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Jean Marcus Briante

Sci- Hub como um agente conflitivo entre a ciência e o mercado

Resumo
Nesta pesquisa busquei analisar o efeito que a pirataria de artigos científicos causa no
fazer científico e na fruição da ciência. Diante de um novo modelo de divulgação e
comunicação científicas, onde a internet consiste na principal ferramenta de pesquisa, o
monopólio sobre um produto da ciência como um artigo científico é cada vez mais difícil.
Ainda assim, as grandes editoras lutam pela propriedade sobre as pesquisas publicadas em
suas revistas. Neste cenário, surgem sites como o Sci-Hub que buscam eliminar por completo
as barreiras da comunicação científica e acesso à informação. No processo de produção e
legitimação de um fato científico um mesmo conhecimento passa por diferentes ambientes -
laboratórios - editoras - centros de ensino - empresas -, sendo todos estes locais essenciais
para a sua formulação, porém erros de tradução na passagem do conhecimento científico
entre estes diferentes campos podem ocasionar em uma desvirtualização deste conhecimento,
transformando por ventura um fato científico em mercadoria ou um conhecimento
cristalizado num artigo científico em uma publicação mensurada por um valor econômico.

Palavras-chave: Sci-Hub; Epistemologia; Ciência e Sociedade; Sociologia do


Conhecimento; Direitos autorais.
2

Introdução
“O mais importante e menos estudado dos veículos
retóricos é o artigo científico”
Bruno Latour1
“​If it were not for Sci-Hub – I wouldn't be able to do my
thesis in Materials Science (research related to the
structure formation in aluminum alloys)
Alexander T.2

“​If your research does not generate papers, it might just


as well not have been done. Interesting and unpublished
is equivalent to non-existent”
George M. Whitesides3

Nesta pesquisa busco analisar o efeito que a pirataria de artigos científicos causa no
fazer científico e na fruição da ciência. Diante de um novo modelo de divulgação e
comunicação científicas, onde a internet consiste na principal ferramenta de pesquisa, o
monopólio sobre um produto da ciência como um artigo científico é cada vez mais difícil.
Ainda assim, as grandes editoras lutam pela propriedade sobre as pesquisas publicadas em
suas revistas. Neste cenário, surgem sites como o Sci-Hub que buscam eliminar por completo
as barreiras da comunicação científica e acesso à informação. Farei uso da noção de campo
de Pierre Bourdieu para compreender a relação do campo científico com o campo econômico
representado pelas editoras. Bruno Latour é outro autor que me ajudará a entender a
especificidade do artigo científico, e como um texto pode adquirir tanto valor e agência sobre
o fazer científico.
As citações iniciais deste texto me ajudarão a construir uma espécie de mapa dos
agentes que operam na comunicação científica praticada através das publicações em revistas.
Agentes que leem e escrevem de uma forma prática buscando comunicar seus resultados e
serem reconhecidos pelas suas contribuições. Esses agentes podem ser divididos em dois
tipos ideais: cientistas - que cristalizam suas pesquisas dentro de um artigo e o submetem à

1
LATOUR, Bruno. ​Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. ​São
Paulo, Editora Unesp, tradução de Ivone C. Benedetti, p.55, 2000.
2
“​Se não fosse pelo Sci-Hub - eu não seria capaz de fazer minha tese em Ciência dos Materiais
(pesquisa relacionada à formação da estrutura em ligas de alumínio).” ​Comentário retirado da página
inicial do Sci-Hub contendo uma espécie de testemunho de um usuário do site.
3
WHITESIDES, George M. ​Whitesides’ Group: Writing a Paper.​ Advanced Materials.2004, 16, No.15,
August 4. pp. 1375 - 1377. “​Se sua pesquisa não gera artigos, talvez ela não deveria ter sido feita.
Interessante e não publicado é equivalente a não existente.”
3

publicação -; e editores - responsáveis por avaliar esses artigos, os aceitando ou negando.


Tipos ideais pois, como será mostrado ao longo do texto, estes agentes misturam-se, muitos
deles circulam nos dois espaços, editores não são leigos e cientistas devem conhecer as regras
do mercado editorial se quiserem seus materiais publicados.

O artigo científico

Em ​A Vida de Laboratório ​(LATOUR; WOOLGAR, 1997 [1988]), Bruno Latour e


Steve Woolgar descrevem como são construídos os fatos científicos. Durante a prática
científica muitas pessoas e equipamentos são mobilizados visando a solução de um problema,
a negação de um fato anterior e/ou a comprovação de um novo fato científico. Diante de um
resultado relevante, o cientista precisa comunicá-lo aos seus pares. É este portanto o papel do
artigo, agir sobre o campo científico. Porém, no que consiste este conjunto de caracteres,
gráficos e tabelas, e de onde provém toda a sua relevância e agência? Muito mais do que uma
mera enunciação dos fatos, o artigo científico se transforma num simulacro de todo aquele
empreendimento e prática científicos, carregando nas suas linhas todas as ações e pessoas
envolvidas no processo. Por isso os autores de ​A Vida de Laboratório dizem que os fatos
científicos são construídos através de um processo de ​inscrição literária​, visando transformar
práticas científicas e matérias em escrita. Este resultado quando atingido - seja ele um gráfico
ou uma tabela com números - torna todo o percurso para a sua obtenção dispensável de
enunciação. ​Estando toda aquela prática científica traduzida verbalmente ou através de uma
tabela, têm-se agora matéria-prima para a construção do artigo, o produto final de uma
extensa trajetória composta por muitas práticas que diferem bastante do ato de escrever. É
esta a peculiaridade do artigo científico que o faz ser tão eficaz na comunicação entre
cientistas; ele comprime processos longos e dispendiosos em poucas linhas ou na curva de
um gráfico, possibilitando a dinâmica necessária a uma prática científica que tem como um
de seus nortes o ​avanço.

A revista científica

Dada a natureza e o significado dos artigos vê-se o quão fundamentais são as revistas
para o fazer e comunicação científicas. São os periódicos os responsáveis pela estruturação da
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divulgação dos resultados da ciência, evitando duplicações e acelerando a atualização dos


pesquisadores. Revistas científicas existem já há mais de 350 anos, com as primeiras
publicações do ​Journal des sçavans ​e ​Philosophical Transactions of the Royal Society​, na
França e Inglaterra respectivamente, e durante muito tempo essa relação entre o mercado, no
papel das revistas, e a ciência se mostrou vantajosa, difundindo o conhecimento e
possibilitando a comunicação entre os pesquisadores.
A Grande Transformação ​(POLANYI, 1940) ​de Karl Polanyi consiste na
sobredeterminação do mercado sobre as outras instituições. Assim, o mercado que antes
estava submerso nas relações sociais, emergiu dessa superfície e se transformou no princípio
organizador da sociedade a partir do início do século XIX. Um dos resultados do sistema
econômico regendo a sociedade é a mercantilização de muitos objetos que até então não eram
mercadorias - ​como o trabalho, a terra, o dinheiro, e porventura, o próprio conhecimento
científico​. O mercado passa a ser determinante na sua relação com as outras instituições.
Dessa forma, na relação entre o mercado editorial científico e a produção científica aqueles
que fazem ciência estariam submetidos aos editores das grandes revistas. São estes últimos
que determinarão o que será publicado e o que é ciência de verdade.
A noção de campo de Pierre Bourdieu nos ajuda a analisar a relação entre estes dois
universos. Para Bourdieu, cada campo seria ​um mundo social como os outros, mas que
obedece a leis sociais mais ou menos específicas​. Para o autor todo campo é um microcosmo
relativamente autônomo, podendo sofrer pouca ou muita interferência do macrocosmo social
e de outros campos. Quanto mais autônomo um campo maior a sua capacidade de refração
das influências externas, ou seja, maior sua capacidade de transfigurar as imposições externas
ao ponto delas tornarem-se irreconhecíveis (BOURDIEU, 2003 [1997]). Na relação entre os
campos econômico e científico é nítido que o mercado obtém uma maior autonomia, já que a
produção científica se transforma num outro produto ao chegar às editoras, ao passo que as
imposições do mercado acabam regendo o fazer científico e a própria definição do que é
ciência.
Editoras, científicas ou não, são empresas com fins lucrativos, logo precisam de
dinheiro para funcionarem e serem efetivas. Tradicionalmente este recurso vinha dos
assinantes das revistas, que eram tanto universidades quanto pesquisadores individuais, e
enquanto o mercado físico das revistas era o que prevalecia não haviam desequilíbrios nos
caixas das editoras.
5

Além da grande transformação de Polanyi, a outra transformação que nos interessa


neste cenário é a digitalização desse mercado da informação observada com mais intensidade
aproximadamente nos últimos 15 anos, fazendo com que hoje a internet consista na principal
fonte de material para pesquisa. Esta transformação merece ser citada, pois não se trata
apenas de uma maior conveniência de acesso à informação. A digitalização de trabalhos
acadêmicos amplia o alcance das pesquisas e democratiza o conhecimento. Através da busca
por palavras-chaves, um pesquisador pode agora encontrar um artigo escrito em um país
periférico e citá-lo em seu trabalho, algo que raramente acontecia nos moldes tradicionais de
pesquisa.
Entre as desvantagens do novo modus operandi de obter e difundir informação está a
possibilidade de reprodução ilimitada de um objeto. Algo que poderia ser vantajoso se torna
um problema para as editoras, que passam a perder o controle sobre a propriedade do
material. ​Com a emergente extinção do mercado físico das revistas essas assinaturas
passaram a ser digitais, como uma tentativa de obter lucro por meio do acesso privilegiado a
pesquisas àquele que pagasse pelo seu acesso.
Um estudo publicado na Plos One, revista open access, de acesso gratuito portanto,
mostra o oligopólio existente no mercado editorial de revistas científicas (​LARIVIÈRE, V.
HAUSTEIN, S. MONGEON, P. 2015)​. O levantamento é feito com base em 45 milhões de
artigos publicados entre 1973-2013, e mostra que a produção neste período não só cresceu em
níveis quantitativos, como a concentração dessas publicações entre as grandes editoras
científicas aumentou ainda mais. Os resultados mostraram que as maiores editoras controlam
mais da metade do mercado de produções científicas de revistas das Ciências Naturais e
Médicas e nas Ciências Sociais - ​sendo que nessas áreas apenas 5 grandes editoras
concentram mais de 50% de toda a publicação científica atual: Reed-Elsevier,
Wiley-Blackwell, Springer, Wolters Kluwer e Taylor & Francis. A participação dessas cinco
editoras comerciais no mercado de publicações científicas saltou de apenas 20% em 1973
para 30% em 1996, alcançando 50% em 2006 e mantendo esse nível até 2013, quando então
atingiu os atuais 53%, crescendo graças a fusões e aquisições de revistas de outras editoras
menores
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O Sci-Hub

o Sci-Hub é um website criado em 2011 que conta atualmente com mais de 64


milhões de papers acadêmicos e artigos científicos disponíveis para download. O que torna o
Sci-Hub um causador de conflito no campo científico e/ou editorial é o fato de grande parte
do material disponível no site só ser acessível tradicionalmente mediante pagamento do
leitor. O site foi criado pela cazaque Alexandra Elbakyan como uma reação ao alto custo de
acesso a papers de pesquisa, que circulam em torno de US$30 por artigo em média. Dessa
forma, a grande barreira na comunicação científica é criada pelo mercado editorial
dominante, que não só cobra do cientista pela publicação do material como cobra valores
pouco acessíveis aos seus leitores, principalmente nos casos de países em desenvolvimento4.
Sendo assim, no cerne do protesto de Elbakyan, que aos poucos ganhou apoio de boa parte do
corpo científico, está o livre acesso a produções científicas de qualquer natureza, removendo
todas as barreiras no caminho da ciência. Uma vez que os cientistas não ganham dinheiro das
editoras diretamente, e as pesquisas são financiadas com dinheiro público em boa parte do
mundo, não há por que o ramo editorial possuir alguma espécie de propriedade intelectual
sobre artigos que por vezes são fontes primárias necessárias para a pesquisa.
O Sci-Hub opera da seguinte forma para tornar gratuitos artigos científicos privados:
cientistas solidários a ideia do Sci-Hub cedem suas senhas de acesso, popularizando assim o
conteúdo das revistas das quais ele é assinante. A partir daí, cada artigo que é baixado passa a
fazer parte de um banco de dados do próprio Sci-Hub, ficando disponível para um próximo
download sem passar por esse processo novamente.
O Sci-Hub e outros sites semelhantes não podem ser vistos como uma causa do freio
nos lucros das grandes revistas, e sim como uma consequência de uma ciência mais
democrática, cujo intuito é tornar o acesso a suas produções disponíveis do entusiasta da
ciência ao pesquisador de ponta. Mesmo assim, em 2017, a corte de Nova York determinou
que o Sci-Hub juntamente com o Library Genesis Project - outro site que opera de maneira
análoga ao Sci-Hub - deveriam pagar mais de US$ 15 milhões de dólares ao grupo editorial

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Esse sistema pode variar dependendo do país, onde o cientista pode não pagar nada como até ser
ressarcido pela divulgação do material. Mas existem casos onde o pesquisador paga pela publicação
do artigo, mesmo após a revisão por pares, e depois precisa pagar caso queira ter acesso ao próprio
material na revista.
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Elsevier5. Isso porque mais de 50% do material baixado no Sci-Hub pertence a apenas três
grupos editoriais, sendo a Elsevier o principal deles.

Objetivos

O objetivo desta pesquisa é encontrar quais os efeitos que sites que disponibilizam
artigos privados gratuitamente causam no fazer científico e na fruição da ciência, e se esses
efeitos são vantajosos ou não, tomando como objeto principal o Sci-Hub devido ao seu
protagonismo na discussão. Dentro do modelo estruturado de publicação científica, o
mercado editorial é responsável por pré-determinar a prática científica, uma vez que cientistas
são obrigados a publicar nas principais revistas, por uma questão de prestígio ou como
resultado dos próprios critérios de evolução na carreira acadêmica.
Dessa forma, o que a democratização desses artigos oferece na prática científica e na
fruição da ciência no mundo? Quais são os efeitos de um resultado científico ser acessível por
qualquer pessoa?

Metodologia

A partir de duas abordagens teóricas buscarei compreender os efeitos que o Sci-Hub


causa na prática científica. As abordagens antropológicas de Latour e Knorr-Cetina voltarão a
análise para os agentes que operam neste campo, e segui-los dentro dos limites que me foram
impostos na pesquisa. A noção de campo de Pierre Bourdieu me ajudará a analisar as relações
necessárias e conflituosas entre o campo econômico e o campo científico, bem como a
hierarquia epistemológica que existe entre os dois campos.

5
Ler a respeito em:
<​https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/26/Como-est%C3%A1-a-briga-do-Sci-Hub-o-%E2
%80%98Robin-Hood-da-ci%C3%AAncia%E2%80%99-com-as-grandes-editoras​>
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Na próxima seção farei uma breve discussão bibliográfica baseada nos autores que
dentro da sociologia da ciência inserem a prática científica como uma atividade social.
Reservarei a seção 3 para aquilo que chamarei de esboço de um devir editorial-científico;
farei esse exercício com base em um caso particular de um professor da UFSCar que
encontra-se dentro dos dois espaços, sendo pesquisador no Departamento de Engenharia de
Materiais da universidade, e um dos editores de uma revista de grande impacto na subárea em
que faz suas pesquisas. Na seção 4 tratarei do Sci-Hub, e quais os efeitos que sites dessa
natureza causam na prática científica. A seção 5 será reservada para a conclusão da pesquisa.

Ciência e Mercado

À obra de Thomas Kuhn, ​Estrutura das Revoluções Científicas ​(1962), pode ser
atribuída a ruptura com a visão da ciência como sistema autônomo de produção de verdades.
Na esteira dos estudos de Kuhn várias outras obras surgiram sempre tratando da ciência como
um tema social. Meu objetivo neste trecho do texto é discutir as principais teorias que trazem
a prática científica para dentro da sociedade, e a partir dessas contribuições refletir sobre a
conduta das editoras em praticar uma espécie de propriedade intelectual sobre os artigos
científicos.
Para Kuhn, os paradigmas científicos são responsáveis pela estruturação da história e
desenvolvimento das ciências e dão forma ao corpo científico, fazendo com que seja possível
identificarmos uma comunidade:

“paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham


e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que
partilham um paradigma”
KUHN, 1978:220

Dessa forma, identificar um paradigma é também identificar a comunidade de seus


praticantes. A comunidade científica tem o papel de produzir e legitimar o conhecimento
científico, logo a editoração científica encontra-se dentro dessa comunidade, como um braço
que legitima o conhecimento produzido nos laboratórios por outros atores (HOCHMAN,
1994:202). Kuhn indica que uma das exclusividades da comunidade científica é a relação
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exclusiva entre pares, causando uma espécie de insulamento que é condição para a eficiência
do trabalho científico, fato que a diferencia de outras comunidades profissionais.
A posição mais complexa nesta relação encontra-se portanto nas editoras científicas,
por fazerem parte da comunidade científica mas não possuirem decisões baseadas somente
em critérios científicos, e não limitarem seus diálogos apenas com outros cientistas.
Um artigo de Pierre Bourdieu introduz o conceito de campo científico (BOURDIEU,
1983), e contrapondo a noção de comunidade científica nos dá uma solução para esse
impasse. O campo científico é um espaço de lutas, formado e estruturado pelas lutas
passadas, no qual os agentes buscam o monopólio pela autoridade e competência científicas.
Logo, estratégias mercadológicas e políticas estariam entre as ações para um cientista agir
bem sobre o campo, da mesma forma que regras aplicadas ao mercado servem de modo
adaptado ao campo científico. O interesse de cientistas em uma dada área de estudo pode ser
entendido também como uma avaliação de altas possibilidades de crédito científico. Uma
área que possui muitos adeptos (especialistas) é muito mais concorrida, e “áreas menores”
oferecem ao pesquisador uma probabilidade maior de retorno e destaque. Essa noção nos
ajuda a unir “capitalistas científicos” e capitalistas convencionais numa mesma atividade sem
maiores contradições, inserindo editores de revistas científicas como agentes que trabalham
em pé de igualdade no processo de construção e legitimação do conhecimento.
Bourdieu observa 3 estratégias praticadas pelos agentes do campo científico: a
sucessão, quando dominados crescem sob as regras impostas pelos dominantes; a subversão,
recusa do ciclo de troca de reconhecimento com os detentores da autoridade científica,
obtendo, se bem sucedido, todo o crédito para si; e a conservação, políticas aplicadas pelos
dominantes visando a revigoração das definições vigentes no momento, definindo a ciência
de forma que se conforme a seus interesses.
Editores-chefes de revistas científicas são comumente dominantes no campo
científico, de auto reconhecimento em suas áreas, e justamente por isso atribuem legitimidade
ao parecer das revistas sobre os artigos. Se a partir das premissas de Bourdieu definirmos que
todo editor é conservador e portanto dificulta ou até impossibilita as mudanças estruturais em
uma disciplina, estaríamos fazendo uma análise macrossocial na busca por definições da
prática científica. É essa a crítica de Bruno Latour e Steve Woolgar em ​Vida de Laboratório
(LATOUR & WOOLGAR, 1997). Latour e Woolgar acompanham o dia-a-dia em um
laboratório, e com isso desenham o processo pelo qual é construído o conhecimento. Com
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isso, os autores desmistificam o conhecimento científico, atribuindo a este os mesmos


métodos analíticos para a compreensão de qualquer outra forma de conhecimento. Tanto
Kuhn quanto Bourdieu nos apresentam modelos, Latour nos mostra a prática científica.
O que Latour e Woolgar encontram é um ciclo de credibilidade entre os
pesquisadores, onde cada ator busca investir o capital ganho com a prática anterior. Porém, ao
contrário da lógica também mercadológica apresentada por Bourdieu, em Latour as relações
entre cientistas seriam mais semelhantes às que ocorrem entre pequenas empresas que medem
seu sucesso pelo crescimento das suas operações e intensidade na circulação de seu capital.
Neste estudo, os autores limitam suas análises ao laboratório, de forma que ao final do livro
as relações entre o laboratório e o mundo não ficam claras, como o próprio Latour salienta em
artigo posterior (LATOUR, 1983:162), algo que só foi demonstrado nos livros seguintes do
autor (HOCHMAN, 1994:212). Assim, todas as escolhas que os cientistas precisam tomar
dizem respeito a dinâmica do laboratório e da pesquisa. A fruição dos resultados da prática
científica tem início com a publicação, e a partir do material publicado que a
interdependência entre os atores do campo científico toma forma.
Karin Knorr-Cetina é outra intelectual que analisa a prática científica de maneira
análoga a Bruno Latour, indo ao laboratório e observando como as coisas acontecem de fato,
mostrando o exercício científico como uma prática social como qualquer outra. A
contribuição diferencial de Knorr-Cetina em relação a todos os trabalhos citados
anteriormente diz respeito ao caráter sempre contextual e contingencial da prática científica.
Assim, a manufatura de um fato científico sempre possui relações com interesses
encontrados dentro e fora do laboratório, ou seja, a relação entre cientistas e não-cientistas
são também importantes para a produção de conhecimento. Para a autora, o trabalho
científico é perpassado e sustentado por atividades e relações que transcendem o laboratório,
por isso, para Knorr-Cetina a prática científica ocorreria num campo transcientífico, por
envolverem uma “combinação de pessoas e argumentos” que não podem ser classificadas
nem como “puramente” científicas nem como não-científicas (Knorr-Cetina, 1982:117).
Entre esses agentes encontram-se os editores, agências de fomento e fornecedores, ou seja,
arenas ou campos que operam de maneira fundamental na produção de conhecimento. Por ser
constituída por agentes heterogêneos, a atividade científica possui também um caráter
transepistêmico, devido a necessidade de tradução no trajeto da informação de uma arena à
outra. Há uma troca de produtos entre as duas instâncias, e uma dependência mútua em
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termos de recursos e suporte necessária a sobrevivência de ambas, no caso da relação


laboratório e editora.
Quanto mais próximo da prática científica o autor se coloca mais instável, dinâmica e
indeterminada é a interação dos cientistas. Quanto mais se aproximam dos cientistas mais
aberta a atividade científica se torna, de forma que as fronteiras com o mundo exterior são
diluídas, mostrando a ciência como uma prática coletiva por excelência (HOCHMAN,
1994:229). Meu enfoque, como apresentei, se encontra nas editoras, e no seu papel singular
nesse processo. A publicação é atividade-chave na efetivação e continuidade da prática
científica. Como a bibliografia mostra, quanto mais próximo chega-se do indivíduo que faz
ciência, mais contingencial e imprevisível e menos estrutural se torna a atividade. No capítulo
seguinte buscarei analisar um caso particular de um professor que encontra-se neste posto
singular de editor/pesquisador no intuito de compreender as especificidades desta função do
editor, para depois analisar o que a quebra desse contrato entre produção e publicação pode
oferecer à prática científica.

​Esboço de um devir-editorial-científico

Uma das minhas principais preocupações durante a escrita do texto foi não criar uma
polaridade entre os agentes, algo que eu fazia inconscientemente, tornando cientistas e
editores distantes um do outro, criando um maniqueísmo falso onde o fazer científico puro e
bem-intencionado era sempre dificultado pela ganância dos editores. O ofício das editoras
não só faz parte da prática científica como é fundamental para a sua fruição no mundo. A
prática científica é por excelência uma prática coletiva, como ilustra Bruno Latour em
Ciência em Ação (2000), comparando a ciência a um jogo de rugby, onde vários setores e
pessoas são mobilizados em torno de único objeto: a bola, no caso do jogo, e o fato científico
cristalizado no artigo, no caso da ciência.
Logo, a editoração não constitui uma atividade a par da ciência, pelo contrário, para
atuar como uma espécie de árbitro os editores devem possuir total domínio sobre a área
especializada de determinada revista. Isso obriga que editores e cientistas “falem a mesma
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língua”6. Editores são comumente grandes pesquisadores de subáreas devido ao grande


capital científico acumulado, fazendo com que sua avaliação do artigo enviado para o
periódico seja respeitada.
Para entender este agente que opera nos dois lados da relação, publicando e avaliando
artigos científicos, procurei pessoas que ocupassem este posto especial na produção científica
para ter uma noção daquilo que chamarei de devir editorial-científico.
Numa palestra realizada no campus da UFSCar no final do mês de novembro de 2017,
um professor do departamento de Engenharia de Materiais da Universidade fez uma breve
apresentação sobre escrita científica. O professor, além de exercer função de ensino e
pesquisa na universidade, é um dos três editores-chefes de uma importante revista sobre
sólidos não-cristalinos, indexada na editora Elsevier7. A posição singular do professor fez
dele uma autoridade ideal para falar para os alunos que assistiam a palestra sobre como
escrever um artigo científico. Diante dessa oportunidade julguei válido fazer uma espécie de
etnografia da aula ministrada pelo professor, me servindo como uma espécie de ensaio a uma
ida à editora, da mesma maneira que Latour e Knorr-Cetina foram ao laboratório.
A palestra é iniciada com um orientando do professor, que o apresenta descrevendo
seus diversos prêmios na área, para em seguida narrar os cargos como editor que o
pesquisador já exerceu. Importante ressaltar que o cargo na editora só é obtido com o
reconhecimento do pesquisador na área. Assim, se fomos construir uma espécie de
devir-editorial-científico, este só é possível após a consagração do pesquisador dentro do
campo científico.
Na sua introdução sobre escrita científica, o professor enfatiza que jamais fez um
curso referente ao ofício de como escrever um artigo, apontando para a necessidade de uma
maior atenção a uma prática tão essencial para o fazer científico. A base na qual o professor
apresenta sua palestra é portanto quase que exclusivamente empírica, tendo aprendido na
prática formas de padronização de um artigo científico, através de erros e acertos ao longo da
carreira.

6
Também no sentido literal da frase, dada a necessidade da publicação em língua inglesa na grande
maioria dos periódicos.
7
Não fiz o uso de demais detalhes como o nome do professor ou da revista por não alterarem o
resultado final do estudo, sendo informações irrelevantes neste caso.
13

O primeiro passo para obtenção de conhecimento é a coleta de informações. Para


exemplificar, o professor pergunta a uma das alunas que assiste à palestra sobre o tema de
pesquisa da estudante:
“Você, qual o seu nome?” ​- PROFESSOR
“Brenda” ​- ALUNA
“Qual o tema da sua pesquisa?” -​ PROFESSOR
“​Reciclagem de alumínio.” - ​ALUNA
“Então temos o tema reciclagem de alumínio, que tem um certo tamanho. A
Brenda teria que ir na literatura e gastar um tempão procurando tudo o que
existe sobre reciclagem de alumínio, porque ela não quer repetir o que já foi
feito” -​PROFESSOR
“Você sabe tudo o que foi feito sobre reciclagem de alumínio?” ​-
PROFESSOR
“Estou pesquisando ainda...”​ - ALUNA
“A revisão de literatura nunca termina. Você pode encontrar alguém que já
fez aquilo que você pensa em fazer” - ​PROFESSOR
“A partir dessa revisão você coletará ​informações​. Estas informações estão
todas espalhadas, desconectadas. Cabe a você, Brenda, juntar essas partes e
aí sim, produzir ​conhecimento.​”​ - PROFESSOR

Produzido o conhecimento, o professor estabelece como um segundo passo a escolha


da revista. A escolha da revista tem relação direta com a natureza do conhecimento
construído durante a pesquisa. Portanto se o tema da pesquisa for algo mais generalizado
causando efeito numa grande área da ciência uma boa revista seria a ​Nature por exemplo, que
lida com conhecimentos que causam impacto sobre a grande área científica. Havendo uma
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maior especificidade dos resultados uma revista específica àquela subárea é uma escolha mais
inteligente, já que o alcance do artigo será mais eficaz em níveis qualitativos.
O meio tradicional de avaliar o efeito que uma revista causa no campo é por meio das
citações que a revista recebe. Na chamada ​Web of Science​, conjunto de base de dados de
materiais científicos publicados na internet, este índice recebe o nome de Fator de Impacto
(IF). O cálculo do fator de impacto por ano de uma revista é a soma de todas as citações que
ela recebeu nos dois anos anteriores dentro da coleção dividido pelo total de artigos
publicados no mesmo período. Revistas muito bem rankeadas possuem este índice acima dos
20 pontos. Mesmo sendo essa a métrica principal para avaliar a importância de uma revista,
há um consenso entre os pesquisadores de que o fator de impacto por si só não é
característica suficiente na hora da escolha do periódico, já que ele só visa informações
quantitativas, deixando de lado outros critérios como a especificidade da revista; havendo
exemplos de revistas de baixo fator de impacto, mas eficazes por serem lidas pela
comunidade científica apropriada ao assunto tratado no artigo.
Uma outra condicionante para a escolha da revista pelo autor é o tempo médio de
resposta da editora. Assim, de acordo com a situação do pesquisador, é necessário uma certa
urgência para a publicação do material. O professor cita o exemplo de programas de
pós-graduação que exigem que o aluno possua um artigo submetido e um artigo aceito antes
da defesa da tese do doutorado, o que levaria o pesquisador em algumas situações a procurar
revistas que lhe deem uma resposta rápida.
As relações informais também fazem diferença na escolha do periódico. Se o autor do
artigo conhecer um dos editores de determinada revista, por terem já se encontrado em
congressos ou já trabalhado juntos, essa relação pode também ser benéfica para o
pesquisador, já que o editor conhece de antemão a conduta e nível de seriedade do autor,
fazendo diferença na avaliação e podendo não negar imediatamente um artigo mal escrito e
“dar uma chance” (sic) para o pesquisador responder às críticas.
O professor cita um caso pessoal onde teve um artigo seu rejeitado por uma revista.
Ao enviá-lo para submissão em uma outra revista, o autor precisou antes reescrever o artigo
para obedecer aos moldes daquela revista específica, visando que dessa vez o artigo fosse
publicado. Neste ponto a hierarquia entre as duas esferas fica explícita. Na grande maioria
das vezes a prática editorial incide sobre a prática científica, determinando-a segundo seus
princípios. Alunos em fase de iniciação científica recebem aulas sobre como escrever um
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artigo científico, compreendendo a lógica do mercado editorial, ao passo que os


editores-chefes das grandes revistas não precisam ter o mesmo compromisso com as
pequenas transformações em curso na prática científica pelos pesquisadores juniores. O que
torna essa hierarquia menos vertical é lembrar que os agentes são basicamente os mesmos,
editores não são leigos, e cientistas, na maioria das vezes, não olham para a editoras como
antagonistas de seu trabalho. O próprio professor, através de descrições pessoais, narra
episódios onde o parecer feito pelo editor ao seu texto fez com que ele melhorasse o artigo. O
editor, quando exerce seu papel adequadamente, ajuda o autor na construção do artigo
mostrando falhas e sugerindo melhorias.

“Duas ou três passadas por editores e sai um ótimo artigo no final.


Você usa as revistas para melhorar o seu artigo.”
PROFESSOR

Algumas revistas chegam a receber cerca de 10 mil artigos por ano em média para
submissão. Por isso, para fins de operacionalidade o editor não chega a ler todos os artigos
inteiramente, avaliando por meio do ​outline ​a pertinência e relevância do artigo que foi
submetido. ​Outline ​é basicamente a introdução do artigo, nele estão contidas informações
como “o que você fez e o que os outros fizeram? Por que você fez?”. Um bom ​outline é
fundamental para a aceitação do artigo pelas revistas, salienta o professor. Este trecho inicial
do artigo deve constar, da forma mais direta possível, qual a maior contribuição daquele
paper, o que você encontrou de novo, e de que maneira o resultado da sua pesquisa contribui
para o conhecimento.
Um adjetivo muito constante durante a palestra do professor foi “conciso”, o
pesquisador deve ser conciso, direto, informar a quem está lendo sem maiores floreios, qual a
diferença que o conhecimento produzido naquele material fará para o tema da pesquisa. Se
possível fazendo com que gráficos e tabelas sustentem as informações dos artigos, cabendo
ao texto escrito apenas unir aquelas informações apresentadas. O professor separa alguns
minutos da palestra enfatizando a importância da produção de figuras e gráficos, dizendo que
são elementos que fazem diferença na aceitação do artigo.
16

“Na realidade o paper deve ser as figuras e tabelas. O texto é só para


explicar um pouquinho. Na realidade, a estrutura do paper é composta pelas
figuras e tabelas. O artigo se comunica graficamente” ​(sic)
PROFESSOR

Referenciando o autor Georg M. Whitesides (2004), professor na universidade de


Harvard e também editor de revista, o palestrante explica a natureza de um paper científico,
relevando o papel central que o artigo e sua respectiva publicação exercem na prática
científica:

A paper is an organized description of hypotheses, data and conclusions,


intended to instruct a reader. Papers are a central part of research. If your
research does not generate papers, it might just as well not have been done.
“Interesting and unpublished” is equivalent to “non-existent”
WHITESIDES, George. “Whitesides’ Group: Writing a Paper”. Advanced
Materials. 2004, 16, No. 15 August 4.pág. 1375

A afirmação do autor, colocada assim de maneira isolada, nos dá a impressão de que a


publicação é o fim último da prática científica, e o conhecimento adquirido durante a
pesquisa é apenas um processo inerente à produção de artigos e não a parte central da
pesquisa. Tal visão é errônea se pararmos para analisar. Não se trata de uma desvirtualização
do conhecimento científico, o colocando em plano secundário, e sim de uma praticidade
necessária à dinâmica da ciência. A comunicação científica é a força motriz da ciência, e o
artigo científico é o veículo ideal para transmitir o conhecimento entre a comunidade
científica. Portanto, na impossibilidade de materialização de muitas formas de conhecimento,
o paper científico cumpre esse papel, transportando o resultado de pesquisas de cientistas a
editores, de editores a revistas, de revistas a outros pesquisadores.
As dicas básicas para apresentação de um artigo encontram semelhanças com
estratégias de marketing. ​Deve-se pensar num bom título, ser sucinto, começar com os
resultados mais importantes, ou seja, chamar a atenção do leitor/editor. Em outras palavras, a
função do artigo é comunicar o conhecimento, e comunicar de forma objetiva.

“Artigo não é commodity. Artigo é sério. Artigo é o avanço da ciência.”


PROFESSOR
17

A frase acima foi dita pelo professor dentro de um debate sobre a escolha de
co-autores para um artigo científico. A dinâmica e a prática científicas entre ciências naturais
e humanas guardam algumas diferenças, isso é óbvio, o campo científico não obedece sempre
às mesmas regras. Estas diferenças encontram suas representações no resultado final dos
artigos. Além da objetividade extrema já observada, um artigo científico em ciências exatas
raramente possui um único autor, consequência das atividades em laboratório terem se
tornado mais colaborativas. É tarefa do autor principal do artigo determinar quem serão os
co-autores daquele artigo. Entre os muitos atores que fizeram parte do processo quem
contribui de forma efetiva para o resultado final. Uma co-autoria não pode ser distribuída a
muitos autores como forma de alcançar um prestígio coletivo. Em outras palavras, o artigo
não pode ser tratado como uma mercadoria.
A respeito do plágio em publicações, editores possuem uma ferramenta que os auxilia
a evitar cópias de outros trabalhos. A ferramenta se chama ​crossreff​, e é o primeiro artifício
usado pelo editor ao receber o artigo para submissão. Se trata de um programa de computador
utilizado pelos editores, que compara o artigo com o todo o material científico encontrado na
internet. Havendo uma semelhança maior que 8% daquele artigo com algum outro material
online, o texto é caracterizado como plágio, sendo negado e devolvido ao autor junto com o
pedido para reescrever o trecho semelhante. Porém, o professor diz que boa parte dos textos
“pegos no crossreff” (sic) caracterizam-se como auto-plágio, já que autores que pesquisam
por muito tempo um determinado objeto acabam naturalizando expressões e as repetindo em
artigos posteriores. Cabendo ao autor, novamente, submeter-se às regras da editora e
modificar algumas expressões do texto para apagar a identidade com o artigo anterior.

O fato de não termos simplesmente um grupo de pessoas (cientistas) se relacionando


com outro grupo de pessoas (editores) traz também as relações informais para dentro da
prática científica, algo que Latour já salientava ao falar das conversas por telefone e
bate-papos pelo corredor do laboratório como atividades fundamentais na construção do
conhecimento.
Se fizermos uma análise bourdieisiana deste ator singular, vemos que ele ocupa a
posição de maior vantagem no campo científico, acumulando capital científico de ambos os
lados executando a mesma atividade. Tendo como referencial este indivíduo específico fica
18

claro também que este agente não é mais pesquisador ou mais editor, e sim um
pesquisador-editor, já que as duas atividades são compatíveis e até complementares.

Sci-Hub como um agente que desequilibra a relação ciência e mercado

O caso da própria Alexandra Elbakyan serve como um bom exemplo de como e por
que sites como o Sci-Hub acabam surgindo. Na época de sua graduação, Elbakyan fazia uma
pesquisa não muito popular, havendo apenas 12 artigos escritos sobre o tema, sendo nenhum
deles gratuito para leitura. Elbakyan procurou então uma forma de adquirir estes artigos
ilegalmente dado o quão fundamentais eles seriam para sua pesquisa. Este foi o marco inicial
do site que hoje conta com mais de 65 milhões de artigos disponíveis para download.
Acompanhar um site como o Sci-Hub significa além de tudo possuir um objeto de
pesquisa instável e dinâmico, onde a cada semana surgem notícias relativas ao desequilíbrio
causado pela atividade do site, acumulando processos de grandes editoras e mesmo assim
crescendo em número de usuários e material para download. Entre as principais antagonistas
do site, a editora Elsevier surge como principal prejudicada pelo serviço que oferece artigos
científicos gratuitamente. A política antipirataria da editora defende a ideia de que artigos
pirateados ou falseados impedem que fundos sejam reinvestidos em pesquisas e recursos,
limitando assim o progresso científico.
A publicação se tornou, conforme o avanço e estruturação da ciência, um passo
fundamental para a conclusão de uma pesquisa. Editoras científicas podem hoje ser
consideradas sócias dos laboratórios na construção e legitimação do conhecimento. Porém,
como mostra Knorr-Cetina, há um processo de tradução quando o conhecimento deixa o
laboratório e vai para as revistas em forma de artigo científico. A linguagem científica pode
estar presente nos dois ambientes, mas o significado do mesmo conhecimento possui valores
distintos nos dois cenários. Até aí, nada fora do previsto, mas o que ocorre segundo cientistas
que apoiam iniciativas como o Sci-Hub, é a sobredeterminação da prática editorial sobre a
prática científica, fazendo com que esta esteja sendo regida por valores criados pelo mercado
editorial. A publicação se torna a moeda de troca na academia, medindo quantitativamente
(pelo nº de citações) os critérios científicos naturalmente qualitativos.
19

A produção científica cresce a cada ano, não importando de que região do globo
estivermos falando, e com esse crescimento o papel das editoras de “funil das ciências”,
escolhendo o que é material ciêntífico e o que ainda não é, através da aceitação e negação de
artigos, é cada vez maior. Esse papel exercido pelas editoras, de tão fundamental, passa a ser
peça central na prática científica. Inicia-se uma pesquisa muitas vezes pensando já em qual
periódico ela será publicada.
A editoração científica envolve vários passos e muitos custos provenientes de
atividades como a revisão, edição e diagramação dos textos enviados para submissão, até
custos operacionais como manutenção de servidores e despesas administrativas. Dessa forma,
resta às editoras prover os recursos necessários de alguma das duas pontas, os que enviam
artigos para submissão ou aqueles que assinam as revistas.
De acordo com a Association of Research Libraries, os custos para manter as
assinaturas estão ficando vez mais altos para as bibliotecas, de maneira que muitas precisam
escolher sobre quais periódicos manter e quais cancelamentos de assinaturas fazer. Um
estudo publicado pela associação mostra que de 1986 a 2015 o custo de periódicos para
bibliotecas públicas aumentou 528%, para bibliotecas privadas 673%, e o índice de preços
para o consumidor cerca de 118%.
O alto custo aliado a uma espécie de propriedade intelectual que as editoras exercem
sobre os artigos fez com que esse sistema ruísse aos poucos. Um movimento pela
democratização do conhecimento deu início na década de 1990 às revistas de acesso aberto
(​open access​), onde o acesso a artigos científicos pode ser feito sem restrições, livre de
qualquer cobrança de taxa. A partir dos anos 2000 é possível observar uma intensa expansão
deste tipo de publicação, inclusive com grandes editores tornando ​open access uma parte de
seus periódicos.
Num cenário como este, onde editoras ainda controlam uma parte considerável dos
direitos de acesso a papers de pesquisa, surgem sites como o Sci-Hub. Ao contrário do que se
espera, o Sci-Hub não é utilizado somente por pessoas sem condições de pagar pelo acesso
legal aos artigos. Um estudo demográfico publicado na revista Science demonstra que a
maior parte dos downloads feitos no site provem de regiões de alto poder aquisitivo com
grande população universitária, ou seja, o serviço além de gratuito é muito mais prático, é
muito mais fácil para um estudante baixar um arquivo via Sci-Hub, mesmo que ele possua
acesso ao periódico. Uma outra pesquisa revela que determinados artigos pagos passaram a
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circular com mais intensidade entre pesquisadores após a pirataria do material. Em outras
palavras, o acesso ilegal ao material prejudica o negócio da publicação acadêmica mas não
traz nenhum prejuízo direto para a produção de conhecimento. A questão a ser respondida
seria se quebrado este contrato entre produção e publicação de artigos, a própria prática
científica poderia perder eficiência a médio prazo.
O surgimento de sites como o Sci-Hub são apenas sintomas do problema. A
insustentabilidade incorporada no modelo econômico atual para publicações de periódicos é a
principal causa. Se quisermos manter ambientes de educação e pesquisa saudáveis, as
mudanças são incipientes e imperativas. O fato de haver sites que disponibilizam artigos
pagos gratuitamente mostra que o estado de publicação acadêmica está em crise, e para
resolvê-la não deve ser feita a quebra de contrato entre editoras e cientistas, e sim uma ação
coletiva que visasse preços mais viáveis, e transformar a publicação numa imposição
daqueles que a consomem, e não dos editores. Trata-se de fazer uma melhor mediação na
hora de traduzir o conhecimento de uma instância a outra, de forma que o produto científico
possa entrar em circulação sem perder o seu real valor.

Considerações Finais

Este estudo teve um caráter experimental que resultou em alguns insucessos no seu
decorrer, porém suscitou em mim também propostas futuras que podem me ajudar a
compreender melhor e seguir um artigo científico e sua agência através das editoras e de seus
leitores.
Elenco como principais resultados que alcancei com as leituras e reflexões que fiz
primeiramente a desmistificação da publicação científica, compreendendo suas etapas e sua
indispensabilidade para a prática científica. Uma rápida aproximação com os agentes me
mostrou uma maior complexidade dos agentes que operam através dos artigos científicos,
enfatizando a ideia de quanto mais íntima a relação com os atores mais imprevisível e
próxima da realidade se torna o retrato da atividade científica.
O artigo científico se demonstrou para o mim o objeto ideal para compreender as leis
que regem a comunicação científica, afinal é sobre ele que um mesmo conhecimento transita
por ambientes muito diferentes uns dos outros, mas acompanhar os artigos de nada serviriam
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sem o acompanhamento das ações dos atores sobre esses textos. Assim, saber se um aluno
baixou um artigo pelo Sci-Hub não basta como informação, e sim saber por que baixou - falta
de recursos? praticidade? - para então compreender qual o motivo de sites dessa natureza
existirem.

Bibliografia
KUHN, Thomas S. ​A estrutura das revoluções científicas​. 5. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva S.A, 1997.
LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. 1997. ​A vida de laboratório: a produção dos fatos
científicos​. (Trad. Angela R. Vianna) Rio de Janeiro: Relume Dumará. [1988]
LATOUR, Bruno. ​Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora.
Tradução de Ivone C. Benedetti. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2011
BOURDIEU, Pierre. ​O Campo científico​. In: ORTIZ, Renato (org). A Sociologia de Pierre
Bourdieu. São Paulo: Olho D’Água, 2003, cáp. 4
BOURDIEU, Pierre. ​Os Usos Sociais da Ciência​: por uma sociologia clínica do campo
científico. São Paulo: Unesp. 2003.
BOURDIEU, Pierre. ​Para uma Sociologia da Ciência. ​Edições 70. Lisboa. 2003
KNORR-CETINA, Karin. ​Epistemic Culture: how the sciences make knowledge​. Harvard
University Press. 1999
HOCHMAN, Gilberto. ​A ciência entre a comunidade e o mercado: leituras de Kuhn,
Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina. ​In: PORTOCARRERO, Vera (org.). Filosofia, história e
sociologia das ciências I: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro. Editora FIOCRUZ.
1994
BURNS, Patrick. ​Academic Journal Publishing is Headed for a Day of Reckoning.
Colorado State University. 2017. disponível em: ​https://theconversation.com/
BOHANNON, John. ​Who's downloading pirated papers? Everyone. ​Science. Abril 28, 2016.
disponível em: ​http://www.sciencemag.org/

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