Sunteți pe pagina 1din 9

\

~····

'
:G: ;;: hri)"

Gênero Plural·I
-;:;,: h;;;:
~
UFPR
....,.IYllltaDAOI P I O - - - ~--
• -• _ _ ,., ___ u . l

Reitor
UM OfBATf INTfRDISCIPLINAR
Carlos Roberto Antunes dos Santos

Vice-Reitor Miriam Adelman


Romolo Sandrini
Celsi Brõnstrup Silvestrin
Diretor da Editora UFPR
Luiz Carlos Ribeiro
ORGANIZADORAS

Conselho Editorial
Alberto Pio Fiori
André de Macedo Duarte
Fany Reicher Guacira Lopes Louro
Izaura Hiroko Kuwabara Susan Paulson
José Carlos Cifuentcs Vasquez Donald Sabo
Leilah Santiago Bufrem Miriam Adelman
Manoel Eduardo A. Carnargo e Gomes
Benedito Medrado e Jorge Lyra
Maria Benigna Martinelli de Oliveira
Pedro Ronzelli Júnior
Érica Renata de Souza
Sérgio Herrero de Moraes Ana Paula Vosne Martins
Victor Manoel Pclacz Alvarez Maria Lucia da Silveira
Luciana Amaral
Celsi Brõnstrup Silvestrin
Marko Monteiro
Léa Resende Archanjo
Ruth Ribeiro de Lima
~
Maria do Socorro Cipriano
__ ...._ _,,.\._ :...- '-- ...._
Dulcina Tereza B. Borges
'-._

Jane de Fátima S. Rodrigues


"\ --., l
~)

:-_:: -"~
_::, ',-..,_~~ : :.,~- "' _:::~ ~·~ 2'

,, ~--._

~UFPR
Cot.ETÃNEA GtNER.o PLURAL
,.
Neste caso, refletimos sobre a onipresença do gênero em todas O estudo critico das masculinidades
as partes, e também sobre a espetacular variedade da sua expressão
através de culturas, para tentar superar .a separação conceitua! entre o DonaldSabo
que chamamos natureza e o que chamamos cultura, entre corpo e mente,
entre sexo e gênero. O conceito de gênero nos ajuda a buscar uma
cqmpreensão mais dinâmica das relações mútuas entre os fatores. Isto
requer colocar em questão a ideologia do determinismo biológico que vê
uma relação de causalidade direta entre sexo e gênero, e também
ultrapassar a negação de toda relação entre esses fatores tão comuns no
discurso acadêmico sobre o gênero.
Nossa reflexão sobre gênero através das culturas também coloca
em questão uma série de preconceitos comuns da nossa sociedade. -Estou aqui pàra falar com vocês sobre o estudo crítico das
1
Primeiro, a crença que todo humano naturalmente se desenvolve masculinidades. Vou me referir aos "novos estudos sobre os homens" e
li· às áreas emergentes de pesquisa sobre homens e masculinidades.
1
conforme categorias nítidas e polarizadas: homem e mulher, e que qualquer
Pretendo mostrar como as teorias feministas podem nos ajudar a entender
:1.
outra expressão é anormal, um desvio da natureza. Com isso,
questionamos a idéia de que o modelo de família dominante também é as vidas dos homens tanto quanto as vidas das mulheres. Acredito que
natural, que o matrimônio heterossexual, monogâmico, com filhos os homens têm muito a ganhar, pessoal e politicamente, com o estudo de
"legítimos" é a única opção, e que os demais arranjos sejam anormais, gênero. Assinalarei a necessidade dos homens assumirem agen~ pró-
antinormais, e, portanto, devem ser punidos. feministas, e o meu lema é: "O lugar dos homens é no movimento das
Finalmente, o que proponho é mudar os conceitos para mudar a mulheres".
vida, para forjar um mundo mais tolerante, um mundo em que saibamos Uma vez alguém falou que "os peixes são os últimos a descobrir
reconhecer e respeitar as diferentes identidades e relações que se o oceano". Assim é com os homens e o patriarcado. Apesar da
,, desenvolvem em nosso meio. longevidade histórica e da ampla difusão social do patriarcado, os homens
,, ainda se recusam a lidar com as realidades centrais da dominação
masculina e a estratificação social por sexo. Há mais de um século que
as mulheres estão procurando chamar a nossa atenção. V árias "ondas"
do movimento feminista já emergiram na América do Norte e, em décadas
recentes, apareceram movimentos globais de mulheres para obter justiça
social, igual oportunidade nos setores econômicos e políticos, e pôr fim à
violência masculina tanto entre os homens quanto contra as mulheres.
Em tempos mais recentes, alguns homens estão começando a
prestar atenção às reivindicações das mulheres, à sua raiva, seus sonhos
políticos e culturais e suas mensagens afetivas. Alguns homens parecem
assustar-se com o feminismo - talvez com medo das mudanças que

32 33
·~
CoLETÃNEA GaNERo PLURAL il COlErÃNEA GÊNERO PLURAL
i.
considerem daí advir - enquanto outros homens sentem raiva e reagem t O esporte_ é visto, algumas vezes, como um "espelho" ·da
contra as mulheres ativistas. Mas também existe um número crescente i sociedade. Mas, em termos sociológicos, isto seria uma visão simplista
~
de hoz:i:iens que começam a aceitar a crítica feminista das relações de ~
demais, pois o esporte também influencia o modo como os homens e as
gênero, e que ·começam a refletir, sentir, e falar sobre eles mesmos de _,~ mUlheres se enxergam, e a maneira com que as relações de gênero se
uma maneira diferente. O que significa realmente "ser homem", ser configuram na sociedade em geral. Por exemplo, nos EUA, a mídia enfoca
"masculino", construir sua identidade no cotidiano através da procura do
"machismo"? Quais aspectos da masculinidade são benéficos para os
.•" principalmente os atletas homens, particularmente os profissionais,
enquanto as mulheres recebem bem menos atenção. Embora os homens
homens, que os ajudam a criar vidas saudáveis e felizes em relação às f
!• monopolizem a atenção da mídia, as mulheres constituem 38% de todos
mulheres e a outros homens? Quais aspectos são constrangedores ou os atletas de escolas de segundo grau norte-americanas, 37% de todos
nocivos? os atletas universitários, 40% da equipe olímpica dos EUA e boa parte
Todos sabemos que o estudo das relações de gênero é um desafio de .todos os atletas profissionais" A falta de cobertura da mídia para os
.---
complexo. Cada um de nós ocupa um lugar nessa "ordem de gênero" . eventos esportivos femininos reflete não só as crenças culturais existentes
maior que Bob Connell 1 (1987) define como "um padrão historicamente que associam.os esportes com a masculinidade, mas também reprodÚZem
construído de relações d.e poder entre homens e mulheres e de definições uma hierarquia institucional na qual os homens dominam e controlam
de feminilidade e masculinidade" que emergem e se transformam dentro aquilo que se discute na mídia esportiva, como o esporte é subsidiado nas
de contextos institucionais variáveis. Para mim, o estudo crítico das instituições de ensino e quem consegue os empregos e os recursos numa
masculinidades começou dentro da instituição do esporte. jndústria esportiva que gera bilhões de dólares. Considerando um contexto
social mais abrangente, os valores e as crenças produzidos e reproduzidos
pelo esporte contribuem para dar forma às noções patriarcais sobre a
A construção social da masculinidade através dominação masculina e.a inferioridade das mulheres, reproduzindo desta
do esporte maneira as estruturas mais amplas da desigualdade de gênero.
Quero traçar meu próprio trajeto no esporte, de menino até
O esporte é um espaço estratégico para o estudo das homem adulto, de maneira a refletir sobre como as masculinidades se
masculinidades e das relações de gênero. O esporte e a masculinidade constróem na ordem de gênero. Quando tinha oito anos, afiliei-me à
vinculam-se intimamente nas sociedades ocidentais, desde as Olimpíadas equipe de futebol americano. Como tantos outros meninos, fui "iniciado
gregas e os tempos romanos até as ordens modernas e pós-modernas de no mundo dos esportes por homens e iniciado no mundo dos homens
gênero. Culturalmente, o esporte tem sido um terreno onde a . através do esporte" (Messner e Sabo, 1994, p. 3). Hoje, trabalho com
masculinidade se comprova, uma "escola" na qual se aprende a valorizar uma perspectiva crítica.sobre o esporte. No entanto, isto não significa
o "ser homem" (manhood) e a desvalorizar o "ser mulher" que não ame o esporte ou que não obtive dele muitas aprendizagens
(womanhood), um espaço cultural onde, muito freqüentemente, os positivas. De fato, valorizo bastante muitas dessas lições obtidas através
meninos e os homens aprendem a se enaltecer desvalorizando os homens do esporte, tais como: trabalhar com dedicação para alcançar uma meta;
11r,11, fisicamente mais fracos e as mulheres. desenvolver e valorizar a auto-disciplina; saber se recompor depois de
uma perda ou derrota; a humildade; trabalhar com os outros e valorizar o
111,:1
1 Australiano, um dos mais importantes teóricos no estudo de genero e
trabalho de equipe; a coragem ou habilidade para encarar com firmeza
l
1111'·" masculinidades na atualidade. (NT)

:~ 34 35
·~·

11!1
COLETÂNEA GtNERO PLURAL

as dificuldades e incertezas. Havia a alegria de ser atleta, o sentimento


reconfortante de pertencer a uma equipe, e a confiança em si que
acompanhava a construção de um corpo ~arte.
'
:;~
t~

.,
.
COLETÂNEA GtNER.o PLURAL

no esporte - seja ou não a realidade. Se os esportes freqüentemente


ensinam os meninos a se considerar superiores às mulheres, muitos
meninos também aprendem a evitar aquilo que a cultura define como
>
Mas também tive no esporte lições negativas que prejudicaram atividades ou carateásticas femininas. Ironicamente, uma grande parte
minha saúde e limitaram minha capacidade de amar e de me preocupar .~ da iniciativa de meninos e de homens a se conformarem ao ideal masculino
·~
..
com os outros. Desde cedo aprendi a ignorar a dor e a suprimir minhas provém nem tanto do desejo de ser viril (macho, ma:nly) mas do medo
t
emoções. Aprendi a obedecer a autoridade do treinador - a autoridade · de ser visto como pouco viril ou como feminino.
masculina- sem questionar, mesmo que isso implicasse no risco de lesão Como o desenvolvimento da identidade de gênero e da estrutura
física, para mim ou para outros. Evitava demostrar minha individualidade emocional de um menino se dá durante a infância, a experiência no esporte
conformando-me com os comportamentos e valores dos outros integrantes é uma das formas com que a cultura patriarcal mais influencia na
da minha equipe. Aprendi a avaliar as pessoas de acordo com sua posição identidade e no desenvol~nto-psicológico dos garotos. A desvalorização
na hierarquia da equipe, ou seja, os melhores jogadores seriam os mais ·do feminll:rõeãas mulheres, os sentimentos de superioridade em relação
admirados, os que ocupavam um "segundo lugar" na hierarquia mereciam às mulheres e o medo da feminilidade se difundem dentro da psicologia
um pouco de respeito, e quaisquer outros, os que ocupavam as posições do menino. Como resultado, a identidade masculina se desenvolve
mais baixas no ranking, se tomavam alvo de humilhações. Finalmente, separando os meninos das meninas e das mulheres - tanto emocional
aprendi a usar meu corpo como um instrumento de agressão, tentando quanto socialmente. Isto que eu chamo a "psicologia da separação" é
machucar os outros para ganhar os jogos ou para ocupar uma posicão um aspecto predominante de estrutura psicológica de muitos homens,
superior da hierarquia. ligando-os a outros homens e à masculinidade e separando-os do mundo
A subcultura do futebol2 também nos el).sinou, como meninos, das mulheres e do feminino.
várias lições sobre as meninas e sobre nossa relação com as mulheres. Na minha adolescência de jovem atleta, desenvolvi habilidades
O futebol era um "espaço cultural" segregado por sexo. As mulheres e agressivas aprendendo no esporte a usar meu corpo como arma. O
as meninas figuravam como outsiders, impedidas de entrar nos vestiários respeito à violência masculina que os meninos aprendem através do
masculinos e relegadas a uma posição secundária na experiências esporte surge, em parte, da desigualdade de gênero. Os homens usam a
masculina, como animadoras (cheerleaders) ou mães e namoradas que ameaça ou a realização da violência para manter seu poder político e a
prestavam apoio. Nós meninos aprendemos a receita básica do sexismo: vantagem econômica sobre as mulheres (Brownmiller, 1975). Na medida
os meninos não só se distinguem das meninas, senão que são superiores. em que os meninos chegam a aceitar o status quo da dominação
É claro, a desvalorização das mulheres é um componente universal da masculina, eles internalizam a imagem do homem prototípico que é
cultura patriarcal. Como componente da cultura dos EUA, está arraigada retratado como forte, insensível e predisposto à violência. As feministas
no sta.tus político e econômico de subordinação (secundário) das mulheres têm criticado os homens por tratar as mulheres como objetos sexuais,
e se reflete na linguagem e nos costumes, na pornografia e na literatura, mas, curiosamente, nós, como meninos, aprendemos a enxergar e a tratar
na segregação no trabalho e nas práticas de emprego. A desvalorização o próprio corpo como objeto bem antes· de começar a nos relacionarmos
das mulheres no esporte fica evidente no simples fato de que a maior com as mulheres. Aprendemos a maltratar o corpo, a ignorar as lesões
parte dos meninos e dos homens considera que é superior às mulheres físicas e· as questões de segurança; até sacrificamos o corpo, se for
necessário para ganhar.
2 O autor refere-se ao futebol americano.

36 37
CoILTÃNEA GaNERo PLURAL
r ColEl'ÃNEA G~o PLURAL

Nós, os meninos, também aprendemos a fortalecer nossos a qualquer custo. Em última instância, me aliava com o treinador e o
vínculos uns com. outros através de um distanciamento público das· resto do time, me identificava "para cima" com a hierarquia masculina,
menina.s e das relações afetivas com elas. Quando eu estava no penúltimo em solidariedade com o time, e não "para baixo" com a vulnerabilidade e
ano do terceiro grau, a turma da sala de musculação me acusou de estar o sofrimento do· Brian. Hoje eu sei que as mensagens homofóbicas do
sendo controlado por minha namorada. Nada mais longe da verdade, treinador ficaram comigo muito tempo, muito tempo depois das lágrimas
afumava eu para eles, e para demonstrá-lo terminei nosso namoro nesse de Brian secarem no sol daquele dia quente.
mesmo dia. Ela chorou. Eu escondi minhas lágrimas e me senti um Os esportes organizados fornecem um espaço social no qual
miserável. De alguma forma, eu precisava dela, mas abri mão da relação aquilo que aprendemos sobre gênero (masculinidade e feminilidade)
para ganhar prestígio e aceitação na turma de rapazes. funde-se com a nossa- aprendizagem sexual. Nosso senso de
A homofobia era outro mecanismo através do qual se ensinava "feminilidade" (femaleness - ser mulher) ou de "masculinidade"
aos jovens atletas desenvolver sua masculinidade. Alguns treinadores (maleness- ser homeml_i!!_fluencia o modo como nos percebemos como
usavam a homofobia como mecanismo de motivação. Jogando com as seres sexüãls:· Ser viril nos esportes, tradicionalmente, significa ser
inseguranças dos jovens atletas, os treinadores usavam a ameaça do competitivo, bem sucedido, dominador, agressivo, estóico, ter um fim como
estigma da homossexualidade para obter a obediência e a lealdade dos objetivo e ser fisicamente forte. Muitos atletas aceitam esta maneira de
garotos, ou para estimular o espírito de corpo entre a turma Esses truques definir a masculinidade e a aplicam nas suas relações com as mulheres.
expressavam os sentimentos "anti-gay" que já existiam na subcultura do Sair com mulheres toma-se em si um esporte, e "a conquista" (scoring)
vestuário masculino. Lembro-me do seguinte episódio dos meus dias como ou fazer sexo sem muito envolvimento emocional passa a ser um signo
jogador de futebol na escola de segundo grau: um garoto do segundo ano de façanha masculina. O relacionamento sexual converte-se em um jogo
chamado Brian, um rapaz grande, mas gorducho, carecia da força física de status no qual as mulheres são vistas como adversárias - os ganhos
e do "instinto assassino" que, segundo nos ensinavam, era preciso para dos homens são as perdas das mulheres. Muito freqüentemente, as
ser um bom jogador. Num dia quente e úmido, o treinador Shum~k mulheres tomam-se joguetes na procura, por parte dos homens, do status
decidiu dar uma lição naquele rapaz. Chamou todo o grupo da defesa e na hierarquia masculina.
obrigou o Brian a bloquear cada um de nós, um depois do outro. O tempo Mas tarde, como jovem atleta no esporte universitário, aprendi
inteiro, o treinador o atormentava: "Quantas irmãs que você tem em que a competição era tudo. Ensinaram-nos que, tendo sucesso no futebol,
casa. Brian? São seis ou sete? Quanto tempo demorou sua mãe para teríamos sucesso nó trabalho. O ')ogo" de futebol deixou de ser prazer e
descobrir que você era menino, Brian? Quando foi que você deixou de tomou-se trabalho. Como dizia o treinador: "tem que garantir que teu
usar vestidos como suas irmãs, Brian? Talvez o Brian gostaria de fazer corpo esteja no lugar certo, no momento certo". As estratégias de jogo
uns biscoitos para nós amanhã, meninos. Você é mole, Brian, talvez mole eram feitas, estudadas e implementadas como se fossem programas anuais
demais para este time. O que vocês acham, meninos, o Brian é mole de uma corporação. Os treinadores vigiavam nossos movimentos dentro
demais para nosso time?" A provação continuou durante uns dez minutos, ·.l e fora do campo e nos diziam o que tínhamos que falar com a mídia. O
até o Brian desmoronar-se, exaurido e chorando. O treinador tinha ,'t que sentíamos ou pensávamos não importava. Boas relações públicas
vencido. Tive pena de Brian, talvez ele não fosse uma "fera" de bom significavam boas vendas de ingressos. Quem se machucava era
jogador, mas ele estava lá, suando e se maltratando fisicamente como j, marginalizado e corria o risco de perder sua bolsa de estudos. O trabalho
'!
todos nós. No entanto, eu percebia que "ser mole" tinha que ser evitado que fazíamos como atletas trazia admiração e remuneração. Éramos

38 39
C01.ETÃNEA G~o PLuRAL

admirados no campus universitário, atletas heróis; mas, por outro lado,


vivíamos separados dos outros estudantes. A gente ganhava privilégios
r
lj
1
l
CmirANEA GtNER.o PLURAL

sutis. As teóricas e estudiosas feministas já fizeram muito para revelar


e analisar esta dimensão da ordem de gênero. Segundo, há as
no campus e muitos atletas se achavam melhores do que o resto das -} hierarquias de dominação entre os homens nas quais os grupos de
pessoas. J homens da elite subjugam e exploram grupos de homens com status
-í'
Finalmente, quando eu era estudante universitário, no início dos f menor. Os homens dominantes (patriarcas) detêm a autoridade
1:
anos 70, me descobri insatisfeito com muitos dos ''jogos de gênero" que tradicional e o poder político dentro dessas hierarquias. Eles
era obrigado a encenar com os amigos e com as mulheres. Não me sentia · monopolizam e manipulam os recursos disponíveis de formas que
à vontade com o papel masculino tradicional - fingindo que me sentia ampliam seu controle econômico e político. Os ''fratriarcas" com
seguro com as mulheres e que lhes era indiferente, quando de fato me freqiiencia sentem ressentimento ou ódio dos patriarcas; muitos dos
sentia inseguro e vulnerável, mostrando-me duro por fora e sem nunca "fratriarcas" (homens de status social menor) não aceitam os valores
falar sobre as questões pessoais que me remoiam por dentro. Não sabia, e práticas dos patriarcas. ~o entanto, eles se conformam aos roteiros
naquele tempo, mas eu estava à procura de alternativas para a masculinidade dos patriarcar, por medo ou porque esperam ganhar o reconhecimento
tradicional. Descobri que havia mulheres no campus que também se sentiam e a recompensa que lhes são oferecidos. Por exemplo, na instituição
constrangidas e inibidas pelas definições tradicionais da feminilidade. Uma da guerra, as elites políticas e econômicas masculinas muitas vezes
grande parte destas se consideravam feministas. Comecei a procurar a lucram com a prática da guerra, enquanto um número desproporcional .
companhia delas. Lia livros feministas e assistia a palestras de mulheres. de homens proletários e pobres são mutilados ou mortos no campo de
A descoberta das feministas e do feminismo me ajudou a reconsiderar e a batalha. Os soldados arriscam suas vidas para se tomar heróis, ganhar
redefinir minha vida e minha identidade de gênero. um salário, ou obter, mais tarde, um emprego.
Hoje considero que a "masculinidade" é, em grande parte, uma Finalmente, estes dois processos hierárquicos (dominação
construção cultural baseada na história e nas políticas das relações de masculina sobre as mulheres e hierarquias de dominação entre os
gênero e não na biologia, na química do cérebro ou na genética. As culturas homens) são econômica, política e culturalmente sinérgicos. Refletem-
patriarcais definem a masculinidade como um ideal e, como tal, é um ideal se e alimentam-se mutuamente. Por exemplo, a violência entre os
não alcançável. Os esforços da maior parte dos homens para se homens numa determinada área (e.g.: o "treinamento" para a agressão
conformarem ao ideal da.masculinidade são como tentar subir uma montanha nos mundos homossociais do futebol, das gangues urbanas, do comércio
que não tem topo - eles lutam com determinação, mas nunca chegam. No das drogas, do exército) pode ampliar ou estimular a violência noutro
entanto, os esforços dos homens em se conformarem à masculinidade setor (e.g.: os assédios dos homens contra as mulheres na forma de
ideal também se vincula à reprodução da ordem maior de gênero. violência doméstica ou estupro). As vidas de mulheres e de homens
são recíprocas e devem ser entendidas em termos relacionais. Além
do mais, as teorias feministas agora reconhecem que as relações de
Masculini.dades e feminilillodes na ordem de gênero gênero também são influenciadas por outros sistemas de dominação,
como aqueles que se organizam em tomo das questões de classe e de
A ordem de gênero compõe-se de dois processos estruturais raça. Durante os anos 80 e 90, as teorias feministas tomaram-se mais
principais. Primeiro, há o sistema hierárquico no qual os homens complexas e flexíveis, mais capazes de integrar analiticamente as
dominam as mulheres de formas grosseiras e aviltantes, enganosas e questões de raça e de classe.

40 41
-
COLETÂNEA G~NERO PLURAL

o estudo critico de gênero já superou as "teorias de papéis r


r
..
CoLETÃNEA GtNER.o PLURAL

entrecruzamento das diferentes formas da masculinidade tem um papel


sexuais". No pensamento atual, o gênero não se reduz às "expectativas
prove~entes de um papel sexual" derivadas de papéis institucionalizados,
mas é preciso considerar que essas representações do masculino e do
f
••
l,,
importante no funcionamento da ordem social patriarcal. (p. 183)

As femü::ristas críticas argumentam que o esporte é uma instituição


feminino concebem-se como construções históricas e estruturalmente criada por e para os homens. Como tal, tem servido de suporte para o
l:
dinâmicas através das quais os indivíduos e os grupos ativamente ! i;nolde de uma ideologia de superioridade masculina, aj_udaodo desta forma
~
interpretam, se envolvem e constróem seus comportamentos e relações· :~- a reconstituir a hegemonia masculina dos séculos XIX e XX. Mesmo
1
cotidianos (Messner, 1998). Por último, os porta-vozes da "teoria critica" ! assim. o movimento das mulheres para o interior do esporte (como atletas
reconhecem que as relações de gênero são relações de poder e, dentro 1
~ e como espectadoras) desafia a naturalização das diferenças de gênero
Q;;-
do esquema de Connell (1987), o poder se expressa através da construção !j e da desigualdade, sendo esta naturalização um elemento-chave do esporte
de diferentes tipos de masculinidades e feminilidades, alguns dominantes ' como instituição (Messner e S_a~, 1990).
e outros subordinados.
O conceito de "masculinidade hegemônica" refere-se à forma
de masculinidade predominante, a mais lisonjeada, idealizada e valorizada
A pesquisa sobre os homens e t1S mmculiiiidades
num detenninado momento histórico, enquanto a "feminilidade enfatizada"
O esporte é só um dos contextos institucionais nos quais são
representa o ideal cultural mais celebrado para as mulheres. Nos Estados
estudadas as relações de gênero e as masculinidades. Meu outro
Unidos, a masculinidade hegemônica acentua a dominação masculina ..;.
trabalho sobre masculinidades examina os vínculos entre as
sobre as mulheres, o heterossexismo, o privilégio da brancura, a
masculinidades e a saúde e doença nos homens. Estou agora
predisposição à violência e a competição acirrada. A feminilidade
terminando um livro chamado Confronting Prison Masculinities
enfatizada constrói-se numa relação de subordinação e reciprocidade
(Entendendo as masculinidades da prisão) para a Temple
com a masculinidade hegemônica, em formas que reforçam (ou
University Press, o qual examina a política "generificada" da punição
reconstituem) o poder masculino e as hierarquias dominadas pelo homens
que se desenvolve no sistema penitenciário dos EUA. A última "década
dentro de diversas instituições. A feminilidade enfatizada sublinha a
se caracteriza por um crescimento acelerado de pesquisa e interesse
brancura, o heterossexismo, a sociabilidade, a fragilidade, a passividade,
acadêmico no estudo das masculinidades, com estudiosos mulheres e
a subordinação ao desejo masculino e a receptividade sexual (Connell,
homens trabalhando na Austrália, no Canadá, na Europa, no Japão,
1987). Também surgem conflitos e entrecruzam.entes dentro da matriz
no México, na Nova Zelândia, na Coréia do Sul, na Escandinávia e
de hierarquias e de masculinidades de uma sociedade ou de uma
·aqui no Brasil. Michael Kimmel, o editor da revista norte-americana
instituição. Por exemplo, algumas masculinidades se subordinam à
Men and Masculinities, contou-me, em comunicação pessoal, na
masculinidade hegemônica (e.g.: dos homens gays ou bissexuais)
semana passada, que de cada cinco trabalhos enviados para a revista,
enquanto outras se opõem ou desafiam a mesma (e.g.: as ~culinidades
dois vêm de fora dos EUA. Também há muitas vertentes teóricas
pró-feministas ou pacifistas). Segundo Connell (1987): í\'
alimentando o estudo critico das masculinidades, incluindo o feminismo
1 radical, o feminismo liberal, o feminismo socialista, o neo-marxismo,
A masculinidade hegemônica sempre se constrói em relação a várias \

masculinidades subordinadas assim como em relação às mulheres. O t o social construcionismo, queer theory, pós-modernismo, feminismo
cultural e pós-estruturalismo.

42
!' 43
1
1
1

1
COLETÂNEA G~RO PLURAL

Espero que minhas reflexões autobiográficas críticas a respeito


do esporte e masculinidade lhes tenham alertado para algumas das
CoLETÃNEA G~o PLURAL

que compõem a ordem maior de gênero. Resumindo, o estudo crítico das


·masculinidades problematiza os homens e a masculinidade. O que significa
:1111

1i
questõ~s de pesquisa no estudo de gênero e esporte. Quando vocês t "problematizar"? Simplesmente significa que tem algo de errado nas formas
i. a
olharem para lista de temas de pesquisa que vou apresentar a seguir, 1 em que a sociedade tem construído a masculinidade, na maneira em que
verão quantos destes temas poderiam ser estudados em outros contextos
! os homens levam suas vidas, se relacionam uns com outros,· com as

l
ou instituições sociais: mulheres e com o planeta. Nós, homens, precisamos repensar nossas
. O desenvolvimento da identidade de gênero nos meninos identidades, nossas sexualidades e os padrões de. nossas vidas. Acredito
Agressão masculina e violência: contra outros homens e contra que os homens se beneficiam mudando a si mesmos e refazendo a rede
das suas relações. Nós já sabíamos que o patriarcado era um problema
as mulheres f
Relações raciais e étnicas ~ para as mulheres, e agora começamos a entender que o patriarcado
f
f também estraga as vicias_c!QS homens.
Homens "de cor" •+
O esporte e o "machismo" entre os homens latinos
1 Porlíllimo, nós, homens que estudamos gênero, podemos
aprender muito do grande número de teorias e pesquisas produzidas por
Os jogos gay (gay games)
mulheres (Hall, 1996). Os homens serão desafiados e transformados
Esporte, masculinidade e nacionalismo
Subculturas do esporte exclusivamente masculinas como: futebol, pelas percepções e teorias feministas. A lição mais poderosa que recebi
do feminismo é entender que "o pessoal é político" (the personal is
rúgbi, beisebol, vôlei
Esporte, atividade física e a saúde dos homens
political). Isto significa, entre outras coisas, que nós não deveríamos
conceber nossas vidas como se elas fossem separadas daquilo que
Homofobia
acontece na sociedade, na política e na história. Significa que podemos
Esportes televisionados e violência doméstica
Imagens da masculinidade na mídia esportiva entender melhor nossa identidade de gênero se explorarmos os contextos
A igualdade de gênero no atletismo históricos e sociais dos quais a identidade de gênero emerge, e vice-
versa. Muitos homens do movimento de homens enfatizam a importância
Violência sexual
de examinar sua identidade pessoal. Realizam esse importante trabalho
Contusões na prática do esporte
psicológico em grupos de apoio, em seminários para homens e no trabalho
O corpo e as emoções.
terapêutico. Outros integrantes de movimento de homens enfatizam a
necessidade dos homens se aliarem às mulheres que lutam pela igualdade
Conclusões salarial, pelo acesso a creches, pelo fim da violência doméstica e do
estupro, e por um mundo mais pacífico.
A "questão do homem" já entrou de cheio nos atuais debates políticos . Ambas abordagens são necessárias. Sim, precisamos de mudanças
e intelectuais sobre gênero. As análises críticas das vidas dos homens ao nível do indivíduo, mas, sem mudar os processos políticos, históricos e
estão conduzindo a novas pesquisas e novas teorias. O que toma "crítico" culturais ao nosso redor, as percepções ocorridas nos indivíduos
este emergente campo de estudos dos homens não é só o fato de levar em desaparecerão gradualmente. A mudança individual precisa do suporte da
conta o gênero, mas também o reconhecimento de que a construção social mudança institucional. Sem uma balsa ou um barco no qual segurar-se,
das masculinidades está embutida nos múltiplos sistemas de desigualdade mesmo o melhor nadador se cansa e submerge nas ondas.

44 45
COLETÂNEA GtNERo PLURA L

Muito obrigado pelo convite para participar deste


·evento. Espero que todos nós sejamos fortalecid
importante
os pelo trabalho que se
r
1
o

está fazendo aqui, pessoal, intelectual, cultural e


politicamente.
1
1
Tradu ção: MiriamAdelma.n e Paulo de Olive
ira Perna
:t
t
II
· Referências tf Gênero na construção da subjetividade
·i

n and rape. New York: Simon and .,


BROW NMIL LER, S. Again st our wül: men, wome *1f
Shuster, 1975.
Stanford University Press, 1987.
CONN ELL, R. Gender and power. Califomia:
in theory and practice. Champaign, 1
HALL , M. A. Feminist and sporting bodies: essays ~
Il..: Hwna n Kinetics Publishers, 1996.
r in sports: rethinking masculinity.
MESSNER, M; SABO, D. Sex, violence &: powe
Freedom, Califomia: Crossing Press, 1994.
l feminist perspectives. Champaign, Il..:
_ _ . Sport, men and the gende r order. critica
Huma n Kinetics Publishers, 1990.
er: sport, nationalism, and the media
ROW E, D.; MCKAY, J.; MlLE R, T. Come togeth
York: Routledge, p. 119-133, (19-].
image. In: WENNER, L. (Ed.). Mediasport. New
: gender, power and the body. Newbury
SABO, D.; GORDON, D. Men '.s health and illness
!
Park: Sage Publishers, 1995.
~i.
.
i
·•
j

·.~
~
~'
~
j

ii
f
~
l
t
1
:<
f
'
46 ...i

S-ar putea să vă placă și