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A voz humana e a Poesia

Adolfo Casais Monteiro

A poesia é uma presença ameaçada a cada momento, e um sopro que a mais leve aragem é
capaz de dispersar para nunca mais. Assim, é a poesia – na iminência de nascer: a poesia que é
ainda nuvem imprecisa na mente do poeta, gesto suspenso antes sequer da folha em branco. Era
talvez melhor que tivesse escrito: o desejo de poesia, a esperança de poesia, a necessidade de
poesia. Eis o que é preciso salvar e permitir que se cumpra. Mas para isso é necessário não
assassinar o poeta.
O poeta alimenta-se da realidade quotidiana – como qualquer um não-poeta. Mas enquanto
neste último essa realidade passa, nele fica, e prolonga-se. Sob as formas mais contraditórias, e
mais absurdas. Prolonga-se e passa a ser outra realidade, uma realidade nova, com uma nova
dimensão. No laboratório impenetrável, a vida propõe imagens da realidade que a realidade nunca
teve. A vida inventa-se no poeta, e estende através dele tentáculos imprevisíveis para se fazer mais
vida, e para tornar a realidade mais real.
O que importa na poesia não é a forma, mas o que a forma pôde guardar em si, que é feita
para guardar em si. A forma não é senão a condensação daquela nuvem imprecisa do primeiro
parágrafo. Sem a nuvem não há forma, ou, por outras palavras, não existe a forma antes da
nuvem, ou ainda: não existe a poesia antes do homem. Como o leitor já entendeu, estou
escrevendo contra a poesia à qual, por um lamentável abuso, se chama concreta, e que é a última
em data das maneiras que a história registra, para evitar a poesia, em geral sob o aspecto de
imitações da poesia, e agora como imitação da semântica e artes congêneres.
Mais propriamente: não estou realmente a falar contra a poesia concreta, mas unicamente a
pensar que é deplorável que haja pessoas assustadas com os falsos problemas com que os poetas
concretos procuram iludir um problema humano, fingindo que é um problema de palavras. Na
realidade, não havia crise nenhuma a resolver. A crise em que a poesia estava é aquela mesma em
que sempre esteve, e sempre estará: a de não haver poesia que chegue para todos os que
pretendem encontrá-la nos seus próprios versos, e que continuam combinando as palavras
segundo as receitas habituais. Desde sempre houve esta aliás respeitável ambição de se ser poeta
por parte de muitos que apenas conseguem tirar mais uma cópia da última – ou da penúltima, ou
da antepenúltima, porque há sempre uns de relógio mais atrasado – fórmula, que resultou do
último encontro do homem com a poesia. E cada um destes encontros se torna fórmula porque
assim o quer a humana condição. E portanto é necessário que nos libertemos da última fórmula,
para que a poesia e o homem se encontrem novamente, a sua virgindade se renove
maravilhosamente.
Os poetas concretos quiseram fazer a receita antes de ter surgido tal novo encontro.
Elaboraram a teoria do que ainda não existia. Quiseram fazer a gramática duma língua que ainda
não tenha sido proferida pela boca incerta dos homens, que ainda não se tinha debatido nas
angústias da formação. Foram os gramáticos mais gramáticos que jamais existiram sobre a terra,
porque até aqui os gramáticos esperavam que a língua tivesse nascido para fingir serem eles que a
tinham feito.
Os jogos sutis da poesia concreta esqueceram que a poesia existe porque existe a voz, a voz
humana. Seu erro não consistiu em supor que a poesia é apenas feita de palavras, mas sobretudo
em supor que a palavra é uma “coisa”, e que as ligações entre palavras são...ligações entre
palavras. A poesia sem a voz humana é o mesmo que a vida sem o coração batendo: não é.
A forma, em qualquer sentido que se lhe dê, quando se trata de poesia, só vale na medida
em que fez dum pressentir, dum imaginar, que por si não são comunicáveis, um “objeto” que
reproduz, ou melhor, que ressuscita, numa dimensão ao alcance dos outros, o que foi pressentido
e imaginado num espírito (ou alma, ou sensibilidade, ou consciência, ou razão) individual. A forma
é, pelo milagre da voz humana, a quebra das paredes dentro das quais cada um de nós esta
encerrado. A palavra, na poesia, é um pouco de voz humana fundida em bronze – mas é a voz
humana.
As por vezes bonitas combinações de palavras dos concretistas não têm maneira de
comunicar nada porque pretendem quebrar o fio que liga a palavra à voz. Tira-lhes a inflexão, tira-
lhes o títmo, tira-lhes a música (no mais lato sentido que uma destas palavras possa ter). E tudo
isto, segundo dizem, porque se tinham esgotado as possibilidades de expressão da poesia anterior
ao concretismo. É como se, para resolvermos o problema da falta de água, decidíssemos tomar
banho em pedra, ou beber areia...
Desde o princípio da poesia, as suas crises e os seus desvios, as suas recusas e as suas
falsificações resultaram sempre da repetição duma forma, que deixara de ter uma voz humana
atrás de si. A voz que passavam a “fingir” deixara de ter vida, porque nada pulsava nela, nem
nenhum coração, nem nenhum sexo, nem nenhuma raiva. E, de cada vez, a voz humana
restabeleceu o domínio da situação. E se a poesia acabar, é porque os homens acabaram. Se é isso
que os concretistas querem dizer, se se demitem da humanidade, é uma responsabilidade que
assumem por sua conta e risco. Se não têm nada mais para dizer, confessam portanto que nada
mais têm para dizer. Mas não digam que só pode haver poesia com um xadrez de palavras mortas.
Digam então que há um xadrez de palavras mortas, que gostam de jogar xadrez, e que ninguém
tem nada com isso. Então passaremos a não ter nada com isso, o que é precisamente o mais
ardente desejo de muita gente, entre a qual peço licença para fazer a minha inscrição.

CASAIS MONTEIRO, Adolfo. A voz humana e a poesia. São Paulo, O Estado de São Paulo, 14 de
setembro de 1957. Suplemento Literário do Estado de São Paulo, Ano I, no. 48, p. 6.

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