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ISSN 1982 - 0283

A TV PELO OLHAR
DE QUEM VÊ
Ano XX Boletim 13 - Setembro 2010

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SUMÁRIO

A TV pelo olhar de quem vê

Apresentação da série ........................................................................................................... 3


Rosa Helena Mendonça

Proposta da série
A TV pelo olhar de quem vê .......................................................................................................... 5
Rosalia Duarte

Texto 1 – TV e vida cotidiana


Imagens em movimento na sala de aula: a proposta de análise do BFI – British Film Institute .......10
Ilana Eleá Santiago

Texto 2 – A emergência do espectador


A valorização da experiência estética no processo formativo – um breve relato sobre a trajetó-
ria do Laboratório Audiovisual Cinema Paraíso ........................................................................ 18
Monique Franco

Texto 3 – As crianças e a TV
Televisão: apenas um dos canais de dialogia entre o adulto, a criança e o mundo .............. 26
Katia de Souza e Almeida Bizzo

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A TV pelo olhar de quem vê

APRESENTAÇÃO DA SÉRIE


No momento em que, no programa Salto posta da série, citando Jesús Martín-Barbe-
para o Futuro, da TV Escola, finalizamos a ro, é preciso parar de perguntar o que a mí-
produção da série A TV pelo olhar de quem vê, dia faz com as pessoas e perguntar o que as
que inclui os textos desta publicação eletrô- pessoas fazem com a mídia.
nica e os programas televisivos correspon- 3
Para Barbero (2001:28) ,
dentes, os resultados parciais de mais uma
pesquisa sobre a influência da TV na vida (...) a comunicação se tornou para nós
das crianças foram divulgados com desta- questão de mediações mais do que de
que pela mídia. Desta vez, a investigação meios, questão de cultura e, portanto,
foi coordenada pela Universidade de Mon- não só de conhecimentos mas de re-co-
treal, no Canadá. No Brasil, vários jornais de nhecimento. Um reconhecimento que
grande circulação repercutiram as opiniões foi, de início, operação de deslocamen- 3
expressas na reportagem do periódico inglês to metodológico para re-ver o processo
The independent, traduzindo assim o título inteiro da comunicação, a partir de seu
da matéria: “Ver TV emburrece”. A polêmi- outro lado, o da recepção, o das resistên-
ca, aqui entre nós, foi logo associada a uma cias que aí têm seu lugar, o da apropria-
canção de sucesso do grupo Titãs. Quem não ção a partir de seus usos.
se lembra de “a televisão me deixou burro,
1
muito burro demais... ”. A TV e a vida cotidiana; a emergência do es-
pectador; as crianças e a TV: esses são os te-
Mas, para esse debate, podemos trazer tam-
mas que compõem a série A TV pelo olhar de
bém Hanoi-Hanoi, em Fanzine: “ninguém
2 quem vê. Essa iniciativa representa mais um
fica burro demais só porque viu TV... ”.
esforço da TV Escola, por meio do programa
Como enfatiza a consultora especialmente Salto para o Futuro, no sentido de colocar
convidada Rosalia Duarte (PUC-Rio), na pro- no centro do debate com professores e pro-

1 Televisão. Marcelo Fromes, Tony Belotto e Arnaldo Antunes (Titãs).


2 Fanzine. Composição de Arnaldo Brandão/ Tavinho Paes (Hanoi-Hanoi).
3 Martín-Barbero, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora da
UFRJ, 2001.

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fessoras, assim como com gestores e comu- mídias (TV, computador, câmeras de vídeo
nidade escolar em geral, a relação entre TV, e fotográficas, telefones celulares com câ-
sociedade e educação, considerando o lugar meras acopladas). Nesse contexto, tanto a
que a televisão ocupa na vida dos brasileiros. produção quanto a veiculação de programas
podem ser feitas de forma mais democrá-
O cenário atual - em que a TV no Brasil faz tica. Na escola, essa possibilidade sugere a
60 anos e em que a TV digital abre novas importância de novas mediações, outras for-
possibilidades de interação - mostra-se pro- mas de ensinar e aprender com a TV. Essa é a
pício às reflexões propostas tanto nos tex- contribuição que pretendemos oferecer com
tos como nas reportagens e entrevistas dos esta série.
programas. É preciso também considerar

as novas possibilidade de se ver e fazer TV
que surgem com a crescente integração de Rosa Helena Mendonça4

4 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC).

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PROPOSTA DA SÉRIE

A TV pelo olhar de quem vê



Rosalia Duarte1

Todos os meios de comunicação desper- qualidade mesma da maioria dos produtos,


tam impressões e têm alguma influência em especial os exibidos em canais abertos
sobre aqueles que com eles se relacionam que, para manter índices de audiência ele-
e são, por isso, objeto de reflexão por par- vados e, portanto, atrair publicidade, ten-
te de especialistas, críticos e pesquisado- dem a atender a um suposto gosto do pú-
res. De uma maneira geral, reconhece-se a blico médio, criando um círculo vicioso em
importância da mídia e valoriza-se o papel torno de um certo padrão de produção.
que ela desempenha na sociedade, o que a
torna um objeto de estudo e de discussões Pode ser também que ela desperte mais des-
muito valioso. Mas com a televisão isso é confiança porque veicula produtos audio- 5

um pouco diferente: embora se reconheça visuais e, nas sociedades letradas, há uma


o papel que ela desempenha, desde o iní- forte tendência a associar linguagem oral
cio, na sociedade, de um modo geral, ela e escrita a conhecimento e linguagem au-
desperta mais desconfianças e críticas ne- diovisual a entretenimento e diversão, visão
gativas naqueles que a tomam como obje- que prevalece nos meios educacionais.
to de análise e nos meios educacionais do
que qualquer outro veículo. Talvez por ser Assim, supõe-se que a TV nada tem a ofe-
muito popular e, em geral, o que é popular recer aos espectadores, exceto no que diz
tende a ser identificado com falta de qua- respeito a programas educativos no sentido
lidade; talvez por estar diretamente ligada mais tradicional do termo.
ao mercado e ao consumo – é muito difícil
manter uma rede de TV gratuita sem recor- É certo que, em um país com cerca de 150

rer à publicidade, exceto no caso de emis- milhões de telespectadores diários, com bai-

soras estatais ou comunitárias; talvez pela xo índice de escolarização – a média de esco-

1 Mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas, RJ. Doutora em Educação pela PUC-RJ. Atualmente é
professor associado da PUC-RJ. Consultora da série.

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laridade no Brasil é de cerca de sete anos e Não que a tevê não tenda, efetivamente, a
meio (PNAD, 2008) – e com milhares de pes- ter algum controle sobre a opinião pública
soas que não dominam suficientemente a e a criar padrões de comportamento e, mais
leitura e a escrita, um veículo desse tipo tem ainda, de consumo, mas as pesquisas reali-
de fato grande alcance e pode, certamente, zadas nas últimas duas décadas indicam que
influenciar a opinião de muitos. esse poder é muito mais limitado do que se
supunha.
É fato, também, que a ideologia fortemente
conservadora e mercadológica que orienta
A EMERGÊNCIA DO ESPECTADOR
as direções dos canais comerciais de televi-
são contribui para que este veículo seja visto
Os estudos de recepção realizados a partir
por boa parte dos estudiosos como nefasto
dos anos 1980, em especial os estudos lati-
à formação política do público e como fonte
no-americanos, questionando os pressupos-
privilegiada da perda de valores morais e éti-
tos de poder absoluto da mídia sobre seus
cos que percebemos em nossa sociedade, o
usuários, decidiram mudar o ângulo a par-
que nos parece um grande equívoco.
tir do qual se olha o problema e, ao invés
de analisar somente as intenções do produ- 6
Mas uma das principais razões pelas quais
to e dos produtores, passaram a voltar seu
se demonizou a tevê como veículo de massa
foco para o receptor, procurando entender
reside na crença de muitos intelectuais de
melhor como ele se relaciona com a mídia.
que os telespectadores, sobretudo os mais
Segundo um dos mais importantes repre-
jovens e/ou menos escolarizados, são sim-
sentantes dessa corrente de estudos, o es-
ples peças de tabuleiro, manipuladas pe-
panhol radicado na Colômbia, Jesús Martín-
las mãos fortes e poderosas dos donos dos
Barbero, era preciso parar de perguntar o
veículos de comunicação, a quem servem,
que a mídia faz com as pessoas e perguntar
também submissamente, os criadores dos
o que as pessoas fazem com a mídia.
produtos televisivos. Durante os 60 anos
de vida da TV, muitas pesquisas foram re- Os teóricos desse campo de estudos dizem
alizadas sobre ela, grande parte destas pre- que só se pode saber o que o receptor pensa,
ocupada fundamentalmente em analisar e sobre o que lê, vê, ouve etc. na mídia, pergun-
“revelar” a ideologia por trás dos produtos e tando para ele, e foi isso que eles passaram
as supostamente maquiavélicas estratégias a fazer, ou seja, passaram a tentar entender
adotadas pelos produtores e realizadores como interpretam e analisam os produtos
para manipular e dominar sua frágil e ingê- midiáticos aqueles que se relacionam com
nua audiência. eles.

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Esses estudos mostraram que o receptor não Hjarvard (Dinamarca), Roger Silverstone
é uma caixa onde se depositam conteúdos, (que morreu em 2009) e Sonia Livingstone
não é massa de modelar, cuja forma de pen- (Inglaterra), têm dito que é preciso superar
sar e de agir seria dada pela mídia, mas, sim, as visões dicotômicas sobre a mídia e sobre
é um sujeito social e político, capaz de in- sua influência sobre o receptor na direção
terpretar ao seu modo, e com suas próprias de compreender melhor o papel que ela de-
referências, o conteúdo dos produtos aos sempenha na sociedade e sua ação na vida
quais tem acesso. E isso é válido também cotidiana. Eles trabalham com o conceito de
para o telespectador, visto sempre como o “midiatização” ou “midialização” (Livingsto-
mais facilmente manipulável pelos usuários ne, 2009; Hjarvard, 2009) para analisar um
de mídia, em função da massividade da tevê fenômeno social que eles definem como a
e da linguagem audiovisual. “mediação de tudo”, ou seja, o fato de não
haver lugar algum no mundo (com raríssi-
Sem dúvida o espectador não é imune ao
mas exceções) ou atividade humana que não
jogo político de atração da audiência, nem
tenham sido tocados pela mídia. Afirmam
às ideologias, nem completamente autôno-
que a mídia não só faz parte da vida e das
mo em seus pensamentos e ideias, porque
atividades humanas, mas que é presença
não existe completa autonomia, mas ele 7
sine qua non, ou seja, não é mais possível
tem opiniões próprias, construídas nos es-
pensar a sociedade sem ela. A mídia é, está,
paços sociais aos quais pertence e nos quais
faz parte, independentemente do que pen-
transita, pensa, reflete, escolhe, dialoga e
samos dela ou do uso que dela façamos. Ela
analisa, ainda que seja jovem, analfabeto,
media a vida política, social, familiar, amo-
pobre ou com baixa escolaridade. Sua for-
rosa, sexual e faz parte da imensa maioria
mação individual, seus valores, sua família,
das atividades que os seres humanos reali-
o grupo de pares, outras instituições, como
zam. Eles se referem mais especificamente
igreja, escola, trabalho, a comunidade inter-
à mídia digital, à internet, mas nada impede
pretativa com a qual discute seus progra-
que possamos aplicar essa ideia à TV.
mas prediletos – pessoas que veem o mesmo
tipo de programa – funcionam como fontes
Em nossa sociedade, a TV ainda é a mídia
de mediação da relação que ele estabelece
mais utilizada pela maioria da população,
com os produtos televisivos, uma espécie de
está em 98% dos lares, integra o cotidiano
filtro, ou de lente, a partir dos quais ele vê e
de milhões de pessoas, atravessa a formação
interpreta o que vê.
e a prática profissional, é parte da vida polí-
Tendo assumido esses pressupostos, pesqui- tica — no Brasil ainda não é possível pensar
sadores da área de comunicação, como Stig a política sem a TV — e é presença importan-

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te nas relações familiares. É esse o enfoque de, e o que pensam e fazem os professores
que queremos dar a esse programa: o lugar com a televisão em suas salas de aula.
ocupado pela televisão na vida cotidiana. As-
sim, vamos abordar o assunto privilegiando REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
o ponto de vista dos espectadores, buscando
mostrar como eles se relacionam com o veí- HJARVARD, Stig. The mediatization of socie-
culo, o papel que este desempenha na orga- ty: a theory of the media as agents of social
nização do cotidiano profissional e familiar, and cultural change, Nordicom Review, n. 29,
o que os diferentes segmentos de espectado- v. 2, 2008, p.105-134.
res pensam sobre a contribuição que o con-
teúdo televisivo oferece a suas vidas, o que MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às me-
acham que aprendem com a televisão, o que diações: comunicação, cultura e hegemonia.
acham que ela ensina, do que gostam e do Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.
que não gostam. Vamos também analisar as
contribuições que a tevê oferece e que pode DUARTE, Rosália (org.) A televisão pelo olhar
vir a oferecer à educação, em nossa socieda- das crianças. São Paulo: Editora Cortez, 2008.

8
2
TEXTOS DA SÉRIE A TV PELO OLHAR DE QUEM VÊ

A série tem como proposta analisar e discutir o lugar ocupado pela televisão na vida cotidiana,
tendo em vista que esta é a mídia mais utilizada pela maioria da população brasileira. A tevê in-
tegra o cotidiano de milhões de pessoas, atravessa a formação e a prática profissional, é parte
da vida política e é presença importante nas relações familiares. Pretende-se abordar a questão
privilegiando o ponto de vista dos espectadores. Também se busca analisar as contribuições
que a tevê oferece e que pode vir a oferecer à educação em geral e à escola em particular.

TEXTO 1 - TV E VIDA COTIDIANA

O primeiro texto discute o papel da TV na vida cotidiana, principalmente em países onde a


televisão atua como principal fonte de acesso a informações, notícias, entretenimento e bens
culturais, como é o caso do Brasil. Nesse caso, a participação da TV na vida cotidiana é muito
mais do que simples presença, é mediação ou, como acontece em outros países no caso da

2 Estes textos são referenciais para a série A TV pelo olhar de quem vê, que será veiculada no programa Salto
para o Futuro/TV Escola de 20 a 24 de setembro de 2010.

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internet, midiatização. No cotidiano familiar, muitas vezes o conteúdo televisivo pauta os te-
mas das conversas e a grade da programação delimita horários de encontros e momentos de
silêncio; nas ruas, nos locais de trabalho, nos restaurantes, na escola e em diversos outros es-
paços, o que está “passando na TV” ganha lugar de destaque e, quase sempre, provoca debates
acalorados e polêmicas intermináveis. O texto aborda uma das muitas metodologias de ensino
da linguagem audiovisual, que pode ser exercitada de forma lúdica e prazerosa, sem desquali-
ficar o olhar do espectador.

TEXTO 2 – A EMERGÊNCIA DO ESPECTADOR

No segundo texto da série, discute-se a emergência do espectador, tendo em vista que no sé-
culo XXI, com a grande acessibilidade das tecnologias de captura, produção, edição e difusão
de imagens em movimento, surge um novo espectador: alguém que, além de ver, deseja tam-
bém produzir conteúdos audiovisuais, realizar e divulgar seus próprios vídeos tanto quanto
seus materiais escritos ou sonoros. Para as novas gerações, interagir não é apenas ver, ouvir,
navegar e comentar, é fundamentalmente fazer e “postar”, produzir e divulgar – querem ver e
querem ser vistos como produtores de imagens, textos e sons. E isso interfere na competência
9
para ver: quem sabe como é feito e faz tende a ter um olhar mais crítico sobre o que é visto. O
segundo texto da série trata dessa temática: o ensino/aprendizagem da produção de materiais
audiovisuais no contexto da formação de futuros professores, voltado para ampliação da capa-
cidade de crítica, para a autoria e para a criatividade.

TEXTO 3: AS CRIANÇAS E A TV

O terceiro texto da série tem por objetivo propor reflexões sobre a relação da criança com a
televisão e também discutir o papel dos adultos nessa relação. Para tanto, é preciso refletir
sobre a forma como as diferentes infâncias são olhadas e percebidas pela sociedade e qual o
lugar que os programas televisivos ocupam nesse entorno social, nos dias de hoje. Segundo a
autora do texto “ jamais poderemos, nós, adultos, assumir o ponto de vista das crianças e (...)
não há perguntas certeiras para se atingir esse fim, mas há a necessidade de escutá-las e de
buscar diálogos que enriqueçam as possibilidades de nossas reflexões, interagindo, ao menos,
com suas vozes e nossas interpretações”.

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TEXTO 1

TV e vida cotidiana

Em países onde a televisão atua como principal fonte de acesso a informações, notícias, entre-
tenimento e bens culturais, como é o caso do Brasil, a participação da TV na vida cotidiana é
muito mais do que simples presença, é mediação ou, como acontece em outros países no caso
da internet, midiatização. No cotidiano familiar, muitas vezes o conteúdo televisivo pauta os
temas das conversas e a grade da programação delimita horários de encontros e momentos
de silêncio; nas ruas, nos locais de trabalho, nos restaurantes, na escola e até mesmo nos
púlpitos das igrejas, o que está “passando na TV” ganha lugar de destaque e, quase sempre,
provoca debates acalorados e polêmicas intermináveis. Esse lugar importante ocupado pela
TV na vida das pessoas também é objeto de grande preocupação, principalmente entre os que
se ocupam da educação de crianças e jovens, pois acredita-se que a linguagem audiovisual,
a partir da qual são produzidos os programas televisivos, tem mais influência que as outras
(sonora, escrita, digital etc.) sobre o modo de pensar e agir dos mais jovens. Isso pode ser
verdadeiro em parte, no que se refere, por exemplo, a um maior encantamento e a uma mais
10
forte impressão de realidade produzidos pela imagem em movimento, mas não significa de
modo algum passividade: o espectador dialoga com o conteúdo do que vê tanto quanto dialo-
ga com o que lê ou ouve.

No entanto, em sociedades tão audiovisuais como a nossa, o estudo da linguagem audiovisual


torna-se tão necessário à formação das novas gerações quanto o conhecimento e domínio
da linguagem escrita e, para tanto, exige metodologias apropriadas. O texto a seguir, escrito
por Ilana Eleá Santiago, aborda uma das muitas metodologias de ensino da linguagem au-
diovisual, que pode ser exercitada de forma lúdica e prazerosa, sem desqualificar o olhar do
espectador.

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Imagens em movimento na sala de aula:
a proposta de análise do
BFI – British Film Institute
1
Ilana Eleá Santiago

Muitas vezes nos perguntamos como traba- que veem com mais frequência, como esco-
lhar analiticamente diferentes gêneros tele- lhem o que assistem, com quem veem seus
visivos em sala de aula. Programas de audi- programas prediletos etc.) e rejeições (o
tório, comerciais, telenovelas, telejornais, que nunca veem, do que não gostam, por
filmes, desenhos animados, realities, seria- que não gostam e assim por diante).
dos, videoclipes e tantos outros são comu-
mente assistidos por nossos alunos. Por que Esta postura investigativa pode ser conside-
não trazermos esses produtos para dentro rada o coração das práticas mídia-educati-
das atividades pedagógicas regulares? A pri- vas. Elaborar questões para o questionário
11
meira sugestão para a realização desse tipo inicial pode ser, inclusive, feito em parceria
de trabalho passa pela realização de uma com os próprios alunos. Após a sondagem,
sondagem com as turmas. Dessa forma, cada turma terá um mapeamento dos seus
o professor pode, a partir de um pequeno usos de mídia e de suas práticas com a te-
questionário, formular perguntas aos alu- levisão, sendo possível identificar dentre os
nos acerca do modo como eles organizam gêneros listados que programas ou produtos
seu tempo na relação com as diferentes mí- são mais assistidos e elencados como prefe-
dias (que tempo dedicam a cada uma delas, ridos.
quanto tempo passam vendo tevê ou nave-
gando na internet, se ouvem rádio ou colo- Vale lembrar que partir do interesse dos alu-
cam músicas no ipod etc.) e, em especial, a nos não precisa ser visto como “perda de
relação que eles têm com a TV, procurando tempo”, “ocupação do espaço pedagógico
identificar preferências (do que gostam, o para o estudo de obras de menor valor cul-

1 Pedagoga, especialista em Mídia-Educação pela Università Cattolica di Milano, Itália, mestre e doutoranda
em Educação pela PUC-Rio. Pesquisadora da Cátedra Unesco de Leitura e professora dos cursos de especialização e
extensão em Educação e Mídia da PUC-Rio, investiga a escrita digital de nativos digitais, oferecendo consultoria para
escolas. Membro do GRUPEM – Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia, coordena os sites: www.midiaedu.com.br
e www.midiaedu.ning.com

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tural” ou afirmações nessa direção. É impor- (Letramento em Mídia) no currículo nacio-
tante que o professor não faça julgamentos nal das escolas na Grã-Bretanha. A organiza-
prévios a respeito das preferências juvenis, ção foi criada com o objetivo de encorajar o
que permita se aventurar pela descoberta desenvolvimento de imagens em movimen-
da televisão pelos olhos dos seus alunos, to (cinematográfica e televisiva) em todo o
de como estes veem a televisão e do prazer Reino Unido, promovendo o seu uso como
que essa relação lhes proporciona. Identifi- um documento da vida, dos usos e tradições
car, viver essa experiência como espectador contemporâneas através de propostas edu-
e como analista, contextualizando produtos cativas com filmes e audiovisuais. Na Grã-

em grupos, comparando-os, pode, inclusive, Bretanha, a Mídia-Educação é oferecida nos

ampliar a noção de alunos e professores do programas escolares quase exclusivamente

que é prazeroso. Essa dica é dada por Robert ao nível da escola secundária.

Ferguson, professor do Instituto de Educa-


A Educação para imagens realizada pelo BFI
ção da Universidade de Londres, coordena-
se desenvolve tanto de forma integrada ao
dor de cursos em Mídia-Educação.
currículo quanto em atividades extraclas-
se. Além da abordagem de seis categorias-
Caso a escola não tenha laboratório de in- 2
chave , as escolas inglesas têm adotado oito
formática e acesso à internet para acessar 12
técnicas principais como base para a forma-
o Youtube, pode-se solicitar aos alunos que
ção que denominam “Moving images in the
vejam um determinado vídeo em casa e tra-
classroom” (Imagens em movimento em
gam suas observações por escrito ou gravar
sala de aula). Essas técnicas abordam tan-
em DVD episódios ou programas preferidos
to o estudo analítico das linguagens encon-
pela maioria da turma. Esse material será
tradas nas imagens em movimento como a
visto e trabalhado em sala de aula!
simulação e a produção de novos produtos.

Para nos ajudar a pensar sobre como fazer


Na primeira técnica, “Freeze frame”, os alu-
isso, sugiro que tenhamos como norte e
nos assistem a um programa televisivo pa-
inspiração o trabalho realizado por institui-
rando cena por cena. São levantadas discus-
ções que já promovem atividades em Mídia-
sões sobre os elementos das imagens que
educação há algum tempo, como é o caso
contribuem para criar significados: posição
do BFI (British Film Institute), de Londres.
dos elementos (objetos, cenário, persona-
Criado em 1933, tem sido responsável pelo
gens), as cores usadas, as luzes nos efeitos
programa de inserção da “Media Literacy”

2 Para aprofundamento, consultar Ferguson, 2002.

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de interpretação, assim como o papel dos roupas e as características físicas e etárias
3
enquadramentos e os movimentos da câ- dos apresentadores e públicos? Na análise
mera como fatores que contribuem para a de uma das cenas do videoclipe “Umbrella”,
construção de significado do produto. Em de Rihanna, nós podemos identificar a se-
um programa de auditório, quem aparece guinte imagem:
em cena? Como é o cenário? Quais são as

13

3 Particular: um objeto ocupa todo o enquadramento


Plano detalhe: mostra uma parte do corpo ou objetos, por exemplo, um olho, uma boca, o galho de uma
árvore o ponteiro de um relógio (mostrar apenas uma boca pode sugerir que o personagem é tagarela).
Superclose: Close fechado no rosto do ator, enquadrando queixo e o limite da cabeça.
Close ou primeiríssimo plano: mostra o rosto inteiro de uma pessoa, do ombro para cima.
Primeiro plano ou Plano próximo: mostra uma pessoa do busto para cima.
Plano médio: personagem enquadrado da cintura para cima.
Plano americano: mostra uma pessoa do joelho à cabeça.
Plano inteiro: Personagem enquadrado da cabeça aos pés, deixando um pequeno pedaço acima da cabeça
e abaixo dos pés.
Plano geral fechado: mostra ação do ator em relação ao espaço cênico.
Plano geral aberto: mostra cenas em exteriores ou interiores amplos.
Plano geral ou de conjunto: mostra o prédio ou casa onde ação se desenvolve.
Grande plano geral: planos bastante abertos, situa cidade.

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Alunos e professores podem explorar ele- cena a outra, a locação de cada uma e os
4
mentos da cena : a roupa da cantora, as co- sons. Durante a terceira exibição, os alunos
res, o movimento, sua idade, perfil corporal, devem estar atentos a como são feitas as
gestualidade. A sala de informática pode ser passagens de uma cena para outra (cortes,
usada para que os alunos visualizem cena edição, transições). Por fim, devem calcu-
por cena programas que estejam no Youtube. lar a duração de cada cena, com o objetivo
Quais referências simbólicas são exploradas de perceber que o número, a sequência e a
em um dos videoclipes mais assistidos pelos duração de uma sequência de cenas con-
jovens? Debates, reflexões e textos podem tribuem para o significado e são criados na
ser promovidos sobre o programa analisado. fase de edição.

Na técnica “Sound and Image”, o professor O momento “Top and Tail” tem como fun-
cobre a tela, aumenta o som e pede para que ção mostrar os créditos e tentar extrair to-
os alunos ouçam os sons muito atentamen- das as informações possíveis do texto, seus
te. Os jovens percebem que os sons, sobre- autores, diretores, etc.
tudo a música, podem regular a dramatici-
dade de um texto audiovisual e estabelecer O título de um programa audiovisual sugere
a sua identidade de gênero (comédia, aven- muito sobre a identidade do texto, pois tenta 14
tura, etc.). O silêncio, inclusive, pode ter um “vendê-lo” ao público, suscitando interesse;
papel preponderante na interpretação da se- é também explícito em relação ao gênero,
quência e esses aspectos são vistos em sala. conteúdo, público-alvo, etc. Embora a esco-
Eles recebem uma ficha para que anotem e la possa colocar foco na análise da TV, esta-
percebam a diferença e o papel da música, mos vivendo hoje em um período de forte
dos efeitos sonoros, dos diálogos e do silên- convergência de mídias (Jenkins, 2008). Isso
cio em cada caso. significa que o professor deve analisar um
programa de TV levando em consideração
Quando os professores exploram a técnica como o mesmo se apresenta na internet.
“Spot the shot”, o programa televisivo ou
filme é exibido uma segunda e depois uma Após esse círculo analítico, as técnicas ga-
terceira vez. Na segunda exibição, os alunos nham um tom de simulação. “The attrac-
devem assinalar todas as passagens de uma ting audiences”, por exemplo, propõe que a

4 Plano: imagem entre dois cortes, é a menor unidade narrativa de um roteiro.


Cena: conjunto de planos.
Sequência: conjunto de cenas.

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turma se divida em grupos e recolham in- análise do tratamento dado por dois dife-
formações sobre como o programa ou filme rentes veículos ou públicos na divulgação de
foi colocado no mercado, mostrando sua um mesmo tema. O que se pretende, com
circulação até chegar ao público, através de essa abordagem, é uma maior percepção da
catálogos de TV, campanhas publicitárias, adaptação de gêneros e audiências aos valo-
pôsteres, sites, matérias de jornal. res e interesses mais convenientes.

Em “Generic Translation”, os alunos trans- A última técnica, “Simulation”, sintetiza todo


formam o texto de uma imagem em movi- o trabalho feito nas fases anteriores. A turma
mento (documentário, cena de filme) em um é novamente dividida em grupos que serão
gênero adaptado para o universo impresso responsáveis por assumir o papel de pro-
(artigo de jornal, poesia). Professores tentam dutores de um programa audiovisual. Cada
analisar a especificidade de cada linguagem, equipe terá como tarefa modificar o produto
convenções e gênero para a abordagem de para uma faixa etária diferente, vender o tex-
diferentes temas. Já o horizonte da técnica to para um público distinto do original e por
da “Cross media comparisons” vislumbra a final, produzir um texto alternativo.

Com os alunos mais novos, o BFI trabalha a partir da seguinte tabela: 15

STORY (HISTÓRIA)

O que acontece no início, meio, fim?


Qual o acontecimento mais importante?
Essa história lembra outras? Quais?
O que pode ter acontecido antes do início e depois do fim?

CONTEXT (CONTEXTO)

Como você identifica em que lugar está ambientada a história?


Seria diferente se a história acontecesse em outro cenário? Por quê?

SOUND (SONS)

Quando você escuta a música sem a imagem você pode imaginar o que está
acontecendo?
Quantos diferentes sons são percebidos (silêncio, música, vozes e efeitos sono-
ros)? Por que e quando são utilizados? Como interferem na narrativa?

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COLOUR (CORES)

Quais são as cores principais usadas no filme?


As cores mudam quando os cenários e/ou temas mudam?
Alguma cor está associada a algum personagem? Em caso positivo, qual e por
quê?

CHARACTER (PERSONAGENS)

Há um personagem principal? Quais são suas características?


Como podem ser descritos os personagens?
As características mudam ao longo do filme? Como?
Definir cada personagem a partir da sua roupa; música que lhe for associada;
expressões.

CAMERA (CÂMERA)

Quais movimentos de câmera percebidos?


Por que são usados?
16
Como se relacionam com a história e com os personagens?

(AUDIÊNCIA)

A que audiência o filme se destina?

Acredito que o domínio da linguagem au- ideias e práticas associadas àquelas que os
diovisual seja tão importante quanto o da professores já desenvolvem em suas aulas.
linguagem escrita e, por isso, a formação
de professores para o desenvolvimento de BIBLIOGRAFIA
atividades de análise audiovisual com o
aluno é necessária e urgente, mas isso não British Film Institute. Look Again! A teaching
significa que a solução de problemas educa- Guide to using film and Television to three to
cionais possa advir do incentivo à análise e seven years old. London: BFI Education, 2002.
à reflexão a partir de produtos midiáticos.
As sugestões deixadas ao longo desse texto British Film Institute. Moving Images in the
podem servir como disparadoras de novas Classroom. London: BFI Education, 2003,

A TV pelo olhar de quem vê.indd 16 17/09/2010 15:14:33


British Film Institute. Starting Stories, A Film MALAVASI P.; POLENGHI S; RIVOLTELLA, P. C.
and Literacy resource for three to eleven years (orgs.). Cinema, Pratiche formative, Educazio-
old. London: BFI Education, 2003. ne. Milano: Vita&Pensiero, 2005.

BUCKINGHAM, D. Media Education, Alfabeti- PHILIPS, P. Understanding Film Texts: Mea-


zzazione, apprendimento e cultura contempo- ning and Experience. London: BFI publishing,
ranea. Milano: Erickson, 2006. 2000.

FERGUSON, Robert. Media Education e o de-


SANTIAGO, Ilana Eleá; SACRAMENTO, Wins-
senvolvimento de uma pedagogia apropria-
ton; DUARTE, Rosalia. Filmes e Gosto Es-
da. Santos: Colabora, v. 1, n. 3, p. 3-16, fev.-
tético Infantil: Contribuições da Semiótica
abr./2002.
para um Estudo dos Super-heróis e outros

JOLY, Martine. Introdução à análise da ima- Protagonistas. Trabalho apresentado na

gem. São Paulo: Papirus, 1996. NP Comunicação Educativa, do VIII Nupe-


com – Encontro dos Núcleos de Pesquisas
LANGER, Johnni. Metodologia para análise de em Comunicação, evento componente do
estereótipos em filmes históricos. Disponível XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da
em: http://www.anpuh.uepg.br/historia-ho- Comunicação. Disponível em: http://www. 17
je/vol2n5/johnni.htm Acessado em 20 ago. intercom.org.br/papers/nacionais/2008/re-
2009. sumos/R3-2161-1.pdf.

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TEXTO 2

A emergência do espectador

Ao que tudo indica, superamos a ideia de que espectadores são massa de modelar, seres abso-
lutamente passivos diante de poderosos meios de comunicação que fazem deles o que querem
e podem, inclusive, determinar o que pensam e sentem e mesmo seus modos de agir. Espec-
tadores não são caixas vazias, são sujeitos sociais, com crenças, costumes, histórias e pensa-
mentos próprios, que interagem com o que veem, são influenciados e influenciam também.

O século XXI e a grande acessibilidade das tecnologias de captura, produção, edição e difusão
de imagens em movimento fizeram surgir um novo espectador: alguém que, além de ver, de-
seja também produzir conteúdos audiovisuais, realizar e divulgar seus próprios vídeos tanto
quanto seus materiais escritos ou sonoros. Para as novas gerações, interagir não é apenas ver,
ouvir, navegar e comentar, é fundamentalmente fazer e “postar”, produzir e divulgar – que-
rem ver e querem ser vistos como produtores de imagens, textos e sons. E isso interfere na 18
competência para ver: quem sabe como é feito e faz tende a ter um olhar mais crítico sobre
o que é visto.

Mas, se é verdade que as novas gerações desenvolveram maior domínio da técnica para pro-
duzir imagens, pela intensificação do contato com as tecnologias digitais, cada vez mais aces-
síveis e a custos cada vez menores, é verdade também que há muito de “mais do mesmo” no
que é produzido, ou seja, repetição do padrão a partir do qual se produz o que estão acostu-
mados a ver. A tarefa da educação, nesse caso, é colocar a competência técnica a serviço do
olhar crítico, da qualidade, da inovação, da criatividade e da construção do conhecimento. E
isso exige uma formação específica.

O texto a seguir, da professora Monique Franco, da Faculdade de Formação de Professores da


UERJ/São Gonçalo, trata dessa temática: o ensino/aprendizagem da produção de materiais
audiovisuais no contexto da formação de futuros professores, voltado para ampliação da ca-
pacidade de crítica, para a autoria e para a criatividade.

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A valorização da experiência estética no
processo formativo
UM BREVE RELATO SOBRE A TRAJETÓRIA DO LABORATÓRIO AUDIOVISUAL
CINEMA PARAÍSO 1
Monique Franco

Certa vez, um filósofo que amava o cinema no qual sessões de cinema eram exibidas se-
disse algo que hoje nos serve de inspiração manalmente, mas foi paulatinamente sendo
para escrever este breve relato: “A câmera incorporado ao cotidiano e às demandas da
funda uma consciência que se define não Faculdade, de tal maneira que se desdobrou.
pelos movimentos que é capaz de captar, Hoje apresenta seis espaços de atuação, que
mas pelas relações mentais e psicológicas serão apresentados a seguir, e é praticamen-
2
nas quais é capaz de entrar ”. Este filósofo te gestado pelo entusiasmo e identificação
foi Gilles Deleuze e sua compreensão sobre dos próprios estudantes, bolsistas e voluntá-
a chamada Sétima Arte nos incita a pen- rios.
19
sar o mundo como cinema, como cultura,
como arte e, sobretudo, como possibilidade É exatamente este percurso, nem sempre
de resistência. Dentro de um espaço de for- uniforme ou coeso, que parece constituir
mação, como na Faculdade de Formação de o cerne da possibilidade de sua adesão pe-
Professores da Universidade do Estado do los estudantes, que buscamos relatar aqui
Rio de Janeiro (FFP/UERJ), este movimento de modo a compartilhar esta experiência
tem expressado sua potência criativa e ex- com professores e professoras e seus res-
trapolado os muros da universidade no pro- pectivos espaços educacionais. Elencamos
jeto Laboratório Audiovisual Cinema Paraíso: três diálogos constitutivos de um dinâmico
políticas formativas no âmbito da convergên- cenário de modo a indicar, de maneira su-
cia de mídias. cinta, por onde transitamos. Inicialmente
apresentamos o cenário – uma Faculdade
O Laboratório, atualmente no seu quarto de Formação de Professores pública, situada
ano de existência, iniciou suas atividades no leste metropolitano do Estado do Rio de
em 1997, como um movimento cineclubista, Janeiro, em São Gonçalo. O primeiro diálogo

1 Coordenadora Geral da FFP/UERJ.


2 Cf. Deleuze, G. A imagem-tempo. São Paulo: Braziliense, 1990, p.143.

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sugere o entendimento do professor como tecnologia e de cognição distribuída. Não é
um artífice, tal qual explicitado por Richard mais novidade a constatação da intensa im-
3
Sennett e trazido aqui para o campo for- bricação de objetos e dispositivos técnicos
mativo, no qual o conhecimento e a ação em nosso cotidiano, com evidente repercus-
docente operam mediados pela relação re- são sobre as atividades e funções cognitivas.
conciliada entre prática, teoria, prática. É a
ideia de ‘professional artistry’, em que o cur- O papel formativo da educação, em suas di-
rículo é praticado com ferentes modalidades
base na interação entre e espaços, materiais e
a pesquisa e a experi- O papel formativo da imateriais, na contem-
mentação de novas es- educação, em suas poraneidade, seria o de
tratégias, propostas e proporcionar vivências
diferentes modalidades
linguagens, o que pos- do aprender a partir
e espaços, materiais dos diferentes sentidos
sibilita a emergência de
um conhecimento pra-
e imateriais, na atribuídos ao conheci-
zeroso e espontâneo, contemporaneidade, mento, nos diferentes
construído por meio seria o de proporcionar contextos individuais
e coletivos. O que hoje 20
da observação e da re- vivências do aprender
flexão sobre as ações, se designa por “tecno-
a partir dos diferentes
configurando-se como logias cognitivas” e por
sentidos atribuídos ao
verdadeiras “teorias” “cognição distribuída”
de ação, como nos pro-
conhecimento, nos pode significar uma ca-
4
põe Schön . O currículo diferentes contextos racterística própria a
e a própria concepção individuais e coletivos. um conjunto de tecno-
de formação ganham, logias contemporâneas
neste contexto, uma – computadores, pro-
dimensão inventiva e criativa, em estreito gramas informáticos, redes de comunica-
diálogo com as novas configurações e os ção e seus desdobramentos – que tornaram
desafios postos à seleção do conhecimento, a produção e a difusão do conhecimento
formal e informal, neste início de século. O um processo distribuído ou partilhado por
segundo diálogo traz à cena o conceito de homens e artefatos técnicos. É uma noção

3 Cf. Sennett, R. O Artífice. São Paulo: Record, 2009.


4 Cf. Schön, D. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul, 2002.

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híbrida, pois implica atribuir uma dimensão ativista tem um alto poder de mobilização
cognitiva à tecnologia e, ao mesmo tempo, e resistência. É o chamado web ativismo, no
uma dimensão técnica à cognição. A cogni- qual a web arte tem papel central.
ção deixa de ser apenas um atributo da men-
te e passa a ser pensada de forma distribuí- O exercício desta tríade, sumariamente ex-
5
da entre os homens e os agentes técnicos . posta, ocorre por meio de pesquisas e in-
Por outro lado, compreendemos que desde a tervenções no campo da convergência de
origem o ser humano está ligado a próteses mídias e das tecnologias de comunicação e
e à técnica. Ou seja, a hominização é insepa- informação, nas oficinas de cinema, anima-
6
rável da tecnificação . Entretanto, a técnica ção, rádio, poesia, roteiro etc. É a partir des-
só pode ser transmitida por meio de fórmu- te contexto que apresentamos o Laborató-
7
las mnemotécnicas . Assim, os objetos téc- rio Audiovisual Cinema Paraíso, cujo nome
nicos passam a portar informações, conte- faz alusão ao bairro Paraíso, onde se situa
údos simbólicos e não são mais entendidos a Faculdade de Formação de Professores
como meros “recursos”. Nesta interseção, da UERJ, e ao clássico cinematográfico, um
surge nosso terceiro campo de diálogo, este espaço de experimentação, criação e resis-
promovido pelas Tecnologias de Informação tência, articulando formação, arte, cultura
e Comunicação (TICs) e seus desdobramen- e pensamento. A proposta atende, atual- 21

tos na web, que possibilitam dar vazão à mente, a seis linhas de atuação inter-rela-
ação política consciente dos indivíduos nos cionadas, construídas a partir da demanda
diversos ambientes reais e/ou virtuais, en- do próprio coletivo envolvido: a inclusão
gendrando, por meio da colaboração, novos do cinema como uma expressão cultural;
processos de produção do conhecimento, o incentivo à produção visual, incluindo si-
8
em que o trabalho imaterial , voluntário e tes, vídeos, materiais didáticos, jogos, en-

5 Cf. Bruno, F. Tecnologias cognitivas e espaços do pensamento. In: França, R. (org.) Estudos da Comunicação.
Porto Alegre: Sulina, 2003.
6 Cf. Oliveira, L.A. Imagens do Tempo. In: Doctors, M. (org.) Tempo dos Tempos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
7 Fórmulas de fixação da memória.
8 Lazzaratto & Negri afirmam que (...) o trabalho imaterial se encontra no cruzamento (é a interface) de
uma nova relação produção e consumo. É o trabalho imaterial que ativa e organiza a relação produção/ consumo. A
ativação, seja da cooperação produtiva, seja da relação social com o consumidor, é materializada dentro e através do
processo comunicativo. É o trabalho imaterial que inova continuamente as formas e as condições da comunicação (e,
portanto, do trabalho e do consumo). Dá forma e materializa as necessidades, o imaginário e os gostos do consumidor.
A particularidade da mercadoria produzida pelo trabalho imaterial (pois seu valor de uso consiste essencialmente no seu
conteúdo informativo e cultural) está no fato de que ela não se destrói no ato do consumo, mas se alarga, transforma, cria o
ambiente ideológico e cultural do consumidor. “Ela não reproduz a capacidade física da força de trabalho, mas transforma
seu utilizador.” In: LAZZARATO, M.; NEGRI, A. Trabalho Imaterial. Formas de vida e produção de subjetividades. Rio de
Janeiro: DP & A Editora, 2001, p.45-46.

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tre outros, como instrumento de criação e com diversos programas produzidos pelos
socialização de conhecimentos na forma- estudantes. A Websérie Estado Mutável, em
ção do professor; a leitura da imagem e a fase de audição pública de roteiro e teste de
abordagem crítica do conceito de tecnologia elencos, tem mobilizado a comunidade in-
e dos meios audiovisuais, com a discussão terna e externa. A história gira em torno de
e a análise de conteúdos e de seus diferen- um triângulo amoroso entre estudantes da
tes códigos comunicacionais; o exercício de Unidade, que também participam do movi-
identificar e produzir registros de novas ar- mento estudantil e de outras atividades aca-
quiteturas sonoras e uma oficina de atores dêmicas. Suas angústias, dilemas e alegrias
que abriga a construção de uma web série, encontram no formato ágil proposto pelo
totalmente idealizada, escrita, dirigida e atu- idealizador e diretor, Victor Regis, terreno
ada pelos estudantes, é o mais novo produto fértil para o sucesso. Roteiro, atores, direção
do Laboratório. de fotografia, arte, efeitos sonoros, edição e
montagem são ‘prata da casa’, ou seja, são
As atividades do Laboratório se subdividem, oriundos de nossas oficinas ou de outros
também, em seis espaços: Segunda de primei- espaços formativos afins. Este movimento
ra – na última segunda-feira de cada mês, encontra espaço de diálogo na Webrádio Pa-
um filme brasileiro é exibido, seguido de raíso que, nesta nova configuração de radio- 22

debate, com a presença do diretor e de ou- difusão, transmite, também, por IPTv.
tros componentes da produção. Os espaços
denominados Em Cena e Cine Etecera ofere- No projeto desenvolvido na FFP/UERJ, no
cem clássicos do cinema nacional e interna- âmbito do Laboratório Audiovisual Paraíso,
cional, além de filmes denominados trash o cinema, o rádio e as oficinas são pensa-
ou filmes B, e funcionam nas três últimas dos em múltiplas dimensões. Nas oficinas
quintas-feiras do mês, por meio de mostras de vídeo, por exemplo, o cinema se torna
permanentes. Sente e Curta – mostra perma- objeto de conhecimento (quando é visto de
nente de curtas, na última quarta-feira do forma analítica por quem quer aprender
mês, nos três turnos, no Espaço de Convi- suas técnicas narrativas), é também um ins-
vência da Unidade, e o espaço denominado trumento (em sua utilização como meio de
Claquete, que oferece oficinas de produção estimular debates ou análises críticas sobre
visual (material didático, curta-metragem, a produção de imagens), e é tratado como
animação, roteiro etc.). Já a Webrádio Pa- um importante meio de expressão de pen-
raíso oferece oficinas de montagem, manu- samentos e sentimentos, quando os alunos
tenção e intervenção de novas arquiteturas são estimulados a criar e exibir as suas pró-
sonoras e grade de programação regular prias narrativas imagéticas no momento

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de finalização das oficinas. A 3ª Oficina de franceses, chilenos, argentinos, italianos,
Produção Audiovisual, tendo como foco o americanos, alemães, entre outras nacio-
telejornalismo e o webjornalismo, demanda nalidades, incluindo produções nacionais,
dos próprios estudantes, está com inscri- ocupam a tela do pequeno auditório da FFP
9
ções abertas . Também na mostra Segunda para desvelar diferentes visões sobre temas
de Primeira, quando realizadores e cineastas como Relações Raciais, Mulheres, Educação
são convidados a exibir seus filmes na FFP, Escolar, Literatura Latino-Americana, entre
estão presentes pelo menos duas destas di- outros. Mais recentemente, também inclu-
mensões: o cinema como um potente ins- ímos mostras que homenageiam grandes ci-
trumento capaz de mobilizar estudantes neastas, como Almodóvar, Fellini, Spike Lee,
10
universitários, cineastas e professores em Tarantino, entre outros .
um debate frutífero sobre a sua própria pro-
dução em um espaço social de poucas ofer- Esta mesma preocupação está presente
tas nesta direção, ao mesmo tempo em que quando lidamos com o Cinema de Anima-
faz desta uma experiência estética, em que ção. Conteúdos para internet, TV e Cinema
público e produtores compartilham o mes- cada vez mais lançam mão das chamadas
mo momento de exibição do filme. imagens sintéticas, geradas por processos
de animação ou por sistemas de Arte Digital. 23
Durante três quintas-feiras por mês são or- Exemplo disso é a enorme grade de progra-
ganizadas as sessões de cinema Em Cena: mação das TVs dedicada ao Cinema de Ani-
cada quinta, um filme diferente que contri- mação que, portanto, tem grande impacto
bua para a discussão sobre uma temática na formação cultural dos espectadores. A 2ª
previamente definida. Se a atividade Segun- Oficina ANIMA A FFP também está com ins-
da de Primeira visa à difusão de filmes bra- crições abertas, potencializando mais esta
sileiros e ao maior envolvimento dos alunos esfera criativa.
na formação de público para o cinema na-
cional, o Em Cena, atualmente em sua 18ª A Webrádio Paraíso, no entanto, parece ser
mostra, prioriza a diversidade de produ- o grande veículo que impulsionou o projeto
ções. Filmes iranianos, indianos, japoneses, no último ano. A facilidade, hoje posta pelo

9 Este espaço, que apresentava como proposta inicial a ideia do cinema como fruição, a partir da iniciativa
dos próprios estudantes, transformou-se num espaço de estudo e debate sobre o cinema, seus diretores, suas
técnicas de filmagem etc.
10 Vale observar que a procura pelas Oficinas é bastante expressiva, ultrapassando muito o número de vagas
oferecidas. Se, por um lado, ficamos angustiados por não poder dar conta da demanda, por outro o movimento
parece explicar a grande adesão por parte dos estudantes ao projeto.

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barateamento da aparelhagem e certa faci- serviço de radiodifusão e conhecimentos
lidade de transmissão via web, tem configu- técnicos de como montar uma web rádio
rado um alto grau de mobilização. para os participantes. O sucesso da oficina
teve sua culminância com a transmissão
Hoje, no Brasil, a rádio é um veículo de comu- (ao vivo) do áudio produzido nas palestras
nicação de caráter limitado, com restrição através da Webrádio Paraíso no site www.
ao seu uso, direcionado ao interesse comer- cinemaparaiso.ning.com e no www.ffpuerj.
cial e com mínimo papel de mídia cultural, ning.com e a criação, por parte dos estudan-
11
educativa e artística. A Lei n. 9.612/98, que tes, de uma variada grade de programas .
trata diretamente de rádio do serviço de ra-
diodifusão comunitária, apesar de reconhe- Assim, a proposta em curso visa consolidar
cer as rádios comunitárias, não solucionou o espaço da Webrádio no interior do Labora-
as questões burocráticas para o funciona- tório Audiovisual Cinema Paraíso, junto às
mento das mesmas, além de limitá-las a um demais oficinas do projeto, em que os gra-
espaço reduzido. O ciberespaço é uma linha duandos e a comunidade externa tenham
de fuga para se pensar o futuro do serviço de oportunidade de exercitar, dentro da produ-
radiodifusão diante do sistema rádio digital e ção de programas, o pensamento não só de
as normas da Lei n. 9.612/98, não como único receptor, mas de produtor de mídias, como 24

meio, mas como mais uma ferramenta para já ocorre no Cinema Paraíso.
o serviço de radiodifusão e do direito de livre
comunicação, atrelado a outros modos de Um espaço livre, inventivo, experimental,
fazer e pensar rádio. Rádio-arte. colaborativo e com um elo fundamental – a
valorização da experiência estética no pro-
Realizamos no mês de novembro de 2009 a cesso formativo. Assim caminhamos, com
1ª Oficina de Webrádio, que proporcionou o inestimável apoio da FAPERJ, mais de 30
um conhecimento sobre o pensamento do estudantes, entre bolsistas e voluntários,

11 Programas em andamento: DemoShow – programa direcionado a bandas que não estão circulando nas
grandes mídias. Canal positivo para divulgação de trabalhos de bandas de garagem, bandas que tocam em bares,
para o artista do anonimato; Estômago musical – programa que une culinária variada (gente de todas as idades e
gostos indicando receitas) e música; EnQuantun – programa de entrevista com professores pesquisadores; Encontros
de Po & Sai – programa de poemas e poesias, trabalha com poetas que marcaram a história e também com poetas
da comunidade; Cinema Cego – programa que retransmite filmes em que o áudio está em destaque e debate sobre
a construção dos mesmos; Ritornelo Urbano – programa que visa debater questões sociais, culturais e políticas
nos centros e periferias urbanas; Roda Marginal – programa de entrevistas com artistas, produtores culturais etc.,
sobre a questão cultural no Estado do Rio de Janeiro, também para divulgação de trabalhos; Meio dia, Meia noite –
programa de agenda cultural; Paradigmas Verbalizados – programa para que os graduandos/pesquisadores debatam
sobre suas pesquisas e trabalhos acadêmicos.

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professores efetivos, contratados e colabo- democrático, instigante, alegre e prazeroso
radores, como Daniela Araújo, que ministra e, portanto, potente. Junte-se a nós. Partici-
as oficinas de produção audiovisual, e a co- pe. Assista. Divulgue.
ordenadora da Webrádio, Helen Ferreira, ar-
tistas e ativistas culturais da comunidade in- Laboratório Audiovisual Cinema Paraíso e
terna e externa, que constituem um coletivo Webrádio Paraíso

25

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TEXTO 3

As crianças e a TV
Televisão: apenas um dos canais de dialogia entre o
adulto, a criança e o mundo
1
Katia de Souza e Almeida Bizzo

Este texto tem por objetivo trazer à tona a que a criança é um vir a ser, ou seja, algo que
reflexão sobre a relação da criança com a te- ainda não é.
levisão e dos adultos com essa relação. Para
tanto, é preciso refletir sobre a forma como Outra forma costumeira de perceber a infân-
as diferentes infâncias são olhadas e perce- cia é questionando o que as crianças de hoje
bidas pela sociedade e qual o lugar que os não vivem, comparando com a infância que
programas televisivos ocupam nesse entor- os adultos tiveram. A cultura de infância de
no social, nos dias de hoje. hoje, de uma forma geral, é bem diferente da
cultura de 30 anos atrás e os adultos costu-
26
A história social da infância mostra que os mam lamentar essa diferença, percebendo o
mundos etários mudaram seus lugares na que atualmente se deixa de fazer quando se
sociedade no decorrer dos anos. Antigamen- é criança.
te, as crianças eram vistas como seres sem
identidade, sem sabedoria. Seres que viriam Durante muito tempo, foi costume manter a
a ser adultos, mas que ainda não tinham a criança à margem da família, longe da idade
importância de um ser humano constituído, da razão (ARROYO, 1994). A mudança de olhar
como os adultos. Na medida em que a vida para essa geração está relacionada à mudan-
foi acontecendo, a visão de infância foi se ça de outros sujeitos, como as mulheres, que
transformando. Atualmente, vivemos em também ganharam espaço de autonomia na
um período que, enquanto muitos pesquisa- sociedade e tal mudança contribuiu direta-
dores abordam o tema da infância, reconhe- mente para novas interações com as crian-
cendo-a como legítima em suas plenitudes, ças. O afastamento da mulher das atividades
complexidades e lógicas, na prática, ainda do lar, incluindo a diminuição da disponibili-
há, de forma bem contundente, a cultura de dade para educar seus filhos, fez com que a

1 Formada em Marketing e Pedagogia, especialista em Educação Infantil, pela PUC/RJ, Mestre em Educação
pela UERJ e professora de Educação Infantil na rede particular do Rio de Janeiro.

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educação fosse coletivizada e a infância dei- formações, prazeres, leituras de mundo e
xasse de ser categoria familiar para se tornar sentimentos.
categoria social (ARROYO, 1994).
O que acontece é que nós, adultos, não es-
Tais condições não mudam o fato de que as tamos preparados para lidar com diálogos
crianças ainda ficam à mercê do controle que não consideramos próprios para as
adulto, seus responsáveis, que apresentam crianças. Ainda acreditamos na inocência
um poder legitimado sobre a categoria ge- e na ingenuidade desta faixa etária e ainda
racional mais nova, deixando esta em lu- desejamos preservá-la de assuntos consi-
gar de obediência, mantendo então uma derados adultizados. O que é preciso per-
classe subalterna que, além de diferente, ceber é que não há mais como poupá-las e,
vive também em situação de desigualdade por sua vez, elas não são mais tão ingênuas
de direitos sociais. Por outro lado, isso não e inocentes, o que não quer dizer que não
impossibilita que as crianças participem do fazem leituras diferenciadas e específicas
que acontece no mundo e de assistirem à das características de sua geração. Sim,
violência, de qualquer tipo que se classifique são leituras diferentes, com outros filtros
(assaltos, mortes, violência sexual, roubos, e relações; são interpretações relativas
corrupção, desrespeito etc.), presente no co- às suas vivências e formas de lidar com a 27
tidiano, seja através da televisão, seja dentro vida, que possuem olhar de criança. Elas
de suas casas, seja na escola ou nas ruas. As- são crianças! Só não são as crianças que
sim sendo, as informações são transmitidas fomos na idade delas.
e elas as interpretam de acordo com suas
interações com o mundo, mas, o que é pró- Essa percepção interfere nos hábitos de as-
prio da infância e o que é próprio do mundo sistir aos programas de televisão, pois, para
adulto? Onde fica a tênue linha que separa aliviar essa tensão, os adultos tendem a bus-
essas visões? Como crianças e adultos se po- car movimentos opostos que viabilizem es-
sicionam em relação a isto? paços que garantam as comunicações desti-
nadas a cada faixa etária: maior quantidade
Penso que a verdade é que não existem esses de programas e canais de televisão infantis,
universos paralelos. Eles estão entrelaçados espaços reservados em restaurantes e shop-
no cotidiano de todos. Adultos participam pings para deixar as crianças, televisões nos
de atividades voltadas para a infância como quartos dos filhos, maior oferta de espaços
as crianças participam de atividades volta- educacionais e cursos extras (balé, judô, in-
das para os adultos, pois são seres que se glês, capoeira...), maior duração do período
relacionam constantemente, trocando in- escolar etc.

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A tentativa de controlar o que é próprio da Com isso, podemos perceber que a comuni-
infância e separar do que é considerado pró- cação televisiva vem ganhando espaço signi-
prio do adulto ocorre na intenção de preser- ficativo na vida das crianças, que vão cons-
var as crianças de materiais assustadores e truindo seus conceitos e valores nos tempos
traumáticos, porém, sem diálogo e percep- de hoje, levando em conta as relações esta-
ção do universo infantil, fica difícil para os belecidas dentro dos seus universos e, con-
adultos acertarem nessa classificação. Isto sequentemente, formando opiniões sobre a
acontece porque a interação das crianças sociedade em que vivem e atuam.
com a mídia televisiva não se dá da mesma
forma com os adultos, ou seja, o que provo- São inúmeras fontes de informação, que estão
ca medo e angústia em uma categoria ge- facilmente ao alcance do espectador infantil,
racional não necessariamente provocará as como outdoors, revistas, jornais, programas
mesmas emoções na outra geração. É per- televisivos – sejam destinados aos adultos ou
ceptível, principalmente ao dialogar com as às crianças – comerciais e internet, que com
crianças, que suas leituras sobre o que assis- suas mensagens voltadas para esta parte da
tem são diferentes das leituras dos adultos. população, ou não, promovem a interação
Não considero leituras inocentes, puras e in-
entre emissores e receptores, considerando
gênuas, mas, sim, repletas de sensibilidade – 28
que estes não são sujeitos passivos e elabo-
característica desta geração – de uma forma
ram novas leituras sobre o que assistem, de
mais ampla, de vivências distintas e de um
acordo com suas próprias vivências.
saber próprio à infância, que não domina-
mos e muitas vezes, sequer percebemos.
Para complementar, os meios de comunica-

Por sua vez, nessa busca de garantir às ção também pesquisam sobre as preferên-

crianças o que os adultos consideram ade- cias infantis e as redes de televisão montam

quados para as mesmas, cria-se um abismo mapas sobre os índices de audiência das

cada vez maior entre as gerações, pois sur- diferentes faixas de telespectador em suas

gem linguagens tão próprias das infâncias programações. Pesquisas da empresa Rede

que os próprios adultos não conseguem Globo, líder do mercado nacional televisivo,

entender e, assim, as crianças são levadas a mostram que os programas mais assistidos

dialogar mais com a televisão do que com os pelas crianças nesta emissora são as teleno-
2
próprios pais (BUCKINGHAM, 2007). velas , com audiência infantil maior do que

2 Segundo as informações da página http://comercial.redeglobo.com.br/informacoes_comerciais_manual_


basico_de_midia/ manual_basico_publico.php, retiradas no dia 11 de março de 2008, as crianças apresentam 12
pontos de audiência em programas infantis, 14 pontos de audiência em programas de jornalismo e 15 pontos de
audiência em telenovelas.

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os próprios programas destinados a essa fai- vividas e o que se narra, para quem narra
xa etária. e o que se constrói a partir delas. Assim, a
criança é percebida como parte da história,
Outro fator de relevância que precisa ser produtora de cultura, dentro da classe social
destacado é sobre o estudo de recepção. na qual está inserida.
Não podemos perder de vista que o recep-
tor não pode ser considerado “tabula rasa”, Diante de tais fatos, pode-se perceber que a
ou seja, um recipien- televisão tem a sua im-
te vazio onde as ideias portância, mas é ape-
podem ser deposita- nas um dos fatores que
É a partir do diálogo e
das, mas também não influenciam a constru-
é ele quem comanda a de um olhar renovado ção cultural de cada
transmissão da men- e aberto às incertezas criança, pois, cada vez
sagem, como o merca- que poderemos mais, fica difícil sepa-
do publicitário diz em conhecer melhor as rar, na nossa sociedade,
seus slogans, alegan- o que é adulto do que é
diferentes infâncias e
do que o consumidor infantil, por mais que
pensar em propostas 29
é quem tem a palavra. fique claro que adultos
O poder dessa comuni-
de uma educação mais e crianças produzem
cação está na relação verdadeira e saudável leituras diferenciadas
viva entre esses dois para as mesmas. do que vivem e atuam
lados da comunicação, também de forma dife-
percebendo o processo renciada. O mundo é o
de recepção como um mesmo!
mecanismo de interação, de negociação do
sentido (MARTÍN-BARBERO, 2002). Não defendo aqui a ideia de que tudo deve
ser exposto para as crianças, mas sim a cer-
Nesse caminho, as contribuições de Benja- teza de que estamos subestimando a capa-
min (2000) também devem ser contempla- cidade de compreensão desta faixa etária.
das. Benjamin ressaltou a capacidade de as Se dialogarmos com elas, possibilitaremos
crianças recriarem e construírem novos sen- novas reflexões e críticas sobre o que foi
tidos para as tradições culturais da época assistido, entendendo a recepção da mí-
em questão, revelando seus próprios olha- dia, também, como um fenômeno social no
res, pensamentos, sentimentos e suas lei- qual as crianças buscam definir uma identi-
turas de mundo. Valorizou as experiências dade social a partir do que refletem e inte-

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ragem com a mídia e com a vida (BUCKIN- contrar a chave mágica que as manterá
GHAM, 2007). É a partir do diálogo e de um para sempre presas entre seus muros. As
olhar renovado e aberto às incertezas que crianças estão escapando para o grande
poderemos conhecer melhor as diferentes mundo adulto – um mundo de perigos
infâncias e pensar em propostas de uma e oportunidades onde as mídias eletrô-
educação mais verdadeira e saudável para nicas desempenham um papel cada vez
as mesmas. mais importante. Está acabando a era
em que podíamos esperar proteger as
Certamente, concordo com o sentimento crianças desse mundo. Precisamos ter a
de extinção de um tipo de infância que eu coragem de prepará-las para lidar com
e todos da minha geração vivemos, mas as ele, compreendê-lo e nele tornar-se parti-
crianças de hoje têm acesso a outras possibi- cipantes ativas, por direito próprio (BU-
lidades de interação, de experimentação, de CKINGHAM, 2007, p. 295).
brincadeiras, diálogos e, portanto, de outras
leituras de mundo. Na visão destas novas Na busca do controle do que deve ou não

infâncias pós-modernas, há de se conside- ser assistido pelas crianças, pouco escuta-

rar a influência da televisão em todas elas, mos sobre o que elas têm a nos dizer. Te-

principalmente no Brasil, onde este meio nho consciência de que jamais poderemos, 30
audiovisual se encontra em quase todos os nós, adultos, assumir o ponto de vista das
lares, de todos os cantos do nosso país. Ao crianças e de que não há perguntas certei-
mesmo tempo, ao se considerar infâncias ras para se atingir a esse fim, mas há a ne-
que nós, adultos, não vivemos, perdemos o cessidade de escutá-las e de buscar diálogos
controle sobre o que pensam, fazem ou sen- que enriqueçam as possibilidades de nossas
tem, pois não temos na nossa experiência a reflexões, interagindo, ao menos, com suas
vivência das novas infâncias. Portanto, vejo vozes e nossas interpretações.
no discurso do “fim da infância” um pouco
de angústia da geração mais antiga, por ver, Durante muitos anos e ainda presente nos
junto com esse fim, o término de um elo tempos atuais, a criança foi (e muitas vezes
de afinidades. Precisamos, então, construir ainda é) vista como um sujeito a ser cons-
novos elos, sem descartar as diferenças e a tituído, representado por suas faltas. Faço
importância da interação das distintas cate- aqui a proposta de vermos a situação por
gorias geracionais. Há de se considerar que: outro ângulo: somos nós que ainda não con-
seguimos vê-las como elas são. Neste caso,
Não podemos trazer as crianças de vol- nós somos os seres que apresentam faltas
ta ao jardim secreto da infância ou en- e que precisam vir a ser. Vir a ser mais sen-

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sível à fala, ao silêncio e aos gestos infantis BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas II: rua de
que revelam diferentes formas de perceber mão única. São Paulo: Brasiliense, 2000.
e de se relacionar com o mundo. Ainda não
conseguimos entender este universo infantil BUCKINGHAM, David. Crescer na era das mí-
no seu todo e nem sei se um dia consegui- dias eletrônicas. São Paulo: Edições Loyola,
remos, mas esse novo olhar é essencial para 2007.
poder refletir sobre a relação da criança com
a televisão e, neste caso, quem está em si- MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e

tuação de ainda não conseguir, somos nós, os anos recentes: o estudo da recepção em

adultos, e não as crianças. comunicação social. In: SOUSA, Mauro Wil-


ton de (org.). Sujeito, o lado oculto do recep-
tor. São Paulo: Brasiliense, 2002.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REDE GLOBO. Dados do Ibope sobre audiên-
ARROYO, Miguel Gonzalez. O significado da cia. Disponível em: <http://comercial.rede-
infância. In: Anais do Simpósio Nacional globo.com.br/informacoes_comerciais_manu-
de Educação Infantil. MEC/SEF/DPE/COEDI, al_basico_de_midia/manual_basico_publico.
1994. php>. Acesso em: 11 de março de 2008. 31

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Presidência da República

Ministério da Educação

Secretaria de Educação a Distância

Direção de Produção de Conteúdos e Formação em Educação a Distância

TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO

Coordenação-geral da TV Escola

Coordenação Pedagógica

Supervisão Pedagógica
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Acompanhamento Pedagógico
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Coordenação de Utilização e Avaliação 32


Mônica Mufarrej
Fernanda Braga

Copidesque e Revisão
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Diagramação e Editoração
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Setembro 2010

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