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A Ideologia Pre / clara.


A PRODUÇÃO ISEBIANA ( * )

Caio Navarro de Toledo

A criação do ISEB: a perspectiva oficial. Postular o desenvolvimento nacional,


e propugnar pela elaboração de uma
Personagens secundários da vida polí­ ideologia capaz de promovê-lo e incenti­
tica brasileira figuraram como atores vá-lo não foi "mérito" exclusivo do pre­
centrais na criação e na extinção do sidente Juscelino Kubitschek. Reconhe­
T nstituto Superior de Estudos Brasileiros ça-se que o ISEB alcançou sua plena
( ISEB ) . Café Filho e Ranieri Mazilli vigência e habitat no período juscelinista,
foram presidentes por "força das cir­ mas ressalte-se também que a temática
cunstâncias" ; estas, decisivas - bem se da "teorização" do desenvolvimento,
sabe - nas direções que tomou o pro­ como preocupação governamental, j á
cesso político nacional nestes últimos estava e m gestação há algum tempo no
vinte anos. Talvez uma observação pode­ interior da formação social brasileira (2).
ria ser feita : esses obscuros políticos, Se a expressão Ideologia do desenvol­
através dos decretos que assinavam, vimento nunca aparece nos estatutos e
assumiam fundamentalmente os papéis regulamentos gerais do ISEB , em com­
de agentes de decisões que eram impos­ pensação, ela se constituirá praticamente
tas por ( novos) grupos sociais domi­ no emblema e na "palavra de ordem"
n antes. Na criação do ISEB , em decor­ da Instituição, estando presente explici­
rência da necessidade do Estado de pro­ tamente na quase totalidade de suas pu­
videnciar agências que racionalizassem blicações e em todas as suas definições
o surto do desenvolvimento nacional ; na de ordem programáticas. Segundo seus
extinção do Instituto, em virtude da con­
solidação de forças político-militares que (2) Uma tentativa de ordenação das diver­
julgavam a existência do ISEB como um sas fases da " ideologia do desenvolvi­
desserviço à Nação (1)". mento " no Brasil foi esboçada por
Guilherme, W. - Desenvolvimentismo :
( ' ) o presente artigo constitui-se, em suas ideologia dominante, R evista Tempo
linhas fundamentais, no capo 1 do livro B1·asileiro . n� 2 , dez. 1962 ; pgs. 155-192.
A ideologia nacional-desenvolvimen­ Ainda neste artigo, a partir do mate­
tista . . Ed. Ática, SP (no prelo ) . rial levantado por Nícia V. Luz - Luta
( 1 ) O ISEB foi criado por Café Filho no pela industrialização n o Brasil -, o
ctia 14 de julho de 1955 e posto "fora autor assinala as primeiras manifes­
da lei" logo nos primeiros dia8 de tações ideológicas em defesa da indus­
abril de 1 964, através de decreto trialização no Brasil, ocorridas antes
assinado pelo pesse dista Ranieri Ma­ de 1930, por parte de setores públicos
zilli. e privados.
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estatutos, as atividades do ISEB não de­ desenvolvimento - e este é o "bom


veriam ser confundidas com certos tipos combate" uma vez que os mais autênti­
de pragmatismos onde apenas se estipu­ cos interesses nacionais ali estavam
lam os objetivos práticos e imediatos a representados - "a vossa inteligência
serem alcançados. Como em toda decla­ se ampara n a realidade que é, finalmen­
ração de princípios que se preze, o Regu­ te, invencível ( 5 ) " .
lamento Geral do ISEB igualmente pri­ Na mesma ocasião falou o Ministro
vilegiava a pesquisa e o trabalho teórico. de Estado (MEC ) , Clóvis Salgado, assi­
Assim estabelecia o artigo 19 daquele nalando que o ISEB se propunha "pre­
Regulamento : "O Instituto Superior de cisamente ( . . . ) a secundar os esforços
Estudos Brasileiros ( lSEB ) ( . . . ) é um de V. Exa. [presidente Juscelino Kubits­
centro permanente de altos estudos polí­ chek] para levar adiante este nosso
ticos e sociais de nível pós-universitário grande e amado país (6)". As declarações
que tem por finalidade o estudo, o ensi­ do Ministro não deixam margem a dúvi­
no e a divulgação das ciências sociais da sobre as intenções governamentais :
notadamente da Sociologia, d a História, fazer do ISEB um núcleo que assesso­
da Economia e da Política, especialmen­ rasse e apoiasse a política econômica
te para o fim de aplicar as categorias e ( Plano de Metas) definida pelo governo
os dados dessas ciências à análise e à Juscelino Kubitschek.
compreensão crítica da realidade brasi­ Ainda enfatizando a vocação teori­
leira visando a elaboração de instru­ zante que se pretendia imprimir às ativi­
mentos teóricos que permitam o incenti­ dades isebianas, J. Kubitschek lembrava
vo e a promoção do desenvolvimento que os estudos ali se faziam "com méto­
nacional ( 3 ) " . dos científicos e racionais, sem precon­
No discurso que proferiu por ocasião ceitos ou sectarismos. Mais do que uma
da solenidade do encerramento do Curso tribuna brilhante, o ISEB quer ser um
Regular de 1 9 5 6 , quando da diplomação laboratório de pesquisas da realidade
dos primeiros estagiários do ISEB , o brasileira, visando conhecê-la e dar dire­
presidente Juscelino Kubitschek (4) defi­ ção feliz ao processo do seu desenvol­
nia a tarefa da Instituição como sendo vimento. Sua única bandeira é o amor
a de "formar uma mentalidade, um espí­ ao Brasil (7)".
rito, uma atmosfera de inteligência para Produção científica e pesquisa teóri­
o desenvolvimento". Enfatizando sempre ca, sim - desde que estivessem subordi­
a esfera do teórico como a contribuição nadas ao proj eto do desenvolvimento
fundamental a ser desenvolvidas pelos nacional ; contudo, não se permitirá em
isebianos, diria ainda : "Vós sois os momento algum que se nomeie, nas for­
combatentes do desenvolvimento no mulações oficiais, o vocábulo ideologia
plano da inteligência ( . . . ) vossa tarefa certamente em virtude de algumas de
de catecúmenos do grande Brasil será suas significações, tinterpretadas como
mais árdua e mais perigosa porque luta­ "inconvenientes". Não se poderia admi­
reis com argumentadores, com finos tir que o Estado - "representante da
representantes da decadência, com gente Nação", "conciliador das disputas e das
de recursos". Mas, dirá Juscelino Kubits­ tensões sociais", "mantenedor da ordem
chek, na medida em que se combate pelo e da harmonia social", "promotor do
bem estar coletivo" - promovesse ideo-
( 3 ) R egulamento Geral do ISEB - De­
creto n� 37 . 068 ; 14/07/55. Lex ; M argi­ (5) idem - ibidem, p. 50.
nália. p. 241-244. 1955. ( 6 ) Salgado, C. - ibidem, p. 41 ( grifo
(4) Kubitschek, J. et alii - Discursos. Rio , nesso ) .
ISEB, 1957. p. 48. ( 7 ) Kubitschek, J . e t alii - op. cit., p . 43.
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logias. Para o pensamento oficial, as um processo de "desideologização"


ideologias, quaisquer que sejam seus quanto a de um crescente amortecimento
matizes, carregam consigo estigmas e da consciência política na "sociedade in­
marcas detestáveis - parcialidade, de­ dustrial" e "tecnocrática", os isebia­
sarmonia, luta social. nos (8) afirmam que, no âmbito dos paí­
Na prática, porém, aceita-se que uma ses que ingressam no processo do desen­
Instituição criada pelo Estado promova volvimento, vige em toda a sua plenitude
uma ideologia determinada. Pelo menos o momento político e ideológico . Nas
duas razões justificariam esta aparente palavras de R. Corbisier : "não acredito
contradição : conforme rezava seu esta­ que estej amos vivendo uma fase literária
tuto, o ISEB - apesar de estar direta­ da nossa história ; parece-me, ao con­
mente subordinado ao Ministério da trário, que estamos vivendo uma fase
Educação e Cultura (MEC ) - tinha eminentemente política e ideológica" ( 9 ) .
" autonomia e plena liberdade de pes­ G. Ramos, por sua vez, n a linha de
quisa, de opinião e de cátedra". Esta negação ( implícita) da tese do "fim das
relativa autonomia da Instituição per­ ideologias", denuncia como improceden­
mitiria, pois, ao Estado não se compro­ tes as conclusões daqueles autores es­
meter com determinadas posições e dire­ trangeiros na medida em que " as ideo­
ções que o ISEB porventura viesse a logias existem e sempre existirão neces­
assumir; com a criação e difusão de sariamente em qualquer sociedade, por­
ideologias, por exemplo. que é inconcebível que o pensamento e
Contudo, a razão fundamental que a conduta do homem possam superar
explicaria a "permissividade ideológica" suas limitações históricas e sociais" ( 10 ) .
por parte do aparelho estatal prender­ Dirá Vieira Pinto que as análises
se-ia ao fato de que a ideologia patro­ daqueles cientistas políticos se explica­
cinada pelo ISEB representaria os "inte­ riam em função das categorias e "formas
resses gerais" da Nação. Superados, pois,
estariam todos aqueles estigmas que tra­
( 8 ) Referimo-nos fundamentalment e àque­
dicionalmente vêm colados às ideologias.
les que denominamos de " isebianos
Para o pensamento oficial, com a ideo­ históricos" ( Alvaro Vieira Pinto, Ro­
logia do desenvolvimento nacional ter­ land Corbisier, Hélio Jaguaribe, Cândido
-se-ia constituído um caso modelar : a Antônio Mendes de Almeida e Alberto
ideologia não-ideológica ou, em outra Guerreiro Ramo s ) .
versão, a ideologia "acima de qualquer ( 9 ) Corbisier, R. - D iscurso do prof.
Roland Corbisier. In : Kubitschek, J.
suspeita" . et alii - op. cit., p. 11.
(10) Ramos, G. - Ideo logias e Segurança
Nacional. Rio, ISEB, 1957. p. 14. Não
A Ideologia como ante-factum sendo interesse do presente artigo
examinar as mudanças de perspecti­
Talvez não tenha existido nenhuma vas teóricas dos autores analisados,
posteriormente à "fase isebiana",
instituição cultural que mais tenha nega­
deixamos de comentar as ( novas )
do radicalmente a tese do "fim" ou posições ( ideológicas) no tocante à
"declínio" das ideolo gias no mundo concepção da ideologia, formulada
atual do que o ISEB . pelo mesmo autor numa obra mais
Embora nunca se refiram às análises recente (Mito e verdade da revolução
brasileira, Rio, Zahar, 1963 ) . Assinale­
( e, às vezes, "profecias" ) de cientistas -se, porém que o mencionado soció­
políticos e sociólogos, tais como D. BelI, logo nessa obra adota, explicitam�nte,
R. Aron, S. Lipset, M . Duverger e outros as teses de D. Bel! autor de The End
que imaginariam tanto a existência de of Ideology.
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de pensamento" metropolitanas de que de desenvolvimento (13) . Muito longe da


se utilizam, incapazes, todas elas, de arbitrariedade e do idealismo estaria o
captar a realidade histórica das nações projeto isebiano, afirmam estes pensa­
subdesenvolvidas ( l l ) . No interior das dores. Segundo eles, a ideologia do de­
formações sociais, ditas subdesenvolvi­ senvolvimento é necessária porque num
d as - argumentam os isebianos -, as dado momento se tornou possível cons­
ideologias nem teriam sido superadas, tituí-la ( 14 ) .
nem estariam em "declínio". Muito pelo Numa perspectiva muito próxima à
contrário, caberia, isto sim, forj ar novas das teses da Sociologia do Conhecimen­
ideologias. to, afirmam os autores do ISEB que a
Vieira Pinto, sintetizando as formula­ consciência crítica só tem sua gênese nos
ções de vários isebianos, assim definia países subdesenvolvidos quando ali se
as tarefas e o programa da Instituição : efetivam transformações em suas estru­
"a ideologia deve surgir da meditação de turas básicas. A ruptura com a consciên­
um grupo de sociólogos, economistas e cia ingênua se torna possível, diz Vieira
políticos que, superando o plano restrito Pinto, porque "cedo ou tarde o país atra­
de suas especialidades, se alcem ao pen­ sado sofre alteraçeõs da estrutura mate­
rial em conseqüência quase sempre da
sar filosófico, por via da compreensão
instalação de dispositivos de dominação
das categorias reais que configuram o
externa destinados a melhor explorá-lo,
processo histórico e acompanham o pro­
que acabam por sugerir a um ou outro
jeto de modificação das estruturas fun­
indivíduo a transformação da consciên­
damentais da n ação. ( . . . ) " (12 ) .
cia que conduz à meditação crítica sobre
A necessidade de forjar uma ideologia a realidade" (15) .
que promovesse e incentivasse o desen­
Para Guerreiro Ramos estas " altera­
volvimento - presente em todos os
ções da estrutura material" que permiti­
"isebianos históricos" - explicar-se-ia
rão a emergência da consciência crítica
em função das possibilidades contidas no
são basicamente três : "a industrialização
atual processo histórico das nações sub­
e duas de suas conseqüências, a urbani­
desenvolvidas onde já teriam instalado
zação e as alterações do consumo popu-
efetivas condições para aquele processo
( 1 3 ) Na linguagem dos isebianos, não se
encontra o eufemismo "nações em
( 11 ) Para Vieira Pinto nos países desen­ desenvolvimento" plenamente utilizado
volvidos as elites intelectuais não na literatura sociológica "metropolita­
deixariam d e criar ideologias, mas na". Fala-se em subdesenvolvimento
estas, em geral, são ingênuas, des­ confundido freqüentemente com a
comprometidas, pois não se propõem noção de semi-colonialismo. Mas, em
a transformar mais nada. Elas vão, países como o Brasil, não mais se
assim , desde as mais razoáveis viveria o subdesenvolvimento tout
lucubrações "aos simples devaneios court, pois, aqui já teriam sido insta­
metafísicos ". Não sente, esclarece, "a ladas as condições para o processo d e
maioria deles ( filósofos e pensadores desenvolvimento.
das culturas dominantes ) a necessida­ ( 1 4 ) Assim, na medida em que exigidas
de de produzir a ideologia como ins­ pelas condições históricas e sociais
trumento de transformação da reali­ dos países subdesenvolvidos, determi­
dade de que participam ; com efeito, nadas ideologias deixariam de ser
para eles não há essa tarefa". Cf. simplesmente fenômenos post factum .
Vieira Pinto - Consciência e R eali­ Na figura da ideologia do desenvol­
dade Nacional. voI. I, Rio, ISEB, vimento teríamos o caso típico e sin­
1960, p. 64. gular da construção ante factum.
(12 ) idem - CRN, I, p. 49. ( 1 5 ) idem - CRN, I, p. 92 ; v. tb. I, p. 107 .
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lar" (16 ) . Roland Corbisier assinala que ação as condições que determinam as es­
"vários fatores, e não apenas os de truturas coloniais ou subdesenvolvidas.
ordem ideal, contribuem para provocar Se, como diz R. Corbisier, "na colônia
o advento da consciência crítica" : 1 ) as tudo é colonial", as ideologi as presentes
guerras ; 2) as crises resultantes de per­ na estrutura colonial não podem ser se­
turbações internas ou de repercussões não colonialistas ou colonizadoras ; ou
das crises internacionais na vida do país ; ainda, a colônia nunca poderá ter pro­
3 ) a desagregação das instituições lo­ jeto próprio devendo se conformar com
cais; 4) as novas relações econômicas e seu estado de subserviência ( 2 0) e de de­
culturais (17) . pendência ( 2 1 ) .
Na base destas formulações está a Porém, instaladas alterações nas estru­
aceitação de que no subdesenvolvimento turas materiais do p aís e rompido o com­
- ocorrendo aquilo que Nurske deno­ plexo colonial, pode-se então forjar uma
minou de "círculo vicioso da pobreza" ideologia que sustente e incentive o de­
( ou ainda, no truísmo cunhado por senvolvimento incipiente. Ainda nas pa­
lavras de R. Corbisier : "resultando de
Myrdall : "um país é pobre porque é
um projeto ou da integração de inúme­
pobre" ) - a consciência não pode ser
ros projetos conscientes e racionais, o
senão "inerte, passiva e conforma­
desenvolvimento nacional requer, para
da" (1 8) . Não há, como assinalou C. Men­ que se possa realizar ordenada e não
des, um real comportamento ideológico caoticamente, com o máximo aproveita­
( superador, transformador) por parte da mento dos recursos disponíveis, um pla­
colônia (19), mas, sim, a presença de nejamento global cuj a elaboração impli­
ideologias imobilistas. ca a formulação prévia de uma ideolo­
As ideologias imobilistas, presentes gia". Mais adiante, associando V. Lenin
na estrutura colonial ou na situação de e V. Pinto, sintetizaria um dos slogans
subdesenvolvimento em estagnação, re­ isebianos do desenvolvimento ; "não ha­
produzem no nível do pensamento e da verá desenvolvimento sem a formulação
prévia de uma ideologia do desenvolvi­
( 1 6 ) Ramos, G. - op. cit., p. 65. O mesmo mento nacional" ( 22 ) .
G. Ramos, dirá, num outro trabalho, Segundo o pensamento dos isebianos,
que houve manifestações isoladas de as transformações ocorridas no interior
consciência crítica no Brasil antes de da estrutura semicolonial ( ou subdesen­
1930 ( Mauá, S. Romeiro, Alberto Tor­
volvida) - e que permitem a emergên­
res, Pandiá Calógeras ) ; mas terão
sido sempre momentos esporádicos. cia da consciência crítica - não a con-
Afirma : " ( . . . ) A consciência crítica
duma nação é também produto his­
tórico. Só surge quando é historica­ ( 2 0 ) Os conceitos de alienação, destino,
mente necessária. Quando a nação j á inautenticidade, heteronomia etc., fre­
possui a s condições q u e l h e permitem quentemente utilizados pelos isebianos
apoderar-se do seu destino". Ramos, para expressar esta situação colonial,
G - A Problemática da Realidade são objetos de análise em outra
Brasileira, p. 31. In : Introdução aos parte d e nosso livro.
prob lemas do Brasil. Rio, ISEB, 1956. (21 ) O conceito de dependéncia, ampla­
(17) Corbisier, R. - Formação e Pro b lema mente empregado pelos isebianos
da Cultura Brasileira. Rio, ISEB, 1960. para caracterizar as relações "colô­
p. 41-43. nia x metrópole", parece provir do
(i8) Vieira Pinto - CRN, I, p. 90. estudo de Balandier, G. - Sociologie
( 19 ) Não se constitui para a colônia a de la depéndence ; citado frequente­
tríade opção, projeto, processo. V. mente por G. Ramos e R. Corbisier.
Mendes, C. - Nacionalismo di Desen­ (22) Corbisier, R . - FPCB, p. 87. ( grifos
volvimento. Rio, Ibeaa, 1963, p. 124-154. nossos ) .
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duzirão necessariamente para o estágio Assim, para os isebianos, a arbitrarie­


superior do desenvolvimento. Só a ideo­ dade e o idealismo jamais se constitui­
logia do desenvolvimento permitirá que riam em marcas do projeto de criação
aquelas mudanças assumam a feição de ideológica na medida em que as con­
processo ( onde haj a clareza e precisão dições então presentes e os reclamos
acerca das metas e fins visados) condu­ obj etivos da Nação subdesenvolvida tor­
zindo, promovendo e incentivandQ um nariam não só possível um real compor­
desenvolvimento nacional integrado, har­ tamento ideológico, como imporiam a
monioso e sem grandes disparidades necessidade da elaboração duma ideolo­
internas (23 ) . Sem ideologia do desenvol­ gia determinada : a do desenvolvimento
vimento poderá haver, quando muito, nacional.
mero crescimento quantitativo, mas que Depreende-se dessas considerações
não beneficiará a Nação como uma que nem a toda ideologia estaria garan­
totalidade. tido o privilégio de produzir, incentivar
Como as modificações da realidade o processo de desenvolvimento : a ideo­
material teriam tornado possível o aflo­ logia do desenvolvimento nacional deve­
ramento da consciência crítica e na me­ ria ter marcas essenciais. No trabalho
dida em que se teria colocado a crucial de construção dessa ideologia, a noção
questão da urgência e imperiosa neces­ de autenticidade desempenharia um
sidade de se impulsionar e dirigir o pro­ papel fundamental.
cesso de desenvolvimento - caso con­
trário, como afirmava R. Corbisier (24),
o país poderia, numa conseqüência catas­ Critérios e exigências para a construção
trófica, "retrogradar a uma estrutura da ideologia do desenvolvimento
colonial" - destituídas de sentido se­
riam todas aquei as críticas que denomi­ As concepções acerca da natureza da
n avam o proj eto de criação da ideologia autenticidade ideológica apresentam al­
do desenvolvimento ( essa construção gumas distinções entre os vários isebia­
ante factum, como acima observamos ) nos. A rigor, poderíamos dizer que, de
de arbitrário e idealista. um lado, agrupam-se H. J aguaribe, R.
Corbisier, C. Mendes e G. Ramos e, de
outro, Vieira Pinto.
(23) Para C. Mendes a categoria de pro­
ce880 é fundamental : " o caráter de H. J aguaribe distingue as ideologias
processo do movimento emancipador do ponto de vista da sua representativi­
( . . . ) assegura o encadeamento orgâ­ dade e da sua autenticidade. Segundo
nico das iniciativas integrantes de
este autor "é representativa a ideologia
cada fase e a necessária sucessão
destas, de que depende a vigência que constitui a formulação correspon­
final do projeto " ( do desenvolvimen­ dente aos interesses situacionais da clas­
to ) . v. Mendes, C. - op. cit., p. 111. se ou grupo que a sustenta" . Mais adian­
Sem uma perfeita integração das te, explicitará o critério que permite
fases - a partir de uma rigorosa
escala de prioridades das tarefas do
reconhecer esta representatividade das
desenvolvimento - haverá sempre o ideologias : "o que torna uma ideologia
risco de se provocar a ruína do representativa é a conexão lógica e 'fac­
projeto. tual' entre a classe que a sustenta e as
(24) Corbisier, R . - FPCB. p. 49. A formulações que ela indica". Como
alternativa radical : desenvolvimento
J aguaribe aceita que existem classes com
econômico x regressão à estrutura
colonial foi posta por H. Jaguaribe distintos interesses situacionais, é de se
( c itado por R . C . ) . esperar, pois, que as respectivas formu-
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lações ideológicas das classes ou, como civilização) , a fase se constitui na etapa
diz H. J aguaribe, suas "crenças adje­ do processo histórico de uma comunida- ·
tivas" também o sej am. Ocorre que nem de. Diz H. Jaguaribe : "a etapa em que
sempre as aspirações sociais de uma clas­ se encontra a comunidade brasileira
se correspondem aos seus interesses reais ( . . . ) embora concomitantemente em
objetivos. Nestes casos, as classes passam relação à época, à etapa em que se en­
a ser "vítimas da própria ideologia, per­ contra a comunidade norte-americana,
dendo a oportunidade de organizar em apresenta uma diferenciação faseológi­
função dela a sociedade a que perten­ ca". Mais adian te aduz : "a fase é a eta­
cem" (25 ) . Portanto, a representatividade pa da evolução do desenvolvimento
não está de imediato garantida, embora duma comunidade em função dos seus
o autor nunca se preocupe em indicar próprios eixos e se caracteriza por uma
quais seriam os fatores que determinam determinada estrutura-tipo" (28) .
a falsa representatividade das ideologias ; Ora, na estrutura-tipo ( que H. J<1gu a­
nem discute, por exemplo, se as aspi­ ribe nunca chega a determinar rigorosa­
rações sociais equivocadas de uma classe mente qual sej a ) da nação brasi: e;ra,
seriam explicadas a partir da dominação vive-se em toda sua extensão a c j2se da
de certas ideologias sobre outras - me­ transformação, caracterizada pela enér­
diante o processo da luta ideológica - gica e acentuada propensão ao desenvol­
no interior da formação social. De outro vimentoto"(29). E o que confere ao Bra-
lado, diz H. J aguaribe, são autênticas as
ideologias que, "sej am quais forem os ( 2 8 ) Estruturar-tipo é, para H. Jaguaribe,
interesses situacionais que representem, o resultado do intercondicionamento
formulem para a comunidade como um de quatro planos estruturais : o das
todo, critérios e diretrizes que a encami­ relações econômicas, o das relações
sociais, o das relações políticas e o
nham no sentido de seu processo faseo­ das culturais. Parece não haver domi­
lógico, ou sej a que permitam o melhor nância de uma es trutura sobre a
aproveitamento das condições naturais outra, mas, sim correlações recíprocas.
da comunidade, em função dos valores Exemplos de estruturas-tipos : estru­
tura-tipo colonial ; semi-colonial ; capi­
predominantes na civilização a que per­
talista. v. Jaguaribe, H. - Condições
tence" (2 6) . InstUucionais do D esenvolvimento.
Como entende H. J aguaribe este pro­ Rio, ISEB, 1958, p. 13.
cesso faseológico ou fase (27 ) 1 Para ele, (29) Mas que fique claro - apesar dos
diversamente da época ( etapa do proces­ textos citado s não terem esclarecido
o sentido rigoroso dessa fase de trans­
so histórico-social de uma cultura ou
formação : o processo faseológico bra­
sileiro - sendo definido em última
(25) Jaguaribe, H. - o Nacionalismo na instância pelos valores predominantes
atualidade b1'asileira, Rio de Janeiro , na Civilização ( ocidental ) a que per­
ISEB, p. 49. tencemos - só pode ser o da Revo­
(26) Idem - ibidem. Loc. cito ( grifos lução Burguesa. V. Jaguaribe, H.
nossos ) . Os adeptos da geopolítica CID . p. 16.
nativa têm em H. Jaguaribe um dos Este " destino nacional" de solidarie­
seus mais refinados ideólogos. dade e subordinação aos "valores
(27) Tanto a noção de fase ( ou processo predominantes na Civilização " levará
faseológico ) como a de época provêm H. Jaguaribe a propugnar, sem meias­
de F. Carl Muller-Lyer, sociólogo -palavras, medidas autoritárias a fim
alemão que teria tido decisiva influ­ de se conter e reprimir todas aquelas
ência no pensamento de K. Mannheim forças e movimentos que ameaçassem
� conforme faz notar Guerreiro Ra­ por e m questão nossa "vocação oci­
mos em A Redução Sociológica, p. dental e democrática" v. O Naciona­
107. liSmo na A tualidade Brasileira p. 2 0tl .
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si} uma poslçao privilegiada após 1 9 30 Devemos assinalar que as formulações


é o fato de que a linha de maior repre­ acima, onde se estabelecem os critérios
sentatividade ideológica para todas as para a construção e o reconhecimento
classes sociais ( com exceção, em cada da ideologia ( autêntica ) do desenvolvi­
uma delas, dos "setores arcáicos" vin­ mento, não encontram a mesma explici­
culados às estruturas semi-colonais) cor­ tação em outros autores isebianos. Mas,
ponde também à linha de maior autenti­ há, tanto em C. Mendes como em R.
cidade histórica. Ou seja, os setores do­ Corbisier e G. Ramos, a aceitação tácita
minantes de todas classes sociais (30) da categoria do processo faseológico -
têm os mesmos interesses situacionais ( a tal como foi sugerida por F. Müller­
transformação social ou o desenvolvi­ Lyer - como referência teórica funda­
mento ) e estes interesses situacionais, mental para se pensar a criação da ideo­
por sua vez, coincidem com as necessi� logia. Não se utilizam das distinções fei­
dades objetivas de todo o país ( a expan­ tas por H. Jaguaribe - "representivida­
são e modernização das suas forças ma.., de e autenticidade" - mas as têm como
teriais de produção ) . pressupostos básicos em suas respectivas
Coincidência "feliz" esta em que as elaborações (31 ) .
ideologias representativas cle diversas Apesar d e n ã o s e poder dizer que haj a
classes sociais não entram em conflitos ; fundamental desacordo entre a s posições
e mais ainda, que esta unidade ideoló­ daqueles autores e as de Vieira Pinto,
gica corresponda às necessidades "faseo­ este vai formular a sua concepção de
lógicas" da comunidade nacional. ideologia autêntica numa outra direção.
Segundo H. Jaguaribe, a ideologia Vieira Pinto não se utiliza das especio­
do desenvolvimento realiza concreta­ sas categorias utilizadas por G. Ramos/
mente esta coincidência, pois não só é H. J aguaribe, mas reconhece também
representativa de todas as classes, como que haveria "interesses situacionais"
possibilita efetivamente a promoção do coincidentes dos diversos grupos que
desenvolvimento - necessidade objeti­ compõem a "comunidade nacional" e
vamente inscrita no interior da comuni­ que estes são os do próprio desenvolvi­
dade no sentido progressivo da realiza­ mento da Nação.
ção do seu "processo faseológico" . O que distingue, porém, a posição de
Em poucas palavras, ao s e formular Vieira Pinto acerca dos critérios para a
a ideolo gia do desenvolvimento nacional, constituição da ideologia autêntica é a
deve-se atentar para o fato de que ela afirmação segundo a qual esta deve ser
seja simultaneamente 'representativa e extraída da consciência das massas tra­
autêntica ; ou seja, deve representar con­ balhadoras, pois são estas "que impõem
cretamente os interesses situacionais
( então convergentes ) das diversas clas­
( 3 1 ) R. Corbisier em seus ensaios, depois
ses que compõem a "comunidade nacio­ de mostrar as características da cul­
n al". tura brasileira durante a situação
colonial ( não s ó a estrutura econô­
mica é inautêntica como também a
( 30 ) Para H. Jaguaribe, como basicamente superestrutura ideológica e cultural) ,
para os demais isebianos, com uma entende que a estrutura básica faseo­
ou outra pequena diferença, as clas­ lógica brasileira permite a emergên­
ses sociais, seriam : o proletariado cia dum pensamento nacional autên­
urbano e rural, a classe média, a bur­ tico ( i deologia do desenvolvimento
guesia industrial e o latifúndio mer­ nacional ) ou tiloüoticL bTasileim. · Cf.
cantil. FPCB, p. 75-88.
CAIO NAVARRO DE TOLEDO 133

a exigência de desenvolver-se o país" ( 32 ) . esposando-lhe a dinâmica" (36). No tra­


A ideologia d o desenvolvimento somen­ balhador se realiza, mais do que em
te será legítima ou autêntica, entende ninguém, a transmutação da consciência
Vieira Pinto, quando exprimir a cons­ ( de ingênua a crítica ) como conseqüên­
ciência das massas, revelando suas aspi­ cia do movimento de transformação da
rações, num projeto que não é impos­ realidade material operada por sua ati­
to a elas, mas que procede delas ( 33 ) . vidade propulsora do processo do de­
Em Ideologia e Desenvolvimento Na­ senvolvimento. À medida que evolui este
cional três teses de caráter normativo são processo · - como efeito do aprimora­
enunciadas : 1 ) "a ideologia do desen­ mento das técnicas de produção (37) -

volvimento tem necessariamente de ser mais esClarecidas se tornam as suas re­


fenômeno de massas" ; presentações da realidade. "O fato deci­
sjvo é a nova consciência que se instala
2 ) "o processo de desenvolvimento é
na massa e toma os delineamentos do
função da consciência das massas" ;
pensar crítico, em conseqüência do de­
3 ) " a ideologia do desenvolvimento senrolar , do processo de crescimento na­
tem de proceder da consciência das mas­ cional, tendo por fator causal a modali­
sas" (34) . dade superior de trabalho" (38 ) .
A ideologia do desenvolvimento só O trabalho é, pois, fator essencial, rião
pode proceder da consciência das mas­ só da transformação da realidade mate­
sas pois são estas as que, em última ins­ rial, como também da consciência. Fica
tância, mais interesses têm no processo advertido, assim, que não se trata de
de desenvolvimento e, igualmente, por­ u m a consciência qualquer, mas, sim ,
que são elas que podem revelar as dire­ da consciência daqueles que realizam
ções objetivas desse mesmo processo. efetivamente as atividades de transfor­
Quem garante que a consciência das rÍl ação, bem como daqueles que se iden­
massas sej a verídica, posto que - fre­ tificam com o ponto de vista da classe
qüentemente assinala Vieira Pinto - trabalhadora ( certas camadas de inte­
não há neste seu privilegiamento nenhu­ lectuais ) .
ma exaltação "mística", nem tampouco Sintetizando o caminho através do
" afeição ou simpatia moral exterior" qual se elabora a ideologia do desenvol­
pelas classes trabalhadoras? ( 35 ) . vimento; dirá Vieira Pinto : "a ideologia
Aqui se faz necessário introduzir uma de que n ecessita a sociedade subdesen­
noção central em seu pensamento : o volvida será transformadora se for autên­
conceito de trabalho ou de prática - tica, e só ' será tal se surgir de uma cons­
como ele mesmo às vezes identifica no ciênci a que represente veridicamente
decorrer de seus escritos : "o caráter ne­ o real ; esta, por sua vez, só terá essa
cessariamente transfigurador do trabalho qualidade se tiver sido configurada n a
é a via de acesso à realidade. Por ele prática, a qual ( . . . ) se define funda­
o mundo se abre à consciência ( . . . ) mentalmente como trabalho" ( 39 ) .
não há outro modo de captar o real
senão introduzir-se na sua mobilidade, ( 3 6 ) idem -'- CRN. I , 61.
( 37 ) idem - ibidem. I, 79.
( 32 ) idem - IDN, p. 37. ( 38 ) idem - ibidem, I, 110 ; v. tb. I, 111 :
( 33 ) Em ORN, I, 136 dirá, referindo-se às "o trabalhad o r faz a descoberta do
massas : "a ideologia do desenvolvi­ · mecanismo determinante do desenvol­
mento é o seu pensamento natural ". vimento da realidade material ao per­
(34) idem - IDN ; respectivamente às p. ceber que este não é outro senão S O ' 1
34, 35 e 38. próprio trabalho".
( 35 ) idem - CRN, I. 144. ( 39 ) idem - ibidem, I, 63.
1 34

Reconhecerá Vieira Pinto que as re­ que pretenda conceder ou impor às mas­
presentações da consciência trabalha­ sas uma "consciência" ou um "ideá­
dora não surgem coerentes, unificadas rio" (42 ) , os pensadores dos países peri­
e sistematizadas através dum aparato ló­ féricos deverão apropriar-se das repre­
gico-conceitual. As massas forneceriam sentações da consciência popular. Nas
como que a "matéria prima" aos pen­ p alavras de Vieira Pinto : "o que com­
sadores ( filósofos ou sociólogos incor­ pete aos sociólogos [em outros momen­
porados ao ponto de vista coletivo) (40) tos acrescenta : filósofos e pensadores
aos quais, caberia ordená-la e explicitá­ em geral] na ordem teórica e aos polí­
la, dando-lhe um corpo lógico. Assinala ticos n a ordem prática, é fazerem-se
Vieira Pinto que esta tarefa da intelec­ arautos dessa verdade [a verdade sobre
tualidade participante se justificaria a situação n acional presente na consciên­
ainda mais pela circunstância de que cia das massas] , recolhê-la nas suas legí­
- nos primeiros momentos do desen­ timas origens e interpretá-la com o auxí­
volvimento - as representações verídi­ lio do instrumento lógico-categorial que
cas das massas correm o risco de "con­ devem possuir, sem distorcê-la, sem vio­
taminação" pois afloram num "espaço lentá-la, sem mistificá-la" (43 ) .
ideológico constituído" (onde persistem Aqui estí configurada a tarefa isebi­
ideologias comprometidas com a antiga ana, segundo a visão de Vieira Pinto :
ordem ) . Daí, muitas vezes, as massas explicitar, a partir das categorias "indu­
nesse contexto se comportarem de forma zidas do processo histórico nacional",
equívoca e incoerente. Torna-se, então, o que jã está implícito no interior da
tarefa do pensador, não comprometido consciência das massas. E não se deve
com as "ideologias arcáicas", "aguçar a
confundir a difusão ou divulgação dessa
sensibilidade p ara discernir e captar
quanto haj a de autêntico nesses prenún­
cios ideológicos difusos no pensamento ( 42 ) idem - ibidem, I, 138. Admite Vieira
como em qualquer outra forma de com­ Pinto que seria ingenuidade histórica
portamento popular" (41 ) . pensar a imposição de ideologia, por
força de decretos ou de " propaganda" :
Dentro destes limites fica, pois, jus­ " não haverá astúcia capaz de implan­
tificada a atividade dos teóricos e pen­ tar socialmente uma ideologia, como
sadores dos países subdesenvolvidos. não haverá violência que a extinga"
Como já tivemos a ocasião de mostrar, ( I, 50 ) . Uma vez mais, ficaria negada
a insinuação da arbitrariedade do
estes são convocados à urgente tarefa
projeto ideOlógico a ser constituído.
de forj ar a teoria e a ideologia do de­
( 'l3 ) idem - IDN, p. 39. Logo abaixo
senvolvimento nacional. M as que . se te­ assinala que : " ( . . . ) a condição para
nha bem presente : ao contrário dum pro­ que surja a ideologia do progresso
jeto de cunho totalitário ou fascistizante nacional é mais do que a simples j us­
taposição das classes dirigentes e do
povo, mesmo harmoniosa, pacífica e
( 40) idem, ibidem, I, 147. consentida ; é a existência de quadros
( 4 1 ) idem, ibidem, I, 145. vi tb. I, 144 : intelectuais capazes de pensar o pro­
"antes que o pensador seja capaz de jeto de desenvolvimento sem fazê-lo
dar corpo lógico às novas representa­ à distância, mas consubstancialmente
ções conceituais implicadas nos acon­ com as massas ". IDN, p. 39. Dirá em
tecimentos, o povo mesmo as vai esbo­ GRN I, 144 que deve haver uma "liga­
çando, num balbucio ideológico onde ção existencial" dos intelectuais com
tem suas primeiras tentativas, de "as condições de vida das camadas
expressão de idéias que, depois, os populares e total descompromisso com
sociólogos e filósofos procurarão enun­ os interesses das classes explorado­
ciar em forma límpida e doutrinária". ras" .
CA I O NAVARRO D E T O LEDO 135

ideologia com a simples "propaganda" Se a ideologia do desenvolvimento é,


( através das conotações que tradicional­ em Vieira Pinto, o "pensamento natural"
mente a esta noção se associam) . Assim, das camadas populares, em H. J aguari­
na medida em que a ideologia do desen­ be, por exemplo, são estas que devem
volvimento nada mais seria do que a "ser conquistadas" para o desenvolvi­
organização, a ordenação, a sistematiza­ mento através da "política ideológica"
ção das representações vividas pela cons­ comandada pela burguesia industrial.
ciência das massas trabalhadoras no ato Daí H. J aguaribe insistir no tema da
da produção material, estas não fariam "educação e organização ideológica" das
outra coisa senão reconhecer nas elabo­ massas como condição para a consolida­
rações dos ideólogos do desenvolvimento ção do desenvolvimento econômico, en­
os seus próprios pensamentos, formula­ quanto em Vieira Pinto a exigência do
ções e formas de sentir. "A transmissão desenvolvimento nunca vem "de fora"
da ideologia" passa então a ser "obra nem é estranha às massas.
de sua verdade interior que não é senão Vieira Pinto não ignora a "necessida­
a sua concordância com a realidade e a de da divulgação persuasiva, do proseli­
viabilidade do projeto a que conduz. A tismo consciente e esclarecido" por par­
persuasão que possui decorre dessa ver­ te dos "ideólogos". Contudo, isto não
dade e não é obtida por artifícios psico­ seria condenável desde que se " apóie na
lógicos, muito menos pela coação. Ao ser certeza de se estar dizendo às massas
reconhecida pela consciência das massas aquilo que exprime o próprio ponto de
com o autêntico pensamento de que ca­ vista delas e que, porisso, só precisa ser
reciam para exprimir se'l projeto de exis­ conhecido para ser reconhecido" (46 ) . É
tência, a ideologia assume automatica­ preciso, pois, afirma, compreender que,
mente caráter operatório ( . . . ) " (44) .
se por um lado, a ideologia não deve ser
Será justamente em virtude do lugar matéria da pura propaganda como ocor­
que a noção de massas trabalhadoras re em certos "regimes políticos totalitá­
ocupa em seu pensamento que Vieira rios", por outra parte, ela correrá o risco
Pinto se distinguirá dos demais isebianos de ser "pura elaboração teórica" se esti­
quanto à questão da difusão e do coman­ ver reduzida ao pequeno círculo de inte­
do ideológico do processo do desenvol­ lectuais.
vimento nacional. Neste sentido, toma­
Para H. Jaguaribe, G. Ramos, C .
mos as formulações de H. Jaguaribe
Mendes e R. Corbisier a perspectiva é
como representativas daquelas também
outra. Nas palavras do primeiro : " ( . . . )
postuladas por C. Mendes, R. Corbisier
e G. Ramos (45 ) .
Nacionalismo di D esenvolvimento ; G.
Ramos pelas suas definições em Con­
( 4 ) idem - CRN, l , 50-51 ( grifos nossos ) . dições Sociais do Poder NacionaZ e
( 45 ) Trata-se aqui, como s e advertiu aci­ Ideo logias e Segurança Nacional
ma, de verificar qual é - segundo ( onde a perspectiva é do " esclareci­
os autores indicados - o grupo social mento" do Poder nacional em relação
que define em última instância a às suas responsabilidades junto às
ideologia do desenvolvimento. A aná­ massas) . G. Ramos, em seus trabalhos,
lise crítica dessas perspectivas se fará sempre defendeu a tese da necessida­
quando discutirmos a questão das de das classes dominantes virem a se
contradições sociais e das classes tornar realmente dirigentes. R . Cor­
so ctats. Relacionamos as posições bisier - pela aceitação explícita das
de C. Mendes com as de H. Jaguaribe teses de H. Jaguaribe, frequentemente
a partir de sua aceitação do conceito citadas em seus ensaios.
d e "política ideológica" presente em (46) Vieira Pinto -CRN, l, 53.
136

na medida em que a ação empreende­ Para nós, a conseqüência d e ambas as


dora dos homens representativos do pro­ perspectivas - a de H. Jaguaribe e a de
cesso de desenvolvimento econômico Vieira Pinto - não pode ser outra :
(burguesia industrial ) alargue ideológi­ tomar as classes trabalhadoras como
camente a propaganda do desenvolvi­ "massas de manobras" posto que deviam
mento, estabeleçam contactos com as ser elas comandadas ou "esclarecidas",
grandes massas e lhes mostre a depen­ ora pelas burguesias empreendedoras
dência que existe entre o processo de ( de fatura "nacionalis�a" ) ora pelas eli­
desenvolvimento e a elevação de seu tes intelectuais acometidas da enfermi­
nível de vida . . " (47) criar-se-ão condi­
. dade da consciência culposa. Em ambas
ções para organizar-se nova forma de as perspectivas, pois, j amais era con­
Estado "funcionalizando-o" para as tare­ templada a possibilidade das classes su­
fas do desenvolvimento . Não são as mas­ balternas imporem à totalidade social a
sas que comandam, mas são comanda­ sua hegemonia e - através de aparelhos
das ; não detêm o conhecimento objetivo e organizações políticas autônomos -
�e seus próprios interesses, devem, isto propugnarem por um (e defenderem a
sim, ser "conscientizadas" através da realização de ) modelo de desenvolvi­
"política ideológica" dirigida por grupos mento ( econômico, social e político )
"mais esclarecidos" e melhor preparados diverso e/ou antagônico àquele que con­
material e intelectualmente. cebia a Revolução mediante a consolida­
Ressaltemos, porém, que entre o "po­ ção e avanço do capitalismo nas área:;
pulismo" de Vieira Pinto e o "neobisma­ ditas "periféricas".
rismo" de H. J aguaribe, as diferenças, a Constituir tais questões como proble­
nosso ver, se atenuam principalmente mas implicaria na tematização das rela­
quando se tem em conta que ambos pos­ ções existentes entre ideologias diversa:;
tulam o desenvolvimento econômico e, no limite, na discussão da questão do
como tendo de convergir necessariamen­ domin ação de uma ideologia sobre a
te para a definitiva consolidação do ca­ outra no interior da formação social ; em
pitalismo avançado na periferia. outras palavras, ter-se-ia que enfrenta r
Se em Vieira Pinto a ideologia do o problema da luta de classes na ideo­
desenvolvimento é a bandeira das "mas­ logia.
sas populares", não se pode inferir daí Pensar tais questões ou comprometer­
que a org anização da sociedade deverá se com uma linha de análise nessa dire­
se fazer a partir dos interesses específi­ ção não se constituía num risco qual­
cos da classe proletária, pois, esclarece quer : seria a própria hegemonia da ideo­
o autor, "não há que confuidir o con­ logia n acional-desenvolvimentista que
ceito de ideologia do desenvolvimento estaria definitivamente arruinada e, por
tal como apresentamos, com quaisquer conseguinte, as práticas políticas que
formas de partidarismo po litico . São procuravam concretizá-la no nível da
coisas radicalmente diferentes. Não se formação social.
trata aqui de defender nenhum interesse Deve-se assinar, contudo, que tais
em particular ou de grupo, mas de expri­ impasses e limites não podem ser impu­
mir o interesse geral da sociedade brasi­ tados apenas à Instituição aqui analisa­
leira, em suma o interesse nacional" (48 ) . da. Influenciados ou não pelas ideolo­
gias difundidas pelo ISEB, organizações,
(47) Jaguaribe, H . CID, p. 31-32. ( grifas
-
movimentos e partidos ( alguns destes
nossos) .
(48 ) Vieira Pinto - IDN, p. 5 1 ( grifas autointitulados de populares ou proletá­
nossos ) . rios ) , assim como uma ponderável par-
CAIO NAVARRO D E TOLEDO 137

cela da intelectualidade "progressista", ram, mediante práticas e ações adequa­


não conseguiram romper com a espessa das, alcançar os obj etivos a que se pro­
camada de significações impostas pelas punham. Entre outros, a extinção de mo­
classes dominantes na década de 50 e vimentos e instituições que ameaçavam
no início dos anos 60. romper com o tutelamento político-ideo­
Mais grave do que isso : num ventri­ ideológico do Estado. Nos primeiros
loquismo infernal, tais organizações e dias de abril de 1 9 64 organizações e ins­
seus respectivos ideólogos sempre pro­ tituições conhecidas nesta fase da vida
curaram falar pelas classes trabalha­ brasileira como "progressistas" (50) eram
dora bem como interpretar e defender postas "fora da lei".
seus interesses e aspirações. Porta-vozes A partir deste ano o processo político
das falácias desenvolvimentistas (49 ) , fre­ nacional vai assistir ao " colapso" de
qüentemente postulavam para essas ca­ algumas práticas políticas e ideológicas.
madas soluções conciliadoras e reformis­ Contudo, t al como os fantasmas da lite­
tas, postergando, assim, para um futuro ratura mágica que assustam e fascinam
incerto - em nome de prudentes e cau­ os pobres mortais, o nacionalismo-desen­
telosas " estratégias" - a resolução das volvimentista continuará, nos anos re­
contradições fundamentais. centes, a povoar as mentes e o pensa­
Contudo, nesse mesmo período de mento de políticos e intelectuais . Afinal,
nossa vida política, outras forças e insti­ livre é a imaginação apesar de ( todos )
tuições começavam a articular-se e mo ­ os azares e pesares . . .
ver-se no interior da formação social
brasileira com propósitos bem definidos. ( 5 0 ) Embora não tenha sido objeto de
Estas mesmas forças - ao contrário de nossa análise, podemos afirmar que o
último período da vida isebiana
instituições com o ISEB - bem soube- ( 1961/64) se caracterizou por acirradas·
lutas ideológicas internas. Nesse mes­
mo período, o nacionalismo-desenvol­
( 49 ) Entre elas, a aceitação de que o vimentista já não possui grande
desen volvimento econômico implicaria ressonância dentro da Instituição. O
necessariamente na : 1) integração desenvolvimentismo, por exemplo, é
dos interesses das classes sociais fun­ claramente denunciado como a ideolo­
damentais ; 2) superação de todas for­ gia das classes dominantes. Sabe-se
mas de dependências ( o u alienações, ainda que nesse período - após o
na sinonímia isebiana) a que estive­ "expurgo " de elementos como Hélio
ram sujeitas as nações subdesenvolvi­ Jaguaribe e Guerreiro Ramos - o
das ; em outras palavras, na crença ISEB passa a manter intensas rela­
de que irromperiam capitalismos na­ ções com o m ovimento estudantil
cionais autônomos na periferia ; 3 ) (UNE ) , Frente Parlamentar Na­
a superação dos desequilíbrios regio­ cionalista ( FPN ) , Confederações de
nais, beneficiando-se a nação como Trabalhadores (CGT) e outros m ovi­
um todo. mentos políticos.

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