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"Aristóteles emprega esse termo a propósito da tragédia no teatro, por analogia com as cerimônias
iniciáticas de purificação, para designar a purgação das paixões operada através da arte
(especialmente através da tragédia), fornecendo-lhes um objeto fictício de descarga” (JAPIASSU e
MARCONDES,1990)
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Santo Agostinho afirmou que “beleza” é nome dado a qualquer coisa em troca do
agrado que ela oferece. Da mesma maneira, o nome obra de arte pode ser dado a
quaisquer objetos ou atuações em troca do interesse apreciativo que despertam. O
interesse apreciativo é diferente do interesse prático, teórico ou mágico-religioso.
Materiais, linguagens, atuações ou objetos artísticos, que expressam valor estético e
despertam interesses apreciativos, quando são utilizados com finalidades práticas, teóricas
ou mágico-religiosas, demarcam a aplicação da arte em outras funções não estéticas.
Arte aplicada, portanto, é o termo que indica a utilização de elementos artísticos
para cumprir finalidades em que não predominam a função estética ou apreciativa. Assim, o
professor pode utilizar recursos poéticos, expressivos e dramáticos para obter a atenção e a
compreensão dos alunos sobre o tema que está apresentando. Isso é arte aplicada à
educação da atenção e ao ensino do conteúdo.
No contexto escolar, pode acontecer a arte aplicada à educação como estratégia
interdisciplinar, visando o desenvolvimento de valores e procedimentos ou a apreensão e
compreensão de conhecimentos. Mas, pode acontecer, também, a percepção da arte como
acervo de conhecimentos, os quais devem ser aprendidos pelos alunos.
A arte se distingue da ciência, da filosofia, da religião e, também, da natureza, mas,
ao mesmo tempo, relaciona-se diretamente com todos esses campos no contexto sócio-
cultural.
Há um elemento comum entre a arte e a natureza, porque ambas são
prioritariamente campos de produção material. A natureza produz todas as coisas naturais,
pedras, árvores, frutos e animais. De mesma maneira, toda produção material no campo da
cultura é tradicionalmente entendida como arte.
A compreensão de que a arte é campo de produção material de coisas que a
natureza não fornece propõe a arte como sinônimo de técnica. Isso distingue a arte da
filosofia e da ciência, que são por excelência campos de produção teórica, independente de
sua aplicação. Nesse sentido, surge o conceito de artefato e, também, as indicações das
artes liberais do alfaiate, do marceneiro, do médico e de todas as profissões que prevêem
uma produção factual e não apenas intelectual.
Um exemplo desse entendimento da arte como atividade pode ser percebido nas
expressões populares, porque chamamos de “gênio”, “crânio” ou “cabeça” à pessoa que
demonstra capacidade intelectual e apresenta boas idéias. Mas nesse caso não
denominamos essa pessoa de “artista”. Mas, quando queremos dizer que uma pessoa
realiza bem uma atividade como: cozinhar, escrever, ou mesmo jogar futebol, nesse caso
dizemos que é uma “artista”.
Por outro lado, o conceito de belas artes interpôs o sentido poético na produção
artística, separando os conceitos de arte e técnica. Nesse caso, a técnica participa do fazer
artístico, mas não há mais uma perfeita identidade entre os termos. A arte requer um fazer
sensível e criativo, ou seja, um fazer poético, que recupera o sentido mágico de suas
primeiras manifestações em que o objeto artístico se apresentava também como mágico-
religioso.
O uso refinado dos sentidos promove percepções e elaborações intuitivas. Pelo
menos em princípio, isso não é compreendido pela lógica e promove sentimentos,
formulações e expressões, que sugerem experiências transcendentais. Os sentidos mágico-
religiosos e estéticos advêm dessas vivências perceptivas associadas às situações
vivenciadas como transcendentes, que evocam interações com elementos mágico-religiosos
e compõem a substância de formação do sentido religioso e artístico.
Inicialmente, a arte se expressou como parte do contexto mágico-religioso, bem
como os princípios rudimentares das ciências, em especial, das ciências médicas. Mais
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texto “Constelações” de Adauto Novaes 2 em que o autor recorre a Paul Valéry e Dante
para ressaltar a arte como um exercício de escolhas e composições em busca das formas
de sentido:
Certas combinações de palavras, conclui Valéry, podem produzir
uma emoção que outras não produzem. O sistema de relação entre
palavras comuns tem o poder de mudar o valor de cada uma delas,
criando uma emoção poética, tornando-se “musicalizadas” e
ressonantes de uma para outra através de uma criação prática.
Tomadas isoladamente, estas quatro palavras teriam sentido
absolutamente banal. Mas quando lemos em Dante: “Chove na alta
fantasia”, as palavras ganham todo o seu esplendor pelo trabalho da
inteligência.
O trecho acima exprime a relação entre emoção e inteligência, que é possível e
também necessária na elaboração e recepção da obra de arte. O artista não é simplesmente
arrebatado por paixões, deve dispor de sensibilidade para ser afetado e se emocionar, mas,
ao mesmo tempo, utiliza sua inteligência e conhecimentos para qualificar, organizar e
expressar suas emoções e concepções como obra de arte. O mesmo potencial é requerido
do espectador ou receptor. Contudo, vale ressaltar que sentimentos e intuições são
princípios para quaisquer saberes criativos e, portanto, são os pontos de partida para a
expressão e a recepção artísticas.
TEXTO 1.
MUKAROVSKY, Jan. Escritos sobre Estética e Semiótica da Arte: trad. Manoel Ruas.
Lisboa: Editorial Estampa, 1993.
• O SIGNIFICADO DA ESTÉTICA
Enumeramos as diversas atitudes e vimos que são quatro: a prática, a teórica, a
mágico-religiosa e a estética. São estas as atitudes fundamentais que, diferenciando-se,
misturando-se e combinando-se umas com as outras, dão origem a outras atitudes
possíveis. A atitude prática e a atitude teórica referem-se à própria realidade, quer
transformando-a diretamente (atitude prática) quer preparando de modo mais eficaz a
possibilidade de nela intervir mediante o seu conhecimento (atitude teórica). A atitude
mágico-religiosa e a atitude estética transubstanciam a realidade em signo sem a alterar.
Essas duas atitudes e as respectivas funções encontram-se, portanto, mais perto
uma da outra que quaisquer das demais, e por isso podem ser descritas sob a designação
comum de disjunções do signo (semiológicas). Mas a atitude estética e a função estética
estão, em certo sentido, isoladas, opostas às outras. Nenhuma das outras atitudes ou das
outras funções se concentra sobre o signo: todas elas dirigem a atenção para tudo o que o
signo designa, o que ele menciona. Para a função prática, enquanto é utilizado, o signo (por
exemplo: o signo lingüístico, a palavra) é um mero instrumento de outras atitudes mais
complexas; para a função teórica (cognoscitiva), o signo (o conceito e a palavra que o
exprime) é ainda um meio de domínio da realidade.
No caso da função mágico-religiosa, o próprio peso não reside no símbolo, mas no
poder invisível por ele encarnado. Só na função estética o peso principal está no signo,
naquela coisa perceptível pelos sentidos cujo papel é significar, aludir a qualquer coisa. Só
assim é possível que o signo estético esteja, de certo modo, flutuando, desprendendo-se em
medida considerável do contacto direto com as coisas, os acontecimentos, etc., que
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O trecho citado foi extraído das páginas 16 e 17 do livro organizado por NOVAES, Adauto.
Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
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matemático pode produzir (juntamente com o valor cognoscitivo) uma impressão satisfatória
também no aspecto estético. Em algumas ciências, a função estética chega a fazer parte do
próprio procedimento científico: como se sabe, tem sido muitas vezes defendida a tese
segundo a qual a história se encontra no limite que separa a arte da ciência.
Vejamos agora as relações entre a função estética e a função mágico-religiosa.
Devido ao parentesco entre estas duas funções, do qual já falamos (ambas convertem a
realidade imediatamente, no momento em que dela se apoderam, num signo), a relação
entre elas é especialmente estreita. Por vezes é até difícil distingui-las: assim, por exemplo,
na arte ornamental primitiva elas confundem-se totalmente; recordemos também a estreita
vinculação de muitos cultos às artes plásticas e as origens religiosas do teatro. Sucede
mesmo que se cria, às vezes, entre as duas funções, uma situação de concorrência: a
função estética tenta substituir a função religiosa — e daí as agudas reações contra a arte
na igreja; recordemos ainda os sentimentos religiosos dos românticos, esteticamente
motivados, como no caso de Chateaubriand.
Nas últimas frases, pronunciamos já várias vezes a palavra «arte», embora se
tratasse, principalmente, de mostrar até que ponto a atitude estética penetra em todas as
atividades, e precisamente nas atividades extra-estéticas, do homem. A arte é, em si
própria, um grupo de atividades do homem. Não são fenômenos que adquiram a função
estética de modo secundário, ao lado de uma outra função principal e às vezes por acaso,
mas sim produtos criados com a intenção de o efeito estético ser o seu principal papel.
Seria, bem entendido, errôneo pensar-se que por isso mesmo a arte não pertence ao
capítulo «o estético e a vida» e considerar-se que ela é algo como um oásis silencioso de
contemplação estética cujo campo de ação se encontre fora dos próprios processos vitais.
Seria necessária uma reflexão especial para enumerar todos os laços que há entre a
arte e a vida, todas as incidências da arte na circulação e na evolução das funções extra-
estéticas e todas as incidências dos interesses na evolução da arte. Por isso,
mencionaremos apenas alguns exemplos. Ao fim e ao cabo, cada uma das várias artes
entra, de um ou de outro modo, na esfera das funções práticas — manifestações
eminentemente características daquilo a que chamamos «vida», «vida quotidiana». Deste
ponto de vista, é característica a situação da arquitetura. Todo o edifício, qualquer edifício, a
começar por um celeiro e a terminar numa catedral, é uma criação de arquitetura. Nunca
será resolvido o problema de saber onde começa a arte e onde termina a criação
preponderantemente orientada pelo ponto de vista da prática, e pode-se afirmar que a
alternância permanente de períodos de transição pelos quais perpassa a polêmica acerca
deste problema é uma das mais poderosas forças evolutivas da arquitetura.
Como se sabe, a arquitetura, a sua teoria e a sua prática acabam de atravessar um
período (que, propriamente, ainda não terminou) no qual a função estética foi totalmente
extirpada da arquitetura, declarando-se a utilidade prática como único critério decisivo da
perfeição da obra arquitetônica. No entanto não tardou, na prática arquitetônica, a observar-
se que, por vezes, a utilidade aparente ocultava, sem que o autor disso tivesse consciência,
esforços pela perfeição estética. De vez em quando ocorria, mesmo, que, num edifício
pronto e já em uso, se descobriam imperfeições que, depois de cuidadoso exame, se
revelavam como conseqüências de um exagero da utilidade aparente em proveito da
eficácia estética do edifício. A teoria da arquitetura começou a mostrar, também muito
depressa, que, ao lado das necessidades materiais (por exemplo: suficiente espaço e
possibilidade de livre movimentação no seu interior), o homem que utiliza o edifício tem
necessidades e exigências igualmente imperiosas, de caráter «psíquico», entre as quais se
conta também, sem dúvida, a necessidade de uma satisfação estética, E ultimamente temos
vindo a testemunhar que os arquitetos/artistas mais competentes começam a pensar na
necessidade e justificação prática da decoração — isto é, do elemento estético mais
evidente da arquitetura.
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TEXTO 2.
• O PODER DA MAGIA
A estimulante descoberta de que os objetos naturais podiam ser transformados em
instrumentos capazes de agir sobre o mundo exterior e alterá-lo levou a mente do homem
primitivo, sempre tateando experimentalmente e despertando aos poucos para o
pensamento, a outra idéia: a idéia de que o impossível também poderia ser conseguido com
instrumentos mágicos, isto é, a idéia de que a natureza poderia ser magicamente
transformada sem o esforço do trabalho. Deslumbrado pela imensa importância da
semelhança e da imitação, ele deduziu que, desde que todas as coisas semelhantes eram
idênticas, o poder sobre a natureza que lhe podia ser proporcionado pelo "tornar
semelhante" poderia ser ilimitado. O poder recentemente adquirido de individualizar e
dominar objetos, desenvolver uma atividade social e dar conta de acontecimentos por meio
de signos, imagens e palavras, conduziu-o a esperar que o poder mágico da linguagem
fosse infinito. Fascinado pela força da deliberação, da vontade, do propósito capaz de
antecipar coisas, de fazer com que coisas existentes como idéias na mente viessem a ter
existência material, ele foi levado a acreditar numa força avassaladora, sem limites, que
existiria nos atos de manifestação da vontade. A mágica do fazer instrumentos levou-o
inevitavelmente à tentativa de estender a magia ao infinito.
No livro de Ruth Benedict, Patterns of culture (Rout-ledge, 1935), há um bom
exemplo da crença segundo a qual a imitação acarreta necessariamente um poder sobre o
imitado. Um feiticeiro na ilha de Dobu quer que uma doença fatal abata um inimigo.
"No curso da cerimônia de encantamento, o feiticeiro imita por antecipação a agonia
do estágio final da doença que está ministrando. Torce-se no chão e arqueja em.
convulsões. Somente assim, após a fiel reprodução de seus efeitos, é que o encanto
produzirá os resultados que se esperam dele."
E lemos mais adiante:
"Os encantamentos são quase tão explícitos quanto as ações que os acompanham...
O encantamento que se segue é destinado a causar gangosa, a horrível doença que
dilacera a carne como sob o assalto de um pica-pau (ave que lhe dá o nome de gangosa na
língua nativa):
Pica-pau que mora em Sigasiga,
no alto da árvore lowana,
bica, bica, e rasga
o nariz,
as têmporas,
a garganta,
os quadris,
a raiz da língua,
a nuca
o umbigo,
a cintura,
os rins,
as entranhas,
bica, bica, e rasga.
Pica-pau que mora em Tokuku,
no alto da árvore lowana,
dobra ele,
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fingem preparar-se para uma vingança sangrenta e, de fato, estão procurando ganhar as
boas graças dos mortos por meio da encenação, já nos encontramos diante de uma
transição para o drama e para a obra de arte. Outro exemplo: os negros djagga cortando
uma árvore. Chamam a árvore de irmã do homem em cujo pedaço de terra está plantada.
Representam os preparativos da derrubada como preparativos para o casamento da irmã.
Na véspera do corte, trazem-lhe leite, cerveja e mel, saudando-a como "mana mfu ('a
criança que vai embora'), minha irmã a quem vou dar um marido com quem ela vai se casar,
minha filhinha". E, depois da queda da árvore, o dono do pedaço de terra onde ela estava
plantada expande-se em lamentações: "Vocês roubaram a minha irmã". Aqui, é clara a
transição da magia para a arte. A árvore é um organismo vivo. Derrubando-a, os membros
da tribo preparam o seu novo nascimento, do mesmo modo que encaram a morte de um
indivíduo como o seu novo nascimento fora do corpo maternal da coletividade. O
procedimento deles oscila entre a seriedade cerimonial ritualística e a encenação artística; o
pranto simulado do irmão da árvore traz consigo o eco de antigos temores e imprecações
mágicas. É um rito cerimonial que foi preservado no drama.
A identidade mágica do homem com a terra estava também na raiz do antiqüíssimo
costume de sacrificar o rei. O status de rei se originou - como foi provado por Frazer —
antes de tudo e principalmente da fertilidade mágica. Na Nigéria, os reis eram a princípio
apenas maridos das rainhas. As rainhas tinham de conceber para que a terra também desse
frutos. Depois que o homem — visto como representante terreno do deus-lua — cumpria a
sua tarefa de macho, era estrangulado pelas mulheres. Os hititas espalhavam o sangue do
rei assassinado pelos campos e a sua carne era comida por donzelas --as acompanhantes
da rainha -- que usavam máscaras de cadelas, de éguas e de porcas. Com a passagem do
matriarcado ao patriarcado, o rei assumiu os poderes da rainha. Usando roupas de mulher e
seios postiços, ele passou a representá-la. Em seu lugar, passou a ser assassinado o
interrex e, afinal, este foi substituído por animais. A realidade virou mito, a cerimônia mágica
virou encenação religiosa, a magia cedeu lugar à arte.
5. O SER ARTISTA
5. 2. SOBRE OS ARTISTAS.
Os artistas são aqueles sujeitos que se expressam esteticamente, produzindo ou se
apropriando de manifestações, cuja função prioritária é a função estética. Na sua concepção
mais abrangente, que não se restringe ao domínio virtuoso das técnicas e linguagens
artísticas tradicionais, a expressão artística é acessível a todos os seres humanos com
mínimos recursos expressivos.
Do mesmo modo, a possibilidade de refletir minimamente sobre os fenômenos da
natureza, sobre os fatos sociais ou sobre as manifestações espirituais é pertinente em todos
os seres humanos. Os filósofos, entretanto, são apenas aqueles reconhecidos no contexto
da instituição filosófica, historicamente constituída desde a Antiguidade Clássica.
Uma vez constituída, uma instituição também qualifica como parte de seus quadros
seus antecessores, que serão reconhecidos como precursores, e uns tantos outros, que
ficaram à margem do processo institucional. Isso ocorre por analogia ou influência recíproca,
assim, alguns serão percebidos e reconhecidos pela sociedade em geral como parte de uma
instituição, mesmo que representem um contraponto, uma alternativa ou uma instância
transformadora.
Primeiramente, assim como os filósofos e outros atores sociais, os artistas são
aqueles que, conscientemente, se auto-proclamam e buscam legitimidade institucional,
participando de cursos, eventos, mostras e concursos promovidos por instituições artísticas.
Os registros das aceitações, referências e premiações institucionais são reunidos para
compor o currículo artístico, que legitima e confirma a condição de artista.
Os que não se adaptam às condições institucionais, buscam compor outras
instituições ou ocupar espaços alternativos. Porém, deixam claro que é uma atitude
alternativa ou contestatória a uma situação institucional, compondo assim um processo
alternativo de institucionalização.
A composição dos currículos oficiais ou alternativos indicam os diversos níveis e
categorias de valorização dos artistas na ampla estrutura institucional. Há dois parâmetros
representativos: o primeiro é determinado pela crítica especializada, que é composta por
estudiosos, críticos profissionais e consumidores especiais; o segundo é determinado pelo
mercado, que é composto por agentes, marchands, distribuidores e consumidores em geral.
A plena realização é assinalada pela aprovação da crítica e do mercado.
Os diletantes e amadores compõem um outro conjunto de participantes da instituição
artística, formando a linha de frente do público em geral, como um público especializado de
consumidores, que admiram e compram as obras, participam de manifestações, aprendem
técnicas e linguagens e, ainda, consomem materiais. Entretanto, esses consideram suas
próprias produções obras menores, que não os habilitam como artistas.
Há, ainda, outros produtores, como crianças, idosos, dementes e pessoas comuns.
Esses se expressam esteticamente, movidos por interesses afetivos, mas não
necessariamente artísticos. Os componentes desse público utilizam materiais artísticos para
se expressar e reconhecerem a si mesmos, sem priorizar a recepção ou fruição do público,
A expressão intencional, consciente, e voltada para a instituição artística e para o
mercado de arte, qualifica os artistas. Isso os distingue dos diletantes, dos amadores e de
outros que, por necessidade espiritual, recomendação médica ou motivação natural, como
é o caso das crianças, manifestam sua expressividade e buscam o auto-conhecimento.
Do mesmo modo que as manifestações artísticas ou as obras de arte, os sujeitos
que, conscientemente, atuam para promover o seu ingresso na instituição social artística
são socialmente reconhecidos como artistas. Uma vez que foram institucionalmente
reconhecidos, suas manifestações também serão reconhecidas como obras de arte, cujo
valor cultural e comercial será determinado pelas instâncias competentes, ou seja, pela
crítica e pelo mercado.
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Por outro lado, retomando as idéias de George Dickie (OLIVEIRA et. al.1998:162-6),
do mesmo modo que, em nome do estado, um juiz pronuncia uma sentença que converte
um homem em um condenado e que um rei consagrava um homem cavaleiro, um legítimo
representante da instituição arte pode atribuir a um produtor artístico o status de artista.
Assim, são também indicados alguns produtores que não se posicionaram conscientemente
como artistas, mas que foram informados de sua condição por um especialista que,
também, encarregou-se de noticiar e apresentar sua descoberta ao público e à sociedade
em geral.
Um caso exemplar é o de Artur Bispo do Rosário que hoje é falecido, mas, até cerca
de dez anos atrás, foi interno do hospital psiquiátrico Juliano Moreira na cidade do Rio de
Janeiro, onde desenvolveu um trabalho com sucatas e trapos de pano que, em parte, eram
desfiados e utilizados para compor os bordados dos mantos que produzia. Além disso,
reunia objetos como escovas de dente, talheres, tesouras, e outros, compondo obras de
grande expressividade.
Utilizando-se dos recursos peculiares de seu mundo psíquico, Bispo justificava seu
trabalho como uma obra para atender as solicitações de Deus. Entretanto, o crítico
Frederico de Morais, ao conhecer essa mesma obra, considerou-a dentre as mais legítimas
expressões artísticas e a divulgou para todo o mundo. Porém, o autor quando ainda estava
vivo era enfático ao afirmar : "Não faço isto para os homens, mas para Deus" (CARVALHO,
2005).
O desejo de Bispo era que os mantos o cobrissem quando ascendesse aos céus
após a morte. Mas, esse desejo não foi atendido e suas obras foram incorporadas ao acervo
da instituição arte.
É preciso considerar que Bispo não foi o emissor consciente de sua obra como
manifestação artística. De modo semelhante a Duchamp, foi Morais que qualificou
conceitualmente sua série de objetos como obras de arte e, ainda, qualificou o produtor
desses objetos como artista.
TEXTO 3.
DICKIE, George. Art and Aesthetic: An Institutional Analysis, in: OLIVEIRA (et. Al.).
Tópicos de Filosofia Geral, São Paulo: Brasiliense, 1998 (Col. Primeira Filosofia).
feitos notamos um tipo de ação que até agora passou despercebida e sem apreciação — a
ação de conferir o status de arte.
Os pintores e escultores empenharam-se desde sempre na ação de conferir este
status aos objetos que criam. Todavia, enquanto os objetos criados eram convencionais dado
o paradigma da época, os próprios objetos e as fascinantes propriedades em exibição eram o
foco da atenção não só dos espectadores e críticos mas também dos filósofos da arte.
Quando um artista de uma época pretérita pintava uma tela fazia algumas (ou todas) destas
coisas: figurava um ser humano, retratava um certo homem, cumpria uma encomenda,
trabalhava para seu sustento e assim por diante.
Além disso agia também como um agente do mundo-arte e conferia o status de arte à
sua criação. Os filósofos da arte atentaram somente em algumas das propriedades que os
objetos criados adquiriam com estas várias ações, por exemplo, nos traços representacionais
e expressivos. Ignoraram inteiramente a propriedade não-exibida do status. Todavia, quando
os objetos são bizarros como os dos dadaístas, a atenção é desviada das propriedades óbvias
para a consideração dos objetos no contexto social. Como obras de arte, os ready-mades de
Duchamp podem não ser de grande valia, mas como exemplos de arte são muito valiosos
para a teoria da arte (...)
Vou primeiro descrever casos paradigmáticos do conferir status fora do mundo-arte e,
então, mostrar como é que ações similares tomam lugar no interior do mundo-arte. Os
exemplos mais diretos de conferir status são certas ações legais do estado. Um rei conferindo
o grau de cavaleiro, o júri popular condenando alguém, o presidente da comissão eleitoral
declarando alguém habilitado ao cargo, (...) são exemplos nos quais uma pessoa (...)
atuando em nome de uma instituição social (o estado) confere status legal a pessoas. O
Congresso ou uma comissão legalmente constituída pode conferir o status de parque nacional
ou monumento a uma área ou coisa (...) Conferir a alguém o título de Doutor por uma
Universidade, (...) declarar um objeto como relíquia da Igreja são exemplos nos quais uma
pessoa ou pessoas conferem status não-legal a pessoas ou coisas. Em tais casos deve
existir algum sistema social como quadro dentro do qual o conferimento toma lugar, mas,
como antes, não é requerida cerimônia para estabelecer status: por exemplo, uma pessoa
pode adquirir o status de homem sábio ou idiota da aldeia dentro duma comunidade, sem
cerimônia (...)
O núcleo pessoal do mundo-arte é um conjunto de pessoas frouxamente organizado,
mas ligado entre si, incluindo artistas (...), produtores, diretores de museu, visitantes de
museu, repórteres de jornais, críticos de publicações de toda espécie, historiadores de arte,
teóricos de arte, filósofos de arte e outros (...). Assumindo que a existência do mundo-arte foi
estabelecida, o problema agora é ver como o status é conferido por esta instituição. A minha
tese é que da mesma forma análoga àquela pela qual uma pessoa se certifica que uma
pessoa está apta para um cargo (...), um artefato pode adquirir o status de candidato a
apreciação dentro do sistema social denominado "arte-mundo". Como é que se pode dizer
que o status foi conferido?
Um artefato pendurado num museu de arte como parte de uma mostra e uma recita
teatral são sinais seguros. Não existe evidentemente garantia de se poder sempre saber se
algo é candidato à apreciação, da mesma forma que não é garantido saber se alguém é
casado ou cavaleiro (...). A questão mais importante é de como o status de candidato a
apreciação é conferido. Os exemplos acima mencionados (...) parecem sugerir que é preciso
um certo número de pessoas para conferir realmente o status (...) Em um sentido requer-se
um número de pessoas mas em outro sentido só uma — são requeridas pessoas para
construir a instituição social do mundo-arte, mas somente uma pessoa, creditada pelo
mundo-arte, para conferir o status (...). De fato, muitas obras de arte são vistas apenas por
uma pessoa — aquela que as cria — mas são ainda arte (...). Pode ajudar comparar e
contrastar a noção de conferir status de candidato à apreciação com o caso em que algo é
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Afetado pela paixão, o artista impregna sua obra com essa paixão. A obra assim
constituída passa também a expressar um estado de paixão, constituindo um ethos
apaixonado. Diante da obra, o espectador é afetado por este (ethos) estado da obra,
passando a viver sua própria paixão (pathos).
O poeta Manoel de Barros (1982, p. 30) afirma que para fazer poesia é necessário
“adoecer as palavras”, retirá-las de seu estado convencional.
A possibilidade de liberação afetiva durante a vivência estética foi designada por
Aristóteles (384–322 a.C.) como catarse. A palavra original em grego, katharsis, significa
purificação, purgação.
O processo de fruição artística desenvolve três estados. Há o primeiro estado de
empatia, o compartilhamento de uma mesma paixão, que dispõe o espectador ao segundo
estado, que é a vivência desta paixão, e ao terceiro estado que é a catarse, a liberação da
paixão (NIETZSCHE, 1873/1991).
No teatro, o espectador convive com as imagens os sons emitidos pelos atores, isso
indica que todas as coisas expressivas, ou seja, perceptíveis, também podem despertar e
liberar afetos. Mesmo o que não pode ser compreendido pode ser vivenciado por empatia.
A busca de prazer e de purgação das afecções dolorosas direciona os homens para
a arte, tanto como criadores quanto espectadores. A quem diga que se escreve um livro
para se livrar dele. É mais apropriado dizer que se escreve um livro para expressar idéias e
liberar afetos de modo que se possa interagir objetivamente com esses dados cognitivos e
afetivos. Paradoxalmente, é a dor que impulsiona a criação e a fruição artística na direção
do prazer. Isso envolve duas motivações: a primeira é a realização de desejos e a segunda
é o alívio das dores.
A expectativa de realização de um desejo é sempre dolorosa, porque o desejo se
instala com uma paixão. Há uma necessidade que precisa ser suprida para que um estado
de ansiedade ou angústia seja substituído por um estado de realização e plenitude, mesmo
que momentâneo. Há muitas músicas que relatam o estado doloroso de um desejo não
realizado, uma delas diz: “fomos feridos pelo amor”.
A arte não garante a realização de desejos, mas permite sua expressão. A arte
permite e propicia a expressão de afetos conscientes e inconscientes e a experiência
humana tem confirmado que isso propicia alivio e prazer. A arte estabelece pontes sobre a
fratura original que separa o homem do mundo, que separa o desejoso do objeto de seu
desejo. Porém, de modo diferente do alucinado, o artista é consciente de que representa e
que a representação é diferente do objeto representado.
O estudo das causas e justificavas para o fenômeno artístico são mais pertinentes à
filosofia, à psicologia e, principalmente, à psicanálise, não cabendo à arte explicá-las.
Todavia, recorrendo novamente à sabedoria popular, quando essa afirma que “a
necessidade faz o sapo pular”, deve-se considerar que a existência das manifestações
artísticas, principalmente, daquelas que só desempenham sua função estética, deve ter uma
causalidade que, certamente, está relacionada aos afetos e à dor.
7. AS CATEGORIAS ESTÉTICAS .
Tendo em vista que a estética é o campo que relaciona os estímulos percebidos com
as respostas afetivas, considerando também que a arte é o campo que reúne atividades de
produção de obras capazes de expressar sentimentos, uma categoria estética é
determinada pelo amplo conjunto de obras expressivas que, por suas características
morfológicas, formais e compositoras, sejam capazes de produzir de modo predominante
um tipo específico de sentimento.
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TEXTO 4.
SODRÉ, Muniz e PAIVA Raquel. O Império do Grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
(http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/megaestetica/estetica_literaria)
O poema lírico era ritmado e deveria ser recitado ou cantado aos sons da lira. Isso
consolidou as diferenças entre a prosa e o poema, sendo que esse último, de modo geral,
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conservou por um tempo as rimas e o ritmo, até que o modernismo rompeu com a lírica dos
poemas e consolidou por oposição a poesia lírica ou poema rítmico, rimado.
(http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/megaestetica/estetica_literaria)
Como denominação, estilo derivou de estilete (do latim stilus = vareta), com
que se picavam os caracteres ideográficos nas tabuinhas recobertas de cera
e que serviam para nelas se escrever.
Do fato de cada qual desenvolver um modo característico de escrever as
letras, evoluiu estes caráter para o modo de compor a própria linguagem
No sentido nobre, estilo passou a significar a boa linguagem.
Por último, estilo alargou seu uso para a maneira de se expressar de todas
as artes, passando-se a dizer também estilo de pintura, estilo de escultura,
estilo musical e arquitetônico.
(http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/megaestetica/e-cores)
Para atender sua motivação inicial, individual e subjetiva, e produzir uma obra , o
artista utiliza elementos do acervo histórico-cultural que lhe é acessível para obter materiais,
desenvolver técnicas e compor sinais produtores de sentido e significado. Por exemplo, a
despeito de suas individualidades, muitos artistas japoneses produzem trabalhos que
denotam “um estilo japonês” de produção artística.
Um estilo é reconhecido por meio das semelhanças no uso de materiais, no
desenvolvimento das técnicas e na composição formal. Nas artes visuais, por exemplo, a
identidade entre as obras é manifesta nas peculiaridades do tratamento e da
composição dos elementos formais e cromáticos, que vão definindo padrões
recorrentes. A composição de um estilo regional decorre, em grande parte, do fato dos
artistas estarem inseridos em um mesmo ambiente natural e cultural, dispondo de acervos
comuns, tanto materiais quanto simbólicos.
Pela sua definição real, estilo é a maneira eventual com que a obra de arte
se apresenta. O estilo, ora acontece por eleição do artista; ora se impõe por
injunção de circunstâncias. Mas o estilo sempre se define como algo, que
não é, nem a natureza essencial da arte, nem as propriedades a ela
inerentes. Uma pintura, por exemplo, pode ser mais rigorosa, enquanto
outra é mais diluída; uma notoriamente idealizada, enquanto outra é realista.
Sempre se trata de opções de estilo.
(http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/megaestetica/e-cores)
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A Estética é um campo de conhecimentos e estudos que não se restringe à Arte.
Como parte da Filosofia, a Estética trata da percepção sensível e das reações afetivas,
atuando na composição do pensamento, na construção do conhecimento e na expressão
interpessoal. Essas características também colocam a Estética como um dos principais
temas da Psicologia.
A Arte não se restringe à Estética, envolvendo ainda a técnica e a criatividade.
Todavia, a função estética é a função dominante na produção artística, distinguindo o
conjunto de atividades e de produtos que, prioritariamente, expressam emoções e
sentimentos.
A produção artística interage com diversos setores da cultura e da sociedade. Como
objeto de estudo, a Arte se caracteriza por uma pluralidade de enfoques teóricos, sob o foco
da História da Arte, da Sociologia da Arte, da Psicologia da Arte e outras áreas. Tais
enfoques são suscitados pela amplitude da Arte e de suas relações culturais e sociais,
constituindo uma vasta Teoria da Arte, na qual a Estética responde pela motivação, pela
expressão e pela recepção das obras de arte.
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Este texto foi produzido para promover um início de reflexão sobre essas interações,
buscando compreender a consolidação do fenômeno artístico na história e no cotidiano das
instituições e da vida das pessoas.
Tendo em vista que a produção, a apreciação e a legitimação das obras de arte
envolvem a interação de aspectos psicológicos e sócio-históricos, este texto foi composto
para estabelecer um diálogo entre as motivações e ações do artista e os aspectos
históricos e sociais que consolidam o fenômeno artístico na atualidade.
10. REFERÊNCIAS.
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