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Quando estava no terceiro ano de direito, comecei No entanto, eu continuava dentro do direito penal,
a me formar como “estudante livre” em sociologia muitas vezes acompanhado pelo professor Rober-
na PUC do Rio. Me juntei a movimentos de esquer- to Lyra Filho – com quem guardei, aliás, um conta-
da católica liderados pelo padre João Batista Libâ- to epistolar durante muito tempo. Vim a conhecer
nio. Ele se tornou rapidamente uma espécie de guia também o professor Heleno Fragoso no Rio. Ficamos
intelectual e existencial para mim e muitos outros amigos e trocávamos ideias e trabalhos, algumas
amigos e amigas que faziam parte daquele grupo. vezes até nos encontrando em colóquios.
Em ciências humanas, quando houve essa crítica da Então esses debates sobre as técnicas refletem ide-
hierarquização do saber, da presunção de estar por ologias do pesquisador, mas no sentido de falsas
cima, houve um extremo de dizer que qualquer um representações que nós construímos pelo fato de
que fala, qualquer ator que fala, tem exatamente o utilizarmos uma técnica mais do que outras. Nor-
mesmo valor do que o outro. Mas isso depende. De- malmente as pessoas que fazem objeção a um tipo
pende do que se entende por valor. Mesmo na lingua- de técnica conhecem muito pouco as pesquisas
gem cotidiana, há pessoas que são muito mais ama- feitas com essa técnica e quando as leem ficam
durecidas e falam muito melhor sobre certos temas surpreendidas. Temos menos preconceito com o
do que outras. Temos que tomar cuidado para não que estamos mais familiarizados, e aquilo que nos
sair de um extremo e chegar ao outro, em que o pes- causa menos preconceito passa mais fácil. Outras
quisador pensa que o melhor serviço que ele pode fa- coisas são mais surpreendentes. Mas quando você
zer para a humanidade é se anular completamente e tem oportunidade de mostrar para essas pessoas
só deixar o outro falar. o tipo de pesquisa que está sendo feita e como é
que está sendo feita, muitos delas vão mudar de
JRX: Assim como se hierarquizam métodos hierarqui- posição porque vão começar a perceber que as coi-
zam-se, muitas vezes, técnicas de pesquisa. Algumas sas não são tão simples assim. E que você pode ler
pessoas acreditam que certas técnicas vão trazer res- com muito prazer e aprender muito com pesquisas
postas mais precisas, mais “verdadeiras”. Questiona- que estão utilizando métodos ou técnicas que você
-se, por exemplo, a relevância do uso da entrevista na desvalorizou num primeiro momento, em razão do
pesquisa empírica em direito, considerando-se que ou- que você selecionou, devido à sua percepção, à sua
tras técnicas poderiam ser melhores. O senhor vê esse formação, ao seu conhecimento...
problema também?
A vida se tornou tão complexa em termos de produ-
Quanto a isso, perdeu-se de vista o fato que a téc- ção de conhecimento! No século XIX, Quetelet, por
nica metodológica adotada depende do objeto que exemplo, podia ser ao mesmo tempo astrólogo, es-
você está querendo investigar e não da técnica em tatístico, sociólogo, tudo ao mesmo tempo. Tinha
si. Depende do tipo de informação que você quer seis livros de uma área, três daquela outra... Hoje
produzir. Isso aconteceu também nas duas faces, você não consegue fazer isso. Nem dentro do seu
tanto no quantitativo quanto no qualitativo. Na campo de especialização você consegue ler tudo.
face do quantitativo, a valorização do survey e, E como não se pode ler somente no seu campo de
dentro do survey, da amostra aleatória. Ora, den- especialização – ou é melhor que não o faça – o seu
tro da própria pesquisa quantitativa há uma série tempo vai ter que ser gasto lendo um pouco fora..
de amostragens que não são aleatórias e que se
fossem feitas ao acaso, seriam destruídas. O qua- Pensávamos que o aumento do conhecimento re-
litativo também fez esse tipo de coisa. duziria o campo da ignorância, mas isso é uma
antiga representação. Dizia-se: “cada vez que o
Com relação às entrevistas, o pessoal dizia “não, conhecimento aumenta, o campo de ignorância
a entrevista é o que permite que o autor fale, se vai diminuindo”. Era uma representação completa-
afirme, conte a sua história oral, etc”. Depois houve mente hidráulica do conhecimento. Hoje sabemos
uma retomada e, então, quem defendia a entrevis- que quanto mais o conhecimento aumenta, mais
ta cometia exatamente o mesmo erro, no sentido o campo de ignorância aumenta. Por que ele au-
inverso, dizendo “não, a entrevista é muito melhor menta? O conhecimento produz questões novas
do que a observação direta de terreno, a etnogra- que não existiam antes. Hoje temos consciência,
fia, o survey”. Não é. Até porque é muito confuso, pela grande quantidade de produção científica
quando você faz uma etnografia, muitas vezes, e não cientifica que existe e que seria importante
você tem as entrevistas misturadas ali. Você não conhecer, de que não somos capazes de patrulhar