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A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X

Capítulo I
A ASPIRAÇÃO HUMANA

Ela marcha em direção à meta daqueles que vão mais adiante, é a primeira na
eterna sucessão de alvoradas por chegar; Usha se expande manifestando tudo o
que vive, despertando alguém que morreu … Qual é seu alcance, quando
harmoniza as alvoradas que já brilharam com as que agora devem refulgir? Deseja
as antigas manhãs e as enche de luz; projetando para diante sua iluminação, entra
em comunicação com o resto do que está por vir.
Kutsa Angirasa – Rig Veda [1]
São triplos aqueles supremos nascimentos desta força divina que está no mundo;
são verdadeiros, são desejáveis; se desloca no Infinito e brilha puro, luminoso e
pleno… O que é imortal nos mortais, e dotado da verdade, é um deus, estabelecido
interiormente como uma energia, que opera em nossos poderes divinos… Torna-te
espiritualmente elevada, oh Força, atravessa todos os véus, manifesta em nós as
coisas de deus.
Vamadeva – Rig Veda [2]
A primitiva preocupação do homem em seus pensamentos despertos, e o que parece sua
inevitável e última inquietude - pois ela sobrevive aos mais prolongados períodos de
ceticismo e retorna após cada banimento— é também a maior preocupação que seu
pensamento pode conceber. Manifesta-se no prenúncio da Divindade, no impulso em
direção à perfeição, na busca da pura Verdade e deleite não misto, no sentido de uma
secreta imortalidade. As antigas auroras do conhecimento humano nos legaram o
testemunho desta constante aspiração; hoje em dia vemos uma humanidade - saciada
mas não satisfeita pela análise vitoriosa das exterioridades da Natureza - preparando-
se para retornar a seus primitivos anelos. A fórmula primitiva da Sabedoria promete
ser a última: Deus, Luz, Liberdade, Imortalidade.

Estes ideais persistentes da espécie são, ao mesmo tempo, a contradição de sua


experiência normal e a afirmação de experiências superiores e mais profundas que
resultam anormais para a humanidade e só hão de obter-se, em sua inteireza
organizada, mediante um esforço revolucionário ou um progresso evolutivo geral.
Conhecer, possuir e constituir o divino ser em uma consciência animal e egoística [3],
converter nossa sombria ou crepuscular mentalidade física na plena iluminação
supramental, construir paz e felicidade auto-existentes ali onde só há tensão por
conseguir satisfações transitórias, perante o assédio da dor física e sofrimento
emocional, estabelecer uma liberdade infinita em um mundo que se apresenta como um
grupo de necessidades mecânicas, descobrir e compreender a vida imortal num corpo
sujeito à morte e a constantes mutações; tudo isto se nos oferece como a manifestação de
Deus na matéria e meta da Natureza em sua evolução terrestre. Para o intelecto ma‐
terial comum, que crê que sua presente organização da consciência é o limite de suas
possibilidades, a contradição direta dos ideais irrealizados com o fato realizado é um
argumento final contra sua validade. Mas se tomamos uma visão mais reflexiva do
trabalhar-do-mundo, essa contradição direta parece muito mais uma parte do
profundíssimo método da Natureza e o selo de sua mais completa aprovação.
Pois todos os problemas da existência são, em essência, problemas de harmonia. Surgem
da percepção de uma discórdia não-resolvida e da intuição de um não-descoberto
acordo ou unidade. Repousar contente com uma discórdia não resolvida é possível para
a parte prática e mais animal do homem, mas é impossível para sua mente plenamente
desperta, e geralmente inclusive suas partes práticas só evitam a necessidade geral de
harmonizar contrários evitando o problema ou aceitando um compromisso tosco,
utilitário e não-iluminado. Pois essencialmente, toda a Natureza busca uma harmonia,
vida e matéria em sua própria esfera, igualmente que a mente na organização de suas
percepções. Quanto maior é a desordem aparente dos materiais oferecidos ou a
aparente diferença essencial - até uma oposição irreconciliável - dos elementos que serão
utilizados, mais forte é o estímulo, e este leva a uma ordem mais sutil e pujante do que
aquela que seria o resultado de um esforço menor. O acordo ou combinação da Vida
ativa com o material com que se forja a forma - no qual o estado de atividade por si
mesma parece ser a inércia - é um problema de opostos que a Natureza resolveu, e
procura sempre resolver melhor com maiores complexidades; pois a solução perfeita
seria a imortalidade material do corpo animal plenamente organizado que serve de
sustento à mente. O acordo ou combinação de uma mente consciente e da vontade
consciente como uma forma e uma vida não-abertamente conscientes de si mesmas e
capazes, quando muito, de uma vontade mecânica ou subconsciente, é outro problema
de opostos em que a Natureza produziu resultados assombrosos e que aponta sempre
para maravilhas superiores; e seu último milagre seria uma consciência animal que já
não marche em busca da Verdade e a Luz senão que as possua, com a onipotência que
resultará da possessão de um conhecimento direto e aperfeiçoado. Então, não apenas é
racional em si mesmo o impulso ascendente do homem direção à conformidade de
opostos ainda mais elevados, como é também a única finalização lógica de uma regra e
de um esforço que parecem ser o método fundamental da Natureza e o próprio sentido
de seus esforços universais.
Falamos da evolução da Vida na Matéria, da evolução da Mente na Matéria; mas
evolução é uma palavra que apenas assinala o fenômeno, sem explicá-lo. Pois
aparentemente não há razão para a Vida evoluir a partir dos elementos materiais ou a
Mente a partir da forma vivente, a menos que aceitemos a solução Vedântica de que a
Vida já está envolta pela Matéria e a Mente pela Vida, porque, em essência, a Matéria é
uma forma velada na Vida, e a Vida é uma forma velada da Consciência. Parece que,
então, há escassa objeção a um passo mais adiante na séria e à aceitação da idéia de que
a própria consciência mental é apenas uma forma e um véu de estados superiores de
Consciência que estão além da Mente. Nesse caso, o indomável impulso do homem em
direção a Deus, a Luz, a Bem-Aventurança, a Liberdade e a Imortalidade, se apresenta
em seu lugar correto na cadeia, do mesmo modo que o impulso imperativo pelo qual a
Natureza busca evoluir além da Mente parece tão natural, verdadeiro e justo quanto o
impulso em direção a Mente que a Natureza implantou em certas formas de Vida. Tal
como lá, aqui o impulso existe - com uma série sempre ascendente no poder de seu
querer-ser; tal como lá, aqui ele evolui gradualmente e obriga à evolução plena dos
órgãos e faculdades necessários. Assim como o impulso em direção à Mente parte das
mais sensíveis reações da Vida no metal e na planta, subindo até a plena organização no
homem, de igual maneira no próprio homem existe a mesma série ascendente, a
preparação, se não algo mais, de uma vida superior e divina. O animal é um laboratório
vivo no qual a Natureza elaborou o homem. O próprio homem pode ser um laboratório
pensante e vivo no qual, com sua cooperação consciente, a Natureza elaborará o super-
homem, o deus. Ou melhor diremos que manifestará a Deus? Pois se a evolução é a
progressiva manifestação, na Natureza, do que dormiu ou trabalhou nela desde dentro,
envolto po ela, também é, igualmente, a realização aberta do que ela é secretamente.
Então não podemos atribuir lentidão a uma dada etapa de sua evolução nem temos o
direito de condenar qualquer intenção que ela ponha em relevo ou qualquer esforço que
realiza para ir adiante, como fazem os fanáticos religiosos, qualificando tal intenção ou
esforço como perverso e presunçoso, ou os racionalistas, considerando esta intenção ou
esforço como enfermidade ou alucinação. Se é verdade que o Espírito está envolto pela
Matéria e que a Natureza aparente é o Deus secreto, então a manifestação do divino em
si mesmo e a realização de Deus, dentro e fora, são o objetivo supremo e mais legítimo
do homem sobre a terra.
Dessa maneira, o eterno paradoxo e a eterna verdade - de uma vida divina em um corpo
animal, de uma aspiração imortal ou realidade que mora numa habitação mortal; de
uma única, solitária e universal consciência que se apresenta em limitadas mentes e egos
divididos; de um ser transcendente, indefinível, não sujeito ao tempo nem ao espaço,
que por si só, faz possível o tempo, o espaço e o cosmos, e em todos estes, a verdade
superior que é realizável por meio e desde o termo inferior- se justifica, tanto perante a
reflexiva razão quanto perante o persistente instinto ou intuição da humanidade. Com
frequência, efetuaram-se intentos - concretados em questões muitas vezes reputadas
insolúveis pelo pensamento lógico - procurando persuadir o homem a limitar suas
atividades aos problemas práticos e imediatos de sua existência material no universo;
mas essas evasões jamais foram permanentes em seu efeito. A humanidade retorna
delas com um impulso mais veemente de investigação ou uma fome mais violenta de
solução imediata. Através dessa fome medra o misticismo e surgem novas religiões para
substituir as antigas, que foram destruídas ou despojadas de significado por um
ceticismo que em si mesmo não pode satisfazer, pois, ainda que sua atividade fosse a
investigação, deliberadamente não quis investigar o suficiente. A tentativa de negar ou
afogar uma verdade porque ainda é obscura em sua estrutura externa - e mui
frequentemente se acha representada por uma superstição obscurantista ou uma fé
inculta - é em si mesma um gênero de obscurantismo.
A vontade de escapar à necessidade cósmica de investigar a Verdade - porque é árdua,
difícil de justificar com resultados tangíveis imediatos, lenta em regularizar suas
operações - deveria haver desembocado na não-aceitação da verdade da Natureza e em
uma rebelião contra a secreta e mais poderosa vontade da grande Mãe. É melhor e mais
racional aceitar que ela não nos permitirá, como espécie, rechaçar essa dita Verdade, e a
elevará a partir da esfera do cego instinto, da obscura intuição e da esporádica
aspiração até colocá-la dentro da luz da razão e de uma vontade instruída e
conscientemente-guiando-se-a-si-mesma. E se existe qualquer luz superior de iluminada
intuição ou verdade auto-reveladora, que agora está obstruída e inoperante no homem
ou trabalha com lampejos intermitentes - como por trás de um véu ou com
manifestações ocasionais, como as luzes do norte em nossos claros céus materiais - então
também não precisamos ter medo de aspirar. Pois é possível que esse seja o próximo
estado superior da consciência, do qual a Mente é apenas forma e véu, através dos
esplendores dessa luz pode aparecer o caminho de nosso progressivo auto-
engrandecimento em qualquer estado supremo em que se ache o último lugar de
descanso da humanidade.
[1] I. 113. 8. 10.

[2] IV. 1. 7; IV. 2; IV. 4. 5.

[3] A palavra inglesa é “egoistic” que poderia ser traduzida por “egoística” se estivesse admitida
pela R.A.E., e reservar o termo “egoísta” para sua correspondente inglesa “egoist”, mas os termos
aceitados na língua espanhola, como “egocêntrica” ou “egotista”, não são melhores, o termo
optado para o espanhol: “egoísta”, e há que se ter em conta esta nota, pois o termo aparece
frequentemente.

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Capítulo II

AS DUAS NEGAÇÕES
1
A negação materialista

Ele colocou em ação a força-consciente (na austeridade do pensamento) e chegou


ao conhecimento de que a Matéria é o Brahman. Pois da Matéria nascem todas as
existências; uma vez nascidas, através da Matéria elas crescem, e por isso entram
na Matéria em sua passagem. Então ele foi até Varuna, seu pai, e disse: “Senhor,
ensine-me sobre o Brahman.” Mas seu pai lhe respondeu: “Aciona (novamente) a
energia-consciente em ti; pois a energia é Brahman”.
Taittiriya Upanishad [1]

A afirmação de uma vida divina sobre a Terra e de um sentido imortal na existência


mortal pode carecer de fundamento a não ser que reconheçamos não apenas o Espírito
eterno como habitante desta mansão corpórea, o usuário desta vestimenta mutável,
como também que aceitemos a Matéria de que ela está feita, como material apropriado
e nobre com que Ele tece constantemente seus Trajes, e constrói incansavelmente a série
interminável de Suas mansões.
Isso tampouco é suficiente para nos precavermos contra um retrair-se da vida no corpo,
a não ser que, como os Upanishads, percebendo por trás das aparências a identidade em
essência desses dois termos extremos da existência, possamos dizer, na mesma
linguagem daqueles antigos escritos: “A Matéria também é o Brahman”, e conceder
pleno valor à vigorosa figura com que o universo físico é descrito, como o corpo externo
do Ser divino. Tampouco – tão separados, aparentemente, estão estes dois termos
extremos – consegue essa identificação convencer o intelecto racional, se recusamo-nos a
reconhecer uma série de termos ascendentes (Vida, Mente, Supramente e os graus que
vinculam a Mente com a Supramente), que estão entre Espírito e Matéria. Ao
contrário, ambos aparecerão como oponentes inconciliáveis ligados por um infeliz
matrimônio, sendo o divórcio a única solução razoável. Identificá-los, representar cada
um nos termos do outro, se torna uma criação artificial do Pensamento, oposta à lógica
dos fatos e só possível mediante um irracional misticismo.
Se afirmamos que só existe um Espírito puro e uma substância ou energia mecânica
carente de inteligência, chamando ao primeiro Deus e à segunda Natureza, o inevitável
fim será negarmos Deus ou dar às costas à Natureza. Tanto para o Pensamento como
para a Vida, torna-se imperativa uma escolha. O Pensamento vai negar a Deus como
ilusão da imaginação ou à Natureza como ilusão dos sentidos; A Vida vai fixar-se no
imaterial e fugir de si mesma com desgosto ou cair num êxtase de auto-esquecimento,
ou então negar sua própria imortalidade e orientar-se para longe de deus e em direção
ao animal. Purusha e Prakriti, a passivamente luminosa Alma dos Sankhyas e sua
Energia mecanicamente ativa, nada têm em comum, nem mesmo seus modos opostos de
inércia; suas antinomias só podem ser resolvidas mediante a cessação da Atividade
inertemente dirigida, dissolvendo-se no imutável Repouso sobre o qual o estéril cortejo
de suas imagens foi projetado em vão. O mudo Shankara, o inativo Eu e sua Maya de
muitos nomes e formas são igualmente entidades díspares e inconciliáveis; seu rígido
antagonismo só pode terminar pela dissolução da múltipla ilusão na Verdade única de
um Silêncio eterno.
O materialista tem diante de si uma tarefa mais fácil; é-lhe possível negar o Espírito,
para chegar a uma mais convincente simplicidade de afirmação, um Monismo real, o
Monismo da Matéria ou da Força. Mas é-lhe impossível persistir permanentemente
nessa rigidez de critério. Ele também acaba por pressupor o incognoscível inerte, tão
distante do universo conhecido como o passivo Purusha ou o silencioso Atman. Isso não
tem nenhum propósito salvo o de adiar – por uma vaga concessão – as inexoráveis
exigências do Pensamento, ou servir como desculpa para a recusa em estender os limites
da investigação.
Por isso, nessas contradições estéreis, a mente humana não pode descansar satisfeita.
Ela deve sempre buscar uma afirmação completa, e só pode encontrá-la mediante uma
luminosa reconciliação entre Matéria e Espírito. Para alcançar essa reconciliação, deve
passar pelos graus que nossa consciência interior nos impõe e, seja pelo método objetivo
de análise aplicado à Vida e à Mente, seja pela síntese e a iluminação subjetivas, chegar
ao repouso da unidade última sem negar a energia da multiplicidade manifesta.
Somente com essa completa e universal afirmação podem harmonizar-se todos os
multiformes e aparentemente contraditórios dados da existência, e as múltiplas forças
em conflito que governam nosso pensamento e nossa vida podem descobrir a Verdade
central que aqui simbolizam e de várias formas realizam. Só então nosso Pensamento
pode, tendo alcançado um verdadeiro centro, cessar de andar em círculos, trabalhar
como o Brahman do Upanishad, fixo e estável mesmo em sua forma lúdica e em sua
corrida mundial, e nossa vida, conhecendo seu objetivo, servi-lo com firme e serena
alegria e luz, assim como com uma energia ritmicamente discursiva.
Mas quando esse ritmo for perturbado, será necessário e útil que o homem teste
separadamente, em sua afirmação extrema, cada um dos dois grandes opostos. Esse é o
meio natural da mente de retornar mais perfeitamente à afirmação que perdeu. No
meio do caminho pode tentar descansar nos graus intermediários, reduzindo todas as
coisas aos termos de uma Vida-Energia original, de sensação ou de Idéias; porém todas
essas soluções excludentes têm sempre um ar de irrealidade. Podem, por um tempo,
satisfazer a razão lógica, que só trabalha com idéias puras, mas não podem satisfazer o
sentido de realidade da mente. Pois a mente sabe que existe algo atrás de si que não é a
Idéia, sabe, por outro lado, que dentro de si há algo que é mais que a Respiração vital.
Tanto o Espírito como a Matéria podem oferecer, transitoriamente, um sentido de
realidade última; não pode fazê-lo qualquer dos princípios intermediários. Por isso,
eles devem dirigir-se aos dois extremos antes de regressar frutiferamente ao todo. Pois,
por sua própria natureza – servido por um sentido que só pode perceber com clareza as
partes da existência e por uma linguagem que, igualmente, só pode obter clareza
quando cuidadosamente separa e limita – o intelecto é dirigido, tendo diante de si essa
multiplicidade de princípios elementais, a buscar a unidade reduzindo tudo, rudemente,
aos termos de um. Para afirmar esse um, tenta praticamente desembaraçar-se dos
outros. Para perceber a verdadeira fonte de identidade desses princípios sem esse
processo excludente, ele deve ou ter ultrapassado a si mesmo ou ter completado o
circuito apenas para descobrir que todos se reduzem igualmente a Aquilo, que escapa a
definições ou descrições e que não só é real mas também alcançável. Qualquer que seja
o caminho por onde viajemos, Aquilo é sempre a meta que alcançaremos, e só podemos
evitá-la se recusar-mo-nos a completar o trajeto.
Por isso, é de bom augúrio que, após muitos experimentos e soluções verbais,nós nos
encontremos agora em presença em presença dos dois que suportaram
sozinhos,durante muito tempo, as mais rigorosas provas de experiência, os dois
extremos; e que ao final da experiência ambos tenham chegado a um resultado que o
instinto universal da humanidade – esse juiz oculto,sentinela e representante do Espírito
da Verdade universal – se recusa a aceitar como correto ou satisfatório. Na Europa e na
Índia, respectivamente, a negação do materialista e a recusa do asceta procuraram
afirmar-se como verdade única e dominar a concepção de vida. Na Índia, se o resultado
se constituiu numa grande acumulação dos tesouros do Espírito – ou de alguns deles –
também representou uma grande falência da Vida; na Europa, a abundância de
riquezas e o domínio triunfante dos poderes e posses deste mundo progrediu rumo a
uma igual bancarrota nas coisas do Espírito. Nem o intelecto, que buscava a solução de
todos os problemas no termo único da Matéria, encontrou satisfação na resposta que
recebeu.
Por isso, o tempo faz amadurecer e a tendência mundial se move em direção a uma nova
e compreensiva afirmação no que concerne ao pensamento e à experiência interna e
externa, e ao seu corolário, uma nova e rica auto-realização numa existência humana
integral, para o indivíduo e para a espécie.
Da diferença nas relações de Espírito e Matéria com o Incognoscível que ambos
representam, surge uma diferença de eficácia nas negações material e espiritual. A
negação do materialista, embora mais insistente e de sucesso imediato, mais fácil em seu
apelo à generalidade da espécie humana, é no entanto menos durável, menos efetiva,
finalmente, que a absorvente e perigosa recusa do asceta. Pois carrega em si mesma a
sua própria cura. Seu elemento mais poderoso é o Agnosticismo, que, admitindo o
Incognoscível por trás de toda manifestação, estende os limites do incognoscível até a
compreensão do que é meramente desconhecido. Sua premissa é que os sentidos físicos
são a nossa única forma de Conhecimento, e que a Razão, por isso, mesmo em seus mais
extensos e vigorosos vôos, não pode escapar para além de seu domínio; ela tem que lidar
sempre e somente com os fatos que eles fornecem ou sugerem; e mesmo as sugestões
devem sempre estar vinculadas às suas origens; não se pode ir além, não podemos usá-
las como uma ponte para um domínio em que faculdades mais poderosas e menos
limitadas entrem em ação e outro tipo de investigação tenha que ser instituído.
Uma premissa tão arbitrária contém em si mesma sua própria declaração de
insuficiência. Só pode ser mantida ignorando-se ou descartando todo o vasto campo de
evidência e experiência que a contradiz, negando ou minimizando nobres e úteis
faculdades, ativas consciente ou obscuramente ou, no pior dos casos, latentes em todo
ser humano, e recusando-se a investigar fenômenos suprafísicos, exceto se manifestados
em relação com a matéria e seus movimentos e concebidos como uma atividade
subordinada às forças materiais. Assim que começamos a investigar as operações da
mente da supramente, nelas mesmas e sem o preconceito, determinado desde o início, de
ver nelas apenas um termo subordinado da Matéria, entramos em contato com um
conjunto de fenômenos que escapam inteiramente ao controle rígido, ao dogmatismo
limitador da fórmula materialista. E no momento em que reconhecemos - pois nossa
ampla experiência nos compele a reconhecer – que existem no universo realidades
cognoscíveis que estão além do alcance dos sentidos e no homem poderes e faculdades
que determinam, em vez de serem determinados pelos órgãos materiais através dos
quais eles mantém contato com os com o mundo dos sentidos – essa concha externa de
nossa verdadeira e completa existência - a premissa do Agnosticismo materialista
desaparece. Estamos prontos para uma afirmação maior e uma investigação sempre em
desenvolvimento.
Mas, primeiro, é bom que reconheçamos a enorme, a indispensável utilidade do breve
período de Materialismo racionalista pelo qual a humanidade esteve passando. Pois esse
vasto campo de evidência e experiência, que agora começa a reabrir seus portões para
nós, só pode ser adentrado com segurança quando o intelecto foi severamente treinado
para uma clara austeridade; se adentrado por mentes imaturas, prestar-se-á a
perigosas distorções e idéias enganosas, e, realmente, no passado, incrustou-se um real
núcleo de verdade com tal acréscimo de superstições deturpantes e dogmas
irracionalizantes, que tornou-se impossível qualquer avanço em direção ao verdadeiro
conhecimento. Tornou-se necessário, por um certo tempo, fazer uma limpeza completa
da verdade e de sua máscara, com a intenção de clarear o caminho para uma nova
partida e um avanço mais seguro. A tendência racionalista do Materialismo rendeu à
humanidade esse grande serviço.
Pois as faculdades que transcendem os sentidos, pelo próprio fato de estarem imersas na
Matéria, destinadas a trabalhar num corpo físico, com os arreios postos para dirigir um
carro em que também atuam os desejos emocionais e os impulsos nervosos, estão
expostas a um funcionamento misto, em que correm o risco de iluminar a confusão em
vez de esclarecer a verdade. Esse funcionamento misto resulta especialmente perigoso
quando homens com mentes indisciplinadas e sensibilidades impuras tentam escalar os
domínios mais altos da experiência espiritual. Em que regiões de nuvens insubstanciais
e névoa semibrilhante, ou trevas visitadas por clarões que cegam mais do que iluminam,
eles não se perderiam nessa aventura prematura e temerária! Uma aventura certamente
necessária dado o modo como a Natureza escolheu efetuar seu avanço – pois ela se
diverte enquanto trabalha – porém ainda, para a Razão, prematura e temerária.
É necessário, por isso, que o Conhecimento que avança tenha sua base sobre um
intelecto claro, puro e disciplinado. É necessário, também, que ele corrija seus erros
mediante um retorno, às vezes, às restrições do fato sensível, as realidades concretas do
mundo físico. O toque terreno é sempre revigorante para o filho da Terra, mesmo
quando ele busca um Conhecimento suprafísico. Pode ser dito também que o
suprafísico só pode ser dominado completamente – até as alturas que sempre podemos
alcançar – quando mantemos os pés firmemente pregados no físico. “A Terra é a Sua
base” [2], diz o Upanishad sempre que representa o Eu que se manifesta no universo.
E é certo que, quanto mais ampliamos e tornamos seguro nosso conhecimento do
mundo físico, mais amplo e seguro será o nosso fundamento para obter o conhecimento
superior, mesmo o mais alto, mesmo o Brahmavidya.
Por isso, ao emergir do período materialista do Conhecimento humano, devemos ter o
cuidado de não condenar temerariamente o que estamos deixando para trás ou
descartando, nem mesmo uma partícula de suas conquistas, antes que possamos dispor
de percepções e poderes bem seguros para ocupar o seu lugar. Ao invés disso,
deveríamos observar com respeito e admiração o que o trabalho que o Ateísmo fez pelo
Divino e admirar o serviço que o Agnosticismo rendeu, preparando o crescimento
ilimitável do conhecimento. Em nosso mundo, o erro é continuamente o servidor e o
‘achador do caminho’ da Verdade; pois o erro é na realidade uma meia-verdade que
tropeça por causa de suas limitações; muitas vezes é a Verdade que usa um disfarce
para chegar, sem ser percebida, ao seu objetivo. Estaria bem se o erro pudesse ser
sempre, como foi no grande período que estamos deixando para trás, o fiel servidor,
severo, consciencioso, honrado, brilhante dentro de seus limites, uma meia-verdade e
não uma irrefletida e presunçosa aberração.
Certo gênero de Agnosticismo é a verdade final de todo o conhecimento. Pois quando
chegamos ao final de qualquer caminho, o universo aparece como apenas um símbolo
ou a aparência de uma realidade incognoscível que se traduz aqui em diferentes
sistemas de valores, valores físicos, valores vitais e sensoriais, valores intelectuais, ideais
e espirituais. Quanto mais Aquilo se torna real para nós, mais parece estar sempre além
do pensamento definidor e além da expressão formuladora. “A Mente não chega até
aqui, nem a linguagem” [3]. E no entanto, como é possível exagerar, com os Ilusionistas,
a irrealidade da aparência, também é possível exagerar a incognoscibilidade do
Incognoscível. Quando falamos dele como Incognoscível, queremos dizer, na realidade,
que ele escapa ao alcance de nosso pensamento e de nosso discurso, instrumentos que
procedem sempre pela diferenciação e expressam em forma de definição; mas, se não é
cognoscível pelo pensamento, Ele é alcançável por um supremo esforço de consciência.
Existe, inclusive, um gênero de conhecimento que é uno com a Identidade e através do
qual, num certo sentido, Ele pode ser conhecido. Certamente, esse Conhecimento não
pode ser reproduzido exitosamente em termos de pensamento e linguagem, mas, quando
o alcançamos, o resultado é uma reavaliação d’Aquilo com os símbolos de nossa
consciência cósmica, não só com um, mas com todas as cadeias de símbolos, o que
culmina numa revolução de nosso ser interno e, através do interno, de nossa vida
externa. Além disso, há também um gênero de conhecimento através do qual Aquilo se
revela com todos os nomes e formas da existência fenomênica, que, para a inteligência
ordinária, apenas O oculta. É esse processo superior mas não supremo do
Conhecimento que podemos alcançar passando dos limites da fórmula materialista e
escrutando Vida, Mente e Supramente nos fenômenos que são característicos delas, e
não meramente naqueles movimentos subordinados pelos quais eles se ligam à Matéria.
O Desconhecido não é o Incognoscível [4]; ele não necessita permanecer desconhecido
para nós, a menos que optemos pela ignorância ou persistamos em nossas limitações
primeiras. Pois, a todas as coisas que não são incognoscíveis todas as coisas no universo,
correspondem, nesse universo, faculdades pelas quais se pode tomar conhecimento
delas,e no homem, o microcosmo, essas faculdades são sempre existentes e, num certo
estágio, capazes de desenvolvimento. Podemos optar por não desenvolvê-las; onde estão
parcialmente desenvolvidas, podemos desencorajá-las e impor nelas uma espécie de
atrofia. Mas, fundamentalmente, todo conhecimento possível é um conhecimento
acessível à humanidade. E como no homem há o impulso inalienável da Natureza em
prol da auto-realização, nenhuma luta do intelecto para limitar a ação de nossas
capacidades, numa determinada área, pode prevalecer para sempre. Quando tivermos
experimentado a Matéria e percebido suas secretas possibilidades, o verdadeiro
conhecimento – para o qual foi conveniente aquela temporária limitação de faculdades
– vai gritar-nos, como os Guardiões Védicos: "Para diante agora,avance também em
outros campos [5]."
Se o Materialismo moderno fosse simplesmente uma ignorante aceitação da vida
material, o avanço seria infinitamente adiado. Mas como sua verdadeira alma é a busca
do Conhecimento, será incapaz de pedir parada; no momento em que alcançar as
barreiras entre sensação e conhecimento, e o raciocínio a partir de sensação –
conhecimento, seu próprio ímpeto o levará além, e a rapidez e a segurança com que
abraçou o universo visível é apenas um avanço de energia e êxito que esperamos que se
repita na conquista do que vem adiante, uma vez que foi dado o passo para cruzar a
barreira. Já vemos esse avanço em seus obscuros começos.
Não só em sua concepção final, mas na grande linha de seu resultado geral, o
Conhecimento, em qualquer caminho que tome, tende a se tornar uno. Nada é mais
notável e sugestivo que a extensão até a qual a Ciência moderna confirma, no campo da
Matéria, as concepções e até as fórmulas de linguagem a que se chegou por um método
muito diferente, no Vedanta – o Vedanta original, não o das escolas de filosofia
metafísica, e sim o dos Upanishads. E estes, por outro lado, muitas vezes só revelam seu
completo significado, seus conteúdos mais ricos, quando são vistos à nova luz emitida
pelas descobertas da moderna Ciência – por exemplo, aquela expressão Vedântica que
descreve as coisas no Cosmos como uma semente disposta pela Energia universal em
múltiplas formas [6]. Especialmente significativo é o esforço da Ciência em direção a
um Monismo que é compatível com a multiplicidade, em direção à idéia Védica da
essência una com suas múltiplas derivações. Mesmo se insistirmos na aparência
dualística de Matéria e Força, isso não se coaduna com esse Monismo. Pois se tornará
evidente que a Matéria essencial é algo inexistente para os sentidos, e é apenas, como o
Pradhana dos Sankhias, uma forma conceitual de substância; e, de fato, é cada vez mais
firme a conclusão de que apenas uma distinção arbitrária do pensamento separa a
forma da substância da forma da energia.
A Matéria se expressa a si mesma, por fim, como a formulação de alguma Força
desconhecida. A Vida também, aquele mistério insondado, começa a revelar-se como
uma obscura energia de sensibilidade aprisionada em sua formulação material; e
quando a ignorância divisória for curada, aquela que nos dá a sensação de um abismo
entre Vida Matéria,será difícil supor que Mente, Vida e Matéria sejam outra coisa
senão uma Energia triplamente formulada, o triplo mundo dos profetas
védicos.Também não poderá persistir o conceito de uma força bruta material como a
mãe da Mente. A Energia que cria o mundo só pode ser nada mais que uma Vontade, e
Vontade é apenas consciência aplicada a um trabalho e a um resultado.
Que são esse trabalho e esse resultado, senão uma auto-involução da Consciência na
forma e uma auto-evolução fora da forma, como que para realizar alguma poderosa
possibilidade no universo que ela criou? E o que é essa Vontade no Homem senão a
vontade de ter Vida infinita, Conhecimento ilimitado, Poder sem amarras? A própria
ciência começa a sonhar com a conquista física da morte, expressa uma sede insaciável
de conhecimento, está realizando algo como uma onipotência terrestre para a
humanidade. O Espaço e o Tempo estão se até o ponto de fuga *, lutando de cem modos
distintos para fazer do homem o mestre das circunstâncias e, assim, iluminar os grilhões
da causalidade. A idéia do limite, do impossível, começa a surgir meio indistintamente,e
o que aparece, em vez dela, é que o que quer que o homem deseje constantemente, ele
será ao final capaz de realizar; porque a consciência da espécie finalmente achará os
meios. E ainda quando olhamos mais profundamente, não é qualquer Vontade
consciente da coletividade, mas um Poder supraconsciente que usa o indivíduo como
centro e meio, e a coletividade como condição e campo. E o que é isso, senão Deus no
homem, a Identidade infinita,a Unidade múltipla, o Onisciente, o Onipotente que, tendo
feito o homem à Sua própria imagem, com o ego como centro de funcionamento, com a
espécie, o coletivo Narayana [7], o vi´svamãnava [8] como molde e circunscrição,
procura expressar nestes alguma imagem da unidade, da onisciência, da onipotência
que são a auto-concepção do Divino? “O que é imortal nos mortais é um Deus,
estabelecido intimamente como uma energia operando em nossos poderes
divinos” [9]. É a esse vasto impulso cósmico que o mundo moderno, sem conhecer
suficientemente seu próprio objetivo, ainda serve, em todas as suas atividade e labores,
subconscientemente, para realizá-lo.
Mas há sempre um limite e um entrave - o limite do campo material no Conhecimento,
o entrave do a maquinário material no Poder. No entanto, aqui também a última
tendência é altamente significativa de um futuro mais livre. Assim como os postos
avançados do conhecimento Científico se assentam cada vez mais nas fronteiras que
separam o material do imaterial, também as mais altas conquistas Da Ciência prática
são as que tendem a simplificar e reduzir ao ponto de fuga* o maquinário pelo qual os
maiores efeitos são produzidos. A telegrafia sem fio é um sinal exterior da Natureza e
um pretexto para uma nova orientação. O meio físico sensível para a transmissão
intermediária da força física é removido; só é preservado nos pontos de impulsão e
recepção. Com o tempo, até estes vão desaparecer; pois, quando as leis e as forças do
suprafísico forem estudadas do correto ponto de partida, infalivelmente será
encontrado pela Mente, diretamente, o meio de aproveitar a energia física e despachá-la
velozmente, com exatidão, conforme a sua ordem. Aí – se pudermos reconhecê-los –
estão os portões que se abrem em direção às enormes perspectivas do futuro.
Mas, mesmo se tivéssemos o conhecimento completo e o controle dos mundos
imediatamente acima da Matéria, ainda haveria uma limitação e ainda um além. O
último nó de nossa escravidão está no ponto em que o externo puxa para uma unidade
com o interno, o maquinário do próprio ego se sutiliza até o ponto de fuga(*) e a lei de
nossa ação é, por fim, unidade abraçando e possuindo a multiplicidade, e não mais,
como agora, multiplicidade lutando contra alguma imagem da unidade. Aí está o trono
central do Conhecimento cósmico contemplando seu mais vasto domínio; aí o Império
de si mesmo com o império do seu mundo [10]; aí a vida no Ser eternamente
consumado [11] e a realização de Sua divina natureza [12] em nossa existência humana.

Notas:

(*) Vanishing-point significa ponto de fuga, se retiramos o traço fica “vanishing point” – ponto de desaparecimento.
Se o autor aplicou-se em colocar o traço, é porque, evidentemente, queria ressaltar a diferença, e não quer dizer,
como sucede em alguma tradução, que o Tempo e o Espaço desaparecem (primeiro dos asteriscos).Preferimos deixar
a tradução literal, já que essa expressão pode sugerir diversas interpretações. Ponto de fuga, para o desenho técnico,
na projeção cônica, é o ponto sobre o horizonte, para o qual se dirigem todas as linhas horizontais, quebrando o seu
paralelismo, para dar a sensação de profundidade, e, ao mesmo tempo, é o ponto-de-vista do observador; seria, ao
mesmo tempo, o zero e o infinito. A contração do campo espaço-temporal parece indicar uma qualidade do mesmo,
como a possibilidade de acelerar a evolução humana, acelerando a chegada do futuro.

O dicionário de termos hindus da Sociedade Teosófica diz sobre o zero:

“Seu símbolo, o círculo, representa ao mesmo tempo nada e tudo; é o símbolo do infinito ilimitado; e um círculo pode
ser definido como uma única linha não-dividida e não-terminada, ou como um número infinito de linhas
infinitamente curtas. Os finais se encontram, não há nenhuma diferença essencial entre o infinitamente grande e o
infinitesimal. O ponto zero é o ponto de fuga, o laya ou estado neutro. Em matemática, esta é a posição neutra entre
a série de números negativos e positivos. É também o estado neutro da matéria entre dois planos; quando a matéria
física é reduzida a zero ou ao estado laya, ela está pronta a manifestar-se sobre o plano seguinte, mais alto, ou vice-
versa. O mesmo se aplica à consciência e a seus planos.

Damos importância a esta nota porque, nos últimos parágrafos deste capítulo, a expressão “vanishing-point”, que só
aparece três vezes em toda “A Vida divina”,precisamente aparece as citadas vezes na página anterior a esta nota, sem
voltar a ser citada em toda a obra, havendo sido sublinhada pelo tradutor, não aparecendo esse sublinhado no
original.

[1] III.1, 2.

[2] "Padbhyám prthví" - Mundaka Upanishad. II. 1. 4.


“PrithivI pájasyam" - Brihadaranyaka Upanishad. I. 1. 1.

[3] Kena Upanishad. I.3.

[4] Isso difere do conhecido; também está acima do desconhecido - Kena Upanishad. I.3.

[5] Rig Veda. I. 4. 5.

[6] Swetaswatara Upanishad. VI. 12.

[7] Um dos nomes de Vishnu, que, como o Deus no homem, vive constantemente associado em
unidade dual com Nara, o ser humano.

[8] O homem universal.

[9] Rig Veda. IV.2.1.

[10] Svárajya y Sámrájya, o duplo objetivo proposto a si mesmo pelo Yoga positivo dos antigos.

[11] Sálokya-mukti, liberação mediante existência consciente em um mundo do ser com o Divino.

[12] Sádharmya-mukti, liberação assumindo a Natureza Divina.

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Capítulo III

AS DUAS NEGAÇÕES
2
A renúncia do asceta

"Tudo isso é o Brahman; este Eu é o Brahman e o Eu é quádruplo.

Além de toda relação, incolor, impensável, em que tudo está imóvel."

Mandukya Upanishad [1]

E AINDA existe um além.

Pois do outro lado da consciência cósmica existe uma consciência ainda mais
transcendente, acessível para nós - transcendente não só para o Ego como também para
o próprio Cosmos - contra a qual o universo parece sobressair-se como uma pequenina
pintura contra um incomensurável fundo. Ela (essa consciência) suporta a atividade
universal - ou talvez apenas a tolera; Isso (ela) abraça a Vida em Sua vastidão - ou então
a rejeita, em Sua Infinitude.

Se o materialista se justifica, do seu ponto-de-vista, insistindo na Matéria como


realidade, o mundo relativo como a única coisa sobre a qual podemos, de certo forma,
estar seguros, e o Além como totalmente incognoscível, senão realmente inexistente, um
sonho da mente, uma abstração do Pensamento que se divorcia da realidade, assim
também o Sannyasin (Asceta), enamorado desse Além, justifica-se, do seu ponto-de-
vista, insistindo no puro Espírito como realidade, a única coisa livre de mudança, nasci‐
mento, morte, e o mundo relativo como uma criação da mente e dos sentidos, um sonho,
uma abstração no sentido contrário ao da Mentalidade retirando-se do puro e eterno
Conhecimento.

Que justificação, lógica ou experimental, pode ser dada para apoiar um extremo que
não encontra uma lógica convincente e uma experiência igualmente válida no outro
extremo? O mundo da Matéria é afirmado pela experiência dos sentidos físicos, que,
por serem eles mesmos incapazes de perceber algo imaterial ou não-organizado como a
Matéria bruta, iriam persuadir-nos de que o suprassensível é irreal. Este erro rústico
ou vulgar de nossos órgãos corporais não ganha valor por ser promovido ao campo do
raciocínio filosófico. Sua pretensão, obviamente, é infundada. Mesmo no mundo da
Matéria, há existências das quais os sentidos físicos são incapazes de tomar
conhecimento. Mas a negação do suprassensível, considerando-o necessariamente uma
ilusão ou uma alucinação, depende da constante associação sensorial do real com o
materialmente perceptível, o que é também uma alucinação. Presumindo todo o tempo
o que ele procura estabelecer, cai no vício do argumento em círculos e não tem valor
como raciocínio imparcial.

Não só existem realidades físicas que são suprassensíveis, como, se a evidência e a


experiência são realmente um teste para a verdade, há também sentidos que são
suprafísicos [2] e pertencentes a um outro mundo - incluídos, por assim dizer, numa
organização de experiências conscientes que dependem de outro princípio que não a
Matéria bruta da qual nossos sóis e terras parecem feitos.

Constantemente afirmada pela experiência humana e a humana crença desde as


origens do pensamento, essa verdade, agora que a preocupação exclusiva com os
segredos do mundo material já não existe, começa a ser justificada por novas formas de
raciocínio científico. As crescentes evidências, das quais só as mais óbvias e explícitas se
colocam sob a denominação de telepatia e fenômenos derivados, não podem ser negadas
a não ser por mentes enclausuradas na brilhante concha do passado, por intelectos
limitados, apesar de sua acuidade, no seu campo de experiência e investigação, ou por
aqueles que confundem iluminação e razão com a fiel repetição de fórmulas legadas por
um século passado e pela ciumenta conservação de dogmas intelectuais mortos ou
agonizantes.

É certo que o vislumbre de realidades suprafísicas adquirido através de pesquisa


metódica foi imperfeito e ainda é mal afirmado; pois os métodos usados são ainda
defeituosos. Mas estes sentidos sutis redescobertos ao menos revelaram-se verdadeiras
testemunhas dos fatos físicos que estão além do alcance dos órgãos corporais. Então não
se justifica rejeitá-los como falso testemunho, quando eles confirmaram os fatos
suprafísicos que estão além do campo da organização material da consciência. Como
toda evidência, como a própria evidência dos sentidos, seu testemunho tem que ser
controlado, escrutinado e ordenado pela razão, corretamente traduzido e corretamente
relatado, e seu campo, leis e processos, determinados. Mas a verdade das grandes
extensões de experiência cujos objetos existem numa substância mais sutil e são
percebidos por instrumentos mais sutis do que aqueles da física Matéria bruta, reclama
no final o mesmo valor que a verdade do universo material. Os mundos que estão além
existem: eles têm seu ritmo universal, suas grandes linhas e formações, suas leis e
energias auto-existentes poderosas, seu justo e luminoso meio de conhecimento. E aqui
em nossa existência física e em nosso corpo físico eles exercem sua influência; é aqui
também que eles organizam seu meio de manifestação e comissionam seus mensageiros
e suas testemunhas.

Mas os mundos não são se não molduras para nossa experiência e sentidos, apenas
instrumentos de experiência e conveniências. A Consciência é o grande fato subjacente,
a testemunha universal para a qual o mundo é um campo de ação, e os sentidos,
instrumentos. Para essa testemunha, os mundos e seus objetos apelam por sua
realidade, pois tanto o único mundo como os muitos mundos, não temos outra evidência
de que existam, tanto o físico como o suprafísico. Argumentou-se que isso não é uma
relação peculiar entre a constituição da humanidade e sua perspectiva de um mundo
objetivo, e sim a verdadeira natureza da existência; toda existência fenomênica
consiste em uma consciência observadora mais, e a Ação não pode proceder sem a
Testemunha, porque o Universo só existe na ou para a consciência que observa, e não
tem realidade independente. Foi argumentado, em resposta, que o universo material
desfruta de uma auto-existência eterna; ele estava aqui antes que a vida e a mente
fizessem sua aparição: ele irá sobreviver depois que elas tiverem desaparecido e já não
estejam perturbando - com suas dispustas efêmeras e pensamentos limitados - o ritmo
eterno e inconsciente dos sóis. A diferença, tão metafísica em aparência, é porém de
suprema importância prática, pois ela determina a visão que o homem tem da vida, o
objetivo ao qual se dirigirão seus esforços e o campo no qual ele circunscreverá suas
energias. Pois aí surge a questão da realidade da existência cósmica e, ainda mais
importante, a questão do valor da vida humana.

Se levamos muito longe a conclusão materialista, chegaremos a uma insignificância e


uma irrealidade na vida do indivíduo e da espécie que nos deixarão, logicamente, a
opção entre um esforço fervoroso do indivíduo por “agarrar” o que puder de uma
existência efêmera, por “viver sua vida”, como se diz, e um serviço desapaixonado e sem
objetivo da espécie e do indivíduo, sabendo-se que este último é uma ficção efêmera da
mentalidade nervosa, e o anterior, nada mais que uma forma coletiva, um pouco mais
duradoura, do mesmo espasmo nervoso regular da Matéria. Nós trabalhamos e
desfrutamos sob o impulso de uma energia material que nos decepciona com a breve
ilusão da vida ou com a mais nobre ilusão de um objetivo ético e de uma consumação
mental. O Materialismo, como o Monismo espiritual, conduz-nos a uma Maya que é e
não é – é, porque é presente e compulsiva, e não é, porque é fenomênica e transitória em
suas obras. Por outro lado, se acentuamos demasiado a irrealidade do mundo objetivo,
chegaremos por um caminho diferente, a conclusões semelhantes porém ainda mais
incisivas - o caráter fictício do Ego individual, a irrealidade e a falta de propósito da
existência humana, o retorno ao Não-Ser ou Absoluto sem relações como único escape
racional da confusão desprovida de sentido da vida fenomênica.

E no entanto, a questão não pode ser resolvida pelo argumento lógico com base nas
informações de nossa existência física ordinária; pois nessas informações há um hiato de
experiência que torna qualquer argumento inconclusivo. Não temos, normalmente nem
a experiência definitiva de uma mente cósmica ou supramente não-ligada à vida do
corpo individual, nem, por outro lado, nenhum limite firme de experiência que nos
justificaria, supondo que nosso Eu subjetivo realmente depende da moldura física e não
pode nem sobreviver a ela nem alargar-se além do corpo individual. Só por uma
extensão do campo de nossa consciência ou com um inesperado aumento de nossos
instrumentos de conhecimento a antiga querela poderá ser decidida.

A extensão de nossa consciência, para ser satisfatória, tem de ser necessariamente um


prolongamento do indivíduo para a consciência cósmica. Para a Testemunha, se ela
existe, não é a mente corporificada individual nascida no mundo, mas aquela
Consciência Cósmica que abarca o universo e aparece como uma Inteligência imanente
em todas suas obras, para qual cada mundo subsiste eternamente e realmente como Sua
própria existência ativa, ou então da qual ele nasce e na qual ele desaparece por um ato
de Conhecimento ou por um ato de Poder consciente. Não uma Mente organizada, mas
aquela que, calma e eterna, paira igualmente sobre a terra vivente e o corpo humano
vivente, e para a qual mente e sentidos são instrumentos dispensáveis, e esse é a
Testemunha da existência cósmica e o seu Senhor.

A possibilidade de uma consciência cósmica na humanidade esta sendo pouco a pouco


admitida na moderna Psicologia, como também a possibilidade de instrumentos de
conhecimento mais flexíveis de conhecimento, embora ainda não-classificados, mesmo
quando seu valor e poder são admitidos, como uma alucinação. Na psicologia oriental,
isso sempre foi reconhecido como realidade e como a meta de nosso progresso subjetivo.
A essência da superação dessa meta é a ultrapassagem dos limites impostos em nós pelo
ego-sentido, e pelo menos um compartilhamento, no máximo uma identificação do
autoconhecimento-do-ser que paira secreto sobre toda a vida e sobre tudo o que parece
a nós ser inanimado.

Entrando nessa Consciência, podemos continuar a habitar, como Ela, a existência


universal. Então tornamo-nos conscientes — pois todos os nossos termos de consciência
e mesmo nossas experiências sensoriais começam a mudar— da Matéria como uma
existência e dos corpos como suas formações, nas quais a existência una separa-se
fisicamente, no corpo individual, de si mesma e em todos os demais, e, novamente por
meios físicos, estabelece comunicação entre estes múltiplos pontos de seu ser. A Mente,
experimentamo-la de forma semelhante, e a Vida também, como a mesma existência
una em sua multiplicidade, separando-se e reunindo-se em cada domínio como por
meios apropriados a esse movimento. E, se desejamos, podemos ir além e, após
atravessar muitas etapas conexas, tornar-nos conscientes de uma Supramente cuja
operação universal é a chave para todas as atividades menores. Não nos tornamos
meramente conscientes dessa existência cósmica, mas igualmente conscientes nela,
recebendo-a em sensação, mas também entrando nela em conhecimento. Nela vivemos
como vivíamos no Ego-sentido, ativamente, cada vez mais em contato, até mesmo
unificados mais e mais com outras mentes, outras vidas, outros corpos distintos do
organismo que chamamos de nós, produzindo efeitos não só em nosso ser moral e
mental e no ser subjetivo de outros, mas também no mundo físico e seus eventos por
meios mais próximos do divino que aqueles possíveis para nossa capacidade egoísta.
Real, então, para o homem que teve contato com ela ou vive nela, é essa consciência
cósmica, de uma realidade maior que a física; real em si mesma, real em seus efeitos e
obras. E como ela é dessa forma real para o mundo, que é a sua própria expressão total,
dessa mesma forma o mundo é real para ela; mas não como uma existência inde‐
pendente. Pois, nessa experiência superior e sem obstáculos, percebemos que ser e
consciência não são diferentes um do outro, e sim todo ser é uma consciência suprema,
toda consciência é autoexistente, eterna em si mesma, real em suas obras e nem um
sonho nem uma evolução. O mundo é real precisamente porque ele existe somente em
consciência; pois é uma Energia Consciente uma com o Ser que o cria. É a existência da
forma material por seu próprio direito, diferente da energia auto-iluminada que assume
a forma que seria uma contradição em relação à verdade das coisas, uma
fantasmagoria, um pesadelo, uma falsidade impossível.

Mas este Ser Consciente que é a verdade da infinita Supramente, é mais que o Universo
e vive independentemente em Sua inexpressiva infinitude, bem como nas harmonias
cósmicas. O mundo vive através Dele; Ele não vive através do mundo. E, assim como
podemos entrar na consciência cósmica e ser uno com a existência cósmica, também
podemos entrar na consciência que transcende ao mundo e tornarmo-nos superiores a
toda a existência cósmica. Então ressurge a questão que nos ocorreu em princípio, se
essa transcendência é também, necessariamente, uma renúncia. Que relação tem este
universo com o Além?

Pois, nos portões do transcendente acha-se aquele Espírito simples e perfeito descrito
nos Upanishads, luminoso, puro, sustentando o mundo mas inativo nele, sem fibras de
energia, sem imperfeição de dualidade, sem marcas de divisão, único, idêntico, livre de
toda a aparência de divisão ou de multiplicidade - o puro Eu dos Adwaitins [3], o
inativo Brahman, o transcendente Silêncio. E a Mente, quando passa por estes portões
repentinamente, sem transições intermediárias, recebe um senso de irrealidade do
mundo e da única realidade do Silêncio, que é uma das mais poderosas e convincentes
experiências das quais é capaz a mente humana. Aqui, na percepção desse puro Eu ou
do Não-Ser por trás dele, temos o ponto de partida para a segunda negação ― paralela,
no outro pólo, ao materialista, porém mais completa, mais definitiva, mais perigosa em
seus efeitos sobre os indivíduos ou coletividades que ouvem seu poderoso chamado para
o deserto — a renúncia do asceta.

É essa a revolta do Espírito contra a Matéria que, por dois mil anos — desde o Budismo
perturbou o equilíbrio do velho mundo ariano — dominou crescentemente a mente
indiana. Não que o senso da ilusão cósmica seja o total do pensamento indiano; há
outras afirmações filosóficas, outras aspirações religiosas. Tampouco um ajuste entre os
dois termos foi tentado mesmo pelas filosofias mais radicais. Mas todos viveram na
sombra da grande Renúncia e do término da vida, pois essa é a atitude do asceta. A
concepção da vida foi impregnada com a teoria budista da cadeia do karma e com a
conseguinte antinomia da escravidão e liberação, escravidão por nascimento, liberação
por cessação do nascimento. Por isso, todas as vozes se juntaram num grande consenso:
não é neste mundo de dualidades que acontecerá o nosso reinado celestial, senão no
mais além, nas beatitudes do eterno Vrindavan [4] ou na superior bem-aventurança de
Brahmaloka [5], além de todas as manifestações nalgum inefável Nirvana [6], ou onde
toda a experiência individual se perde na indistinta unidade da Existência indefinível. E
por muitos séculos, um grande exército de brilhantes testemunhas, santos e mestres,
nomes sagrados para a memória da Índia e dominantes na imaginação indiana,
mantiveram sempre o mesmo testemunho e acrescentaram sempre o mesmo sublime e
distante apelo - renúncia como o único caminho para o conhecimento, a aceitação da
vida física seria o ato do ignorante, a cessação dos nascimentos como o uso correto do
nascimento humano, o chamado ao Espírito, o recuo em relação à Matéria.

Para uma era isenta de simpatia para com o espírito ascético — e através de todo o
resto do mundo, a hora do Anacoreta (religioso que vive em solidão) parece ter passado
ou está passando ―é fácil atribuir esta grande tendência à falta de energia vital numa
antiga raça esgotada em razão de seu fardo, sua vasta contribuição ao avanço comum;
exausta por sua multifacetada contribuição ao conjunto do esforço humano e ao
humano conhecimento. Mas vimos que isto corresponde a uma verdade na existência,
um estado de realização consciente que se encontra no verdadeiro ápice de nossas
possibilidades. Na prática, também o espírito ascético é um elemento indispensável da
perfeição humana, e não se pode evitar até mesmo a sua afirmação isolada até que a
espécie tenha, por outro lado, liberado seu intelecto e seus hábitos vitais da sujeição a
um sempre insistente animalismo.

Buscamos, na verdade, uma afirmação maior e mais completa. Percebemos, que no


ideal ascético indiano, a grande fórmula Vedântica, “Um sem um segundo”, não foi
suficientemente lida à luz daquela outra fórmula igualmente imperativa: “Tudo isso é o
Brahman". A aspiração apaixonada do homem em direção ao Divino não foi
suficientemente relacionada com o movimento descendente do Divino, inclinando-se
para baixo para abraçar eternamente Sua manifestação. Seu significado na Matéria não
foi suficientemente compreendido, como Sua verdade no Espírito. A Realidade que o
Sannyasin (Asceta) busca foi captada em sua plena elevação, mas não, como dizem os
antigos Vedantas, mas não em sua completa extensão e compreensão. Mas, em nossa
afirmação mais completa não devemos minimizar a parte que ocupa o puro impulso
espiritual. Vimos em que grande proporção o Materialismo serviu aos fins do Divino;
assim, devemos reconhecer os serviços ainda maiores, rendidos pelo Ascetismo à Vida.
Devemos preservar as verdades da Ciência material e suas reais utilidades na harmonia
final, mesmo se muitas ou se todas as formas existentes tiverem que ser quebradas ou
abandonadas. Um escrúpulo ainda maior de correta conservação deve guiar-nos em
nosso trato com o legado - na realidade diminuído ou depreciado - do passado Ariano.

[1] Versos 2, 7.

[2] Súksma indriya, órgãos sutis, existentes no corpo sutil (súksma deha) e o meio da
visão e experiência sutis (súksma drsti).

[3 ] Os Monistas Vedânticos.

[4] Goloka, o céu dos Vaishnavas, da Beleza e Bem-aventurança eternas.

[5] O supremo estado da existencia, consciência e beatitude puras, alcançável pela alma
sem a completa extinção no Indefinível.
[6] Extinção, não necessariamente de todo o ser, senão do ser tal qual o conhecemos;
extinção do ego, do desejo, e da ação e mentalidade egoísta.

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Capítulo IV

A REALIDADE ONIPRESENTE

“Se O conhecemos como Brahman, o Não-Ser, ele se torna não-existente. Se


conhecemos que Brahman É, então Ele é conhecido como o real na existência.”

Taittiriya Upanishad [1]

Então, posto que admitimos tanto o clamor do Espírito puro manifestando em nós sua
absoluta liberdade, como o clamor da Matéria universal por ser o molde e a condição de
nossa manifestação, devemos encontrar uma verdade que possa
reconciliar inteiramente estes antagonistas e proceda a ambos sua porção merecida na
Vida e sua merecida justificação no Pensamento, sem privar-lhes de nenhum de seus
direitos, sem negar a soberana verdade da qual mesmo seus erros, mesmo a
exclusividade de seus exageros extraem uma força tão constante. Pois, onde quer que
haja uma afirmação extrema que faça tão poderoso apelo à mente humana, podemos
estar certos de que estamos em presença não de um mero erro, superstição ou
alucinação, mas de um fato soberano, disfarçado, que exige nossa fidelidade e se vingará
se for negado ou excluído. Aqui reside a dificuldade de uma solução satisfatória e a
fonte dessa carência de finalidade que persegue todos os compromissos entre Espírito e
Matéria. Um compromisso é um negócio, uma transação de interesses entre dois
poderes em conflito; não é uma verdadeira reconciliação. A verdadeira reconciliação
procede sempre pela compreensão mútua que conduz a uma espécie de íntima unidade.
Por isso, é através da máxima unificação possível entre Espírito e Matéria que melhor
chegaremos a sua reconciliável verdade, e assim, a uma base mais forte para uma
prática reconciliatória entre a vida interior do indivíduo e sua existência externa.

Já descobrimos que, na consciência cósmica, há uma ponte de encontro onde a Matéria


se torna real para o Espírito, e o Espírito se torna real para a Matéria. Pois, na
consciência cósmica, Vida e Mente são intermediários e não mais, como na egoística
mentalidade ordinária, agentes de separação, fomentadores de uma querela artificial
entre os princípios positivo e negativo da mesma Realidade incognoscível. Alcançando a
Mente da consciência cósmica, iluminada por um conhecimento que percebe de
imediato a verdade da Unidade e a verdade da Multiplicidade e apreende as fórmulas
de sua interação, ela encontra suas próprias discordâncias imediatamente explicadas e
reconciliadas pela divina Harmonia; satisfeita, consente em converter-se no agente
dessa suprema união entre Deus e a Vida, para a qual tendemos. A Matéria se revela
para o pensamento realizador e para os sentidos sutilizados como figura e corpo do
Espírito - o Espírito em sua extensão autoformadora. O Espírito se revela através dos
mesmos agentes de consentimento que a alma, a verdade, a essência da Matéria. Ambos
se admitem e se confessam mutuamente divinos, reais e essencialmente unos. A Mente e
a Vida são reveladas nessa iluminação como, imediatamente, figuras e instrumentos do
supremo Ser Consciente, através do qual Ele Se estende e Se aloja na forma material, e
nessa forma Se revela a para os Seus múltiplos centros de consciência. A Mente atinge
sua autorrealização quando se converte em puro espelho da Verdade do Ser, que se
expressa a Si mesmo nos símbolos do universo; e a Vida, quando esta conscientemente
empresta suas energias à perfeita autofiguração do Divino em formas e atividades
sempre novas da existência universal.

Na luz desta concepção, podemos perceber a possibilidade de uma vida divina para o
homem no mundo, que irá de imediato justificar a Ciência, revelando um sentido e uma
meta inteligível para a evolução cósmica e terrestre, e irá realizar, pela transfiguração
da alma humana em divina, o grande sonho ideal de todas as religiões elevadas.

E o que dizer desse silencioso Eu, inativo, puro, autoexistente, autossatisfeito, que se
apresente a nós como a permanente justificação do asceta? Aqui também a harmonia, e
não a oposição irreconciliável, deve ser a verdade iluminadora. O silencioso e ativo
Brahman não são entidades diferentes, opostas e irreconciliáveis, uma negando, a outra
afirmando a ilusão cósmica; eles são dois aspectos do mesmo Brahman, o positivo e o
negativo, e cada um é necessário ao outro. É fora do Silêncio que a Palavra que cria os
mundos sempre atua; pois a Palavra expressa aquilo que está semiescondido no
Silêncio. É a eterna passividade que torna possível a perfeita liberdade e a onipotência
de uma eterna atividade divina em inúmeros sistemas cósmicos. Pois as derivações dessa
atividade obtêm suas energias e seu ilimitável poder de variação e harmonia, do
imparcial sustentáculo do Ser imutável, de seu consentimento a esta infinita
fecundidade de sua própria dinâmica Natureza.

Também o homem só se torna perfeito quando encontrou dentro de si aquela absoluta


calma e passividade do Brahman, e mantém através dela com a mesma divina
tolerância e a mesma divina beatitude, uma atividade livre e inextinguível. Assim,
aqueles que possuem a Calma dentro de si podem sempre perceber, emanando de seu
silêncio o perene suprimento de energias que trabalham no universo. Por isso, não é,
por assim dizer, a verdade do Silêncio que é, por natureza, a rejeição da atividade
cósmica. A aparente incompatibilidade dos dois estados é um erro da Mente limitada,
que, acostumada a vigorosas oposições de afirmação e negação e passando
repentinamente de um pólo ao outro, é incapaz de conceber uma consciência
compreensiva, vasta e forte o suficiente para incluir ambos num simultâneo abraço. O
Silêncio não rejeita o mundo, o Sustenta. Ou melhor, ele suporta com igual
imparcialidade à atividade e a retirada da atividade, e aprova também a reconciliação
da qual a alma permanece livre e calma, mesmo quando se entrega a toda ação.

Mais há ainda a retirada absoluta, há o Não-Ser. Do Não-Ser, diz a antiga Escritura,


surgiu o Ser [2]. Daí este último irá, com certeza mergulhar novamente no Não-Ser. Se a
infinita e indiscriminada Existência permite todas as possibilidades de discriminação e
de múltipla realização, não é verdade que o Não-Ser, ao menos como estado primário e
única realidade constante, nega e rejeita toda possibilidade de um universo real? O
Nihil de certas escolas budistas seria, então, a verdadeira solução ascética; o Eu, como o
Ego, seria apenas uma formação ideativa concebida por uma ilusória consciência
fenomênica.

Mas novamente verificamos que estamos sendo iludidos por palavras, enganados pelas
vigorosas oposições de nossa mentalidade limitada, com sua tendência a confiar em
distinções verbais, como se elas representassem perfeitamente verdades básicas, e na
interpretação de nossas experiências supramentais nos termos dessas intolerantes
distinções. Não-Ser é apenas uma palavra. Quando examinamos o fato que ela
representa, já não estamos mais seguros de que a não-existência absoluta tenha
qualquer chance, assim como o infinito Eu, significar, com esse Nada, algo além do
último termo ao qual podemos reduzir nossa mais pura concepção e nossa mais abstrata
ou sutil experiência de ser real como o conhecemos enquanto neste universo. Esse Nada,
então, é alguma coisa além da concepção positiva. Erigimos uma ficção do nada com o
intuito de ultrapassar, pelo método da exclusão total, tudo o que podemos conhecer e
que conscientemente somos. Na realidade, quando examinamos de perto ao Nihil de
certas filosofias, começamos a perceber que ele é um zero que é Tudo ou um indefinível
Infinito que aparece, à mente, como um vazio, pois a mente só capta construções finitas,
mas ele, de fato, a única Existência verdadeira [3] .

E quando dizemos que do Não-Ser surgiu o Ser, percebemos que estamos falando em
termos de Tempo, sobre algo que está além do Tempo. Pois o que era aquela portentosa
data na história do eterno Nada em que o Ser nasceu dele, ou quando virá essa data
igualmente formidável em que um irreal tudo irá recair no eterno vazio? Sat e Asat, se
ambos têm de ser afirmados, devem conceber-se como obtidos simultaneamente. Eles
permitem um ao outro, mesmo se recusam misturar-se. Ambos, já que devemos falar
em termos de Tempo, são eternos. E quem irá persuadir o Ser eterno de que ele não
existe e que só o eterno Não-Ser eterno?

O puro Ser é a afirmação, pelo Incognoscível, de Si mesmo como base livre de toda
existência cósmica. Damos o nome de Não-Ser a uma afirmação contrária de Sua
liberdade em relação a toda existência cósmica - liberdade, quer dizer, em relação a
todos os termos positivos da existência real nos quais a consciência pode formular-se no
universo, inclusive o mais abstrato e o mais transcendente. Não os nega como real
expressão de Si mesmo, mas nega Sua limitação mediante todo ou qualquer tipo de
expressão. O Não-Ser permite o Ser, bem como o Silêncio permite a Atividade. Através
dessa negação e afirmação simultâneas, que não são mutuamente destrutivas, mas sim
complementares como todos os contrários, uma à outra como todos os contrários, a
simultânea compreensão do auto-Ser como uma realidade e do Incognoscível, que está
além, como a mesma Realidade, torna-se possível para alma humana desperta. Assim é
que foi possível para Buda atingir o estado do Nirvana e atuar poderosamente no
mundo, impessoal em sua consciência interna, em sua ação a mais poderosa
personalidade que sabemos ter vivido e produzido resultados sobre a Terra.

Quando ponderamos sobre essas coisas, começamos a perceber quão débeis, em sua
violência auto-afirmativa, e quão confusa, em sua enganosa diferenciação, são as
palavras que usamos. Começamos também a perceber, que as limitações que impomos
ao Brahman surgem de uma estreiteza de experiência da mente individual, que se
concentra em um só aspecto do Incognoscível e age diretamente no sentido de negar ou
denegrir todo o resto. Também tendemos a traduzir demasiado rigidamente o que
concebemos ou sabemos do Absoluto, nos termos de nossa própria e particular
relatividade. Afirmamos o Único e Idêntico discriminando apaixonadamente e fazendo
valer o egoísmo de nossas próprias opiniões e experiências parciais contra as opiniões e
experiências parciais de outros. É mais prudente esperar, aprender, crescer, e, já que
somos obrigados, em atenção à nossa auto-perfeição, a falar destas coisas que a fala
humana não pode expressar, buscar a mais ampla, a mais universal afirmação possível,
e estabelecer com ela a máxima e mais compreensiva harmonia.

Reconhecemos, então, que é possível para a consciência do indivíduo entrar num estado
em que a existência relativa parece dissolver-se e mesmo o Eu parece ser uma concepção
inadequada. É possível tombar num Silêncio além do Silêncio. Mas isto não é a
totalidade de nossa experiência definitiva, nem a simples e totalmente excludente
verdade. Pois descobrimos que este Nirvana, essa auto-extinção, ao mesmo tempo que
concede paz absoluta e liberdade à alma, no seu interior, consiste, na prática, em uma
ação isenta mais efetiva. Essa possibilidade de uma impessoalidade inteiramente imóvel
e de uma Calma vazia o interior, realizando exteriormente o trabalho das verdades
eternas - Amor, Verdade e Retidão - foi talvez a real essência da doutrina de Buda - essa
superioridade com respeito ao ego e à cadeia de trabalhos pessoais e à identificação com
a forma mutável e a idéia, e não o insignificante ideal do escape à aflição e ao sofrimento
do nascimento físico. Em todo caso, como o homem perfeito combinaria em si o silêncio
e a atividade, assim também a alma completamente consciente voltaria a alcançar a
absoluta liberdade do Não-Ser sem por isso perder seu poder sobre a Existência e o
universo. Assim ela reproduziria em si mesma, perpetuamente, o eterno milagre da
divina Existência no universo, porém indo além dele e até mesmo - como se estivesse -
além de si mesma. A experiência oposta só poderia ser uma concentração da
mentalidade do indivíduo sobre a Não-existência, e o resultado seria um esquecimento a
retirada pessoal da atividade cósmica, ainda e sempre agindo na consciência do Ser
Eterno.

Assim, após reconciliar Espírito e Matéria na consciência cósmica, percebemos a


reconciliação, na consciência transcendental, da afirmação final de tudo e de sua
negação. Descobrimos que todas as afirmações são declarações de status ou de atividade
no Incognoscível; todas as negações correspondentes são declarações de Sua liberdade,
a partir desse ou nesse status ou atividade. O Incognoscível é Algo para nós supremo,
maravilhoso e inefável que Se formula continuamente à nossa consciência e
continuamente escapa da formulação que fez. Não faz isso como algum espírito
malicioso ou um caprichoso mago, conduzindo-nos de uma falsidade a uma falsidade
maior, e então, uma negação de todas as cosas, mas sim como o Sábio que está além de
nossa sabedoria, guiando-nos da realidade para uma sempre mais profunda e mais
vasta realidade, até que encontremos a mais profunda e vasta de que somos capazes. O
Brahman é uma realidade onipresente, não a causa onipresente de ilusões persistentes.

Se dessa forma aceitamos uma base positiva para nossa harmonia - e em que outra
harmonia poderia ser fundada?— As diversas formulações conceituais do
Incognoscível, cada uma representando uma verdade além do conceito, devem ser
compreendidas, na medida do possível, em sua relação mútua e em seu efeito sobre a
vida, não em separado, não exclusivamente, não formuladas para destruir ou minimizar
indevidamente todas as outras afirmações. O Monismo real, o verdadeiro Adwaita, é
aquele que admite todas as coisas como o uno Brahman e não procura dividir Sua
existência em duas entidades incompatíveis, uma eterna Verdade e uma eterna
Falsidade, Brahman e Não-Brahman, Eu e Não-Eu, um Eu real e um irreal porém
perpétua Maya. Se, é verdade que o Eu isolado existe, também deve ser verdade que
tudo é o Eu. E se esse Eu, Deus ou Brahman não é um estado de desamparo, um poder
amarrado, uma personalidade limitada, sendo o Todo autoconsciente, deve haver
alguma boa e inerente razão para a manifestação, e para descobri-la devemos
prosseguir na hipótese de alguma potência, alguma sabedoria, alguma verdade do ser
em tudo que se manifesta. A discórdia e o aparente mal do mundo devem ser admitidos
em sua esfera, mas não aceitos como nossos conquistadores. O mais profundo instinto
da humanidade busca sempre, e sabiamente, a sabedoria como a última palavra da
manifestação universal, não uma eterna zombaria e uma ilusão - um secreto e
finalmente triunfante bem, não um mal todo-criador e invencível - uma vitória
definitiva e a realização, não o recuo desapontado da alma frente a sua grande
aventura.

Pois não podemos supor que a Entidade isolada é compelida por algo fora dela ou outro
que não Ela, porque tal coisa inexiste. Tampouco podemos supor que Ela se submete
contra a vontade a algo parcial, dentro de si, que é hostil a seu Ser inteiro, negado por
Ela e demasiado forte para Ela; pois isto só serviria para criar, em outra linguagem, a
mesma contradição de um Todo e algo diferente do Todo. Mesmo se afirmamos que o
universo só existe porque o Eu em sua absoluta imparcialidade, tolera todas as coisas
sem distinção, encarando com indiferença todas as realidades e todas as possibilidades,
há, no entanto, alguma coisa que quer a manifestação e a mantém, e por isso só pode ser
o Todo. Brahman é indivisível em todas as coisas, e, o que quer que tenha sido desejado
no mundo, foi desejado definitivamente por Brahman. É apenas nossa consciência
relativa, que, alarmada ou frustrada pelos fenômenos do mal, da ignorância e da dor no
cosmos, procura livrar o Brahman da responsabilidade por Si e por suas obras criando
algum princípio oposto, Maya ou Mara, o mal consciente ou auto-existente princípio do
mal. Só existe um Senhor e Eu; os muitos são apenas Suas representações e derivações.

Se, então, o mundo é um sonho, uma ilusão ou um erro, é um sonho originado e


desejado pelo Eu em sua totalidade, e não apenas originado e desejado, mas sustentado
e perpetuamente acolhido. Além disso, é um sonho existindo na Realidade, e o material
de que é feito é essa Realidade; pois Brahman deve ser o material do mundo bem como
sua base continente. Se o ouro de que o vaso é feito é real, como podemos pensar que o
vaso é uma miragem? Vemos que essas palavras, vaso, sonho, ilusão, são truques de
linguagem, hábitos de nossa consciência relativa; eles representam certa verdade, até
mesmo uma grande verdade, mas eles também a deturpam. Exatamente como o Não-
Ser se transforma na mera nulidade, assim o Sonho cósmico se transforma em outra
coisa que não um mero fantasma ou alucinação da mente. O Fenômeno não é um
fantasma; o Fenômeno é a forma substancial de uma Verdade.

Começamos, então, com a concepção de uma Realidade onipresente da qual nem o Não-
Ser de um lado, nem o universo do outro, são negações que anulam; eles são ao invés
disso, diferentes estados da Realidade, afirmações de verso e reverso. A mais elevada
experiência desta Realidade no universo mostra que ela não é apenas uma Existência
consciente, mas também uma Inteligência e Forças supremas, e uma Bem-Aventurança
auto-existente. Por isso, estamos certos em supor que, mesmo as dualidades do universo,
quando interpretadas, não como agora, por nossos conceitos sensórias e parciais, mas
por nossa inteligência e experiência liberadas, serão também resolvidas nesses termos
elevados. Enquanto ainda trabalharmos sob a tensão da dualidade, essa percepção
deverá, sem dúvida, basear-se num ato de fé, mas uma fé que a mais elevada Razão e a
mais ampla e mais paciente reflexão não negam, antes afirmam. Na realidade essa
crença é dada à humanidade para apoiá-la em sua jornada, até que ela chegue à um
estágio de desenvolvimento em que a fé se transformará em conhecimento e a perfeita
experiência e a Sabedoria verão suas obras justificadas.

[1] II, 6.

[2] No começo tudo era o Não-Ser. Foi então que o Ser nasceu. Taittiriya Upanishad, II,
7.

[3] Outro Upanishad rejeita o nascimento do Ser a partir do Não-Ser como uma
impossibilidade; o Ser, diz ele, só pode nascer do Ser. Mas se tomamos o Não-Ser no
sentido, não de um inexistente Nihil mas de um x que supera a nossa idéia de
experiência da existência, - sentido este aplicável ao Brahman absoluto do Adwaita bem
como ao vazio ou zero dos Budistas—a impossibilidade desaparece, pois Aquilo pode
muito bem ser a fonte do ser, seja por uma conceitual ou formativa Maya, seja como
uma manifestação ou criação a partir de si mesmo.

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Capítulo V

O DESTINO DO INDIVÍDUO

“Pela Ignorância eles passam pela Morte e pelo Conhecimento desfrutam da


Imortalidade... Pelo Não-Nascimento eles passam pela Morte e pelo Nascimento
eles desfrutam da Imortalidade.”

Isha Upanishad [1]

Uma Realidade Onipresente é a verdade de toda a vida e existência, absoluta ou


relativa, animada ou inanimada, inteligente ou não-inteligente; e em todas as suas
infinitamente variadas e constantemente opostas autoexpressões, desde as contradições
mais próximas à nossa experiência ordinária até aquelas remotas antinomias que se
perdem nas bordas do Inefável, a Realidade é uma, e não uma soma ou concurso. Disso
todas as variações partem, nisso todas as variações consistem e, para isso todas elas
retornam. Todas as afirmações são negadas apenas para levar a uma afirmação mais
ampla da mesma Realidade. Todas as antinomias se confrontam para reconhecer uma
Verdade em seus aspectos opostos e abraçar, por meio do conflito, sua mútua Unidade.
Brahman é o Alfa e Ômega. Brahman é o Uno além do qual não há mais nada existente.

Mas esta unidade é, por natureza, indefinível. Quando procuramos enxergá-la com a
mente, somos compelidos a proceder através de uma infinita série de conceitos e
experiências. E, no entanto, no final, vemo-nos obrigados a negar nossos mais amplos
conceitos, nossas experiências mais abrangentes, para afirmar que a Realidade excede
todas as definições. Chegamos à fórmula dos Sábios védicos, net neti: "Ela não é isto,
Ela não é aquilo", não há experiência pela qual possamos delimitá-la, não há conceito
pelo qual, Ela possa ser definida.

Um Incognoscível que nos aparece em muitos estados e atributos do ser, em muitas


formas de consciência, em muitas atividades de energia, isso é o que a Mente pode dizer,
definitivamente, sobre a existência que nós mesmos somos e que vemos em tudo o que é
apresentado aos nossos pensamentos e sentidos. É neles e através desses estados, essas
formas, essas atividades, que temos que abordar e conhecer o Incognoscível. Mas, se em
nossa pressa de chegar a uma Unidade que nossa mente possa segurar e possuir, se em
nossa insistência em confinar o Infinito ao nosso abraço, identificamos a Realidade com
qualquer estado definível do ser embora puro e eterno, com qualquer atributo
particular embora geral e abrangente, com qualquer formulação fixa de consciência
embora vasta em seu escopo, com qualquer energia ou atividade cuja aplicação seja
ilimitada, e excluímos todo o resto, então nossos pensamentos pecarão contra Sua
incognoscibilidade e atingirão, não uma verdadeira unidade, mas uma divisão do
Indivisível.

Tão fortemente era essa verdade percebida nos antigos tempos, que os Videntes
Vedânticos, mesmo após chegar à idéia coroadora, a convincente experiência de
Satchitananda que seria a mais elevada experiência positiva da Realidade, para nossa
consciência, erigiram em suas especulações, ou atingiram em suas percepções, um Asat,
um Não-Ser além, que não é a existência definitiva, a pura consciência, a infinita bem-
aventurança da qual todas as nossas experiências são a expressão ou a deformação. Se
for uma existência, uma consciência, uma bem-aventurança, então está além da mais
alta e mais pura forma positiva dessas coisas que aqui podemos possuir, e é por isso
outra coisa, diferente daquilo que aqui conhecemos por esses nomes. O budismo,
considerado pelos teólogos, um tanto arbitrariamente, uma doutrina não-Védica porque
rejeita a autoridade das Escrituras, retorna, porém, esta concepção essencialmente
vedântica. Apenas a doutrina sintética e positiva dos Upanishads contemplava Sat e
Asat (Ser e Não-Ser) não como opostos destruidores um do outro, mas como a última
antinomia através da qual admiramos o Incognoscível. E nas transações de nossa
consciência positiva, até mesmo a Unidade tem de levar em conta com a Multiplicidade,
pois os Muitos também são Brahman. É através de Vidiya, o conhecimento da Unidade,
que conhecemos a Deus; sem ele Avidya, a consciência relativa e múltipla, é uma noite
de escuridão e uma desordem de Ignorância. Porém, se excluímos o espaço dessa
Ignorância, se nos livramos de Avidya como se ela fosse algo inexistente e irreal, então o
próprio Conhecimento se torna uma espécie de obscuridade e uma fonte de imperfeição.
Tornamo-nos como homens ofuscados pela luz de tal forma, que não podemos ver o
espaço que essa luz ilumina.

Tal é a doutrina, calma, sábia e clara, dos nossos mais antigos mestres. Eles tinham a
paciência e a força para encontrar e para saber; tinham também a clareza e humildade
para admitir a limitação do nosso conhecimento. Percebiam as fronteiras que ele tem de
passar para ir além de si mesmo. Ele era uma impaciência posterior de coração e mente,
atração veemente por uma bem-aventurança definitiva ou pelo alto império da pura
experiência e uma inteligência aguda, que buscava o Uno para negar os Muitos, e
porque tinha recebido o sopro das alturas, desprezado ou renegado pelo segredo das
profundezas. Mas o olho firme da sabedoria antiga percebeu que, para conhecer
realmente Deus, deve-se conhecê-lo em todo lugar igualmente e sem distinção,
considerando e valorizando, porém não dominado pelas oposições através das quais Ele
brilha.

Poremos de lado, então, as sutis distinções de uma lógica parcial que afirma que, porque
o Uno é a realidade, os Muitos são uma ilusão, e porque o Absoluto é Sat, a existência
una, o relativo é Asat e não-existente. Se nos Muitos perseguimos insistentemente o Uno,
é para retornar com a benção e a revelação do Uno confirmando-se nos Muitos.

Acautelemo-nos também contra a excessiva importância que a mente atribui a


conclusões particulares, as quais ela chega em suas mais poderosas expansões e
transições. A percepção, que tem a mente espiritualizada, de que o universo é um sonho
irreal não tem valor mais absoluto, para nós, do que a percepção, pela mente
materializada, de que Deus e o Além são uma idéia ilusória. Num caso, a mente,
habituada apenas à evidência dos sentidos e associando a realidade ao fato corpóreo,
está desacostumada a usar outros meios de conhecimento, ou é incapaz de estender a
noção de realidade a uma experiência suprafísica. No outro caso, a mesma mente, indo
além da esmagadora experiência de uma realidade incorpórea, simplesmente transfere
a mesma inabilidade e a mesma conseqüente sensação de sonho ou alucinação para a
experiência dos sentidos. Mas nós percebemos também a verdade que essas duas
concepções desfiguram. É verdade que, neste mundo de formas, no qual somos
colocados para a nossa autorrealização, nada é inteiramente válido até que tenha
tomado posse de nossa consciência física, e se manifestado nos mais baixos níveis em
harmonia com a sua manifestação nos mais altos cumes. É também verdade que a
forma e a matéria, afirmando-se como uma realidade auto-existente, são uma ilusão da
Ignorância. A forma e a matéria são válidas somente como forma e substância da
manifestação do incorpóreo e imaterial. São, por natureza própria, um ato da
consciência divina, tem como objetivo a representação de um estado do Espírito.

Em outras palavras, se Brahman entrou na forma e representou Seu ser na substância


material, só pode ser para usufruir da automanifestação nas formas da consciência
relativa e fenomênica. Brahman está neste mundo para representar a Si mesmo nos
valores da Vida. A Vida existe em Brahman para descobrir o Brahman em si mesma.
Por isso, a importância do homem no mundo é que ele permite a ela esse
desenvolvimento de consciência no qual a sua transfiguração através de uma perfeita
autodescoberta se torna possível. Realizar Deus na vida é a humanidade do homem. Ele
começa pela vitalidade animal e suas atividades, mas seu objetivo é uma existência
divina.

Mas no Pensamento como na Vida, a verdadeira regra da autorrealização é uma


compreensão progressiva. Brahman Se expressa em muitas sucessivas formas de
consciência, sucessivas em sua relação, mesmo se forem coexistentes no ser e coesas no
Tempo, e a Vida, no seu autodesdobrar-se, pode também desenvolver sempre-novos
ramos de seu próprio Ser. No entanto, se, passando de um ao outro domínio,
renunciamos ao que já nos foi dado pela ânsia de nossa próxima realização; se,
alcançando a vida mental, abandonamos ou minimizamos a vida física que é a nossa
base, ou se rejeitamos o mental e o físico, em nossa atração pelo espiritual, não
realizamos a Deus integralmente, nem satisfazemos as condições de Sua
automanifestação. Não nos tornamos perfeitos, mas apenas trocamos o campo de nossa
imperfeição, ou ao menos atingimos uma altitude limitada. Mesmo que subamos alto,
mesmo até o próprio Não-Ser, subimos mal se esquecermos a nossa base. Não abandoar
o ínfimo deixando a si mesmo, mas transfigurá-lo à luz do supremo que já atingimos, é a
verdadeira divindade da natureza. Brahman é integral e unifica muitos estados de
consciência a um mesmo tempo; nós também, manifestando a natureza de Brahman,
devemos tornar-nos integrais e todo-abragentes.

Além da renúncia à vida física, há outro exagero do impulso ascético que esse ideal, de
uma manifestação integral, corrige. A complexidade da Vida é a relação entre três
formas gerais de consciência: a individual, a universal e a transcendente ou supra-
cósmica. Na distribuição ordinária das atividades vitais, o indivíduo se vê como um ser
separado incluído no universo, e ambos, como dependentes daquilo que transcende
tanto o universo como o indivíduo. É a essa Transcendência que damos usualmente o
nome de Deus, que, assim, torna-se, para nossa concepção, não tanto supracósmico
como extracósmico. A minimização como a degradação tanto do indivíduo como do
Universo são a consequência natural dessa separação: a cessação tanto do cosmos como
do indivíduo pela obtenção da Transcendência seria então a suprema conclusão lógica.

A visão natural da unidade do Brahman evita essas consequências. Assim como não
precisamos abandonar a vida corporal para alcançar o mental e o espiritual, também
podemos chegar a um ponto-de-vista em que a preservação das atividades individuais
não é mais incompatível com a nossa compreensão da consciência cósmica ou a
obtenção, por nós do transcendental ou supracósmico. Pois o Mundo-Transcendente
abarca o Universo, é uno com ele e não o exclui, assim como o Universo abarca o
indivíduo, é uno com ele e não o exclui. O indivíduo é o centro de toda a consciência
universal; o Universo é uma forma e definição que é ocupado pela inteira imanência do
Informe e Indefinível.

Esta é sempre a verdadeira relação, velada a nós por nossa ignorância ou nossa
consciência errada das coisas. Quando alcançamos o conhecimento ou a consciência
certa, nada essencial na eterna relação é mudado, mas apenas a visão interna e a visão
externa a partir do centro individual são profundamente modificadas, e,
consequentemente, também o espírito e o efeito de sua atividade. O indivíduo ainda é
necessário para a ação do Transcendente no universo, e essa ação nele não cessa de ser
possível por sua iluminação. Ao contrário, como a manifestação consciente do
Transcendente no indivíduo é o meio pelo qual o coletivo, o universal também se
tornará consciente de si mesmo, a continuação da ação do indivíduo iluminado no
mundo é uma necessidade imperativa do jogo-do-mundo. Se a sua inexorável remoção
através do próprio ato de iluminação for a lei, então o mundo está condenado a
permanecer eternamente o cenário de uma irredimida escuridão, de morte e sofrimento.
E tal mundo só poderá ser um implacável ordálio ou uma ilusão mecânica.

É assim que a filosofia ascética tende a concebê-lo. Mas a salvação individual pode não
ter real sentido se a existência no cosmos é ela mesma uma ilusão. Na visão Monística, a
alma individual é una com o Supremo e a sensação de desligamento é uma ignorância, a
fuga da sensação de desligamento e a identidade com o Supremo é a sua salvação. Mas
quem, tira proveito dessa fuga? Não o Eu supremo, pois este é considerado sempre e
inalienavelmente livre, calmo, silencioso e puro. Não o mundo, pois esse permanece
constantemente na escravidão e não é libertado pela fuga de nenhuma alma individual
da Ilusão universal. É a própria alma individual que realiza seu bem supremo
escapando à tristeza e à divisão na paz e a bem-aventurança. Parece haver, então, algum
tipo de realidade da alma individual, distinta do mundo e do Supremo, até mesmo no
caso da liberdade e da iluminação. Mas para o Ilusionista, a alma individual é uma
ilusão e é inexistente, exceto no inexplicável mistério de Maya. Então, chegamos à idéia
da fuga de uma ilusória, inexistente alma, de uma ilusória, inexistente escravidão, num
ilusório, inexistente mundo, como o supremo bem que essa alma inexistente tem de
alcançar! Pois essa é a última palavra do Conhecimento. “Não há grilhão, não há
ninguém libertado, ninguém tentando ser livre”. Vidya se transforma numa parte do
Fenomêno tal qual Avidya; Maya encontra-nos mesmo em nossa fuga e ri da lógica
triunfante que parece cortar o nó de seu mistério.

Essas coisas, dizem, não podem ser explicadas; são o milagre primeiro e insolúvel. São,
para nós, um fato consumado e têm de ser aceitas. Temos de escapar de uma confusão
através de outra confusão. A alma individual só pode cortar o nó egoico por um ato de
supremo egoísmo, um apego exclusivo à salvação individual que equivale a uma
afirmação absoluta de sua existência separada em Maya. Somos levados a ver as outras
almas como se fossem invenções da nossa mente, e como se sua salvação não tivesse
importância, e a nossa alma, unicamente, como inteiramente real, e a sua salvação, a
única coisa que importa. Eu vejo minha fuga pessoal da escravidão como algo real
enquanto as outras almas, que são igualmente eu mesmo, permanecem atrás, na
escravidão!

Só quando abandonamos todas as antinomias inconciliáveis entre o Eu e o mundo é que


as coisas vão para os seus lugares, por uma lógica menos paradoxal. Devemos aceitar a
multiplicidade de lados da manifestação mesmo quando afirmamos a unidade do
Manifestado. E não é assim, após toda a verdade que nos persegue, onde quer que
lancemos os olhos, a menos que optemos por não ver? Não é assim, após todo, o mistério
perfeitamente natural e simples do Ser Consciente, que ele não é preso nem por sua
unidade nem por sua multiplicidade? Ele é “absoluto”, no sentido de ser inteiramente
livre para incluir e organizar a seu modo todos os possíveis termos de sua
autoexpressão. Não há nenhum grilhão, nenhum liberto, ninguém tentando ser livre-
para sempre, Aquilo é a perfeita liberdade. É tão livre, que não está preso nem por sua
liberdade. Ele pode brincar de ser escravo sem incorrer na real escravidão. Sua
corrente é uma convenção autoimposta; sua limitação dentro do ego, um dispositivo de
transição que ele usa para repetir sua transcendência e sua universalidade dentro do
esquema do Brahman individual.

O Transcendente, o Supracósmico é absoluto e livre em si mesmo, está além do Tempo e


do Espaço e além dos opostos conceituais, finito e infinito. Mas no cosmos ele usa sua
liberdade de autoformação, o seu Maya, para fazer um esquema de si mesmo nos
termos complementares unidade e multiplicidade, e essa múltipla unidade, ele
estabelece nestas três condições: subconsciente, consciente e supraconsciente. Pois, na
realidade, vemos que os Muitos, objetivados na forma em nosso universo material,
começam com uma unidade subconsciente que se expressa abertamente na ação e na
substância cósmicas, mas da qual eles não estão superficialmente conscientes. No
consciente, o ego se torna o ponto superficial do qual a consciência da unidade pode
emergir; mas ele aplica sua percepção da unidade à forma e à ação superficial e,
fracassando em perceber tudo o que atua por trás, fracassa também em perceber que
não é em si mesmo, mas sim uno com os outros. Essa limitação do “Eu” universal na
sensação do ego separado constitui a nossa imperfeita personalidade individualizada.
Mas quando o ego transcende a consciência pessoal, começa a incluir e a ser
superpotencializado por aquilo que é para nós a supraconsciência; ele se torna
consciente da unidade cósmica e entra no Eu Transcendente, que aqui o cosmos
expressa como uma múltipla unidade.

A liberação da alma individual é, por isso, a nota-chave da ação divina definida; é a


primeira necessidade divina e o pivô em torno do qual tudo gira. É o ponto de Luz no
qual a pretensa manifestação completa nos Muitos começa a emergir. Mas a alma
liberada estende sua percepção de unidade tanto horizontal quanto verticalmente. Sua
unidade com o transcendente Uno é incompleta, sem a sua unidade com o cósmico
Muitos. E essa unidade lateral traduz-se por uma multiplicação, uma reprodução de seu
próprio estado liberado em outros pontos, na Multiplicidade. A alma divina reproduz-se
em almas liberadas semelhantes como o animal se reproduz em corpos semelhantes. Por
isso, onde quer que uma única alma seja liberada, há a tendência a uma extensão e até
mesmo a uma explosão da mesma divina autoconsciência em outras almas individuais
dotadas de nossa humanidade terrestre e ―quem sabe?— talvez estejam além da nossa
consciência terrestre. Onde devemos fixar o limite dessa extensão? Será totalmente
lendário o fato de que Buda, ao chegar ao limiar do Nirvana, do Não-Ser... sua alma deu
meia-volta e fez o juramento de nunca fazer o cruzamento irrevogável enquanto
houvesse um único ser sobre a Terra que não tivesse sido liberado do nó do sofrimento,
da escravidão do ego?

Porém nós podemos atingir o mais elevado sem sermos eliminados da extensão cósmica.
Brahman preserva sempre Seus dois termos, o de liberdade dentro e o de formação
fora, o de expressão e o de libertação da expressão. Nós também, sendo Aquilo,
podemos atingir a mesma divina autopossessão. A harmonia das duas tendências é a
condição de toda a vida que pretende ser realmente divina. A liberdade buscada pela
exclusão da coisa excedida leva ao caminho da negação, da recusa daquilo que Deus
aceitou. A atividade buscada pela absorção no ato e na energia leva a uma afirmação
inferior e à negação do mais Elevado. O que Deus combina e sintetiza, por que o homem
insiste em separar-se? Ser perfeito como Ele é perfeito é a condição para a Sua
realização integral.

Em Avidya, a Multiplicidade, encontra-se o nosso caminho, livre da autoexpressão


egoísta e transitória, em que a morte e o sofrimento predominam; através de Vidya em
consenso com Avidya, pelo perfeito senso de unidade, mesmo na Multiplicidade,
desfrutamos inteiramente da imortalidade e da beatitude. Alcançando o Não-Nascido
além de todos os que estão por vir, somos liberados deste nascimento inferior e da
morte; aceitando o Vir-a-ser como Divino, invadimos a mortalidade com a imortal
beatitude e tornamo-nos luminosos centros de sua consciente autoexpressão na
humanidade.

[1] Versos 11, 14.


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Capitulo VI

O HOMEM NO UNIVERSO

A Alma do homem, viajante, vaga neste ciclo do Brahman, imensa, uma


totalidade de vidas, uma totalidade de estados, pensando-se diferente do
Impulsionador da viagem. Aceita por Ele, alcança sua meta da
Imortalidade.

Swëtaswatara Upanishad[1]

A progressiva revelação de uma grande, uma transcendente, uma lumi nosa Realidade,
--com as múltiplas relatividades deste mundo que vemos e esses outros mundos que não
vemos como meio e ma terial, condição e campo--, pareceria então ser o significado do
universo, já que tem significado e objetivo e não se trata de uma ilusão sem finalidade
nem de um acidente fortuito. Pois o mesmo ra ciocínio que nos permite concluir que o
mundo-(existente não é uma enganosa armadilha da Mente, igualmente justi fica a
certeza de que não se trata de uma cega e desvalida massa auto-existente de separadas
existências fenomênicas- aderindo-se e lutando entre si, o melhor que podem, em sua
órbita através da eternidade-, nem de uma auto-criação e auto-impulsão tremendas de
uma ignorante Força sem nenhuma Inteligência secreta em sua interior sabedora de seu
ponto de partida e de sua meta, e guiando seu processo e seu movimento. Uma
existência, totalmente auto-conhecedora e, portanto, inteiramente dona de si mesma,
possui ao ser fenomênico no que está envolta, se realiza na forma, se desenvolve no
indivíduo.

Esse Emergir luminoso é o amanhecer que veneraram os ante passados arianos. Sua
cumprida perfeição é o mais alto escalão de Vishnu penetrando-o-mundo, ao que
aqueles contemplaram como se fosse um olho cuja visão se estendesse nos puríssimos
céus da Mente. Pois existe ainda como todo-reveladora e todo-guiadora Verdade das
coisas, que vela sobre o mundo e atrai ao homem mortal, -(primeiro sem o
conhecimento de sua mente consciente, mediante a marcha geral da Natureza, mas ao
final conscientemente através de um despertar e um auto-engrandecimento
progressivos)-, para sua ascensão divina. A ascensão à Vida divina é a viagem humana,
o Trabalho dos trabalhos, o Sacrifício aceitável. Só isto é a tarefa real do homem no
mundo e a justificação de sua existência, sem a qual seria unicamente um inseto
arrastando-se entre outros insetos efêmeros sobre uma superfície insignificante de barro
e água que se formou em meio das aterradoras imensidades do universo físico.

Esta Verdade das coisas que há de emergir das fenomênicas contradições do mundo,
está chamada a ser uma Bem-Aventurança infinita e Existência auto-consciente, a
mesma por toda parte, em todas as coisas, em todos os tempos e mais além do Tempo,
sabedora de sua presença detrás de todos estes fenômenos, por cujas mais intensas
vibrações de atividade ou por cuja grande totalidade, jamais pode expressar-se por
completo, e de nenhum modo resultar limitada pelas mesmas; pois é auto-existente e
para o despertar de seu ser não depende de suas manifestações. Estas a representam
mas não a esgotam; a assinalam, mas não a revelam. Só é revelada a si mesma dentro de
suas formas. A existência consciente involu ída na forma chega, na medida que evolui, a
conhecer-se por intuição, por auto-visão, por auto-experiência. Conhecendo-se, chega a
ser ela mesma no mundo; se conhece a si mesma através do processo de chegar a ser ela
mesma. Dona, dessa maneira, de si mesma interiormente, concede também a suas
formas e modos o consciente deleite de Satchitananda. Este afloramento da infinita
Bem-Aventurança- Existência-Consciência na mente, na vida e no corpo, —pois existe
independente deles eternamente—, é a transfiguração ansiada e a utilidade da
existência individual. Através do indi víduo se manifesta em suas relações assim como
por si mesma existe em identidade.

O Incognoscível que se conhece como Satchitananda é a afirmação suprema do


Vedanta; contém a todas as demais ou melhor, dependem dele. Esta é a única
experiência verdadeira que permanece quando todas as aparências foram consideradas
negativa mente mediante a eliminação de suas formas e coberturas, ou positivamente
pela redução de seus nomes e formas à verdade permanente que contêm. Para o
cumprimento do objetivo da vida ou para a trascendência da vida, -(e resultando ser a
pureza, a calma e a liberdade do espírito nosso objetivo ou impulso, alegria e
perfeição)-, Satchitananda é o desconhecido, onipresente e in dispensável termo pelo
qual a consciência humana, seja com conhecimento e sentimento, seja com sensação e
ação, está eternamente buscando.

O Universo e o Indivíduo são as duas aparências essenciais nas que o Incognoscível


descende e através das quais há de ser acercado; ainda que outras coletividades
intermediárias nascem só de sua interação. Este descenso da Realidade suprema é, em
sua natureza, um auto-ocultamento; e no descenso existem sucessivos níveis, no
ocultamento, sucessivos véus. Necessaria mente, a revelação toma a forma de uma
ascensão; e necessariamente também a ascensão e a revelação são progressivas. Pois
cada nível sucessivo no descenso do Divino é para o homem uma etapa em ascensão;
cada véu que oculta ao Deus desconhecido se converte para o amante-de-Deus e o
buscador-de-Deus em um instrumento de Sua revelação. Fora do ritmico sonho da
Natureza material, -(inconsciente da Alma e da Idéia que mantêm as ordenadas
atividades de sua energia inclusive em seu mudo e poderoso transe material-), o mundo
luta dentro do mais veloz, variado e desordenado ritmo da Vida, perdendo-se nas
bordas da auto-consciência. Fora da Vida, luta para cima dentro da Mente na que a
unidade chega a despertar ante si mesma e seu mundo, e nesse despertar o uni verso
consegue a fortaleza requerida para sua obra suprema, consegue a individualidade
auto-consciente. Mas a Mente assume o trabalho de continuá-la, não de completá-la. É
uma trabalhadora de inteligência aguda mas limitada que toma os confusos materiais
oferecidos pela Vida e, havendo-os melhorado, adaptado, modificado e classificado de
acordo a seu poder, os entrega ao supremo Artista de nossa divina humanidade. Esse
Artista mora na supramente; pois a supramente é o super-homem. Pelo tanto, nosso
mundo tem todavia que saltar mais além da Mente até um princípio superior, um estado
superior, um dinamismo superior no que o universo e o indivíduo tomam conhecimento
e possessão disso que ambos são, e em consequência, restam explicados um ao outro, em
mútua harmonia, unificados.

As desordens da vida e da mente cessam ao discernir-se o segredo de uma ordem mais


perfeita que o físico, a matéria sob a vida, e a mente contêm em si mesma o contrapeso
entre um perfeito equilíbrio de tranquilidade e a ação de uma incomen surável energia,
mas não possui o que contêm. Sua paz leva a opaca máscara de uma obscura inércia,
um sonho de inconsciência ou melhor, de uma consciência drogada e aprisionada.
Manejada por uma força que é seu eu real mas cujo sentido não pode captar nem
compartilhar, carece do desperto deleite de suas próprias energias harmoniosas.

A vida e a mente despertam ao sentido do que anseiam, na forma de uma


ignorância que luta e busca e de un desejo perturbado e desconcertado que são os
primeiros passos até o auto-conhecimento e a auto-realização. Mas então onde está o
reino de sua auto-realização? Chega-lhes pela superação delas mesmas. Mais além da
vida e da mente recobramos conscientemente em sua divina verdade o que o equilíbrio
da Natureza material representou brutamente, uma tranquilidade –(que não é inércia
nem selado transe da cons ciência senão a concentração de uma força absoluta e de um
absoluto auto-conhecimento-, e uma ação de incomensurável energia)- que é também e
ao mesmo tempo, estremecimento de inefável bem-aventurança por que aqui, todo ato é
a expressão, não de um desejo e esforço igno rante, senão de uma paz e auto-domínio
absolutos-. Nessa conquista, nos sa ignorância se transforma em luz da qual era um
reflexo obscurecido ou parcial; nossos desejos cessam na plenitude e na realização
prometidas, as quais, -inclusive em suas formas materiais mais grosseiras-, eram uma
obscura e debilitada aspiração.

O universo e o individuo são necessários um ao outro em sua ascensão. Certamente


sempre existe o um para o outro e mutuamente se aproveitam. O Universo é uma
difusão do divino Todo no Espaço e Tempo infinitos, o indivíduo é sua concentração
dentro dos limites de Espaço e Tempo. O Universo busca na extensão infinita a
totalidade divina que sente que é sem com preendê-la inteiramente; pois na extensão, a
existência conduz a uma soma pluralista de si mesma que não pode ser a primogenia
nem a final unidade, senão só um decimal recorrente sem fim nem prin cípio. Portanto,
cria em si uma concentração auto-consciente do Todo através da qual pode aspirar. No
indivíduo consciente, Prakriti se volta para perceber a Purusha, o Mundo busca ao Ser-
em-si; havendo Deus devindo inteiramente Natureza, a Natu reza busca
progressivamente chegar a ser Deus.

Por outra parte, é por meio do Universo que o indivíduo está impelido a realizar-se.
Aquele é não só seu fundamento, seu meio, seu campo, o material da Obra divina, senão
que, -dado que a concentração da Vida universal que o indivíduo é, tem lugar dentro de
uns limites e não se parece à intensa unidade do Brahman livre de toda concepção de
limite e prazo-, necessariamente deve uni versalizar-se e impersonalizar-se a fim de
manifestar o Todo divino que é sua realidade. Inclusive reclama-lhe que preserve, -
ainda quando se estenda mais na universalidade da consciência-, um misterioso algo
transcendente do qual seu sentido da personalidade lhe dá uma representação obscura e
egoísta. Por outra parte, ele há equivocado sua meta, o problema que se apresentou-lhe
não foi resolvido, a obra divina para a qual aceitou nascer não há sido feita.

O Universo vem ao indivíduo como Vida, -(um dinamismo cujo segredo total há de
dominar e uma massa de resultados em colisão, um torvelinho de energias potenciais
das que há de liberar alguma ordem suprema e alguma harmonia ainda não realizada)-.
Este é, depois de tudo, o real sentido do progresso do homem. Não é simplesmente, uma
repetição, em termos levemente diferentes, do que já cumpriu a Natureza física. Nem o
ideal da vida humana pode ser simplesmente o animal repetido em uma escala superior
de mentali dade. Do contrário, qualquer sistema ou ordem que assegurasse um tolerável
bem-estar e uma moderada satisfação mental houvesse estancado nosso progresso. O
animal se satisfaz com pouco forçosamente; os deuses se contentam com seus
esplendores. Mas o homem não pode descansar permanentemente até que alcance
algum bem supremo. É o maior dos seres viventes porque é o mais descontente, porque
é ele que mais sente a pressão das limitações. Só ele; talvez, é capaz de ser tomado pelo
divino frenesi de um ideal remoto.

Para o Espírito-Vital, portanto, o indivíduo que centra suas potencialidades é pré-


eminentemente o Homem, o Pu rusha. Trata-se do Filho do Homem que é
supremamente capaz de ser encarnado por Deus. Este Homem é o Manu, o pensador, o
Manomaya Purusha, pessoa mental ou alma na mente dos antigos sábios. Não é um
mero mamífero superior, senão uma alma conceptiva tomando base no corpo animal na
Matéria. Ele é Numen ou nome consciente que aceita e utiliza a forma como um
médium[2] , (meio para uma realização), através do qual a Pessoa pode tratar com a
substância. A vida animal que emerge da Matéria é só o termo inferior de sua
existência. A vida do pensamento, do sentimento, da vo ntade, do impulso consciente, -
(essa que chamamos em sua totalidade Mente, essa que luta por controlar a Matéria e
suas energias vitais e submetê-las à lei de sua própria transformação progressiva)-, é o
termo médio no que o indivíduo toma seu lugar efetivo. Mas existe, igualmente, um
termo supremo do qual a Mente do homem vai em posse, de modo que, depois haver
encontrado pode afirmá-lo em sua existência mental e corporal. Esta afirmação prática
de algo essencialmente superior a seu presente eu é a base da vida divina no ser
humano.

Desperto a um, mais profundo auto-conhecimento que o de sua primeira idéia mental
de si mesmo, o Homem começa a conceber alguma fórmula e a perceber alguma
aparência da coisa que há de afirmar. Mas se lhe apresenta como se equilibrasse-se
entre duas negações de si mesma. Se, mais além de seus atuais dotes, percebe ou é
tocado pelo poder, a luz, a bem-aventurança da infinita existência auto-consciente e
traduz seu pensamento ou sua experiência em termos convenientes a sua mentalidade, -
(Infinito, Onisciência, Onipotência, Imortalidade, Liberdade, Amor, Beatitude, Deus)-,
todavia este sol de sua visão parece brilhar entre uma dupla Noite, -(obscuridade abaixo
e uma maior obscuridade mais além)-. Pois quando luta por conhecer isso
completamente, parece ingressar em algo que nenhum destes termos nem a soma deles
pode representá-lo em sua totalidade. Sua mente, finalmente nega a Deus por um Além,
ou ao menos parece descobrir a Deus que transcende a Si mesmo, negando-se a sua
própria concepção. Aqui também, no mundo, nele mesmo, e a seu redor, é encontrado
sempre pelos opostos de sua afirmação. A morte está sempre com ele, a limitação investe
seu ser e sua experiência, o erro, a inconsciência, a debilidade, a inércia, a pena, a dor, o
mal, são constantes opressores de seu esforço. Aqui também é conduzido a negar a
Deus, ou ao menos o Divino parece negar-se ou ocultar-se em alguma aparência ou
resultado que difere de sua realidade verdadeira e eterna.

E os termos desta negação não são, como essa outra e mais remota negação,
inconcebíveis e, portanto, naturalmente miste riosos, incognoscíveis em sua mente,
senão que parecem ser cognoscíveis, conhecidos, definidos, -e ainda misteriosos-. Não
sabe que são, por que existem, como chegaram a ser. Vê seus processos tal como o
afetam e se lhe apresentam; não pode sondar sua realidade essencial.

Talvez sejam insondáveis, talvez sejam também realmente incog noscíveis em sua
essência? Ou, pode ser, que não tenham realidade essencial, -sejam uma ilusão, Asat,
Não-Ser-. A Negação superior se apresenta-nos às vezes como Nihil, Não-Existência;
esta negação inferior pode ser também, em sua essência, Nihil, não-existência. Mas
assim como já temos rechaçado esta evasão da dificuldade com respeito à negação
superior, de igual maneira a descartamos para este Asat inferior. Negar por completo
sua realidade ou buscar uma fuga dela como mera ilusão desastrosa, é fazer a um lado o
problema e esquivar nosso trabalho. Para a Vida, estas coisas que parecem negar a
Deus, ser os opostos de Satchitananda, são reais, inclusive se são considerados como
temporais. Elas e seus opostos, bem, conhecimento, alegria, prazer, vida, sobre, força,
poder, crescimento, são o material mesmo de suas obras.

Em verdade é provável que sejam o resultado ou melhor os companheiros inseparáveis,


não de uma ilusão, senão de uma relação equivocada, equivocada porque está fundada
em uma falsa visão de para que está o indivíduo no universo e portanto uma falsa
atitude tanto para com Deus como para com a Natureza, para com ele mesmo e seu
entorno. Devido ao que ele chegou a ser está fora da harmonia tanto com o que o mundo
que habita é como com o que ele mesmo devesse ser e o que vai tornar-se, portanto o
homem está sujeito a estas contradições da secreta Verdade das coisas. Nesse caso não
são o castigo por uma queda, senão as condições de um progresso. São os elementos pri
mários do trabalho que há de cumprir, o preço que há de pagar pela coroa que confia
ganhar, o estreito caminho pelo que a Natu reza escapa da Matéria dentro da
consciência; são ao mesmo tempo seu resgate e seu requisito.

Pois fora destas falsas relações e com sua ajuda há de encontrar-se a verdade. Pela
Ignorância temos de cruzar sobre a morte. Assim, também o Veda fala criticamente de
energias que são como mulheres más no impulso, errantes no caminho, danando a seu
Senhor, que com tudo, ainda que falsas e infelizes, constroem ao fim “esta vasta
Verdade”, a Verdade que é a Bem-aventurança. Seria, então, -(não quando ele tenha
alojado o mal em sua Natureza fora dele mesmo por um ato de cirurgia moral, ou tenha
apartado a vida por um retiro detestável, senão quando ele tenha convertido a Morte
em uma vida mais perfeita, tenha elevado as pequenas coisas da limitação humana para
dentro das grandes coisas da imensidade divina, tenha transformado o sofrimento em
beatitude, convertido o mal em sua própria bondade, traduzido o erro e a falsidade em
sua verdade secreta)-, que o sacrifício será cumprido, a viagem feita e o Céu e a Terra
igualadas dêem-se a mano na alegria do Supremo.

Mas estes contrários como podem passar um ao outro? Mediante que alquimia este
pomo da mortalidade é convertido nesse ouro do Ser divino? É que são contrários em
sua essência? É que não são manifestações de uma só Realidade, idêntica em
substância? Então certamente uma transmutação divina chega a ser concebível.

Temos visto que o Não-Ser mais além bem pode ser uma exis tência inconcebível e talvez
uma inefável Bem-aventurança. Ao menos o Nirvana do Budismo que formulou um
mais luminoso esfor ço do homem por alcançar e descansar nesta suprema Não-Existên
cia, se representa na psicologia dos liberados todavia sobre a terra como uma
impronunciável paz e alegria; seu efeito prático é a extin ção de todo sofrimento através
da desaparição de toda idéia ou sensação egoístas e o mais próximo que podemos
acercar-nos a uma concep ção positiva disso, existe uma inespressável Beatitude (se
pode aplicar-se nome ou denominação alguma a uma paz tão vazia de conteúdo) na que,
inclusive a noção de auto-existência, parece ser deglutida e desaparecer. Trata-se de um
Satchitananda ao que já não nos atrevemos a aplicar sequer os termos supremos de Sat,
de Chit nem de Ananda. Pois todos os termos são anulados e toda experiência cognitiva
é superada.

Por outra parte, temos nos aventurado sugerir que, dado que tudo é uma só Realidade,
esta negação inferior também, esta outra con tradição ou não-existência de
Satchitananda não é outra coisa que Satchitananda mesmo. É capaz de ser concebido
pelo intelecto, percebido na visão, inclusive recebido através das sensações tão
verazmente como o que precisamente parece negar, e assim ocorreria sempre a nossa
experiência consciente se as coisas não fossem falsificadas por algum grande erro
fundamental, alguma possessiva e compulsiva Igno rância, Maya ou Avidya. Neste
sentido haveria que buscar uma solução, talvez não uma satisfatória solução metafísica
para a mente lógica, —pois estamos no campo do incognoscível, do inefável, e
esforçando nossa vista mais além—, senão uma suficiente base de experiência para a
prática da vida divina.

Para fazer isto devemos animar-nos a ir debaixo das claras superfícies das coisas nas
que a mente ama habitar, tentar o vasto o obscuro, penetrar as insondáveis
profundidades da consciência e identificar-nos com estados de ser que não são os
próprios. A lin guagem humana é uma pobre ajuda nessa busca, mas ao menos podemos
encontrar nele alguns símbolos e figuras, retornar com algumas sugestões apenas
expressáveis que ajudarão a iluminar a alma e projetar sobre a mente algum reflexo do
inefável desígnio.
[1] [1] I, 6.

[2] [2] “Médium”, pode traduzir-se por “meio”, mas o autor utiliza “means” para
referir-se a algo que é utilizado como meio para outra coisa. E “middle” para algo que
está em meio.

--------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------Capitulo VII

O EGO E AS DUALIDADES

A alma, assentada na mesmo árvore da Natureza, está absorta e


desenganada porque não é o Senhor, mas quando vê e está em união
com esse outro eu e grandiosidade suas que é o Senhor, seu pesar
desaparece dela.

Swetaswatara Upanishad[1]

Se tudo é em verdade Satchitananda, (Existência-Consciência-Bem-aventurança ), a


morte, o sofrimento, o mal, a limitação só podem ser as criações, positivas no efeito
prático, negativas em essência, de uma deformante consciência, caída, do total e
unificador conhecimento de si, em um erro de divisão e experiência parcial. Esta é a
queda do homem tipificada na poética parábola do Gênese hebreu. Essa queda é seu
desvio da plena e pura aceitação de Deus e de si mesmo, ou melhor, de Deus em si
mesmo, para uma divisora consciência separativa que traz consigo todo o séquito de
dualidades, vida e morte, bem e mal, alegria e dor, integridade e carência, o fruto de um
ser humano dividido e enganado por sua natureza. Este é o fruto da árvore da
consciência separativa do bem e do mal que comeram Adão e Eva, Purusha e Prakriti, a
alma tentada pela Natureza. A rendição chega mediante a recuperação da Unidade
universal no individual, e do elemento espiritual na consciência humana. Só então a
alma pode permitir-se na Natureza que participe do fruto da árvore da vida, da árvore
do conhecimento e que seja como o Divino e viva para sempre em sua imortalidade
restituída. Pois só então pode cumprir-se a finalidade de seu descenso na consciência
material, quando o conhecimento do bem e mal, alegria e sofrimento, vida e morte se
tenham cumprido através da recuperação, pela alma humana, de um conhecimento
superior que reconcilie e identifique estes opostos no universal e transforme suas
divisões na imagem da Unidade divina.

Para Satchitananda, -que se estende em todas as coisas em sua mais vasta generalidade
e imparcial universalidade-, a morte, o sofrimento e a limitação só podem ser, como
muito, termos inversos, sombrias-formas de seus luminosos opostos. Tal como sentimos
estas coisas, são signos de uma discórdia. Formulam separação onde deveria haver
unidade, incompreensão donde deveria haver compreensão, uma tentativa de chegar a
independentes harmonias onde deveria haver uma auto-adaptação do todo orquestal. A
totalidade absoluta, -inclusive se só estivesse em um esquema das vibrações universais,
inclusive se só fosse uma totalidade da consciência física sem possuir tudo o que está em
movimento mais além e detrás-, deve ser até esse ponto uma reversão em prol da
harmonia e uma reconciliação de chocantes opostos. Por outra parte, o Satchitananda
transcendente das formas do universo já não podem aplicar-se justamente os termos
duais mesmos, inclusive assim entendidos. A transcendência transfigura; não reconcilia,
senão que melhor transmuta os opostos em algo que os sobrepassa eliminando suas
oposições.

Ao princípio, no entanto, devemos trabalhar para relacionar o indivíduo outra vez com
a harmonia da totalidade. É necessário para nós, -do contrário o problema não tem
solução-, compreender que os termos com que nossa atual consciência interpreta os
valores do universo, -ainda que praticamente justificados aos fins da experência e o
progresso humanos-, não são os únicos termos pelos que é possível interpretá-los e não
podem ser as fórmulas completas, corretas e últimas. Precisamente assim como pode
haver órgãos sensoriais ou formas de capacidade sensorial que vejam o mundo físico de
modo distinto e ainda melhor, pois o fariam mais integralmente, que nossos órgãos
sensoriais e nossas capacidades sensitivas, de igual maneira pode haver outras
perspectivas mentais e supramentais do universo que sobrepassem a nossa. Existem
estados da cons ciência nos que a Morte é só uma mudança em Vida imortal, a dor um
violento refluxo das águas do deleite universal, a limitação um vazio do Infinito sobre si
mesmo, o mal um rodeio do bem entorno de sua própria perfeição; e isto não só em uma
abstrata concepção, senão também na visão real e na expe riência constante e
substancial. Atingir a estes estados da consciência pode ser, para o indivíduo, um dos
mais importantes e indispensáveis passos de seu progresso até a auto-perfeição.

Certamente, os valores práticos que nos brindam nossos sentidos e nosso dualístico
sentido-mente podem manter-se em seu campo e aceitar-se como modelo da vida-
experiência ordinária até que esteja pronta uma harmonia maior na que possam
ingressar e transfor mar-se sem perder el domínio das realidades que representam.
Aumentar as faculdades-sensórias sem ter em conta o conhecimento que brindariam os
antigos valores sensoriais a sua correta interpretação desde o novo ponto de vista,
poderia conduzir à sérias desordens e incapacidades e não adequar-se à vida prática
nem ao uso ordenado e disciplinado da razão. Igualmente, um alargamento de nossa
consciência mental, fora da experiência das dualidades próprias do ego, dentro de uma
não-regulada unidade com alguma forma de consciência total, poderia facilmente
produzir confusão e incapacidade para a vida ativa da humanidade na ordem
estabelecida das relatividades do mundo. Esta, sem dúvida, é a raiz do mandato imposto
no Gita ao homem que tem o conhecimento, não para perturbar a vida-base nem o
pensamento-base dos ignorantes; pois, impulsionados por seu exemplo, mas incapazes
de compreender o princípio de sua ação, perderiam seu próprio sistema de valores sem
chegar a um fundamento superior.

Tal desordem e incapacidade pode aceitar-se pessoalmente, e assim o fazem muitas


grandes almas, como uma passagem temporal ou como o preço que se há de pagar para
o ingresso em uma existência mais ampla. Mas a correta meta do progresso humano
deve ser sempre uma reinterpretação efetiva e sintética, pela que a lei dessa mais ampla
existência, possa representar-se em uma nova ordem de verdades e em uma mais justa e
pujante obra das faculdades sobre a vida-material do universo. Para os sentidos o sol
marcha em torno à terra; isso foi para eles o centro da existência e as propostas da vida
estão dispostas sobre a base desta concepção errônea. A verdade é o oposto mesmo
dessa concepção, mas seu descobrimento houvesse sido de escassa utilidade se não
existisse uma ciência que converte a nova concepção no centro de um conhecimento
racional e ordenado preferindo seus corretos valores às percepções dos sentidos. De
igual maneira, para a consciência mental, Deus se espalha em torno ao ego pessoal e
todas Suas obras e caminhos são traídos ante o juízo de nossas egoístas sensações,
emoções e concepções, e ali lhes dão valores e interpretações que, ainda que constituem
uma perversão e inversão da verdade das coisas, com tudo são úteis e praticamente
suficientes em um certo desenvolvimento da vida e progresso humanos. São uma tosca
sistematização prática de nossa experiência das coisas, válida na medida que moramos
em uma certa ordem de idéias e atividades. Mas não representam o último e supremo
estado da vida e conhecimento humanos. "O caminho é a Verdade e não a falsidade.” A
verdade não é que Deus se espalha em torno ao ego como centro da existência e possa
ser julgado pelo ego e seu critério das dualidades, senão que o Divino é em si mesmo o
centro e que a experiência do indivíduo só encontra sua própria verdade quando esta é
conhecida nos termos do universal e o transcendente. Não obstante, substituir esta
concepção pela egoísta sem uma adequada base de conhecimento pode conduzir à
substitução de novas mas todavia falsas e arbitrárias idéias em lu gar das velhas, e
produzir um violento desconcerto em vez da estabelecida desordem de valores corretos.
Essa desordem marca sobretudo o início de novas filosofias e religiões, e dá começo a
revoluções úteis. Mas a verdadeira meta só se alcança quando podemos agrupar em
torno à correta concepção central um conhecimento racional e efetivo no que a vida
egoísta redescobrirá todos seus valores transformados e corregidos. Então possuiremos
essa nova ordem de verdades que nos possibilitará substituir uma mais divina vida pela
existência que agora levamos e efetivizar um mais divino e pujante uso de nossas
faculdades na vida-material do universo.

Essa vida e poder novos do humano integral, devem necessariamente repousar sobre
uma realização das grandes verdades que traduza dentro de nosso modo de conceber as
coisas a natureza da existência divina. Isto deve suceder através de uma renúncia do ego
a seu falso ponto de permanência e a suas falsas certezas, através de seu ingresso em
uma relação e harmonia corretas com as totalidades das que forma parte e com as
transcendências das que é um descenso, e através de sua perfeita auto-abertura a uma
verdade e a uma lei que excedem suas próprias convenções, uma verdade que será sua
realização e uma lei que será sua liberação. Sua meta deve ser a abolição daqueles
valores que são criações da visão egoísta das coisas; seu cume deve ser a transcendência
da limitação, da ignorância, da morte, do sofrimento e do mal.

A transcendência, a abolição não são possíveis aqui na terra e em nossa vida humana se
os termos dessa vida estão necessariamente ligados a nossa atual valorização egoísta. Se
a vida é em sua natureza, um fenômeno individual e não a representação de uma
existência universal e o hálito de uma poderosa Vida-Espírito; se as dualidades que são
a resposta do indivíduo a seus contatos não são meramente uma resposta senão a
essência e condição de todo o vivente; se a limitação é a inalienável natureza da
substância com a que estão formados nossa mente e corpo; se a desintegração na morte
é a primeira e última condição de toda vida, seu fim e seu princípio; se o prazer e a dor
são a inseparável matéria dual de toda sensação; se a alegria e o pesar são a luz e
sombra necessárias de toda emoção; se a verdade e o erro são os dois pólos entre os
quais todo conhecimiento deve espargir eternamente, então a transcendência é só
acessível mediante o abandono da vida humana em um Nirvana além de toda existência
ou mediante a conquista de outro mundo, um céu constituído de modo muito diferente
ao deste universo material.

Não é muito fácil para a cotidiana mente do homem, sempre apegada a suas associações
passadas e presentes, conceber uma existência todavia humana, mas que radicalmente
tenha modificado aquelas circunstâncias que previamente considerávamos imóveis.
Com respeito a nossa possível evolução superior estamos em grande medida na posição
do Macaco original da teoria darwiniana. Haveria sido impossível a esse Macaco, -que
levava sua arbórea vida instintiva nos bosques pri mitivos-, conceber que um dia
haveria sobre a terra um animal que utilizaria uma nova faculdade chamada Razão
sobre os materiais de sua existência interna e externa, que dominaria mediante esse
poder seus instintos e hábitos, transformaria as circunstâncias de sua vida física,
construiria casas de pedra, manipularia as forças da Natureza, navegaria os mares,
voaria pelos ares, desenvolveria códigos de conduta, evoluiria métodos conscientes para
seu desenvolvimento mental e espiritual. E se essa concepção houvesse sido possível
para a mente simiesca, todavia houvesse-lhe sido difícil imaginar que por qualquer
progresso da Natureza ou prolongado esforço da Vontade e a tendência, ele mesmo
poderia evoluir até esse animal. O homem, devido a que adquiriu razão e mais ainda
porque satisfez seu poder imaginativo e intuitivo, é capaz de conceber uma existência
superior à sua própria e inclusive ver sua elevação pessoal mais além de seu estado
atual dentro dessa existência. Sua idéia do estado supremo é um absoluto de tudo
quanto é positivo, para seus próprios conceitos e desejável, para sua própria aspiração
instintiva, o Conhecimento sem sua negativa sombra de erro; a Bem-aventurança sem
sua negação de experimentar sofrimento; o Poder sem sua constante negação pela
incapacidade; a pureza e a plenitude do ser sem o sentido oposto do defeito e a
limitação. É assim como concebe seus deuses; assim é como construiu seus céus. Mas
não é assim como sua razão concebe uma terra possível e uma humanidade possível.
Seu sonho de Deus e Céu é em realidade um sonho de sua própria perfeição; mas
descobre igual dificuldade em aceitar sua realização prática aqui em ordem a seu fim
último, tal como o Macaco ancestral se lhe demandasse que acreditasse em si mesmo
como o Homem futuro. Sua imaginação, suas aspirações religiosas podem sustentar esse
fim diante ele; mas quando sua razão se faz valer, rejeitando a imaginação e a intuição
transcendente, qualifica isso como uma brilhante superstição contraria aos fatos sólidos
do universo material. Isso se converte então unicamente em sua inspirada visão do
impossível. Tudo quanto é possível é um condicionado, limitado e precário
conhecimento, felicidade, poder e bondade.

Ainda no princípio da razão mesma existe a afirmação de uma Transcendência; pois o


total objetivo e essência da razão é a busca do Conhecimento, a busca, vale dizer, da
Verdade mediante a eliminação do erro. Seu critério, seu objetivo, não é o de passar de
um erro maior a um menor, sino que consiste em uma positiva, pré-existente Verdade à
qual, através das dualidades do correto conhecimento e do equivocado conhecimento,
podemos mover-nos progressivamente. Se nossa razão não tem a mesma certeza
instintiva com respeito às outras aspirações da humanidade, é porque falta-lhe a mesma
essencial iluminação inerente a sua própria atividade positiva. Podemos precisa mente
conceber uma realização positiva ou absoluta da felicidade porque o coração igualmente
pertence esse instinto para a felicidade, tem sua própria forma de certeza, é capaz de fé,
e porque nossas mentes podem prever a eliminação do insatisfeito desejo que é a causa
aparente do sofrimento. Mas como con ceberemos a eliminação da dor desde nossa
sensação nervosa ou da morte desde a vida do corpo? Inclusive a rejeição da dor é um
instinto soberano das sensações, a rejeição da morte é um dominante reclame inerente à
essência de nossa vitalidade. Mas estas coisas apresentam-se diante nossa razão como
aspirações instintivas, não como potencialidades realizáveis.

E a mesma lei há de se manter em tudo. O erro da razão prática é uma excessiva


sujeição ao fato aparente ao que pode sen tir imediatamente como real e uma
insuficiente coragem para desenvolver fatos mais profundos, desde sua potencialidade
até sua lógica conclusão. O que hoje é, constitui a realização de uma potencialidade
anterior; a potencialidade atual é um vislumbre e promessa da realização futura. E aqui
a potencialidade existe; pois o domínio dos fenômenos de pende de um conhecimento de
suas causas e processos e se conhecemos as causas do error, do pesar, da dor, da morte,
podemos esforçar-nos com alguma esperança até sua eliminação. Pois o conhecimento é
poder e domínio.

De fato, perseguimos como ideal, tão longe como podemos, a eliminação de todos estes
fenômenos negativos ou adversos. Buscamos constantemente minimizar a causa do erro,
da dor e do sofrimento. A ciência, a medida que aumenta seu conhecimento, sonha com
regular o nascimiento e com prolongar indefinidamente a vida, ou mais ainda, com
alcançar a inteira conquista da muerte. Mas devido a que visamos só as causas externas
e secundárias, só podemos pensar em suprimi-las até uma distância e não em eliminar
as raízes reais disso contra o que lutamos. E dessa maneira estamos limitados porque
trabalhamos até percepções secun dárias e não até o conhecimento-raiz, porque
conhecemos os processos das coisas mas não sua essência. Assim chegamos a uma mais
poderosa manipu lação das circunstâncias, e não ao controle essencial. Pois se
pudéramos apreender a natureza essencial e a causa essencial do erro, do sofrimento e
da morte, poderíamos esperar chegar a um domínio sobre eles que não seria relativo
senão completo. Poderíamos esperar inclusive, eliminá-los por completo e justificar o
instinto dominante de nossa natureza mediante a conquista desse bem, bem-
aventurança, conhecimento e imortalidade absolutos que nossas intuições percebem
como o último e verdadeiro estado do ser humano.

O antigo Vedanta apresenta-nos essa solução na concepção e experiência do Deus


Brahman como o único fato universal e essencial, e na natureza de Brahman como
Satchitananda.

Nesta visão, a essência de toda vida é o movimento de uma existência universal e


imortal; a essência de toda sensação e emoção é o desfrute de um deleite universal e
auto-existente no ser; a essência de todo pensamento e percepção é a radiação de uma
verdade universal e oni-penetrante; la essência de toda atividade é a progressão de um
bem universal e auto-atuante.

Mas o desfrute e o movimento se corporizam em uma multiplicidade de formas, uma


variação de tendências, um intercâmbio de energias. A multiplicidade permite a
interferência de um fator determinativo e temporariamente deformativo, o ego
individual; e a natureza do ego é uma auto-limitação da consciência me diante uma
voluntária ignorância do resto de seu desfrute e sua exclusiva absorção em uma só
forma, uma só combinação de tendências, um só campo do movimento de energias. O
ego é o fator que determina as reações do erro, do pesar, da dor, do mal, da morte; pois
dá valor a estes movimentos que, de outro modo, seriam representados em sua correta
relação com uma só Existência, Bem-aventurança, Verdade e Bem. Ao recuperar a
relação correta podemos eliminar as reações Ego-determinadas, reduzindo-as
eventualmente a seus verdadeiros valores; e esta recuperação pode efetuar-se mediante
a correta participação do indivíduo na consciência da totalidade e na consciência do
transcendente que a totalidade representa.

No último Vedanta se deslineou e chegou a fijar-se a idéia de que o ego limitado é,


não só a causa das dualidades, senão a condição essencial para a existência do universo.
Ao desembarazar-nos da ignorância do ego e suas limitações resultantes, eliminamos
certamente as dualidades, mas junto com elas eliminamos nossa existência no
movimento cósmico. Dessa maneira retornaríamos à essencialmente má e ilusória
natureza da existência humana e à incapacidade de todo esforço em posse da perfeição
da vida do mundo. Quanto podemos buscar aqui é um bem relativo ligado sempre a seu
oposto. Mas se nos aderimos à maior e profunda idéia de que o Ego é só uma
representação intermediária de algo além de Si mesmo, escapamos desta consequência e
somos capazes de aplicar o Vedanta à realização da vida e não só a escapar desta. A
causa e condição essenciais da existência universal é o Senhor, Ishwara ou Purusha,
manifestando e habitando formas individuais e universais. O Ego limitado é só um
fenômeno intermediário de consciência necessário para uma certa linha de
desenvolvimento. Seguindo esta linha, o indivíduo pode chegar ao que está mais além
dele mesmo, àquele que ele representa, e pode ainda continuar representando, não já
como um escuro e limitado Ego, senão como um centro do Divino e da consciência
universal abarcando, utilizando e transformando em harmonia com a Divindade todas
as determinações individuais.

Então temos a manifestação do divino Ser Consciente na totalidade da Natureza física


como fundamento da existência humana no universo material. Temos o emergir desse
Ser Consciente em uma involutiva e inevitavelmente evolutiva Vida, Mente e
Supramente como a condição de nossas atividades; pois é esta evolução a que capacitou
ao homem aparecer na Matéria e é esta evolução a que o capacitará progressivamente
para manifestar a Deus no corpo, - a Encarnação Universal -. Temos em uma formação
egoísta o fator intermediário e decisivo que permite ao Uno emergir como o consciente
da Unidade nos Muitos (Múltiplo), fora dessa indeterminada totalidade geral, obscura e
sem forma, que chamamos o subconsciente, —hrdya samudra, o oceânico coração das
coisas do Rig Veda. Temos as dualidades de vida e morte, alegria e pesar, prazer e dor,
verdade e erro, bem e mal como as primeiras formações da consciência egoísta, o
resultado natural e inevitável de sua tentativa de realizar a unidade em uma construção
artificial de si mesma, excludente da verdade, bem, vida e deleite totais do ser no
universo. Temos a dissolução desta construção egoísta mediante a auto-abertura do
indivíduo até o universo e Deus como meio dessa suprema realização na que a vida
egoísta é só um prelúdio, assim como a vida animal foi só um prelúdio da humana.
Temos a realização do Todo no indivíduo mediante a transformação do ego limitado em
um centro consciente da unidade e liberdade divinas, como o termo ou conquista, ao
que chega a quem o realiza. E temos o fluir da Existência, Verdade, Bem e Deleite
infinitos e absolutos do ser sobre os Muitos, no mundo, como o resultado divino até o
qual se espalham os ciclos de nossa evolução. Esse é o supremo nascimento que a
maternal Natureza guarda em seu seio; daquele, luta por ser liberada.

[1] IV, 7 --------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------

Capítulo VIII

OS MÉTODOS DO CONHECIMENTO VEDÂNTICO

Este Eu secreto de todos os seres não é aparente, senão que é visto por
meio da razão suprema, a sutil, por aqueles que têm a visão sutil.

Katha Upanishad[1]

Mas qual é, então, o trabalho deste Satchitananda no mundo e mediante que processo
das coisas são as relações entre aquele e o ego que o figura, primeiro formadas, e depois
levadas a sua consumação? Pois dessas relações e do processo que sigam depende a
filosofia e prática totais de uma vida divina para o homem.

Chegamos à concepção e ao conhecimento de uma existência divina por superação da


evidência dos sentidos e penetrando além das paredes da mente física. Na medida em
que nos confinamos no sentido-evidência e na consciência física, nada podemos
conceber e nada podemos conhecer salvo o mundo material e seus fenômenos. Mas
certas faculdades em nós capacitam a nossa mentalidade para chegar a concepções que
podemos certamente deduzir, -por racionalização ou por variação imaginativa-, dos
fatos do mundo físico tal como os vemos, mas que não se acham creditadas por nenhum
dado puramente físico nem experiência física alguma. O primeiro destes instrumentos é
a razão pura.

A razão humana tem uma dupla ação, mista ou dependente e pura ou soberana. A
razão aceita uma ação mista quando se limita ao círculo de nossa experiência sensível,
admite sua lei como verdade final e se preocupa somente do estudo do fenômeno, vale
dizer, das aparências das coisas em suas relações, processos e utilidades. Esta ação
racional é incapaz de conhecer o que é, só conhece o que aparenta ser, carece de medida
com a que poder sondar as profundidades do ser, só pode explorar o campo do
acontecer. A razão por outra parte, afirma sua ação pura, quando aceita nossas
experiências sensíveis como ponto de partida mas recusa estar limi tada por elas; olha
detrás das mesmas, julga, trabalha com sua própria lei e luta por alcançar conceitos
gerais e inalteráveis que se aderem, não às aparências das coisas, senão ao que está
detrás de suas aparências. Pode alcançar seu resultado mediante apreciação direta
passando de imediato da aparência ao que está detrás dela e nesse caso, o conceito ao
que se elevou pode parecer resultado da experiência sensória e dependente dela ainda
que em realidade se trate de uma percepção da razão atuando com sua própria lei. Mas
as percepções da razão pura podem também —e esta é sua mais característica ação—
usar a experiência da que partem como mera recusa e deixá-la muito atrás antes de
chegar a seu resultado, tão distante que o resultado pode parecer o contrário direto do
que nossa experiência sensória deseja ditar-nos. Este movimento é legítimo e
indispensável, devido, não só a que nossa experiência normal unicamente cobre uma
pequena parte do fato universal, senão a que também, dentro dos limites de seu próprio
campo, usa instrumentos que são defeituosos e nos dão falsos pesos e medidas. Nossa
experiência normal deve ser superada, mantida a distância, e sua insistência negada a
menos se temos de alcançar mais adequadas concepções da verdade das coisas. Corrigir
os erros do Sentido-mente mediante o uso da razão é um dos mais valiosos poderes
desenvolvidos pelo homem e a causa principal de sua superioridade entre os seres
terrestres.

O completo uso da razão pura nos leva finalmente do conhecimento físico ao metafísico.
Mas os conceitos do conhecimento metafísico não satisfazem em si mesmos plenamente
a demanda de nosso ser integral. Em verdade, são inteiramente satisfatórios para a
razão pura, porque são a substância mesma de nossa existência. Mas nossa natureza vê
as coisas sempre através de dois olhos, pois os vê duplamente, como idéia e como
acontecido, e portanto, todo conceito é incompleto para nós, e para uma parte de nossa
natureza, quase irreal até que sucede uma experiência. Mas as verdades que estão agora
em questão, são de uma ordem não sujeita a nossa experiência normal. Estão, em sua
natureza, "muito além da percepção dos sentidos mais apreensíveis pela percepção da
razão”. Portanto, é necessária alguma outra faculdade da experiência pela que possa ser
conquistada a demanda de nossa natureza e isto só pode chegar, dado que estamos
tratando com o suprafísico, mediante uma extensão da experiência psicológica.

Em certo sentido, toda nossa experiência é psicológica, dado que inclusive o que
recebemos mediante os sentidos carece de significado e valor para nós até que é
traduzido nos termos do sentido-mente, o Manas da terminologia filosófica hindu.
Manas, dizem nossos filósofos, é o sexto sentido. Mas nós inclusive podemos dizer que é
o único sentido e que os outros, vista, ouvido, tato, olfato, gosto são meramente
especializações do sentido-mente, o qual, ainda que normalmente usa os órgãos-
sensórios como base de sua experiência, ainda os supera e é capaz de uma experiência
direta ajustada a sua própria ação inerente. O sentido-mente, como resultado da
experiência psicológica, - igualmente que as cognições da razão-, é capaz no homem de
uma dupla ação, mista ou dependente e pura ou soberana. Sua ação mista tem lugar
comumente quando a mente busca chegar a ser consciente do mundo externo, do
objeto; a ação pura, quando busca chegar ao conhecimento de si mesmo, do sujeito. Na
primeira atividade, é dependente dos sentidos, e forma suas percepções de acordo com
suas evidências; na última, atua em si mesma e é consciente das coisas diretamente por
uma sorte de identidade com elas. Dessa maneira somos conscientes de nossas emoções;
somos conscientes da ira, -como agudamente se disse-, porque chegamos a ser a ira.
Assim somos conscientes de nossa própria existência, e aqui, a natureza da experiência
como conhecimento por identidade, se torna aparente. Em realidade, toda experiência é,
em sua natureza secreta, conhecimento por identidade; mas seu verdadeiro caráter nos
é ocultado pois temos nos separado do resto do mundo por exclusão, por distinção de
nós mesmos como sujeito e todo o demais como objeto, e nos vemos compelidos a
desenvolver processos e órgãos pelos que novamente possamos entrar em comunicação
com tudo quanto temos excluído. Temos de substituir o conhecimento direto através da
identidade consciente por um conhecimento indireto que parece ser causado por contato
físico e simpatia mental. Esta limitação é uma criação fundamental do ego e uma
mostra da maneira em que há procedido em tudo, partindo de uma falsidade original e
cobrindo a correta verdade das coisas com falsidades contingentes que para nós chegam
a ser as verdades práticas da relação com o mundo exterior.

Desta natureza do conhecimento mental e sensório, -tal como atualmente está


organizado em nós-, se segue que não há necessidade inevitável em nossas limitações
existentes. São o resultado de uma evolução na que a mente se acostumou a depender de
cer tos funcionamentos fisiológicos e de suas reações como seus meios normais para
entrar em relação com o universo material. Portanto, ainda que a regra é que quando
buscamos chegar a ser conscientes do mundo externo, temos de obrar assim,
indiretamente através dos órgãos-sensórios, e podemos experimentar só, tanto parte da
verdade acerca das coisas e dos homens como os sentidos nos transmitam, com tudo esta
regra é meramente a regularidade de um hábito dominante. É possível para a mente, -e
seria natural para ela, se pudera ser persuadida a liberar-se de seu consentimento ao
domínio da matéria-, tomar conhecimento direto dos objetos de sensação sem o auxílio
dos órgãos-sensórios. Isto é o que sucede em experimentos hipnóticos e fenômenos
psicológicos afins. Por que nossa consciência em vigília está determinada e limitada pelo
equilíbrio entre a mente e a matéria elaborada pela vida em sua evolução, este
conhecimento direto é comumente impossível em nosso ordinário estado de vigília e
portanto há de causar-se lançando a mente em vigília dentro de um estado de sono que
libere a mente verdadeira ou subliminal. A mente é então capaz de afirmar seu
verdadeiro carácter como o todo-suficiente e único sentido, e livre para aplicar aos
objetos da sensação, sua ação pura e soberana em lugar da mista e dependente. Não é
esta extensão da faculdade realmente impossível, senão só mais difícil em nosso estado
de vigília, —tal e como é sabido por todo aquele que há sido capaz de ir o bastante longe
em certos caminhos de experimentação psicológica.

A ação soberana do Sentido-mente pode empregar-se para desenvolver outros sentidos


além dos cinco que ordinariamente usamos. Por exemplo, é possível desenvolver o poder
de apreciar com exatidão, sem meios físicos, o peso de um objeto que suste ntamos em
nossas mão. Aqui a sensação de contato e pressão se utiliza meramente como ponto de
partida, assim como os dados do sentido-experiência são usados pela pura razão, mas
não é em realidade o sentido do tato o que dá a medida do peso à mente; descobre o
valor correto através de sua própria percepção independente e usa o tato só em ordem a
entrar em relação com o objeto. E assim como com a pura razão, e de igual maneira
com o sentido-mente, o sentido-experiência pode usar-se como mero primeiro ponto
desde o que se acede a um conhecimento que nada tem que ver com os órgãos-sensórios
e contudo contradiz suas evidências; tão pouco está a extensão da faculdade limitada só
a exterioridades e superfícies. É possível, uma vez que tenhamos entrado por qualquer
dos sentidos em relação com um objeto externo, aplicar de igual modo o Manas para
chegar a ser consciente dos conteúdos do objeto, por exemplo, receber ou perceber os
pensamentos ou sentimentos de outros sem ajuda de suas manifestações orais, gestos,
ações ou expressões faciais, e inclusive em contradição com estes dados sempre parciais
e contudo enganosos. Finalmente, mediante a utilização dos sentidos interiores, —vale
dizer, dos sentido-poderes, em si mesmos, em sua atividade puramente mental ou sutil
como diferenciada da física que é só uma eleição, aos fins da vida externa, de sua ação
total e geral—, podemos ser capazes de tomar conhecimento de sentido-experiências, de
aparências e imagens de coisas distintas das que pertencem à organização de nosso
entorno material. Todas estas extensões da faculdade, -ainda que recebidas com
vacilação e incredulidade pela mente física, porque são anormais para o esquema
habitual de nossa vida e experiência ordinárias, difíceis de colocar em ação, ainda mais
difíceis de sistematizar, assim como de ser capaz de fazer delas um conjunto ordenado e
útil de instrumentos-, devem contudo admitir-se dado que são o invariável resultado de
qualquer intento de ampliar o campo de nossa consciência superficialmente ativa, seja
já mediante algum tipo de não-ensinado esforço e casual efeito desordenado ou seja
mediante uma prática científica e bem regulada.

Nenhuma, dessas extensões, no entanto, conduz ao objetivo que temos em mente, a


experiência psicológica dessas verdades que estão “além da percepção pelo sentido mas
apreensíveis me diante às percepções da razão”, buddhigrá-hyam atíndriyam[2]. Elas
nos dão só um mais vasto campo de fenômenos, e meios mais efetivos para a observação
dos fenômenos. A verdade das coisas sempre escapa além do sensório. No entanto existe
uma saudável regra inerente à constituição mesma da existência universal no sentido de
que donde existam verdades acessíveis me diante a razão, deve existir, em algum lugar
do organismo possuidor dessa razão, um meio de alcançá-las ou de verificá-las mediante
a experiência. O único meio que temos deixado em nossa men talidade é uma extensão
dessa forma de conhecimento por identidade que nos dá o conhecimiento de nossa
própria existência. Em realidade, o conhecimento do conteúdo de nosso eu está baseado
sobre um auto-conhecimento mais ou menos consciente, mais ou menos presente em
nossa concepção. Ou para colocar isto dentro de uma fórmula mais genérica, o
conhecimento do conteúdo está contido no conhecimento do continente. Se então
podemos estender nossa faculdade do auto-conhecimento mental ao conheci mento do
Ser-em-si que está além e fora de nós, o Atmam ou Brahman dos Upanishads, podemos
chegar a ser possuidores, na experiência, das verdades que formam o conteúdo do
Atman ou Brahman no universo. É sobre esta possibilidade que baseou-se o Vedanta
hindu. Buscou, através do conhecimento do Ser-em-sí, o conhecimento do universo.

Mas sempre a experiência mental e os conceitos da razão foi sustentado por esta, para
ser, inclusive no mais alto, um reflexo das identificações mentais e não a suprema
identidade auto-exis tente. Temos de ir mais além da mente e a razão. A razão ativa de
nossa consciência em vigília é só uma mediadora entre o Todo subconsciente do que
provimos em nossa evolução ascendente e o Todo supraconsciente até o que estamos
impulsionados por essa evolução. O subconsciente e o supraconsciente são dois
diferentes formulações do mesmo Todo. A palavra mestra do subconsciente é Vida, a
palavra mestra do supraconsciente é Luz. O subconsciente, o conhecimento ou
consciência está envolvido na ação, pois a ação é a essência da Vida. No supraconsciente
a ação reingressa na Luz e envolvido no conhecimento pois este está contido em uma
consciência suprema. O conhecimento intuitivo é aquele que é comum a ambos, e a base
do conhecimento intuitivo é a identidade consciente ou efetiva entre aquilo que conhece
e aquilo que é conhecido; é aquele estado da auto-existência comum no que conhecedor
e conhecido são um através do conhecimento. Mas no subconsciente a intuição se
manifesta na ação, na efetividade, e o conhecimento ou identidade consciente está
inteiramente ou mais ou menos oculto na ação. No supraconsciente, pelo contrário, -
sendo a Luz a lei e o princípio-, a intuição se manifesta em sua verdadeira natureza
como conhecimento emergindo da identidade consciente, e a efetividade da ação é,
melhor dizendo, o acompanhamento ou necessária consequência e já não uma máscara
como o fato primário. Entre estes dois estados a razão e a mente atuam como
intermediárias que capacitam o ser para liberar o conhecimento fora de seu
aprisionamento dentro do ato e prepará-lo para reassumir sua essencial primazia.
Quando o auto-conhecimento da mente se aplica, tanto ao continente como ao contido,
ao próprio-eu e ao outro-eu, exalta-se na luminosa identidade auto-manifesta, a razão
também se converte na forma do intuitivo[3] conhecimento auto-luminoso. Este é o
supremo estado possível de nosso conhecimento quando a mente se realiza no
supramental.

Tal é o esquema do conhecimento humano sobre o qual as conclusões do Vedanta mais


antigo foram construídas. Desenvolver os resultados a que chegaram sobre esta base os
sábios antigos não é meu objetivo, mas é necessário passar brevemente em revisão por
algumas de suas conclusões principais, tão longe como elas afetem ao problema da Vida
divina com o que só nós, estamos no presente concentrados. Pois é naquelas idéias que
encontraremos a melhor base prévia disso que buscamos agora reconstruir e ainda que,
como passa com todo conhecimento, a velha expressão seja substituída até certo ponto
pela nova expressão para satisfazer a uma mentalidade posterior e a velha luz tenha que
emergir na nova luz como a aurora sucede à aurora, ainda é com o velho tesouro como
nosso capital inicial ou contanto do mesmo como podemos recuperar, que mais
vantajosamente continuaremos acumulando os benefícios maiores em nosso novo
comércio com o sempre-imutável e sempre-mutável Infinito.

Sat Brahman, Existência pura, indefinível, infinita, absoluta, é o último conceito ao que
eleva-se a análise Vedântica em seu critério do universo, a fundamental Realidade que a
experiência Vedântica descobre detrás de todo o movimento e formação que constituem
a realidade aparente. É óbvio que quando propomos esta concepção, vamos por inteiro
além do que nossa consciência ordinária, nossa experiência normal contêm ou
representa. Os sentidos e o sentido-mente nada sabem acerca de alguma existência pura
ou absoluta. Tudo o que nos refere dela nosso sentido-experiência é forma e movimento.
As formas existem, mas com uma existência que não é pura, senão sempre mista,
combinada, agregada, relativa. Quando nos internamos em nós mesmos, podemos
desfazer-nos da forma precisa mas não do movimento, da mudança. A idéia da Matéria
no Espaço, a idéia da mudança no Tempo parecem ser a condição da existência.
Certamente podemos dizer, se nos agrada, que isto é existência e que a idéia de
existência em si mesma corresponde a uma realidade não descobrível. Ao mais, no
fenômeno do auto-conhecimento ou detrás dele, às vezes captamos um vislumbre de
algo imóvel e imutável, algo que percebemos vagamente ou imaginamos que somos,
além de toda vida e morte, além de toda mudança, formação e ação. Aqui está a única
porta em nós que às vezes se abre o esplendor de uma verdade além e, antes que se feche
outra vez, deixa que um raio nos toque, uma luminosa intimação que, se temos força e
firmeza, podemos manter em nossa fé e convertê-la em um ponto de partida para outro
despertar da consciência, diferente do sentido-mente, para o despertar da Intuição.

Pois se examinamos com cuidado, descobriremos que a Intuição é nossa primeira


mestra. A Intuição sempre está velada detrás de nossas operações mentais. A Intuição
traz ao homem aquelas brilhantes mensagens do Desconhecido que são o princípio de
seu conhecimento superior. A razão só ingressa depois para ver que proveito pode sacar
da brilhante colheita. A Intuição nos dá a idéia de algo detrás e mais além de tudo o que
conhecemos e que parece ser o que o homem sempre persegue em contradição com sua
razão inferior e toda sua experiência normal, e o impulsiona a formular essa percepção
sem forma nas mais positivas idéias das eras, Imortalidade, Céu e o resto de idéias pelas
que trabalhamos para expressá-las na mente. Pois a Intuição é tão forte como a
Natureza mesma, de cuja alma surgiu, e não se preocupa pelas contradições da razão ou
as negações da experiência. Sabe que é porque é, porque ela mesma é disso e há vindo
disso, e não o submeterá ao juízo do que meramente chega a acontecer e parecer (o
meramente transitório e aparente). O que a Intuição nos diz não é tanto Existência
senão o Existente, pois opera desde esse único ponto de luz em nós que lhe dá sua
vantagem, que às vezes abriu a porta de nosso próprio auto-conhecimento. O antigo
Veda captou esta mensagem da Intuição e o formulou nas três grandes declarações dos
Upanishads: “Eu sou Ele”, “Tu és Isso, ¡oh Swetaketu”, “Tudo isto é o Brahman; este
Ser é o Brahman”.

Pois a Intuição, pela natureza mesma de sua ação no homem, trabalhando como o faz
desde detrás do véu, ativa principalmente em suas partes menos iluminadas, menos
articuladas, e servida diante do véu, na exígua luz que é nossa consciência em vigília, só
por instrumentos que são incapazes de assimilar plenamente suas mensagens, é incapaz
de brindar-nos a verdade naquela forma ordenada e articulada que nos sa natureza
exige. Antes que possa efetuar algum tipo de integração do conhecimento direto em nós,
teria que organizar-se em nosso ser superficial e tomar possessão ali da parte diretiva.
Mas em nosso ser superficial não está a Intuição, está a Razão, a qual está organizada e
nos ajuda a ordenar nossas percepções, pensamentos e ações. Portanto a idade do
conhecimento intuitivo representado pelo mais jovem pensamento Vedântico dos
Upanishads, teve de ceder seu lugar à idade do conhecimento racional; a Escritura
inspirada cedeu lugar à filosofia metafísica, tal como depois a filosofia metafísica cedeu
seu lugar à Ciência experimental. O pensamento intuitivo, que é um mensageiro do
supraconsciente e pelo tanto nossa suprema faculdade, foi suplantado pela pura razão
que é uma forma de suplente e pertence às alturas médias de nosso ser; a pura razão,
por sua vez, foi suplantada, durante um tempo, pela ação mista da razão que vive em
nossas dobras e suaves elevações e não pode em sua visão exceder o horizonte da
experiência que a mente física e os sentidos, -ou aqueles auxílios que possamos inventar
para eles-, possam aportar-nos. E este processo que parece ser um descenso, é em
realidade um círculo de progresso. Pois em cada caso a faculdade inferior é compelida a
absorver tanto como possa assimilar do que a superior já havia dado, e tentar
reestabelecê-lo mediante seus próprios métodos. Mediante dito intento alarga-se em sua
perspectiva e eventualmente chega a uma mais flexível e ampla auto-acomodação às
faculdades superiores. Sem esta sucessão e intento de assimilação separada, nos
veríamos obrigados a permanecer sob o domínio exclusivo de uma parte de nossa
natureza, enquanto o resto ficaria deprimido ou indevidamente submetido, ou separado
em seu campo e, portanto, pobre enquanto a seu desenvolvimento. Com esta sucessão e
separada tentativa o equilíbrio é ajustado; uma mais completa harmonia de nossas
partes de conhecimento se prepara.

Vemos esta sucessão nos Upanishads e nas filosofias hindustânicas subsequentes. Os


sábios do Veda e do Vedanta confiaram por inteiro na intuição e na experiência
espiritual. É por erro que às vezes os eruditos falam de grandes debates ou discussões
no Upanishad. Donde exista a aparência de uma controvérsia, não é por discussão, por
dialética nem pelo uso do raciocínio lógico do que procede, senão por comparação de
intuições e experiências nas que a menos luminosa cede seu lugar à mais luminosa, a
mais estreita, mais defeituosa ou menos essencial à mais compreensiva, mais perfeita,
mais essencial. A pergunta formulada por um sábio a outro é: "Que sabes tu?" não:
"Que pensas tu?" nem "A que conclusão chegou teu raciocínio?". Em nenhum lugar
dos Upanishads descobrimos coluna alguma de raciocínio lógico chamado em apoio das
verdades do Vedanta. A intuição, parece haver sustentado os sábios, só deve ser
corrigida por uma mais perfeita intuição; o raciocínio lógico não pode ser seu juiz.

E contudo, a razão humana exige seu próprio método de satisfação. Portanto, quando
começou a idade da especulação racionalista, os filósofos da Índia, respeitosos da
herança do passado, adotaram uma dupla atitude até a Verdade que buscavam.
Reconheceram no Sruti, os primevos resultados da Intuição, ou como preferiram
chamá-lo, da inspirada Revelação, uma autoridade superior à Razão. Mas ao mesmo
tempo partiram desde a Razão e comprovaram os resultados que esta lhes deu,
sustentando como válidas só aquelas conclusões que eram apoiadas pela suprema
autoridade. Desse modo evitaram, até certo ponto, o acossador pecado da metafísica, a
tendência a batalhar entre nuvens devido a que se trata com palavras como se fossem
fatos imperativos em lugar de símbolos que sempre serão cuidadosamente examinados e
devolvidos constantemente ao sentido do que representam. Suas especulações tenderam
ao princípio a acercar ao centro à mais elevada e profunda experiência, e procederam
com o consentimento unido das duas grandes autoridades, Razão e Intuição. Não
obstante, a tendência natural da Razão de fazer valer sua própria supremacia triunfou,
em efeito, sobre a teoria de sua subordinação. Daí o surgimento de conflitantes escolas,
cada qual fundada na teoria do Veda, utilizando seus textos como arma contra as
demais. Pois o supremo Conhecimento intuitivo vê as coisas em sua totalidade, em sua
grandeza e detalhes só lados da totalidade indivisível; sua tendência se orienta até a
imediata síntese e a unidade do conhecimento. A Razão, pelo contrário, procede
mediante análise e divisão, e acumula seus feitos para formar um todo; mas nesse
conteúdo assim formado existem opostos, anomalias, lógicas incompatíveis, e a
tendência natural da Razão consiste em afirmar alguns e negar outros que estejam em
conflito com suas escolhidas conclusões de modo que possa formar um sistema
impecavelmente lógico. A unidade do primeiro conhecimento intuitivo se quebrou dessa
maneira e o engenho dos lógicos sempre foi capaz de descobrir artifícios, métodos de
interpretação, modelos de valor variável, pelos que os textos inconvenientes da
Escritura puderam ser anulados na prática, adquirindo uma inteira liberdade para sua
especulação metafísica.
Não obstante, as principais concepções do mais remanescente Vedanta permaneceram
em parte nos diversos sistemas filosóficos e, de tanto em tanto, fizeram-se esforços por
recombiná-las dentro de alguma imagem da antiga universalidade e unidade do
pensamento intuitivo. E detrás do pensamento de tudo, diversamente apresentado,
sobreviveu como a concepção fundamental, Purusha, Atman o Sat Brahman, o puro
Existente dos Upanishads, muitas vezes racionalizado dentro de uma idéia ou estado
psicológico, mas todavía por tando algo de seu antigo carregamento de inexpressável
realidade. Qual seja a relação do movimento do devir -que é o que chamamos o mundo-,
com esta Unidade absoluta, e como o ego – seja já causa ou consequência do
movimento-, pode retornar a esse verdadeiro Ser-em-si, Divinidade ou Realidade
declarada pelo Vedanta, estas foram as questões especulativas e práticas que sempre
ocuparam o pensamento da Índia.

[1] III; 12.

[2] Gita, VI, 21.

[3] Uso a palavra "intuitivo" na falta de uma melhor. Em verdade, é um substituto


inadequado para o que se expressa. O mesmo há de dizir-se da palavra “consciência” e
muitas outras que, por nossa pobreza verbal, nos vemos obrigados a estender
ilegitimamente em seu significado. A palavra inglesa é “intuitional”. (Não se pode usar
“intuicional”).
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Capítulo IX

O PURO EXISTENTE

Um indivisível que é existência pura.

Chhandogya Upanishad[1]

Quando retiramos nosso olhar fixo de suas preocupações egoístas com limitados e
breves interesses, e contemplamos o mundo com desapaixonados e curiosos olhos que só
buscam a Verdade, nosso primeiro resultado é a percepção de uma ilimitada energia de
existência infinita, de infinito movimento[2] , de infinita atividade difundindo-se no
Espaço sem limites, no Tempo eterno; uma existência que supera infinitamente nosso
ego ou qualquer ego de qualquer colectividade de egos, em cujo equilíbrio os grandiosos
produtos de eones não são senão o pó de um momento e em cuja incalculável soma as
inumeráveis miríades só contam como um insignificante enxame. Instintivamente
atuamos, sentimos e tecemos nossos pensamentos vitais como se este estupendo
movimento do mundo trabalhasse à nossa volta, como se fossemos o centro, e para nosso
beneficio, para nossa ajuda ou para nosso dano, ou como se a justificação de nossos
laços egoístas, emoções, idéias, modelos, foram seu próprio negócio quando em
realidade, são nossa própria preocupação principal. Quando começamos a ver,
percebemos que existe para si mesma, não para nós, que tem seus próprios objetivos
gigantescos, sua própria idéia complexa e ilimitada, seu próprio vasto desejo ou deleite,
que busca realizar, suas próprias normas imensas e formidáveis, e olha nossa
insignificância com uma sorte de indulgente e irônico sorriso. Com tudo não passemos
ao outro extremo e formemos uma idéia demasiado positiva de nossa insignificância.
Isso também seria um ato de ignorância e fechar nossos olhos aos grandes feitos do
universo.

Pois este ilimitado Movimento não nos considera sem importância para ele. A Ciência
nos revela quão minucioso é o cuidado, quão sagaz é o mecanismo, quão intensa é a
absorção com que se entrega tanto à mais ínfima de suas obras como à máxima. Esta
poderosa energia é uma mãe igual e imparcial, saman Brahma, no grande termo do
Gita, e sua intensidade e força de movimento é a mesma na formação e elevação de um
sistema de sóis que na organização da vida de um formigueiro. É a ilusão do tamanho,
da quantidade, a que induz-nos a considerar a um como grande, ao outro como
pequeno. Se pelo contrário tomamos em consideração não a massa da quantidade senão
a força da qualidade, diremos que a formiga é maior que o sistema solar que habita e
que o homem é maior que toda a Natureza inanimada reunida. Mas isto outra vez é a
ilusão da qualidade. Quando olhamos detrás e examinamos só a intensidade do
movimento, do qual a qualidade e a quantidade são aspectos, compreendemos que este
Brahman mora igualmente em todas as existências. Igualmente participando de tudo
em seu ser, e nos sentimos tentados a dizer, por igual distribuído a todos em sua energia.
Mas isto também é uma ilusão de quantidade. O Brahman mora em todos, indivisível,
mas como se estivesse dividido e distribuído. Se olhamos outra vez com uma
observadora percepção não dominada por conceitos intelectuais, senão informada pela
intuição e que culmine no conhecimento por identidade, veremos que nossa consciência
mental é diferente da consciência desta Energia infinita, a qual é indivisível e dá, não
uma parte igual de si mesma, senão seu ser íntegro em um só e mesmo tempo ao sistema
solar e ao formigueiro. Para o Brahman não há todo e partes, senão que cada coisa é
tudo em si e se beneficia pelo todo do Brahman. A qualidade e a quantidade diferem, o
ser é igual. A forma, maneira e resultado da força da ação variam infinitamente, mas a
energia eterna, primária e infinita, é a mesma em tudo. A potência da fortaleza que faz
o homem forte não é nem um piscar maior que a potência da debilidade que faz o débil.
A energia gasta é tão grande na repressão como na expressão, na negação como na
afirmação, no silêncio como no som.

Portanto, o primeiro cálculo que temos de agregar é esse, entre este Movimento infinito,
esta energia da existência que é o mundo e nós mesmos. Atualmente levamos uma conta
falsa. Somos infinitamente importantes para o Todo, mas para nós o Todo é
insignificante; só nós somos importantes para nós mesmos. Este é o signo da ignorância
original que é a raiz do ego, que só pode pensar em si mesmo como centro, como se ele
fosse o Todo, e do que não é ele mesmo só aceita aquilo que mentalmente está disposto a
admitir, aquilo ao que se vê forçado a reconhecer pelas mudanças extremas do entorno.
Inclusive quando começa a filosofar, não afirma que o mundo só existe em e por sua
consciência? Seu próprio estado de consciência ou seus modelos mentais são para ele a
prova da realidade; tudo o que esteja fora de sua órbita ou ponto de vista se torna falso
ou inexistente. Esta auto-suficiência mental do homem cria um sistema de falso
cômputo que nos impede extrair o valor correto e pleno da vida. Existe um sentido no
que estas pretensões da mente e o ego humanos repousam sobre uma verdade mas esta
verdade só emerge quando a mente aprendeu sua ignorância e o ego se submeteu ao
Todo e perdido nele sua separada auto-afirmação. Reconhecer que nós, -ou melhor, os
resultados e aparências que chamamos nós mesmos-, somos só um movimento parcial
deste Movimento infinito e que é esse infinito o que temos de conhecer, ser
conscientemente e realizar fielmente, é o começo da vida verdadeira. Reconhecer que
em nossos verdadeiros seres somos um com o movimento total e não menores nem
subordinados é o outro lado da conta, e sua expressão na maneira de nosso ser,
pensamento, emoção e ação é necessária para a culminação de um verdadeiro ou divino
viver.

Para retirar da conta temos de conhecer o que é este Todo, esta energia infinita e
onipotente. E aqui chegamos a uma nova complicação. Pois nos afirma-o a pura razão e
parece também que o Vedanta, que, assim como somos subordinados e um aspecto deste
Movimento, de igual maneira o movimento é subordinado e um aspecto de algo distinto
a si mesmo, de uma grande atemporalidade, de Estabilidade inespacial, sthanu, que é
imutável, inestinguível e inesgotável, que não atua ainda que contenha toda esta ação,
não energia, senão pura existência. Aqueles que só vêem este mundo-energia podem
certamente declarar que tal coisa não existe; nossa idéia de uma eterna estabilidade,
uma pura existência imutável é uma ficcão de nossas concepções intelectuales que
partem desde uma falsa idéia do estável, pois não há que seja estável; tudo é movimento
e nossa concepção do estável é só um artifício de nossa consciência mental pela que
asseguremos um ponto de apoio para tratar praticamente com o movimento. É fácil
demonstrar que isto é certo no movimento mesmo. Nada há ali que seja estável. Tudo o
que parece ser estacionário é só um bloco de movimento, uma formulação de energia
que trabalha, afetando de tal modo nossa consciência que parece estar quieta, do mesmo
modo como o planeta parece-nos estar quieto; algo assim como um trem no qual
viajamos que parece estar parado em meio de uma paisagem fugaz. Mas é igualmente
verdade que subjacente a este movimento, sustentando-o, não há nada que seja imóvel e
imutável? É verdade que a existência só consiste na ação da energia? Ou melhor, que a
energia é um resultado da Existência?

Vemos ao mesmo tempo que se essa Existência é como a Energia, deve ser infinita. Nem
a razão, nem a experiência, nem a intuição, nem a imaginação, nos atestam a
possibilidade de um termo final. Todo fim e princípio pressupõe algo além do fim ou do
princípio. Um fim absoluto, um princípio absoluto, é não só uma contradição de termos,
senão uma contradição da essência das coisas, uma violência, uma ficção. O infinito se
impõe sobre as aparências do finito por sua inestinguível auto-existência.

Mas isto é infinito com respeito a Tempo e Espaço, uma duração eterna, uma extensão
interminável. A Razão pura vai mais além e, olhando o Tempo e o Espaço sob sua
incólume e austera Luz própria, assinala que estas duas são categorias de nossa
consciência, condições sob as quais organizamos nossa percepção do fenômeno. Quando
olhamos a existência em si mesma, o Tempo e o Espaço desaparecem. Se existe alguma
extensão, não é espacial senão psicológica; e então é fácil ver que esta extensão e esta
duração só são símbolos que representam à mente algo não traduzível em termos
intelectuais, uma eternidade que parece-nos o mesmo sempre-novo momento todo-
reunidor, um infinito que parece-nos o todo-penetrante ponto todo-reunidor sem
magnitude. E este conflito de termos tão violento, ainda que minuciosamente expressivo
de algo que percebemos, demonstra que a mente e a linguagem transpassaram além,
seus naturais limites e lutam por expressar uma Realidade na que suas próprias
convenções e necessárias oposições desaparecem em uma identidade inefável.

Mas esta é uma observação certa? Não pode ser que o Tempo e o Espaço desse modo
desapareçam meramente porque a existência que estamos contemplando é uma ficção
do intelecto, um fantástico Nihil criado pela linguagem, que nós trabalhamos por erigir
em realidade conceitual? Contemplamos outra vez essa Existência-em-si-mesma e
dizemos: Não. Há algo detrás do fenômeno não só infinito senão indefinível. Podemos
dizer que no Absoluto não há nenhum fenômeno, nenhum da totalidade dos fenômenos.
Inclusive se reduzimos todos os fenômenos a um só fenômeno fundamental, universal e
irreduzível do movimento ou da energia, obtemos unicamente um fenômeno indefinível,
não o Absoluto. A concepção mesma de movimento leva consigo a potencialidade de
repouso e se dilata como atividade de alguma existência; a idéia mesma da energia em
ação leva consigo a idéia da energia abastecendo-se da ação; e uma absoluta energia que
não está em ação é existência simples e puramente Absoluta. Temos só estas duas
alternativas: uma pura existência indefinível ou uma indefinível energia em ação e, se só
a última é verdade, sem nenhuma causa ou base estável, então a energia é um resultado
e um fenômeno gerados pela ação, o movimento que só é. Então não temos Existência,
ou temos o Nihil dos budistas com a existência como só um atributo de um fenômeno
eterno, da Ação, do Karma, do Movimento. Isto, -(afirma a pura razão: deixa
insatisfeitas minhas percepções, contradiz minha visão fundamental, e portanto não
pode ser). Pois nos leva a um último escalão pondo um abrupto final de uma ascensão
que deixa toda a escada sem apoio, suspendida no Vazio.

Se esta Existência indefinível, infinita, atemporal, inespacial É, necessariamente um


absoluto puro. Não pode ser resumida em nenhuma quantidade nem quantidades, não
pode estar composta de nenhuma qualidade ou combinação de qualidades. Não é um
agregado de formas nem um substratum formal de formas. Se todas as formas,
quantidades, qualidades fossem desaparecer, Esta permaneceria. A Existência sem
quantidade, sem qualidade, sem forma é não só concebível, senão também a única coisa
que podemos conceber detrás destes fenômenos. Necessariamente, quando dizemos que
É sem elas, significamos que as excede, que É algo no que passam de uma maneira que é
como se cessasse de ser o que chamamos forma, qualidade, quantidade, e a partir da
Qual, elas emergem como forma, qualidade, quantidade no movimento. Elas não
terminam dentro de uma forma, uma quantidade, uma qualidade que seria a base de
tudo mais, —pois não há tal coisa—, senão dentro de algo que não pode definir-se com
nenhum destes termos. Desse modo todas as coisas que observamos, são condições e
aparências do movimento, e ocorrem dentro Disso, desde o que chegaram e ali, Nisso,
seguem existindo, chegando a ser “algo” que já não poderia descrever-se com os termos
que são apropriados para elas no movimento. Portanto, dizemos que a pura existência é
um Absoluto e em si mesmo incognocível por parte de nosso pensamento ainda que
possamos regressar ao mesmo em uma suprema identidade que transcenda os termos do
conhecimento. O movimento, a manifestação, pelo contrário, é o campo do relativo e
ainda mediante a definição mesma do relativo todas as coisas no movimento contêm o
Absoluto, são contidas no Absoluto e são o Absoluto. A relação dos fenômenos da
Natureza com o éter fundamental -que está contido neles, os constitui, os contêm e,
contudo, é tão diferente deles que, entrando nele, eles cessam de ser o que agora são-, é a
ilustração dada pelo Vedanta como o que mais aproximadamente representa esta
identidade na diferença entre o Absoluto e o relativo.

Necessariamente, quando falamos de coisas que passam dentro do que provieram,


estamos usando a linguagem de nossa consciência temporal e devemos precaver-nos
contra suas ilusões. O emergir do movimento desde o Imutável é um fenômeno eterno e
só se deve a que não podemos concebê-lo nesse sem-início, sem-fim, sempre-novo
momento que é a eternidade do Sem-Tempo, que nossas noções e percepções são
obrigadas a situá-lo em uma eternidade temporal, de duração sucessiva, à que se fixam
as idéias de um sempre recorrente princípio, meio e fim.

Mas tudo isto, pode dizer-se, é só válido na medida que aceitemos os conceitos da razão
pura e permaneçamos sujeitos a ela. Mas os conceitos da razão não têm força
obrigatória. Devemos julgar a existência não pelo que mentalmente concebemos, senão
pelo que vemos que existe. E a forma mais pura e livre de intuição da existência tal
como é, não nos mostra nada, salvo movimento. Duas coisas somente existem:
movimento no Espaço, movimento no Tempo; o primeiro objetivo, o último subjetivo. A
extensão é real; a duração é real; Espaço e Tempo são reais. Ainda que possamos olhar
detrás da extensão no Espaço, -(e percebê-lo como um fenômeno psicológico, como uma
tentativa da mente para tornar manipulável a existência, distribuindo o indivisível todo
em um Espaço conceitual)-, ainda não podemos ir detrás do movimento da sucessão e
mudança do Tempo. Pois essa é a matéria mesma de nossa consciência. Nós somos e o
mundo é um movimento que continuamente progride e aumenta pela inclusão de todas
as sucessões do passado em um presente que se representa diante de nós como o
princípio de todas as sucessões do futuro, -um princípio, um presente que sempre nos
ilude por que não é, pois pereceu antes de nascer-. O que é, é a eterna, indivisível
sucessão do Tempo, levando em sua corrente um progressivo movimento da consciência
também indivisível[3] . A duração, pois -o movimento eternamente sucessivo e o câmbio
no Tempo-, é o único absoluto. O devir é o único ser.

Em realidade, esta oposição da introspecção intuitiva real do ser com as ficções


conceituais da pura Razão é uma falácia. Se em verdade a intuição nesta matéria se
opusesse realmente à inteligência, não poderíamos com confiança sustentar um
raciocínio meramente conceitual contra a fundamental introspecção intuitiva. Mas esta
apelação à experiência intuitiva é incompleta. É só válida na medida em que prossegue e
erra ao deter-se de repente cortando a experiência integral. Na medida em que a
intuição estabelece-se só sobre o que nos acontece, nos vemos como uma progressão
contínua de movimento e câmbio da consciência a eterna sucessão do Tempo. Somos o
rio, a chama da ilustração budista. Mas existe uma experiência suprema e uma intuição
suprema pela que olhamos por detrás de nosso eu superficial e descobrimos que este
devir, mutação, sucessão, são só um modo de nosso ser e que em nós existe aquilo que
não está de nenhum modo envolvido no devir. Não só podemos ter a intuição disto que é
estável e eterno em nós; não só podemos vislumbrá-lo na experiência detrás do véu dos
continuamente fugazes acontecimentos, senão que também podemos voltar a Isso e
voltar Nisso inteiramente efetuando desse modo um câmbio íntegro em nossa vida
externa, e em nossa atitude, e em nossa ação sobre o movimento do mundo. E esta
estabilidade, na que podemos viver dessa maneira, é precisamente a que já nos deu a
Razão pura, ainda que pode chegar-se a ela sem raciocinar para nada, sem saber
previamente que é, -é pura existência, eterna, infinita, indefinível, não afetada pela
sucessão do Tempo, não envolta na extensão do Espaço, mais além da forma, da
quantidade, da qualidade-, Ser-em-si único e absoluto.

Então o puro existente é um fato e não um mero con ceito; é a realidade fundamental.
Mas, apressemo-nos a acrescentar, o movimento, a energia, o devir, são também m fato,
também uma realidade. A intuição suprema e sua correspondente experiência podem
corrigir esta outra realidade, podem ir mais além, podem suspendê-la mas não aboli-la.
Portanto, temos dois fatos fundamentais da existência pura e do mundo-existência, um
fato do Ser, um fato do Devir. É fácil negar um ou outro; reconhecer os fatos da
consciência e averiguar sua relação é a sabedoria verdadeira e proveitosa.

A estabilidade e o movimento, devemos recordá-lo, são nossas representações


psicológicas do Absoluto, tal como são unidade e multiplicidade. O Absoluto está além
da estabilidade e do movimento pois está além da unidade e a multiplicidade. Mas
funda seu eterno equilíbrio no uno e no estável, e gira entorno de si mesmo,
infinitamente, inconcebivelmente, pleno de segurança no móvel e múltiplo. O mundo-
existência é a dança estática de Shiva que multiplica o corpo do Deus inumeravelmente
diante a visão: deixa essa branca existência precisamente onde estava e como era,
sempre é e sempre será; seu único objeto absoluto é a alegria de bailar.

Mas como não podemos descrever nem pensar no Absoluto em si mesmo, além da
estabilidade e do movimento, além da unidade e da multiplicidade, não é assunto nosso
— devemos aceitar o fato duplo, admitir a ambos, a Shiva e a Kali[4] , e procurar saber
o que é este imedível Movimento no Tempo e o Espaço, com respeito a essa pura
Existência, atemporal e inespacial, única e estável, à que são inaplicáveis a medida e a
ausência-de-medida. Temos visto o que a Razão pura, a intuição e a experiência têm que
dizer acerca da Existência pura, acerca de Sat; o que têm a dizer acerca da Força,
acerca do Movimento, acerca de Shakti?

E o primeiro que temos que perguntar-nos é se essa Força é simplesmente força,


simplesmente una ininteligente energia do movimento ou se a consciência que parece
emergir fora, neste mundo material no que vivemos, não é meramente um de seus
resultados fenomênicos senão sua própria natureza verdadeira e secreta. Em termos
Vedânticos, a Força é simplesmente Prakriti, somente um movimento de ação e
processo, ou Prakriti é realmente o poder de Chit, em sua força natural de auto-
consciência criativa? Tudo o demais gira em torno a este problema essencial.

[1] VI, 2, 1.

[2] Este movimento, esta energia desenvolvendo-se continuamente, é o trabalho


incansável de Shakti, da Mãe, o Poder atuante, a Força criadora, a energia ativa que se
baseia em um imutável Sat-Brahman.
[3] Indivisível na totalidade do movimento. Cada momento do Tem po ou da
Consciência pode considerar-se como separado de seu predecessor e sucessor; cada ação
sucessiva da Energia como um novo quantum ou nova criação; mas isto não anula a
continuidade sem a qual não haveria duração do Tempo nem coerência da consciência.
Os passos do homem, quando caminha ou corre ou salta, são separados, mas há algo
que agrupa os passos e faz contínuo o movimento.

[4] Shiva e Kali na tradição hindu são esposos, o autor considera aqui sua relação,
similar à de Purusha e Prakriti, Shiva seria o passivo absoluto um e estável e Kali sua
ativa e móvel energia operante; o autor dá um passo mais e cita seguidamente o termo
superior Sat-Shakti.

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Capitulo X

A FORÇA CONSCIENTE

Contemplaram a auto-força do Ser Divino escondido no fundo por seu


próprio modo consciente de trabalhar.

Swetaswatara Upanishad[1]

Este é quem está desperto nos que dormem.

Katha Upanishad[2]

Toda a existência fenomênica se resolve em Força, em movimento de energia que


assume formas mais ou menos materiais, mais ou menos densas ou sutis de auto-
apresentação a sua própria experiência. Nas antigas imagens, -quando o pensamento
humano tentou fazer inteligível e real, esta origem e lei do ser-, esta infinita existência
de Força foi representada como um mar, inicialmente sossegado e, portanto, livre de
formas; mas a primeira perturbação, a primeira iniciação de movimento fez necessária
a criação de formas e é a semente do universo.

Matéria é a apresentação de força que é mais facilmente inteligível para nossa


inteligência, -moldada esta como o está por contatos com a Matéria-, recebendo a
informação de uma mente envolta em um cérebro material. O estado elemental da
Força material é, segundo a visão dos antigos físicos indianos, um estado de pura
extensão material no Espaço cuja peculiar propriedade é vibração que tipifica-nos pelo
fenômeno do som. Mas a vibração neste estado do éter não é suficiente para criar
formas. Deve primeiro existir alguma obstrução no fluir do oceano da Força, alguma
contração e expansão, alguma interação de vibrações, algum afetar de força sobre força
como para criar um princípio de relações fixas e efeitos mútuos. A Força material
modificando seu primeiro estado etéreo assume um segundo, chamado na antiga
linguagem, aéreo, cuja propriedade especial é o contato entre força e força, contato que
é a base de todas as relações manterias. Todavia não temos formas reais senão tão só
forças variáveis. Necessita-se um princípio sustentador. Este proporciona-o uma
terceira auto-modificação da Força primitiva cujo princípio de luz, eletricidade, fogo e
calor é para nós a manifestação característica. Ainda então, po demos ter formas de
força que preservam seu caráter próprio e ação peculiar, mas não formas estáveis da
Matéria. Um quarto estado caracterizado pela difusão e por um primeiro entorno de
atrações e repulsões permanentes, denominado pintorescamente água ou estado líquido,
e um quinto estado de coesão, chamado terra ou estado sólido, completam os elementos
necessários.

Todas as formas da Matéria que conhecemos, todas as coisas físicas até as mais sutis,
estão conformadas mediante a combinação destes cinco elementos. Deles também
depende toda nossa experiência sensível; pois por recepção da vibração vem o sentido
do olfato; por contato com coisas num mundo de vibrações da Força, o sentido do tato;
pela ação da luz nas formas idealizadas, delineadas, sustentadas pela força da luz e o
fogo e o calor, o sentido da vista; pelo quarto elemento, o sentido do gosto; pelo quinto, o
sentido do olfato. Tudo é essencialmente resposta aos contatos vibratórios entre força e
força. Deste modo os antigos pensadores construíram uma ponte sobre o abismo entre a
Força pura e suas modificações finais, e satisfizeram a dificuldade que impede à
ordinária mente humana compreender como todas estas formas que são, para seus
sentidos tão reais, sólidas e duráveis, podem ser em verdade somente fenômenos
temporários, e uma coisa como a energia pura, -inexistente, intangível e quase incrível
para os sentidos-, pode ser a única realidade cósmica permanente.

O problema da consciência não está resolvido com esta teoria, pois não explica como
o contato de vibrações da Força há de fazer surgir as sensações conscientes. Os
Sankhyas ou pensadores analíticos colocaram, portanto, detrás destes cinco elementos,
dois princípios que chamaram Mahat e Ahankara, princípios que são realmente
imateriales; pois o primeiro não é senão o vasto princípio cósmico da Força e el outro o
princípio divisional do Ego-formação. Não obstante, estes dois princípios igualmente
que o princípio da inteligência, se tornam ativos na consciência não em virtude da Força
mesma, senão em virtude de uma inativa Consciente-Alma ou almas, nas que suas
atividades se refletem e, mediante o reflexo, assumem a matiz da consciência.

Tal é a explicação das coisas oferecida pela escola de filosofia da Índia que mais se
aproxima às modernas idéias materialistas e que levou a idéia de uma mecânica ou
inconsciente Força na Natureza tão longe como foi possível para a seriamente reflexiva
mente indiana. Quaisquer que sejam seus defeitos, sua principal idéia foi tão
indiscutível que veio a ser geralmente aceitada. No entanto, o fenômeno da consciência
pode explicar-se, - seja já a Natureza um impulso inerte ou um princípio consciente-,
certamente como Força; o princípio das coisas é um formativo movimento de energias,
todas as formas nascem do encontro e mútua adaptação entre forças sem forma, toda
sensação e ação é uma resposta de algo em forma de Força aos contatos de outras
formas de Força. Este é o mundo tal como o experimentamos e desde esta experiência
devemos sempre partir.

A análise física da Matéria por parte da Ciência moderna chegou à mesma conclusão
geral, ainda que perdurem umas poucas dúvidas últimas. A intuição e a experiência
confirmam esta concordância de Ciência e Filosofia. A razão pura acha nela a satisfação
de suas próprias concepções essenciais. Pois inclusive na visão do mundo como
essencialmente um ato da consciência, um ato está implícito, e no ato o movimento de
Força, o desdobramento de Energia. Isto também, -quando examinamos desde dentro
nossa própria experiência-, prova ser a naturaleza funda mental do mundo. Todas
nossas atividades são o jogo da tripla força das antigas filosofias, conhecimento-fuerza,
desejo -força, ação-força, e todas elas provam ser realmente três co rrentes de um só
Poder original e idêntico, Adya Shakti. Inclusive nossos estados de repouso são somente
um estado de igualdade ou de equilíbrio do despertar de seu movimento.

Ao admitir-se o Movimento de Força como a natureza total do Cosmos, surgem duas


questões. Em primeiro lugar, como chegou este movimento a ter lugar no seio da
existência? Se supomos que não só é eterno senão também a essência mesma de toda a
existência, não surge a questão. Mas nos temos negado a aceitar esta teoria. Somos
conscientes de uma existência que não está compelida pelo movimento. Então, como este
movimento, alheio a seu repouso eterno, chega a tomar lugar nela? Por qual causa? Por
qual possibilidade? Por qual misterioso impulso?

A resposta mais aceita pela antiga mente da Índia foi a de que a Força é inerente à
Existência. Shiva e Kali, Brahman e Shakti são um e não dois separáveis. A Força
inerente à existência pode estar em repouso ou em movimento, mas quando está em
repouso, existe no entanto e não é suprimida, diminuída nem de nenhum modo
essencialmente alterada. Esta resposta é tão inteiramente racional e de acordo com a
natureza das coisas que não necessitamos titubear para aceitá-la. Pois é impossível,
devido ao contraditório da razão, supor que a Força é uma coisa alheia à única e
infinita existência, e entrou nela desde fora ou era não-existente e surgiu nela em algum
ponto do Tempo. Inclusive a teoria ilusionista deve admitir que Maya, o poder de auto-
ilusão de Brahman, é potencialmente eterna no Ser eterno e então a única questão é sua
manifestação ou não-manifes tação. O Sankhya também afirma a eterna coexistência de
Prakriti e Purusha, Natureza e Alma-Consciente, e os alternativos estados de repouso
ou equilíbrio de Prakriti e de movimento ou perturbação do equilíbrio.

Mas dado que dessa maneira a Força é inerente à existência e que constitui a natureza
da Força ter esta dupla ou alternativa potencialidade de repouso e movimento, vale
dizer, de auto-concentração em Força e de auto-difusão em Força, não surge a questão a
respeito de como do movimento, sua possibilidade, impulso iniciador ou causa
impulsora. Pois então podemos conceber facilmente que esta potencialidade deve
traduzir-se como um ritmo alternativo de repouso e movimento sucedendo-se um ao
outro no Tempo ou como uma eterna auto-concentração da Força na existência
imutável com um superficial despertar de movimento, cambio e formação como a
ascensão e queda das ondas na superfície do oceano. E este despertar superficial pode
ser coexistente com a auto-concentração e em si mesmo também eterno, -falamos
necessariamente com imagens inadequadas-, ou pode começar e terminar no Tempo e
resumir-se por uma sorte de ritmo constante; então não é eterno na continuidade senão
eterno na recorrência.

Eliminado dessa maneira o problema do como, se apresenta a questão do porquê. Por


que deveria esta possibilidade de um despertar de movimento da Força transladar-se a
tudo? Por que a Força da existência não deveria permanecer eternamente concentrada
em si mesma, infinita, livre de toda variação e formação? Esta questão tão pouco se
suscita se damos por encerrado que a Existência é não-consciente e que a consciência é
só um desenvolvimento da energia material que equivocadamente supomos que é
imaterial. Pois então podemos dizer simplesmente que este ritmo é a natureza da Força
na existência e absolutamente não há razão de buscar um porquê, uma causa, um
motivo inicial ou um propósito final para o que, em sua natureza, é eternamente auto-
existente. Não podemos apresentar essa questão à auto-existência eterna e perguntar-lhe
por que existe ou como veio à existência; nem se o podemos suscitar auto-força da
existência com sua natureza inerente de impulso do movimento. Então, tudo quanto
podemos perguntar se refere a sua maneira de auto-manifestação, seus princípios de
movimento e formação, seu processo de evolução. Ambas, Existência e Força são
inertes, -inerte estado e inerte impulso-, inconscientes e ininteligentes ambas, ali não
pode haver propósito algum nem meta final em evolução, nem causa original ou
intenção alguma.

Mas o problema se suscita se supomos ou descobrirmos que a Existência é o Ser


consciente. Podemos certamente supor um Ser consciente que está sujeito a sua
natureza de Força, compelido por ela e sem opção com respeito a se manifestar-se-a no
universo ou ficará sem manifestar. Tal é o Deus cósmico dos Tântricos e dos
Mayavadins que está sujeito à Shakti ou Maya, Purusha envolvido em Maya ou
controlado por Shakti. Mas é óbvio que tal Deus não é a suprema Existência infinita
com a que temos partido. É somente uma formulação do Brahman no cosmos realizada
pelo Brahman mesmo, que é logicamente anterior à Shakti ou Maya, e a leva de
regresso a seu ser transcendental quando cessa em suas obras. Em uma existência
conscientes que é absoluta, independente de suas formações, não determinada por suas
obras, devemos supor uma liberdade inerente a manifestar ou não manifestar a
potencialidade do movimento. Um Brahman compelido por Prakriti não é Brahman,
senão um Infinito inerte com um conteúdo ativo nele mais poderoso que o continente,
um consciente reunidor da Força, de quem sua Força é dona. Se dizemos que está
compelido por si como Força, por sua própria natureza, não nos livramos da
contradição, não evadimos nosso primeiro postulado. Temos que regressar a uma
Existência que é em realidade nada mais que Força, Força em repouso ou em
movimento, Força absoluta talvez, mas não Ser absoluto.

É preciso então examinar interiormente a relação entre Força e Consciência. Mas que
queremos dizer com o último termo? Comumente significamos com ele nossa óbvia
idéia primária de uma consciência mental em vigília tal como se a possuísse o ser
humano durante a maior parte de sua existência corporal, quando não está dormido,
aturdido ou de algum outro modo privado de seus físicos e superficiais métodos de
sensação. Neste sentido está suficientemente claro que a consciência é a exceção e não a
regra na ordem do universo material. Nós mesmos não sempre a possuímos. Mas esta
vulgar e superficial idéia da natureza da consciência, ainda que todavia impregna
nossos pensamentos e associações ordiná rios, deve agora desaparecer definitivamente
do pensar filosófico. Pois sabemos que em nós há algo que é consciente quando
dormimos, quando estamos aturdidos ou drogados ou desvanecidos, em todos os estados
aparentemente inconscientes de nosso ser físico. Não só isso, senão que agora podemos
estar seguros que os antigos pensadores estavam certos quando declaravam que,
inclusive em nosso estado de vigília, o que chamamos então nossa consciência é só uma
reduzida seleção de nosso inteiro ser consciente. É uma superfície, mas não a totalidade
de nossa mentalidade. Detrás dela, mais vasta que ela, há uma mente subliminal ou
subconsciente que é a maior parte de nós mesmos, e contêm cumes e profundidades que
nenhum, homem há medido nem sondado todavia. Este conhecimento nos brinda um
ponto de partida para a verdadeira ciência da Força e suas obras; nos livra
definidamente de estar circunscritos pelo material e da ilusão do óbvio.

O Materialismo insiste certamente em que, qualquer que seja a extensão da


consciência, é um fenômeno material inseparável de nossos órgãos físicos, e não sua
usuária senão seu resultado. Este apresentar ortodoxo, no entanto, já não pode
sustentar-se contra a maré do conhecimento em expansão. Suas explicações se tornam
cada vez mais e mais inadequadas e forçadas. Cada vez se faz mais claro que não só a
capacidade de nossa consciência total supera de longe à de nossos órgãos, os sentidos, os
nervos, o cérebro, senão que inclusive para nosso pensamento e consciência ordinários
estes órgãos são unicamente seus instrumentos habituais e não seus geradores. A
consciência usa o cérebro ao qual seus esforços ascendentes produziram, o cérebro não
produziu nem usa a consciência. Além disto, há casos anormais que vêm a provar que
nossos órgãos não são instrumentos inteiramente indispensáveis, -que os batimentos
cardíacos não são absolutamente necessários para a vida, igualmente que a respiração,
como tão pouco ou são as organizadas células cerebrais, para o pensamento-. Nosso
organismo físico é tão nulo para causar ou explicar o pensamento e a consciência como
a construção de uma máquina para causar a explicar o poder motor do vapor ou a
eletricidade. A força é anterior, não o instrumento físico.

Disto se seguem consequências lógicas importantes. Em primeiro lugar, podemos


perguntar-nos se, -dado que inclusive a consciência mental existe donde vemos
inanimação e inércia-, não é possível que também nos objetos materiais esteja presente
uma subconscientemente universal, ainda que incapaz de atuar ou comunicar-se a suas
superfícies por falta de órgãos. É o estado material um vazio de consciência, ou não é,
melhor dizendo, só um sonho da consciência, -ainda que, desde o ponto de vista da
evolução, um sonho original e não intermediário? E mediante o sonho, o exemplo
humano nos ensina que significamos não uma suspensão da consciência, senão sua
concentração interior, afastada da consciente resposta física aos impactos das coisas
externas. E não corresponde isto a toda existência que ainda não há desenvolvido meios
de comunicação externa com o externo mundo físico? Não há uma Alma-Consciente,
um Purusha que está desperto para sempre, inclusive em tudo o que dorme?

Vamos mais adiante. Quando falamos de mente subconsciente, expressamos com a


frase uma coisa que não difere da outra mentalidade externa, mas que só atua sob a
superfície, desconhecida para o homem em vigília, no mesmo sentido que se estivesse
submergida à maior profundidade e com maior alcance. Mas os fenômenos do eu
subliminal excedem com folga os limites de qualquer definição. Inclui uma ação não só
imensamente superior em capacidade, senão também de uma classe bastante diferente
do que conhecemos como mentalidade de nosso eu em vigília. Temos, portanto, dereito a
supor que em nós há um supraconsciente igualmente que um subconsciente, um rincão
de faculdades conscientes e, por conseguinte, uma organização da consciência que se
eleva sobre esse extrato psicológico ao que damos o nome de mentalidade. E dado que o
eu subliminal em nós se eleva na supraconsciência por cima da mentalidade, É possível
que também possa não submergir-se na subconciência debaixo da mentalidade? Não há
em nós e no mundo formas de consciência que sejam submentais, às que podemos dar o
nome de consciência vital e física? Em caso afirmativo, devemos também supor na
planta e no metal uma força à que podemos dar o nome de consciência ainda que não
seja a mentalidade humana ou animal para a qual temos preservado até agora o
monopólio dessa descrição.

Isto não só é provável senão que, se consideramos as coisas desapaixonadamente, é


certo. Em nós mesmos existe essa consciência vital que atua nas células do corpo e nas
funções vitais automáticas de modo que vivemos através de movimentos plenos de
propósito e obedecemos atrações e repulsões às que nossa mente é estranha. Nos
animais, esta consciência vital é inclusive um fator mais importante. Nas plantas é
intuitivamente evidente. As buscas e contrações da planta, seu prazer e dor, seu sono e
vigília, e toda essa estranha vida cuja verdade trouxe à luz um científico da India, com
métodos rigorosamente científicos, são todos mo vimentos da consciência mas, pelo que
até agora conhecemos, não da mentalidade. Existe então uma submental, uma vital
consciência, que tem precisamente as mesmas reações iniciais que a mental, mas é
diferente na constituição de sua auto-experiência, assim como o que é supraconsciente é,
na constituição de sua auto-experiência, diferente do ser mental.

O alcance do que podemos chamar consciência cessa na planta, nisso no que


reconhecemos a existência de uma vida subanimal? Em caso afirmativo, devemos então
supor que existe uma força de vida e consciência originalmente alheia à Matéria que,
contudo, entrou dentro dela, e ocupado a Matéria —talvez proveniente de outro
mundo [3] . De que outra parte pôde provir? Os antigos pensadores acreditavam na
existência destes outros mundos, que talvez sustentem a vida e a consciência no nosso ou
inclusive a provocam por sua pressão, mas não a criam mediante sua entrada nele
mesmo. Nada pode evoluir da Matéria que já não esteja contido ali.

Mas não há razão para supor que a gama da vida e a consciência fala e se detém no
que nos parece puramente mate rial. O desenvolvimento da investigação e do
pensamento recente parece apontar a uma sorte de obscuro princípio de vida e talvez
uma sorte de consciência inerte ou suspendida no metal e na terra e em outras formas
“ina nimadas”, ou ao menos a matéria prima do que em nós chega a ser consciência
pode estar ali. Ainda quando só na planta podemos obscuramente reconhecer e
conceber a coisa que chamei consciência vital, a consciência da Matéria, da forma
inerte, resulta certamente difícil para nós entendê-lo ou imaginá-lo, e o que achamos
difícil de entender ou imaginar consideramo-nos com dereito a negá-lo. Não obstante,
quando um há seguido a tanta profundidade à consciência, resulta inacreditável que
possa existir este súbito abismo na Natureza. O pensamento tem dereito a supor uma
unidade onde essa unidade está confessada por todas as outras classes de fenômenos e
em uma só classe unicamente, não negada, senão meramente mais oculta que as demais.
E se supomos que a unidade se acha interrompida, então alcançamos à existência da
consciência em todas as formas da Força que trabalha no mundo. Ainda que não
houvesse consciente ou supraconsciente Purusha morando em todas as formas, contudo
existe naquelas formas uma força consciente do ser da qual inclusive suas outras partes
aberta ou inertemente participam.
Necessariamente, com esse critério, a palavra consciência muda de significado. Já não é
sinônimo de mentalidade senão que indica uma auto-consciente força da existência da
que a mentalidade é termo médio; debaixo da mentalidade se funde nos movimientos
vitais e materiais que para nós são subconscientes; acima, se eleva no supramental que
para nós é o supraconsciente. Mas em tudo está a única e mesma coisa organizando-se
diferente mente. Esta é, uma vez mais, a concepção indiana de Chit que, como energia,
cria os mundos. Essencialmente, chegamos a essa unidade que a ciência materialista
percebe desde o outro extremo quando assevera que a Mente não pode ser outra força
que a Matéria, mas deve ser meramente desenvolvimento e resultado da energia
material. O pensamento indiano, em sua máxima profundidade, afirma, por outra
parte, que Mente e Matéria são, melhor dizendo, diferentes graus da mesma energia,
diferentes organizações de uma Força consciente da Existência.

Mas que dereito temos a dar, é claro, que a consciência seja a descrição justa para esta
Força? Pois a consciência implica algum tipo de inteligência, intencionalidade, auto-
conhecimento, inclusive ainda que não tomem as formas habituais para nossa
mentalidade. Inclusive desde este ponto de vista tudo apoia muito mais que contradiz a
idéia de uma universal Força consciente. Vemos, por exemplo, no animal, operações de
uma intencionalidade per feita e de um conhecimento exato, cientificamente minu cioso,
que estão muito além das capacidades da mentalidade animal e que o homem mesmo só
pode adquirir mediante uma prolongada educação e ainda então as usa com muito
menor rapidez e segurança. Estamos facultados a ver neste fato geral a prova de uma
Força consciente que trabalha no animal e no inseto que é mais inteligente, mais
intencionada, mais conhecedora de seu propósito, suas finalidades, seus meios e suas
condições, que a suprema mentalidade manifestada em qualquer forma individual sobre
a terra. E nas operações da Natureza inanimada achamos a mesma característica plena
de uma suprema inteligência oculta, “oculta nas modalidades de suas próprias obras”.

O único argumento contra uma fonte consciente e inteligente para esta intencionada
obra, este trabalho da inteligência, da seleção, da adaptação e a busca, é esse grande
elemento das operações da Natureza ao que damos o nome de desperdício. Mas
obviamente esta é uma objeção baseada nas limitações de nosso humano intelecto que
busca impor sua particular racio nalidade, bastante boa para os limitados fins
humanos, nas operações gerais do Mundo-Força. Vemos só parte do propósito da
Natureza e tudo o que não serve a essa parte o chamamos desperdício. Inclusive nossa
própria ação humana está cheia de um aparente desperdício, tão evidente desde o ponto
de vista individual que contudo, podemos estar seguros, serve bastante bem para o
grande e final propósito das coisas. Essa parte de sua intenção que podemos detectar, a
Natureza consegue fazê-la seguramente bastante apesar de seu aparente desperdício,
talvez realmente em virtude desse aparente desperdício. Bem podemos confiar nela no
resto que ainda não detectamos.

Para o resto é impossível ignorar o caminho do propósito do jogo, a direção da aparente


tendência cega, a segura chegada eventual ou imediata ao objetivo buscado, que
caracterizam as operações do Mundo-Força no animal, na planta, nas coisas
inanimadas. Na medida em que a Matéria foi o Alfa e o Ômega para a mente científica,
a repugnância a admitir à inteligência como a mãe da inteligência foi un honesto
escrúpulo. Mas agora isto não é mais que um gasto paradoxo para afirmar o emergir da
consciência humana, a inteligência e o domínio de uma ininteli gente e cegamente
condutora inconsciência na que não existiram previamente nem forma nem substância
delas. A consciência do homem não pode ser nada mais que uma forma da consciência
da Natureza. Está ali em outras envoltas formas debaixo da Mente, emerge na Mente,
ascenderá ainda a formas superiores além da Mente. Pois a Força que constrói os
mundos é uma Força consciente, a Existência que se manifesta neles é o Ser consciente e
um emergir perfeito de suas potencialidades na forma é o único objeto que
racionalmente podemos conceber para sua manifestação deste mundo das formas.

[1] I, 3.

[2] V, 8.

[3] É agora corrente a curiosa especulação de que a Vida ingressou na terra não
proveniente de outro mundo, senão de outro planeta. Para o pensa dor isso nada
explicaria. A questão essencial é como a Vida entra na Matéria e não como entra na
matéria desde um particular planeta.

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