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No campo dos distúrbios da fala, a gagueira é uma das áreas de estudo mais
fascinantes. Aqueles que nela se aprofundam, se deparam com intrigantes questões,
que instigam a curiosidade científica(2-4,8,12,27). Ainda não se estabeleceu qual a sua
etiologia, nem se explicou porque, em certos casos, o quadro, que surge
repentinamente na infância, às vezes pode desaparecer espontaneamente – sem
nenhum tratamento – ou, em alguns casos, se cronificar de forma persistente, para o
resto da vida (4,10,18). O seu diagnóstico não é uma tarefa simples, embora existam
diversos critérios para se avaliar tal distúrbio, um consenso sobre quais os mais
relevantes ainda não foi estabelecido (5-7,15).
Por falta de informação especializada sobre o que é a gagueira, como prevení-
la, avaliá-la e tratá-la eficientemente (2), muitos estudantes de fonoaudiologia, ou
mesmo alguns fonoaudiólogos, não se sentem confortáveis para atender pacientes
que gaguejam. Tal fato não se restringe ao Brasil, mas também é observado em outros
países (28). A área da gagueira ainda não se constitui em uma especialidade. No entanto,
faz-se necessária uma formação específica (que ainda não é oferecida), para que se
possa compreender melhor tal distúrbio e, desta forma, oferecer serviços de melhor
qualidade para a população que apresenta gagueira. Mas isto não vem impedindo o
aprimoramento de diversos profissionais que, movidos pelas dificuldades e desafios
que encontram em sua prática clínica com pacientes que gaguejam, vêm buscando,
por conta própria, a atualização de seus conhecimentos sobre a gagueira. De fato, já
se conta com fonoaudiólogos sérios, capacitados para oferecer serviços de qualidade
nesta área. No entanto, as fontes de informações disponíveis são muito reduzidas,
em face das demandas que existem neste campo. Muito ainda existe a ser estudado
sobre os aspectos essenciais referentes à gagueira. Neste capítulo, pretende-se fornecer
noções básicas relativas às suas características e sua etiologia, assim como às diversas
teorias que foram propostas ao longo dos anos.
Antes, porém, convém esclarecer ao leitor que ao longo deste capítulo o
termo “sintoma” – que, devido a diferentes enfoques, pode ser entendido como sinal
de doença ou de conflitos inconscientes – está sendo empregado de acordo com um
sentido específico. Na literatura sobre gagueira, vem sendo utilizado para denotar
um comportamento que expressa um aspecto do próprio distúrbio (12), ou uma
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GAGUEIRA
Apesar da gagueira ser um distúrbio de fala bastante freqüente (cerca de
1% da população (1)) e conhecido desde tempos remotos, ainda não existe um consenso
em relação à sua definição e provável causa. A Stuttering Foundation of América (10),
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INTRODUÇÃO
Como atender bem a pessoa que gagueja?
Essa é uma pergunta intrigante que requer um posicionamento individual.
Partindo do princípio de que não dá para tornar unidimensional o que é
multidimensional (8), nem dá para considerar unânime o que ainda é controvertido,
inicio este capítulo dividindo com o leitor os pressupostos que norteiam meu trabalho
com gagueira:
1. Atender bem é um pressuposto inerente ao trabalho e já está discutido
na Introdução deste volume.
2. Pessoa que gagueja ou pessoa com gagueira (ao invés de gago) é um
pressuposto que tem a ver intrinsicamente com concepção de ser humano. A pessoa
é um ser de pensamento, palavra, ação e afetos, adequado ao seu tempo e ao espaço,
que constrói seus relacionamentos com os outros(8) e que, portanto, não pode ser
reduzido a um rótulo. Como profissionais da saúde, em geral e da fonoaudiologia
em particular, temos que desenvolver e aprimorar os padrões de comunicação das
pessoas. Se lhes atribuímos rótulos, parece-me que não estamos colaborando para o
estabelecimento de um diálogo facilitador, para a melhoria da auto-estima e do
sentimento de pertencimento dessas pessoas.
3. Gagueira é um distúrbio de comunicação que vem sendo desvendado
aos poucos, principalmente através da genética e das neurociências* . É uma ruptura
na expressão oral de um indivíduo, caracterizada por desvios no fluxo, suavidade,
ritmo, velocidade e/ou esforço com as quais as unidades fonológicas, lexicais,
morfológicas e/ou sintáticas são faladas (4,28). Há interrupções significativas na seqüência
estabelecida de sílabas e palavras emitidas em um determinado tempo.
Na criança, a gagueira se manifesta predominantemente ao redor dos três
anos, idade que coincide com o aumento da complexidade do desenvolvimento da
linguagem oral (25). Repete sílabas ou parte de palavras, pode apresentar traços
acessórios, a respiração tem interrupções, há evidências de tensão vocal (elevação de
* Embora exista um grande número de publicações nesta área, ao final do capítulo deixo algumas sugestões de leituras.
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PRINCÍPIOS DA AVALIAÇÃO
a. Princípio da Unicidade
O ser humano é único, importante e especial. O que serve para um não
necessariamente serve para outro.
b. Princípio da Complexidade
A linguagem é relativa, dinâmica, condicional e complexa. Se gagueira é
um distúrbio de comunicação, a avaliação tem que ser dinâmica, complexa e voltada
para os processos de linguagem e comunicação usados pela pessoa-alvo. As pessoas
que gaguejam tendem a usar uma linguagem menos complexa para privilegiar a
INTRODUÇÃO
Como ainda não temos conhecimento pleno sobre sua etiologia, a gagueira é
um distúrbio que gera muita controvérsia. Na medida em que sua origem ainda não é
clara, acabamos esbarrando na falta de um saber mais específico sobre como tratá-la.
Como o homem é um processo, ou seja, não é completo nem perfeitamente
acabado, está em constante evolução, suas habilidades de comunicação seguem o
mesmo critério. Na gagueira não poderia ser diferente. O que se sabe sobre o assunto
ainda está distante de nos proporcionar uma real compreensão de todas as variáveis
que se inter-relacionam neste distúrbio de comunicação. No entanto, as possibilidades
de contribuir para uma melhora de qualidade de vida dos que gaguejam são concretas.
Exigem esforço, muito estudo, persistência e disponibilidade, tanto dos
fonoaudiólogos e dos profissionais da saúde e da educação, quanto das próprias
pessoas que gaguejam e seus familiares. Já há evidências científicas e clínicas de que
pessoas que gaguejam se beneficiam da terapia fonoaudiológica (8).
Neste capítulo se vai abordar a terapia para a gagueira infantil através de
princípios, objetivos, critérios e exemplos. Também se pretende discutir sobre algumas
habilidades que os fonoaudiólogos podem desenvolver, que considero fundamentais
para aumentar a eficácia da terapia.
PRINCÍPIOS
Já se falou nos princípios da avaliação da gagueira, no capítulo anterior.
Por uma questão de coerência, os princípios da avaliação são os mesmos que
fundamentam a terapia. Um plano terapêutico emerge da análise dos resultados
encontrados numa avaliação ao mesmo tempo abrangente e específica. Deve
contemplar objetivos que sejam coerentes e consistentes com os paradigmas de cada
profissional, e que estejam sintonizados com os avanços da ciência neste assunto.
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INTRODUÇÃO
A gagueira é um distúrbio da comunicação que pode causar transtornos,
mais ou menos importantes, à vida da pessoa que gagueja. Por esta razão merece por
parte do fonoaudiólogo uma atenção especial na adolescência, período de tantas
inseguranças e indefinições. Uma alteração na fluência pode interferir no
amadurecimento emocional do jovem, dificultar sua vida social, alterar sua auto-
estima e influenciar no desenvolvimento de suas potencialidades.
Dessa forma, a terapia fonoaudiológica para o adolescente que gagueja exige
do profissional conhecimentos específicos em relação a fluência e seus distúrbios. É
ainda imprescindível que se conheça bem o universo adolescente e o processo da
adolescência, com suas características e peculiaridades.
FLUÊNCIA E GAGUEIRA
Definir fluência não é uma tarefa fácil (15). Não são apenas as hesitações, os
prolongamentos ou bloqueios que determinam se a fala é ou não fluente. Uma pessoa
que fala sem hesitações, porém extremamente devagar, pode não ser considerado um
orador fluente. Ritmo, entonação, velocidade, tonicidade são aspectos temporais
inerentes a produção de uma fala fluente (30,31). Temos então que a fluência se
caracteriza pela seqüência, traduzida pela organização temporal dos fonemas inserida
em uma realidade lingüística; pela duração, expressa pelo tempo utilizado para a
articulação do elemento fonético; pela velocidade, definida pela rapidez com que os
elementos fonéticos são articulados, levando-se em conta que cada elemento fonético
tem duração variável e pelo ritmo, a forma da velocidade da fala, ou seja, a prosódia,
a cadência, a duração dos elementos (5,6). Pode-se incluir, também, o esforço com que
o orador fala (30). Ao falar esforço, nos referimos ao trabalho mental e físico que um
orador faz ao falar. Fundamentalmente, a fluência pode ser pensada simplesmente
como a falta de esforço na produção da fala (30,31,32).
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INTRODUÇÃO
Trabalhar com pessoas que gaguejam tem sido o processo de aprendizagem
no qual mais tenho mergulhado durante minha vida como fonoaudióloga. Mais
recentemente foi surgindo o desejo de dividir estas vivências com pessoas interessadas
no tema.
Parte do que me proponho a transmitir neste texto, pertence mais
diretamente à área da fluência, parte é composta de informações relativas a
Fonoaudiologia em geral e ainda uma terceira parte tem relação intrínseca com o ser
humano, independentemente de distúrbios quaisquer. Esta colocação já deixa entrever
minha visão a respeito do adulto que gagueja: uma pessoa, que apresenta uma queixa,
que é da competência da Fonoaudiologia, relativa à sua fluência verbal.
Nesta minha vivência com pessoas que gaguejam, faço uso de toda informação
e formação que obtive na Fonoaudiologia, na Lingüística, na Psicomotricidade, na
Psicologia e na Psicanálise. Todos estes conhecimentos foram modelados, remodelados,
digeridos e recriados no contato contínuo com os que gaguejam, sendo que foi através
destas pessoas que os textos lidos efetivamente criaram vida e eu fui motivada a buscar
outros artigos, outros autores, outras visões que só fizeram sentido no contato com cada
uma destas pessoas com queixa de alteração na fluência.
Assim, em muitos momentos torna-se difícil, ou mesmo impossível,
determinar a exata referência bibliográfica de uma postura terapêutica, de uma
proposta de vivência ou de um termo utilizado. Devo declarar no entanto, que na
área de Fonoaudiologia, Charles Van Riper (41,42) continua sendo meu livro de cabeceira
no que se refere à gagueira. Reiteradas leituras de um mesmo texto seu, costumam me
fornecer novas visões sobre esta matéria, uma vez que poucos autores conseguiram me
transmitir tanto a respeito do “indefinível” da gagueira, sobre a individualidade marcante
de cada paciente e sobre as limitações de qualquer enfoque. É de Van Riper que vem
meu modo de entender a terapia de gagueira, como uma arte a ser criada a cada novo
paciente, a cada nova sessão e que me estimulou a buscar em outras áreas as ferramentas
que me faziam falta no atendimento clínico. Talvez eu sempre tenha feito uma leitura
peculiar deste autor e sua abordagem, uma vez que não conseguia vê-lo como um dos
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INTRODUÇÃO
Inicio a redação deste capítulo com a certeza de que será para mim uma
experiência enriquecedora sintetizar meu trabalho no Hospital do Servidor Público
Estadual - São Paulo, na área de fluência, e com a expectativa de que este relato possa
contribuir para o fazer clínico fonoaudiológico, interessando e auxiliando outras pessoas
que iniciam ou realizam atendimento nesta área.
Muitos autores já discursaram sobre o hiato que se observa entre a pesquisa
– que busca propriedades comuns num grupo - e a prática clínica – que procura a
individualidade do sujeito (4,14,27,36). O relato de caso pode ser a resposta ansiada para
a dissolução deste hiato, sendo visto como elemento fundamental pelos psicólogos
clínicos de diversas linhas terapêuticas (29). O estudo de caso apresenta peculiaridades
que não são passíveis de abordagem nas pesquisas e permite o conhecimento mais
amplo e profundo da realidade que enfoca (22). Seguindo este raciocínio – da
importância do relato de uma experiência como ponte viável entre a teoria e a prática
clínica – faço aqui, como num estudo de caso, o relato do atendimento fonoaudiológico
em uma instituição, sem ter a pretensão de expor um modelo a ser seguido, mas
ansiando transmitir uma vivência de muitos anos, que tem produzido resultados
positivos no que diz respeito ao tratamento das disfluências e me proporcionado
enorme satisfação profissional. O leitor poderá avaliar criticamente o relato que se
segue e buscar por aspectos fundamentais que possam contribuir para seu próprio
enriquecimento.