Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
EDUARDO MARTINS
Deve-se aqui explicar que Foucault entende o direito não apenas como a lei, mas
como o conjunto dos aparelhos, instituições, regulamentos que o aplicam, dessa
maneira, entende-se que esse direito não é único e exclusivo de alguém que caça outro
alguém, mas todo um complexo de múltiplas relações que ocorrem dentro do corpo
social. Assim o sistema do direito como o campo jurídico é polimorfo, diz ele. Diante
dessa assertiva, cabe então, questionar o direito não no aspecto da sua legitimidade, que
é óbvia, prática e visível, mas o aspecto da dominação e da sujeição, como isso é
possível se legitimar, quais artimanhas se vale e como obtém aceitação do corpo social.
O que Foucault tem a ver com Lula? Ajuda entender uma certa complexidade do
poder na atual conjuntura em que Lula se encontra preso nas malhas do complexo
sistema jurídico-prisional. Inicialmente a burguesia comercial brasileira (Primero
Reinado (1822-1831) e Regência (1831-1840) reordenou o conjunto de leis, alvarás,
decretos e ordenações num modelo mais moderno e humanitário na visão da elite deste
período e reinventou um sistema de poder arquitetado pelo novo Estado-nação imperial
fins de sequestro daqueles homens indesejáveis, ou infames nas palavras do próprio
filósofo/historiador francês. É recorrente em toda obra foucaultiana, seja como temática
central, ou marginal, que as relações de poder estejam presente e foi mesmo o grande
objeto de estudo dele. Ainda nessa obra “Em defesa da sociedade” Foucault se vale do
conceito de biopoder para tentar esclarecer como as relações de poder, direito e verdade
são instrumentos sutis utilizados pela sociedade do tipo disciplinar que (re) nasce no
contexto da burguesia mercantil e com ela o capitalismo europeu, mas também norte
americano e dissimulam outras práticas de relações técnicas, táticas e uma certa
economia de discursos mais “humanitários”. Invenção ou readaptação dos instrumentos
medievais de segurança com a noção geral de utilidade do bem-estar dos novos
cidadãos, agora habitantes de um estado moderno, civilizado e liberal é como eles se
imaginavam. Nesse período humanitário não cabe mais penas de açoites, masmorras,
galés, forcas, e o terrível esquartejamento em praça pública. Para isso Benthan será o
grande mago da proposta da vigilância e da utilidade da prisão no lugar das penas
hediondas. O que seu colega Beccaria concorda propondo mais “humanismo” em
épocas de Ilustração e equidade entre delito e pena.
Foucault foi o grande decifrador desse signo, dessa mecânica que se tornou a
sociedade moderna, pós-revolução Francesa e Industrial que inventou técnicas de se
apropriar do Estado-nação, do direito, mas, sobretudo inventou um novo tipo de verdade
que é agora sútil, capilar, atua residualmente em tudo e em todos. Ao mesmo tempo em
que exclui aqueles indesejáveis, infames, loucos, “comunistas”, gays, e demais gama de
categorias que não se enquadram num tipo de família tradicional ou na ideia de cidadão
de bem construída sempre conforme o desejo e a necessidade das demandas do período
em que se está reelaborando tais técnicas de sequestro. A verdade passou a ser nesse
conjunto de relações determinadas de poder e nas garras desse novo tipo de direito um
fenômeno de propriedade dessa força descomunal jurídico-judiciário, mas que é,
sobretudo, discursivo, no sentido foucaultiano em que discurso é prática e as práticas
engendram seres sociais passíveis de sequestro pelo Estado-nação.
Por fim, há um jogo sempre reinventado e legitimado por esse tipo de sociedade
burguesa neoliberal excludente ancorado num sistema jurídico-judiciário com intensões
e forças capazes de encarcerar/prender homens que fazem oposição a ela. Esse jogo
longe de acabar ao final dessa trama (tramoia) com a prisão espetáculo parece apontar
para novos desdobramentos. Assim ensina Foucault que ao mesmo tempo em que
somos sujeitos nas malhas do poder, somos também criadores de poderes, não vítimas,
mas, indivíduos que recriam mecanismos de luta conforme as mesmas circunstâncias
utilizadas e validadas pelo sistema. Tecendo, assim outras malhas de poderes que são
sempre, contínuas, e fortemente unidas na grande teia social. Assim, Lula tem a seu
favor a grande união do povo brasileiro, solidariedade, fraternidade e conhecimento de
que esse tipo de direito não é justo e pouco democrático. Esse exemplar de edifício
jurídico que vige na sociedade brasileira liberal excludente útil apenas ao mercado e à
propriedade privada deve e está sendo questionado e como um mecanismo
autorregulador ele próprio terá que se reinventar para dar conta da nova demanda
exigente de direitos do século XXI. Um novo tipo de direito que privilegie verdade,
sociabilidade, liberdade e, sobretudo a justiça.