco no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira.
Trata-se da primeira demonstração, com grande repercussão, de que a Reforma
Psiquiátrica, não sendo apenas uma retórica, era possível e exeqüível.

Também no ano de 1989, dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei


do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da
pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É
o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e
normativo.Com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde,
formado pela articulação entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder
de controle social, exercido através dos “Conselhos Comunitários de Saúde”.

Histórico da Reforma: (II) começa a implantação da rede extra-hospitalar (1992-


2000)

A partir do ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei


Paulo Delgado, conseguem aprovar em vários estados brasileiros as primeiras leis que
determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada
de atenção à saúde mental. É a partir deste período que a política do Ministério da
Saúde para a saúde mental, acompanhando as diretrizes em construção da Reforma
Psiquiátrica, começa a ganhar contornos mais definidos. É na década de 90, marcada
pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela
realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que passam a entrar em vigor
no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de
atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia,
e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos.
Neste período, o processo de expansão dos CAPS e NAPS é descontínuo. As
novas normatizações do Ministério da Saúde de 1992, embora regulamentassem os
novos serviços de atenção diária, não instituíam uma linha específica de financiamento
para os CAPS e NAPS. Do mesmo modo, as normas para fiscalização e classificação
dos hospitais psiquiátricos não previam mecanismos sistemáticos para a redução de
leitos. Ao final deste período, o país tem em funcionamento 208 CAPS, mas cerca de
93% dos recursos do Ministério da Saúde para a Saúde Mental ainda são destinados
aos hospitais psiquiátricos.

4.1-A REFORMA PSIQUIÁTRICA DEPOIS DA LEI NACIONAL (2005-2006)

É somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso


Nacional, que a Lei Paulo Delgado é sancionada no país. A aprovação, no entanto, é
de um substitutivo do Projeto de Lei original, que traz modificações importantes no
texto normativo. Assim, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde
mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária,
dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não
institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Ainda assim,
a promulgação da lei 10.216 impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de
Reforma Psiquiátrica no Brasil. É no contexto da promulgação da lei 10.216 e da
realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde
mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa
a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade.

Linhas específicas de financiamento são criadas pelo Ministério da Saúde para


os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico e novos mecanismos são
criados para a fiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos no
país. A partir deste ponto, a rede de atenção diária à saúde mental experimenta uma
importante expansão, passando a alcançar regiões de grande tradição hospitalar,
onde a assistência comunitária em saúde mental era praticamente inexistente. Neste
mesmo período, o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente
internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta para Casa”. Uma
política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica é construída, e é traçada a
política para a questão do álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de
redução de danos. Realiza-se, em 2004, o primeiro Congresso Brasileiro de Centros
de Atenção Psicossocial, em São Paulo, reunindo dois mil trabalhadores e usuários de
CAPS.
Este processo caracteriza-se por ações dos governos federal, estadual,
municipal e dos movimentos sociais, para efetivar a construção da transição de um
modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, para um modelo de atenção
comunitário. O período atual caracteriza-se assim por dois movimentos simultâneos: a
construção de uma rede de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo centrado
na internação hospitalar, por um lado, e a fiscalização e redução progressiva e
programada dos leitos psiquiátricos existentes, por outro. É neste período que a
Reforma Psiquiátrica se consolida como política oficial do governo federal. Existem em
funcionamento hoje no país 689 Centros de Atenção Psicossocial e, ao final de 2004,
os recursos gastos com os hospitais psiquiátricos passam a representar cerca de 64%
do total dos recursos do Ministério da Saúde para a saúde mental.

Bibliografia:
Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil – Conferência regional de
reformas do serviço de saúde mental: 15 anos após de Caracas.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf

4.2-BREVE HISTÓRICO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA


O marco institucional da assistência psiquiátrica brasileira foi a criação do Hospital
Psiquiátrico Pedro II, em 1852, na cidade do Rio de Janeiro. Nos anos seguintes,
instituições públicas semelhantes foram construídas em São Paulo, Pernambuco,
Bahia, Minas Gerais.

O discurso médico, representado pela jovem Sociedade de Medicina Brasileira de


então, ressaltava a necessidade de um tratamento nos moldes já praticados na
Europa. Assim, também no Brasil, a ideologia da instituição psiquiátrica tendeu desde
o início para a exclusão.

Ao fim da década de 50, a situação era grave nos hospitais psiquiátricos:


superlotação; deficiência de pessoal; maus-tratos grosseiros; falta de vestuário e de
alimentação; péssimas condições físicas; cuidados técnicos escassos e
automatizados.

A má fama dos grandes hospícios públicos possibilitou a entrada da iniciativa privada


nessa área. A partir do golpe militar de 64 até os anos 70, proliferaram amplamente
clínicas psiquiátricas privadas conveniadas com o poder público, obtendo lucro fácil
por meio da “psiquiatrização” dos problemas sociais de uma ampla camada da
população brasileira. Criou-se assim a chamada “indústria da loucura”.

No final dos anos 80, o Brasil chegou a ter cerca de 100.000 leitos em 313 hospitais
psiquiátricos, sendo 20% públicos e 80% privados conveniados ao SUS, concentrados
principalmente no Rio, em São Paulo e em Minas Gerais. Os gastos públicos com
internações psiquiátricas ocupavam o segundo lugar entre todos os gastos com
internações pagas pelo Ministério da Saúde. Eram raras alternativas de assistência –
mesmo as mais simples, como o atendimento ambulatorial.

Também se estabeleceu a divisão entre uma assistência destinada aos indigentes –


recebidos pela rede pública – e outra aos previdenciários e seus dependentes –
encaminhados aos hospitais privados conveniados. De qualquer forma, as condições
dos hospitais, privados ou públicos, continuavam extremamente precárias. Além disso,
o poder público não exercia qualquer controle efetivo da justificativa, da qualidade e da
duração das internações.

Denúncias e críticas diversas a essa situação surgem no Brasil nos anos 70. Diversos
segmentos sociais se organizaram nessa época, ao longo do processo de
redemocratização do país. Nesse contexto, segundo Cézar Campos, o Movimento de
Trabalhadores em Saúde Mental começou a tomar corpo: trabalhadores da área se
organizaram, apontando os graves problemas do sistema de assistência psiquiátrica
do país, e propondo formas de trabalho que pudessem romper com esse modelo.

Foi essencial, naquele momento, a interlocução com os movimentos de outros países


– particularmente, com a importante experiência italiana da psiquiatria democrática.
Um marco decisivo daquela época foi o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, ocorrido
em Belo Horizonte, em 1979: com a presença de convidados internacionais do quilate
de Franco Basaglia e Robert Castel, e a participação de usuários, familiares,
jornalistas, sindicalistas, a discussão ampliou-se além do âmbito dos profissionais de
Saúde Mental, atingindo a opinião pública de todo o país.

Evidentemente, vários atores, tendências e evoluções se constituíram a partir daí.


Contudo, adquiriu grande força no Brasil a concepção de uma Reforma Psiquiátrica
mais incisiva. Esse foi o caminho tomado pelo Movimento dos Trabalhadores de
Saúde Mental, cujo II Encontro, em Bauru, 1987, criou a famosa palavra de ordem por
uma sociedade sem manicômios, abrindo caminho para o nascimento do movimento
da luta antimanicomial.

Este movimento continuou seus avanços agregando novos atores, sobretudo


familiares e usuários – tornando-se assim, a partir dos anos 90, um verdadeiro
movimento social. Sua força, aliada à de outros parceiros, pressionou o Estado
Brasileiro para a implementação de políticas públicas de Saúde Mental que
representaram ganhos importantes.

Não podemos deixar de sublinhar a importância da Reforma Sanitária Brasileira, com


as conquistas da Constituição de 1988 (por exemplo, a definição ampliada da saúde,
afirmada como direito e dever do Estado), a criação e a consolidação de um Sistema
Único de Saúde, a valorização de conceitos como descentralização, municipalização,
território, vínculo, responsabilização de cuidados, controle social, etc.

Vale citar alguns marcos importantes no processo da Reforma Psiquiátrica brasileira.


Quanto ao fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos, verifica-se que eram
mais de 100.000 leitos em 313 hospitais no início dos anos 80; são agora 44.067 ainda
cadastrados no SUS, em 231 hospitais – ou seja, o número de leitos foi reduzido em
mais da metade. Vemos, ainda, que o ritmo dessa redução tende a aumentar nos
últimos anos: de 2003 a 2004 foram fechados 16 hospitais, que contavam com 5.000
leitos.

Vejamos os dados apresentados quanto à implantação da rede substitutiva. Em 1996,


havia 154 CAPS cadastrados junto ao Ministério da Saúde; atualmente, são 6123. Sua
distribuição regional é a que se segue: 32 no Norte, 136 no Nordeste, 37 no Centro-
Oeste, 277 no Sudeste e 129 no Sul. Quanto aos Serviços Residenciais Terapêuticos
(moradias protegidas), são hoje 301, distribuídas em nove Estados. Quanto ao auxílio-
reabilitação do Programa de Volta para Casa, é atualmente recebido por 1.016
pessoas.

Na Reforma Psiquiátrica Brasileira, enfim, destaca-se uma preciosa singularidade,


reconhecida por autores de outros países, como o psiquiatra espanhol Manoel Desviat
e o italiano Ernesto Venturini: o envolvimento da sociedade civil, sobretudo através da
organização de técnicos, familiares e usuários no movimento da luta antimanicomial.
Ressaltando o compromisso da sociedade civil numa abordagem solidária da loucura,
Desviat declara: “A participação social, esta grande ausente dos processos de
transformação de Saúde Mental em todo o mundo, adquire carta de cidadania aqui no
Brasil”.
Sem dúvida, a Reforma Psiquiátrica caminharia de forma mais rápida e eficaz se
houvesse por parte dos gestores, em todos os níveis, um grau maior de empenho e de
firmeza. Contudo, apesar das dificuldades, essa mobilização social na definição de
diretrizes políticas claras na Saúde Mental fortalece a realização de uma reforma
psiquiátrica efetiva – que não pretende apenas tratar tecnicamente de maneira mais
adequada o portador de sofrimento mental, mas, sobretudo, construir um espaço
social onde a loucura encontre algum cabimento.

A Política de Saúde Mental no Brasil promove a redução programada de leitos


psiquiátricos de longa permanência, incentivando que as internações psiquiátricas,
quando necessárias, se deem no âmbito dos hospitais gerais e que sejam de curta
duração. Além disso, essa política visa à constituição de uma rede de dispositivos
diferenciados que permitam a atenção ao portador de sofrimento mental no seu
território, a desinstitucionalização de pacientes de longa permanência em hospitais
psiquiátricos e, ainda, ações que permitam a reabilitação psicossocial por meio da
inserção pelo trabalho, da cultura e do lazer.

A mostra fotográfica que aqui se apresenta traz a força documental das imagens, que,
para além das palavras, prova que a mudança do modelo de atenção aos portadores
de transtornos mentais não apenas é possível e viável, como, de fato, é real e
acontece.

Em parceria, a Coordenação Nacional de Saúde Mental e o Programa de


Humanização no SUS, ambos do Ministério da Saúde, registraram o cotidiano de 24
casas localizadas em Barbacena/MG, nas quais residem pessoas egressas de longas
internações psiquiátricas e que, por suas histórias e trajetórias de abandono nos
manicômios, mais parecem personagens do impossível.

Antes, destituídos da própria identidade, privados de seus direitos mais básicos de


liberdade e sem a chance de possuir qualquer objeto pessoal (os poucos que
possuíam tinham que ser carregados junto ao próprio corpo), esses sobreviventes
agora vivem. São personagens da cidade: transeuntes no cenário urbano, vizinhos,
trabalhadores e também turistas, estudantes e artistas. Compuseram e compõem
novas histórias no mundo.

4.3-FRANCO BASAGLIA E A PSIQUIATRIA

Franco Basaglia (1924-1980)

... a psiquiatria desde seu nascimento é em si uma técnica altamente


repressiva que o Estado sempre usou para oprimir os doentes pobres...

Um dos psiquiatras mais discutidos no mundo, em função dos trabalhos que


desenvolvia na Itália, em 1961 deixou a Universidade de Pádova para dirigir o Hospital
Psiquiátrico de Gorizia.

Tendo como base a experiência da Comunidade Terapêutica desenvolvida por


Maxwell Jones na Escócia, introduziu uma série de transformações naquela instituição
e no Hospital Psiquiátrico Regional de Trieste, para onde se transferiu em 1971.
Acabou com as medidas institucionais de repressão, criou condições para reuniões
entre médicos e pacientes e devolveu ao doente mental a dignidade de cidadão. Seu
livro “A Instituição Negada” é considerado uma obra-prima da Psiquiatria
contemporânea.

Visitou o Brasil na década de 70, tornando-se uma figura emblemática na questão da


luta antimanicomial brasileira.

http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/Mostra/basaglia.html

5.0- NOVOS MODELOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL

SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL

Este conceito vem modificando-se no decorrer dos tempos, face às múltiplas


estratégias que vem se apresentando no campo da Saúde Mental.

Centros de Saúde: As unidades básicas devem se constituir na primeira referencia


para detecção precoce, intervenção primaria, encaminhamentos para serviços
especializados e acompanhamento conjunto de casos (ex: equipes de CAPS e PSF -
condições do paciente e sua inserção social, capacidade organizacional).

Hospital Psiquiátrico: O ambiente terapêutico é o marco ideal e dinâmico em que se


trabalha com os pacientes. É um espaço de segurança, no qual se proporcionam
cuidados, sem atmosfera punitiva. O hospital psiquiátrico converteu-se numa
instituição curativa em que o paciente deixou de ser um numero, ou um caso. Para
passar a ser uma pessoa que merece respeito, embora, em muitas ocasiões ele não
esteja em condições de exigi-lo.

Os pacientes não devem permanecer o tempo todo no leito, a terapia ocupacional, os


espaços apropriados para grupos, salas de estar com TV, rádio/som e ainda um lugar
para refeições, sala para reuniões da equipe, posto de enfermagem. A convivência de
homens e mulheres favorece o processo terapêutico, porém as enfermarias devem ser
distintas.

Ambulatório de Saúde Mental: A integração multidisciplinar, hierarquização e


regionalização devem ser norteadores do atendimento, e a tendência hospitalocêntrica
deve ser contornada, uma vez que são localizados no hospital geral. A assistência
envolve:

Pronto atendimento – avaliação inicial, rápida, para agendamento, contemplando


hipótese diagnostica e tratamento inicial, definição de urgência do caso.
Atendimento especializado: assistência por equipe interdisciplinar (assist. social,
psicólogo, psiquiatra, enfermeiro, TO) com elucidação diagnostica e proposta
terapêutica com técnicas adaptadas à demanda na rede pública;

Integração com outras clinicas: Inter consultas. O ambulatório de saúde mental


deve dispor de salas privativas, pessoal de apoio técnico e administrativo e a clientela
é constituída de mulheres entre 20 e 45 anos de idade, predominância de quadros
ansiosos e depressivos, não-psicóticos, com alta incidência de queixas orgânicas e
inespecíficas, típicas de pacientes somatoformes e pacientes fora de crise.

Hospital-Dia: Modalidade assistencial intermediária, com larga abrangência,


ultrapassando o âmbito particular da saúde mental. O HD é uma alternativa à
hospitalização integral, ou como estratégia combinada para reduzir o numero total de
noites no hospital, transição gradual para a comunidade, complemento do tratamento
ambulatorial, programa de reabilitação de pacientes que requerem cuidados
intensivos. Dispõe de um amplo conjunto de estratégias (terapêuticas, ocupacionais,
medicamentosas, produtivas) executadas por equipe interdisciplinar.

O PROCESSO DE DISINSTITUCIONALIZAÇÃO

Redução de leitos

O processo de redução de leitos em hospitais psiquiátricos e de


desinstitucionalização de pessoas com longo histórico de internação passa a tornar-se
política pública no Brasil a partir dos anos 90, e ganha grande impulso em 2002 com
uma série de normatizações do Ministério da Saúde, que instituem mecanismos
claros, eficazes e seguros para a redução de leitos psiquiátricos a partir dos macro-
hospitais. Para avaliar o ritmo da redução de leitos em todo o Brasil, no entanto, é
preciso considerar o processo histórico de implantação dos hospitais psiquiátricos nos
estados, assim como a penetração das diretrizes da Reforma Psiquiátrica em cada
região brasileira, uma vez que o processo de desinstitucionalização pressupõe
transformações culturais e subjetivas na sociedade e depende sempre da pactuação
das três esferas de governo (federal, estadual e municipal).

PROGRAMA DE VOLTA PARA CASA

O movimento de voltar para casa tem este sentido de acolhida e de cuidado. Imagem-
afeto que nos toca como as fotografias que registram o Programa de Volta para Casa
que, desde julho de 2003, dá força de lei a mais este passo importante no movimento
da reforma psiquiátrica brasileira. Imagem-afeto, imagem-movimento, o tema da saúde
mental ganha assim toda a sua consistência entre a clínica, a política e a estética.

(...) Substituir os manicômios, recusar as práticas de atenção pautadas pelo


desrespeito aos direitos dos usuários, fomentar o protagonismo, autonomia e a co-
responsabilidade dos gestores, trabalhadores, usuários e rede social é tarefa de
humanização do SUS. Um SUS mais humano é este que reconhece o outro como
legítimo cidadão de direitos, valorizando os diferentes sujeitos implicados no processo
de produção de saúde.

Apostamos na renovação dos modelos de atenção e de gestão no SUS.(...)

Eduardo Passos
Política Nacional de Humanização do SUS
HumanizaSUS

RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS

Os Serviços Residenciais Terapêuticos, também conhecidos como Residências


Terapêuticas, são casas, locais de moradia, destinadas a pessoas com transtornos
mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas e impossibilitadas de
retornar às suas famílias de origem.

As Residências Terapêuticas foram instituídas pela Portaria/GM nº 106 de


fevereiro de 2000 e são parte integrante da Política de Saúde Mental do Ministério da
Saúde. Esses dispositivos, inseridos no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, são
centrais no processo de desinstitucionalização e reinserção social dos egressos dos
hospitais psiquiátricos.

Tais casas são mantidas com recursos financeiros anteriormente destinados


aos leitos psiquiátricos. Assim, para cada morador de hospital psiquiátrico transferido
para a residência terapêutica, um igual número de leitos psiquiátricos deve ser
descredenciado do SUS e os recursos financeiros que os mantinham devem ser
realocados para os fundos financeiros do estado ou do município para fins de
manutenção dos Serviços Residenciais Terapêuticos.

Em todo o território nacional existem mais de 470 residências terapêuticas.

A desinstitucionalização e a efetiva reintegração das pessoas com transtornos


mentais graves e persistentes na comunidade são tarefas às quais o SUS vem se
dedicando com especial empenho nos últimos anos. A implementação e o
financiamento de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) surgem neste contexto
como componentes decisivos da política de saúde mental do Ministério da Saúde para
a concretização das diretrizes de superação do modelo de atenção centrado no
hospital psiquiátrico. Assim, os Serviços Residenciais Terapêuticos, residências
terapêuticas ou simplesmente moradias, são casas localizadas no espaço urbano,
constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de
transtornos mentais graves, egressas de hospitais psiquiátricos ou não.

Embora as residências terapêuticas se configurem como equipamentos da


saúde, estas casas, implantadas na cidade, devem ser capazes em primeiro lugar de
garantir o direito à moradia das pessoas egressas de hospitais psiquiátricos e de
auxiliar o morador em seu processo – às vezes difícil – de reintegração na
comunidade. Os direitos de morar e de circular nos espaços da cidade e da
comunidade são, de fato, os mais fundamentais direitos que se reconstituem com a
implantação nos municípios de Serviços Residenciais Terapêuticos. Sendo
residências, cada casa deve serconsiderada como única, devendo respeitar as
necessidades, gostos, hábitos e dinâmica de seus
moradores.

Uma Residência Terapêutica deve acolher, no máximo, oito moradores. De


forma geral, um cuidador é designado para apoiar os moradores nas tarefas, dilemas e
conflitos cotidianos do morar, do co-habitar e do circular na cidade, em busca da
autonomia do usuário. De fato, a inserção de um usuário em um SRT é o início de
longo processo de reabilitação que deverá buscar a progressiva inclusão social do
morador. Cada residência deve estar referenciada a um Centro de Atenção
Psicossocial e operar junto à rede de atenção à saúde mental dentro da lógica do
território. Especialmente importantes nos municípios-sede de hospitais psiquiátricos,
onde o processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais está
em curso, as residências são também dispositivos que podem acolher pessoas que
em algum momento necessitam de outra solução de moradia.

O processo de implantação e expansão destes serviços é recente no Brasil.


Nos últimos anos, o complexo esforço de implantação das residências e de outros
dispositivos substitutivos ao hospital psiquiátrico vem ganhando impulso nos
municípios, exigindo dos gestores do SUS uma permanente e produtiva articulação
com a comunidade, a vizinhança e outros cenários e pessoas do território. De fato, é
fundamental a condução de um processo responsável de trabalho terapêutico com as
pessoas que estão saindo do hospital psiquiátrico, o respeito por cada caso, e ao ritmo
de readaptação de cada pessoa à vida em sociedade. Desta forma, a expansão
destes serviços, embora permanente, tem ritmo próprio e acompanha, de forma geral,
o processo de desativação de leitos psiquiátricos.

A rede de residências terapêuticas conta hoje com 357 serviços em


funcionamento, com aproximadamente 2850 moradores. A expansão dos Centros de
Atenção Psicossocial, o desativamento de leitos psiquiátricos e, em especial, a
instituição pelo Ministério da Saúde de incentivo financeiro, em 2004, para a compra
de equipamentos para estes serviços, são alguns dos componentes para a expansão
deste rede, que contava em 2002 com apenas 85 residências em todo o país. Esta
rede deverá experimentar ainda nos próximos anos grande expansão. Estimativas do
Ministério da Saúde indicam que cerca de 12.000 pessoas poderão se beneficiar dos
Serviços Residenciais Terapêuticos.

LARES ABRIGADOS

São locais onde podem viver durante um período mais ou menos longo um
grupo reduzido de portadores de transtornos mentais (3 a 5) - psicoses crônicas,
oligofrênias ligeiras com longa historia de hospitalização num clima familiar, sob a
tutela de uma equipe assistencial, visando à reabilitação e a reintegração à sociedade.

Bibliografia:
Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil – Conferência regional de
reformas do serviço de saúde mental: 15 anos após de Caracas.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf
Reforma Psiquiátrica: Cuidar sim

“O hospício é construído para controlar e reprimir os trabalhadores que perderam a


capacidade de responder aos interesses capitalistas de produção.”

Franco Basaglia

Com as experiências e reflexões de Franco Basaglia no norte da Itália, o conceito de


Reforma Psiquiátrica sofre uma radical transformação. Ao invés da reforma do hospital
psiquiátrico como um espaço de reclusão e não de cuidado e terapêutica, postula-se a
sua própria negação. Em outras palavras, enquanto espaço de mortificação, lugar zero
das trocas sociais, o hospital psiquiátrico passa a ser denunciado como manicômio,
que se pauta na tutela, na custódia e na gestão de seus internos.

Argumenta-se hoje que, assim como a psiquiatria cria paradigmas tais como
alienação, degeneração ou ainda doença mental e advoga uma incapacidade de juízo,
de razão, de participação social do louco, ela constrói como projeto terapêutico nada
mais que um espaço de exclusão: o manicômio.

Dessa forma, o ideal de uma Reforma Psiquiátrica, após Basaglia, seria uma
sociedade sem manicômios, isto é, uma sociedade capaz de abrigar os loucos, os
portadores de sofrimento mental, os diferentes, os divergentes, uma sociedade de
inclusão e solidariedade!

Reforma Psiquiátrica: Excluir não

No Brasil, o processo de Reforma Psiquiátrica é iniciado no final dos anos 70, a partir
do Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental. A Reforma Psiquiátrica como
“processo político e social complexo” é formado por um conjunto de atores e
instituições: gestores, trabalhadores, usuários, familiares, movimentos sociais,
docentes, pesquisadores e estudantes. “Compreendida como um conjunto de
transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida
das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma
Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios.”

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde estratégicos para


a Reforma Psiquiátrica. Têm caráter aberto e comunitário, constituídos por equipe
multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar; realizam, prioritariamente,
atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoas
com sofrimento ou transtorno mental em geral, incluindo aquelas com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, seja em situações de crise ou nos
processos de reabilitação psicossocial.

Nessa perspectiva, o CAPS é um lugar comunitário que atua nos territórios,


compreendidos não apenas como espaços geográficos, mas territórios de pessoas, de
instituições, dos cenários nos quais se desenvolve a vida cotidiana de usuários e
familiares. É um lugar de referência e de cuidado promotor de vida que tem a missão
de garantir o exercício da cidadania e a inclusão social de usuários e de suas famílias.
São serviços substitutivos ao modelo asilar e apresentam diferentes modalidades de
acordo com o porte e abrangência populacional: CAPS I, II e III, sendo que o CAPS III
funciona 24 horas por dia, os 7 dias da semana. O CAPS ad e CAPS ad III atendem
especificamente as pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras
drogas e os CAPS i são responsáveis pela atenção em saúde mental para infância e
juventude.

Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde


mental, assegura os direitos e a proteção das pessoas com transtorno mental, sem
qualquer forma de discriminação; reconhece a responsabilidade do Estado para com a
assistência aos portadores de transtornos mentais e define os princípios e as diretrizes
fundamentais para a implementação da política pública de saúde mental.

A aprovação dessa Lei é o resultado de uma construção árdua de inúmeros


profissionais da área da saúde e da sociedade civil organizada, em particular do
movimento de luta antimanicomial.

Na atualidade, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), de acordo com a Portaria


GM/MS nº 3.088, de dezembro de 2011, tem como finalidade a criação, ampliação e
articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno
mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre as principais diretrizes da RAPS, é
importante destacar:

- Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas;


- Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde;
- Combate a estigmas e preconceitos;
- Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e
assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar;
- Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas;
- Desenvolvimento de atividades no território que favoreçam a inclusão social para a
promoção de autonomia e o exercício da cidadania;
- Desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos;
- Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle
social dos usuários e de seus familiares;
- Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com sofrimento ou transtorno
mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, tendo como eixo central a construção do projeto - terapêutico singular.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPES.


Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde
mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos
Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de
2005.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. PORTARIA GM/MS nº 3.088, de 23 de dezembro


de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou
transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, 2011.

http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/Mostra/apresenta.html

6.0-LUTA ANTIMANICOMIAL: MOVIMENTO SOCIAL


A Luta Antimanicomial, entendida e praticada como um movimento social é
inegavelmente o grande motor da Reforma Psiquiátrica brasileira, conferindo a esta o
traço singular da participação social, já sublinhado pelo psiquiatra espanhol Manoel
Desviat.

Destaca-se, portanto, aos olhos de colegas de outros países, essa mobilização de


técnicos, de usuários e de familiares, como atores efetivos no processo de Reforma
Psiquiátrica entre nós.

Aqui, trataremos inicialmente da definição mais geral de movimento social, de grande


importância para a abordagem desse tema; a seguir, apresentaremos um pouco da
história e da atuação de um determinado movimento social que nos interessa mais de
perto, a saber, o movimento antimanicomial; finalmente, abordaremos de forma mais
específica a organização dos usuários e dos familiares de Saúde Mental.

Movimento social

Diante de certa insuficiência das formas tradicionais de prática política no cenário


contemporâneo, os chamados movimentos sociais ganharam, a partir dos anos 60,
visibilidade na sociedade como fenômenos históricos concretos e vivos.

Diferentemente das formas mais clássicas de organização social, propõem mudanças


no campo cultural; convidam a ação individual a promover mudanças no cenário
social; reconhecem que o fator determinante das contradições do capitalismo não é
único, mas sim um conjunto múltiplo e diversificado. Esses movimentos, atuando nas
mais diversas áreas, da ecologia à economia, promovem e sustentam, hoje, iniciativas
de grande destaque no panorama mundial.

A ORGANIZAÇÃO DA LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL E EM MINAS

A expressão Luta Antimanicomial, ou Movimento Antimanicomial, já são bastante


conhecidas e divulgadas na sociedade brasileira.

Naturalmente, qualquer pessoa que partilha e pratica os princípios dessa luta pode,
com todo direito, apresentar-se como antimanicomial. Contudo, para que o movimento
antimanicomial opere coletivamente, ele deve ter princípios, propostas e forma de
estruturações definidas coletivamente, em instâncias decisórias também definidas, ou
seja, deve ser um movimento organizado da sociedade civil.

Portanto, é importante conhecer um pouco da história desse movimento, no Brasil e


em Minas. Como vimos no capítulo 2, as primeiras denúncias e propostas relativas à
Reforma Psiquiátrica nasceram da organização dos trabalhadores de Saúde Mental,
no final dos anos 70.

ALGUMAS CONQUISTAS IMPORTANTES DOS NÚCLEOS DA LUTA


ANTIMANICOMIAL E DA REDE NACIONAL INTER NÚCLEOS
 Ampliação e amadurecimento da participação dos usuários e dos familiares na
luta por seus direitos.
 Aprovação das leis estaduais e da lei nacional de Reforma Psiquiátrica.
 Interlocução com diversos municípios na construção de uma Reforma
Psiquiátrica segundo a perspectiva antimanicomial.
 Atuação na formação política de usuários, familiares e trabalhadores de Saúde
Mental, através de cursos, seminários e publicações.
 Incentivo à constituição de Grupos de Produção, Associações de Produção
Solidária e outras iniciativas que possibilitam a conquista do trabalho aos
portadores de sofrimento mental.
 Intervenção na vida e cultura das cidades. Destacam-se aqui as manifestações
públicas do dia 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial (como o
desfile da Escola de Samba Liberdade Ainda que Tam Tam).

MINAS SEM MANICÔMIOS: MAPAS E VOZES DA REFORMA

Um pouco de história

Minas Gerais sempre estiveram presentes no cenário nacional da Reforma


Psiquiátrica, sobretudo a partir da realização do III Congresso Mineiro de Psiquiatria,
em 1979, já citado no item anterior. Produções mineiras deste período, como as
reportagens nos Porões da Loucura de Hiram Firmino, e o filme Em nome da razão de
Helvécio Ratton, chocaram a opinião pública, divulgando as condições desumanas dos
hospitais. Fortaleceu-se a organização dos trabalhadores mineiros de Saúde Mental.

Nesta época, Minas, como outros Estados do Sudeste, mantinha um grande número
de hospitais psiquiátricos, concentrados, sobretudo em Belo Horizonte, Barbacena e
Juiz de Fora. Também como em outros Estados, estes eram praticamente os únicos
recursos assistenciais.

Ocorreram, a partir de então, uma série de debates e seminários sobre a realidade do


que se passava dentro dessas instituições. Era preciso humanizar os hospitais
psiquiátricos – e ao mesmo tempo, criar novas modalidades de cuidado que
gradativamente nos permitissem prescindir da sua existência.

Durante os anos 80, os hospitais psiquiátricos do Estado, principalmente os públicos,


deram início a um processo de humanização da assistência. Ao mesmo tempo, no
contexto de uma Reforma Sanitária que já incentivava as ações de saúde em nível
básico, promoveu-se a locação de equipes de Saúde Mental nos centros de Saúde,
por meio da implantação do Programa de Saúde Mental da Secretaria de Estado de
Saúde.

Nos anos 90, deu-se um passo de grande importância: a Coordenação Estadual de


Saúde Mental conduziu uma auditoria técnica em todos os hospitais mineiros. Eram
então 36 hospitais psiquiátricos com 8.087 leitos. Obtendo dados precisos, esta
auditoria revelou a precariedade de suas condições de funcionamento, tanto em
relação às estruturas físicas quanto à assistência prestada.

A organização independente dos trabalhadores de Saúde Mental, que passaram a


realizar encontros estaduais em diferentes municípios mineiros, favoreceu em muito a
transformação da situação da Saúde Mental no Estado. A Associação Mineira de
Psiquiatria, então assumida por setores progressistas da área, mostrou-se solidária
com as novas propostas. A lei mineira de Reforma Psiquiátrica foi aprovada, por meio
de intensa mobilização dos segmentos envolvidos.

Também no início dos anos 90, os usuários e os familiares passaram a participar


ativamente da luta antimanicomial, juntamente com os trabalhadores, constituindo
suas próprias associações, e também atuando no Fórum Mineiro de Saúde Mental,
núcleo mineiro do Movimento da Luta Antimanicomial.

Iníciou-se então a implantação de um modelo assistencial em Saúde Mental com


enfrentamento real ao hospital psiquiátrico em vários municípios, que prestam uma
assistência integral aos portadores de sofrimento mental com quadros graves e
persistentes. A partir de então, várias outras cidades, em ritmos diversos, vêm
implantando serviços e ações substitutivas ao hospital psiquiátrico.

Nos anos 2000, a III Conferência Estadual de Saúde Mental elaborou diretrizes
coerentes e claras para a política de Saúde Mental. A realização dos Encontros de
Serviços Substitutivos de Saúde Mental, promovidos pelos movimentos sociais com o
apoio de órgãos públicos e de conselhos de classe, vem permitindo a discussão e o
aprimoramento da Reforma Psiquiátrica.

Em 1991, existiam 36 hospitais psiquiátricos em Minas, totalizando 8.087 leitos. Não


havia alternativa à internação, a não ser alguns ambulatórios especializados em
psiquiatria, sem agilidade e eficácia em sua ação.

Atualmente, respeitando as diretrizes e as propostas das III Conferências Estadual e


Nacional de Saúde Mental, a Secretaria de Estado de Saúde vem construindo,
juntamente com os municípios, a rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos. A título
de exemplo, a capital mineira se destaca nacionalmente, mostra como um grande
centro urbano pode instituir uma mudança profunda na relação com os portadores de
sofrimento mental, oferecendo-lhes tratamento digno e lugar na cidade.

No Estado de Minas Gerais contamos hoje com mais de 80 serviços substitutivos


credenciados junto ao Ministério da Saúde, mais de 30 Serviços Residências
Terapêuticos (moradias), mais de 12 Centros de Convivência, em torno de 300
equipes de Saúde Mental na atenção básica, mais de 10 associações de usuários e de
familiares. Contudo, temos ainda 20 hospitais psiquiátricos, 3 públicos e os demais
privados, perfazendo em torno de 3.500 leitos cadastrados ao SUS e cerca de 1.500
pacientes internados há mais de 2 anos. Esses dados mostram que o crescimento do
número de serviços abertos em Saúde Mental se acompanha de uma diminuição
expressiva do número de leitos em hospitais psiquiátricos.
7.0-A REFORMA PSIQUIÁTRICA QUE BUSCAMOS

O empreendimento descrito acima vem se realizando de uma forma peculiar, que


poderíamos descrever como “modo mineiro de fazer”. A Reforma Psiquiátrica que
buscamos se inspira, decididamente, numa perspectiva de superação do modelo
hospitalocêntrico, sustentada em princípios que mencionamos a seguir:

O respeito à singularidade
 Cada um tem sua própria história, seu jeito de ser, suas questões subjetivas,
familiares e sociais, suas dificuldades, seus projetos.
 Os diagnósticos podem ser os mesmos, mas as pessoas são únicas – e como
tais devem ser respeitadas e tratadas.

A crítica ao tecnicismo
É importante conhecer e aplicar os recursos da ciência, tornando-os acessíveis a
todos que deles necessitam.

Contudo, a Reforma Psiquiátrica não se reduz de forma alguma a uma questão


técnica: é um processo social e político de luta contra as discriminações e as
violências impostas aos portadores de sofrimento mental.

A coragem do pensamento
Esta é uma exigência essencial num movimento que se opõe ao reducionismo da
técnica e ao empobrecimento da cultura.

A preocupação constante com a formação e uma interlocução crítica com a teoria são
de grande importância – lembrando sempre que os pensamentos originais e vivos não
se reduzem à forma teórica, mas se manifestam em produções as mais diversas, no
âmbito artístico e cultural.

A superação do hospital psiquiátrico


O hospital psiquiátrico, do seu nascimento até os dias de hoje, sempre serviu à
segregação das pessoas socialmente inadaptadas.

Todas as experiências de transformá-lo numa instituição terapêutica falharam, ao


esbarrar nas raízes históricas de sua vocação para excluir, isolar e uniformizar as
pessoas.

Portanto, propomos um modelo assistencial que dispensa inteiramente o hospital


psiquiátrico, desmascarando a sua suposta necessidade técnica e social.

A implantação de uma rede de serviços substitutivos


Chamamos de rede de serviços substitutivos em Saúde Mental o conjunto de ações e
de equipamentos necessários a cada município para que não se necessite do recurso
ao hospital: os Centros de Atenção Psicossocial – os CAPS (que, em Minas, são
também chamados de CERSAMs), os Centros de Convivência, as Moradias
(protegidas ou não), os Núcleos de Produção Solidária, as unidades básicas de
Saúde, etc, priorizando o atendimento aos casos mais graves.
Esta rede de serviços articulados entre si segue uma lógica inteiramente diversa
daquela do hospital psiquiátrico, buscando a liberdade, a participação social e a
cidadania de seus usuários.

A presença na cultura
Os portadores de sofrimento mental devem ter, como todas as pessoas, uma trajetória
de vida no espaço social.

Esta presença não é valiosa apenas para eles, mas também para a própria cultura:
convivendo com as questões do sofrimento mental, aprende-se a aceitação da
diferença e a prática da solidariedade.

Daí a importância de divulgar e de demonstrar junto ao público, nas praças, ruas,


mídia, etc, esta outra relação possível com a loucura.

Neste sentido, um exemplo singular é o desfile da Escola de Samba Liberdade ainda


que Tam-Tam, que leva às ruas centrais da capital mineira cerca de 2000 usuários,
familiares e trabalhadores de Saúde Mental, no dia 18 de maio, Dia Nacional da Luta
Antimanicomial.

A interlocução constante com os movimentos sociais


É essencial o apoio à organização dos próprios portadores de sofrimento mental,
falando em seu próprio nome e assumindo a luta por seus direitos.

Apenas através de movimentos sociais, autônomos em relação a partidos e


administrações – como o movimento antimanicomial, e o de outros setores da
sociedade civil organizada – é possível exigir do poder público o compromisso
necessário com a Reforma Psiquiátrica.

Podemos dizer que, em Minas, os movimentos sociais ligados à Saúde Mental


fizeram-se reconhecer e valorizar como reais interlocutores para a construção das
políticas públicas desta área.

A defesa do Sistema Único de Saúde


Entendendo a Saúde como direito do cidadão e dever do Estado, os serviços
substitutivos devem constituir uma rede pública, destinada ao atendimento de todo e
qualquer cidadão que os procure.

Esta rede, portanto, inclui-se na construção e no avanço do SUS.

A perspectiva da intersetorialidade
A prática de políticas públicas de efetivo alcance social é indispensável, permitindo
uma abordagem intersetorial dos diferentes aspectos envolvidos na abordagem do
sofrimento mental.

Estes aspectos não se restringem à área da Saúde, mas devem envolver a moradia, o
trabalho, o lazer, a educação, etc – construindo uma rede de suporte para as pessoas
mais vulneráveis.

A luta pela transformação social


Ao defender os direitos dos portadores de sofrimento mental, não se trata de
assegurar privilégios para um determinado segmento da população.

Em aliança com diversos parceiros, trata-se de construir “outro mundo possível” para
todos, fundado nos valores da liberdade, da igualdade e da justiça.

A valorização deste aspecto mais amplo da luta antimanicomial é de grande


importância em Minas.

8.0-RECURSOS DE ATENDIMENTO A COMUNIDADE

CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – (CAPS I, II,III, CAPS-AD, CAPS-i)

Serviço substitutivo, de referência para pessoas que sofrem de transtornos


mentais - neuroses graves, psicoses, decorrentes do abuso/dependência de SPA e
demais quadros cuja persistência justifique a sua permanência num dispositivo de
cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. Oferece
atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento
clinico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos
direitos civis e o fortalecimento dos laços familiares e comunitários.

Possui equipe interdisciplinar, treinada, atendendo em 3 modalidades:


intensivo, semi-intensivo e não intensivo, com múltiplas estratégias (oficinas
terapêutico-produtiva, atendimento individual ou em grupos: médico clinica,
psiquiátrico, psicológico, social, de enfermagem, prevenção, lazer, repouso, etc).
Ressalta-se a participação decisória dos pacientes no CAPS através das
assembleias.

Equipe Terapêutica:

É composta por aqueles profissionais encarregados do tratamento de um grupo de


pacientes (unidade, pavilhão, centro...) e inclui: enfermeiro, assistente social, terapeuta
ocupacional, psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, psiquiatra, pedagogo, técnico de
enfermagem, professor de educação física, oficinas/ arte-terapeuta (teatro, música,
ativ. produtivas, etc). É importante que os membros da equipe se identifiquem com a
prática em Saúde Mental e sejam capacitados para atuação e alvos de supervisão em
serviço.

8.1-OS CAPS NA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL

Um país, um Estado, uma cidade, um bairro, uma vila, um vilarejo são recortes
de diferentes tamanhos dos territórios que habitamos. Território não é apenas uma
área geográfica, embora sua geografia também seja muito importante para
caracterizá-lo. O território é constituído fundamentalmente pelas pessoas que nele
habitam, com seus conflitos, seus interesses, seus amigos, seus vizinhos, sua família,
suas instituições, seus cenários (igreja, cultos, escola, trabalho, boteco etc.). É essa
noção de território que busca organizar uma rede de atenção às pessoas que sofrem
com transtornos mentais e suas famílias, amigos e interessados.

Para constituir essa rede, todos os recursos afetivos (relações pessoais,


familiares, amigos etc.), sanitários (serviços de saúde), sociais (moradia, trabalho,
escola, esporte etc.), econômicos (dinheiro, previdência etc.), culturais, religiosos e de
lazer estão convocados para potencializar as equipes de saúde nos esforços de
cuidado e reabilitação psicossocial.
Os CAPS, assumindo um papel estratégico na organização da rede
comunitária de cuidados, farão o direcionamento local das políticas e programas de
Saúde Mental: desenvolvendo projetos terapêuticos e comunitários, encaminhando e
acompanhando usuários que moram em residências terapêuticas, assessorando e
sendo retaguarda para o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e Equipes de
Saúde da Família no cuidado domiciliar. Esses são os direcionamentos atuais da
Política de Saúde Mental para os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial, e
esperamos que esta publicação sirva como contribuição para que esses serviços se
tornem cada vez mais promotores de saúde e de cidadania das pessoas com
sofrimento psíquico.

8.3-OS CAPS OU CERSAMS

Para não confundir o leitor, inicialmente, esclarecemos uma questão de


terminologia. Existem serviços de Saúde Mental voltado para o tratamento intensivo ou
semi-intensivo de portadores de sofrimento mental. Nas portarias do Ministério da
Saúde, esses serviços recebem o nome de CAPS, ou Centros de Atenção
Psicossocial.

Contudo, em diferentes locais do país, os CAPS recebem nomes diferentes,


em vários municípios mineiros, por exemplo, são chamados de CERSAMs, ou Centros
de Referência em Saúde Mental.

Portanto, podemos utilizar os termos como sinônimos: CERSAMs ou CAPS,


tanto faz. O que varia como veremos mais adiante é a função que adquirem conforme
o Projeto de Saúde Mental do qual fazem parte.

8.4-As propostas e o funcionamento dos CAPS

A portaria GM 336/2002 nos traz alguns critérios mínimos para definir um CAPS. Seu
tempo de funcionamento mínimo é de 8 às 18 horas, em dois turnos, durante os 5 dias
úteis da semana (os CAPS I e os CAPS II); contudo, há aqueles que funcionam 24
horas, de segunda a segunda (os CAPS III). Realizam prioritariamente o atendimento
de pacientes com transtornos severos e persistentes em sua área territorial.

Funcionam em área física e independente de qualquer estrutura hospitalar, com


equipes interdisciplinares próprias. Oferecem, dentre outros recursos terapêuticos:
atendimentos individuais e em grupo, atendimento à família; atividades de suporte
social e inserção comunitária; oficinas terapêuticas; visitas domiciliares.
A necessidade de possuir um CAPS, o número de CERSAMs necessários, depende
do porte do município. Municípios pequenos não precisam necessariamente tê-lo,
desde que possam contar com um serviço deste tipo num município de referência da
sua região. Podemos estabelecer como adequada uma média de um CAPS para cada
100.000 habitantes; contudo, este é um fator bastante variável, havendo municípios
cujos CAPS atendem a territórios bem mais populosos.

Contudo, indo um pouco além destas definições, apresentaremos a lógica e a


dinâmica de funcionamento que, em nosso entender, compete a um CAPS.

8.5-O TRABALHO DESENVOLVIDO NO CAPS

Se um paciente necessita afastar-se ao menos temporariamente de sua própria


casa, isto só faz sentido se o recebemos num local onde ele tenha cuidados
constantes e respeitosos. Esses cuidados são variados: o atendimento individual diário
com seu técnico de referência, com o qual possa falar e procurar entender o que se
passa com ele; a ajuda para a sua higiene e cuidados com o próprio corpo, geralmente
prejudicados pela crise; a participação em atividades coletivas, como oficinas,
reuniões, assembleias, passeios; o atendimento à família, que deve fazer-se presente
durante todo o tratamento; a prescrição adequada da medicação; a disponibilidade dos
trabalhadores do serviço.

9.0-A ORGANIZAÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL

A dimensão cuidadora na produção da saúde nos mostra que a organização


da assistência não se reduz a aspectos administrativos: a lógica da efetivação do SUS
depende da forma de conceber e de prestar cuidados à população.

Não há formas de acolhimento, de vínculo, de atuação em equipe, etc, que


sejam específicas da Saúde Mental. Esses cuidados se aplicam ao portador de
sofrimento mental como a qualquer outro usuário da Saúde. Contudo, como envolvem
questões relativas à subjetividade, a Saúde Mental pode trazer uma contribuição
interessante, por meio daquilo que aprendeu nesse campo ao longo do seu próprio
trabalho.

10.0-O DIA A DIA NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL - CAPS

A equipe do Caps:

 Coordenador da saúde mental

 Gerente ou supervisor da equipe do caps(enfermeiro)

 Médico psiquiátra
 Assistente social

 Terapeuta ocupacional

 Psicógolo

 Técnicos de enfermagem

11.0-FUNÇÕES DO TÉCNICO DE ENFERMAGEM NO CAPS

Ao técnico de Enfermagem incumbe:

 I – Cumprir o Código de Ética de Enfermagem;

 II – Participar do planejamento, programação e execução das atividades de


assistência de Enfermagem;

 III – Prestar assistência de Enfermagem direta aos clientes;

 IV – Promover junto ao Enfermeiro medidas de prevenção e controle de danos


físicos que possam ocorrer a clientes durante a assistência à saúde;

 V – Dar suporte aos atendimentos da equipe multidisciplinar e atividades


ocupacionais.

 VI – Encaminhar os clientes aos cuidados de higiene corporal. Aparo de barba;


aparo de unhas; corte de cabelos.

 VII – Zelar pela limpeza e ordem dos materiais de serviço, bem como manter o
posto de Enfermagem e as enfermarias/ambulatórios em ordem;

 VIII– Administrar medicação prescrita.

 VIII – Acompanhar o cliente quando o mesmo for deslocado à outra instituição


de saúde para realização de consultas ambulatoriais, exames, transferências,
busca e retorno para suas residências;

 XI – Participar de atividades de educação em saúde inclusive auxiliar o


enfermeiro na execução dos projetos de Educação Continuada;

 X – Executar os trabalhos de rotina vinculados à admissão, evolução diária e


alta dos clientes;

 XII – Elaborar relatórios de Enfermagem no prontuário do cliente;

 XIII – Encaminhar e supervisionar os clientes durante as refeições;


 XIV – Utilizar os Equipamentos de proteção Individual quando necessário,
evitando assim acidentes de trabalho e riscos de exposição a resíduos
biológicos;

 XV – O técnico de Enfermagem exerce todas as atividades de Enfermagem


exceto as privativas do Enfermeiro .

12.0-ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE MENTAL

A organização do processo de trabalho deve incorporar as noções básicas da


dimensão cuidadora na produção de Saúde que examinamos até aqui. Deve ainda, no
que diz respeito à Saúde Mental, organizar-se segundo os princípios da Reforma
Psiquiátrica que buscamos vistos no capítulo anterior.

Esses princípios não são adendos ao projeto clínico, e sim partes constitutivas
do mesmo, que devem estar inseridas nas ações concretas planejadas e
desenvolvidas pelos profissionais.

12.1-Encaminhamento do paciente à Saúde Mental

 É preciso, inicialmente, avaliar qual a premência desse atendimento:


Imediatamente? Dentro de alguns dias ou semanas? E, ainda: em qual serviço
o atendimento deve ser feito: na unidade básica, no CAPS? Esse segundo
ponto, naturalmente, depende não só das características do caso, mas dos
recursos com que conta o município.
 Avaliou-se, pois, quando e onde o usuário deve ser atendido. O próximo passo
é encaminhá-lo para a equipe de Saúde Mental que o irá acompanhar. Esse
encaminhamento deve ser feito, sempre que possível, por meio de contato
pessoal ou de telefonema; além disso, é sempre necessário um relatório
especificando por que e para quando se solicita o atendimento.
 Chegando à equipe de Saúde Mental, esteja ela na unidade básica, no CAPS,
no ambulatório especializado, etc, o paciente será atendido por um profissional
de nível superior desta equipe. Independentemente de sua formação –
psicólogo, psiquiatra, assistente social, etc – este será o técnico de referência8
do paciente.

 É da alçada do técnico de referência estabelecer e sustentar o vínculo com o


paciente, traçar as linhas de seu projeto terapêutico individual, definir com ele a
frequência dos atendimentos e do comparecimento ao serviço, fazer os
contatos com a família, e com outras pessoas do seu espaço social, sempre
quando necessário.
 Os recursos terapêuticos indicados pelo técnico de referência podem também
ser disponibilizados por meio de outros profissionais, como: prescrição médica
para o uso de medicamentos, oficinas de arte conduzidas por agentes
culturais, etc. Pode ainda haver dificuldades que requerem uma discussão de
caso com os colegas da equipe ou a supervisão de um técnico mais
experiente. O importante é que esses recursos não sejam utilizados de forma
isolada, e sim façam parte do projeto terapêutico conduzido pelo técnico de
referência, contribuindo assim para a melhora do usuário.

 Num determinado momento do tratamento, pode ser necessária a transferência


do usuário para um serviço mais adequado ao seu caso: por exemplo, um
paciente até então acompanhado na unidade básica entra em uma crise que
requer cuidados intensivos no CAPS; ou, pelo contrário, um outro, seguido no
CAPS, já se encontra em condições de ser atendido na unidade básica.
Também nesses casos, o encaminhamento deve ser feito de forma verbal ou
por escrito, evitando a perda dos avanços obtidos até então.

Não se deve perder de vista que o paciente em atendimento pela equipe de Saúde
Mental seja no CAPS ou na unidade básica frequentemente se beneficia da utilização
simultânea de outro tipo de equipamento, ou da realização de atividades que o ajudem
na reabilitação psicossocial. Por exemplo, frequentar um Centro de Convivência,
participar de um Núcleo de Produção Solidária, atuar numa Associação de Usuários e
de Familiares de Saúde Mental, e assim por diante. A equipe de Saúde Mental,
portanto, deve reconhecer a importância desses recursos, promovendo sua criação e
incentivando os usuários a procurá-los.

12.2-A chegada do paciente ao serviço de Saúde:

 O acolhimento, quando na unidade básica, pode ser feito por qualquer


profissional de saúde, de preferência um técnico de nível superior. Nos CAPS,
que atendem casos de maior complexidade, é sempre feito por um profissional
de Saúde Mental.
 Após a primeira abordagem, o técnico que acolheu poderá necessitar do apoio
imediato de um outro profissional, ou tomar ele próprio as primeiras decisões
quanto às condutas a serem adotadas.

 De qualquer forma, há algumas questões que devem ser avaliadas nesta


etapa. A primeira delas: independentemente do diagnóstico, este usuário
apresenta problemas psíquicos cuja gravidade justifica um encaminhamento
para a Saúde Mental? Naturalmente, o diagnóstico deve ser levado em conta:
portadores de neuroses e psicoses graves são a clientela prioritária. Contudo,
considera-se também a situação e as circunstâncias: por exemplo, o forte
abalo emocional após uma perda ou situação de vida muito difícil pode
requerer atendimento da Saúde Mental, mesmo em se tratando de uma pessoa
mais tranquila; da mesma forma, alguém que passou por um episódio psicótico
grave, porém se encontra clinicamente estável, e mantém laços sociofamiliares
bem estabelecidos, pode ser acompanhado pela equipe do PSF.
 O profissional que fez o acolhimento pode a qualquer momento recorrer a um
colega para discutir o caso: por exemplo, o enfermeiro pode discutir com o
psiquiatra se há ou não necessidade de medicação; o generalista pode discutir
com a psicóloga se há ou não indicação para o tratamento específico em
Saúde Mental.
Caso se decida pelo encaminhamento à Saúde Mental, seguem-se os
próximos passos.

Resumo prático sobre a chegada do paciente no CapsI, Caps-ad e Caps


infantil:

 Acolhimento (porta de entrada): pode ser feito por qualquer profissional da


equipe técnica.

 Avaliação psicológica

 Avaliação psiquiátrica

 Avaliação de enfermagem

 Avaliação do serviço social

 Terapia ocupacional: somente se indicado pelo psicólogo e /ou psiquiátra e


pode ter tempo definido para este tratamento.

http://www.redehumanizasus.net/11652-acolhimento-em-hospital-psiquiatrico-
como-articulador-da-rede-de-saude-mental

13.0-HUMANIZAÇÃO

A humanização na área de saúde mental pública: uma revisão teórica de


trabalhos com Equipes Multiprofissionais

Humanização

A história da saúde e da doença mental passa por explicações mágicas e místicas,


percorre a exclusão, encarceramento e exploração econômica. Deflagra a luta
antimanicomial e a Reforma do Modelo Assistencial, até chegar ao processo atual de
busca pela humanização em seu tratamento (Coga & Vizzotto, 1997).

De acordo com o Ministério da Saúde (MS, 2007), a humanização na área da saúde


se remete a proposta ética, estética e política. Ética por implicar em mudanças de
atitude dos trabalhadores, dos usuários e dos gestores de saúde, onde todos passam
a ser co-responsáveis pela qualidade das ações e dos serviços prestados em saúde.
Estética, por buscar abranger o sistema de produção de saúde de pessoas vistas
subjetivamente como autônomas e protagonistas desse processo, e finalmente,
política, por se tratar de uma organização social e institucional das práticas de atenção
e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).

O processo de humanização deve ser orientado pelos seguintes valores: autonomia,


co-responsabilidade, protagonismo dos sujeitos envolvidos, solidariedade entre os
vínculos estabelecidos, respeito aos direitos dos usuários e participação coletiva no
processo de gestão (MS, 2007).

A construção desse processo foi possibilitada pela evolução social, mudanças


culturais, evolução na formação dos profissionais e avanço para uma medicação mais
eficaz. Segundo Queiroz (1992), o processo de humanização da Saúde se originou
nos movimentos de reformas sanitárias, pela conquista de uma ampliação no conceito
de saúde, que passou a incorporar entre seus determinantes, as condições de vida e a
deslocar no sentido da comunidade, a assistência que era focada como médico-
hospitalar, no processo de atenção à saúde.

O trabalho em equipe já era enfatizado por Basaglia (apud Antunes & Queiroz, 2007)
em suas críticas com a instituição manicomial. A ênfase de sua proposta envolvia a
diminuição de leitos nos hospitais psiquiátricos e o desenvolvimento de serviços
compostos por equipes multiprofissionais, capazes de responder às necessidades de
ser e de integridade dos seres humanos.

A legislação brasileira que organiza o SUS é orientada pela Constituição Federal de


1988, as Leis Federais nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e nº 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, as quais visam incorporar ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde, fundamentando um conceito de saúde que deixa de ser
centrado na doença, e visa um novo modelo de atenção integral em saúde.

A constituição de 1988 propôs diretrizes políticas inovadoras a fim de melhorar a


qualidade da atenção a saúde no país. Dentre elas, podemos destacar:o conceito
abrangente de saúde considerando o meio físico, socioeconômico e cultural, fatores
biológicos e o acesso aos serviços de prevenção e cura; o direito de todos às ações
de saúde, sendo do poder público o dever de prover tal direito; e o estabelecimento do
Sistema Único de Saúde (SUS).

Desta forma, o conceito de saúde é amplo e deve ser definido como um fator
resultante de condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente,
trabalho, transporte, lazer, liberdade e acesso a serviços de saúde. Este processo
aponta para uma concepção em que saúde não se reduz a ausência de doenças, e
sim a uma vida com qualidade.

A busca da conquista da saúde enquanto direito, com um novo modelo de assistência


às pessoas, foi, e ainda é articulada por trabalhadores da Saúde Mental, usuários e
seus familiares, que reivindicaram, principalmente a partir dos anos 1980, a garantia
dos direitos das pessoas com sofrimento psíquico, e que, agora amparados pelos
princípios e diretrizes do SUS, de universalidade, integralidade, igualdade, equidade,
descentralização e participação da comunidade, têm mais argumentos legais para
enfrentar este desafio (Coga & Vizzotto, 1997).

Podemos acompanhar que desde 1992, o MS (2007), prevê em sua Portaria nº 224/92
serviços de Saúde Mental condizentes com a nova Política de Saúde Mental. Esta
Portaria regulamenta os seguintes atendimentos em regime ambulatorial: a Oficina
Terapêutica (OT) que se caracteriza por ser um espaço onde se desenvolvem
atividades grupais de expressão e inserção social; o Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS), que é utilizado como intermediário entre o hospital psiquiátrico e o
atendimento no ambulatório; a Saúde Mental em Unidade Básica de Saúde (UBS),
que exige uma equipe mínima composta por: psicólogo, assistente social e psiquiatra;
o Ambulatório de Especialidade que exige a composição completa de equipe
multidisciplinar; e a Residência Terapêutica, para pacientes que receberam alta do
hospital psiquiátrico.

Em 2001, foi aprovada a Lei 10.216, conhecida como a Lei da Reforma do Modelo
Assistencial, a qual dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais, e ainda, redireciona o modelo assistencial em Saúde Mental.

Essa Lei e as portarias subseqüentes do MS (2007) determinam a progressiva


desinstitucionalização e desospitalização das pessoas com sofrimento psíquico,
levando os antigos manicômios a serem substituídos por serviços de Saúde Mental,
tais como: ações de Saúde Mental na Atenção Básica, Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), Residências Terapêuticas, pensões protegidas, Cooperativas de
Trabalho Protegido e Oficinas de Geração de Renda, os quais devem seguir a lógica
da descentralização e da territorialização do atendimento em saúde, prevista na Lei
Federal que instituiu o SUS.

Apesar de ser um processo lento e com desafios e dificuldades, há conquistas, que


têm estimulado a constituição de redes de atenção psicossocial de base comunitária,
substitutivas ao modelo centrado na internação hospitalar, como forma de garantir os
direitos dos usuários com transtornos mentais (MS, 2007). Neste novo modelo de
cuidado, há grandes mudanças no tratamento dos usuários, o qual: passa a ser
humanizado; há a disposição de equipes multidisciplinares para o acompanhamento
terapêutico; os usuários adquirem também o papel de agentes no próprio tratamento;
e conquistam o direito de se organizar em associações e cooperativas, promovendo a
inserção social de seus membros.

Para acompanhar o processo da saúde em geral foi criado a Política Nacional de


Humanização (PNH) da atenção e gestão no Sistema Único de Saúde, conhecida
como Humaniza SUS.

Perspectiva multiprofissional no trabalho em equipe

A fim de conhecer um pouco mais a fundo algumas práticas realizadas neste


contexto e os profissionais nele inserido, é que foi realizado este levantamento
bibliográfico de alguns trabalhos em equipe multiprofissional.

O novo modelo de assistência de Saúde Mental requer sua avaliação por


estudos qualitativos em nível local. Por isto a necessidade de estudos a respeito desta
problemática (Antunes & Queiroz, 2007).

Partindo do conceito de saúde descrito na primeira parte soma-se a


importância da visão de trabalho em equipe de que saúde é um fenômeno integral que
só pode ser acessível a um conjunto de especialidades em constante interação e
diálogo. Portanto, é cada vez mais crescente a necessidade e a busca por abordagens
humanizadas às pessoas em sofrimento por parte dos profissionais de saúde que as
assistem.
Scherer e outros (2007) assinalam a dificuldade em se realizar pesquisa nesta
área de equipe de saúde devido às muitas questões a serem respondidas e muitas
particularidades do processo, havendo o inevitável envolvimento dos pesquisadores
com a situação estudada.

Peduzzi (1998) observa que são relativamente raras as definições de equipe,


por vezes os estudos abordam a questão estritamente técnica, em que o trabalho de
cada profissional é apreendido como conjunto de atribuições e tarefas, e a articulação
dos trabalhos especializados é desconsiderada. O trabalho em equipe multiprofissional
é tomado como uma realidade já dada, devido ao fato de existirem profissionais de
diferentes áreas atuando conjuntamente. Além disso, a produção teórica sobre
trabalho em equipe raramente explora a equipe como realidade objetiva e subjetiva do
trabalho em saúde.

A partir disso, a autora desenvolve um conceito e uma tipologia de trabalho em


equipe e os critérios de reconhecimento de seus tipos, analisando aspectos de
complementaridade, interdependência e articulação dos trabalhos, autonomia e
interação dos técnicos (Peduzzi,1998).

Define uma tipologia de trabalho em equipe multiprofissional distinguindo


“equipe agrupamento e “equipe integração”. A equipe agrupamento seria caracterizada
pela fragmentação, ocorrendo a justaposição das ações e o agrupamento dos agentes
e uma maior ênfase na especificidade dos trabalhos. Ocorre, também, a
complementaridade objetiva dos trabalhos especializados, convivendo com a
independência do projeto assistencial de cada área técnica, denotando uma
concepção de autonomia plena dos agentes. Já a equipe integração é definida pela
articulação das ações e a interação de seus agentes e flexibilidade da divisão do
trabalho. Há complementaridade e colaboração no exercício da autonomia técnica e
não há independência dos projetos de ação de cada profissional (Peduzzi,1998).

Para a autora, o trabalho em equipe é uma modalidade de trabalho coletivo que


se configura na relação recíproca entre as intervenções técnicas e a interação dos
diferentes profissionais. Assinala que a partir da relação estabelecida entre trabalho e
interação, os profissionais podem construir consensos que configuram um verdadeiro
projeto assistencial comum, em torno do qual se dá a integração da equipe de
trabalho.

Segundo Peduzzi (1998), a elaboração de um projeto assistencial comum trata-


se de um plano de ação para uma situação concreta de trabalho coletivo em equipe.
Os agentes partem de uma realidade dada, que toma em consideração o projeto
assistencial hegemônico, biomédico, e dentro de certo campo de possibilidades,
constroem, por meio de suas atividades técnicas cotidianas, um projeto pertinente às
necessidades de saúde, com base no diálogo e no reconhecimento intersubjetivo,
investindo na construção conjunta de um projeto assistencial que abarque a
complexidade e a multidimensionalidade da saúde.

Outro aspecto abordado pela autora é a questão dos trabalhos entre os


profissionais da equipe serem diferentes ou serem desiguais. As diferenças técnicas
de trabalho acabam por configurarem-se desiguais quanto a sua valorização social:

“as diferenças técnicas transmutam-se em desigualdades sociais entre os agentes de


trabalho, e a equipe multiprofissional expressa tanto às diferenças quanto as
desigualdades entre as áreas, e concreta e cotidianamente, entre os agentes-sujeitos
do trabalho” (Peduzzi, p. 107, 1998).
Observa-se que, na situação de trabalho coletivo em que há menor
desigualdade entre os diferentes trabalhos e agentes, ocorre maior integração na
equipe. Pois à medida que o trabalho em equipe é construído em uma relação de
interação, maiores as possibilidades dos profissionais interagirem em situações livres
de coação e de submissão.

A autora, ainda, destaca a necessidade de preservar as especificidades de


cada trabalho, somando-se a necessidade a flexibilização da divisão do trabalho. Os
profissionais realizam atividades próprias de suas áreas, mas também podem executar
ações comuns, nas quais estão integrados campos distintos. Os dois tipos de
intervenções, as específicas e as comuns, compõe o projeto assistencial construído,
de fato, pela equipe como um todo (Peduzzi,1998).

No estudo de Scherer e outros (2007), encontramos a definição sobre trabalho


em equipe semelhante ao estudo anterior com o acréscimo do conceito de
humanização. Os autores definem que o trabalho em equipe tem como ideal a ação
integrada e complementar de cuidados com o intuito de oferecer um atendimento
humanizado ao usuário. Observa-se que são fatores determinantes no trabalho em
equipe a distribuição e articulação das tarefas técnicas, a clareza do papel profissional
de cada um, bem como do outro, os limites e a responsabilidade de cada área de
atuação.

Dentre as dificuldades de trabalho em equipe, assinala-se o choque de saberes


e áreas distintas e a confusão de papéis. Enfatiza-se também que a necessidade em
implementar estratégias para amenizar os conflitos exige a criação de um espaço para
a reflexão acerca da prática direta junto ao usuário, bem como da busca de coesão.
Coesão entendida como o oferecimento de apoio e formação de vínculos, favorecendo
a integração da equipe e das ações, ou seja, as reuniões sistemáticas dos
profissionais que compõem a equipe surgem como recurso para integrar as diversas
formas de sentir, pensar e agir (Scherer e outros, 2007).

A partir de encontros grupais da equipe multiprofissional para reflexão das


próprias práticas, podemos observar que a equipe de atendimento procura se envolver
na criação de um ambiente terapêutico institucional, pois estas reuniões podem
favorecer a sensibilização aos fenômenos emocionais do grupo, tanto dos indivíduos
no grupo, como do grupo como um todo.

Para tanto, é necessário a criação e a manutenção de um espaço continente,


onde todos se sintam predispostos às trocas mútuas sobre as vivências angustiantes
de seu dia-a-dia profissional, bem como a refletir sobre maneiras de atenuá-las. Um
ambiente favorável aos relacionamentos equipe-equipe e equipe-usuário que
proporcione a tolerância às frustrações; o suporte das ansiedades, das impotências e
dos conflitos decorrentes de rivalidades profissionais; a convivência com as diferenças
de atuação profissional; e, principalmente, o trabalho em equipe.

A esse respeito, Oliveira & Alessi (2003) acrescentam que no processo de


humanização há a constituição dos profissionais da saúde como co-responsáveis por
um trabalho coletivo de superação das práticas hegemônicas biológicas. A atuação
conscientizada do técnico de seu papel profissional e social, inserido em um contexto
social e político, possibilita a escolha por práticas de trabalho que visem o resgate
desta condição ao usuário.

Antunes & Queiroz (2007) também descrevem que a perspectiva


multiprofissional no trabalho de equipe reside na concepção de que o conhecimento
sobre o ser humano se processa em campos ampliados, e não em mundos
particulares e isolados. Desse modo, a proposta de um novo paradigma assistencial
conduz o profissional a novas praticas em saúde mental e abre inúmeras
possibilidades envolvendo o trabalho em equipe.

Apesar do reconhecimento da equipe de saúde como fator fundamental para


este novo modelo, o trabalho multiprofissional ainda apresenta pouco suporte. A
insuficiência de apoio político e cultural favorável à implementação das praticas, a
carência de recursos financeiros adequados e a quantificação dos atendimentos como
prioridade para o sistema governamental em detrimento da preocupação com a
qualidade dos serviços.

Além destes fatores, a principal dificuldade encontrada na área diz respeito à


ausência de tecnologias humanas, ou seja, de profissionais que sustentem um
atendimento integrado e essencialmente humano ao seu próximo (Antunes & Queiroz,
2007).

Considerações Finais

A nova Política em Saúde Mental propõe transformar o modelo assistencial e


construir um novo estatuto social, mas ainda esbarra em muitas dificuldades para sua
realização. A garantia dos direitos das pessoas com sofrimento psíquico, levando em
conta os princípios e diretrizes do SUS e a luta por um novo modelo de assistência,
propõe a criação de uma rede de serviços de atenção psicossocial, de base
comunitária.

Quando se pensa em Humanização na saúde há a valorização de diferentes


sujeitos: usuários, familiares, trabalhadores e gestores, que estão envolvidos num
contexto maior que é a comunidade. Esse processo de humanização deveria passar
por todos estes sujeitos e, também, pela construção de trocas solidárias e
comprometidas com a dupla tarefa de produção de saúde e produção de sujeitos.

Um dos princípios norteadores desta Política é o fortalecimento do trabalho em


equipe multiprofissional, por meio de da promoção de ações que assegurem a
participação dos trabalhadores nos processos de discussão e decisão, fortalecendo e
valorizando os profissionais no seu crescimento e conhecimento.

A partir disto, podemos desenvolver práticas de trabalho nas quais os


diferentes profissionais não sejam meros colaboradores, mas autores responsáveis
que compartilham um projeto coletivo articulado. Nesta visão, concordamos que tanto
equipe como usuários estão em constante processo de transformação.

Finalizando, consideramos que, para que ocorra, de fato, a humanização na


saúde, é necessário que se construa e se mantenha espaços de reflexão e de
transformação constantes das práticas profissionais e que por meio de decisões
compartilhadas, a equipe multiprofissional possa se nutrir para novos desafios.
Referências Bibliográficas

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configuração da reforma psiquiátrica em contexto local no Brasil: uma análise
qualitativa. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, 2007.

COGA, S. & VIZZOTTO, M.M. Saúde Mental em Saúde Pública: um percurso histórico,
conceitual e as contribuições da Psicologia neste contexto. Psicólogo inFormação, São
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SCHERER, Edson Arthur; SCHERER, Zeyne Alves Pires; CAMPOS, Maria


Auxiliadora. Percepções sobre coordenação e funcionamento de reuniões de equipe
geral de um hospital-dia psiquiátrico. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.
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MORETTO, C. C. ; Terzis, A. A humanização na área de saúde mental pública:


uma revisão teórica de trabalhos com Equipes Multiprofissionais. - In: VIII
Simpósio CEFAS e Jornada FLAPAG, 2007, Campinas. Anais do VIII Simpósio
CEFAS, 2007. p. 123-130
http://www.associacaocrianca.org.br/Artigos/A-humanizacao-na-area-de-saude-mental-
publica-uma-revisao-teorica-de-trabalhos-com-equipes-multiprofissionais.aspx

13.1-O ACOLHIMENTO

Em todos os níveis da assistência, o acolhimento, certamente, é a dimensão


primeira.
Do porteiro ao motorista, do auxiliar administrativo ao funcionário da limpeza,
da equipe técnica, enfim de todos que participam do processo de trabalho em um
serviço de Saúde, bem acolher é o primeiro e indispensável passo para um
atendimento correto e bem sucedido.

O acolhimento não é simplesmente uma questão de escala em que se revezam


os profissionais, nem uma maneira mais racional de preencher as agendas. Além
disto, e mais do que isto, o acolhimento é a aplicação cotidiana de um princípio
fundamental: seja ao pedir a informação mais corriqueira, seja ao trazer a mais
fantasiosa expectativa, o usuário, quando nos traz o seu problema, é um cidadão que
exerce o direito de dirigir-se a um trabalhador de um serviço público.

Nosso trabalho é acolher essa demanda – ou seja, responder!

Contudo, vejamos bem: o conteúdo da resposta pode ser sim ou não, agora ou
depois, aqui ou noutro lugar, comigo ou com outra pessoa. O essencial é que a
resposta, seja qual for, parta de uma postura acolhedora da nossa parte diante da
demanda do usuário.

Essa postura pode descrever-se assim: “Sim, você está se dirigindo a mim,
trabalhador desse serviço público, a respeito de algo que você julga ser um problema
de saúde. Seu endereçamento a mim, sendo feito com educação, não me aborrece,
nem me assusta: pelo contrário, merece a minha atenção. Isto não significa que eu
vou automaticamente fazer o que você me pede: aquilo que uma pessoa solicita pode
ser ou não justo, pode ser ou não possível, pode ser ou não necessário. Mas, com
certeza, eu vou levar em conta o que você me diz, ao avaliar o que é preciso fazer: ou
seja, vou atender à sua demanda de ser escutado”.

Afinal, diante do apelo que o usuário faz, há várias saídas a pensar e a discutir.
O que não se discute é o direito dele de nos procurar, e o nosso compromisso de
responder.
Certamente, os usuários de nossos serviços, como qualquer pessoa, às vezes pedem
coisas às quais não têm direito: “furar a fila”, por exemplo. Com muita freqüência,
reivindicam direitos que não temos como lhes assegurar no momento: por exemplo,
um medicamento que está em falta. Muitas vezes, também, trazem-nos problemas que
não são estritamente problemas de saúde, mas relacionam-se às suas dificuldades
pessoais e sociais.

Assim, acolher não é resolver tudo, nem concordar com qualquer coisa. Porém,
diante dessa grande diversidade das demandas à saúde, não se pode meramente
dizer: “Não é conosco, não é aqui, não temos tempo”.

Para cada usuário que procura um serviço, deve-se chegar a uma conclusão
sobre a conduta a ser tomada: admiti-lo naquele serviço ou encaminhá-lo a outro mais
adequado para ele; atendê-lo imediatamente, se o caso é grave, ou marcar um outro
horário, se pode esperar. Contudo, a resposta que damos ao usuário, seja ela qual for,
costuma ser bem recebida quando se baseia numa escuta atenta e numa avaliação
cuidadosa do seu problema.
Concebido dessa forma, o acolhimento não pode ser atribuição exclusiva de
uma determinada categoria, e sim um compromisso de todos os trabalhadores do
centro de saúde. Não pode ter hora ou dia marcado, porque não é apenas uma etapa
de introdução ao serviço: é pano de fundo de todo cuidado à saúde, e postura
essencial ao ofício de cuidar.

O acolhimento em Saúde Mental

As considerações acima valem para todos os usuários de serviços de Saúde.


Contudo, vamos examinar agora algumas particularidades do acolhimento aos
portadores de sofrimento mental.

Neste caso, temos duas possibilidades: ou a pessoa procura um serviço


específico de Saúde Mental, como um CAPS, ou chega em serviços de Saúde, como
unidades básicas ou centros de saúde, hospitais gerais, etc.

No primeiro caso, ele será recebido diretamente pela equipe de Saúde Mental,
conforme os princípios descritos no item anterior. No segundo caso, surgem algumas
questões que se devem discutir.

Com muita frequência, os portadores de sofrimento mental são vistos nos


serviços de Saúde como pessoas “chatas”, difíceis de lidar, e até mesmo perigosas.
Nesses casos, há uma tendência para encaminhá-los imediatamente a um técnico de
Saúde Mental e/ou a um serviço especializado, antes mesmo de procurar saber o que
se passa.

Certamente, os usuários que necessitam de tratamento por uma equipe de


Saúde Mental têm todo direito a recebê-lo. Contudo, justamente para garantir esse
direito, vamos antes levantar alguns pontos de reflexão.

Considerações sobre o acolhimento

Alguns usuários de Saúde Mental podem ser “chatos”, como, aliás, qualquer
outra pessoa. Mas o trabalhador de Saúde tem de desenvolver um “jeito” de lidar com
as “pessoas chatas”, sejam elas portadoras de sofrimento mental ou não. Um pouco
de tolerância e um pouco de firmeza costumam resolver essas situações. O que não é
correto é encaminhar estas pessoas para a Saúde Mental meramente como forma de
passar o problema adiante.

A não ser que estejam em crise muito grave, os portadores de sofrimento


mental são perfeitamente capazes de dizer o que querem – mesmo que, em alguns
casos, seja preciso um pouco de paciência para entendê-los. Portanto, se alguém
chega a um serviço de Saúde trazendo um problema psíquico, a primeira coisa a fazer
é uma avaliação inicial do que se trata: é uma urgência? Um pedido de
esclarecimento? Uma marcação de consulta? Uma receita? A partir daí, o usuário será
ou não encaminhado à Saúde Mental, hoje, amanhã, ou daqui a um mês, conforme o
resultado da avaliação feita. O que não podemos fazer é deixar de ouvir e de
considerar sua demanda inicial, como se deve ouvir a de qualquer outro paciente.

O fato de que o usuário ou seu familiar chegue ao serviço solicitando


atendimento na Saúde Mental não significa que essa seja a melhor opção para ele.
Quando alguém traz uma queixa de “depressão”, ou mostra uma receita de medicação
psiquiátrica, isto não quer dizer necessariamente que se trate de um portador de
sofrimento mental: afinal, muitas pessoas que estão atravessando um momento difícil
de suas vidas são equivocadamente diagnosticadas assim. Portanto, não só o
acolhimento, mas também o acompanhamento dessas pessoas muitas vezes podem
ser feito pelas equipes dos Programas de Saúde da Família.

Todos os trabalhadores de Saúde devem conhecer o modelo de assistência em


Saúde Mental, e os serviços existentes no município: equipes de Saúde Mental nas
unidades básicas, CAPS, Centros de Convivência, leitos em hospital geral, etc. Dessa
forma, saberão para onde encaminhar o usuário, quando seu caso não puder receber
o atendimento adequado no serviço de Saúde em que foi feito o acolhimento.

De maneira geral, não convém deixar o acolhimento dos portadores de


sofrimento mental apenas a cargo da equipe de Saúde Mental, separando-o do
acolhimento dos outros usuários. Contudo, deve-se ressaltar: a qualquer momento, o
técnico de Saúde Mental pode e deve ser chamado para ajudar a esclarecer uma
dúvida, definir um encaminhamento, participar de uma avaliação.

Naqueles casos em que o acolhimento conclui que o usuário deve ser


realmente acompanhado pela equipe de Saúde Mental, há um cuidado importante a
tomar: rejeitar o velho critério do agendamento conforme a fila por ordem de chegada.
É preciso avaliar não só qual o atendimento necessário, mas, também, o grau e a
premência desta necessidade: alguns devem ser atendidos imediatamente, outros
podem esperar um dia, uma semana, um mês, conforme o caso. Assim, o trabalho se
torna ágil, não gerando “filas de espera” ou agendas lotadas: consegue-se atender a
todos, sem sobrecarga para a equipe, nem prejuízo para os usuários.

14.0-VÍNCULO E RESPONSABILIZAÇÃO DO CUIDADO

Assim como o acolhimento não pode reduzir-se apenas a uma administração


mais ou menos eficiente da chegada das pessoas aos serviços, o vínculo e a
responsabilização de cuidados não se confundem meramente com o conceito de
adscrição de clientela.

A adscrição de clientela é um operador importante em saúde pública: define


uma população, que habita determinada área de um território dado, estando sob a
responsabilidade dos cuidados de uma determinada equipe de um serviço de Saúde.
No entanto, importa, antes de tudo, definirmos qual a responsabilidade que está em
jogo, quando assumimos esse cuidado.

Inicialmente, é preciso considerar bem a noção de território, ou seja: não


apenas um espaço geográfico delimitado, mas toda uma diversidade de situações
pessoais, familiares, sociais, muitas vezes atravessada por duras desigualdades: uma
favela e um bairro de classe média, ainda que pertençam ao mesmo território, exigem
atenção e cuidados diferenciados, de acordo com as dificuldades socioeconômicas, de
acesso à cultura e ao lazer, de infraestrutura sanitária, etc, que encontramos num e
noutro.

Para conhecer e considerar a diversidade, não basta os mapas e as


estatísticas: o território só adquire verdadeira realidade aos olhos dos trabalhadores de
Saúde quando transitam por ele, em contato com suas ruas, seus espaços, seu
cotidiano. Apenas assim se constatam os problemas e se descobrem as
potencialidades de uma região.

Se assim é no que diz respeito aos aspectos coletivos, assim deve ser também
no cuidado prestado a cada um dos nossos pacientes. É fácil admitir que a gestante, a
criança, o hipertenso, o portador de sofrimento mental, e assim por diante, beneficiam-
se do contato constante com uma equipe de profissionais que já os conhece e os
acompanha. Contudo, isto pouco valerá, se o contato paciente-profissional limita-se a
verificar e a repetir condutas padronizadas.

Todo cuidado é uma espécie de artesanato: não pode ser feito em série. Trata-
se de um laço singular que se tece um a um, sem exceção.

No que diz respeito aos portadores de sofrimento mental demonstra-se de


forma muito clara a aplicação e a validade dos pontos destacados aqui.
Diferentemente dos demais, esses pacientes muitas vezes não pedem ajuda, e até
mesmo parecem recusá-la; contudo, ao contrário do que se pensa, são
particularmente sensíveis ao vínculo e ao cuidado. Afinal, os problemas que os
perturbam relacionam-se via de regra a um impasse na relação com outras pessoas –
seja o chefe ou o marido, a mãe ou o vizinho. Portanto, esses problemas encontram
alívio e saídas possíveis, quando podem endereçar-se a profissionais acolhedores em
sua escuta, é a responsável por sua vinculação e acompanhamento.

Algumas considerações sobre o vínculo e a responsabilização de cuidados

Quando se cuida de alguém, cuida-se incondicionalmente. Assim como não se


nega atendimento a um diabético porque não seguiu a dieta, não se pode deixar de
atender a um alcoólatra porque ele não parou de beber; igualmente, não se dá “alta
administrativa” a um paciente porque seu comportamento foi inadequado. Para cuidar
das pessoas de trato mais difícil, é preciso criar estratégias, e não impor condições.
Quando um usuário age de forma que prejudica seu tratamento ou o
tratamento dos outros, há muitas maneiras de dizer e de mostrar isto a ele; contudo,
não existe maneira alguma de recusar cuidados que não resulte em abandono.
Responsabilidade exige firmeza, mas não é sinônimo de rigidez: pelo contrário, quanto
o trabalhador se mostra rígido, mais pretexto encontra para deixar de exercer funções
que lhe cabem.
Se o vínculo e a responsabilização são laços que se fazem com cada um, eles
adquirem firmeza crescente quando se entrelaçam uns aos outros. Assim se constrói a
dimensão coletiva da solidariedade e da confiança na relação entre a equipe, os
usuários e a comunidade.
A qualidade de certas atividades das unidades básicas, como os grupos de
gestantes, diabéticos, etc, é muito diferente, dependendo desta relação. Quando é
conduzido de forma autoritária, um grupo de hipertensos não passa de uma reunião
aborrecida, da qual todos querem sair o mais depressa possível; quando é flexível,
pode tornar-se um espaço agradável de troca de experiências e de informações.
Sobretudo, a dimensão coletiva da relação equipe-usuários não se faz apenas
nestas atividades grupais de objetivo técnico: requer a participação efetiva dos
usuários na avaliação e no acompanhamento do trabalho da equipe. As comissões
locais de Saúde são um espaço importante para isto, mas muitos outros podem ser
criados no cotidiano do serviço. Assembléias nos CAPS, reuniões no centro de saúde,
comissões de usuários de Saúde Mental, são atividades de grande importância.
Conhecendo o funcionamento do serviço, seus avanços e seus problemas, os
usuários tornam-se não apenas pacientes, mas parceiros responsáveis da sua equipe.

14.1-A ATUAÇÃO EM EQUIPE

Não se pode definir uma equipe como um aglomerado de trabalhadores, na


qual cada um deles exerce apenas a sua função profissional específica. As
identidades profissionais não podem servir de pretexto para o apego burocrático a
uma função. Se é verdade que compete ao médico prescrever, o que o impede de
levar os usuários a um passeio? Se a psicóloga deve responder por atendimentos
individuais, por que não pode coordenar uma oficina? Se for atribuição da enfermeira
supervisionar o trabalho dos auxiliares de enfermagem, por que não pode escutar e
acompanhar seus pacientes? Se o porteiro deve zelar pelos que entram e saem, não
lhe cabe também fazer companhia a quem fica?

Também não podemos entender as equipes apenas como uma forma de dividir
o trabalho, em que cada um faz “a sua parte”, sem necessitar preocupar-se com o
produto total. Uma equipe de Saúde deve compor-se de profissionais de formações
diferentes, assegurando assim a diversidade de suas feições e a troca de suas
experiências. Naturalmente, as especificidades das diferentes profissões devem ser
respeitadas.

Contudo, o que caracteriza realmente o trabalho em equipe é a capacidade de


participar coletivamente da construção de um projeto comum de trabalho, num
processo de comunicação que propicie as trocas. Assim, não nos limitamos a aplicar
conhecimentos técnicos, aliás, indispensáveis; aprendemos a atuar coletivamente,
sem nos refugiarmos em interesses corporativos ou individuais.

Algumas considerações sobre o trabalho em equipe


 Um aspecto importante do trabalho em equipe é a sua dimensão
interdisciplinar. Saúde não é um conceito que se possa enunciar a partir de
uma única disciplina; pelo contrário, é delineado a partir de conhecimentos da
Biologia, das Ciências Humanas, da Epidemiologia, e outros. Portanto,
trabalhar com saúde, na amplitude que o termo requer, traz a necessidade de
examinar esse objeto a partir de diferentes conhecimentos e práticas – não
apenas internos à equipe de Saúde, como os saberes da Enfermagem, da
Psicologia, da Medicina, etc – mas também aqueles de outros campos.
 Assim, a equipe não pode organizar-se em torno do saber de uma determinada
categoria profissional. Na Saúde, tradicionalmente, este saber era aquele do
médico: em torno dele, os outros profissionais tinham meramente um papel
auxiliar. Contudo, nessa nova lógica de cuidados, nenhum saber ocupa o
centro.
 Isto se torna ainda mais evidente na Saúde Mental: a grande maioria das
formas de sofrimento mental que atendemos não têm causa orgânica, nos
mesmos moldes de um diabetes ou uma pneumonia. Assim, o próprio
diagnóstico e a condução do tratamento podem ser feitos tanto pelo psicólogo,
pelo médico, pelo terapeuta ocupacional – apenas a prescrição de
medicamentos sendo atribuição exclusiva do médico.
 Uma equipe mínima de Saúde Mental em unidade básica de Saúde deve
compor-se pelo menos de um psicólogo e um psiquiatra – evidentemente,
trabalhando em parceria com o generalista, o assistente social, o auxiliar de
enfermagem, entre outros.

 Serviços específicos de Saúde Mental, de maior complexidade técnica, como


os CAPS, têm equipes de composição mais diversificada: psicólogos,
psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, além, é claro, do
pessoal de enfermagem e de apoio.

 Seja nos serviços de Saúde ou nos serviços específicos da Saúde Mental, o


trabalho em equipe não consiste apenas nessa troca de saberes e de
experiências; é também um exercício de democratização da relação entre os
trabalhadores, conferindo a todos eles, seja qual for sua formação profissional,
direito de voz e de voto.
 Isto não resulta apenas em idênticos direitos para todos, mas também em
idêntico grau de responsabilidade – seja diante do usuário, seja diante do
projeto de trabalho. Essa responsabilidade implica em participar tanto dos
cuidados quanto das decisões – seja naquelas que dizem respeito ao cotidiano
do serviço de Saúde, seja no que concerne à organização do trabalho,
conforme os princípios definidos pelo Projeto de Saúde Mental de um
município, região ou Estado.

15.0-A PARCERIA SAÚDE MENTAL – SAÚDE DA FAMÍLIA


Esta é uma parceria necessária, desejável e possível: afinal, a lógica dos
projetos de Saúde Mental inspirados na Reforma Psiquiátrica tem grandes afinidades
com aquela dos Programas de Saúde de Família, entendidos como estratégia de
implantação do SUS.

As equipes do PSF, por sua proposta mesma de trabalho, costumam ter com
sua clientela uma relação muito diferente daquela que se estabelece nas práticas mais
tradicionais de Saúde. Conhecem seus pacientes, conversam com eles, entram em
contato direto ou indireto não só com seus sintomas e doenças, mas com os mais
diferentes aspectos de suas vidas. Esta lógica de trabalho contribui para ajudá-los a
atender adequadamente o tipo de clientela que vem ocupando de forma indevida as
agendas dos profissionais de Saúde Mental.

Escutar o paciente cuja queixa traduz essencialmente a demanda de ajuda


para um problema emocional; acompanhá-lo, procurando pensar com ele as razões
desse problema, e formas possíveis de enfrentá-lo; evitar tanto quanto possível o
recurso aos psicofármacos, e, quando necessário, usá-los de forma criteriosa; não
forçar o paciente a deixar, de um dia para o outro, o medicamento que sempre usou,
mas ponderar com ele os riscos e as desvantagens desse uso; não repetir
estereotipada mente condutas e receitas: este é um acompanhamento que as equipes
do PSF sabem e podem conduzir.

Evidentemente, essas equipes podem alegar diversos impedimentos para


assumir tais funções. Contudo, devemos distinguir dois tipos de objeções.

O primeiro tipo é aquele que nasce de uma recusa a priori da equipe em


atender estes pacientes. O segundo tipo tem a ver com suas dificuldades concretas
em lidar com eles.

A recusa, embora compreensível, não se justifica. Os profissionais de Saúde


sentem-se irritados diante da demanda dessa clientela, que não melhora nunca,
queixa-se de tudo, desafiando os seus saberes, e provocando uma sensação de
impotência.

Entretanto, deve-se levar em conta a responsabilidade dos próprios agentes de


Saúde na gênese desta demanda. A esse respeito, citamos o jornal Sirimim: “Afinal,
„medicalizando‟ e „psicologizando‟ os mais diversos aspectos da vida, os gestores e
técnicos de Saúde já fizeram à população muitas promessas irrealizáveis; não há um
porquê de ficarmos escandalizados se hoje nos cobram uma performance à altura da
imagem de onipotência divulgada”.

Assim, quando um paciente nos vem pedir pela milésima vez uma receita de
diazepam, não custa lembrar que foram profissionais de Saúde que lhe prescreveram
esses remédios pela primeira vez, e continuaram a fazê-lo automaticamente por anos
a fio.

Quanto às dificuldades: alega-se, sobretudo, a questão do despreparo para


atender esses pacientes. Ora, tal dificuldade se relaciona a outra, aliás, mais grave: na
formação dos profissionais de Saúde, o despreparo para considerar a dimensão
subjetiva de todos os pacientes – sejam eles doentes “de verdade” ou não. A este
respeito, a própria prática do PSF, em muitos locais, já conseguiu avançar para além
dos saberes estritamente técnicos que geralmente se aprendem nas faculdades!

De qualquer forma, esse despreparo é uma dificuldade real a ser solucionada.


Cursos de capacitação em Saúde Mental, referências bibliográficas adequadas, esta
Linha-Guia – são recursos necessários para tal.

Ainda: embora seja imprescindível que as equipes do PSF adquiram noções


básicas de Saúde Mental, existe um nível mais complexo de saberes desta área que
seus profissionais não são obrigados a conhecer. Portanto, a disponibilidade da
equipe de Saúde Mental é essencial: cabe-lhe ajudar a abordagem destas questões,
seja através de reuniões e de debates periódicos, seja no cotidiano do serviço –
discutindo alguns casos, avaliando outros, recebendo aqueles que se agravam ou se
complicam.
Contudo, os problemas suscitados por esta clientela não se resolvem
simplesmente transferindo seu atendimento da Saúde Mental para o PSF. Quando se
faz apenas isto, o que acontece muito brevemente é que as agendas do PSF tornam-
se tão tomadas por estes usuários quanto antes o estavam as agendas da Saúde
Mental.
Logo, é preciso um duplo movimento. Por um lado, não se pode fechar as
portas do centro de saúde para essa clientela; por outro, há que encontrar, com eles,
espaços mais interessantes, fora e além do centro de saúde.

Os próprios trabalhadores da unidade básica – os do PSF ao lado dos da


Saúde Mental – podem desenvolver certas iniciativas: eventos culturais, atividades
esportivas ou de lazer, festas, encontros – mostrando a esses usuários que podemos
estar próximos a eles de outra maneira, sem atrelar nossa presença a consultas ou
remédios.

Este primeiro passo leva a outros, Inter setoriais: parcerias com trabalhadores
e serviços do Desenvolvimento Social, da Educação, dos Direitos Humanos, etc.
Assim, podem-se criar possibilidades de trânsito e de produção para estas pessoas –
que não têm encontrado outra maneira de pedir ajuda para seus problemas a não ser
revestindo seu apelo de uma roupagem médico-psicológica, endereçando-o
eternamente aos serviços de Saúde.

15.1-A ATUAÇÃO DA EQUIPE DE SAÚDE MENTAL NAS UNIDADES BÁSICAS

Muitas unidades básicas não possuem uma equipe de Saúde Mental – e nem
mesmo seria desejável que a possuíssem! A lotação ou não da equipe de Saúde
Mental numa unidade básica depende de aspectos epidemiológicos, demográficos, e
outros, que devem ser levados em conta na organização do Projeto de Saúde Mental
local.
Uma vez lotada numa determinada unidade, a equipe de Saúde Mental deve atender
também os pacientes de outras unidades próximas, que não contam com profissionais
da área.

As equipes do PSF devem assumir o acompanhamento daqueles portadores


de sofrimento mental em que o grau de complexidade do problema apresentado pelo
paciente e dos recursos necessários para seu cuidado forem menores (por exemplo:
neuróticos que não apresentem sintomas graves, psicóticos estabilizados, e outros).

Quando esse grau de complexidade extrapola as possibilidades dos


profissionais não especializados, o caso deve ser encaminhado para a unidade básica
mais próxima que disponha de profissionais de Saúde Mental.

Portanto, uma equipe de Saúde Mental necessita organizar bem a sua agenda,
em contato contínuo com as diferentes unidades básicas que ela referencia. A
priorização dos casos mais graves e complexos é o princípio que deve orientar essa
organização.

Assim, num trabalho articulado entre as unidades básicas ligadas a uma equipe
de Saúde Mental, é preciso definir bem os fluxos e os critérios de encaminhamento.

15.2-O FLUXO E OS CRITÉRIOS DE ENCAMINHAMENTO EM SAÚDE MENTAL

 Um paciente em crise não requer necessariamente o encaminhamento para


serviços específicos de Saúde Mental, como um CAPS: muitos deles, embora
requerendo um acompanhamento mais próximo, podem perfeitamente ser
acompanhados na unidade básica mais próxima que dispõe de equipe de
Saúde Mental.
 Num dado momento, podem impor-se medidas como a permanência-dia ou
noite, a demanda de cuidados intensivos, e quaisquer outras, enfim, que
extrapolem as possibilidades da unidade. Neste caso, o encaminhamento ao
CAPS mais próximo deve ser feito, pelo período de tempo estritamente
necessário, até que o paciente tenha condições de retornar à unidade básica.
 Há também pacientes muito graves que não se encontram em crise: psicóticos
por vezes “estáveis”, porém vivendo em situação de isolamento e apatia;
outros que vivem conflitos constantes com suas famílias; outros, ainda, que
tiveram sua integridade psíquica profundamente prejudicada por um longo
tempo de sofrimento mental, e/ou por uma história de cronificação institucional.
Estes pacientes devem ser avaliados pela Equipe de Saúde Mental. Deve-se
considerar, caso a caso, como atendê-los para além do mero alívio dos
sintomas pessoais ou familiares. Muitos deles estarão desejosos de falar:
cumpre ouvi-los! Muitos outros perderam já este desejo: cumpre suscitá-lo!
 Para a equipe de Saúde Mental é de grande importância, ainda, a prática da
referência e contra referência com os outros serviços da rede. Assim como o
CAPS deve receber um paciente que não vem respondendo ao
acompanhamento inicial na unidade básica, a unidade, por sua vez, deve
receber com presteza os egressos dos CAPS, dedicando-lhes a atenção e o
cuidado mais próximo e necessário a estes pacientes.
 Da mesma forma, a equipe de Saúde Mental de uma unidade básica deve
acolher aqueles casos das outras unidades básicas que referencia, quando
necessitam realmente de seus cuidados.
 A equipe de Saúde Mental deve também estimular os colegas não
especialistas, em sua unidade e naquelas que referencia, a acompanhar os
portadores de sofrimento mental que eles próprios têm condições de atender.
Para tanto, deve mostrar-se receptiva às dificuldades dos colegas, discutindo o
caso sempre quando houver demanda para tal, e avaliando-o, quando
necessário.
 Também os egressos dos hospitais psiquiátricos, nas regiões em que existem,
devem receber toda atenção da unidade básica – visando a tornar
desnecessária uma nova internação.
 Uma outra articulação muito importante da unidade básica é aquela que se faz
com os Centros de Convivência e serviços afins. A frequência destes serviços,
de forma simultânea ao acompanhamento na Unidade, é uma ajuda valiosa no
tratamento do paciente grave, possibilitando a reconstrução de laços e o
convívio social, para a qual o atendimento individual nem sempre basta.
 É preciso desmontar o velho costume de enviar os psicóticos apenas ou
principalmente para os psiquiatras. Todos os pacientes, neuróticos ou
psicóticos, necessitam de uma escuta – e todo profissional de Saúde Mental
deve ser capaz de oferecê-la, seja qual for o diagnóstico em questão.

 É importante lembrar que o portador de sofrimento mental pode participar dos


grupos de hipertensos, diabéticos, de mulheres, etc, realizados na unidade
básica.
Ao realizar essa proposta, pode-se verificar que a presença dos portadores de
sofrimento mental grave, longe de atemorizar os outros pacientes ou de perturbar o
funcionamento do serviço, contribui para criar na unidade básica um trabalho mais ágil
e menos rotineiro, lidando tranquilamente com as diferenças e os imprevistos.

15.3-AMBULATÓRIOS DE SAÚDE MENTAL

Durante muitas décadas, a única alternativa à internação psiquiátrica consistia


no tratamento em ambulatórios especializados de Saúde Mental. Contudo, de maneira
geral, essa alternativa não teve sucesso.

Nos municípios de maior porte, sobretudo, criaram-se “mega-ambulatórios”


onde atuavam um grande número de profissionais da Saúde Mental, sobretudo
psiquiatras.

A inexistência de trabalho em equipe, o atendimento automatizado e


essencialmente medicamentoso, baseado no procedimento da consulta, caracterizava
esses serviços. Suas agendas jamais priorizaram os portadores de sofrimento mental
grave. Pelo contrário, “psiquiatrizando” pessoas com problemas emocionais mais leves
foram em grande parte os responsáveis pela criação da clientela de usuários crônicos
de benzodiazepínicos e antidepressivos, descrita quando se tratou das unidades
básicas de Saúde.

Assim, os ambulatórios de Saúde Mental já não são serviços preconizados pela


Reforma Psiquiátrica. Isto não retira a importância do atendimento ambulatorial, ou
seja, do atendimento diário, semanal ou mensal dos portadores de Saúde Mental que
não requerem uma assistência tipo permanência-dia ou noite. O que se modifica é a
lógica desse atendimento, assim como o espaço de sua realização: deve fazer-se
preferencialmente na unidade básica de saúde, seja pela equipe do PSF, nos casos
mais simples, seja pela equipe de Saúde Mental, nos mais complexos.

Por vezes, é importante, também, que esse tipo de atendimento se faça no


CAPS – por exemplo, no caso de um paciente muito ligado ao CAPS, mas que já não
necessita permanecer ali se pode atendê-lo uma vez por semana naquele serviço, até
que chegue o momento adequado de seu encaminhamento para a unidade básica.

Contudo, embora já não vigore a tendência de criar ambulatórios


especializados em Saúde Mental, esses serviços existem em muitos municípios.
Colocam-se, pois, as perguntas: primeiro, é possível utilizá-los de acordo com as
propostas da Reforma Psiquiátrica? E, em caso afirmativo, como inseri-los nessa
perspectiva?

No caso dos “mega-ambulatórios” já descritos, a prática já se cornificou há


muito, sendo serviços pouco flexíveis para uma verdadeira reestruturação. Nesses
casos, é melhor caminhar progressivamente para extingui-los, substituindo-os pelos
outros tipos de serviços e recursos já descritos neste capítulo.

Por outro lado, geralmente em municípios menores, costuma haver


ambulatórios de Saúde Mental que podem funcionar ou mesmo já funcionam de uma
outra maneira. São (ou podem tornar-se!) serviços ágeis e acolhedores, que
constituem uma referência importante para a população. Nestes casos, além dos
atendimentos individuais, costumam realizar oficinas, grupos e outras atividades com
os usuários; acolhem casos mais graves, muitas vezes evitando a internação; atuam
em equipe; têm uma relação mais viva e próxima com a cidade.

Em suma, dentro das limitações de sua estrutura física e recursos humanos,


funciona mais como um CAPS e/ou Centro de Convivência do que como um
ambulatório, no sentido estrito da palavra.

Nestes casos, tais serviços devem ser estimulados a continuar funcionando


sempre e mais desta maneira – caminhando no sentido de tornar-se efetivamente um
CAPS, assim que a gestão do município lhes ofereça recursos para tal.

16.0-PROJETOS DE SAÚDE MENTAL: CONSTRUÇÃO COLETIVA


Uma rede de atenção à Saúde Mental compõe-se de ações e de serviços
diversos. Contudo, ela somente funciona de fato como rede quando é criada e
ordenada a partir de um Projeto de Saúde Mental.

Para atender às diretrizes da Reforma Psiquiátrica, tais como definidas nas III
Conferências Estadual e Nacional de Saúde Mental, esse Projeto deve reorientar o
modelo de assistência, através de ações e de serviços substitutivos ao hospital
psiquiátrico, que possibilitem sua superação.

Para concretizar-se, esse Projeto pode necessitar dos mais variados


dispositivos. Alguns deles, descritos neste capítulo, pertencem de forma mais estrita à
área da Saúde: consistem nas atividades específicas de Saúde Mental que se
executam em serviços de Saúde, como unidades básicas ou hospitais gerais, e
também nos serviços de Saúde destinados especificamente aos portadores de
sofrimento mental, como os CAPS. Outros, abordados no capítulo seguinte, vão além
da esfera da Saúde: são os Centros de Convivência, os Grupos de Produção, as
Moradias, as formas diversas de mobilização e de controle social.

Contudo, devemos lembrar: dispor de todos esses recursos não bastos para
assegurar um Projeto de Saúde Mental. Um Projeto não consiste simplesmente na
administração dos serviços existentes, ou na criação de novos serviços. Trata-se de
uma construção coletiva, tendo como parceiros o poder público, os trabalhadores e as
instâncias de controle social. Uma pergunta guia esta construção: o que é preciso
fazer para que os portadores de sofrimento mental deste município, ou desta região,
sejam tratados como cidadãos?

O que é preciso fazer depende, é claro, das singularidades de cada município


ou região. Se um mesmo princípio – o da cidadania – vale para todos, as estratégias
são diferentes, assim como são diferentes as necessidades.

Assim, uma cidade muito pequena não necessita de um CAPS, mas deve
haver um CAPS de referência em sua microrregião. Uma cidade de médio porte pode
não precisar de um CAPS 24 horas, mas deve ter sua estratégia para atendimentos de
urgência noturnos, como, leitos em hospital geral. Uma região onde há grande
concentração de leitos psiquiátricos necessitará de um grande investimento em
moradias protegidas – que são muitas vezes desnecessárias onde não há hospitais.
Um ambulatório de Saúde Mental pode caminhar para tornar-se um CAPS. Compete a
cada local uma forma própria de criar e de articular seus serviços, conforme as
necessidades reais que se apresentam.

Outro fator a ser levado em conta é o investimento do gestor diante dessas


necessidades: um município pode necessitar urgentemente de um ou mais CAPS,
sem que a administração local se decida a construí-lo. Nestes casos, compete à
equipe utilizar, à melhor maneira possível, os recursos existentes – enquanto se alia
às instâncias de controle social para obter aqueles que faltam.
Contudo, a potência um Projeto de Saúde Mental depende, sobretudo da
capacidade de estabelecer a estratégia de suas prioridades. Quais serviços devem ser
criados primeiro? Dos serviços existentes, quais devem ter sua função readaptada,
quais devem ser gradativamente desmontados? O que é mais importante e mais
viável, nesse momento e nessa conjuntura: investir no bom funcionamento da unidade
básica, ou criar um CAPS? Mais adiante, quais devem ser os próximos passos?

Afinal, um Projeto de Saúde Mental não nasce pronto, nem se implanta inteiro
de uma só vez: seu traçado, sua implantação, seu estilo, são sempre singulares,
conforme as singularidades locais.

De qualquer forma, será um Projeto de Saúde Mental coerente e eficaz,


sempre e quando seus diferentes serviços se articulam uns aos outros, visando a um
objetivo comum: prescindir do hospital psiquiátrico e sua lógica, assegurando a todos
os usuários o acesso à rede de cuidados, e construindo com eles condições para sua
vida livre, autônoma e participativa no cenário da cidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental. Diário oficial da união. Brasília, DF, n.69-E, 09 abr. 2001. Seção 1,
p. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. SvS/cN-

DST/aiDS: a política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de


álcool e outras drogas. 2. ed. Brasília, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde – Reforma Psiquiátrico e Política de Saúde Mental no


Brasil – Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos
Depois de Caracas. Brasília, 07 a 10 de novembro de 2005.

______. Relatório de Gestão 2003-2006: saúde mental no SUS acesso ao


tratamento e mudança do modelo de atenção. Brasília, 2007.

MACHADO, A. L.; COLVERO, L, A. Saúde mental: texto de referência para


auxiliares e técnicos de enfermagem. São Paulo: Difusão, 2009.

MINAS GERAIS. Secretaria Estadual de Saúde – Atenção em saúde mental - Linha


guia. Belo horizonte: SES, 2007. 234 p.

STEFANELLI, M. C.; FAKUDA, I. M.; ARANTES, E. C. Enfermagem psiquiátrica em


suas dimensões assistenciais. São Paulo: Manole, 2008.

TAYLOR, C. M. Fundamentos de enfermagem psiquiátrica de Mereness. 13. ed.


Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

17.0-A COMUNICAÇÃO DO PACIENTE PORTADOR DE SOFRIMENTO PSÍQUICO

Comunicação verbal ou lógica

 É a emissão de uma mensagem por meio de uma palavra falada ou escrita.

 A linguagem verbal é uma linguagem lógica que transmite o que se pensa, ou o


que diz que se sente, mas não propriamente o que é sentido.

Comunicação não verbal ou analógica.

 É o conjunto de sinais que intervêm na comunicação, e que proporcionam uma


grande quantidade de informação, por vezes em contradição com a verbal.

 O não verbal é mais difícil de falsear, por isso tem mais crédito.

Código de comunicação não verbal:

 O tom, volume, a ênfase, o ritmo etc. da linguagem falada.


 Gestos faciais(expressão facial), o olhar, o sorriso, os gestos que se fazem
com as mãos ou com o resto do corpo.

 A proxêmia: o uso da distância ou espaço corporal em relação aos restantes.


Quanto mais próximo, mais intimidade.

Código de comunicação não verbal:

 Os movimentos corporais, a postura adotada.

 O emprego dos objetos ou acessórios, como o vestuário, adornos pessoais etc.


Tudo isso vai influenciar na primeira impressão que se tem de uma pessoa e
que modificará progressivamente ao adicionar outros dados da realidade.

A linguagem não verbal = atitudinal

 Transmite informações do tipo de relação, do modo como essa relação se


desenvolve, afeto existente entre o emissor e o receptor.

 Resumindo: esta linguagem fala da disposição afetiva e das atitudes.

A linguagem não verbal também é chamada de analógica

 Razão: existe uma analogia entre o significante e o significado.Ex. uma pessoa


com raiva bate na mesa, mas na realidade ela gostaria é de bater no
interlocutor.

 É um código espontâneo e menos submetido ao controle do consciente.

18.0-INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS EM SAÚDE MENTAL

As intervenções terapêuticas compreendem um amplo grupo de atuações , que


podem ir desde o apoio, que inclui um aperto de mãos ou um olhar, a uma intervenção
farmacológica, psicoterapêutica ou social.

Apoio

• Familiares;

• Equipe multiprofissional;

• Qualquer pessoa que se encontre ao lado do paciente.

Atuação psicoterapêutica

• É baseada na relação interpessoal e, para que esta aconteça, é importante que


existam pelo menos duas pessoas, neste caso o paciente e um profissional.
O contato de pessoa a pessoa.

• O paciente por mais privado da razão que seja é uma pessoa, e o profissional,
apesar de todos os conhecimentos, relaciona-se através da sua pessoa(dos
seus sentimentos, emoções, da sua história pessoal etc.).

Meios terapêuticos existentes para o tratamento da doença mental:

• Biológicos,

• Psicoterapêuticos,

• Socioterapêuticos.

Para tratar o doente mental é preciso:

• Saber: conhecer o tipo de doença de que sofre o paciente;

• Escolher: optar pelo tipo de tratamento;

• Respeitar: o paciente.

(Tratado de psiquiatria, Ey Bernard e Brisser(1978))

Princípios básicos para a psicoterapia:

• Encontro: situação existencial onde duas pessoas se envolvem( paciente e


profissional).

• Compreensão: o profissional deve colocar-se no lugar do paciente.

• Restauração: fazer o paciente voltar a normalidade.

Para qualquer atuação terapêutica, tem de haver o encontro , que se traduz no


seguinte poema:

“Eu retirarei os teus olhos,

E os colocarei no lugar dos meus;

Tu retirarás os meus olhos,

E os colocarás no lugar dos teus,

Assim te poderei ver com os teus próprios olhos,

E tu me verás a mim com os meus”.


Os objetivos do tratamento são:

• Eliminar sintomas incapacitantes;

• Fortalecer a personalidade do paciente;

• Capacitar o paciente para o desenvolvimento das suas possibilidades: que se


sinta mais feliz, que resolva suas necessidades pessoais, que se converta num
ser humano eficiente e produtivo.

Intervenções biológicas

• Desenvolvimento da psicofarmacologia em 1952, o que revolucionou o


tratamento do paciente em saúde mental.

• Os psicofármacos, em alguns casos, são imprescindíveis para iniciar o


tratamento psicoterapêutico.

19.0-O USO ABUSIVO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

O abuso de álcool e de outras drogas representa inegavelmente um grave


problema da sociedade contemporânea – particularmente o alcoolismo, considerando
que 12 % da população adulta, em algum momento da vida, têm problemas
associados ao uso de álcool, e 6% é dependente.

Essa situação é assumida como grave problema de Saúde Pública pelo


Ministério da Saúde, que afirma considerar sua abordagem como responsabilidade de
todos os níveis de atenção do SUS. Conforme o documento A Política do Ministério da
Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e de Outras Drogas, a
universalidade de acesso, a integralidade e o direito à assistência devem ser
assegurados a esses usuários, por meio de redes assistenciais descentralizadas, mais
atentas às desigualdades existentes, ajustando de forma equânime e democrática as
suas ações às necessidades da população.

Esse importante reconhecimento do Ministério da Saúde não nos deve fazer


esquecer que o abuso de álcool e de outras drogas, por sua gravidade e abrangência,
não admite soluções apenas no campo da Saúde, mas deve envolver uma abordagem
amplamente intersetorial, que trate dos problemas da violência urbana, das injustiças
sociais, das graves desigualdades de acesso à educação, ao trabalho, ao lazer e à
cultura.

Alguns princípios para a abordagem dos usuários de álcool e de outras drogas

 O modelo da redução de danos, sem preconização imediata de abstinência,


tem se mostrado a estratégia mais adequada para essa abordagem, por
resgatar o usuário em seu papel autorregulado.
 Deve-se promover o acesso e a garantia de atendimento nos serviços mais
próximos do convívio social de seus usuários: as unidades básicas de saúde,
os Centros de Atenção Psicossocial para Usuários de Álcool e de Outras
Drogas (CAPS ad), leitos em hospital geral, etc.
 É necessário desconstruir o preconceito segundo o qual todo usuário de droga
é um doente e/ou delinquente, que requer internação e/ou prisão.
 A mobilização da sociedade civil é fundamental: deve-se oferecer-lhe
condições de participar de práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras,
bem como estabelecer parcerias locais para o fortalecimento das políticas
municipais e estaduais.
 Convém incentivar iniciativas locais, em parcerias entre organizações
governamentais e não governamentais, que possibilitem o acesso a atividades
sociais, esportivas, artísticas.
 Deve-se promover políticas sociais de habitação, trabalho, lazer, esporte,
educação, cultura, enfrentamento da violência urbana, assegurando a
participação intersetorial em relação a outros Ministérios, organizações
governamentais e não-governamentais e demais representações e setores da
sociedade civil organizada.
 É preciso rediscutir com seriedade os critérios, muitas vezes arbitrários e
confusos, que distinguem drogas lícitas e ilícitas, assim como a criminalização
do usuário de drogas – efetuando, quando necessárias e justas modificações
nas legislações vigentes.

O uso abusivo de álcool e outras drogas e sua abordagem

Entenderemos aqui por uso abusivo de álcool e/ou outras drogas o uso
compulsivo e frequente desta(s) substância(s), que o usuário tem dificuldade em
manter sob controle, acarretando abandono de outros interesses e danos para a sua
vida afetiva, social e profissional.

O uso abusivo de álcool pode provocar tolerância, caracterizada pelo aumento


da quantidade em busca do mesmo efeito, assim como sintomas de abstinência após
suspensão brusca do seu uso. Nesses casos, falamos em dependência.

O abuso de álcool pode evoluir para outras manifestações clínicas, que


descreveremos mais adiante. Contudo, esse uso por si mesmo constitui um problema
clínico importante, pelos danos que traz à vida do paciente e de seu círculo
sociofamiliar.

Observações importantes para a abordagem do usuário de álcool e outras


drogas
 O abuso de álcool e de outras drogas relaciona-se, muitas vezes, a uma
compulsão intensa (“fissura”), que pode ou não ser agravada por fatores
sociais. Mas pode ser também apenas um hábito socialmente adquirido, que a
pessoa vem a abandonar ou a substituir por outros, sem maiores dificuldades.
Daí a importância da atenção à particularidade de cada caso, e às diferentes
maneiras de relação dos usuários com as drogas.
 Tanto neuróticos como psicóticos podem fazer uso abusivo de substâncias
psicoativas. No caso dos segundos, esse abuso pode estar relacionado a uma
tentativa de aliviar os próprios sintomas da psicose.
 Devemos lembrar-nos sempre que a compulsão a usar álcool não é diferente,
em sua essência, de outros tipos de compulsão como: jogar demais, comer
demais, comprar demais, etc. Portanto, devemos evitar posturas moralistas
relativas ao álcool, substituindo-as por uma interrogação: por que o ser
humano pode, em dadas circunstâncias, fazer deliberadamente certas coisas
que o prejudicam? Avançamos no tratamento, quando conseguimos partilhar
com o paciente esta preocupação.

19.1-Manifestações clínicas do abuso de álcool e outras drogas

Como vimos, o abuso de álcool e outras drogas pode ser em si mesmo um


grave problema, de tratamento necessário e difícil. Contudo, este abuso pode ou não
ser acompanhado de outras manifestações clínicas, que descreveremos a seguir.
Tendo em vista a importância epidemiológica e clínica do alcoolismo, preponderantes
em relação ao abuso de outras drogas dividirão essas manifestações em duas partes:
as manifestações clínicas do abuso de álcool, e as manifestações clínicas do abuso de
outras drogas.

Algumas manifestações clínicas do alcoolismo

Essas manifestações serão situadas aqui em três grupos:

a) Transtornos mentais agudos e subagudos


B) Transtornos orgânicos

a) Transtornos mentais agudos e subagudos

19.1.1-Intoxicação alcoólica
É o quadro que conhecemos como embriaguez – ou seja, o paciente se encontra sob
efeito intenso de bebidas alcoólicas recentemente ingeridas.

Eventualmente pode causar depressão respiratória, levando ao coma e à morte.


A intoxicação leve e moderada não necessita de tratamento especial.

Em quadros de intensa agitação ou agressividade, está indicado o emprego de um


neuroléptico. Convém lembrar que esses tranquilizantes são indicados nos quadros de
agitação, porém não devem ser utilizados nos sintomas que constituem a síndrome de
abstinência.
19.1.2-Síndrome de abstinência alcoólica

É um quadro relativamente frequente, em que se manifestam sintomas físicos –


tremores, sudorese, convulsões, taquicardia – e psíquicos – ansiedade, pesadelos,
alterações do nível da consciência acompanhada de alucinações (onirismo).

Contudo, quadros clínicos semelhantes podem surgir não num período de abstinência,
mas também, segundo Henri Ey e outros autores, por ocasião de um aumento
importante na ingestão de bebida.

De qualquer forma, esses quadros aparecem sempre sobre um fundo de intoxicação


crônica. Os benzodiazepínicos são um recurso terapêutico importante.

Pode manifestar-se de forma aguda (delirium tremens) ou sub-aguda (delirium


alcoólico subagudo), como veremos abaixo.

19.1.3-Alucinose alcoólica
São quadros nos quais, por um lado, a orientação é preservada, não havendo
alterações significativas do nível de consciência.

Por outro lado, a atividade alucinatória predominante é auditiva, e não visual


sobrevindo quase sempre à noite. A evolução costuma transcorrer em dias ou
semanas, caminhando para a cura, com desaparição das alucinações.

Preferencialmente, usam-se benzodiazepínicos; mas não se descarta o recurso a


antipsicóticos, particularmente o haloperidol, em baixas doses.

b) Transtornos orgânicos

Devemos sempre ter em mente que o alcoolismo frequentemente causa, precipita ou


agrava doenças orgânicas.

Sugerimos a investigação e o tratamento destes aspectos, assim como toda atenção


quanto às condições físicas do paciente.

20.0-Manifestações clínicas do abuso de outras drogas

As drogas são classificadas conforme sua ação no Sistema Nervoso Central como:
 Depressoras: álcool; opiáceos (morfina, heróina, codeína, meperidina),
barbitúricos, inalantes ou solventes (colas, tintas, removedores, etc.) e
ansiolíticos.
 Estimulantes: anorexígenos, cafeína, nicotina, cocaína e crack.
 Perturbadoras: mescalina, maconha, chá de lírio, LSD, êxtase.
As drogas que provocam manifestações clínicas mais significativas são as
depressoras por apresentarem dupla dependência, física e psicológica – acarretando
efeitos de tolerância e abstinência.

Estas manifestações dividem-se em quatro tipos:

 A intoxicação, ou seja, os efeitos imediatos que se seguem ao uso da droga.


 A síndrome de abstinência, que pode assumir feições específicas no caso de
algumas drogas, mas se caracteriza, em geral, por ansiedade, irritabilidade,
tremor, distúrbios do sono, pesadelos, sudorese, taquicardia.
 O delirium, com características semelhantes aos demais quadros de delirium,
já estudados nesta Linha-Guia.

O transtorno psicótico, ou seja, transtornos que apresentam sintomas semelhantes


aos das psicoses, como ideação persecutória, sob um fundo de clareza de
consciência. Contudo, esses quadros costumam ser transitórios e reversíveis.

O percurso do usuário de álcool e de drogas na rede de assistência à Saúde

São distintas as formas de atendimento e os tipos de serviço requeridos pelo usuário


de álcool e de outras drogas, conforme as peculiaridades de sua condição num
momento dado.

A unidade básica de Saúde e o usuário de álcool e outras drogas


A unidade básica de Saúde tem uma atuação de grande importância, sob os seguintes
aspectos:
 Promoção de atividades coletivas e intersetoriais, que visem a prevenir o
alcoolismo (atendimento a grupos de risco, debates, atividades culturais, etc).
 Identificação dos casos mais recentes e menos graves de abuso de álcool e de
outras drogas, pela equipe do PSF, com a ajuda da equipe de Saúde Mental.
Nestes casos, são maiores as chances de sucesso do tratamento, que devem
abranger os aspectos físicos, psíquicos e sociofamiliares envolvidos.
 Tratamento, pela equipe do PSF, das doenças orgânicas associadas ou
causadas pelo alcoolismo.
 Atendimento, pela equipe de Saúde Mental, daqueles casos um pouco mais
graves, incluindo: a construção de uma demanda de redução de danos, pelo
atendimento individual com um profissional de Saúde Mental; tratamento de
casos relativamente brandos de síndromes de abstinência (delirium) e
transtornos psicóticos relacionados ao uso abusivo de álcool e de outras
drogas.
 Encaminhar casos que exijam atendimento de maior complexidade para os
serviços adequados.
 Receber os usuários encaminhados por esses outros serviços, quando se
encontrarem em condições de tratamento na unidade básica.
21.0-O CAPS-AD

Os CAPS-ad, instituídos pela portaria ministerial nº 336 de 10 de fevereiro de 2002, já


funcionam em diversos municípios brasileiros. Vejamos algumas de suas funções mais
importantes:

 Acolher em regime intensivo (permanência no serviço em todos os dias da


semana), semi-intensivo (idem, por alguns dias da semana) ou não-intensivo
(apenas alguns dias do mês), aqueles usuários que estão usando álcool e
drogas de forma excessiva e perigosa.
 Buscar o consentimento e a participação do usuário em seu tratamento.
 Ajudá-lo a minimizar ou a suspender o uso descontrolado de álcool e de outras
drogas, limitando, ao menos provisoriamente, o acesso irrestrito a estas
substâncias, a proximidade do ambiente do narcotráfico, a freqüência do grupo
junto ao que bebe ou usa drogas, etc.
 Oferecer, como nos outros CAPS, vinculação e atendimento individual com o
técnico de referência, e acesso aos outros recursos previstos no projeto
terapêutico (medicamentos, acompanhamento clínico, atividades socializantes,
oficinas, grupos, etc).
 Promover a inserção do usuário em outros equipamentos e espaços sociais
(escolas, centros de convivência, atividades culturais, esportivas, de lazer e
outras).
 Estimular a organização destes usuários em associações de defesa de seus
direitos de cidadania.
 Encaminhá-los para outros serviços de maior complexidade quando necessário
(por exemplo, casos de maior gravidade clínica para os hospitais gerais).
 Encaminhá-los para a unidade básica, quando chegar o momento adequado,
para continuidade do tratamento.
 Manter as portas abertas para o usuário, a cada vez que ele necessite de um
novo período de afastamento das drogas, compreendendo que as recaídas são
frequentes e devem ser tratadas.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:

http://www.fasa.edu.br/images/pdf/Linha_guia_saude_mental.pdf. Acesso em
29/11/2013.

Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Linha Guia de Atenção à


Saúde Mental, 2006. Disponível em
<http://www.saude.mg.gov.br/publicacoes/linha-guia/linhas-guia/linhas-guia>.
Acesso em 03 dez 2013.
http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/vpc/creditos.html.
Acesso em 29/11/2013.

HOFLING, Charles. Conceitos Básicos em Enfermagem Psiquiátrica. Rio de


Janeiro: Editora Guanabara. 1995.

22.0-A LEGISLAÇÃO EM SAÚDE MENTAL

A Declaração de Caracas, 1990, foi o marco da Reforma Psiquiátrica nas Américas.


Com a adesão do governo brasileiro, deu-se o início ao processo legal da
reestruturação da assistência em Saúde Mental no país.

AS LEIS FEDERAIS

As novas legislações em Saúde Mental aqui referidas encontram sustentação


na Constituição Federal de 1988, que elenca em seu Título II, Capítulo I, o rol dos
direitos e garantias fundamentais de todos os residentes no país, conforme dispõe o
art. 5º caput “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros, e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”

No que diz respeito à Saúde, o direito do cidadão é garantido pelo poder


público nas esferas federal, estadual e municipal por meio de políticas voltadas para
diminuir o risco de doenças e que possibilitem a implementação de ações e serviços
de promoção, de proteção e de recuperação da saúde, constituindo o Sistema Único
de Saúde, criado pela Constituição Federal em vigor. O Sistema Único de Saúde foi
regulamentado pela lei nº 8.080, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, e pela Lei
8.142/90, que trata da participação da comunidade na gestão do SUS e das
transferências intergovernamentais de recursos financeiros. O SUS possui, ainda,
normas e regulamentos que disciplinam as políticas de ações em cada esfera
governamental.

A legislação sanitária brasileira é reconhecida internacionalmente como uma


das mais avançadas neste campo.

Na área específica da Saúde Mental, a Lei Federal nº 10.216 de 06/04/01


(também conhecida como Lei Paulo Delgado, ou Lei da Reforma Psiquiátrica), após
doze anos de tramitação no Congresso Nacional, foi enfim aprovada. Garante a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, sem qualquer
discriminação; preconiza cuidado especial com a clientela internada por longos anos;
prevê a possibilidade de punição para a internação involuntária arbitrária e/ou
desnecessária; e redireciona o modelo assistencial para serviços abertos e inseridos
na comunidade, que substituirão gradativamente o tratamento em regime fechado.
Tem como base o projeto do deputado mineiro Paulo Delgado, elaborado a partir de
discussão do movimento da luta antimanicomial, aprovado com algumas modificações.
Constitui um dos atuais respaldos legais da Reforma Psiquiátrica.

A Lei nº 10.708 de 31/7/2003, aprovada em curto prazo pelo Congresso


Nacional, instituiu o Programa De Volta para Casa. Esta nova lei possibilita a alta e a
reinserção social de pessoas internadas há mais de dois anos em hospitais
psiquiátricos.

Recebendo uma bolsa-auxílio reabilitação, estas pessoas podem retornar para


o próprio lar, ou para lares substitutos, ou para moradias protegidas. A cada alta
hospitalar, sucede-se o fechamento do respectivo leito. As diretrizes desta nova lei
foram, na verdade, gestadas desde 1993: um Grupo de Trabalho, convocado pelo
Ministério da Saúde, produziu a proposta do Programa de Apoio à Desospitalização
(PAD), cuja diretriz básica de redirecionar os recursos gastos com a internação para
viabilizar a reinserção social é retomada na lei 10.708.

AS LEIS E DECRETOS ESTADUAIS

A legislação estadual mineira – Lei nº 11.802 de 18/01/95 (Lei Carlão), modificada pela
Lei nº 12.684 de 01/12/97, ambas regulamentadas pelo Decreto nº 42.910, de
26/09/02 – dispõe sobre a promoção da saúde e da reintegração social do portador de
sofrimento mental: determina as ações e serviços de Saúde Mental substitutivos aos
hospitais psiquiátricos e a extinção progressiva dos mesmos; regulamenta as
internações, especialmente a involuntária; dá ainda outras providências.

Esta nova legislação, formulada através de ampla discussão social, constitui um marco
relevante para o avanço da Reforma Psiquiátrica em Minas Gerais.
Outras leis estaduais.

Vários outros Estados brasileiros também possuem leis de Reforma Psiquiátrica, a


saber: Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do
Norte e Rio Grande do Sul.

MENÇÕES AOS PORTADORES DE SOFRIMENTO MENTAL NOS CÓDIGOS


PENAL E CIVIL BRASILEIROS

Código penal

O Código Penal Brasileiro, modificado pela lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984,


contém nos artigos 26,27e 28; art.83 e artigos 96, 97,98 e 99 disposições a respeito
dos atos infracionais praticados por pessoas portadoras de transtornos mentais.

Vejamos alguns pontos essenciais. Um deles é a isenção de pena para a pessoa que,
“por doença mental, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato”: esta pessoa é considerada inimputável. Caso seja ao
menos parcialmente capaz deste entendimento, não há isenção de pena, mas
possibilidade da sua redução.
O outro ponto se refere às medidas de segurança: para os portadores de sofrimento
mental inimputáveis, a pena é substituída pelas medidas de segurança, que consistem
na internação em hospitais de custódia e de tratamento psiquiátrico (ou manicômios
judiciários) ou, à falta destes, em outro estabelecimento adequado; ou ainda, conforme
o caso, em tratamento ambulatorial. Estes tratamentos são obrigatórios, por tempo
indeterminado, e perduram até que, mediante perícia médica, seja afirmada a
cessação de periculosidade.

Código civil

No antigo Código Civil, de 1916, eram definidos como “absolutamente incapazes de


exercer pessoalmente os atos da vida civil”, dentre outros, os ”loucos de todo gênero”
(expressão utilizada literalmente no Código). Havia, pois, uma vinculação pré-
estabelecida entre formas graves de sofrimento mental e incapacidade: todo “louco”
era, em princípio, considerado civilmente incapaz.

No novo código, de 2002, houve um avanço importante. O texto citado anteriormente


foi modificado, tendo agora a seguinte redação, no artigo 3º: “São absolutamente
incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática destes atos”.

Como se vê, houve um avanço significativo. A equivalência estabelecida no código


anterior não está mais presente, ou seja, o portador de transtornos mentais não é
automaticamente considerado incapaz. Só o será se o seu transtorno mental interferir
diretamente no seu discernimento ou na manifestação da sua vontade.

Ainda, na categoria de incapacidade relativa, o Código antigo situava apenas os


pródigos. O novo código considera relativamente incapazes, relativamente a certos
atos ou à maneira de exercê-los, além dos pródigos, também os ébrios habituais, os
viciados em tóxicos, e o deficiente mental, os excepcionais sem o desenvolvimento
mental completo – desde que tenham discernimento reduzido.

Quando o portador de sofrimento mental é considerado civilmente incapaz, de acordo


com estes critérios, sua interdição, relativa ou absoluta, é promovida mediante
solicitação de familiares ou do Ministério Público, ou seja, solicita-se que a pessoa,
considerada louca, seja impedida de exercer os atos da vida civil. Caso aceite o
pedido de interdição, o juiz nomeia um curador, ou seja, outra pessoa,
preferencialmente o familiar mais próximo, que deve passar a cuidar dos interesses da
pessoa curatelada.

Na prática, a interdição e a curatela muitas vezes são solicitadas e concedidas


indevidamente, incapacitando e limitando as possibilidades de decisão e escolha de
portadores de sofrimento mental que se encontra em plenas condições de exercê-las.
Além do mais, certos auxílios-doença, como o Benefício de Prestação Continuada da
Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), são, lamentavelmente, atrelados à
interdição prévia do paciente, identificando de forma equivocada a incapacidade civil,
e, portanto, a necessidade de interdição e curatela, com a incapacidade laborativa.
Este grave equívoco encontra respaldo legal através de decretos-leis que modificaram
o primeiro parágrafo do artigo 162 da Lei 8.213/91, da seguinte forma: “É obrigatória a
apresentação do termo de curatela, ainda que provisória, para a concessão da
aposentadoria por invalidez decorrente de doença mental”.

RESOLUÇÕES ESTADUAIS E PORTARIAS MINISTERIAIS

Resoluções estaduais

Destacamos as seguintes: a Resolução nº 068/2001 que aprova a desospitalização


progressiva em Saúde Mental no Estado de Minas Gerais, por meio da implantação de
serviço residencial terapêutico em Saúde Mental; e a Resolução nº 088/2004, que
trata da regulação das internações psiquiátricas no Sistema Único de Saúde do
Estado de Minas Gerais.

Portarias ministeriais

Existem várias Portarias Ministeriais, que são normas legais reguladoras da rede de
atenção à Saúde Mental, emitidas pelo Poder Executivo. Dentre elas, destacamos:
 A Portaria nº 336, resultado de um longo e coletivo processo de revisão da
histórica portaria nº 224, que estabeleceu a tipologia dos CAPS, distinguindo
os CAPS pelo porte (I, II, III) e pela finalidade (atendimento a transtornos
mentais graves e persistentes em clientela adulta, infanto-juvenil e usuários de
álcool e outras drogas). Nesta portaria, importa ressaltar também a criação das
modalidades de cuidado “intensivo”, “semi-intensivo” e “não intensivo”,
introduzindo uma dimensão clínica ainda não abordada em ato normativo.
 A Portaria nº 251 de 31/02/02 estabelece diretrizes e normas para a assistência
hospitalar em psiquiatria, reclassifica os hospitais psiquiátricos, define e
estrutura a porta de entrada para as internações psiquiátricas na rede do SUS.
 O Ministério da Saúde edita periodicamente edições referentes a Legislação
em Saúde Mental. A última edição reúne o conjunto de atos legais que
norteiam esse processo, do período de 1990 a 2004 e pertence à Série E.
Legislação de Saúde. O conteúdo desta Série pode ser acessado na página
www.saude.gov.br/editora.

LEI No 10.708, DE 31 DE JULHO DE 2003.

Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para


pacientes acometidos de transtornos mentais
egressos de internações.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta


e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Fica instituído o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência,
acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes
acometidos de transtornos mentais, internados em hospitais ou unidades psiquiátricas,
nos termos desta Lei.

Parágrafo único. O auxílio é parte integrante de um programa de ressocialização


de pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado "De Volta
Para Casa", sob coordenação do Ministério da Saúde.

Art. 2o O benefício consistirá em pagamento mensal de auxílio pecuniário,


destinado aos pacientes egressos de internações, segundo critérios definidos por esta
Lei.

§ 1o É fixado o valor do benefício de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais),


podendo ser reajustado pelo Poder Executivo de acordo com a disponibilidade
orçamentária.

§ 2o Os valores serão pagos diretamente aos beneficiários, mediante convênio


com instituição financeira oficial, salvo na hipótese de incapacidade de exercer
pessoalmente os atos da vida civil, quando serão pagos ao representante legal do
paciente.

§ 3o O benefício terá a duração de um ano, podendo ser renovado quando


necessário aos propósitos da reintegração social do paciente.

Art. 3o São requisitos cumulativos para a obtenção do benefício criado por esta
Lei que:

I - o paciente seja egresso de internação psiquiátrica cuja duração tenha sido,


comprovadamente, por um período igual ou superior a dois anos;

II - a situação clínica e social do paciente não justifique a permanência em


ambiente hospitalar, indique tecnicamente a possibilidade de inclusão em programa de
reintegração social e a necessidade de auxílio financeiro;

III - haja expresso consentimento do paciente, ou de seu representante legal, em


se submeter às regras do programa;

IV - seja garantida ao beneficiado a atenção continuada em saúde mental, na


rede de saúde local ou regional.

§ 1o O tempo de permanência em Serviços Residenciais Terapêuticos será


considerado para a exigência temporal do inciso I deste artigo.

§ 2o Para fins do inciso I, não poderão ser considerados períodos de internação


os de permanência em orfanatos ou outras instituições para menores, asilos,
albergues ou outras instituições de amparo social, ou internações em hospitais
psiquiátricos que não tenham sido custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS ou
órgãos que o antecederam e que hoje o compõem.

§ 3o Egressos de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico poderão ser


igualmente beneficiados, procedendo-se, nesses casos, em conformidade com a
decisão judicial.

Art. 4o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será suspenso:

I - quando o beneficiário for reinternado em hospital psiquiátrico;

II - quando alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do


paciente.

Art. 5o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será interrompido, em


caso de óbito, no mês seguinte ao do falecimento do beneficiado.

Art. 6o Os recursos para implantação do auxílio-reabilitação psicossocial são os


referidos no Plano Plurianual 2000-2003, sob a rubrica "incentivo-bônus", ação 0591
do Programa Saúde Mental no 0018.

§ 1o A continuidade do programa será assegurada no orçamento do Ministério da


Saúde.

§ 2o O aumento de despesa obrigatória de caráter continuado resultante da


criação deste benefício será compensado dentro do volume de recursos mínimos
destinados às ações e serviços públicos de saúde, conforme disposto no art. 77 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias.

Art. 7o O controle social e a fiscalização da execução do programa serão


realizados pelas instâncias do SUS.

Art. 8o O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.

Art. 9o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 31 de julho de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Humberto Sérgio Costa Lima
Ricardo José Ribeiro Berzoini
ATIVIDADE 01 DE FIXAÇÃO - 2º ETAPA / ENFERMAGEM
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA LOUCURA E PSIQUIATRIA

01- Considerando o período da Antiguidade responda:

a- Cite três tratamentos administrados nas pessoas portadoras de sofrimento mental.

b- Quem era o principal responsável pelo aparecimento da doença mental?

c- Como a sociedade tratava esse doente?

ATIVIDADE 02 DE FIXAÇÃO - 2º ETAPA / ENFERMAGEM


REFORMA PSIQUIÁTRICA

RESPONDA AS QUESTÕES ABAIXO:

01- Quais são os efeitos do redirecionamento da política de saúde mental?


02- O que o programa de volta para casa, criado pela Lei Federal 10.708, sancionada
pelo Presidente Lula em 2003?
03- Aponte as dificuldades iniciais para o programa.
04- Quais são os efeitos imediatos do programa no cotidiano das pessoas egressas de
hospitais psiquiátricos?
05- Quais são os serviços que substituem a internação no hospital psiquiátrico?
06- Qual era a visão da sociedade em relação ao louco ao longo da história?
07- Qual é o objetivo da política de saúde mental?
08- Qual era o tratamento proposto por Pinel? Qual é a proposta atualmente com a
reforma psiquiátrica?
09- Cite o nome de um dos principais responsáveis pelo movimento psiquiátrico na
Itália.
10- Qual é a proposta da reforma psiquiátrica?
Quais são as instituições que substituem o regime hospitalar após a reforma
psiquiátrica? Cite três.
11- Quando iniciou o movimento da reforma psiquiátrica no Brasil?
12- Quem foi Paulo Delgado e qual sua importância na reforma psiquiátrica?
14- Qual paciente tem indicação para a residência terapêutica?
15- O que a Política Nacional de Humanização fala sobre a saúde mental?
16- De onde vem o financiamento para as residências terapêuticas?
17- Em que ano tem início às denúncias de maus tratos nos hospitais psiquiátricos de
Barbacena?
18- Qual é a ideia que sustenta a revolução na atenção à saúde mental?
19- Faça uma pesquisa sobre quem foi Franco Basaglia.

ATIVIDADE 03 DE FIXAÇÃO - 2º ETAPA / ENFERMAGEM


REFORMA PSIQUIÁTRICA

02- Através da reforma psiquiátrica surgem quais tipos de CAPS?

03- Quais são os efeitos imediatos do programa no cotidiano das pessoas egressas de
hospitais psiquiátricos?

04- Quem foi Paulo Delgado e qual sua importância na reforma psiquiátrica?

05- Quais a importância do ex- presidente Lula para a Reforma Psiquiátrica?

06- Como o CAPS surge no contexto da Reforma Psiquiátrica?

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