Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
E ainda:
Cuidar consiste em uma forma de viver, de ser, de se expressar; é uma postura ética e
estética frente ao mundo; é um compromisso com o estar-no-mundo e contribuir com o
bem-estar geral, na preservação da natureza, na promoção das potencialidades, da
dignidade humana e da nossa espiritualidade; é contribuir na construção da história,
do conhecimento da vida (p. 227).
Boff cita o pediatra e pensador Winnicott, com sua teoria de base, o holding, que se
traduz pelo
conjunto de dispositivos de apoio, sustentação e proteção, sem os quais o ser humano
não vive. É da essência humana [...] a care (o cuidado), que se expressa nestes dois
movimentos indissociáveis: a vontade de cuidar e a necessidade de ser cuidado. Isso
é patente na relação mãe/bebê. Este precisa de cuidado sem o qual não vive e
subsiste. E a mãe sente vontade e tem a predisposição de cuidar” (p. 30).
Preocupado com a vida e o futuro da Terra, Boff desafia e incentiva ações urgentes de
precaução e prevenção. Na precaução se revê o que se está fazendo e que ameaça a
terra, e na prevenção se estuda antecipadamente determinadas ações, afim de sequer
iniciar algo que possa prejudicar as condições de vida das próximas gerações.
A base da argumentação do autor em prol da Terra é construída através do conceito
de terra como Mãe Terra e Gaia, isto é, “um superorganismo vivo, que se autorregula
e auto-organiza, respeitando seus ciclos” (p. 33), e da qual fazemos parte
indissociavelmente. O homem é filho da Mãe Terra. O autor luta pelo reconhecimento
da dignidade intrínseca da Terra, pois assim, “poderá ser iniciado um novo tempo, o
da biocivilização, na qual a Terra e a humanidade reconhecem a recíproca, a origem e
o destino comuns” (p. 88). Portanto, toda a violência que praticamos contra a Terra,
praticamos contra nós mesmos. Para solidificar tal argumentação, Boff faz a seguinte
leitura científica da vida:
Como Terra existimos já há 4,44 bilhões de anos, uma floração feliz de um processo
evolucionário que começou há 13,7 bilhões de anos, quando surgiu o universo que
conhecemos. Há 3,8 bilhões de anos irrompeu, de algum pântano ou mar primevo, a
vida. Há 125 milhões de anos emergiram os mamíferos, a cujo gênero pertencemos, e
com eles nos veio o afeto, o carinho e o amor. Há uns 70 milhões de anos emergiu
nosso ancestral, que vivia na copa das árvores para escapar da voracidade dos
dinossauros. Há 17 milhões de anos já nos separávamos dos primatas e nos fizemos
antropoides, com traços que apontavam para a futura humanidade. Há 7 milhões de
anos já éramos humanos, portadores de consciência e inteligência. E há 100 mil anos
somos plenamente humanos, com um cérebro extremamente complexo, capaz de
suportar um espírito cujo voo não se limita a este mundo, mas alcança as estrelas e se
abre ao Infinito (p. 256).
Em tudo o que fazemos, entra o cuidado. Cuidamos do que amamos. Amamos do que
cuidamos. Hoje pelos conhecimentos que possuimos acerca dos riscos que pesam
sobre a Terra e a vida, se não cuidarmos, surge a ameaça de nosso desaparecimento
como espécie, enquanto a Terra, empobrecido, seguirá, pelos séculos afora, seu curso
pelo cosmos. Até, quem sabe, que surja um outro ser dotado de alta complexidade e
cuidado, capaz de suportar o espírito e a consciência.
Metaforicamente podemos dizer que o cuidado é a mão aberta que se estende para a
carícia essencial, para o aperto das mãos, com os dedos que se entrelaçam com
outros dedos para formar uma aliança de cooperação e a união de forças. Ele se opõe
à mão fechada e ao punho cerrado para submeter e dominar o outro.