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A q u e s tã o p o lítica no ca m p o , em n o s s o
país, é hoje a q u e stã o da p ro p rie d a d e
da terra; do c o n flito entre a p ro p rie d a d e
ca p ita lista e o s reg im es alte rn a tiv o s de
/i
p ro p rie d n d e q u e n a sce m da sua crise.
Na cid a d e , á luta p rin cip a l d o s tra ­
b a lh a d o re s é -contra ã e x p lo ra ç ã o
cap italista; m as, n o c a m p o , a p rin cip a l
luta d o s la v ra d o re s é co n tra a e x p ro ­
p ria ç ã o c o n d u z id a p e lo m e sm o ca p ita l.
rl O a d v e rsá rio é o m e sm o , m as o en fre n -
1 ta m e n tò é d istin to . #r r


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H U C IT E C
Sebo Literário Sorocaba
Coleção ciências sociais - Expropriação e violência
Martins, José de Souza
R$ 5,00
4%
é* Sociologia

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EXPROPRIAÇAQ
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& VIOLÊNCIA
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(a questão política no campo)
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Coleção Ciências Sociais
Série Linha de Frente
direção de José de Souza Martins
DO M ESM O A U T O R

Conde Matarazzo — o Empresário e a Empresa (Es­


tudo de Sociologia do Desenvolvimento), 2.a edição,
2.a reimpressão, Hucitec, São Paulo, 1976.
A Imigração e a Crise do Brasil Agrário, Livraria Pio­
neira Editora, São Paulo, 1973.
Capitalismo e Tradicionalismo (Estudos sobre as con­
tradições da sociedade agrária no Brasil), Livraria
Pioneira Editora, São Paulo, 1975.
A griculture and Industry in Brazil: Two Studies, Wor-
klng Papers n.° 27, Centre of Latin American Stu-
díes, University of Cambridge, Cambridge, 1977.
Xohre o Modo Capitalista de Pensar, 2.a edição, Hucitec,
ti&o Paulo, 1980.
o Cativeiro da Terra, Livraria Editora Ciências Hu­
manas, São Paulo, 1979.
Introdução Crítica à Sociologia Rural, Hucitec, São
Paulo (no prelo).
(Km colaboração com Marialice Mencarini Foracchi)
Sociologia e Sociedade (Leituras de Introdução à So­
ciologia), 5.a reimpressão, LTC — Livros Técnicos
e Científicos Editora S. A., Rio de Janeiro, 1980.

i
E X P R O P R IA Ç Ã O E V IO L Ê N C IA

A questão política no campo


i
JOSÉ D E S O U Z A M A R T IN S
(Universidade de São Paulo)

EXPROPRIAÇÃO E VIOLÊNCIA
A questão política no campo

E D IT O R A H UCITEC
São Paulo, 1980
íO) Direitos autorais de José de Souza Martins. Direitos
<ir publicação reservados pela Editora de Humanismo,
<7lôrirla e Tecnologia “Hucitec” Ltda., Alameda Jaú, 404,
São Paulo, Brasil. Fone (011) 287-1825. Criação
de capa e projeto gráfico de Duís Díaz,
Para

Carlinhos, Daniel, Ivo, Marcelo, D. Motte y t


Victor
— peoes-do-trecho.

À memória de
Raimundo Ferreira Lima, o
Gringo, carpinteiro e lavradorf
agente de pastoral na vila de
Itaipavas (Baixo Araguaia),
candidato da oposição sindical
à presidência do
Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de C o n c e i ç ã o do
do Araguaia (P A ),
assassinado por pistoleiros na
manhã de 29 de maio de 1980,
em Araguaína (G O ).
Sumário

Introdução ............................................. .............. 11


/ I — A questão política no campo .................. 22
^11 — Reforma agrária: ver ecompreender....... 38
" I I I — Terra de negócio e terra de trabalho: con-
^ tribuição para o estudo da questão agrá­
ria no Brasil .......................................... 45
IV — Migrações e tensões sociais naAmazônia 67
V — O cerco: capital e propriedade familiar no
Sul .......................................................... 95
VI — A crise do regime de propriedade e a crise
das instituições ....................................... 107
V II — A situação no campo ea conjuntura . . .. 114
V III — Guerrilha do Araguaia: o vencedor e o
vencido ................................................... 131
IX — A emancipação do índio e a emancipação
da terra do ín d io ..................................... 147
X — A terra na realidade do índio e o índio
na realidade da terra ........................ 152
X I — Retrato falado ...................................... 159

9
Introdução

Hoje, no Brasil, a questão política no cnui|»n


é principalmente a questão da propriedmle «In
terra. Um a grande massa de lavradores, quf=
conta exclusivamente com o trabalho dn i?»muln
e que corresponde a mais de 70% das tmldiiclen
de produção existentes, ou ocupa a term /;•-m
garantias e direitos assegurados (como é o nuin
dos posseiros), ou tem terra insuficiente pnrn
trabalhar em condições dignas (como 6 o ciimo
de um imenso número de pequenos proprJetá
rios no Nordeste, no Sudeste e no S u l).
Em 1970, havia mais de 14 milhões de In dm
lhadores nessas condições, além de cerco de '500
mil indígenas contados recentemente pelo til MI
É bèm menor o número de trabalhadores assala­
riados, temporários e permanentes, e de pairei
ros subordinados (que basicamente recebem atui
pagamento em espécie).
A autonomia do trabalho, como a dos peque
nos proprietários, a dos posseiros, arrendatários
e parceiros, esconde condições de vida, não mm
brutais, de trabalhadores que, em grande parte,
apenas nominalmente trabalham em terra que
é sua ou que está à sua disposição. Cerca de 1/|l
dos trabalhadores do campo, dedicados ao trabn
lho familiar, não recebe qualquer pagamento
por seu trabalho; outro terço recebe menos do >
que o salário mínimo. Em 1975, mais de 20% l
da força de trabalho no campo era constituída
por crianças que tinham no máximo 13 anos de
idade e que somavam quatro milhões e meio de
trabalhadores imaturos.
Essa situação está combinada com um rápido
processo de concentração da propriedade da
terra, de crescente subjugação direta e indireta
da produção agrícola pelo capital e de intensa
[expulsão de trabalhadores da terra. Entre 1950
e 1970, houve uma diminuição de um milhão
e meio de empregos no campo. O capital, de
distintas formas, nas diferentes regiões e nos
diferentes rumos da produção agropecuária,
pressiona com intensidade crescente para extrair
dos trabít Ui adores do campo cada vez mais os
seus excedentes agrícolas ou o seu trabalho ex­
cedente.
As grandes inquietações no campo, os confli­
tos cada vez mais numerosos são determinadas
pelo processo de expropriação da terra. A explo­
ração do trabalho é um problema que aparece
num segundo plano, muitas vezes embutida na
propriedade e por ela escamoteada. É exatamen­
te o inverso do que acontece nas grandes cida-,
des, nas indústria. Aí, nos confrontos entre as
Classes sociais, surge intensa é primeiramente o
problema da exploração do trabalhador pelo ca­
pital, pelo patrão. É em segundo lugar que se
tem feito presente um a forma particular da
expropriação, que é aquela que se manifesta nas
duras condições de existência dos favelados, dos
moradores de cemitério (como os dos moradores
dos túmulos do Cemitério do Araçá, em São
Paulo), dos que vivem em baixo das pontes, dos
moradores de loteamentos clandestinos, invasões
e alagados. De qualquer modo, não é o problema
da expropriação dos meios de produção, já con-T
i sumada, pressuposto que é de proletarização doj
trabalhador, da sua redução à condição de mão;
cie obra livre, despojada de toda propriedade que|

12
não seja unicamente a propriedade da sua força
íde trabalho.
O trabalhador da fábrica e o lavrador do cani
po vivem, em face do capital, processos soei; d
diferentes, porque se defrontam com o capital
de modos diferentes. São por isso classes sociais
entre si diferentes. O operário da fábrica é um
trabalhador expropriado das ferramentas, má
quinas, instrumentos e objetos de trabalho. Não
tem outro remédio, para sobreviver, senão o d**
vender ao patrão, ao capitalista, a única propilo
dade que possui, que é a da sua capacidade d»-
trabalho, a força dos seus braços. O seu trabalho
é parte do trabalho de muitos outros trabalha
dores, reunidos pelo capital do capitalista sob “
teto da mesma fábrica para produzirem todos
juntos as mercadorias com as quais o capitalista
vai negociar. O operário, hoje em dia, não é nmin
um trabalhador individual — é um trabalhador
coletivo, que reúne a força somada de todo-; o ä
trabalhadores da classe operária. Por isso, um
trabalhador sozinho não tem muitas condirdes
para lutar isoladamente por seus direitos. A força,
da classe operária não está no operário isolado,
sozinho. Ela está no conjunto, na união, dos tra
balhadores. Quem criou essa força foi o próprio
capital: despojando cada trabalhador dos sous
meios de produção, para retirar, dos trabalhado
res reunidos e por ele controlados, um lucro
maior, para explorá-los. O .capital socializou n
produção e as condições de vida dos trabalhado
res da fábrica, fez deles, contraditoriamenfo,
um a força do capital e uma força contra o rapl
tal. jp trabalhador coletivo, cuja produção é so
cializada ~perö^cäpitäl, vive diariamente a con
tradição irremediável entre o caráter social du
produção no capitalismo e a apropriação priva
da, capitalista, dos resultados da produção colo

13
tiva. Por isso, o trabalhador da fábrica sabe, no
limite, que para libertar-se dessa violêpcia e
dessa, contradição tem que se libertar junto com
os seus companheiros, não pode libertar-se sozi­
nho. Para escapar do seu cativeiro tem que liber­
tar a sociedade inteira, transformá-la, fazer com
que a produção social se complete com a apro­
priação igualmente social daquilo que foi produ­
zido pelo esforço solidário e fraterno de todos os
trabalhadores.
Os fundamentos da conduta e da consciência
do lavrador do campo são completamente dife­
rentes. Um camponês não tem a mínima condi­
ção de pensar õ~ agir como um operário, porque
ele é socialmente outra pessoa, isto é, pertence
a outra classe social, cujas relações sociais são
de outro tipo, cujos horizontes e limites são
outros. Esperar que os lavradores do campo, os
posseiros, os arrendatários, os colonos, os parcei­
ros, os pequenos proprietários, ajam como se fos-j
sem operários, aprendam a pensar como a classe
operária, é esperar o impossível. Essa espera é
um absurdo e, quando se transforma num a exi-
•gência político-partidária, é até mesmo um
crime. É uma espera idealista, reacionária. Nós
não temos o menor direito de esperar que o la­
vrador venha a “aperfeiçoar” a sua consciência
até o ponto de começar a pensar como um ope­
rário expropriado, como um trabalhador da fá ­
brica. Ele pensa diferente de um operário não
porque seja politicamente retardado, mas porque
é social e politicamente diferente.
Enquanto a mercadoria do operário é a força
de trabalho, a mercadoria do lavrador é o produ- ,
to do ijabalhoTW através dòjaiercadoque a mer­
cador ia j e f d ^ individualidadê, quejela se
socializa. Ela só pode ser trocada quando o seu
conteúdo, o trabalho, se torna equivalente do

14
1

conteúdo de todas as outras mercadorias, quando


a substância da mercadoria, que é ó trabalho, se
socializa pela troca. Quando o trabalhador vend<
diretamente a sua força dê trãbãlhb, essa sõció
lizaçao mediada pela troca o atinge diretamenfce
A mercadoria que aí nasce é produto do traba
lho combinado, social, socializado, de muitos trà-
balhadores. Quando^ porem, ‘ ò trabalhador é pro
prietário dos seus instrumentos de trabaiho, sua*;
(ferramentas, sua terra, esse processo atinge o
fruto do seu trabalho, mas não o atinge direta
mente. Ele comparece perante a sociedade, pe
rante o mercado, sozinho, dono das coisas quo
produziu, quando muito, junto com a sua fam í­ «
lia, isolado e isoladamente. As suas condições
individuais e familiares de trabalho, isoladas,
produzem também uma consciência, um a visão
de mundo, que reflete, que expressa esse. isola­
mento. Só uma força de fora do mundo do lavra­
dor, uma força que atinja por igual a todos os
lavradores, é que pode levá-los a se unirem, a se
verem como uma classe, uma força social. O-ca­
pital é essa força que procura expropriar o la­ m
vrador, ou pelo menos submeter o seu trabalho,
qüè procura divorciá-lo dos instrumentos de tra­
balho,' d a‘‘terra, p a ra q u e , ao invés do lavrador
trabalhar livremente para si mesmo, passe a tra­
balhar para ele, capital, .como acontece com qs
opçráribs, A união e a força dos lavradores do
campo não vem de dentro da sua condição
social. O lavrador que trabalha isoladamente
com a sua família não tem possibilidade de per­
ceber a extensão social e a força política de
todos os lavradores da sua sociedade. Somente
quando o capital, de fora da sua existênciapihva-
I dé o seu mundo, procura" a rra ftc á -lo da terra,
Iprocura transformá-lo num trabalhador que não
seja proprietário de nada além da força dos

15
braços, somente aí é que as vítimas dessa inva­
são, dessa expropriação, podem se descobrir
como membros de um a classe. Essa descoberta se
dá pela mediaçao do capital. E o que esta acon­
tecendo em nosso país.
Tanto o lavrador do campo quanto o operário
da fábrica são antagonizados e violentados pelo
capital, mas de formas diferentes. Por isso dão
respostas diferentes ao'm esm o adversário.
Para cada uma dessas situações, a questão
polit* ca se apresenta de um modo diferente. Não
porque correspondam a estágios históneos dis­
tintos, mas porque correspondem a formas dis­
tintas da violência que o capitalismo exerce
contra os lavradores do campo e os trabalhado­
res da cidade. Em nosso país, nos dias de hoje, o
capitalismo articula num só tempo, ainda que
em espaços distintos, & expropriação e a explora-
cão, processos que, a rigor, se deram separada- j
mente na história clássica do capital. Õ mesmo
igriipo econômico, nacional ou multinacional, j
\que utiliza técnicas sofisticadas e contratuais naj
'exploração do trabalho do operário em São Paulo j
pu nas grandes capitais européias, utiliza a vio-l
/lênçia do jagunço,„ sobrepõe o poder privado ao
poder público, para expropriar o posseiro n a 1
Amazônia e até mçsmo emprega o trabalho es­
cravo para abrir suas fazendas.
\ “Essa" "contradição deveria servir como colírio
i ’para limpar os olhos daqueles que ainda vem
J nessas últimas relações manifestações de feuda-
\lismo e pré-capitalismp em nossa^sociedade. Essã j
idéia t e ^ ^ f ^ ^ ô c r p a r á T apagar da mente dasf
pessoas as cqntfádiçÕès ï ë a i s tío'capitalism o &
toda a extensão brutal das suas múltiplas con|
tradiçoesT Elã simplificá ideologicamente a estru4
J tu fa do capitalismo, atribuindo a outra estrutu-j
j ra 'histórica .contradições. tensões , e v io lê n c ia s
que estão na própria alma do capital. Não se
trata, portanto, de encarar expropriação^ e_ex-
ploraçãp como dois momentos históricos que se
sucedem. "No caso da nossa sociedade, são pro­
cessos que estão ^ocorrendo simultaneamente,
articulados pelo^lnesmóãgente, que é o capital.
Seria extremada inocência supor que em São
Paulo determinada multinacional é capitalista
e na Amazônia a mesma multinacional é feudal.
A transposição de outras experiências históri­
cas para tentar explicar o nosso quadro político
esbarra fatalmente no empecilho representado
peia combinação simultânea dos processos de ex­
propriação e de exploração. O quadru .elássico do
capitalismò"'iios mostra o capital se expandindo
à custa da expropriação e do^proletarização dos
trabalhadores do campo, uma coisa produzindo
necessariamente a outra. Em nosso, país esse pro­
cesso não é assim tão claro nem assim tão
simples. O capital se expande no campo, expul­
sa, mas não pfolêtariza necessariamente o tra­
b a lh a d o r.É qüe uma parte dos expropriados
ocupa novos territórios, reconquista a autonomia
do trabalho”''pratica uma traição às leis do capi­
tal.
Tem-se dito que a expansão da fronteira eco­
nômica em nosso país está esgotada. Isso recò-
locaria o problema da expropriação na sua for- ^
mulação clássica. Assim a teoria ficaria salva. ^
Entretanto, o conhecimento histórico das lutas. 'l(
no campo e do avanço da frente de expansão (;
mostra çlaramente'quê essa tese não tem funda­
mento.(A„ frohteíra^hão se esgota pela.titulação
das terras em favor de grandes empresas e pro­
prietários levada a efeito pelo Estado capitalista.
É verdade que ergue barreiras judiciais ao-avan­
ço territorial dos lavradores sem terra. Mas, os
lavradores dó ç^ampórtêm suà própria concepção

17
y de direito de propriedade, que os faz levantarem-
-se su^versivamente contra o direito proclamado

direito popular de propriedade. O próprio direito


de propriedade das grandes fazendas e empresas
está sendo questionado nos enfrentamentos con­
cretos de índios e posseiros. Em muitas dessas
áreas, os títulos de propriedade apresentados
pelos latifundiários são, por exemplo, da década
de quarenta ou da década de cincoenta. Segun­
do a tese do esgotamento da fronteira, as novas -
áreas já estariam interditadas, esgotadas, nessas
épocas. Entretanto, é de dez anos para cá que as
lufas, confrontos, invasões tem ocorrido nessas
mesmas áreas, A tese do esgotam ento da fron­
teira. só é legítima do ponto de vista da classe
dorrflnantej da legitimação dp seu direito de pro­
priedade. É curiosamente um ponto de vista de-
liífícT.do, de um outro modo, pelos capitalistas da
Amazônia. Quando, porém, se vê a questão a
partir do direito construído na prática dos opri­
midos do campo, o que se descobre é que não liá
esgotamento da fronteira e estamos muito longe
disso; o que hápé o esgotamento dp povo.
Esse fato recoloca constantemente, como pro­
blem a político, o insucesso parcial da expropria­
ção e faz renascer constantemente no campo o
problem a da posse da terra como um problema
de resistência-à expansão.„do_capitalismo. Hoje,
ení nosso país, as lutas populares no campo, em
grande parte, tem concretamente esse caráter,
são anticapitalistas, estão profundamente enrai­
zadas na deterioração e na crise do direito de
propriedade.

1
O caráter anticapitalista da resistência tm
campo não deve ser depreciado e impe
sob pena de se cometer, grave injustiça, dii
da basicamente de uma postura idealista. < > aii
tiçapitalismo^do., lavrador é expressão conciei#
das suasjcondições de classe. Seria um nbnitjd"
exigir dele, senão em nome de uma postura tutu
litária, que pense como um operário da fui nica
que desenvolva uma concepção prôlciúiia «la
transformação da sociedade.
As lutas dos lavradores do campo repocm um
tinuaméhtè~como projeto e tarefa jpôlííion n i f ?
tauração da autonomia do camponês,' á iUã indt
pendência. Mas, ele não pode refluir parA um
momento da história, que nosso país mn l roubo
ceu, em que o capital não era senhor o rol, cm
que o lavrador tinha o seu mundo próprio * »
lavrador, já está, de uma forma ou <l<‘ cuitra,
preso nas malhas, nas contradições do eapitai
Porém, na medida em que o seu jra b a lb o ním «-•
trabalho socializado,, de um proletário < - pmpi in
do, também a sua consciência e o geu projito
não podem mover o seu anticapitalismo p ü i
além do capitalismo. O lavrador não vive cm um
dições históricas que lhe permitam ver <{n< A
contradição que determina o~ mõviment() de lõ
ciedade capitalista é a da" produção sori.ii rum
binada com a apropriação jpfiyada, ciq)iIMi1it Ã*
dos resultados do trabalho. Portanto, ele nfio
pode libertar-se sozinho. Ele conhece Õ homo dd
seu opressor, que é o capital e a proprio»\m\r
capitalista, mas seus olhos estão velados polü
autonomia do trabaího, pela sua soliduo A
ploração que õ alcança não é direta, tem mmi >
mediações, por isso cria também a ilusão dn
liberdade em quem já é profundamente escravo
Essa ilusão, porém, é a nesga de luz que lho por
mi te ver o corpo do adversário, embora não II m
mostre o caminho que está além deste, que per­
mitirá superá-lo.
A unidade das lutas, reivindicações, propósi­
tos, projetos e esperanças dos trabalhadores do
campo e da cidade — dos colonos, bóias-frias,
clandestinos e fichados, posseiros, operários, dos
brancos e índios, não pode ser, portanto, um a
unidade simplesmente social, como se todos vi­
vessem nas mesmas condições históricas e perce-
becessem do mesmo modo os problemas da socie­
dade e sua solução. São socialmente diferentes
e vêm de modos diferentes a sua libertação e a
sua liberdade. Essa unidade somente existirá se
for elaborada politicamente, se for unidade da
diversidade. Por isso, a grande questão hoje é a
questão da democracia, que reúna a força dos
oprimidos do campo e da cidade sem submetê-los
à violência terrorista da ditadura e da unanimi­
dade de pontos de vista. P a ra os diferentes per­
sonagens da nossa história presente, ser amigo
ou im migo dependerá muito de como for conce­
bida a forma política dessa democracia. Desde
logo, é sério engano propor a exploração e não a.
expropriação como eixo principal da questão po­
lítica no campo, como seria grave erro político
colocar a expropriação e não a exploração como
eixcLda questão política, na cidade.
Este livro nasce de um a sugestão do Professor
Florestan Fernandes. Os trabalhos são absoluta­
mente desiguais. Foram surgindo, em diferentes
circunstâncias, na maior parte dos casos, na
companhia dos trabalhadores, no aprendizado
recíproco, no debate com eles e com aqueles que
se colocaram a serviço da sua ânsia de justiça,
pela democracia de um a sociedade nova, sem ex­
propriados nem explorados, onde o poeta possa
ser poeta e o amor possa ser amor. São produtos
da reflexão, do questionamento, da tentativa de

90
descobrir nos enfrentamentos do dia-a-dia as
lições da História que está sendo feita, a luz que
rompe a neblina das situações difíceis. São estu­
dos e comentários produzidos basicamente para
localizar e situar problemas do campo. São tra­
balhos que procuram de imediato responder a
indagações concretas dos lavradores, para escla­
recermos juntos as nossas dúvidas. Alguns foram
produzidos em cima de indagações urgentes, no
meio de uma reunião ou de um debate. Na quase
totalidade, não são trabalhos acadêmicos nem se
destinam preferencialmente ao púbhco acadêmi­
co. São resultados parciais de pesquisas efetua­
das em várias regiões brasileiras, discutidos ime­
diatamente com o próprio interessado, na urgên­
cia das indagações ansiosas de quem vive no ime­
diato as violências mais fundamentais da nossa
sociedade.
Por isso, só me resta dizer, como se meus
fossem, os versos finais de esperança da bela
“Canção do Carreiro”, de Persival Moreira Coe­
lho, lavrador de Goiás, poeta dos trabalhadores
do campo:

Na canga do boi de carro


tem gente amarrado lá.
Gente não é boi de carro
pra o carro de boi puxá.
Gente tem mente que gira,
mente que pode girá:
gira a mente do carreiro,
a canga pode quebrá.

Dia do Trabalho, de 1980.


I — A questão política no campo ( * )
Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

(Patativa do Assaré, Cante lá que eu


canto cá, 2.a ed., Editora Vozes, Ltda.,
Petrópolis, 1978)

Você acredita que a proposta de Reforma Agrá­


ria, da forma como vem sendo colocada ultima­
mente, vem respondendo às necessidades e inte­
resses dos trabalhadores rurais?

Não. Em primeiro lugar convém levar em


conta que a luta pela reform a agrária deve
nascerjQOxâmpo. e não na cidade. Infelizmente,
té m o s a tradição de lutar pela reform a agrária
na cidade. Estamos sempre ignorando muito o
que se quer e o que se faz no campo. Acho que
um a indicação clara do que seja o descompasso

(*) Entrevista realizada por Leila Stein e Cláudio


Benedito Batista Leite para o jornal Companheiro,
n.° 21 e n.° 22, fevereiro de 1980.
entre a luta pela reforma agrária no m m } — - -
luta pela reforma agrária a partir da ■
está no fato de que quando se fala jiH h r.%\ ■ .
como se houvesse todo um diagnóstico * um m =
cesso político por trás dessa palavra, qup i * #= «
vessem os muitos problemas que há im > •
hoje. E a gente sabe que no campo exinfnm i =
blemas muito diversificados, situações nmim dí-
tintas. Você pode tomar como reiVn n, i \ *=.-
situações absolutamente diferentes, qtu . *-=t m
mente levarão a respostas políticas diu m m : -
no que diz respeito à terra: d e um lado n ijíirgip::
dos bóias-frias, os assalariados; do outro Imi«? a
questão dos posseiros e do outro a qu©r tlu
índio, já para não falarjio s pequeno.; pmpi
rios. O problema do uridiò; se coloca dcaiíiM d a
problemática da reforma agrária, h*»|* ui*5
porque aqui na cidade êstamos pensando ni -m
jmas porque o índio já está .lutando por í m «
importante que a luta p ela reform a agrária n§o
nasça na cidade e nem responda às conv«mêu
cias ou pontos de vista de classes sociais mim ima,
mesmo da classe operária. Neste momonlo jm r
menos sob o ponto de vista tático, seria muito
importante que o campo falásse primeiro. <> tia
balhador do campo está lá lutando e pm-Isu am
ouvídò, ãõ invés de ouvir. Isso significíi uma
certa prudência política que deve ser observa »tu
urgentemente, porquê" senão vai aconteces <>
guinte: a luta pela reforma agrária a partir da
cidade que IA
está sendo travada no campo. É quase certo qua
isso vai acontecer e deve ser evitado; é um eon
flito desnecessário.

Isto você coloca devido à diversidade de expr


riências acumuladas pelos movimentos rurais e
urbanos?
A questão é outra. A questão é que a visão da
problemática do campo que ”há na cidade tem
muíto pòücò ã ver com o que acontece no campo.
Por exemplo, quándd se discuté a questão agrá­
ria e a solução para ela, se fala numa reforma
agrária de caráter distributivista, partir a gran­
de propriedade e abrir caminho para a pequena
propriedade. Concretamente, se você tomar õ
caso dos 2Q0 mil índioà brasileiros, eles estão
levando sua luta n u rn alin h a completamente di­
ferente. Eles estão lutando — os que estão na
vanguarda dessa luta, os Xavantes, os Kaingang,
os Q uajajara, os Xocó, e outros — pelo direito e
pelo reconhecimento da propriedade tribal, um
código completamente distinto do que está por
trás da idéia de pequena propriedade. Para eles
a questão é outra, não existe a idéia da proprie­
dade privada e eles não estão dispostos a fazer
nenhuma concessão nesse sentido. Se você .tomar
como referência a situação dos posseiros ela é
inais ou m ên õ ^d e_ssQ3í^. luta pelo
trabalho de sua família, mas ele não luta pela
propriedade, coisas que são completamente dis­
tintas. P ropriedade do trabalho e propriedade
da terra são separadas na cabeça dele, coisa que
I nádTesta separada para nós que estamos na cida­
de. Nós estámos^Ideorogicamente impregnados
por um a concepção de propriedade muito deter­
minada. Tanto é que, quando você conversa com
os vposseiros,' eles conseguem diferenciar clara-
merite éstas duas coisas — terra e trabalho, o
que é privado da^família e p que é coletivo. Então
se á gente leva um a campanha pela reforma
ag rária distributivista, entra em conflito nesse
plano, e a campanha será impregnada de uma
ideologia muito urbana, muito capitalista no
fim das contas, que é aquela de que todos terem
direito à propriedade privada é qüe é democrá-

tico. No campo, o nível de expropriação ,chegou
a tal ponto que a questão não e mais essa. Por
isso mesmo eu disse que se deve mais ouvir do
que falar.

Levando-se em conta as necessidades de trans­


formação da estrutura agrária, o que o movi­
mento social urbano deveria incorporar como
reivindicações que interessariam ao movimento
rural?
. V

EmCprimd.ro lugar, partindo de um ponto de


vista prático e liácT ideológico, devemos reconhe­
cer que existe uma luta no campo. Ela existe,
não vai ser criada. Entender essa luta é fazer
aquilo que no campo é difícil de ser feito. A
gente pelo menos está sentindo que é traduzir
as lutas do campo em termos de uma proposta
pqlítipa de transformação da sociedade. Èm j
óptrás^ palavras, seria codificar a luta do campo, j
que ê uma luta^m uito pratica e pouçò ídeolô-
jgica^ ão passo que a luta urbana é muito ideoló-
lg i& ”5 3 SS5 ô PXáÍiQãrSéria incorporar essa expe- ,
riência concreta da população do campo em pro­
gramas partidários. Em vez de colocar num pro­
gram a partidário uma vaga noção de reforma
agrária, como tem acontecido, ir mais fundo,
dizer que reforma agrária é essa. em favor de
quem a gente está lutando, o que a gente quer
ou que tipo óu tipos de reforma agrária são ne-
cessários- neste^momentq.f InçQrporar-nos proj e-
toÇnÉT"programas político-partidários dou. movi­
mento Sdcial urbano formulações que possam
ser "entendi das por quem nstá no campo. Se você
falar simplesmente em reforma agrária, como se
• costuma fazer na cidade, o trabalhador do campo
não consegue entender. Quando entende, o faz
de um a forma tão particular, às vezes de um a

1 25
form a oposta a seus interesses (muitas vezes a
proposta aparece invertida na cabeça dele), o
que a meu ver é ruim. O ideal seria ter um a
proposta clara de reforma agrária e de transfor­
mação da sociedade. Isto para mim não é só um a
questão de linguagem fácil, mas sim de lingua­
gem clara, politicamente clara. Mas, você só
pode faiar claro, quando você vê claro.

Como você vê a luta que a Igreja vem desenvol­


vendo pela propriedade da terra, levando em
conta a afirmação acima de que a consciência
do trabalhador não passa pela propriedade da
terra?

Primeiro precisamos situar a Igreja e as lutas


no campo como coisas separadas. Como a Igre­
ja está muito próxima da população, pelo traba­
lho que vem desenvolvendo, ela é muito mais
sensível às mudanças imediatas. Ela pode en­
tender como as pessoas estão sentindo as coisas,
que lutas estão levando, e ela tem toda um a
tradição de formulação ideológica das lutas po­
pulares. Então ela é capaz de perceber e de mais
facilmente introduzir essas propostas e questio­
namentos mais amplos. E la é capaz de somar a
luta particular, localizada, de inúmeros grupos
de posseiros, do Vale do Pindaré, por exemplo,
com a luta dos índios do norte do Mato Grosso,
dos colonos do sul e que estão sendo deslocados
p ara Rondônia. Pode_ perceber que na prática
imediata dessa população está-se questionando
abertãmènte o yjgente jdireito de propriedade.
Esse direito de propriedade é .amplamente conhe­
cido por essa população,, porque ela tem toda
um a história de expulsões. Cada vez que esse
pessoal é expulso, não é expulso só pelo jagunço.
Entre os j agunços dos fazendejxos, se inclui o

26
%
*
oficial d e,justiça e, às vezes, até o próprio juiz. >
Então n£ssê~~caso a população já conhece que ,a
lei não funciona do lado dela.. A Jei .representa m
um direito, que não é o direito reconhecido pela m
população na sua prática, na sua luta por suas
necessidades. À Igreja consegue entender essas
coisas e traduzi-las numa proposta de questio­
namento da propriedade. Não é a Ig reja, en­
quanto instituição que faz isso, são setores ^cres­
centes e significativos da Igreja que conseguem >
falar e são capazes de visualizar isso tudo melhor
do que qualquer outro grupo da sociedade. Exis­
tem certos grupos políticos que estão falando,
um pouco ainda com receio, numa reforma
agrária distributivista, e você tem setores da
Igreja que falam em propriedade comunitária
oujmesmo em coletivização da propriedade, em
aprofundamento da apropriação comunitária da
terra. Isso representa um a distância política
concreta e representa também uma experiência
concreta diferente. Agora, de qualquer modo, a
Igreja documenta aquilo que está acontecendo.
De fato, a população do campo, nestes últimos
2 ou 3 anos, tende cada vez mais a abrir mão
de^qualquer possibilidade_de legitim ar.o direito
dq propriedade: as recentes invasões de terra e
os últimos acontecimentos vão nessa direção.
Faz-se necessário esclarecer, que quando nós
aqui na cidade pensamos no direito de proprie­
dade, pensamos muito em termos conceituais,
isto é, conceito de direito de propriedade, concei­
to de possibilidade de ação política, tudo é con­
ceituai. Para a população^ do campo a coisa não
é nada conceituai,'a coisa, e prática. O caboclo
do sertão não fala, ou fala muito pouco, mas ele
luta, ele organiza, ele invade. A fala dele é prá­
tica Agora mesmo na Fazenda Xavantina, os
fazendeiros diziam do cacique: “ele é um débil

27
*

mental, não dá nem para conversar com ele”.


Porque ele não é de conversa, ele não é concei-
tuçü. No entanto, ele orgamzou a mvasao da
fazenda e invadiu. Essa luta pratica fez com que
o I^rí iflente da República, correndo, baixasse
um dec reto estabelecendo -um a reserva dos X a -
vante.s. o homem da roça não fala comojoás; ele
é um homem do trabalho^ ele fala com as mãos
i e é isso que precisamos entender.

Existe na realidade uma especificidade dos tra­


balhadores rurais?
>
*\ V
Acho que descobrir isso é uma tarefa política.
Y : Aprende j a entender a especificidade dos peque-
\ !*’ nos agíji uitores do Rio Grande, dp Sul, dos pos­
seiros cio Maranhão, do índio Xavante, do Tapi-
í4 rapé, étc.
A^jíchlicixa^cpisa^ que precisamos perceber é
que essas pesspas-falam línguas diferentes; um
Xavante fala Xavante, ele pensa em Xavante;
um posseiro do Maranhão pensa em português
arcaico, uma língua completamente diferente
da nossa. O essencial não é o fato de falarem
uma língua diferente da nossa. Essas diferentes
línguas são línguas de classes diferentes. Nós
lemos a pretensão da universaUdade, que vem da
nossa posição dè c l ^ e ihédia,' que a gente é
tudo C Tiãppé^náda ao mesmo tempo. Enquanto
isso, essas pessoas vivem situações muito espe-
eíncas^ Parece-me extremamente importante en­
tender essa linguagem e acho que uma das tare­
ias políticas é essa. Ê interessante que aqui na
(ddade a gente tem muita pressa: agora se fala
em abertura e a gente acha que estão abrindo
tudo, mas não é assim. Antes da abertura a luta
Já existia e com ou sem abertura a luta vai con­
tinuar. Então precisamos conhecer essa situação

28
I

de fato e as linguagens sociais e políticas que


estão envolvidas.

Como você vê os meios de comunicação nesse


quadro?

Nas áreas de ^posseiros, de índios, apesar do


rádio ter' chegaHolá, usa uma linguagem m uito
distante, um a linguagem muito, fjantástica par$.
essa população.IKssa população não consome, a
população do sertão quando compra, com pra
remédios, a única coisa que pode com p r ar,
porque vive núín^grau extremo de. misérinT no
que se refere às mercadorias. A exclusão tão
absoluta que toda a fala do rádio não tem sen­
tido, épima coisa fantástica, como para nós^seria
fantásticàTlimã Ü an ça indígena. Acho q u e os
meios de comunicação de massa atingem m a is a
classe operária, á população .urbana e os assala­
riados do campo, máíTa penetração deles ain da
é relativa."Tía' momentos em que essa linguagem
produz exatamente o efeito contrário do espera­
do pelo comunicador. Ela é interpretada ao con­
trário. É um a linguagem poderosa, mas lim ita -»
^da^E ntre o rádm que diz uma coisa e o grileiro ,
ou jagunçoque, vai 1á e mata, queima as casas e
/mássacra as pessoas, este sim é o gesto que fa la .J
Num a péSqUisà qÜé estou fazendo encontrei;
expectativa em relação ao general Figueiredo. \
“Quando o Figueiredo entrar, vai voltar a lei v
da terra, nós vamos poder voltar, os fazendeiros“
vão ter que nos empregar”. A gente fica esp an ­
tado, de onde é que vem isso?
Mas esse endeusamento da figura do presiden­
te, não é só com o Figueiredo. O presidente é .
um a figura mítica. Muito recentemente u m a
amiga minha, que 'fazia uma pesquisa no oeste
do Pãraná, mexendo na papelada do Incra, en-

29
controu uma carta dirigida ao presidente Getú-
lio Vargas escrita em pleno ano de 1973, como
se ele ainda fosse vivo e presidente. Eu mesmo
tenho encontrado cartas destes nossos dias diri­
gidas a “Sua Magestade”, o presidente GeiselL O
poder é uma réálidáde muito abstrata, mas não
aqüllO'nqtre~ éstã-sé pensando que seja. Não é~a
propaganda em cima do Figueiredo que reflete
lá, é uma esperança naquele alguém “messiâni­
co”, que vai fazer, vai resolver, se não resolve,
nao é porque o Figueiredo seja ruim, daqui a 50
anos vai ter gente falando no Figueiredo, sem
saber que ele morreu.
"N a verdade é porque existe essa esperança, e
é uma esperança política que o estado capitali-_
za. Acontece que o Figueiredo não é ninguém
sem a máquina do Estado, ou seja sem os fun­
cionários, e todos os funcionários, do ponto de
vista dessa população, estão desacreditados. A
figura do presidente é realçada e fica o descré­
dito do funcionário. O trabalhador quer. a terra,
vai ao Incra e pede a terra, mas, a sua situação
não se resolve. Então escreve para o presidente,
para resolver o problema, estava sendo expulso,
massacrado e a carta no final aparece na agên-*-
cia do Incra de Conceição do Araguaia, aparece;
exataméhte nâ escala. que- ele queria evitar,
porque j á não deu certo antes, já estava desaj-
crediíada, Então não adianta mandar lá para ó .
L homena^em^ Brasília se ela aparece “na mãò
desses vagabundos”, como dizem, então não dá.
A própria burocracia conspira contra a visão
absoluta e mítica do poder.

O que você está entendendo sobre a expansão


da fronteira agrícola e que consequências têm
nas lutas pela terra? ^

30
Eu tenho trabalhado muito sobre o problema
da expansão da fronteira agrícola e discordo dos
economistas que dizem que a fronteira está es­
gotada. Se você tomar o cordão de conflitos
como referência, que está muito ao sul do rio
Amazonas, existe toda uma faixa a ser ocupada,
mesmo que lá ao norte tenha outra frente pe­
cuária. Não está esgotada. Se você tomar como
referência a história da expansão agropecuária
nq Brasil nos últimos 100 anos, vai ver que
sempre houve deslocamento progressivo da fron­
teira econômica e foi um deslocamento confli-
tual, o que não quer dizer que tivesse esgotado.
Este deslocamento é relativo e o que está acon-
tedihdü ...jê..que parte ^da p o p u la ç ^ está sendo
empurrada para essa imensa extensão de terra
e abre um imenso terreno pára ó grande fazén-
deíro7~0“acTframento dos cojnflitQs ultimamente
nao é um fato de ordem econômica, é um fato
de ordem política. Nos últimos anos, a rapidez/
da expulsão foi tão grande que numa mesma
geração há pessoas que foram expulsas umas dez
í vezes dá terra e resolveram hão sair mais. Quan-j
| do se tratava de um deslocamento mais lento,
I como erá Ká 20 anos atrás, o posseiro fazia sua
l ro c m h a ^ h fà o ffl^^ dele que sofria nova expul­
são. Isto diluia o impacto da violência do capital
sobre o lavrador. Hoje não, e com qualquer
pessoa que você converse, até crianças, vai ouvir
que está cansada, que não dá mais. Aí eles resol­
vem resistir. “Eu vou para „.onde? Se eu sair
daqui, vou morrer d O õme”. E são exatamente
estes grupos que^estao resistindo.
Õ nível de expropriação foi tão longe que aca-
hpu pròduzfndo ^um,. faio, político que é a resis­
tência. A política dgLÍncentivos aguça o interesse
d a T ^ a n d e empresa pelar- terra. Se a condição
para f eòehêF o incentivo è^ocupar a terra, então

31
estjLihuito perto^dp marginal. Em outras áreas,
o^bóia-friaí por exenipío, trabalha às vezes» com
o 'pequeno produtor durante a safra, e pelo
menos nesse momento, eles têm interesses anta­
gônicos. O problema me parece muito mais de
mediação. Quando se pensou em um sindicato
único, pensou-se em criar um a força „política. -
Hoje vale a pena pensar criticamente sobre isso,
ou seja, se de fato se criou um a força política ou
se enfraqueceu o movimento político em relação
à luta do trabalhador do campo, pelo menos do
ponto de vista do assalariado. Essa-m ediação é
clara e fu nciona b em no nível da CONTAG. Mas,
é muito problemática no trabalho de base, no
sindicato local.
v Não sei se se resolve os problemas eliminando
á às mediações, juntando todo mundo no mesmo

luta do índio? Evidentemente não -colocando o


posseiro e o índio na mesma frente de luta local
ou no mesma sindicato local.
Ó posseiro, inclusive, frequentemente é inimi­
go do índio, e isto não quer dizer que ambos não
sejam oprimidos, que não sejam atingidos pela
violência do capital. A mediação deve ser políti­
ca, não social.

XJm sindicato seria a solução para os trabalha­


dores assalariados?
h ' ! .
A princípio, do ponto de vista das dificulda­
des concretas das lutas e das reivindicações dos
trabalhadores, acho que é uma questão a ser
pensada. Claro que o trabalhador deve ser ouvi­
do, mas acho que no caso dos bóias-frias. o cami-
nhp A sindicato e não a cooperativa. Entretan­
to* parece-me que o sindicato como está proposto
não está bem, inclusive apresentando dificulda-
1

des. Coma um bóia-fria pode ser, assistido por *


um sindicato, se ele mora em São José do Rio
Preto"eTrabalha em Alfenas, e amanhã está em
Goiás? Além disso, nosso sindicato iunciona n a
ba§e de que o trabalhador o procure. O sindicato
precisaria acompanhar o trabalhador. Estou pen­
sando num sindicato “que tenha* outro tipo de
presença.

O que você acha da reformulação partidária


em relação ao trabalhador do campo?

Toda essa movimentação que está aí aconte­


cendo, no sentido de formar grupos político-par­
tidários não tem nada a ver com o que ocorre
no campo. Ela responde a questões muito par­
ticularizadas, muito localizadas e que são funda­
mentalmente ideológicas. H á três grupos que
fal^mjda .necessidade de partidos vindos de Jbaixo
para cima. Mas, você não vê esse de baixo para
cima, não dá prá ver em nenhum desses grupos.
Estou falando muito francamente. O queTxá_ó
um esforço de criar um partido que responda às ,
ansiedades que venham de baixo. Mas partidos
que venham a ser organizados a partir de bases
estruturadas, não há. Porque não há bases es­
truturadas. —
A luta do campo^é uma lu ta muito diversifi­
cada, vocé tem çpmo^ exemplo o vale do Pindaré,
no Maranhão, onde existe um conjunto de lutas
em tomo da maior grilagem que há no Brasil.
EntFé iiih grupo ê outro há distância de até dez
quilômetros e os grupos estão muito fechados,
na sua pfõprjaJuta. Não progrediram ainda, em
termos de uma formulação mais am pla que os
levasse a se trãhsfõTmárem em bases para um
partidq__político que tentasse se aglutinar a
partir de baixo. Eu notei que, nas diferentes

35
prgpoül>as de..programas que têm sido feitas, não
h á'n ad a que seja significativo no campo. Então
eu não vejo como é que está vindo de baixo.
Parece que vem de cima e muito mal, no que diz
respeito ao campo. Não estou discutindo o que
se refere à classe operária, pois existe um a forte
tendência do movimento político brasileiro de
ser urbano e não rural, quando foi rural foi de
fazendeiro e não de trabalhador. Ê até hojemão
se encontrou o caminho para chegar lá; "
Na Sen^ana dos Direitos Humanos, organizada
em fins de 1979 em São Paulo, com o pessoal da
pgriferia, se pediu aos participantes que disses­
sem o que queriam discutir. Eles propuseram,
em primeiro lugar^ que se discutisse a questão
da propriedade da terra. Essa era á proposta 'dbs~~
operários da cidade dé São Paulo, da periferia.
Não é pessoal de partido, dos sindicatos, mas o
pessoal solto da periferia. Ele ainda quer uma
explicação para o fato de que foi expulso da
terra.
Por isso, esses novos partidos estão muito dis­
tantes de encam par^W põstaã que o pessoal tem
no campo e, até, na cidade. Do jeito que vão
indo, pelo menos em relação à população do
campo, não vão dizer muita coisa. Olhando o
programa do PTB, por exemplo, há referências
muito vagas à reforma agrária, exatamente co­
mo sempre se pensou reforma agrária, não avan­
çou nada. O partido que faz uma proposta con­
sistente em relação ao campo e congruente com
sua perspectiva de classe é cpPÆL Faz um a pro­
posta muito na linha do Estatuto da Terra, de
acabar com o minifúndio. A reforma. agrária é
aumentar..a produtividade no- campor essa é a
proposta burguesa. Ele foi o único que perdeu
tempo e dedicou um espaço enorme a isso. Nos
outros eu ainda não vi um a proposta clara. Eu

36
sinto que hauyej.ima omissão e que.há.. u m a t en-
dência clara de que os partidos representarão os
trabalhadores urbanos, ou então há um a inse­
gurança, uma áúvida, um desconhecimento do
que fazer no campo. O desconhecimento se supe­
ra através de estudos, mas esses partidos estão
muito baseados na cidade e provavelmente mais
uma vez, muito na classe média. Esse é um pro­
blema sério, porque mais uma vez a população
do, campo_ fica desamparada. É evidente que os
partidos políticos não vão nascer no campo, a
política é feita na cidade, mas os fatos nos
mostram que os partidos que estão nascendo na
cidade com propostas populares, ou querendo
desenvolver propostas populares, não consegui­
ram amadurecer uma boa preocupação em rela­
ção ãT isto, não sintonizaram bem o que está
acontecendo com esta diversidade de situações
no campo. Por isso tanto faz P T ou PM D B, na
medida em que esses partidos não estão se preo­
cupando com a realidade das populações do
campo. Apesar disso, eu não acho que essa po­
pulação seja insensível a apelos partidários.

37
II — Reform a agrária: ver e
compreender (* )
Esta terra é desmedida
E devia sê comum,
Devia sê repartida
Um taco pra cada um,
Mode morá sossegado.
Eu já tenho maginado
Que a baxa, o sertão e a serra,
Devia sê coisa nossa;
Quem não trabaia na roça,
Que diabo é que qué com terra?
(Patativa do Assaré, Cante lá que eu
canto cá)

A reforma agrária ameaça renascer como


tema poTíticõr~Nãs~poucas propostas de progra­
mas para possíveis novos partidos políticos, há
sempre lugar para um pequeno item, mera lem­
brança, de que é preciso fazer a reforma agrá­
ria. Nos meios _acadêm icos recomeçam tímidas
referências ao assunto. Embora a maioria das
pessoas hoje não saiba exatamente o que é uma
reforma agrária, sempre que se toca no assunto,
ninguém ousa dizer nada em contrário. Ê alar­
mante que, em meio a um claro desconhecimento
do assunto, as pessoas não se sintam encorajadas

(*) Publicado em O São Paulo, 14 a 20 de setembro


de 1979, p. 3.

38
a fazer perguntas, levantar questões, poi mm
dúvida esta ou aquela proposta.
Parece-me justo ou necessário fazer dcvul«* h.y *=
duas perguntas: O .que é uma reforma. m u ^ i«
Que modalidade de “reforma agrária deve m « ««..
ver-se nas bandeiras de luta política deste nití
mento na sociedade brasileira?
Õs que têm alguma familiaridade com o n::min
to costumam argumentar pela reforma agí .irln
tendo em conta os defeitos da nossa cstrut.in h
agrária, ou seja, a má distribuição da terra no
Brasil: muita gente teín põüca terra para l.ndm
lhar e pouca gente tem o controle de mullii
terra, nem sempre utilizada para o bem público
Esse fato é verdadeiro e tende a agravar-se cm
nosso País. Por isso seria necessária uma refor
ma agrária no Brasil. O censo agropecuário <!c s
19T5 revelou que 52% Idõs^estabelecimentos
rurais tinham menosjíê ~ Í0 ha, e abrangiam ape
nas 2 ,8 % da área total. Ào mesmo tempo, 0 ,8 < I
tinham mais de mil hectares e compreendiam §
43% da área total. O mesmo censo revelou que
entre 1970 e 1975 aumentou muitõ' mais a área
controlada pelos grandes proprietários do que a
área controlada pelos pequenos, esta última prá- f
ticamente estacionada em termos relativos. Além ^
de revelar maior concentração da propriedade,
o mesmo censo mostrou que o regime de proprie
dade se fortaleceu em detrimento dos lavrado- %
res%fem terra. Enquanto houve um ligeiro de- c»
créscimo no número de estabelecimentos dirigi- ^
dos pelos próprios proprietários, a sua área
cresceu em mais de 1 0 %. Mas o número de esta­
belecimentos organizados em terras arrendadas, co­
mediante várias formas de pagamento de alu-
guel, caiu em 10 %\ Por sua vez, a área arrenda­
da diminuiu em 19%. Em termos práticos isso
significou expulsão de lavradores das terras em f*-
w ‘ — ----- - Ü
39
que trabalhavam. Aerescente-se que transforma­
ções- ocorridas'na organização interna das gran­
des fazendas, como a suíStrtuiçãb Ue lavouras
por pastos, também lançou um grande número
de trabalhadores para fora da terra. Lavradores
e trabalhadores expulsos dirigiram-se em parte
para ás cldades,'~aT procura de emjprjgo, para
constituir b chamado_“exéreilQ industrial de re­
serva” — a massa de trabalhadores disponíveis
no mercado de trabalho, à procura de. emprego,
cuja função, pelo excesso de oferta em relação
à procura, é a de rebaixar os salários. Não é por
menos que, entre 1958 e 1970, cada família tra­
balhadora da cidade de São Paulo precisou lan­
çar no mercado de trabalho mais um dos seus
membros — a esposa ou um dos filhos — para
manter o mesmo nível salarial de antes. Não é
que não haja empregos. O que há é emprego
para salários baixps, isto é, para lucros altos
Também nqcam poyhouve consequências desse
processo que se refletem na cidade. D a área plan­
tada com lavouras, ou seja, geralmente alimen­
tos destinados ao consumo no campo e na cidade,
65% correspondiam^ èni 1975, aos estabelecimen­
tos rurais cujo tamanho era de no máximo 10 ha
(pequenos lavradores). As grandes fazendas, com
mais de mil hectares, tinham somente pouco
mais de 3% da sua área destinada à lavoura.
Isso quer dizer que o crescimento da grande
propriedade em detrimento da pequena não
reduz apenas a oportunidade de trabalho para
lavradores l i trabalhadores rurais — diminui
também a oferta de alimentos no mercado urba-/
jno. Já se sabe que á especulação com gêneros
alimentícios nas grandes cidades, uma das cau­
sas da inflação galopante, é a consequência do
modelo econômico vigente que, entre outras
coisas, diminuiu o número de produtores agríco-

40
las no campo e..aumentou. drasticamente o n ú ­
mero de consumidores ^_.aÍLnientos~ria cidade,
A grande prõprlédadè no Brasil tradicionalmen-
te naõn^m interesse na prpduGãol<ie alimentos
para d mercado interno, justamente chamada de
“lavoura de pobre”. Ò grande fazendeirp prefere
produzir para a exportação, como sempre acon­
teceu e como tem sido especialmente estimulado
pelo governo através da chamada política deün-
cçntivos (com vistas justamente a obter recursos
externos destinados a aliviar os nossos dispên­
dios monetários no exterior, seja para cobrir des­
pesas crescentes com combustíveis, seja para
cobrir despesas permanentes com pagamentos
de lucros e serviços das empresas multinacio­
nais) .
E possível que se volte a falar em reforma
agrária como solução para aliviar esse quadro
_ cuja tendência é o agravamento. É mesmo signi­
ficativo que projetos de colonização particular
estejam em anãamento nos últimos meses, jus­
tamente nas áreas de maior concentração fu n­
d i á r i a da Amazônia Legal, em sítios que o
;próprio regime militar dizia, há pouquíssimos
anos, impróprios para a lavoura e apropriados
unicamente para grandes fazendas de gado.
Isso é importante porque nem sempre a ban­
deira da reforma agrária é uma bandeira popu­
lar, que tenha por cobjetivo, resolver os proble­
mas da maioria do povo. Por isso mesmo convém
ter em cohtá qüe á reforma agráriax pode ser
distributivista ou coletmstãTPode ser um a refor­
ma qüe leve à fragmentação das grandes pro­
priedades, para pultiplicar simplesmente o nú­
mero de pequenos lavradores, sem afetar o regi-j ,
* me de propriedade qüe é responsável pela mesma;
concentração das terras em poucas mãos. Foi o!
que aconteceu no chamado Norte do Paraná. An
„« Á. V
pequena propriedade familiar do início da colo-
nizaçaõ7 ~nâ uris anos, ~vem dando lu gar, A_
concentração fundiária. A mesma coisa aconte­
ceu ènTõiitfõs paisèSrT£Sse tipo de reforma agrá­
ria era o que vinha sendo reivindicado no Brasil
antes de 1964, tanto pelais esquerdas, quanto
pelo governo trabalhista de Goulart, quanto pelo
próprio imperialismo americano (através da
Aliança para o Progresso).
U m a heformá“ coletivista;^ também tem os seus
problemas;' mas é aquela que altera o regime
v de propriedade, para impedir que a concentra­
ção dá terra em poucas jn ãos venha a ocorrer
novamente. Os ihdiOs tóasil&fós, neste momen­
to, estão claramènte lutando pelo reconhecimen­
to do regime comunitário ^ e _prppriedade_que
fundamenta a sua existência tribal, a restaura­
ção da sua identidade social violentada e a afir­
mação de sua visão de mundo anticapitalista. A
recente tentativa de emancipação oficial do
índio constituiu, na verdade, um recurso para
dar um golpe de morte nessa luta dos povos in­
dígenas brasileiros.
O milhão , de- famílias de posseiros espalhados
,por todo o Brasil, mas concentrados sobretudo
no norte, também está travando um a luta neste
1 momento pelo reconhecimento de que a terra é
um bem cole tiYQ, sujeito ao trabalho privado, \
; mas não & propriedade privada. Esta distinção: \
[ não tem sido j>ercebida em nenhum momento
por aqueles que na cidade levantam a bandeira
da reforma agrária distributivista; não. perce­
bem mje_es£ajeníaca^m ^ com a luta e as
reivindicações concretas de índios e posseiros es-
paljiado^^por--todCL-CL Brasil.
É diferente a situação_dos pequenos proprietá-
rips^A pequena propriedade? mais característica
do sul e cio sudeste, está hoje sitiada pelo grande

42
capital e pela grande propriedade. Não só tem
dificuldade para se reproduzir (não só não cres­
ceu o número de pequenos estabelecimentos
entre 1970 e 1975, como até diminuiu ligeirá
mente), como está hoje praticamente submetida
aos interesses do grande capital. Isso quer dizer
que, dos filhos de úm nequenalavrador, somente
um terá a oportunidade de sen lavrador por
conta própria} _em^regime -de trabalho familiar
como seu pai. Seus—irmãos—serão expulsos da
terrãTNa região colonial italiana do Rio Grande
do Si1 srrpieuf,p herrfpLn jovem. No
sul de Minas, as mulheres são excluídas da he
rança a que têm legalmente direito. Os p.obrçs
deseniarrL.jQS_pnbres„para manter o regime agrí-
cola..dQ-trabalho familiar autônomo.
E os que ficam, passam a trabalhar para as
grandes empresas industriais de alimentos, sub­
metidos àos critérios de lucro das fábricas. É o
que acontece com os produtores de fumo, de
porcos, de uva, de tomates, de ervilhas, etc., que
trabalham para a Souza Cruz, para a Sadia, para
as empresas vinícolas, para a Cica, para a Paqi-
letti. O trabalho__do pequeno lavrador já está
sendo amplamente subjugado "pelo capital dos
grandes grupos econômicos. A luta) aí tem sido
contra a deterioração dos—preços agrícolas, e
contra a impossibilidade de reprodução da pe- \
q uena agricu 1tura. _....______ _ - i $ *;
A situação dosl^bóias-frias) também não é sim-o,
pies. Muitas pessoas acreditam que a redistri- r;,
buição da terra poderia aliviar a situaçãn grave
dos~rhíihoes d e trabalhadores jniiais^rasileirQS.
Quando conversamos com trabalhadores de mais
idade, observamos qüe para eles o^retorziQ à terrg
é uma bapdeira-deJLuta. Õs mai£moços>já cria-
rarp raízes na cidade, preferem meíhbfar as con-

43
- ,O
a\9 A j^_
\ 0
dições dos seus contratos de trabalho. A sua-luta.
já n ã o é mais pelaTterrá; agora elaép eln _saláriQ.
Ternos,- pdftãhto, ’ pela frente, um quadro aq
mesmo tempo »grave e diversificado. U m a siinplçs
proposta de reforma agrária distributivista, de
tipo^apit^lista, ènSãhdeirá que está muito aquém
do que esperam grandes massas de lavradores.
U m a proposta coletivista, por sua vez, abriria
um conflito_Qom~áqüeÍes que já foram subjuga-
Ci° s^£§lct-Xegime....da pequena propriedade. No
meu modo de ver, esta. é hora para se .discutir
menos, mas discutir, e ouvir mais — ouvir ps
pobres dõj cãm}3Õ, conhecer suas bandeiras de
lutáje^sua. luta, am pla e violenta como tem sido
nestes anos todos. Não temos o direito de -inven­
tar bandeiras de luta para quem já está lutando,
para quem já vê nitidamente o que quer. Cabe­
mos primeiramente v e r e compreender. Para que
não se i^pitam-Qs„. erros anteriores a 1964^quando
propostas e alianças foram definidas com escas­
sa participação dos interessados, os pobres e ofen­
didos do campo.
!

III — Terra de negócio e terra de


trabalho: contribuição para o estudo
da questão agrária no Brasil
A g rá ria no Brasil
Tem fazenda e fazenda
que é grande prefeitamente
Sobe serra desce serra
Salta muita água corrente
Sem lavoura e sem ninguém
O dono mora ausente
Lá só tem um caçambeiro
Tira onda de valente
Isso é uma grande barreira
Que está em nossa frente
Y Tem muita gente sem terra
VE tem muita terra sem gente
( “Espelho da realidade”, Cantos dôs
Lavradores de Goiás, CRD, Goiânia,
1979, p. 15)

1. A concentração da propriedade da terra

A questão da propriedade da terra no Brasil,


e da situação das pessoas que nela trabalham
ou dela precisam para trabalhar, é hoje extre­
mamente gravej O Censo Agropecuário de 1975
revelou que 52,3 % dos estabelecimentos rurais
* do país têm menos4 de 10 ha e ocupam tão so­
mente a escassa área de 2 ,8 % de toda a terra
utilizada. Em contrapartida, 0,8% dos estabele- 1
í
45
cimentos têm mais de 1.000 ha e ocupam 42.6%
da afea total. Mais da „metade aos estabeleci-
melítõs^ ãgrõpecuários ocupa menos _ de 3 % - da
terra; ê^ menos de 1 % dos estabelecimentos ocupa
quase metade da terra. Se levarmos em conta
que, provavelmente, muitos dos grandes proprie­
tários têm o domínio de mais de uma proprie­
dade, estaremos em face de uma concentração
fundiária ainda maior. Além disso, a proprieda­
de da terra vem se tornando inacessível a um
número crescente de lavradores que dela neces­
sitam para, trabalhar e não para negociar.
Os estabelecimentos registrados nos dados cen­
sitários incluem os que são dirigidos por proprie­
tários e os que são dirigidos por lavradores que
não têm a propriedade da terra (arrendatários,
parceiros autônomos e posseiros). Em 1950, ape­
nas 19,2% dos lavradores não eram proprietá­
rios dos seus estabelecimentos rurais. Em 1975,
essa porcentagem tinha subido para Em
1950, para cada lavrador não-proprietário havia
4,2 que eram proprietários. Em 1975, para cada
lavrador não-proprietário havia apenas 1,6 pro­
prietários. Esses números constantes dos censos
oficiais não incluem aqueles que são trabalha­
dores rurais propriamente ditos e, portanto, sem
terra (assalariados permanentes, assalariados
temporários, parceiros subordinados), mas so­
mente os responsáveis pelos estabelecimentos.
Se analisarmos a situação em relação aos pe-
quen&s produtores agrícolas, verificaremos que a
situação é mais grave ainda. Em 1975* para cada
lavrador proprietário havia um lavrador não-
-proprietário da terra, no que se refere aos esta­
belecimentos com menos de 20 ha. Se nos limitar­
mos aos estabelecimentos com menos de 10 ha,
que constituem mais da metade das unidades de
produção do país, notaremos que para cad aja^

46
vrador proprietário há 1,3 lavradores imo pm
prietários. Desde 1950 vem se agravando essa pn
porção, o que indica que um número cnvtci-utr
de lavradores não tem terra e para construi \n
deve pagar uma renda ou invadi-la.
Além disso, devemos considerar os millmn n «i<
lavradores que tiveram que sair da terra tu )n
terra própria, seja terra arrendada, seja t<ai n
ocupada. Entre 1950 e 1970, as oportunidades
de trabalho para terceiros na agropecuária (n,=;
salariados e parceiros subordinados) caíram cm
cerca de um milhão e meio de empregos.
O estrangulamento da pequena agricultura,
por sua vez, está intimamente associado à cxpan
são das pastagens. Em 1970, os estabelecimento .
agropecuários com mais de 20 ha tinham 54 ,(>%
da sua área tomados pior pastos e apenas 8,5 %
por lavouras. Já os pequenos produtores, com
estabelecimentos com menos de 20 ha, dedica
vam 54,1% de suas terras à lavoura e 21,1% à
pecuária. Dados oficiosos indicam que há hoji
no país cerca_.de 40 milhões de migrantes, muito,
dos quais obrigados a sair do seu lugar de ori
gem devido, principalmente à concentração da
propriedade da terra, à extensão das pastagem;
e à transformação nasrelaçÕe&jde trabalho na
lavoura.
A totalidade do país tem sido alcançada, ainda
que de formas distintas nas diferentes regiões,
por essa situação. Num extremo, em parte da/
\ região Nordeste, na região Norte a _n a região
\ Centro-Óeste^ão-inúmeros os ..conflitos entre, d('
j i m d a d ^ grandqs empresas nacionais e multina?
cionaiâ, grileirqs e fazendeiros e,Cde^i3 fí>, posfl
: seiros e índios por òausa da terra. Violências de
tõda a ordem têm sido cometidas contra essas
V pessoas para assegurar a sua expulsão da terra.
Nessas violências, já se comprovou amplamente,
estão envolvi dos desde j agunços e pistoleiros pro­
fissionais. até soldados, oficiais de justiça e os
proprios juízes. Não raro observa-se a anomalia
grayíssimã'"da composição de forças combinadas
de jagunços e’policiais para executar sentenças
de despejo decretadas pelos juízes, como se obser­
vou no Mato Grosso e se observa agora no sul
do Pará.
Estudos recentes mostraram que a cada três
diaSj em média, os grandes jornais do sudeste
publicam uma notícia de conflito pela terra em
algum lugar do país. Comprovou-se que essas
notícias correspondem a menos de_JL£L%. dos con­
flitos que efetivamente ocorrem. Um levanta-
v^ mento do número de vítimas q u e ,sofreram vio­
lências físicas, feito através de jornais, indica
que^lnais" 'dú ãCT^: delas_.morrem...ncsses çpnfron-
, f.tos. Isso mostra a extrema violência da luta pela
tdTa em nosso país, com características de uma
guerra' ~dê extermínio, em que as baixas mais
pesadas estão do lado dos lavradores pobres. Esse
\ processo tem sido agudamente acentuado na
chamada Amazônia Legal^ (embora ocorra tam­
bém em outras'regiões' como é o caso da Bahia
e foi até há muito pouco tempo o caso do P a ra­
ná), para dar espaço a grandes empresas agro­
pecuárias, subsidiadas com recursos públicos
[provenientes do impostojde renda. Àté julho de
119777 a Superintendência do Desenvolvimento
* da Amazônia havia aptcvado 336 projetos agro­
pecuários,"' nos quais seriam investidos 7 .bilhões
de cruzeiros. Dessa importância apenas 2 bilhões
correspondiam a recursos próprios das empresas,
enquanto os r e s t a n p i T h o e s (mais de 70%
do total) eram provenientes dos chamados in­
centivos fiscais.

AS
É preciso não esquecer de que a pnlítica-de-
incentivos fiscais, não só na Amazônia, mas
tãmbein T m “outros rproj£tas__oficiais, como é o
caso do reflorestamento, desvia dinheiro público
para uso privado. Esse dinheiro deixa de seruuti-
liz^dcL efetivamente em obrasse .atividades de in­
teresse público para ser desfrutado como coisa
propria pela grande empresa-capitalista. Esse.
ponto é muito importante porque nos revela o
caráter dp. Estado.em nossa sociedade : em nome
de diiem ele fàla e age.e_em favor de quem atua.,
Embora seja amplamente reconhecido, pelo pró­
prio gòverpo, que a maior parte da alimentação
em npsso^país é produzida por pequenos layrado-
res(é nãp.por empresas capitalistas, até hoje não
se produziu uma política de incentivos fiscais ou
de transferência deJtenda para esses produtores.
Aquele tipo de polj^ãca^denuncia claramente o
Estado brasileiro como um Estado, de. classe. *
Essa orientação oficial tem constituído o _prinr
cipal atrativo para a entrada da grande empresa
capitaUsta no campo. No caso d a cAmazoma^issÓ
nao aumentou em nada a produtividade das
gràndês fazendas de gado, com uma utilização
da terra inferior à dps pequenos produtores : uma
única vaca precisa de 3 hectares de pastagens.
A política oficial não transformou os grandes
capitalistas em pastores de vacaspmâs em pasto­
res de incentivos fiscais.

2. Expropriação e exploração:
um processo combinado

Estamos diante de um amplo processo de expro­


priação dos lavradores levado a efeito~pêlas gran­
des empresas capitalistas. Apoiadas particular-
‘mente nos incentivos fiscais, começam a vislum­
brar grandes negócios na propriedade da terra. .

49
__ _______ N
0Ky A expulsão atinge não só jgqsseiros (que chegam
fiõje^hó país a um milhão de fam ílias), como
também arrendatários e parceiros, através da
substituição da lavoura pela pecuária.
U m a parte significativa desses lavradores tem
se dirigido para as grandes cidades, à procura
de uma oportunidade de trabalho, indo engros­
sar a massa ..marginalizada que vive em condi­
ções sub-humanas nas favelas, invasões e ala­
gados^ Q utrã partç entra sertão adentro à pro­
cura de ferras ^desocupadas, longe das grandes
empresas, onde possa fazer sua roça, como tem
acontecido com Òs^posseíros. O que durará ape­
nas o tempo necessário à chegada de um novo
grileiro, de, um a-nova fazenda.
Onde g exproprlaçag) não ocorre diretamente,
nem por isso o grande capitai deixa de se fazer
presente, estrangulando economicamente os pe­
quenos^ Dados do Ministério do Inte­
rior, recolhidos no posto de controle de m igra­
ções de Vilhena, em Rondônia, mostram que os
milhares de migrantes, chegados-àquele territó­
rio procedem de áreas de _pequena lavoura de
Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa
Catarina, principalmente. Milhares de pequenos
agricultores têm se deslocado do Rio Grande do
Sul em direção ao Mato Grosso. Em virtude do
preço exorbitante da terra nos seus_ lugares de
origem, esses agricultores não têm condições de
ampliar suas próprias oportunidades de traba­
lho e de garantir a seus filhos que crescem e
constituem família a possibilidade de continua­
rem na lavoura. Só lhes resta migrar.
Em grande parte, a falta de recursos para
cobrir o preço da terra nas regiões de origem
desses migrantes vem do fato de que os rendi­
mentos do seu próprio trabalho agrícola —são
amplamente~aBsõrvidos pelas grandes empresas

í50
capitalistas que estão criando.mecanismos quase
compulsónosde comerei allzaçãodas safras. Nes-
ses ç^oç~]embora ras grandes -empresas não ex­
propriem diretamente o lavrador, elas subjugam
o produto do seu trabalho. Tem sido assim com
grandes empresas de industrialização de leite,
uva, carne, fumo,-tomate, erviíhã,"Taranjas7 Tfu1
tas eurgerãl. N a verdade, oç_ lavradores passam
a trabalhar para essas empresas noszchBinados
sistemas integrados, embora conservando a pro­
priedade nominal da terra. Só que, nesse caso,
a parcela principal dos ganhos fica com os ca­
pitalistas.
Ê^cõmum os consumidores desses produtos nas
cidades queixarem-se do preço exorbitante qqe
tem que pagar por eles, preços que crescem cop-
tinuamente. Essa queixa está em contradição
com as queixas dos lavradores, de que recebem
nada vez menos por aquilq_que produzem. o
que podem constatar facilmente comparando a
elevação dos preços dos seus produtos comT~a
elevação cios precos dos insumos de que necessi-
tarrfnas"suas tarefas, como o adubo, a semente,
o inseticida, etc. N a verdade, estamos diante qe
uma clara transferência de renda da pequena
agricultura para o grande capital^
O pjróprio Estada, a quem supostamente in­
cumbe zelar pelos direitos fundamentais da pes­
soa. tem sé envolvido, diretamente ou através de
em proas públicas, em conflitos p ela terra. Esse
envolvimento fica muito claro nas disputas em
torno das desapropriações de lavradores para
construção dajSrragensTcõmo acontece em Itai-
pu e no Vale do São Francisco. Raciocinando
como capitalistas, no intuito de supostamente
diminuir custos^ ds representantes do Estado
nesses empreendimentos esquecem sempre que
os lá^mdõres dessas regiões não têm terra para

51
ngociar, mas Pajra^^trabajhar. As indenizações
que^cTEstado paga sao sempre insuficientes para
que o lavrador retome em outra parte à sua vida
de jra b a lh o, nas mesmas condições que tinha
antes. Ou então é transferido para áreas onde
são más as condições de vida e trabalho, mer­
gulhando rapidamente numa situação de grande
miséria. É o que vem ocorrendo na região da
barragem de Itaparica, em Pernambuco e Bahia,
envolvendo 12 0 mil pessoas.
Os que não conseguem resistir a essas diferen­
tes pressões e agressões, como posseiros, colonos,
parceiros, arrendatários, moradores, transfor­
mam-se em proletários, em trabalhadores à pro-
cuTãJcTé trabalho não só no campo, mas também
na cidade. É conhecida a situação dos trabalha­
dores avulsos em amplas regiões do país — co­
nhecidos como “bóias-ffias” em São Paulo, M i­
nas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás; ou
como “clandestinos” em Pernambuco; ou “volan­
tes” na Balua e em outras regiões. As oportuni­
dades de emprego para esses trabalhadores são
sazonais, o que os impede de trabalhar, todos os
meses do ano. Para atenuar as dificuldades que
enfrentam, aceitam deslocar-se para grandes dis­
tâncias, levados pelo liga&Q£, longe da família.
sem qualquer direito trabalhista assegurado.
Trabalhadores de São Paulo são encontrados, em
certas épocas do ano, trabalhando no Paraná ou
em Minas Gerais.
Mais grave ainda é a situação dos( pepeã na
y' 'Am azônia Legal. São-geralmente utilízatros na
yTase de abertura das fazendas, de derrubada da
mata. Sao trabalhadores sem terra, recrutados
pelos “gatoslL..em.-.Goiás, no Nordeste e mesmo
(X em São Paulo e depois vendidos pomo uma mer-
ç i o P l -^empreiteiros 'encarfégàjâos
^ I do desmatamento.

52
O “gato’Vj como é conhecido em amplas re-, 1
giõès,opera como um agenciador de trabalhai \
dores. Geralmente, possui ou aluga um camiJ \
nfíaçTpara.Jranspor.tar_os_peões, re c ru ta n d o ^ ^
' sob promessas de salários e regalias que naò se-j
r ã õ ^ c ^ p ^ a s r ' C o m o ~ n ã íO á ‘ h ê ^ u m a . . i i s c ^
zaçao, o trabalhador quanto mais se aproxima do!
\local de trabalho, mais longe, fijca de jqualquer,
mrotecão ou garantia quanto aos seus direitos /
ItrQbaihistas.
A vend^^jê_p»êÕesvé.^empre justificada pelás
dívidas que o trabalhador é obrigado a contrair
durante a viagem com a alimentação e o pró-
prio transporte. A dívida é transferida do “gato’*
ao empreiteiro que, em nome dela, escraviza4o
peão enquanto dèle necessitar. Policiais, os donòs
de^boliclios” e os de pensões nos povoados ser­
tanejos estão quase sempré~ênvolvidos nesse trá-
fico humano. Quando. .0. trabalhador tenta fugir
é quase semprep castigado qu executado em no­
me do princípio de que se trata de um ladrão
— éstã tentando fugir com o que já pertence £0
empreiteiro que o comprou: a sua força de tífa-
balho. í

3. Os problemas do campo e as contradições do


desenvolvimento capitalista

Esse quadro nos mostra diferentes situações


relacionadas com a terra em diferentes regiões
do país. Ele nos mostra que a questão agrária
brasileira tfím_duas faces combinadas: a expro-
Há' uma clara concen-
traçãqjda propriedade fundiária^,mediante a qual
pequenos lavradorqs perdem ou deixam .a .terra,
que é o s e u ^ p ^ o ip & l t e de trabalho,
em fayqr. de grandes fazendas. Convém notar
que esse processo hoje não é conduzido funda-

53
C
P
| mentalmente p e W vçlhos e rançosos “coronéis”
'ÊL ser^ ° ; os famosos latifundiários a que, sé
! agregava o adjetivo de ‘‘feudais” até h á pou-
quíssimps. anos. Esse processo agora é conduzido
diretamente por grandes^ empresas. capitalistas,
nacionais ou .multinacionais, com amplos incen­
tivo^ financeiros do próprio Estado. O proçesso
de expropriação, de diferentes maneiras, violen-
tamente ou não. tem ocorrido no país inteiro.
Dq ponto de vista da análise desse processo,
a ^violência que geralmente acompanha a expro­
priação não é o seu aspecto principal. O princi­
pal é que a expropriação constitui uma caracte­
rística essencial do processo de crescimento dp
capitalismo, é um componenta„da lógica .da re-
produção.do capital. (Q ^apitâjü só pode crescer,
só pode se reproduzir, a custa do trabalho, por­
que só o trabalho é capaz de criar riqueza. Por
isso, uma lei básica_da-capital~e~gi de subjugar
o trabalho. Naq^HaT capitalismo sem subjugação
do trabalho. Assim, na medida em que o traba­
lhador vende a sua força de trabalho ao capita­
lista, mediante o salário, os frutos do seu trabalho
aparecerão necessariamente como frutos do ca­
pital que o comprou, como propriedades do ca-
vPpitalista. Para aue isso ocorra é necessário sena­
dorar o trabalhador dos seus. instrumentos^ de tra=_
tbalhq; para evitar que o trabalhador trabalhe
--/para si mesmo, isto é, para evitar que deixe de
trabalhar para o capitalista.
> A instauração do divórcio entre o trabalhador
è as coisas.de que necessita para trabalhar — a
terra, as ferramentas, as máquinas, as matérias
primas — é á p3 ^eifa: eondiçaJ> e o primeiro
passo para que seJEsfãure, pór sua vez, o reino
dq_capital - e . expansão d p . capitalismo. Essa
separação, esse divórcio, é o que tecnicamente
sê chama de^expropriaçaò^— o trabalhador per-
de o que lhe é próprio, perde a propriedade dos
seus instrumentos de trabalho. Para trabalhar,
terá^que^endér â áua força de trabalho ao ca­
pitalista, que é quem tem agora esses instru­
mentos.
O que se tem observado naJBrasi!» particular-
mente no mçio rural, é esse processo dç expro­
priação. Ele está árticulado não só com a trans­
formação, das...relações de trabalho na agrope­
cuária, tal como ocorre com o trabalho do vo­
lante ou “bóia-fria”, mas também com as mi-
gragões para as cidades. Ao mesmo tempo em
que cresce ò núm£XQ^de_ expropriados e, portan­
to, a procum._d&^mprego, não cresce na mes­
ma proporção, ou até diminui, a oferta de emr
prego. Isso porque ã tendência das grandes „em-
pfesas, tanto no campo quanto na cidade, é a
de modernização dos seus^processos de trabalho,
incorporando tecnologia, geralmente importada,
que~dís^h^~m âo-de-obra. Esse processo de mo­
dernização é hoje objeto preferencial de um a
política oficial de incentivos, mediante assistên1-
cia^ técnica gratuita^^empréstimos bancáriojs
concedfdõs“a jufõs subsidiados, isto é, a taxas in­
feriores às taxas normais de juros do mercado.
A simples introdução de um herbicida numa fa­
zenda, adquirido através de empréstimos subsi­
diados, já produz amplo desemprego de traba­
lhadores utilizados nas tarefas de limpa das
plantações.
O estímulQ__à_expansão das pastagens também
causa amplo desemprego, mesmo que não haja
modernização. Estudo do Núcleo de__Altos Estu­
dos Amazônicos! da Universidade Federal do
Pará, mostrou que, nas novas fazendas_.de gado,
cada 788 ha ocupam um único trabalhador. Se­
gundo os critérios do própno^lhstituto Nàcional
de Colonização e Reforma Agrária, que na re-
gião adota um módulo de IQO lm como área m í­
nima para o trabalho do lavrador, àquela més-
maTárea teria cõifdiçõés de dar " t r a b a l h o j 8 fa-
\Stíjjgs. Como^sãouxegiões já pcupãdãtô^pbf ^poi-
„N 'seiros pòbrès, lavradores que se dedicará â agri­
if cultura de alimentos, sobretudo arroz e mandio­
1 \ S f ca, cujos excpdentés são comercializados, a ver­
Ã" dade é que essa expansão de pastagens leva à ex­
'
pulsão de 7 famílias em cada 8. Se essa tendên­
\ cia sé confirmar nos próximos anos, mais de oi­
tocentas mil famílias de posseiros serão expulsas
da terra em todo o país, sem contar as expul­
sões de parceiros e. arrendatários e sem contar a
crescente impossibilidade de que filhos de pe­
quenos lavradores se tornem lavradores autô­
nomos como seus pais.
A (expro priação do^trabalHadox pelo capital
cria as condições sociais para que esse mesmo
capitai passe ao ^segundo turno, à outra face,
do seu processo deifepmdução capitalista, que é
a-exploração do mesmo trabalhador que já foi
expropriado. Ele terá agora que veruler-a-_sua
força de trabalho ao capitalista, segundo regras
dç mercado, e hão conforme ás suas necessidades
reais. Já não é ele, trabalhador, quem diz quan­
to precisa juntamente com a sua família para
sobreviverei o capjtataque lhe dirá quanto quer
pagar, segundo as leis do mercado. Se houver
muita gente procurando trabalho, se for muito
grande o número de expropriados que não con­
seguiu encontrar emprego, a tendência será a
da queda dos salários, a sua redução a níveis até
inferiores às necessidades mínimas vitais do traz
baíífádor. Foi um processo desse tipo que se ob­
servou durante a fase do chamado “m ilagre bra­
sileiro”, há poucos anos. Em virtude d a còncen£
tração da renda e da ^deterioração das ..condições
de vidaT^dos traballiadpres,,,jobservour^o^em^ci-

50
dades como a de São Paulo uma elevação na
tajgãTjgg^moH.ai3^5eJíiifantil. Isso quer dizer que
ã explqragão foi levada a um nível tal que com­
prometeu a própria reprodução da classe trãba-
madpm
Aparentemente estamos diante de um fato
‘‘natural’L u o capitalismo. De um, ponto jde jyi&ta
quantitativo, o empresário mais forte engole o
empresário mais fraco, ocupa o seu espaço; o
grande engole o pequeno, porque a tendência
é a da concentração. do capital, uma concentra­
ção crescente e incessante. Mas, ao mesmo tem^
po ein que o capital cresce, acumula* contradi­
ções Inerentes ao seu próprio crescimento: ele
não" pode crescer sem o trabalho e, ao mesmo
tempo, cada vez mais dispensa trabalho deviüo
à modernização técnica; a produçãa_já„não é
mais individual e artesanal — agora ela é uma
produção social, baseada na divisão do traba­
lho e no trabalho combinado de centenas e mi­
lhares de trabalhadores. Apesar, porém, do ca­
pital ter socializado completamente a produção,
implantou ao mesmo tempo a apropriação pri­
vada dos-jcesultados dessa produção. J
Cp ^capital/ tem que crescer, tem que se am ­
pliar, enquanto se reproduz, enquanto é apli­
cado na produção. Nenhum capitalista fará um
investimento para não ganhar mais do que in­
vestiu. A reprodução ampliada está na própria
essência dcT cãpítáT. 'A medida em que ò capita-' j
lismo cresce e cria mais problemas do que so-
!lugoes;^n medidá èm que se pode observar que
í esse descompasso, nem jiepende dos capitalist as
jnem do Estadp, pois frutifica de contradições
Ique^ são inerentes próprio processo. de_ reprq-
• dução do capital; à medida em que a reprodu-
t ã o _ a g p ^ a ^ jà ^ c a p lt a l é necessariamente, aq
friesmo tempo, reproduçab anlphada das contraf
i
.

dições sociais, a tendência será a de que as ví­


timas^ procurem um a solução. O rápido cres­
cimento da^ tensões sociais no Brasil, nocám-~
po e na cidade, nos último^s ãnõs,~decorre dife-
tániente do " estágio do desenvolvimento capi­
talista a que o país chegou, em condições his­
tóricas muito distintas das dos países clássicos
do capitalismo, como a Inglaterra e os Estados
Unidos da América.

4. Terra de negócio e terra de trabalho: a terra


como um bem comum (* )

^ O que o quadro da situação brasileira no cam­


po nos indica é que não se trata de um empre­
sário engulindo outro, (mas) do capitalista en-
gulindo o lavrador H á nõ país, isto sim, um a
clara opõsiçSnénti^ diferentes regimes de pro­
priedade : Cde um làdb. o regime que leva o con­
flito aos lavradores e trabalhadores rurais, que
e o regime de propriedade capitalistas de ^autroD
os regimes de. propriedade que têm sido atacados
pelo capital, que é o da propriedade familiar,
^otfio~b dos pequenos lavradores do sul e de,
outras regiões; ó da propriedade comunitária dos
povos indígenas; <£ Q dá p osses difundido em
|todó o n ãís,' sobretudo na tíftãmada Amazônia
Legal. A propriedade capitalista e um regime

( * ) Os conceitos de terra de trabalho e de terra


ue negócio, com o sentido de terra para trabalhar e
de terra para explorar' o~~frãbalho alheio, nasceram
ti v mais-- cnrnm^hos ~éspoíitaneameiité durante a minha
pesquisa sobre os ennjlltns pela terra na Amazônia
Legal. Em acepção diferente ePdTStinta polarização, a"
concepção de “terra de trabalho” surgiu, também, nu­
ma pesquisa realizada no Nordeste. Cf. Afrânio Raul
Garcia Jr., Terra de Trabalhav — Trabalho Familiar
do Pequenos Produtores, Museu Nacional, Rio de Ja­
neiro, 1975, esp. cap. V. f .
a vv

58 VUr*
'
distinto de propriedade. Baseia-se no prln* ip?
da jsxpiïoïaçâo que o capital exerce .sobre* c> ti m
balhadorquepjá.jaão -. possui os instrunie 11tc)| k
matêlFíais deltrabalbo,„para trabalhar, pc>;íSUÍdõB
agora pelo capitalista. Nesse caso, a projuiedu«: ^
capitalista é u rna. das - variantes da_proj jr 11 uIu«te
privada, que dela' se distingue „porque é pm
priedade que tem por função assegurar ao ca
pitai o direito de explorar o trabalho ; é fundi®
mêntaímente instrumento de exploração. Pof
isso não podemos confundir a propriedade eapi
taltefã cofet_ a ■p.ropriedade familiar, ainda q u <*
propriedade privada. Sãp-gúisascompletamenté
diferentes, ainda que a passagem de uma a ou
tra seja muito sutil e a muitos pareça não vxlrA
tir diferença alguma.
A (Propriedade familial^ não é propriedade dp
quem explora o. trabalho de outrem ; é projir i<j
dade direta de instrumentos de trabalho por
parte de quem trabalha. Não é propriedade ca
pitãlista; é p i^ rle d a d e ^ a jx a b a lh a d o r. Seus re­
sultados sociais são completamente _jiistintp$t
porque nesse caso a produção e reprodução dajr;
condições de vida dos trabalhadores não é re
guiada pela necessidade de lucro do capital,
porque não se trata de capital no sentido capí-
, talista da palavra. O trabalhador e lavTadqr não
\recebe lucro. Os seus ganhos „ são..gan h osjdo
iseu trabalho e do trabalho de sua fam ília e não
ganhos de capital, exatamente porque esses ga-
nhòs não provêm da exploração de um capita­
lista sobre um trabalhador expropriado dos ins­
trumentos de trabalho. ' J
I Apenas quandb_o-papital subordina o pequeno
lavrador, controlando o s .tnecanismos de finan­
ciamento e comercialização, processo muito cla­
ro np sul e no sudeste, é que subrepticiamente
as condições de existência do lavrador e sua fa-
míliri, uas necessidades e possibilidades econô­
micas o sociais, começam a ser reguladas e con­
troladas pelo capital, como se o próprio lavra­
dor iKio fosse o proprietário da terra, como se
fosse um assalariado do capitalista.
Quançio o capital se apropria terra, e s t a je
transforma ém terra de negocio, em terra de ex­
ploração "do trabalho alheio; " quando o 'TrSEâr
lhacTor se ãpbssã da terra, ela .se,transfoi^na epa
terra âe íraSàlTtÕ^Saglre^ m é s distintos de pro­
priedade, em aberto conflito um com o outro.
Quando o ' càpiTalista"se apropria da_texra, ele o
fa£'cõm o jhtiíifo do lucro^ direto pú indireta
, Òu sTTerfn\ serve para explorar o trabalho de
'quem nao tem terra; ou áTterra serve~para ser
vendida por alto preço a quem dela precisa para
trabalhar e não a tem. Por isso, nem sempre a
aprdpyiá^ãuBaTerra pelo capital se deve à von-
tade do capitálfsta de se dedicar à agricultura.
O ihonppoliõ de, classe, sobre fa terra assegura
W&o capitalista pedirei to de cobrar da sociedade
y r inteira üm trifautQ pela uso da terra. J§LJ^ cha-
V(> mada r rèndà fundiarljÇ ou (yenda da terrá. A
renda nao éxíste‘ apenas quando a terra é alu-
o^gâda; ela existe também quando a terra é ven­
dida. Alugar ou vender significa cobrar um a rem-
da para que a terra seja utilizada. É o que se
está observando agora nos chamados projetos de
colonização..particular^ ^ o s s e ir^ nao pode ter
acesso à terra e dela é éxptílso porque não pode
pa,gar por ela. Embora o Estado ceda essas ter­
ras a preços simbólicos a empresários capita­
listasjpara que as revendanj, para que negociem
com elas. Fica com a terra quem pode pagaxjpor
ela^
completamente diferente dos outros
meios d~e produção. A apropriação de um a m á­
quina pilo capitalista e, através dela, do traba-

60
lho do operário, pode parecer legítima n a me­
dida em que, tendo os trabalhadores que a pro­
duziram trabalhado sob tutela do capital, me­
diante o salário, o resultado do seu trabalho
aparece como produto do capital. O mesmo não
acontece com a terra. Já constatavam os econo­
mistas clásslcos^dos séculos X y iI I e X IX que
a propriedade capitalista, d a ...terra.é uma irra­
cionalidade porque a terra não é produto do
trabalho e, por isso mesmo, não pode ser pro­
duto do capitalC O efn T ) é um bem natural. Pesr
qúísãHòres têm observado, entre lavradores bra-
süeiros, que eles jprójprios podem perceber na
existência direta, como costumam dizer, que “a
terra é u.ma dádiva de Deus” , por isso é de todos.
Por essas razoes é que os posseiros de vastas
regiões se concedem o direito de abrirem suas
posses nas chamadas terras livres, desocupadas
e nào^tFaBalhadas, sem"“sirial de ferro”, de vas­
tas "regiões desertas, pois entendem que a terra]
é um patrimônio comum, é de todos. Só é legPi
tima a posse porque baseada no seu trabalho. É j
o trabalho que legitima a posse da terra; é nele
que reside o direito de propriedade. Esse direito
estaf em conflito com os pressupostos da prò- j
priedade capitalista.

5. O caráter anticapitalista dos conflitos pela


terra

O próprio_jcapitaL impôs, no Brasil moderno,


a luta pela terra, como luta contrâra proprié-
dade capitalista da „terra. É a terra de trabalho
co^rg^g^QxLo^Ae^negÚGiQ. O que unifica as aspi­
rações e lutas de um colono gaúcho, de um pos-
- seiro maranhense e4de um índio Tapirapé é essa
resistência obstinada contra a expansão da apro­
priação capitalista da terra. Mesmo que cada u m ,.
(j R */ \-*4
'\ \ J
/ i
CCajSX-*- vA .C U '7 p x MZSu
cada^ categoria soçial, construa a sua própria
concepção de propriedade, o seu próprio regime
de propriedade anticapitalista: a propriedade
camponesa, a propriedade comunitária e a possç.
Apesar da diversidade de caminhos que cada
um a dessas situações nos indica, estamos diante
de evidências de que o §aber popular tem cons-
truídCLxesppstas, tanto no piano dá ação quanto
no plano da interpretação e do direito, à expan­
são capitalista da propriedade fundiária, à ex­
propriação, à sujeição do trabalho familiar aò~
capital e às contradições crescentes produzidas
pela expansão do capital. Isso nos coloca diante
de um a ^certeza e dê uma incerteza. Ã certeza,
do caráter anticapitalista das diferentes níoda-
lidades' de lutas pela terra levadas à frente por
trabalhadores dq^campo — sejam índios ou bran-
cosiCDe outro ladò, a incerteza quanto ao alcan­
ce da preservação desses regimes e práticas de
propriedade e de trabalho para solução jde„ pro­
blemas que vão além da condição do lavrador,
que envolvem a sociedade inteira. Como conci­
liar as conquistas do progresso técnico, possi­
bilitadas pela acumulação do capital, a amplia­
ção geral das necessidades de consumo de pro­
dutos que afinal não são apenas produtos agrí­
colas, com regiroes- de propriedade vinculados ao
traha.1hnartesanal e familiar?
Durante muito tempo acreditou-se que os imj
passes da pequena agricultura estavam n a cgm.
mércialização dos^produtos agrícolas unicamen­
te: Cos Jntermediárioà apropriando-se de um a
parte^ign ificàtíva dos resultados do trabalho
dos lavradores. Eliminando-se o intermediário
tudo se resolveria. Ocorre, porém, que o capital
não age setorizado; ele „opera no conj unto dos j
prõcêssos^econômicos. Por isso, ele procura do- [
minár" tãritd á produção^ quanto a circulação das

62
mercadorias. A coletivização da venda^dos pro
dulós agrícolas ou, até mesmo, a coletiyização
da compra.de insumos e outras mercadorias ne­
cessitadas pelos lavradores, como se faz através
do cooperativismo, não atinge o próprio processo
de trabalho, a própria produção. Apenas bara
teiaos custos parçiaimentè. çla
cooperação nãp estão principalmente na comer f
\ cialização, fnas) na PÍS^liSão É justamente a
cooperação íio trabalho, o caráter social da proA
duçapT ínauguracíá em larga,., escala e utilizada
ãmplamente pelo capitalismo, que aumenta a
riqueza social. /4
É o que no i coloca diante de um pfòblémar
sério: onde a produção foi drasticamente'
pliada através da cooperação no trabalho, agfí-
cola ou industrial, o capitálismo já está presente
p ára’_se...apropriar de ganhos que deveriam ser
sociais porque fruto do trabalho social; onde a
produção permanece em bases artesanais e tec­
nicamente ''rriodestas à cooperação tolerada se
restringe à^circulação^das mercadorias prpdfi-
zidas e não à produção e ao trabalho. j
Com isso, mesmo o produtor cooperativaüo
acaba trabalhando para o grande capitalista.
^om o os preços jdos „gêneros alimentícios são fi­
xados em nosso país de cima para baixo, atra­
vés de tabelas e preços mínimos, os produtores
procuram no cooperativismo manipular essa es­
treita faixa de alternativas, retendo para si o
que antes se destinava ao comerciante-interme­
diário, mas sem afetar o preço que os consumi­
dores pagariam por seus produtos. Ao invés de
estenderem a éooperaçãp ao conjunto do pro­
cesso de produção^ apenas reforçam as condi­
ções da sua submissão ao capital industrial que
^ontinua a explorá-los. I

63
N a medida em que os con^umidgres de„.pro­
dutos agrícolas estão principalmente nas cida­
des e como nas cidades a produção é produção
industrial, ao agirem desse modo os lavradores
diminuem os custos do trabalho industrial bene­
ficiando^ portanto, os grandes capitalistas. Os
operários precisarão de salários menores para
comprar à comida de qüè necessítam e que fio
nosso país representa uns 50% das despesas
da família trabalhadora. Mesmo que o custo de
vida seja âíto para o trabalhador, será muito
baixo para o capitalista, devido à redução das
despesas com maõ-de-óbra.
Um esquema cooperativista que não esteja ba­
seado em ganhos sociais, mas que se volte uni­
camente' pára a s s e a r a maiores rendimentos
individuais para lavradores isolados, sem afetar
o seu modo de produzir, sem introduzir Q coope-
rativismõ na própria produção em geral, man-
tendõ-se como empreendimento grupai e isola­
do, na verdade redunda em benefício e reforço
do próprio capitalismo.
Estamos diante, pois, da necessidade de efe-
tivar uma drástica alteração no regime de pro­
priedade fundiária, de modo que se reconheça
como legítimos os regimes de propriedade al­
ternativos que têm se defrontado com a expan-
sãtrda^prõpriedãdè capitalista. Costuma-se im ­
putar o fracasso do Estatuto da Terra à inércia
do governo, aTsua má vontade em aplicar a lei.
A verdade, entretanto, é a de que essa inércia
é üm pouco mais ampla. O fracasso^, vem èfiâT
grande parte dq fato de que o Estatuto proclama
e consagra a propriedade empresarial, funda­
ment ãimente~*capitaiis^^^^^^ e não cria nenhum es­
paço pam jreçonhtó das formas_.de ocupa­
ção dfa terrã qíie estão se desenvolvendo segundo
oiitre^ codigo de direito, popular, construído na

64
â
expeidêheda-diária e concreta dos lavradores. Por
isso, as lavfadorS) caminham numa direçãQjguo,
Estatuto'caminharnoutra. Entre o direito pro­
clamado e reconhecido pelo E^jy|dp através des­
sa lei e o direito reconhecido e praticado há uma
distância crescente, que tende a aumentar mui­
to depressa. O que está acontecendo no país é
a clara proclamação da ilegitimidade do Es­
tatuto, elaborado e imposto de cima para baixo,
sem pãrtfêipaçãô dos interessados que são qs
próprios lavradores e, trabalhadores .rurais.. 1
Esse ábismo; crescente entre os laYradqres e o
Estatuto "que representa interesses dominantes
e contrários aos seus, vai sendo aos poucos pre-
encfndõ por formas de organização popular, al­
gumas mais formais e de alcance maior, outrás
menos formais e mais restritas. O caminho da
sindicalização dos lavradores e trabalhadores ru-
rais tem sido percorrido por muitos, inclusive
como forma de construir um sindicalismo novo,
de baixo para cima, radicalmente comprometido
com as aspirações, necessidades e lutas de quepi
o constitui. Outras vezes, tem se procurado or­
ganizar grupos comumfários, como é o caso das
roças comunitárias, formas de administração
coletivas das posses nas áreas em que a violên­
cia do capitalista é maior, etc. órfãos de apoio
das instituições _que tradicionalmente procura­
ram tutelá-los, amda que de modo inadequado,
os próprios lavradores começam a produzir suas -
próprias organizações de base, para juntar as
forças e fazex valer não só os seus direitos, mas
também a sua concepção de direito.
Quando p>. ^grar!^ para so­
lução desses problemas-todos, é impossível es-
• quecer que_o_ capital lá está embutido na pro-
priedadê fu ndiária capitalista.,Do mesmo modo
que é impqssiveí ignorar, ou marginalizar as for- 1
i
65
mas populares de organização e as concepções
pbptnarérdé propriedade, com o seu direito im-
plícTtcT^e semi-esboçado. Um a reforma agrária
que ‘naoUncõrpore os projetos e formulações „Já
revelados"has próprias lutas dos lavradores, que
não combine as diferentes concepções e práticas
alternativas de propriedade e que ao mesmo
tempo não abra a possibilidade de crescimento
desses regimes alternativos sem a tutela do ca­
pital, poderia se transformar num mero exer­
cício de ficção. É preciso não esquecer que a lei
brasileira reconhece preferentemente a legitimi­
dade do regime dominante de propriedade, en-
trahdcr-em “conflitõ' com os modos populares de
cçnceber ã relação de trabalho do homem com
a terra. Quando há cqntlitP, prevalece na de­
cisão, sempre, esse direito. Essa é certamente
um a das razões pelas qúais a própria justiça
reiteradamente decide em detrimento dos lavra­
dores, reforçando ainda mais a sua condição de
deserdados da terra.

Goiânia - GO, dezembro de 1979

66
| í 11 a;j

L
IV — Migrações e tensões sociais na
Amazônia (* ) '
Riquêsa amaldiçuada
ten contato con o Cão
Cérvi pra derribar a mata !
e deferensá o xão
o que acontéci primero !
pra não dar o dinhero
manda matá os pião.
(Zé das Trovas, lavrador do Ma,to
Grosso, Estóra ãa Explicação dás
Fazenda do Amazona)

1. A herança do passado

A situação d a Amazônia não deve ser anali­


sada como se aquela região constituísse uma so­
ciedade à parte em relação ao conjunto da so­
ciedade brasileira. Nem o conjunta da A m azô-
nia, brasileira e não-brasileira, pode legitima­
mente ser estudado como se fosse o substrato de
um mundo distinto, de uma sociedade diferente.
De certo modo, pode dizer-se que, sociologica­
mente falando, a Amazônia não existe. O que
existe, isto sim, no nosso caso brasileiro, é uma
sociedade nacional em que a reprodução do ca­
pitalismo constitui cada vez mais um processo
tenso que se expressa na proliferação de con

(* ) Depoimento ^apresentado, na Câmara dos


Deputados, perante a CPI da Amazônia, no dia 8 de
«rbril de 1980. Publicado em O São Paulo, ano XXIV,
n.o 1.259, 25 de abril a l.° de maio de 1980.
flitos no campo e im cidade. Nesse quadro, a re­
gião amazônica ~sé~destaca como área diretamen­
te subordinada por esse processo conflituoso,
como uma espécie de região problemática.
, Se tentamos ver a Amazônia a partir áa pers­
pectiva que se pode ter tomando como referên­
cia a crise nacional, podemos entender que o
que acontece na região amazônica só tem sen­
tido como componente e expressão das contra­
dições mais profundas que estão hoje enraiza­
das na estrutura da sociedade brasileira.
O quer de fato está acontecendo neste país
que transforma a imensa e esquecida região
amazônica num problema nacional, quase de
repente?
• Na cabeça de um grande número de pessoas
neste país, especialmente na cabeça de inúmeros
tecnqcratas, a Am azôniai é um deserto a ser
ocupado. Constituiria aquilo que os geógrafos
franceses, de modo muito ambíguo, chamam de
zona pioneira, terra livre a ser conquistada pelo
espírito empreendedor dos novos bandeirantes.
Não deixa de ser cômico encontrar aí pelo sertão
almofadinhas da cidade, com chapéu de “cow-
boy” do faroeste americano, autodenominando-
-se pioneiros, arrotando preconceitos raciais e
sociais contra seus predecessores índios e possei-
rosi supostos inimigos do progresso. Os próprios
militares teriam desenvolvido uma “doutrina de
dfcúpação dos espaços vazios” para justificar me-

pcupação da Amazônia.
N a verdade, porém, a Amazônia não é nenhum
deserto a ser ocupado. A região amazônica já foi
ocupada segundo os critérios e as circunstâncias
,çm que essa ocupação se deu. O que temos agora
è a aplicação de um outro modelo de ocupação,
que pretende anular e revogar os modelos ante=^
rio im .D e certo modo, o que se pretende _é o
impossível: consertar os supostos erros-da His­
tória. Por isso, não estamos diante de .um pror
cesso de ocupação da Amazônia; estamos, na vej>
f dade. diante de uma verdadeira invasão da A ma-
^ ^'zônia, em que os chamados pigneiros não raro se
comportam, ante os primeiros ocupantes, como
autênticos invasores — devastando, expulsando,
^/violando direitos e princípios. É bem clara a ori-
; - gem rçgional e social desses invasores. Eles vêm
do ;Sjh7^l30 ''shdeste é estão "procedendo a uma
verdadeira sülizãçao do norte» São de preferên­
cia paulistas. Por isso hoje na Amazônia o próprio
povo batiza como “paulista”. aquele que vem de
fora, com muito dinheiro no bolso, comprador de
terras. “Paulista” e “tubarão” são. ali palavrás
sinônimas. Os dados revelam que há poucos anos
os paulistas já eram proprietários de 3,3% dá
I área cadastrada pelo Incra no Acre e em Rondô­
nia; 7,9% do Amazonas; 15,3% do Pará; 3,1%
do Maranhão; 37,1% do Mato Grosso; 9,6% de
Goiás. No conjunto do país, excluindo São Paulo,
eram proprietários de 2,3 vezes a área controla­
da pelos residentes em São Paulo dentro do seu
próprio Estado í1). Além de paulistas predomi­
nantemente, procedem sobretudo de uma classe,
social específica — são capjL$alJstg£, são membros
da classe_dominante, são empresários..
Na ÃmazóniáFnão "está ocorrendo uma nova
forma de dcifpação do território, mas, isto sim,
uma outra forma de ocupação, que vem de.
“fora”, dos centros econômica è politicamente
hegemônicos da sociedade brasileira. Por estar*•

(1) A. di Sabbatlo, “A computação revela os donos da


terra”, in Dados e Idéias, n.° 2, 1976, pp. 67-71, apud
Angela A. Kageyama Je José F. G-raziano da Silva, “A
• propósito da expansão da agricultura paulista”, Bole­
tim Paulista de Geografia, n.° 56, março de 1979, p. 33y
r
fundamentada nessa hegemonia de classe, por
isso mesmo amplamente sustentada pêlõTSstadcx-
é que tal ocupação se presume melhor, correta.
É desse ponto de vista, ideológico, capitalista e
dominante, que não se pode falar em distorções
na execução dos planos de desenvolvimento da
Amazônia.
í-^ Essas primeiras ihdicãrçõêg destinam-se a mos­
Í Â V'
O trar que não somente háT~dlstintas formas s e
ocupação do mesmo espaço amazônico, mas
também há movimentos distintos^ de desloca-
rf! ! i . ^mentos populacionais, de deslocamentos econô-
t ; • micos. Num primeirg^moméhto podemos dizer
que o problema am a^n ico è constituído pela
exacerbação è, ate mesmo, pela modificação, de.
| uni velho padrão brasileiro .de ocupação territo­
rial. ~
Em mais de uma ocasião tive oportunidade de
w , .mostrar que a idéia de zona pigneiranitilizada
para caracterizar o processo de ocupação do
rr r>nosso território é ambígua e insatisfatória. A
; .v ' rigor nós não temos autênticas zopas pioneiras
nem temos, senão como contrafação, os pioneiros
que lhes correspondem. Essa é uma noção que
teve um sentido muito forte na conhecida “m ar­
c h a _ p a r a o _ _ p e ^ ”.x..rup_j^ulo--^IXr nos Estadõs
Unidos da América. Chegou mesmo a constituir
ali o fundamento ideológico de uma teoria da
história americana e do caráter nacional ameri­
cano. Isso porque os pioneiros eram homens
livres que ocupavam as terras igualmente livres
dó oeste. No nosso cqsp^rasileiro^^as coisas se \
deram e se dão de modo muito " distinto. Nem t
eram tradicionalmente^Jivres os homens q u e/
ocuparam as novas terras nem as terras eram/
liyres. ~ f
Até a extinção do regime de sesmarias, em
1822, a concessão real .era o meio reconhecida-

70
mente legítimo de-ocupação d0 territóriu » » ?-
gime de sesmarias era raçialmente seleliv«» «■■im»
templando os homens de condição e cfl________ il litíUf
r

limpo, mais d.o_que senhores de terras, senhori


de escravos .Ca sesmariaVião tinha os ul i ümh
da propriedade fundiária de hoje em nosso pí%í§
A efetiva ocupação da terra, com trabalho nm.^
titula ~õ requisito da apropriação, revert<•m l.. m
Coroa o terreno que num certo prazo não heim
trabalhado. Num país em que a forma legitima
de exploração do trabalho, era a escravidão, <- «/
cravidãò negra, os “bastardos”, os que uru» £
tinham sangue limpo, os mes£içog_de brancos < d
índias, estavam destituídos do direito de l p m m
ça^ao mesmo tempo que excluídos da econoinji»
&
escravista. Foram esses os prfiheiròs posse•in »#•;
eram obrigados a ocupar riovos territórios pov &
que não tinham lugar seguro e permanente no* f>
territórios velhos. Eram os marginalizados di
m
ordem escravista que, quando alcançados peia.*
p
fazendas e sesmarias dos brancos, transformii
vam-se em agregados para manter a sua gqsse
enquanto conviesse ao fazendeiro, ou então iam
para a frente, abrir uma posse nova. A posic*
no. regime de sesmarias tinham um cunho sub
versivch ^ b
Em (1J350) a Lei de Terras instituiu um nov< >
regime de propriedade em nosso país, que 6 o r*
qüe^eirp vigência ate hoje, embora as condiçoe.*
sociais e históricas tenham, mudado muito desd( €0
^êntão. Ao contrário do_que^ s^ jiê u n a s zonas pio
neiras americanas, a Lei de Terras instijaiilLJlQ O
Brasil q_cativeiro da terra — aqui as tei^ras n ão
eram e nãp _.s.ãa, livresr..mas cativas. AQLei_ 601 G*
estabeleceu em termos absolutos que a terra nao
---------------- a
(2) Ruy Cirne Lima, Pequena História Territorial do f*
Brasil: Sesmarias e Terras Devolutas, 2.a edição, Livra­
ria Sulina Editora, Porto Alegre, 1954.
r*
71
f s

r 'V£À- ^ 3ÜJvh^O>
1 %^O

J sgoa obtida por oiitro meio que não fosse o daff


f CQçipra. Extinguia, assim, completamente, a via-*
biüdade da posse_liberada no interregno de 1822
a 1850.
Concrctamente, a implantação da legislação
territorial representou uma vitória dos .grandes
fazendeiros, já que essa não era a única catego­
% ria jsocial a preocupar-se com a questão fundiá-
riat De^putro ládò, havia os que advogavam um,
regime de terras liyres_que desse lu gar,jip Brasil,
ao aparecimento de um a classe média cie campo-
neses livres que quebrasse a estrutura ~s o c ia l ...es­
cravista' e descaracterizasse os fazendeiros como
senhores de escravos e terras, pára fazê-los fun-
rj damèhtalmente burgueses e empresários. A fór-
r* ^nulá consagrada na lei tinha, porém, o seu sen­
tido naquela circunstância histórica. No mesmo
ri ano de 1850 cessava o tráfico negreiro da África
M para ó ~Brasil7X escravidão e o tinhalho escravo
estavam comprometidos A própria L ei de Terras
já define critérios para o estabelecimento, regu­
sj lar de correntes migratórias de trabalhadores es-
trangêiros livres que, com o correr do tempo,
substituissem os escravos. Se, porém, as_Jterrasí
I
*V:
do pajs fossem livres, o estabelecimento de cor
rentes migratórias de homens igualmente livres
levaria, necessariamente, a que esses homens su
»^estabelecessem como colonos nos territórios ain-
*uM da não ocupados pelas grandes fazendas. Aa
mesmo tempo, as fazendas ficariam despqvoa-
ri - idas,
Vc>, — sem possibilidade de eXTmnsãn
, Hp ___
___p___ rP.nnsirSrf
x
r# ' ^(^de.Piao de obra. Por isso, a piasse aomllíãnte) ins1
h activei
tituiu no Brasil o cgliveiro daTtefFa, còm oform a
ii ) de subju gar_ _o__________
^_____ trabalho dós ________ que
iossem atraídos para o p ais, como de fato o
*. seriam às centenas de milhares até as prhnei-
\)\ ras décadas do nosso séçuloTlNIcrprocesso de subs­
tituição do trabalHo escravo, a nova forma de
n
O.
y 72
propriedade- ,da_ terra desempenhou um papel
fupdamental como instrumento. d e -p reservação
da ordem social e política baseada na economia
coloniais na dependência externa e nos interes­
ses dos grandes latdfrmdíarios., Õ homem que
quizesse tornar-se__px^priêtário-de-feerra-teria que
comprá-la. Sendo, imigrante pobre, como foi o
;casò“dãTmensa maioria, teria que trabalhar pre-
tviamente para o grande fazendeiro ( 3).
Nas-áreas em que não estava instalada a ca­
racterística economia colonial, como naquelas
em que se constituiram as grandes fazendas de
açúcar e, principalmente de café, comò foi o cago
dó Nordeste e do Sudeste, otfríão havia progra­
mas de colonização oficial, como ocorreu princi-<
^v-palmente no Sul, esse mecanismo.de „controle
Çinha pouco ou nenhum sentido. Foi justa-
/ mêhte hessás áreas que o "regime de posse e a

,
„ p' economia de posseiros se expandiram largamen-
>P ;e, como é o caso do Centro-Oeste e do N orte do/
V ca pais. AAlém lá w i r ldos
n r « l ilimites
m ifa c dos fterritórios
o v r i f n r i n c ? já
ió ocupa-j
A n n r»a J

dos pelas grandes fazendas, como também aconj


/ . \9
teceu no oeste paulista, houve refúgio de antigbs
losseiros progressivamente tangidos pela expain-
ãojâòs cafezais. • ■
0$ \ Foi sobretudo em regiões como essa última.
jV'ú^que se desenvolveu., a outra forma de ocupação/,
! ^ [te rrito ria l, distinta da tradicional que agregava/
.r posseiros a sesmeirps, em'que^regimes desiguai^
ie ocupação da terra correspondiam às desigual-•
id a d e s sociais que definiam o fazendeiro come
y tlomem
. de condiçãq
~ --~ r irV e o posseiro como um “bas~
v tardo” sem lugar próprio na sociedade^-Nessaí
à/p.<j)utrajprin^d^ ocupação territoriais ó^posseir

■N
UV* 77 j '
(3) josé de Souza Martins, O Cativei^o-daTerra, Li­
U vraria Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1979,
passim. ,

73
é socialmenfe.,. igual...ao—fazendeiro—e -entre.__el.es
naõjpode h aver-vín eu lode agregação, isto é de
dominação b aseada na desigualdade. O vínculo
tem que sêFcontratual, porque baseado na igual­
dade de direitos „ d e . ambos. Nesse caso, ou a
pessoa é proprietária ou náp tem nenhuma outra
propriedade que não seja a da sua força de tra­
balho.
. TN)Desse modo, o terreno vai sendo definido como
r ) se fosse constituído de- faixas, cada uma ocupa-
|7V de forma sociaL distinta e cada forma social
j / em jcphflito - com... a ....outra. Caracteristicamerite,
^ no limite mais interior do território estão as
'f r, sociedades j trihais. No limite mais exterior está
a sociedade^capitalisia_.J3lenamente constituída.
"Entre "ambãs~~êstá o_j>osseirniqTie concebe a terra
à Vf )• de modo completamente distinto do capitalista^
v ' embõrá tãmbem esteja vinculado ao mercado
como produtor simples de mercadorias.
Tradicionalmente, o posseiro operou como des­
r\y
;í' bravador do_território? como ámansador da j
:T terraTA?verdade é que, pressionado p elas empre­
sas capitalistas interessadas em desalojá-lo de
suas terras, foi frequentemente utilizado para
deslocar os grupos indígenas, para avançar
sobre as terras deles, degalojandc o índio porqtre
desalojado pelo capital. No caso mais recente e
atual da ocupação das novas regiões, como se dá'
na A mazônia, a verdade é que o capital ampla-/
mente estimpÍjadQ„_.pêlo Estado, já avança, ao
mesmo tempo, sobre terras de posseiros e tefrají
indígenas. “ --------- ~—
Prefiro, por isso, não falar em zona pioneira).
Estamos de fato diante de dois movimentos d is
\tintos e combinados de ocupação territorial, qu€
ocppãmnge formas distintas e cpnflituopas entn
>i territórios via de regra já ocupados poF socie-
o. * <y~
riades tribais ( 41. Através do deslocamcnhi ili
^ ^posseiros é que a sociedad^-jaacional, isto p
hcarica, se expande sobre territórios Irihni.-; i*: i ^
/frente de ocupação territorial pode ser ch n 1111 mij m
<> de 'frente de expansão^ ~ÚirfseguiKÍd movimmln f
\constituído “pela forma empregarigl e capiU 111•,\k\
de ocupação do térrltorio — è ã grande fazenda«,
lo banco, a casa de comércio, a ferrovia, a est.ru êi
dá, o juiz, o caftorio, o Estado. Ê nessa frenti &
que surge'o qüé em nosso país se chama h o j e ,
indevidamente,; de p ioneirg. São na verdade om %
pioneiros das formas sociais e econômicas de ex m
ploração e dominação vinculadas àsclasses db m
i j minantes e ao Estado. Essa'7rere£e pioneijrà é es-
m
c k' \ sencialménte expMpriatoria'^dt^ue esfa social
1mente organizada coirrbãse numã^rélação fup 9
} v‘idamenta^^embpTa não exclusivã' que é a <Ji; m
compradores e vendedores ^de' força de trabalho. %
Quando se dá a superposição da^frente pioneira
( -gobre a frente de expansão é que surgem os con- m
jflitos pela terpa. Embora essa' distinção tenha
/ forte peso analítico,.ela nos ajuda a enten-
|bV'tier e caracterizar as áreas de tensão—social,f a
' definir os seus personagens, a natureza do ^eu
.^.conflito. Basicamente, nessasL_áreas de superpo- m
. j }’ ição, dois^ regimes de propriedade, distintos m
X »/- entre si, entram em conflitoT^áT posset de um %
i -------- --->

tauração do regime de propriedade privada


vmostra claramente nesse momento que um dos
fA/ seus conteúdos, preconizado na Lei, de_ Terras,
k
\* que é o da expropriação como condiçãp_prefi-
>>
(4) Não se pode esquecer de que também há migra­ *t*
ções de grupos tribgds deslocados ou expulsos pelos
brancos, como aconteceu com os Xavante em várias
ocasiões e com os Gaviões do Oeste, deslocados do Ma­
ranhão ao Pará. I

75
minar^dacjEiXQlQração capitalista do trabalho, im-
pede ou, ao menos, dificulta a transformação da
posse em propriedade.

2. A situação fundiária

É na Am azônia., embora não exclusivamente


nela, q u ê ^ S ia T o r m a conflituosa de ocupação
territorial tem se constituído em gr^vg^proble-
ma. Isso porque nas primeiras-décadas__da vigên ­
cia da Lei de Terras a nãü_apxopriaçãQ _da terra
pelo~~tfãbáIhador livre, ou a sua expropriação^,
era requisito essencial para que ele ornasse
um trabalhador da grande fazenda. H õje)a sifüã-
ção é muito diferente, porqüê ã Lazendan ão está
absorvendo mão-de-obra: ao contrâríb^com a ex-
pansão da pecuária, está dispensando. Basta
lembrar que entre 1950 e 1970 houve uma dimi­
nuição de um m ilh líõ è meio de empregos no
campo.
Assim, aquilo que era funcional até as_primeL
ras décadas deste século, tornou-se irracional n o s
últimos anos. Õ regime de propriedade continua
.pper^^b^ como__in^frúSênfõ"exprdpriatório, no
cn 0pressuposto^ de constituir a força d& trabalho da
grande fazenda; só que agora, com o tipo de_eccb
... /nomia que prevalece na grande propriedade,
i.y particularrríéhte naquela que se instala n a Am a-
. >1 zônia. a expropriação continua existindo sem
£p que_ exista a contrapartidsL_da, demanda de mão
de ^pbra na mesma^ proporção. Num estudo rea-\
' v Uizado no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, j
(*p ; Ida Universidade Federal do Pará, os autores es­
timam que para cada 788 ha das novas fazendas
Àçr de pecuária da área da Sudam ocorre a criação
de um único emprego. A mesma área comporta,
via de regra, de 15 a 30 famílias de lavradores,
normalmente posseiros. Se adotarmos um núme-

76
ro mais limitado, que é o piádiilo-xio Jncra, de
100 ha para cada família, esse terreno poderia
dar trabalho a cetca de 8 fajnílias. Com a im­
plantação da nova fazenda, d e 7 a 29 famílias
ficarão sem terra ( s).
O mesmo processo de concentração da grapde
propriedade npera, ainda que de formas distin­
tas, tanto nas regiões antigas do país como nas
novas. Neste momento, o resultado em ambas
afeta preferencialmente a região amazônica,
como se poderá ver.
O quadro da situação fundiária do paísjê, hoje,
alarmante. Mais _da metade dos estabelecimentos
rurais tem menos de 10 ha e disnõe de menos de
três _pox„cento d a térra; menos de um por cento
dos estabelecimentos tem mais de 1.000 ha e
dispõe de quase metade da terra. Convém notar,
que nem todos esses estabelecimentos estão cons­
tituídos em jfcerras_práprias, mas também em
terras arrendadas e_pcupadas. Não há apenas
pulverização dos estabelecimentos, de um lado,, e
concentração, do outro. Há também transforráa-
ções nas relações- -de-jpropriedade. Entre 197(L e
1975-diminuiu o número de estabelecimentos or­
ganizados em terras próprias, em terras .arrenda­
das, e em terras alugadas em regime de parce­
ria. Aumentou a área disponível unicamente
para os proprietários. Isso quer dizer que está
havendp_nãocomente concentração da proprieda­
de, mas também concentração da exploração^jCQn-
cretamente diminuem as oportunidades d g tra­
balho autônomo mediante a l u g u e l - " li è r r á s .

(5) Jean Hébette ej Rosa É. Azevedo Marin, “Coloni­


zação espontânea, política agrária e grupos sociais”,
in José Marcelino Monteiro da Costa (ed.), Amazônia:
desenvolvimento e ocupação, IPEA/INPES, Rio de Jaj-
néiro, 1979, pp. 141-192.
nn
e a área dos_ealabelecimentQS__de_posseirps, que
chegam hoje no país a cerca de um nailhão-^de
famílias.
Em 19,50,, 81%. dos estabelecimentos rurais
pertenciam a proprietários da terra, enquanto
que somente 19 % pertenciam a não-proprietá­
rios (arrendatários, parceiros autônomos e pos­
seiros). Em 19.75^ a situação já estava muito mo­
dificada: os proprietários__tinham__62,% dos esta­
belecimentos e os não^propriêtarios—38%. E n­
quanto que em 195Q_a proporção de proprietários
para não-proprietários era de 4,2:1, em 1975 a
proporção era de 1,6:1. Mais grave ainda a
situação no que se refere aos pequenos agricultor
çespJHavia um proprietário para 1,3 não-proprie-
tários, em 197ív_ quanto aos estabelecimentos
com menos de y ha. Não era melhor a situação
dos estabelecimentos com menos de 20 ha — a
proporção era de um proprietário para um não-
-proprietário. Esse dado mostra claramente que,\j
ao lado da concentração fundiária e da çqncen- '
tração,, da^-exploração agrnpemária ,„.o„país vive
ura acelerado prQcessa.de-,deterioração do regime
da propriedade p rivada. Cada vez mais ela tem
méhõs sentido para um número crescente de
lavradores. Hoje não tem, a rigor, nenhum sen­
tido para mais da metade dos pequenos agri­
cultores.
Esses dados nos indicam que há um .j2onfláto-
muita-sérionna-interior-^a^ngime de propriedade
priyada. Por isso, há distinções que precisam ser
operacionalmente feitas. D im in u ijp j q úm er o., de_.
propriedades e aumenta1 a terra que lhes_ per­
tence. Ao mesmo tempo, aumenta a concentra-
ção da exploração agropecuária. Dõ mesmo
modo, diminuem as oportunidades de trabalho
nas grandes.fazendas. Um a parte dos proprietá­
rios privados está engulindo a outra. N a verdade,

78
i

as grandes fazendas, que tem absorvido a maior!


parte do créditajoiral subvencionado e da amún
tência técnica igualmente subvencionada, qut
I são propriedades capitalistas, representam hq]«
uma ameaça müitcTconcreta para a outra fòrnm
de propriedade privada que e a propriedade ja
miliar^ No R od eio clássícg) essa concentração
tendia a proletarizàr o lavrador, de modo a obri
íH
fugá-lo a procurar trabalho^ junto ao. proprietário %
| qüé o expropriara. No nosso cas^, de diminuição
| Y crescente de emprego nb campa._a^Qiiccntra(.ão
ópera de modo diferénteT Ao invés de produzir a %
proíetarização do lavrador, produz a sua exçlu
[são do regime de propriedade, levando-o a conti i
nu ar lavrador autônomosem jxrjopriedade, espp
jcialmente nà condição de posseirov.TEsse é ujn C
jdos mòfívõs^ pelos quais~ ã pósse deve ser vista i
Ç|como a negação da propriedade. como um àlSãs i
contradições ú Y p ro p ried ad e .p rivad a, co in oia
manifestaçao subversiva do direito à terra que
• pfoascE~Ttentro do próprio yentre da propriedade
v; ^capitalista.
O Estatuto da Terra^que supostamente surgiu
i j ^ipara definir, caracterizar e solucionar os defpi-
tos da estrutura fundiária em nosso país, estabe-
> leeeu quatrn tipos de -estabelecimentos ru rais:
minifúndio, empresa, latifúndio^por exploração
e latifúndio por dimensão. O minifúndiqjé cla­
ramente definido como indesejávêEé problemá­ «ü
tico, sujeito a remembramento mediante a pres­
são da tributação; a túnpresa ruraf^é a categoria m
definida como ideql quanto a dimensão e explo­
ração; òv^atifúndiojpor exploração e o latifúndio
por extensá&ptqmbém são indesejáveis, mas não >
condenados à fragpientação já que, através da Up
pressão tributária, poderão transformar-se em
empresas. Pode-se dizer que o Estatuto da Terra
não é distributivista, mas concénf^fciomstaj *m
a

79
£p
r k / 1

Nesse sentido, ele não representa de fato um


instrumento—para—solucionar os efeitos—sociais
V1 problemáticos da,concentração fundiária e da
\j conccntração_da exploração agropecuária apon­
tados acima. Do mesmo modo, o Estatuto somen-
) pbp prevê a desapropriação para efeito de reforma
' agrária em casos de Tênsad sdcíal ou para pfê-
^vénir tengôes sociais. A rigor, portanto! o Esta­
rP: tuto n ãa e)um instrumento de reforma agrária,
o mesmo no sentido reformista e limitado de ins­
V<< trumento de alteraçãõ^daT estrutura fundiária.
* Menos ainda o é cdínõ instrumento que vá além
dos aspectos quantitativos da desigual distribui-
/ ve> ção da terra, para alcançar o próprio direito de
ívqpropriedade que já está sendo alcançado de fato
,h' pelos efeitos destrutivos da concentração fun-
ky diária.
A rigor, o J|statuto>abre uma única possibili­
dade para correçaò~~cía estrutura fundiária bra-
p-p siléira e atenuar os efeitos concentracionistas do
qjsPTjj^ ossq regime ~dê_^prõpriedade._Essà possibilidade
sêj> estaria na ocupação das áreas pioneiras, das
m - £0 áreas novas, sobretudo através dos projetos de
pcolonizacãn que poderiam absorver os exceden-
tes-populacionais do campo.
V w “ / A verdade, porém, é que na_prática-essa. única j
alternativa foi posta de lado. A política_dfí.incen- |
Xútivos fiscais concedidos às empresas, p ara, que se
estabelecessem na Amazônia ou para que desen­
volvessem projetos, de florestamento ( ou reflo-
restamento) serviu para intensificar até brutal-
m e n fa a tendêncla xoncentracionista da proprie­
dade da terra, levando não só à ocupação rápida
e em grande escala das áreas novas, masjtambém
expulsão de índios e posseiros. No meu modo
l
vde verT^Tnuma certa medida^ a política de in-_
centivos fiscais na região amazônica revogou na.

t i
prática, apenas dois anos depois de promulgado,
o Estatuto da Terra
Os próprios dados oficiais são muito expres­
sivos a esse respeito. Se considerarmos o saldo
líquido de terras novas incorporadas aos estabe­
lecimentos ju r a is np conjunto_do país, verifica­
remos que não só as .áreas. pioneiras não estão ~ —
sendo preferentemente ocupadas de modo
absorver as populações expulsas de outras re­
giões, como estão sendo ocupadas segundo utn
padrão de concentração muito mais agudo do
que o d á média do país. Das terras novas incor­
poradas durante á década de 50, 84,6% foram
para os estabelecimentos com menos dp 10 0 ha
e somente para os estabelecimentos com
mais de ÍOÍL.dia. Das que foram incorporadas
durante os anos sessenta, 35^% foram para bs
estabelecimentos com menos de JjOO ha e 64,7 %
foram para os estabelecimentos com mais de 10 0
ha. Fm alm éhte^ das terras incorporadas durante Jisd-
os primeiros cinco anos áãT década de 70, apenas OCX
0,Z% foram para os estabelecimentos com menos
de lQO J ia enquanto que 99,8% foram parã bs
estabelecimentos com mais~ de 100 h a , invertejn-
do-se completamente a situação. Nesse mesmo
período, as terras disponíveis para estabeleci­
mentos com menos de 50 ha diminuiram em
3,1%.
A tepdência concentracionista é bem nítida e
drástica como saído da incorporação de novas
terras no conjunto"dõ~pãls."Esses dados são indi­
cativos de que mesmo quando se constitui um a
pequena propriedade nas áreas pioneiras, o seu
efeito é compiçtamente anulado por um a con-_
centraçãp maior ainda em outras regiões.
Portanto, a doutfcina „da. ocupação,.dos espaços
vazios produz concretamente, pelo caminho que
está sendo seguido, o esvaziamento dos espaços

81
ocupado*. N a pressuposição dos tecnocratas não
entrou o dado prévio sobre a já existente- ocupa-
ção da Amazônia, por índios e posseiros e muito
menos entrou em cogitação o povoamento, da,
regiãojgue se daria em consequência das próprias
medidas .de política econômica concentracionista
aplicadas no conjunto do país, expulsando la-
vradores em direção às terras amazônicas, força­
d o s ^ disputá-las com as grandes empresas quef
recebem incentivos fiscais do governo. Cóm issp,í
o posseirp) se defronta com um processo reité-
rãti^o^de expulsão, que passa a òonstituir upn
dado de importância para entendermos a sq.a

ção.

3. Tensões sociais na Amazônia

As crescentes tensões sociais na Amazônia^


estão diretamente relacionadas cõrri a n aturezã
dos movimentos-populacionais produzidos pela
estrutura fundiária brasileira. Pode-se distinguir
no país três grãndê^ correntes migratórias, duas
dasZauais orientadas para a região amazônica.
CUma^delas é a já antiga e conhecida corrente
quê leva trabalhadores do Nordeste para o Sub
^ articu larm eh tê para São l^aulü; “Rio e Paraná,
mrocedentes sobretudo do Rio Grande do Norte,
\ 0 ^ í d a Paraíba, de Pernam buco, de Alagoas, de Ser-
,-yX gipe e da Bahia. QDo Nordeste) particularmente
i i*/ do C eará, do Piauí e do M aranhão sai um. outro
^Jjfluxq^ migratório em direção ao Norte e ao Cen-
'Vt// ^rò^Qestey o que Jbasiçamente quer dizer Amazo-
nia Legal. Um a iojitra )grande corrente migrató-
1 r ria, mais recente, ^âTque se dirige do Rip Grimde
4 °do Sul e do Paraná para o Mato Grosso e Rpn-
dônia

82
A prim^iraidelas é fortemente constituída pm
migrantes urbanos. Ainda que de origem nnu!. I
nao migraram de úma só vez, mas foram se dç: i
locando paulatinamente do campo para o peqiir
no núcleo urbano, para a cidade maior, até ela* i
garemTãs regiõesrmais urbanizadas. A seguiu í-1 I
aquela que 'dõ'Nordesrtè se dirige para a Amazó *
nia Oriental, procede principalmentc do campo,
de regiões em que há grande proporção de pe
quenos estabelecimentos com pequena propojr *
çãq de terras e, àõ mesmo tempo, poucos estabc «
lecxffientòs grandes com muita terra/ Á terceira
*
é região caracterizada por uma propo r ã o signi
ficativa de pequenos estabelecimentos agrícolas
dispondo de pqucãlafea. de terra. Evidentemente «
há muitos detalhes que poderiam ser menciona
dos tanto no que se refere aos fluxos migratórios
quanto no que se refere às estruturas fundiárias
regionais. Estou me atendo, porém, às tendências ■
mais fortes da situação, às linhas fundamentais
da relação entre migrações e estrutura fundiá­
ria-. .... ^
Vou me concentrar principalmente nas duf3-8
correntg^s_nngratóri^s diretamente_J^acionàaâs
coin ãTAmazônia,— a que dq i^rdestè-se dirige
paxã~ã A mazônia" Oriental e a que~doTsul }se diri-
^Tmãzônia Ocidental.
há uma clara saturação das pos-
daTagricúlturàTTãmiliar, coirTa pouca
terra dispohívèYp ãfà á pequena lavoura, tomada
por_ uma alta proporção dos—estabelecimentos
ruraísjdã região,^ No casodo^bamí) 71 % dos esta­
belecimentos dispõe de 3% da terra do Estado,
enquanto poucd mais de meio por cento dos esta­
iâ A A A A á

belecimentos tem 42% da terra. Semelhante^é a


situação no ^íaranhaòb Do (Ceará) e do^pTauij) o
grande fluxo migratório é para o M aranhao e do
Maranhão para Goiás e de Goiás) paraTo Mato

R2.
5,

rrosso SD cl^Maranhão) dcCçear^), de Goiás e do


ía£a .Grosso o flu x q s e dirigelf ortemente tam-
m ao P ará. Essa corrente migratória do Nor-
dfesjte dirige-se diretamente para o que é hoje^
l ^ ^ c ^ n ^ d a s áreas mais tensas, do país.,_a região do
' J QAjragüãá-Tocantins.. Justamente nela, no Sul do
» d ^ £ | f a e no norte do Mato Grosso, está concentrá-
1 t d á a maior parte das grandes fazendas d egad p
(; cgfh^ütuídas^om^os incentivos fiscaJLs adminis-
tijados pela Sudam) (Superintendência do Desen­
volvimento cia Amazônia). H á nessa região mais
de 50 mil famílias de posseiros, sem contar pelo
menos 17 tribos indígenas que somam cerca de
10 m lLpessoas.
N a segundã ~cõfrênt^ a que vai do' spl ^ara a
A m azôm á Ocidental, principalmente ã Rondo-
nfa e~~MatcT Grosso, as características são um
póuco diferendesrTainhe^ concentração
fundiáriãrá^grande, ao me^nüTempo~ém qíle l i â
fortè~Tfã0 nentãçãQ_jios estabelecimentos rurais,
ainda que não tão acentuada como no Nordeste.
Ao mesmo tempo, as áreas de atração caracteri­
zam-se pelo desenvolvimento de projetos de colo­
nização oficial, como em Rondônia, ou particular,
como no Mato Grossõ7~NênHsernpreHiS_niigrantes
são proprietários, lilntre os que ~pYõc¥dim dõ
Paraná e se dirigem a Rondônia, muitos há que
erãm meeiro^ ,..arrendatários é posseiros, _expul-
sos~da terra„p.ela concentração da_propriedade
e da exploração, pela mecanização, e quechegarir
a Rondônia com o pouco que lhes resta embalando
em~~dois ôü três sacos. Geralmente não são colo­
nos^ selecionados pelo Incra, ínã^traBalhadores
que sem alternativas, ja migrados uma primeira
vez do Nordeste parã o páraná. vão para a Àma-
zônia_jentar a sorte. Embora não se tenha esta­
tísticas oficiais ê, às vezes, se fale em 2 0 .0Q0
lavradores à espera de assentamento naquele
QA
território, o certo é que quem percorre as linhas
abertas ap longo da rodovia Cuiabá-Porto Velho
pode descobrir que, enquanto a extensão das
linhas que" sefvení os colonos dq IncfJTem~ em
média uns l O km, a sua sequência, aberta pelos
posseiros, tem mais de 40 km. Isso pode ser indi­
cativo de~ que ãT política de assentamento de
colonos espontâneos em Rondônia está sendo
derrotada nolfia-a-dia pela concentração fundia-
ria^dõ Paraná, pela urgência da situação dos
pósseirosê São conhecidos os problemas criados
recentemente pela invasão do território suruí
por posseiros dojrul que hão tiveram sua situa­
ção re^ótvtda pelo^pcra. Parece-me que a filo­
sofia empresarial e elitista do Incra está sendo
questionada'ria prática pela falência da política
oficial depqlonização êm nosso "país. í~
A verdade é que q Inçrá é hercleiro-das in sti­
tuições da política Jjundiária criadas com aT Lek
de Terras e é, portanto, herdeiro, de uma tradi-
^ção em aberto conflito com os problemas atupii
dó^país. Tradmionalmente, a política de colóKi-
zaçaq esteve no Brasil subordinãdãT à põllticãldç
imigração, o que concretamente queria dijzeê
I política de JdrrnaçãcL.da -f or ç a d e trabalho desti-\
n adajas grandes fazendas,_ subvencionada pelo
Est§dn^O~ã?põIo principal do Estado destinava:sê“
a fortalecer e e x p a n d i empresa. Daí a história
de fracassos de grande numero de núcleos colo­
niais em"várias regiões. A criação e atendimêTítrr
dos núcleos coloniais sempre esteve subordinada
a uma política que atendia prioritariamente os
interesses dos grahdes fazendeiros, que eram os
donos do podep; ífpje W situação não está m uito
modificada. A política de colonização continua
como subordinadáf dê um a política fundiária que
atende prioritãriãmehfe os interesses das^gran-
des empresas capitalistas, sobretudo do sul) je
íudeste) A (^nnizaçãià nãj^ JL considerada em
ndSsdpaís uma necessidade social que devesse
atender, urgente -e-prioritariamente os chamados
excedentes demográficos que vão sendo desloca­
dos da_terra pela expansão das grandes fazendas
e empresas. Por isso mesmo, o ritmo de prolife^
raqãcPdas grandes fazendas subsidiadas., pelo. Es-
tado_.de diversos modqs^ é sensivelmente mais rá­
pido do que o ritmo de assentamento de lavra_do-
res sem terra.
A violação do princípio da destinação social da
tei^a e flagrante no fortalecimento, d a . política
de. colonização particular em detnmento da po-
lítica^fÊL_coIoni^açãe~efieiaL Nesse caso, o aten­
dimento da_pxessão_ demográfica, sobre a terra
fica subordinado ao interesse privado e à lucrar
tiv id ad ed a em px^sa^capitallata.. de_ .colonização..
Para ,â Amazônia! estão se deslocando, portan-
to, contingentes populacionais ^õsãlojadqs por
uma estrutura fundiária concentracionista e ex-
propriátorTa, agravada por uma política goyêr-
naniental de franca opção pela grande empresa
^p elãjp rop riedade capitalista da terra. A fA m a ^
zôniaTe ~HÕfe Vüma das .regiões m ais'tensas^ do
pais exatamentejporque nela estão sê acufhulãn- "
do tensogsTgerãdas e m . outras áreas, ao mesmo
tempo em què a "reprodução deliberada e exacer-
bada da estrutura fundiana cõncentraci onistà,
que expüIsajSvradores e 'Trabalhadores rurais,
faz deia^um a'região dé desespero.-
Até .1974) os conflitos pela' ..terra ocorriam/
principaTmenteLpm outras regiões do país. Entre­
tanto, já em 1915~è~T97^> 60% dos conflitos pela
jteíra ocorreram n a Amazônia, sendo que 76 T5 %
(2ji /Jpos conflitos graveg, os que tiveram mortos e
hfrv feridos, nela se deram. Não_só cresce.najregiãc
D numero de conflitos pela terra, mas nela.nrescê
nais rapidamente ainda o número de conflitos
graves. Dos conflitos graves pefa terra, ocorridos
vuo
no país em 1976, 82% se deram na Amazônia.
Do mesmo modo, 90 dos mortos nesses con-
frontos correspondem à-região amazônica nesk:
ano. É Clara a relação Pntrp n mr.rnmpnf.n
ocupação empresarial da Amazônia e o cresci
mento dos conflitos. Em 1971/72 somente 8°^>
dos conflitos graves ocorreram naquela região,
correspondendo-lhes 6 % do total das vítimas
(mortos e feridos). Esses dados correspondem,
segundo estimativa dos pesquisadores, a uns
8 % dos conflitos efetivamente ocorridos e regis­
trados pelos órgãos sindicais dos trabalhadores
rurais ( 6). '
Somente no ano passado* foram cadastrados
128 conflitos pela~tèffã no M aranhão, envolven­
do, em vários casos, mais de mil pessoas. No cò-
meço do mesmo ano, em Conceição do A raguaia,
rv ] no sul dp Pará, haviam sid o 'arrolados 43 cohflí-
/tosg em juitip os conflitos chegavam a J?5; em
dezembro já" somavam 78. É n a sul do Pagã, em/
/particular, que as tensões são muito fortes, poi5
os lavradores já cansãdõsTde migrar r£si>
* jApacificamente à expulsão, nâ qual se empenharia!
-i^ríuíum a estranha combinação, oficiais de justiça,
1 ^ soldados e jagunços dos próprios fazendeiros!.
Y| Não é raro, segundo fiquei sabendo por informáj-
ção dos próprios posseiros, que sentencas_de_des|
pejo sejam executadas por oficiaÍs_íie-pistiça e
___________ 1
(6) Vera Lúcia G. da Silva e José Gomes da Silvíí,
‘ Conflitos de Terras no Brasil — 1971”, in Reforma
Agrária. ano TT, n.° 4, abril de 1972, pp. 2-10; Vera
Lúcia G. da Silva Rodrigues e José Gomes da Silva,
“Conflitos de terras no Brasil: uma introdução ao es­
tudo empírico da violência no campo — período 1971
a 1974”, in Reforma Agrária, ano V, n.°s 3-4, março/
abril 1975, pp. 2-17; Yera L. G. da Silva Rodrigues e
José Gomes da Silva, “Conflitos de terras no Brasil:
uma introdução ao estudo empírico da violência no
campo — período 1971/76”, in Reforma Agrária, ano
VII, n.° 1, janeiro/fevereiro de 1977, pp. 3-24.

on
/soldados transportados e alimentados ...pela pr
■[p n ã lfãzenda q ueHespeia^QS- 1a vr adores^
O quadro das tensões na Amazônig), inclui
ainda um outro personagem, tãffibém'migrante.
Estou me referindo acf peão/) Especialmente na'
fase de derrubada das inatas, de preparação do
tefrênõ parà o plantiõ ^d^capim, trabalhadores
são levados pelos “gatos/Bõ Nordeste, de Goiás,
até de São_Paulo, para traBalfíar nas fazendas.
Já se _falou muito sobre as condições lastimáveis
de. vida e de trabalho desses trabalhadores“,
muitos dos quais morrem desassistidos e anôni­
mos atacados peía malária e outras doenças,
■, i.t longe de suãs famílias. Nem mesmo uma cora-
w A / j osa demonstração de insatisfação dos peões do
Pfõjeto Jari diante do general M ediei. quando
' v lá esteve^ produziu investigações e medidas des-
pjv^f\tonadas a garantir mínimõs direito/ ãos peõesj,
A Embora as fazendas sejam muitas vezes subven-
cionadas coih dinheiro público, não há sobre ela£
p a fiscalização r ião rosa ane-saJ:azLnecessária para
defender os trabalhadores. Não é raro ouvir-se
vozes inocentando ~os empresários, sob o argu­
mento^, de que os abusos são cometidos -.pelos
/gatos//, ”
lastimável que em nosso país, neste mesmo
V A /+ano de 1980, )quase cem anos após a promulga-
m ção da Lei Áurea, trabalhadores sejam comprá-
fjií ; I dqs_ e vendidos como se fossem escravos para
id / serem colocados a serviço de grandes empresas 1
t >nacionais e multinacionais,, cujos empreendi­
aV mentos jã o alimentados ,,em três quartas partes/
V /pôr dinheiro que pertence..Jêgitimamente a todo
V fv, o povo brasileiro. Abusos são cometidos por ação
tiV
,* e omissão ãté" mesmo de autoridades- públiõaã.
\ y\}>No Mátb Grosso, empavoados do norte do Esta-
J $ do, na região do (Âraguaia?, trabalhadores são
\y comprados e vendidos'como escravos até por in-

88
19• «■ú

terferência policial. Existe ali, segundo muitos


depoimentos que- ouvi, o hábito irregular__de
cobrar carceragem. do^preso^ como se este pagas-
se hospedagem a um hotel. Quando o preso-Jièp
dispõe de recursos^só pode ser libertado por urrj
terceiro que interfira. Muitas vezes _.jesse.ter­
ceiro é o “gato” que, por ter pago a carceragem,
adquire o suposto direito de reter o peão consigo
e de leva-lo para a mata pelo tempo._que_julgar
necessário aò pagamento da despesa- feita. Há
lugares em que Ós donos de bolicho pagam a cair-
ceragem dos presos para vendê-los depois, como
peões do trecho, aos empreiteiros das fazendas.
I São correntes histórias de assassinatos de
joeões que têhtãm a lü gãrau e sar de ^vigiados ~ppr~
jiáOThcos. pois são considerados ladrões do sèu
patrão. Ainda no ano passado tive oportunidade
ae^õuvir narrativas de peões que trabalham na
região do Xingu, num lu gáí significativamente
conhecido cõrhcf São José do Bang-Bang, a res­
peito do uso do tronco para castigar trabalhado­
res que ná mata cometiam infrações ou tinham
baixo rendimento no trabalho. Denúncias solire
essas questões já foram abundantemente feiras
aqui mesmo na Câmara dos..Deputados, na C P I_
da Terra. Autoridades tem sido regularmente in-
íormadás pelos órgãos sindicais sobre esses as­
suntos, sejam os conflitos "'de' terra, seja a situa­
ção dos jpeõêsT~Seria umTTrabalho patriótico e
um serviço aos trabalhadores deste país apro­
fundar a investigação sobre essas questões. Esta
Comissão tem autoridade para solicitar ao Supe­
rintendente da Polícia Federal, ao presidente do
Incra, ao Ministro do Trabalho, ao Ministro do
Exército, ao chefe ^do SN I e à Secretaria do Con­
selho de Segurança Nacional que lhe apresentem
os documentos e informações que possuem a res­
peito desse assunto, bem como esclareçam qu£

89
medidas podem ser tomadas, no que se refere à
atuaçã^do^GovernoJ edo_Le^isiâtÍYo^em..par.ti-
culaf, para por fim aos abusos crescentes4contra
os "direitos fundamentais dag ueles trabalhadores.
4. C o n c lu s õ e s e sugestões
Ç> governõ tem definido nos últimos dois
meses, medidas que no seu entender deverão re­
solver os problemas dos_posseiros. Não estou me
referindo aos vários decretos declarando deter­
minadas áreas de utilidade pública, em regiões
de tensão social, para efeito de desapropriação
A ^^regularização fundiária. Refiro-me.jparticular-
(> mente, aos .„grupos executivos , como , 0 G E T A T
(Grupo Exeçutivo__4as Terras do Araguaia-To-
cantins). Na. prática), a criação desses grupos de
intervenção federar constituem o reconhecimen­
to público, por parte... do Gnvernp, da completa
falência do sistema institucional na „solução, do'
problema fundiário despais. Concretamente sig­
nifica que ãs instituições administrativas e judi-j
■ciarias não tem à menor condição para enqúa- i
jdrstr. e solucionar a grave e crescente questão \
I social da terra. As funções e compromissos dessas j
( instituições estão baseadas numa concepção do'
que deveria ser a realidade social completamente
distinta do que efetivamente é. De fato, os_CTÚpds^
executivos são órgãos de emergência e de inter­
venção militar, como^se.estivéssemos núfna situa-
çao de guerra. É um recurso para evitár que áT
questão efetiva e básica do regime de proprie­
dade seja colocada em debate, juntamente com
os compromissos do_governo, de modo que o Lcj
gislativo pudesse fazer agora, como fez em 1850.
a refõrmulação do direito de propriedade, da
teira em nosso país, ajustando-o a realidade
destes tempos e aos interesses dos trabalhadores
do campo.
É sumamente estranho que da área do GETA/r
tenha sido excluído o norte do Mato Grosso,
onde há um grande número de litígios pendei)
tes e de posseiros e índios vivendo hum a si Ume i<<.
de enclavq em jneio aos grandes latifúndios nio
der nos. Essa exclusão* tem, porém, o seu sentido.
De fato, no M ato G rosso a situação está estabj
lizada, considerada pelos próprios empresários
como pós-pioneira. Estabilizada ela está para os
empresários^ mas nãp para os lavradores pobres
ilhados pelas_fazéndas. OJnteresse governamen^
tal pelo sul do ParaTfcambém tem, no meu modo
de ver, o seu sentido. A situação ali é de plçná
I disputa pela.Jt.erra. Quase que se pode dizer qu<-
/ alf o chão está sendo disputado nalmo-a-palmo I *
I por empresarios e posseiros já expulsos váriajfe
vezes dê diversos lugares. Além disso, contingen­
tes _pppulãnipnais7 elllB ali se acumulando em
i estado de grande tensa õ^suj eitos 'a rei ter a d as
violências de policiais e jagunços das fazendasV
É preciso não esquecer de que essa régiãçpestá
no caminho do Xingu, cujas terras já fhram corí-
cedidasT com autorização do Senado, a grandefs
grupos econômiçps, como a Construtora Andradb
Gutiérrez que recebeu 4ÕÕ mil ha para desen­
volvei* projetos de colonização. Pelas experlên- 1,
cias que se têm no norte do M ato G rosso, os
colonos desse projeto pão serão os posseiros
pobres que estão se deslocapdo na direção Nõr-
d este-Amazônia, m asaquefes que possam pagar .
p e lã te rra T H á poucos dias esteve em Brasília,
segUTTdmTfoticiaram os jornais, um funcionário
daquela empresa para informar às autoridades
que o processo de desmatamento para implanta­
ção do projeto e 1 construção de estradas já está
avançado e de que há o temor-dc-que os posseiros
encurralados na região sul do Estado iny_a&am o
X íh gu T ^ i
N a verdade, as medidas oficiais visam a cons- \
truir um cordão de terra ocupada e titul a d a em \

istrihmu a grandes grupos economicos. É sin-


□mático que existam ali essas terras disponíveis
para colonização e que exatamente ao lado exis-
am m assas_populacionais reivindicando terra
parã T ra b a lh ar, enquanto o governo.) insiste em
reforçar o caráter capitalista da propriedade
m ndiáriá~submetendo o processo de ocupação da
terra aolpidncípip rinlnp.rn dos grandes grupos
econômicos.
1Por essas razões, a meu ver, nãp há distorções
na execução dos planos de desenvolvimento da
Am azônia: os próprios planos já constituem a
distorção, porque elaborados em detrjmento do
interesse público, na medida em que esse interes­
se fica subordinado aos interesses privados da
grande empresa capitalista.
O próprio governp acaba de declarar a inefi­
cácia da política dos grupos executivos de terras.
N o p a c o te de recentes decretos expropriatórios,
há um incluindo_uma_área no Sudoeste do P ara-
ná> Ora, nessa região nasceu justamente o pri­
meiro - grupo _ executivo de terras, que foi o
GETSOP,)depois da insurreição popular de l ffij?.
AÜ, porém, tinha sentido_a intervenção-federal,
na_mcdida___em_que-os-problemas^-haviam-.sido
criados por corrupção^envoIvendo empresas_.de
colonização e o goyernp_do Estado. No caso atual,
\a coisa eTTmüto diferente. O próprio governo
federal é responsável pela concessão de incenti-
vos fiscais às mesmas empresas envolvidas- na
expulsão dós posseiros. N a verdade, o governo
federal oferece às empresas os recursos e aprova

92
jbs proi etQS-jde-instalaçãQ de. J/azendas.cuj^^xe-
jcu ção Qtaâgai&ilamfiii^ a expropriado
/dos posseiros. É duVidoso, portanto, que o gover-/
• no pretenda adotar ali..uma política que xefoir-
m u l e a estrntura-fundiária^ pois representaria
o questionamento das suas próprias opções em
favor dos grandes projetos e das grandes empre­
sas.
No meu modo de ver, houve uma grande
mudança entre a situação social que havia np
,l país hã epoca da elaboração da X e l de Terras re
s á .instauração do atual regime de propriedade
r r fupdiária. 4 ía^i£ÉͧL_epdCa, o monopóllchJieJidas&e
íVV sobre a terra tinha por finalidade obrigar o tra-
f balhador livrj^-a„lrabalhar_-para.jq, grande,fazeri-
* i^deiro. A propriedade da terra criava o exproprià-
K do e o trabalhador ao mesmo tempo. /líqjej^o
w monopólio de classe sobre a terra cria V -e ^ p rp
^ P p r j ãdoT mas nao _çríã na mesma proporção o

iiic ttiu r assaj


$0 diretaméhtê
. jvêta. que, a meu ver, aponta para a necessidade
) „de uma urgente reformulação do nosso regime
-p ?,de propriedade fundiária. Permito-me, por isso,
' fazer algumas ^sugestões^)
v 1 . M od ific^ap ^rastlca do regime de proprie-
■(£°dade fundiária. É esse o ingrediente de qualquer
/ proposta de reform ^agrária que se queira fazer
no país neste momento histórico. Já não se trata
mais de simplesmente distribuir terras, mas fun­
damentaimente evitar o nascimento e prolifera­
ção da figura do expropriado. Isso pode ser feito
mediante o rebonhecimento da superioridade
social e ética do reginie de pOjs?e.práíiBadõ“p'éIõ's
pòsseirbsT^ècolho aqui a sugestão de um velho
advogado e fazendeiro, recentemente falecido, o
Dr. Paulo Botelho de Almeida Prado. Antigo fa-

93
zendeiro de café, de tradicional fam ília de São
Paulo, perdeu tudo que tinha e foi para o, sul do
Pará, abrir e administrar fazendas^Sugerla elêT
y
com muita razão, que o princípio da fundão
P spcial da propriedade, formulado na C onstitui-
^ 1;çao, fosse levado à prática mediante_a_-aubordi-
nação da propriedade ao seu cultivo .(A t e rra^que
r permanecesse inculta, depois de determinado nú­
mero de anos,"deveria, como no regime de sesma­
rias, reverter ao domínio público para ser trans­
ferida._a_quem p ela possa trabalhar.
2. Em segundo lugàr parece-me essencial po
f im à políticajde incentivos fiscais. Ela resultou
em benefício exclusivo de um pequeno número
de capitalistas, à custa de todo o povo brasilei­
ro, incentivando a expropriação brutal do pos­
seiro e a exploração brutal do peão. Que se dê
destinação social obrigatória aos recursos atual­
mente transformados em incentivos," construindor
escolaspiiospltais, estradas, esTãhelêçendo servi­
ços públicos essenciais nas regiões,novas, apoian­
do sobretudo a transformação e o progresso da
agricultura familiar, que é a que respond.èTjpdr
mais de 5(1% da alimentação produzida no país.
« P i - Alteração da base sindic a p para que nas
niP novasp~amplas^regiões como a Am azônia a ins-
' \\tauração do sindicato de trabalhadores não fique
^vin culad^aZsed^ municipal, sempre muito dis­
tant êTTTjún dica tq de base municipal não tem o
menor sentido numa região em que há proprie­
dades maiores do que alguns parses. À Confe­
deração dos -Trabalhadores na Agricultura deve-
SlMjfljria ser ouvida a respeito, de modo que possam ser
•criados distritos trabalhistas que levem o sindi­
cato para bem perto doTavrador e do trabalha-
dor rural, para fiscalizar os patrões, canalizar
(reivindicações e evitarmos abusos graves que são
amplamente conhecidos.

94
1

V — O cerco: capital e propriedade fam i­


liar no Sul (* )
Entreguei meu fumo na firma
Para minha dívida descontar.
Me veio o resultado de volta: )
Tem mais três mil pra pagar.

Meu amigo plantador


Faça agora o que quisé.
Plantando mais fumo pra firma (
Ganha mais um pontapé. j
(Benjamin, lavrador de Capanema, PR, “O
fumo que dá pepino”, in Cambota n.° 41,
outubro de 1979)

j
Há cem anos atrás, quando o regime de tra­
balho escravo entrou em colapso, quando a pos­
sibilidade de crescimento da riqueza à custa qa
sujeição pessoal e do cativeiro do negro se tornou
inviável, devido à própria impossibilidade _da re­
produção do escravo na escala necessária e do
escravismo como forma de exploração..e.domina­
ção — a grande propriedade entrou igualmente
em crise. O jiãtlvQ e o latifúndio estavam inti­
mamente vinculados entre si, sustentando soli­
dariamente o modo de ser da sociedade brasileira
de então. Por isso mesmo, a reformulação do
regime de trabalho veio acompanhada da refor­
mulação do regime de propriedade.
--------------- j
(*) Publicado originalmente como “prefácio” ao livro
de José Vicente Tavares dos Santos, Colonos do Vinho, ,
Editora Hucitec, São Paulo, 1978, pp. IX-XVTII.

95'
A progressiva substituição do cativeiro pelo
trabalho^ livre, na segunda metade do século
X IX , foi implementada com medidas igualmente
oficiais para abrir caminho à agricultura fami­
liar baseada na pequena propriedade, num sólido
J' víftçulo j uridico com a posse dã terra , segurançáT
r que não tinham os homens livres agregados das
J grandeS“fazendâsna vigência da escravidão. Èm
! 5. o vários pontos do país abriu-se espaço para imi­
grantes estrangeiros pobres vindos HãT Itália, da
Alemanha, da Süiça, de Portugal, da Espanha
gara se estabelecerem aqui em núcleos de colo-
1 ' r uiização devotados à pequena lavoura. O Rio
; , - ^ Grande do Sul, Santa Catarina, o Paraná, São
Paulo, o Espirito Santo, foram as províncias es-
r \Jy* colhidas, dentre outras onde o fato se repetiu em
(0 escala ínfima, para abrigar projetos oficiais e
particulares^de-Xolonização com imigrantes es­
trangeiros. Também brasileiros, muitas vezes do
Nordeste, sobretudo do Ceara' da seca de 1877,
foram removidos para alguns desses núcleos. '
A ocupação do espaço geográfico^jios interstí­
cios dos latifúndios cãfeéircs, como ocorreu em
São P anlo,~du~a~ mãrgem das coxilhas e canhadas
dais* extensas estâncias gaúchas, na serra, como
aconteceu no Rio Grande do Sul, não foi um
processo pacífico e tranqüilo de expansão^ de­
mográfica e de penetração em novas regiões. De
fato, a imigração e a colonização incidiam dire­
tamente no âmago da estrutura da sociedade
brasileira, ferindo as suas^ relações de proprie­
dade e as suas relações de dominação. O pro­
cesso tinha um forte caráter político e dejçlasse.
TTampliação dp_egpaço geográfico e social ocupa­
do pelo pobre não nascia das lutas e reivindi-
cações'dõ"põbre, mesmo porque o imigrante era
fúndamentálmènte estrangeiro, vinha de outras
sociedades, suas reivindicações e pressões não

96
afetavam a nossa. Por isso mesmo, é que o esta­
belecimento das correntes migratóri as para < o
Brasil dos fins dor século X IX e das primeiràs
décadas do século XX, ainda que expressando Ia
abèrtürá de uma fenda na estrutura das relações
sociais, se fez pelo patrocínio e gerência dos
próprios fazendeiros! Õ espaço novo para o pobre
nascia do interesse velho do rico, era aberto pela
própria classe dominante, intencionalmente. Para
essa o referencial da ação era a preservação dp,
então chamada grande lavoura e a preservação
dos mecanismos, então vigentes, de reprodução
ampliada do^capitai. O capital ditava as regras,
nem'm~ãls~nem menos.
O que os fazendeiros precisavam mesmo era
de trabalhadores que atendessem as necessida­
des crescentes de mão-de-obra, estranguladas
pela baixa reprodução demográfica do escravo* e
pela crise do comérçiojnegreiro derivada, da ces-
1 sação do tráfico. À política de colonizaçãp, bk-\
seácta ha pequena lavoura, numa ëspêb'ë de nep- )
-campesinato implantado pelo próprio capitalTe i
I pela grande lavoura, constituía uma conçessão \
! necessária dos grandes fazendeiros às presumí­
veis- aspirações dos emigrantes potenciais dos /
países que tinham, então, um excesso relativo /
de mão-de-obra rural. Digo presumíveis porque a \
vontade do nrgrante, já se sabe hoje, não tinha
o peso que umTcérto liberalismo burguês, implí-
/ cito nas formulações teóricas de algumas cor­
rentes das ciências sociais, enfatiza.
Como o estabelecimento das correntes migra-
tórias dependia ide acertos diplomáticos entre os
países interessados^ a Ivontadê dõ m igrante tinha
que ser traduzida conforme as vontades das
classes dominantes do seu país e do país de des-'
tiriÕTNã verdade, o migrante^ransformou-se na)
òárá mercadoria de um grande negócio que en­
volvia bancos, poderosos, companhias de navega-
çãò, ferrovias, agenciadores e traficantes de todo
o 2 @po, grandes empresas dèj c'ómérciõ~líümanor^
liTnesse sentido que 'goyerngsi estrangeiríg, comer
o suiço e o italiano, empenharam-sé muitas vezes
em que os seus nacionais estabelecidos no Brasil
não fossem explorados até o limite m axnho.
Para o conjunto do sistema de interesses centra-
do na migração erã de grande importância que
o imigrante pudesse r eter uma parte do exceden-
te^cónômico que gerasse, seja"pára alimentar o
comércio de importação do seu país de origem,
preferindo os seus produtos, seja para alimentar
os canais bancários de remessa de fundos páFa
os parentes^ que tivessem permanecido na mãe-
p átria.
N o B rasil) era a grande lavoura de café que
precisava de mão-de-obra nessa época. O traba­
lhador livre deveria substituir o trabalhador es­
cravo, sem que tal substituição expressasse paOr
dificações significativas, no processo de trabalho
devido a algum desenvolvimento das forças pro­
dutivas. A crise da escravaturjí não nascia no
próprio bojo do~pfocessõ~de trabalho e, portanto,
do processo de exploração. A crise nascia fora,
no circuijo do comércio negreiro, no corte drás­
tico do acesso às fontes de fornecimento da mão-
-dè-õbránãã^África. devido principalmente à in-
terlerencia britânica- Essa situação não ábriã
grandes^ perspectivas ao estabelecimento de um
fluxo migratório duradouro e constante para o
Brasil. No mesmo momento, condições de traba-
lho muito mais razoáveis estavam sendo abertas-.
, para os migrantes n a _Arg,entina, nos Estado^/
' Unidos, na Austrália. r0~Bras il> ra um mau negó-?
cio-para~Os~ihtèresses envolvidos no recrujãmên-
to, transferência e localização de migrantes. /
* s-
UR
T


Por esse motivo, a política de imigrai;no
sumiu, em nosso país, já nessá“épbcã, uma lVlrrm
i dúplice: era apresentada com insistência, tm iM 1m
1 parSTos imigrantes quanto para os governo® üd &
1 seus países, como um programa de cqíoniza«:ã«»J m
de criação de urna camada social de p ojiiom i
r
proprietários, quando, porem, à ênfase qualiln
tiva e q uantitativa no recrutamento e 1<»<■ o, ... é*
çãõ dos imigrantes estava, na ’verdade, tm fm u i*
maçãolde una contingente„.de^mão-ciim >pxu pu*n.| é*
as grandes fazendas. Quando essa duplicidade^/
era questionada, sobretudo em face de còndtm : >
de vida difíceis para os trabalhadores das fazcu 1
das, argumentava-se que o sacrifício dos primei r
ros anos no país de adoção seriam compensai (ps
m
pelo acesso à pequena propriedade depois Me
alguns anos de privação voluntária e de trabalho &
obstinado. Praticamente, todos os núcleos colo *
niais desse período, estabelecidos no Sul e ho,
Sudeste, foram-no sob essa inspiração, como gn
rantia exterior de que na estrutura na soei ei lado **
brasileira abria-se lugar para uma camada ,<1< &
pequenos proprietários prósperos, conservai lo n
/ mente comprometidos com o princípio da ]>]*>
priedade privada e do trabalho familiar autono
mo. w*
A política de cqlonfzáçãp nasceu e desenvn! t-
veu-sè, frequentemente de forma precária, imo c-
melosa muitas crises, subordina d a aos objetivos
da política de imigraçap^3 njsúhstituição do tra
bãlhò escravo. Provavelmente, por esse motivo,
os núcleos coloniais nunca concorreram com a c -
grande propriedade, nunca disputaram terreno I -
corii as grandes fazendas e estâncias. Foram con
finados a terrenos^ desfavoráveis quanto à loçali
zaçãõ7 como ocorreu no S u i-ò u quanto. à_.qual i
dâde, como ocorreu no Sudeste. ->Enusumâ) a t -
ípequena propriedade dos projetos de colorüzáçub

99 e-
não decorrp.il ric tra_ri£inrm£imp<? pcnnnmioas &\
sociais que tornass£m~.cLifích^^sobreyiyência_„do 1
latifúndio; ela syrgiu, na verdade, com p com ple- ]
m ento des te r .cQmQ~a^iiQva. condicão de repròdu- j
xção da grande lavoora A pequena lavoura emer- /
igiu geográfica ou institucionalm ente sitiada pela.
\grande propriedade.
Os ~huclêõs ~dé colonização, na primeira etapa
da política de imigração estrangeira, foram pre-
ferenciãlmente localizados em regiões distantes
das grandes fazendas e dos grandes redutos de
m ão-de-obra escrava,. Tudo indica que essa foi a
fórmula encontrada para garantir a aparência
necessária de que a questão da colonização e da
pequena propriedade estava divorciada da ques-
tão do trabalho escravo. Há indícios de que, ao
serem recrutados na EuropaT muitos imigrantes
acreditavam que seriam conduzidos às terras do
Sul, já conhecidas e divulgadas pelos patrícios
que os precederam. Os contratos de recrutamen­
to de colonos já abriam a possibilidade de -esca­
moteações, definindo que acs agentes de imigra-
ção seria permitido localizar o imigrante em
regiões distintas das que fossem convencionadas
entre as partes. Houve casos de imigrantes tra­
zidos a São Paulo que formularam queixas às
autoridades porque supunham que haviam imi­
grado para se estabelecerem no Sul, onde já
tinham parentes. Portanto, os redutos de peque­
nos proprietários imigrantes localizados aparen­
temente fora da área de influência dos núcleos
mais. dinâmicos da agricultura de exportação de
artigos-coloniais, como os do J3uL_ estavam pro­
fundamente vinculados ao conjunto do processo
de substituição do trabalho escravo e de estabe­
lecimento de correntes migratórias^-contínuas
para a grande lavoura. Embora yíncukr não

ICO
fosse imediatamente material, era imediatamente
institucional —
As barreiras levantadas à pequena proprieda- x
, de nessa época, por essas razões, o fato de que'a
: pequena propriedade colonial nasce determinada
o processo de reprodução da grande proprie­
dade üüJãTproduçao era voltada _para o mercado i
externo, só começariam a se tornar visíveis, in­
clusive^ para o píõprio^cõlonoj algumas décadas
depois, para se'désvëndar inteiramente nos nos
sos dias, já mergulhada numa crise profundá
marcada pelas dificuldades de reprodução da
condições sociais e das relações sociais nela ba­
seadas.
O autor de Colonos do Vinho, José Vicente T a­
vares dos Santos, com o seu estudo sociológico
surpreende os colonos, descendentes dos imigran­
tes italianos, espalhados pelas serras da região
colonial do Rio Grande do Sul, vivendo essa
crise, n s impasses da sua condição social, os em­
pecilhos históricos à sua reprodução, como uma
camada substantivamente singular de pequenps
produtores baseados no trabalho familiar. j
Durante um século, os imigrantes e „seus des-
cendentes cultivaram um modo de vida baseado
na pequena produção e no trabalhp^da^famffia,
na solidariedade vi ci na, 1, na produção direta dos
meios de vida, nos'serões e testas do seü tempo
cíclico e cósmico, na pulsação da vida ritmada
pelo ciclo da natureza, na visão camyanilista da
existência. A agonia desse mo&ò dêTvida foTprõ^
teladá7 êm grande parte, porque uma instituição
providencial, à margem da lei e dos códigos do
país, o jninorato, expulsa sistematicamente da
casa paterna o filhp mais velho quando se casaco
maísÕnovo, até que nela permaneça o~ultimogê-
nito7~ã~quem.cabe a terra paterna e a sustenta­
ção moral e EQüatêxiaLjdh£^^

101
v ky^
i . . . O
-PO
S-JJ'1' \ -o -
regras, a reproduçãodo campesinato não depende
1/ exclusiva e necessariamenteda. fragmentação da
// pequena propriedade .(masúia existência de terras
que possam ser incorporadas à produção cam­
ponesa, As regras preferenciais de herança pro­
telaram a crise final da pequena .pmpriedaxie,
m as não a impediram. Ao longo do último meio
século, a produção dos colonos foi progressiva­
mente subjug ada pelos comerciantes e indus­
triais de vinho, apoiada por medidas governa­
mentais.
H oje, o trabalho do colono está submetido in­
diretamente aò capital, Embora preserve a sua
autonomia form al e aparentemente trabalhe
para si mesmo, na verdade foi subjugado pelo
ca/pital financeiro dos bancos que lhe fazem em*
prés Limos;;dê~qu~é~~nãÕ pode abrir mão se quiser
manter o nível e a qualidade da sua produção;
f o f subinétido pelo capital dos intermediários e
foi submetido, ..final e decisivamente, pelo capi­
tal das indústrias vinícolas, que o dominam atra­
vés do seü_prod.útQ comercial — a uya.
Num certo momento, o .velho^pai de família
ainda podia recompensar herdeiro preterido
com um dote que o habilitava a tornar-se pequé-
nd .produtor e recomeçar por si a reprodução do
regime de pequena propriedade, suas condiçõés
históricas e sociais. À medida, porém, em que o {
colono se torna cada vez mais subm etido ao A
capital industrial da indústria do vinho, defron­
tando-se corrí ele e como objeto dele; à medida em
q ué cádá~ véz mais é claramente trabalhador para
um capital que não lhe pertence, ainda que m an­
tendo ã propriedade da terra e dos seus meios
agrícolas (ie^produçãó7 õs~sêüs rendimentos mo !
netarlps nao correspondem ao lucro médio, a que
\teria direito pela propriedade dos meios que
|utilizar~Cada véz- mais correspondem ao preço

102
do _sei^xabalhg e de _sua lamília,.medido e mc- á
diado pelo lucro--do-capi tal industrial, que não
lhe pertenceTjNfessas condições, o^çolono) tem
cada vez maisjiifiéuldade para entregar utn dote*
ao filho, limitando-se quando pode a dardliq
1 ' mna profissão, isto é, prepará-lo para o d estmaj
inevitável da proletarização. Embora o colono
,0 ' não esteja ainda sofrendo uma expropriação di^
ílx yeta, está de fato sendo expropriadõ~"dás~ cõhdr
r o Sões de reprodução ampliada da sua çondiçãc
V õcial de pequeno produtor autônomo. Ó capitja «
•QÇ> He indifêtamente subjuga o seu trabalho á t r a «
çMvés da mercadoria, fecharlhe o caminho do futu-
-•f- ro JSe antes, líecadas atrás, o imigrante^e colono >
estava sifiadp institucionalmente pela grande
y. lavoura,, hoje está sitiado pelo grande capital, i
j (j\ ^ Seus filhos e netos retomam o caminho da estrà-
| fKv jdaTMatula nas "costas, como seus antepassados
\ oe um séculõ atrás, yao saindo aos grupos do IJio
c' f Grande, de Santa Catarina, do Paraná, no rumo
I p da Amazônia Ocidental, para recomeçar nqm
éspaco novo ás velhas tradições da prqduçjão
fam iliar, para restaurar lá longe na terra virgem
[o modo de vida que fora contaminado e subjuga -J
ido ^êlo'cápifãT nas_terras já cansadas do.J9ul/
(Muitas vezes o próprio capital abre a porteira_de
acesso à estradãHonorte, comprando os peque- :
nos lQfesH~véhHehdoHiã mata distante lotes mais
extensos, para mais um século de trabalho fami-
liaHautônomp. ______________ .
José j ficente Tavares dos Santçb foi viver du­
rante uns tempos cõnTfamiliãs^de colonos alcan­
çadas por esse processo. Compartilhou com eles
o pequeno mundo/utópico, porque substantiva­
mente negado 1pelo capital, onde brasileiros de
quarta e quinta geração ainda falam uma língua
ancestral, de sonho, um vêneto estropiado ou um
português carregado de sotaque vêneto, ou caij-

103
f

t a m ^ anções.perdidas_jna- tempo, já desapareçi-


das da terra de seus antepassados. Foi viver.com
eles um tempo pretérito, cadenciado pelo dia e
pela noite, pe:o sol e pela chuva, pelo verão e
pelo inverno, pelo plantio e pela coUigjLta, pelo
trabalJaO- e pela festa. Indagando, observando,
registrando, conseguiu reconstituir as relações
todas que constituem a trama da existência do
colonõy o imediato e o substantivo, o visível e o
invisível, o falso e o verdadeiro, a recíproca ne-j
|cess'dade de ambos, o sonho e a vigília, a utopia
( e a acumulação. __
Com este trabalho, Õ autor^àe situa na ten­
dência teórica que se abriu entre nós, nas ciên­
cias sociais, na segunda metade da década de
sessenta. Nesse momento, começa-se a questio-
nar a alegada JncompatibiliHãdê <Jõ capital com
^processos de produção equivocadamente defini-
, então, como pré-capitaiistas. Começa-se a
Y ver que a reprodüçãq ampliada do capital é um^
^processo que na sua complexidade abrange aj
* ^p reservação e, mais recentemente se viu, a cria-!
{? \ ^ ã o de relações não-capitaíistas de produção, es-|
jpècialmente na agropecuária. O tradiciÕhalismH)
de algumas categorias da sociedade brasileira
não seria, por isso, remapescente. e anacronismo,
de uma outra época, incompatível com a racio­
nalidade do capital. Muito ao contrário. Sem ele, ;
provavelmente, j T reprodução capitalista entra-J
ria_em crise. É mediação e expressão àé cõhtra-j
’dições específicas do processo do capital.
Esse procedimento, que já estava claramente
definido no começo dos anos setenta, teve como
I
conseqüência o questionamento da crítica aos
chamados estudos de comunidade. Tais estudos
haviam s do alcançados por uma recusa radical
de város pesquisadores porque tinham um a pre­
missa subjacente, á coíntlhidãd^)que estava em
se
104
contradição com o fato de que j i sociedade a que
muitas vezes se apli ca vam „er a ^ ^ o e ie d a d e de
ciasses, diferenciada internamente por processos
não-comunitárjos. O método de investigação sé­
ria nesse caso inadequad_o__ao objeto da investi­
gação. Entretanto,Cessa critiSa- estava baseada
numa concepção linear do jprocesso do capitai è
naü~nõ~carátef~deslgiiãí do. seu_ desenvolvimento^ j
Conseqüentemente, os críticos, tanto quanto os
autores que usavam o estudo , de comunidade,
imputavam_à comunidade uma existência subsL
tantiva, o ^me llie davá feições tritíàisT imprová-
vêls~ na_sqciedade capitalista.
Entretanto, o que importava não era descar-v,^í<")
tar a forma comunitária de vida que apareci^ ír -
em determinadas situações de jqesquisa. Impo4=
tava. isto sim, desvendar as condições históricas k-
da sua produção, a razão da sua persistência ouj. r
reprodução, a “sua efetiva natureza. Somente
atrãTves dà descoberta das efetivas relações, visí­
veis ejnvisíveis, tecidas pelo próprio capital, quje
se^expressavam nela é q u e s e pode, entap, des­
cobrir^ ã ' comunidade como utõyia coíno visão
de mundo, como modalidade de consciêncip.
falsa e necessária ao mesmo tempo, como ponto
de partida da pesquisa sociológica, mas não como
ponto de chegada, que era o procedimento tradi­
cional dos críttgõs e dos criticados.
Colonos do Vinho1situa-se nessa or:entação_.de
renovação teórica, aprofundando-a. Desmistifi
ca, por isso, a pequena propriedade constituí d
segundo as necessidades e conveniências d
grãfidé proprietário bu do capitalista; mostra os
seus iimites> mostra os impasses e dilemas do
pequeno agricultor, suas fantasia_s e suas angúsv
tias. Desvenda o destino que se abre^diante deíei
a sua proletarizaçãõ~tõrmal ou a sua real prole -
tarização, õu "ainda ós mecanismqs que _recriair. í

105
a utopia camponesa dp trabalho independente
na reemigra£ãQ^, nu,bmaa--de, uma^nova terra. Ao
mesmo tempo, os elementos-subjacentes a esse
processo, que o determinam e nele criam ou par­
ticularizam suas contradições, o capital e o capi­
talismo, Aparecem analisados e iluminados a
partir da situação de uma categoria social que
lhes é secundária, mas nem por isso menos cons­
titutiva.

106
V I — A crise do regime de propriedade
e a crise das instituições (* )
N u n ca v i p ob re te r vez
S ó p o r q u e n ã o t e m d in h e ir o
S ó q u e m te m a v e z é o r ic o
D o m in a o m u n d o i n t e ir o
B e m d iz o v e lh o m e u p a i
Q u e a ju s t iç a n ã o f i c a
A o n d e o d in h e ir o v a i.
ii
(E x p e d it o R ib e ir o d e S o u z a , la v r a d o r itu)
R i o M a r ia , P A , “ O D in h e ir o e a J u s t iç a ”
in Poesia do Trabalho, Poesia do Trabalha
dor, C P T — R e g io n a l N o r t e I I , B e lé m , 1979)

Cada vez que chega aos jornais, ao rádio, à


televisão a notícia de uma árvore derrubada <m
de um pau reduzido a cinzas nas frentes pionéi-
ras do país, particularmente na Am azônia,j a
ciasse média urbana treme nas bases, sufocada
pela falta de oxigênio que já pressente. A ecolo-
gização da consciência nacional, das nossas in­
quietações, dos nossos temores, das nossas espe
ranças representa, na verdade, a transformação
da política num problema florestal. Não falta
muito para que o vermelho deixe de ser a cor
dos pesadelos dos milicianos, dos dedo-duros e
de outros profissionais da espécie para dar lugar
ao verde, como cor intolerável e perseguida.
--------------- 4
( * ) P u b lic a d o , sob o t ít u lo d e “ O s e s q u e c id o s c o n f l i ­
to s d o s p o s s e ir o s ” , e m Isto É, 18 d e a b r il d e 1979, p p .
64-65. I

107
É claro que a devastação florestal que ocorre
no país não é uma brincadeira. E logo todos nós
pagaremos por isso. Na hora de distribuir os
milhões dos incentivos fiscais, dinheiro que per­
tence aos 120 milhões de brasileiros, são 336 os
beneficiários da área amazônica no setor agro­
pecuário. Na h õ rã d e distribuir os dividendos lio
desastre ecológico, não tenhamos dúvidas, sere­
mos todos convocados.
Muito provavelmente as especiais e lamentá­
veis circunstâncias históricas e políticas a que o
país foi lançado devido ao patrioteirismo de al­
guns zelosos cidadãos, nesta década e meia, não
nos deixou outra alternativa a não ser a de ficar­
mos a ver o verde. Isso quer dizer que, sem dúvi­
da, estamos vendo coisas importantes, relacio­
nadas com o nosso destino coletivo. Mas não
estamos vendo o principal. Enxergamos a devas­
tação florestal na Amazônia, mas não enxerga­
mos a devastação humana e, até, institucional
que ocorre nas chamadas áreas pioneiras do país^
Mal nos damos conta de que, no avanço do capi­
tal sobre o sertão e a floresta, há choro e ranger
de dentes, há morte e miséria, há violência e in-
. justiça.
Esse é um fato de grande significação histó­
rica e política. O nosso encantamento pelo re ­
nascer do movimento operário urbano não deve­
ria obscurecer o fato de que, nestes últimos dez
anos, lutas crescentes e significativas vêm ocor­
rendo no campo, em condições dramáticas e,
muitas vezes, desesperadas. Mais de duas cente­
nas de mortos e feridos são indicativas da fero­
cidade dos confrontos no meio ru ral. Um estudo
recente registra a média de um conflito cada
três_dias em várias regiões do país, com maior
concentração no Paraná, na Bahia e nas unida­
des da Amazônia Legal, que constitui uns 2/3
Ü_ -

108
do território nacional. Geralmente, há nesses
confrontos mais mortos do que feridos, sinal da
extrema violência que os caracteriza. ,
As principais d;sputas no campo são bem difq-
rentes das disputas na cidade> Aqui o trabalha­
dor Jutajçqnlra_jpsua^ Lá^o lavrador
luta contra a expropriação. São lutas determi­
nadas por um único e mesmo processo, que é o
de reprodução e acumulação do capital, Mas são
lutas que expressam situações distintas e enten­
dimentos distintos do confronto com o capital./
Nos últimos anos, acentuou-se no país a ten­
dência à concentração fundiária — mais terra
para menos gente e mais gente para menos
terra. Em cinco anos diminuiu o número de esta­
belecimentos agropecuários próprios, arrendadcp
ou em regime de parceria, ao mesmo tempo em
que cresceu a área total dos estabelecimentos
explorados pelos proprietários e diminuiu a área
dos estabelecimentos explorados por terceiros.
Mas um dado de grande importância é o de qi^e
cresceu em 2 1 % o número e a área de estabe’
cimentos agropecuários explorados por posseir
ou seja, à margem do regime de proprieda
donrLnante^ garantido.
Esse quadro define as bases dos conflitos que
vêm crescendo no campo. Estamos, na verdade,
diante de uma acirrada disputa pela terra, en­
volvendo um grande número de pessoas. Se há
no país três milhões de estabelecimentos agro­
pecuários próprios, há também um milhão de
estabelecimentos de posseiros. Estes predominam,
sobre todas as outras modalidades de ocupação
da terra, no Aqre, no Amazonas, em Roraima,
no Pará, no A mapá e no M aranhão, o Estado que
tem o maior númeiro de posseiros, mais de 200^
• mil famílias, e onde os seus estabelecimentos re­
presentam m ais de 50% do total. É forte tam-j

109.
bém a concentração de posseiros no_
Mas, de qualquer modo, o problema do pos­
seiro é um problema nacional, embora mais con-
/r\ ycentrado na Amazônia Legal. Dois Estados em
J^jj^que os conflitos são numerosos e significativos,
V ; • \ Mato^Grosso e Pará, têm situações distintas. No
A- !W fimllro>~õs proprietários têm invadido terras
'As posseiros em grande escala, praticando um a'
A çlverdadéira expropriação direta. No P a ra d a ten-
Ç ?>tlência ainda é a da disputa pelas terras novas
• \ que vão sendo ocupadas, embora, como em outros
lugares, haja um crescente número de casos de
^0 expulsão de possejros^om ente em Conceição do
VAraguaia há hoje 78^conflitos conhecidos. No
^ - v) Maranhão, o tradicional Estado das “terras
A livres7’, ps posseiros, já não conseguem ocupar
nóvas terras, aoihesm o tempo em que vão sendo
expulsos em direção ao jsul dg P ará.
As grandes empresas) avançam também sobre
territórios índigenãs. É por isso que, além do
crescimento dõ número de conflitos entre pos-
sejros e latifundiários, tem crescido também o
ntjmero de conflitos entre índios e grandes fa ­
zendeiros.Apá^^^h^ no país o despertar de um a
consciência do índio, a paciente busca da identi­
dade tribal perdida, o reiterado confronto com
a sociedade branca, capitalista e madrasta. O
índio tem avançado mais rapidamente do que o
posseiro na formulação da sua consciência e da
sua resistência. Provavelmente, porque o con­
fronto cófh o branco é de imediato um confronto
claro e aberto cõlh outro" regime de propriedade :
li s
a propriedade coletiva..^e tribal ameaçada, pela..
propriedade capitalista.
V O INCRAjtem^um conceito quase oficial para
definirão posseiro :\ invasor. Curiosamente, entre­
tanto, sào“ raros^os casos de invasão de grandes
/■'
A/ fazendas por posseiros. Quando ocorrem é por
/
110
desconhecimento dos limites reais das descomu
1
nais fazendas amazônicas, como se deu na Fa
zenda Capaz, no Sul do Pará, da família norte^ «
-americana_Davis, da qual três m embros foranfc I
chacinados num confronto com os posseiros, de- «
vido à intransigência e à violência do fazendeiro.
No entanto, na quase totalidade dos casos de con i
flitos envolvendo posseiros, a causa é a invasão |
d a s jjosses pela fazenda. ü
Tais—invasões são, na maior. parte dos casos^c
*5«

qué^fazem parte dos quadros de empregados dq


muitos latifúndios” de fazendas de grupos naçiO:
' nãis~e multihãciõhais. São recrutados, muitas
vezes, através dê^ estações de rádio de Goiâniaú
Hoje em d:a o economista, o agrônomo, o soçicê
logo e o jagunço sacT colegas de trabalho, empre­
gados do mesmo patrão. O jagunçô não é simples
capanga de um rançoso corolíehdo sertão. Hojé,
ele é contratado do gerente da empresa agrope-
cuaria
Não é raro que a invasão da terra do posseir
por jagunços armados sej a secundada por pqlj -
(ciais das milícias estaduais, apoiada por decisõqfs
!judiciais e ~dirigldãTpor õficiáis"dé Justiça. N as
1r egiõe s^pToneiras dò país, as i nstituições da
ordem pública, como a" Justiça e a polícia, estão
com grande_ frequência subordinadas a ordem
privadãT"Estamos, na verdade, diante de um co-J
ronêilsmo transfigurado, em que o poder de
coerção e corrupção dò particular foi imeqsa-
niênte multiplicado pelo poder econômico das C-
grandes empresas subsidiadas e pela privaliza-
ção de imensas extensões territoriais. €-
A paranóia da spguráhça nacional intensifi­
cou ainda mais o poder da ordem privada sobre
a ordem pública. Como em geral as invasões
praticadas pelos latifundiários atingem grande

111
número de pessoas, as reclamações e reivindica­
ções assumem necessariamente um caráter coüp~
tivo, o que tem sido suficiente para colocá-las'
solT suspeita. Em conseqüência, a tendência das
autoridades civis e militares tem sido a de se-
cúndar ^ grande êmprêsa.'partindo da premissa
de que ela é a guardiã natural da ordem social e
política vigente, contra o posseiro, encarado ~'
com õlim risco para a estabilidade da ordem bur­
guesa, quando ele é na verdade um obstinado
paciTísEL
A própria forma da burocratização dos__servi-
cos oficiais sobretudo os da JuaMca, já é sufi-
cientê~pãra fazer com que a balança p enda para
o lado da grande empresa. Quase se pode dizer
que nò sêrtad'a presen£,a^dQ.,direitQ. q da Justiça
é uma..brin£âdeira_da.pequena burguesia. É um
faz-de-con ta : faz de conta que o país é outro,
fãz de cónta que a Just;ça é ju sta, faz de conta
que o direito é reto. No entanto, já há experiên­
cia comprovada de que os conflitos somente são
resolvidos a favor do posse'ro quando este se j
rebela. Õ IN C R Á tem doutrina firm ada de dar
pflòridade à solução dos casos marcados por \
forte tensão social, Mas quase sempre a distri-v
iA bilicão d a terra ou a regularização, da situação
f u ndiária se faz acompanhada de forte repressão
à s lideranças, classificadas como subversivas.
J A opção do regime militai pela concentração
f undiária, que acompanha a concentração do..ca-
pital, permitindo e favorecendo a constituição
de latifúndios de milhares e até milhões de hec-
tares, não é mero dado'econômico. É dado políti-
co. As vacas da Ãmazônia estão aí para confirma^
-lo. Poíã todos sabemos comprovadamente que a
pecuária extensiva cria um número escasso de,
empregos (em dez anos * de Incentivos fiscais a
Siídànpçriou 38jmil empregos na Amazônia) ao

112
mesmo tempo em que desaloja um. grande nú-
mero de lavradores, (um a vaca amazônica de­
semprega uma família inteira de trabalhadores,
de posseiros^ que produz sua própria subsistência
e excedentes agrícolas comerciáveis). Até há ál-
guns anos as zonas novas absorviam os exceden­
tes populacionais de regiões como o Nordeste.
rÈssas populações continuam se deslocando, en~
9 ‘ ;/&rossadas agora pelos migrantes do Sul e do Su­
■ip deste. Agora, porém, submetidas a um confronto |
l imediato com q grileiro, ^m ultinacional, o “pau- |
lista”; o jagunço, o juiz, .ajpficiaLde Justiça/o /
■f soldado.. Diante do posseiro, a força e o poder
combinados da ordem pública e da ordem priva- J
V.J| da crescem como úrii inimigo, impiedoso e diabó­
KP* J $ lico, como a besta-fera, como o seu contrário.^ O
cãpitaf)que devasta a mata, o índio e o posseiro
devasta ao mesmo tempo as Instituições e princír
pios que sustentam a sua expansão.

113
V I I — A situação no campo e a conjuntura
Falta terra, falta tudo,
Falta alimentação,
faz o caboclo ficá
numa triste situação.
O povo doente e fraco
prejudica a nação,
faz o homem cachaceiro,
faz outro virá ladrão,
faz mulher mudá de vida
pra poder ganhar o pão,
traz a fome e a miséria
na cidade e no sertão:
periga a humanidade
dá uma revolução.
(De um Violeiro de Goiás, “Espelho da
Realidade”, Cantos dos Lavradores de
Goiás, CRD, Goiânia, 1979)

1. Expansão do capital e empobrecimento no


meio rural
O que mais chama a nossa atenção é que,
apesar da existência da lei, dos j uizes, dos tri­
bunais, das autoridades, enfim, encarregadas
de zelar pelos direitos dos cidadãos, a situação
do lavrador se complica cada vez mais. As ten­
sões sociais no campq tem crescido rapidamente
nos últimos anos. Um estudo recente reali­
zado por Vera Gomes e José Gomes da Silva, da
Associação Brasileira de Reforma Agrária, in­
dica que há hoje no país pelo menos um con­
flito cada três dias por questões de terra, en­
volvendo posseiros, de um lado, e grileiros, fazen­
deiros e grandes empresas de outro. O problema

114
do posseiro existe no país todo, sendo nial.s
significativo nos Estados do norte e do centro
-oesitÊL Mais da metade dos ésTabeleci menton
agrícolas do Maranhão está nas mãos de pds
seiros..
Segundo o último censo agropecuário, de 197f>,
das quatro categorias de lavradores ali arrola
das, a de ocupantes (basicamente posseiros) é
a única que cresceu. O número de proprietários,
isto é, lavradores^ cqnLJútixIo-jaa-jnãQ_ri posse_ic
galizada. diminuiu, mas cresceu a área por eles
controlada. O numero de arrendatários e a sua
área" diminuiram. O número de parceiros e a
sua área também diminuiram.Ouj^eji^, está ha
vendo uma concentração da propriedade fuia
diária, _cqm a consequente saída _ d e . lavr adqxês
das terras T m '" que trabalhavam. Q número de
posseiros e a sua área, âo contrário das outras
tendências, cresceu em 2 1 fo.
Há hoje aproximadamente um milhão de fa^
mílias de posseiros no país, o que deve corres­
ponder a uns 5 milhões de pessoas. Convém lem­
brar que o posseiro não é o marginal, o invas Dr
da propriedade, o fora-da-lei que muitos sju-
põem. Segundo estudo divulgado há pouco pela
Comissão de Financiamento da Produção do
Ministério da Agricultura, entre 60^ e 7()% dos
gêneros alimentícios destinados ao abastecimen­
to do país procedem da produção de pequenos
lavradores, que trabalham em base familiar. Os
posseiros representam uns 2 0 % de todos os es-(^!
tabelécimentos agrícolas do país. Sê considerar-
mos ~ que üm grande número de proprietários '
de grandes estabelecimentos nãp produz alimenW*
tos, mas dedica-se, preferencialmente à
\ria, podemos dizer que a agricultura dos posseiy
'õs tem a sua importância no abastecimcnto ^doá
Lèrcadõs üfbáriõ é rurab " {(
Um a das conseqüências da expüísão de possei­
ros em determinadas áreas como constatou em
estudo recente um dos melhores conhecedores
dos problemas da Amazônia, o sociólogo e jor­
nalista de O Estado de S. Paulo e O Liberal)
Lúcio Flávio Pinto, foi a diminuição da oferta
de alimentos em grandes cidades, como a de
Bélém, e a consequente e acentuada elevação do
custo de vida e da taxa de inflaçao. Esse e um
dacíCPmüitd importante. Em política econômica
nem tudo o que se planeja dá certo. Òs econo­
mistas sabem disso há muito tempo. O capital
é~cruel com os seus gerentes: freqüentemente
produz o resultado esperado por quem planeja,
mas produz também o contrário do resultado
esperado. Essa é uma contradição. Mas, justa­
mente o movimento da riqueza tem essa carac-
Qterística — a de ser contraditório. Assim, obser­
vam os nos anos recentes a expansão_ das gran-,
ij^des empresas agropecuárias nas frentes pionei-ji
ras (co m o 'á nossa região do Á rãguãiá-Tdcãn-lj
tins), o que era desejado pelos governantes,
aó mesmo tempo ^a escassez de alimentos e
elevação do custo de vida, conseqüência que nã(
era desejada. São dois result a d os unidos e-coní
tráfios entre si. A rápida acumulação do capi-
tartéfn úim preço que compromete a propria'fe-
pTõdüção ampliada do capital. Por isso, já di­
ziam os clássicos, ós problemas econômicos são,
na realidade, problemas „políticos.
O problema^ não é únicamente o do posseiro,
dos pãrcêlros e arrendatários pobres. Os peque­
nos proprietários, como os colonos do projeto
Canarana, vivem uma situação nada fácil. A Ca-
narana é um projeto de colonização particular
e de assentamento de lavradores procedentes do
Rio Grande do Sul, da região de Tenente Por­
tela, que se instalaram no Mato Grosso, em Bar-
ra do Garças. Trabalham com máquinas mo.
dernas — colhedeiras combinadas de arroz que
poupam o serviço de dezenas de trabalhadores.
Seus lotes tem 400 ha, dos quais 200 ha devekn
corresponder a reserva florestal. Esses lavrado- r
res estão^completamente endividados e costu- [
mam~dlzeir~que hoje são empregados do Banco;
do Brasil. O rendimento da cultura de arroz [J
deste ano de 1979 dará somente, para um gran­
de número deles, para pagar as prestações dos
débitos contraídos com o Banco. Isso porque em­
bora o preço dos alimentos seja muito alto nas
cidades, é muito' baixo para os lavradores. "Pbr
que acontece isso? Estudo realizado há alguns
anos pelo Departamento Econômico do Ministé­
rio da Agricultura mostrou que dos preços <íe
yários^ produtos agrícolas pagos na cidade, ape-1
nas uma parcela muito pequena fica com õ l a -
/VradõrTMãis jde 50% ficam com os intermedia- >
rios. É preciso lembrar que no Brasil os preços
d er~~ãlimentos para o consumidor sao m aisdíT
menos controlados, através de órgãos como j a
Sunab (Superintendência Nacional do Abaste­
cimento). O prodytor agrícola., tem que se adajp-
tar ao preco que o mercado pagará. Se houver
uma seca forte ou uma enchente, o produtor não
tem condições de aumentar os preços dos seus
produtos, arcando sozinho com os prejuízos. Os
preços pagos ao lavrador, quandn sobem, sobem
muito devagar. Os^preços pagõs pelo lavrador,
ao contrário, sobem éfn ritrhõ mais acelerado,
cdíno indicam os índiçes._de preços publicados
pela'Fundação Getúlio V argas e pela Secretaria
da A gricultura ide Saõ" Paulo. Isso acontece por­
que o lãyrãdof subjsidia o consumidor. Isso quer
. dizer que os lavrãdnres~~'éstão sustentando os
opj^ários dos grandes centros consumidores?
r 'Nãor^Como se explica então esse fato? Os pre-l
ços dos produtos agrícolas na cidade não podem
subir muito, porque esses produtos são consu­
midos principalmente pelos trabalhadores. A
compra desses produtos deve ser feita com o sa­
lário que os trabalhadores recebem das empre­
sas em que trabalham. Segundo dados da Fun­
dação Qetúlia-V-argas e do Departamento In-
tersindical de Estatística e Estudos Sócio-eco-
nômicos (D IE E S E ), que é um centro de estudos
e pesquisas mantido pelos sindicatos operários,
m ais ou menos a metade do que ganha a maio­
ria dos trabalhadores ..destina-se à compra de
alim entos.,,A ôutrj^meta3^ é para p agar á "casa,
os remédios, a escola. Se os trabalhadores ur­
banos pagassem pelo seu alimento, pelos produ­
tos agrícolas, o preço real do trabalho,..do „la­
vrador, o preço que garantisse para os pequenos
lavradores e trabalhadores rurais o mesmo paj-
drãõ médio de vida que há nas grandes cidades,
teriam que ganhar salários mais altos do que os/
I atuais. ísso querUizer“ que os alimentos sãÕ CU^
j, ros para os operários porque os seus salários saffi
baixos, mas..saó baratos para os seus patrões^
Como assim? Se o patrão paga salários baixos
para o seus operários, os seus lucros são altos.
O exame dos balanços das grandes empresas,
como as multinacionais, publicados obrigatoria­
mente uma vez por ano nos grandes jornais,
mostra que das despesas que elas fazem, apenas
uns 30% (às vezes menos) correspondem ao p a­
gamento de salários de trabalhadores, incluindo
os altos salários dos executivos, diretores e téc­
nicos. Assim, aquilo que falta na casa do lp-
vrador aparece„._prjScipaImente.-...no cofre das
grandes „empresas sob a forma de grandes lu ­
cros. Essa situação afeta todos os produtores
agrícolas, incluindo os posseiros.
%

Apesar de tudo isso, a põiíticaT^õhôrnica^ e


f undiária dos governos brasileiros é há muitqs
ános orientada em favor dp grande proprietário
m
e dã~grande empresa. Embora a política de co­
lonização, isto é, de redistribuição de^tgrras
para pequenos produtores, tenha nàscido há
máis de um século, â política de estímulo à pe­ m
quena produção sempre esteve subjugada pelos
interesses dos grandes fazendeiros. Isso porque
a nõssãTeconomia ainda não se libertou do caráf
ter de economia colonial, ou seja, é uma econo­
mia que depende basicamente da exportação
de produtos para outros países, como aconteci#
e ainda acontece com o café e o açúcar. Àté há
uns 20 anos, isso era necessário para que pndési uci
sémos comprarmos produtos ir»d n stria.lizadns dh
que necessitávamos. Com a industrialização que
houve no Brasil, hoj e precisamos e x o r t a r ...o. qup
for possível para consejpiO TPà.Ãlds^ (moedas i ) m
estrangeiras, principalmente dólares) para, entre/ í*
outras coisas, garantirmos as remessaã de ltfi rí
cros e outros pagamentos das emDxesasL.estranf- p
geira^que ’garantiram a expansão .da indústria m
no país,,, 5 < Q*
Esse fato pesou decididamente na política ado- C#
tada na ocupação da Amazônia Legal, que está
sendo processada neste momento. Até 1973, os
órgãos oficiais ainda acenavam com a possibili­ «*
dade de programas de distribuição de terras para
pequenos lavradores em determinadas regiões,
t-
como a Transamazônica. O general Garrastazu
Mé<ilcg> visitando o nordeste numa época de «»*
grande seca proclamou que era preciso destinar
a Amazônia sem! homens para os homens sem
terra do nordeste. A T ransamazônjca teria sido
em gran d e ^ com esse propósito. **
Mas, em fins de 1973f" quãndõ" se^ésboça ã crise
do chamado “milagre brasileiro” , os técnicos go-
H
110 **
vernamentais constataram que a Amazônia, na
sua maior parte, tem um a vocação pecuária^não
sendo, com exceção de algumas áreas, própria
para agricultura. íjap^íiçiive rriàis estímulos jtg
assentamento de colonos~nem à solução do pro-
/blema dos milhares de posseiros jà instalados nã
xj sJáreã. ''Impunha-se,' nã~Tèrdade, expandir as pas-
X^^jtagens do país, aumentar o rebanho bovino edrí-
) ' 2rêmêhtãr~á exportação de carne. Isso porque a
^ 2afnè~ tèrrTTõrte demanda nõ" mercado interna-
donaFe- dentr õ “dess a linha de orientação o B ra-
; 3Í1 teria possibilidade de desenvolver grandes pas-
[ ) Ç bágens para criação extensiva de gado de “corte
sem grandesjlispêndios de capital. Mas, também
isso teirTpfeçô e uih dos preços é a gr a ve_s if uação
me posseiros e peoes_néssa mesma região.
Um estudo realizado pelo Padre Jean Hçbette
e por Rosa Acevedo M arin, do Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos ( N A E A ) , da Universidade
Federal do Pará, mostrou que, com a ocupação
da região pela pecuária de corte, há um empre­
go para cada 788 há de terra (a pecuária exten­
siva ocupa põuqüíssima mão-de-obra). Em con­
dições ideais, quando a terra é utilizada na agri-
cultura de alimentos, nesses 788 ha de terra
nòdem ser ocupadas" 15 "pessoas (praticamente
15 famílias). Em condições 'mais precárias até
30 trabalhadores podem ser ocupados em ativi­
dades agrícolas nesse mesmo pedaço de terra. Se
adotarmos os critérios do Incra, de que um a fa-
mília de,iavradores,_precisa de 10 0 h a -p a ra tra­
balhar satisfatoriamente, podemos prever que
n oslíM jáajIá, para..assentar 8 famílias^ Isso quer
dizer que se prosseguir a política de expansão
das pastagens~é de subsídios à pecuária de corte,
ém cada~8~'põssèif õs"apenas uni ter a emprego
como peao é"sète Trcáfao sem terra parà traba­
lh ar, e sem emprego nas novas fazendas. Se o
milhão de famílias de posseiros não aumentar,
nos próximos anos, já podemos prever que ape­
nas E35_jmil terão- trabalho, enquanto que “ãs
outras 875~mll serão lançadas fora_da~terra. de$-
tinadas ao desemprego, à mendicância, à fome,
à miséria, èTdelinqüência e à prostituição (serão
mãis dé^Tmilhões de pessoas nessa situação, àe
estimarmos que cada família se compõe de 5
pessoas em média).
Muitos posseiros) já tomaram consciência, d ^
que esse é çT seu [destino. provável. O aumento dk
resistência dos posseiros à sua expulsão da. terral
e süãTácentuada preocupação com as formas que/
! essa resistência deve assumir é um claro indício/,
I de que o governo, os fazendeiros e as grand§3\
li empresas não decidirão sozinhos o futuro (Jp 1
país^ Os posseiros tem insistido em recordar quer
conformé unia ãntiga tradição religiosa, a terra
é uma dádiva de Deus, um bem natural, que não
é "produzido pelas grandes empresas nem pqlo
capítáL (aiiás^pseconomistas clássicos já diziajm
o mesmo^^STterr^ é, por isso, encarada como npi
bem coletrvõ, destinado ao serviço e aõ^trabalno
do homens Q terra) não deve ser um meio para
escravizar o homem, m ãs)um meio para liberfá-
-lo ^ á õpfêssaõ7 da fome/ da injustiça. Está pre­
sente nessa interpretação, comumente encontra­
da nas regiões sertanejas, um aberto questiona­
mento ~dõ~ pnnclpio de propriedade que tem
vigência em nossas leis, o que nos coloca diante
da nécêssidãde jpolítica de um claro entendi­
mento do que está acontecendo e do que fazer
nesta situação.

2. A conjuntura 'política

Essa situação económica e sociaL desfavorável


combinou-se com uma crescente tomada de coná-
ri! ciência da população a respeito da sua miséria et
da opressão que sofre. Os operários, da cidade
passaram ã fazer claras exigências para melho­
r a r ia qualidade da vida de suas fam ílias. Os~\
Jf1 ;,rabjalhadnres~~dõ~5ãmpo) particularmente os pos
seiros, tem insistido no reconhecimento dn sen
j direito á ferra para. trabalhar e não morrer de
•fo^ns,. Essa tomada de cõriscíênc^t foi cíaramentè
{ manifestada““nas êleicoès dõs últimos anos. Um
partido forte^ que ameaçava transformar-se em
partido único, como era o caso da Arena, par­
tido do governo, foi severamente derrotado nas
c urnas em várias regiões. Somados todos os eleito­
res que votaram, mais da metade votou no par-
tido da oposição, o MDB, e, nas últimas eleições,
procurou escolher dentro do próprio M D B can-
(/; didatos mais comprometidos com propostas po-
pulares. Regiões econômica e politicamente es-
Y \ tratégicas, como São Paulo, elegeram maioria
, da oposição na Câmara Municipal, na Assem-
I; | bléia Legislativa, na Câmara Federal e no Sena-
dç^No sistema atual, o avanço da oposição sig-
'^G-Viifica claramente o fim do regime militar, ba-
{ )) u seado num sistema de eleições indiretas: os pró­
prios redutos do voto indireto, como as Assem­
bléias e o Congresso, começaram a ser conquis­
tados pela oposição.
Assim, ao lado da crise econômica, surgiu
também a crise política do atuáT regime. Convém
lembrar que os ..goierhos, em todos os países,
tem que se apoiar em determinadas classes
sociais. Cada governo representa e .cumpre os
interesses de uma classe social ou de várias_clas-
ses^dm interesses comuns. À base de sustenta­
ção do atual regime estava nos empresários e
nos fazendeiros e sua base maior na classe rné-^
dia, amplamenfe beneficiada pela política de
concentração da renda e pelo “milagre brasilei-

iS 122
ro”. Os operários haviam sido vitimados por essa
política entre 1964 e 1966, durante a fase do
chamado “arrocho salarial”. Em 19jj£, um único
operário sustentava, com o seu trabalho, umef
família. Em 1970, eram necessárias duas pessoas
de cada família para receber praticamente o
mesmo salário de 1958. O mesmo processo do
redução real do salário também alcançou a clas­
se média nós últimos 4 ano_s. Portanto, além de
comei^ õ salâriõ ^ s trabalhadores mais hem pa­
gos, a inflaçao comeu também o apoio da classe
mais numerosa dentre aquelas que apoiavam o
governo militar. Üm claro sinal desse fato está
nas“ greves de médicos, professores, policiais, e
nos protestos, por questões salariais, feitos poç
juizes e promotores. /
Os próprios empresários, que eram os princi­
pais beneficiados pela política de concentração
da renda, ficaram divididos e vários deles fize-
ram públicas restrições à política econômica do
governo.
Em linguagen^resumidã, o regime militar per-
deu rapidamente o apoio das classes e dos grupos
sociais que eram" ã suã base^ de sustentação. Pojp
outro lado, todos os mecanismos de repressão,
amplamente conhecidos por nós brasileiros, já
haviam praticamente esgotado a sua eficácia. A
repressão havia garantido durante vários anos,
sobretudo entre 1968 e 1975, o silêncio do povo e
o apoio compulsório às decisões dos governos.
Mas, cT descóntèhtáménto se tornou tão amplo
que essas medidas começaram a produzir o efei­
to contrário. Muitos setores da população come-
çaram a denunciar as praticas repressivas, as tor­
turas e as p erseguições. Â lg fe ja tornou-se"uma
voz mais veemente ha dèhúnH áhe arbitrarieda-
d e s ^ y ^ I ^ ^ ia i . Muitos setores dá sòqié&adè civil
còmeçàram " a lutar contra o custo de vida, a ape-

123
lar em favor de uma anistia ampla, geral _e ir­
restrita, a reclamar liberdade, de organização _
sindical e política, a pedir constituinte. De re­
pente, houve a impressão geral de que o povo
tinha perdido o medo. O povo começou a sair ás
ruas, a fãiãr alto, a exigir. Â precária base de
legitimidade política do regime entrou em colap­
so. Surgiu o que os especialistas chamam de
“vazio de poder”. Os movimentos de reivindica-
ção popular começaram a avançar sobre esse
vaziõ^h^i ocupá-lo: elegendo candidatos de opo­
sição comprometidos com propostas populares, ^
ampliando ás oposições sindicais na ciíjade e no
campxu-preconizãhdo partidos até há pouco con­
siderados intoleráveis, etc.
A candidatura do general Figueiredo nasceu
dessa conjuntura de esvaziamento do regime mi­
litar e de crise política. Era preciso modificar o
estilo do regime para preservá-lo ou, então, acei­
tar a sua derrota inevitável, que viria com o
tempo. Um a indicação clara de que o que mudou
foi apenas o modo de fazer as coisas está no fato
de que nenhum dos órgãos de repressão, envolvi­
dos nas torturas e assassinatos de presos políti­
cos, foi desmantelado. Palavras de altas autori­
dades, publicadas pela imprensa, como a do mi­
nistro do Exército, asseguraram que os tortura-
dores não seriam julgados nem punidos pelos
crimes cometidos. O mesmo regime e as mesmas
pessoas responsáveis por conhecidas arbitrarie­
dades passaram a falar uma linguagem liberal,
tornaram-se tolerantes, procuraram aproximar-
-se dos seus inimigos de véspera. Converteram-se?
Nessa nova orientação, logo no início do atual
governo, o novo presidente doJEncra, Paulo Yoko-
ta, ligado ao ministro Delfim Neto (o principal
responsável pela política econômica que culmi­
nou na crise atual) declarou à imprensa que
pretendia ennontrar-se imediatamente com auto­
ridades da Igreja das regiões , de., maior tensão
social, como a do Araguaia. No seu entender, os
conflitos dessa régiao ganham grande reper-h
cussão devido à atuação da Igreja, particular­
mente de bispos, padres, freiras_e jQut,ros_agentes
de ^pas toral envolvidSsnõ^ trabalho com possei­
ros e peões. O objetivo declarado do presidente
do Inçra é o de desviar as pressões que os lavra­
dores fazem por intermédio ~dã Tgrej a e aliciar a
cooperação das autoridades eclesiásticas. Medi­
d asid ên ticas foram tomadas em relação aos
membros da Igreja envolvidos no trafeâiho com
os índios (o então presidente do CIMI, D. Tomás
BaTduinõ, foi convidado a um encontro com o
presidente da Funai, em Brasília). Nem mesmo/
faltou o ostensivo e notório comparecimenfq_do
ministro do I nterior, Mário Andreazza. e do en­
tão presidente da Funai, à ‘"Missa da Terra sem7
Males”, a missa do índio, concelebrada na Cate-(
dral de São Paulo por D. Paulo Evaristo e maisj
de 50 bispos, com a participação de 5 mil pessoas, j
É quase certo que a candidatura do generalj
Figueiredo, como as anteriores, tenha sido con-j
duzida por uma operação de estado-maior para
evitar que os grupos no poder perdessem o gover­
no. Tudo indica que a nova política também é
decorrência de um plano de estado-maior e de
uma operação militar. A tática que vem sendo
adotada no momento é a de dividir as forças
políticas que estão diretamente baseadas num
compromisso com os pobres e oprimidos. Um a
clara medida nesse sentido é a reformulação
partidária, com a extinção dos anteriores parti-
dos^políticos e a cria,çãn-dfíJãQVQ&. Já está claro,
pelo debate a respeito travado na imprensa, que
ó governo espera que dos novos partidos saia
tuü a oposição enfraquecida e dividida e saia tam- I
bém uma aliança partidária favorável ao gover­
no, que substitua a Arena forte de anos passados,
agora completamente enfraquecida. O utra5 clara
indicação é, ao mesmo tempo, a aparentemente
contraditória tentativa de aproximação com a
Igreja e a repressão que..cai sobre setores- da
mesma Igreja (seqüestro do missionário Nicola
Arpone, no norte de Goiás; enquadramento de D.
José, bispo de Conceição do Araguaia, em inqué­
rito policial; tentativa de seqüestro de religiosas
>em Propriá). Note-se que os setores Igreja
ique estão sendo atingidos são aqueles compromeT-
I tidos com as" lutas dos lavradores e dos índios f
! unas áreas mais tensas do país. Tudo indica que
i/não se trata de atingir imediatamente e direta­
mente aqueles que e s f e reivindicandu, m as^ q u e-
les que tem procurado entender corretamente o
que acontece no país e que procuram expressar
politicamente o que estão vendo, fato que entra
em conflito com a interpretação que o govjçrno
faz dessas questões e com õ encaminhamento que
pretendedar^alelaâ.
Medidas de ordem econômica e manifestações
de autoridades, particularmente do então minis­
tro da Agricultura e atual secretário do Planeja­
mento, como as operações de estado-maior visan­
do a sustentar e definir os rumos da política go­
vernamental, são claramente indicativas de que
é no meio rural que está uma das fontes da crise
atuãlTXemFfemos, por exemplo, que o novo go-'
verno definiu a agricultura como uma das suas
prioridades. Mais tarde esclareceu que a sua
política econômica seria conduzida em termos
de^m ã'~"ecoüom ia de guerra”, isto é, de um a
economia claramente conduzida pela interven­
ção do Estado, segundo objetivos estratégicos de­
finidos. Nessa linha, surgiram m edidas para dar
maior assistência financeira e agronômica aos

126
lavradores que são proprietários. Empréstimo;, u
juros subsidiados^ abaixo das taxas_.de mercado,
estão sendo oferecidos_aqs__agricultores pum
eusjtelo da safra. Os pregos mínimos dos produ j
tos agrícolas são reajustados em 6 8 %, acima diL
taxa de inflação oficialmente reconhecida e fato
completamente novo na política agrícola brasi
leira. Note-se que não se trata de medidas para
promover uma transformação na realidade social
do campo. Não se trata de resolver o problema
de milhares de posseiros nem de melhorar as I
condições de produção de milhões de pequenos*
e médios lavradores, nem de modificar as condi-
ç õ e s jja v id a dos peões, bóias-frias, assalariados.
, ^Q^govemp espera, com essas medidas, nm a rcs t
posta imediata, uma safra agrícola maior, um/
auméhtõ da~ofêrtãTde alimentos que barateie os
preços dos gêneros alimentícios na cidade, que
permita diminuir_as reivindicações salariais do;?
opg!t83to s~l3 ^C ^ , que torne desneces­
sário „aÍ^§ÍO-^ê--Qlái§dâólares^ com a importação}
dç_ alimentos que podemos produzir aqui mçsnio.
A agncultur^ tem hoje, mais uma vez, um papel i(
estrategtcõTTa economia e na política brasileiras 7
Entretanto, o governo, pelos compromissos dás 7 <
class£s_que p sustentam politicamente, não tem
condições de atender'~as~~exrgêhciãs que muitos c «
setores êstITõ~fazendo, particularmente os sindi-
catos, alguns grupos políticos, a Igreja, no^seh-
tido de adotar medida¥"que alterem fündamen-
talmente a estrutura fundiária do país, isto é, a
forma-de,distribuição da terra no B rasil: muito
concentrada nas mãos de poucos, o que faz con4
que haja um número crescente de trabalhadores
do campo que não tem terra para trabalhar ou
que são expulsos da, terra em que trabalham.
As novas medidas repressivas tem caído justa­
mente sobre aqueles que preconizam essa mu- I

127
dança, sobre aqueles que conseguem ver clara­
mente todas as implicações sociais, econômicas e
políticas à luz dos princípios do Evangelho e que
entendem ser necessária uma revisão dos precei­
tos e leis que sustentam a injusta distribuição x
da terra, a pobreza e a injustiça, e que são res­
ponsáveis pelas contradições e pelas crises atuais,
política e econômica.
Convém lembrar que o avanço político das opo­
sições nos últimos anos se fez claramente atra­
vés da participação política responsável, através
da luta pela clara definição dos direitos civis de
todos os cidadãos. É dessa forma que as oposições
vem procurando preencher o espaço vazio deixa­
do pela crise do regime militar. Mas, não é nessa
direção que o governo procura reconquistar o
mesmo espaço, pois se assim fosse implicaria em
reconhecer a legitimidade das reivindicações e
lutas do povo feitas até agora, e conseqüente-
mente, em admhir e sancionar o fim do atual
regime. É por isso que o governo tem um estilo
próprio para encher esse espaço o mais depres­
sa possível. Esse estilo está claramente estabele­
cido no populismo do novo presidente, configu­
rado na c àm p an h ^ p ã n éjãú a através de órgãos
especializados, inclusive a tíecretãfiã de Comuni­
cações da Presidência, que procuram apresentar
o novo presidente como um homem comum e
simples, igual a qualquer outro, um pai do povo.
É importante lembrar que o populismo e o
ternalismo são técnicas tradicionais- para impe­
dir que os injustiçados, os pobres, os oprimidos,
ocupem o espaço põliticõ que lhes cabe segúhçter
os seus próprios'"critérios e interess.es. Para que
lutar "peiõs diféTtõs fundamentais da pessoa, se
há um “pai” que vela por todos nós e que define
os nossos direitos por nós? A sociedade brasileira
já tem experiências anteriores de governos po-
pulistas, paternalistas e ditatoriais que dificulta­
ram a expansão e reconhecimento dos direitos
civis do povo. i
A chamada “abertura política”) que está sendo j
posta em prática tem um sentido mais claro
depois dessas primeiras experiências. Não se trata
de suprimir o arbítrio nem o autoritarismo.
Trata-se de submeter as reivindicações popula­
res a canais de encaminhamento e de solução
compatíveis com a preservação do regime auto­
ritário e militar. Isso quer dizer que, em princí­
pio, o governo não tentará impedir os movimen­
tos populares, mas tentará contrapor a sua pró­
pria interpretação dessas reivindicações, segun­
do as suas conveniências. Trata-se de uma cana-^,
lização das reivindicações populares para sòlu- j
çÕes políticas dê“difeitã7 que preservem o regime
forte e ' evitem uma grande e significativa am­
pliação das ex gências do povo e dos direitos que
reivindica. A aproximação com a Igreja parece
constituir uma tentativa de envolvê-la na sus-)
tentação do regime e transformâ-la numa mura-/
/lha de contenção das pressões e reivindicações'
I populares para que possa ser utilizada para im-j
I pedir o avanço político dos grupos definidos vul4
I garmente como de esquerda. É nesse quadro que
adquirem um sentido mais claro as perseguições
l destes dias. Tudo parece indicar que também em
relação à Igreja desenvolve-se um esforço para
isolar e int: mi dar bispos, sacerdotes, freiras e
outros agentes de pastoral, para conseguir um
compromisso' ? uma adesão de fundamental im­
portância política para ã sobrevivènciã do regi­
me militarTD capáter ostensivo dos fatos recen­
tes envolvendo a Igreja pode ser indicativo de
que o objetivo não é propriamente o de punir,
mas fundamentalmente o de “queimar” o traba­
lho de determinados membros da Igreja em i

129
regiões imensamente sojridas e, sobretudo, deter-v
minado tipo de ação pastoral e de compromisso
por eles desenvolvidos. Õ espaço para a atividade
da Igreja somente estaria aberto, pois, nas con­
dições indicadas, numa linha de transação e de
cooptacão entre a Igreja e a ditadura. Trata-se
de uma tentativa de recolocar a Igreja na posi­
ção de instituição do poder e da ordem. Trata-se
de reconciliar para dominar, para oprimir.

(Miracema do Norte-GO, agosto de 1979)


i
si
V III — Guerrilha do Araguaia :
o vencedor e o vencido (* )
E no Ano setenta e dois
é grande a perseguição
sairá o Capa Verde
pregando um grande Sermão
oferecendo um tesouro
dando um Rosário de Ouro
por um da Religião.
(Enoch José de Maria, A Voz do Paürv < /
cero)

Até onde se sabe, do pouquíssimo que se uilIh\


a guerrilha do Araguaia e o seu combate peina
Forças Armadas não tiveram correspondente.; < «
guerra. Foi uma guerra suja, porca, no dizer < e
um coronel do Exército, ministro de Estado pqr
duas vezes. Não teve vigência a Convenção dn
Genebra, segundo o mesmo coronel. Não havia,
pois, o que informar. Oficialmente, desde U)6 l
vivemos o desenvolvimento com segurança Nu o
seria uma guerrilhazinha à-toa que iria desinen
tir â felicidade desse consórcio.
Mas nem por isso algumas notícias deixaram
de circular. Os próprios.guerrilheiros fizeram
chçgar^^j:cdaçÕjes. .de4 Qrnais ,Q, _4 rafír^aã/, p<*ri 0
dico mimeografado que relatava sua luta. Mea
, (*) Publicado originalmente como apresentaçA.«» <u»
livro de Palmério Dória, Sérgio Buarque, Vincent Ourei
11 e Jaime Sautchuk, A G u e r r i l h a d o A r a g u a i a , Editora
Alfa-ômega, São Paulo, 1978, pp. 6-12.

13 I
mo na vasta área atingida pela repressão no v
combate aos guerrilheiros falava-se e ainda se
f ala no “tempo da guerra”, em fatos espantosos
nunca presenciados antes. Os índios Surüí per­
deram definitivamente a sua inocência~è~relatam
estarrecidos a degola de um cadáver de guer­
rilheiro ou imitam deslumbrados o ruído da me­
tralhadora.
E precisam falar, contar. Ninguém passa im­
punemente por urna experiência dessas, mesmo
que não se suponha envolvido nela. Até mesmo
soldados e oficiais, desesperaram-se na necessida­
de dê falar., embora se policiem para não fazê-lo.
Em várias regiões do Norte ouve-se histórias so­
bre isso. Nem" põdéflã~ser' diferente.
Os autores doTivro são jornalistas que se im­
puseram uma tarefa difícil, quase impossível:
fazer-se de correspondentes de guerra agora que
a guerra acabou, agora que é impossível teste­
munhar diretamente os fatos da guerra-ocerrida
numa região do Araguaia de abril de 1QX3 a fins
1 de I1974^êpara os lados da serra das Andorinhas,
\ P de ^am bioá, na região fronteiriça de Pará ep
r Goiás.. Como o país não foi devida e claramente
, informado do que acontecia, não obstante ali, de
Y lado a lado, estivesse sendo derramado sangue
<1 brasileqro, os autores lançaram-se no trabalho
u A perigoso de reconstituir fatos sobre os quais ofi-
f Y cialmehte pêsãTrmdòsò silêncio.
Í,Y Como convém no jornalismo responsável e sé­
rio, empenharam-se na coleta de testemunhos,
no registro o mais minucioso dos depoimentos
que foi- possível ouvir. Não enriqueceram ainda
mais esta coletânea porque oficiais militares en­
volvidos no combate à guerrilha não quiseram
falar, informar, esclarecer. Tentaram a recons­
titui çãq^por meios indiretos, ouvindo a palavra
de quem pudesse dizer uma coisa ou outra. Ági-

132
ram com exemplar imparcialidade. Pode-se ima­
ginar as dificuldades que encontraram.
Transformaram-se__em correspondentes de
guerra — sem convite nem credenciais — paija
resgatarão silêncio, que acoberta, mas não redi­
me, qs Qetalhes dò acontecimento que nos afetou
a todos, embora a imensa maioria de nós_ brasi­
leiros não,tivesse _a mínima idéia do que ocorria.
Se todos nós, em nome da segurança nacional,
fomos transformados em cúmplices ou aliados,
é justo que procuremos saber agora por quê isso
se deu. E só o conseguiremos reconstituindo pa­
cientemente e com a isenção possível os detalhes
do acontecido.
Há, porém, nessa isenção, inquestionavelmen­
te, um caráter .político. queLa-Contradiz e engraií-
dece. Omitir é muitas vezes mentir. Qualquer
atividade que questione a mentira, oficial ou não,
é necessariamente uma atividade política. É um
elementar direito político (^ m q c r^ Iç o ' do_s cid^.-
dãos do pais o de.serem informados dp que se
passa. Por isso estas reportagens são política^.
Além do que a guerrilha da palavra é um instru­
mento legítimo na luta pelo direito de falar te
ouvir. Não é por menos que os regimes autoritá­
rios precisam recorrer ao terrorismo da censura.
Nessa orientação é que pode ser situado este
trabalho jornalístico. Seus autores procuram res­
gatar do nada da censura o tudo da História, já
que os censores sé incumbiram de impedir que a
imprensa desse a conhecer o que vinha aconte­
cendo no Norte do país. Somente há pouco partes
deste trabalho ppderam ser publicadas no Copjor-
naL de Porto Alegre, no Movimento e na Isto É,
de São Paulo. Mas, isso só veio a ocorrer dois
anos e meio após o Exército ter declarado encer­
radas ás operaçoés de busca e aniquilamento na|

133
região da guerrilha, após três campanhas mili­
tares, fato que se deu em fins de 1975.
Um trabalho desta ordem representa, também,
um questionamento incisivo de uma certa con­
cepção oficialista de história, que nada tem a ver
com a História. Essa história de epônimos, que
tem origens coloniais e monarquistas, freqüen-
temente na boca e na cabeça de tanta gente
neste país, desde governantes até tenras crian­
ças do jardim da infância, é mera contrafação da
História. Não é correta nem justa, pois se baseia
num elitismo atroz e. reacionário. que acaba fa­
zendo do herói mera caricatura de herói. A His­
tória não é patrimônio do Estado — é p atrimô­
nio do povo. É processo, é movimento que retéih7
num desenrolar tenso, a ação de todos e não só
de alguns. A História não se faz nem se explica
pela vontade ou pela onipotência da classe que
domina ou dos burocratas que a representam.
Por maior que seja a sua força, a sua capacida­
de de coagir e até de convencer. A maior demons­
tração da fragilidade dessa força está na neces­
sidade de impor silêncio em relação a um acon­
tecimento como o que é discutido no livro.
É provável que esse silêncio esteja baseado em
razões de segurança nacional. Mas, nenhum de
nós, nem os ^ ^ r n ã h t e s ^ h e m os governados,
pode em sã consciência desconhecer que essas
razões se transformaram em todos estes anos
numa verdadeira paranóia, da qual o país a
muito custo começa a recuperar-se, lentamente.
Por isso é indispensável repetir que para que
h aja segurança nacional é preciso que haja
nação. A segurança nacional é a segurança da
nação, do povo, e haõ estritamente nem prlhci- ~
pa^mente a segurança do aparelho estatal, dos
seus burocratas e dos seus milicianos. Por tudo
isso, temos o direito de saber o que houve. Caso

134
contrário teríamos que aceitar a concepção na
zista de que uns brasileiros são mais brasileim.c
que os outros. Esse não é assunto para ser sopul
tado no silêncio cúmplice. Ê preciso resgatar jA j
os~fatos desse acontecimento que foi a guenllhn
do Araguaia. Temos que nos assenhoreai d* ir
como direito, como manifestação de soberania r
dignidade, para que não ocorra que tudo ínho
somente venha a ser conhecido daqui a mei o
século pelas mãos de “brazilianists” providrn
ciais de algum país am igo. . .
Há um princípio metodológico subjacente a
esta reportagem que permite ver com clareza c
realidade as perspectivas das partes em conlUto
É certo que os autores não se propõem u dr-.m
volver um trabalho explicativo, sociológico M n ^
não abriram mão de um entendimento tolalba
dor do acontecimento, na medida em que I§%I
orientação é possível no trabalho jornalístico
As Forças Arm adas, de um lado, e os r.im 11
lheiros^de outro, foram, no Araguaia, pml ugn!
nistas de uma tensão muito mais profunda r
ampla do que a sua mera expressão local. <> frm
po e a História poderão até mostrar os equívoco;
de parte a parte pois o processo histórico q u a n d o
não é bem entendido pode armar algumas cila
das políticas. Mas, deixemos de lado esse ponto,
e agora cabe informar e compreender.
Q _cpnflito contrapõe num cenário único do!«
atofes em graus variáveis estranhos à mdidndp
imediata na qual se desenrolou. Do ponto ch
vista político, esse é seguramente o aspecto nmH
complicado da guerrilha do Araguaia e hó com
o tempo e mais pnldfmações será possível e««m
preêhdêf a complexidade e as implicações d«
fato.
Há diferenças significativas entre a cidade e o
campo*. efítre b processo de exploração <io opera

1BB
fio e o j i ü c ^hmo dc mpro\)ti «i<> itivi ador. u á
projetos a visões dt* mundo distintos cntr&_jsi,
Iiiodiilo . d«* uniu situaçao distinta em cada caso,
q U(> ,1;,M convergem senão através de mediações
significativas, <le alianças complicadas, penosas,
até lentas, de partidos sólidos. Diferentes situa­
ções de Classe.e diferentes contradições implicam
práticas distintas.
•\' isso não quer dizer que essas mesmas contra-
dições não sejam elementos de um único proces-
• so -— o processo de produção e reprodução do ca­
pital. Entretanto, o modo de ver a exploração e a~
expropriação varia a partir dê distintãs~situações
| f de classe. Embora fundamentalmente o processo
se determine pela reprojdução do_capital, ele se
expressa de formas distintas e engendra distin-
/ tas. formas de consciência. Logo, são distintas as
( atuações e as propostas políticas, embora seja co­
mum o inimigo.
O fato de que os dois atores imediatos do con­
flito — os guerrilheiros e os militares — proce­
dessem de áreas e situações outras que não aque­
la em que o conflito se deu, não reveste o acon­
tecimento de caráter postiço, embora esses ato­
res tivessem extração social distinta daquela da
população local.
Os primeiro^ dentre os futuros guerrilheiros
f YJ) começaram a chegar à região em fins de 1967.
I [, No ano anterior começaram a se implantar a~IT
r primeiros projetos agropecuários selecionados
»íV(i e subsidiados pela SU D A M — Superintendência
/ *N do Desenvolvimento da Amazônia. A internacio-
nalização da economia brasileira, o seu ajusta-
C) mento à dinâmica das multinacionais, consuma-
x‘^a pelo golpe de Estado de 1964, produziu a
\ grave repressão política, a drástica intolerância
!a v ideológica que encaminhou para a clandesrtini-
NçtJgLde as tendências político-partidárias opostas
- çO' — ^ . . . k
to 136 O /
■f
9 1
ao novo regime e as tendências ideológicas que
dele mais significativamente divergiam. ,
Ao mesmo tempo o próprio Estado, com o peso
de sua força, econômica e militar, abriu espaçjos
novos, geográficos e econômicos, para o capital^
De um lado^) transferindo largas parcelas de re-
cursós públicos para m ãos privadasTatravés dòs
chamados incentivos fiscais. Até o mês de julho
de 1977, a SU D A M havia aprovado 336 projetos
agropecuários que, a preços correntes, corres­
pondem a Cr$ 7.108.166.808,00. Dessa importân­
cia, Cr$ 5.089.227.003,00 são relativos aos.incen­
tivos fiscais — dinheiro que deixa de ser apli­
cado em serviços essenciais e obras públicas
úteis e necessárias ao povo para se transformar
em capital privado de umas poucas .centenas fie
capitalistas, que entram, na. ne^cio_ çpm recur­
sos próprios desproporcionalmente pequenos.
Um país inteiro é expropriado e lesadq_para
dar vida~ a uma substância essencialmente mor­
ta, como é ~cT capital. Jamais se deu sequer i^m
centavo de incentivo fiscal a um posseiro, a um
pequeno lavrador.
- dúè huIrõTãdo^o peso do Estado se faz senjdr
hm rrl^T hãls^adicai& ^jãm píõs de ex- ^
propriação de que se tem notícia na história
contemporânea. As terras novas, abertas aos
‘pioneiros” , isto é aos_ capitalistas, nao eram e. q J
não são terras mdevassadas. Muito ao contrário.
Além dás terras indígenas, secular e legitima-&
mente possuídas por esses brasileiros, amplas ^
faixas devolutas já estavam ocupadas por milha^
res de posseiros provenientes sobretudo do Nor^/Ã
despL 7 _ — ...
""'Quando o presidente Garrastazu Médich)afir- n?
mou, em depoimento dramático, que^efsrpreciso
ocupar as terras da Amazônia sem homens^conT
os homens sem terra do Nordeste, não disse nej- h
_ ha-.-
' *V " -° ~
0 ^ O x y* ^^^ "
nhuma novidade para^ o lavrador nordestino.
Lar gãs~^õrrêntês 3 ^ rêt ]rant es- já esta vam há
^ ^ ? I l g ~ ^stab'elêceiido . nas terras amazônicas.
;Esses brasileiro^ naorforam assisfodos durante õs
Imuitos" anos ~do seü.êxodo por qualquer, forma
\de incentivo ou subsídio. Migraram com sua mi-
iéria e nessa condisão_ p.odem sér^encõntrados
lòs milhares np Centro-Norte.
fl A nossa ífmarcha para o Oestp*’ é bem diferen­
te da marchãrq5ãrão Oeste "que houve nos Esta-
Unidos da América no século passado. Lá era /
ii " pioneiro quem__pnrneirq.jÇ&egass.euLjkgr r e~hõlã /
|trabalHasse., Aqui é p::oneird quem primeiro che^
^ ga aos cofres públicos,' às burras abarrotadas da í
W sÜDAML Õ Retirant e , h o m em que amansa a
ierra com seu suor^-Q.^seu-.sangue e n sua.'vida
da §ua família, o homem qumjpossui a fonte
?ásica de riqueza, que é a força de trabalho,
l^esse permanece na terra apenas enquanto não
q aparece ^dlfiprnpriefâríolV „CLriíploneiro” “
n7^ Este legitima as suas pretensões raramente
jí/^com títülgs~lêgitimQS. Via de regra, o título que
sustenta as ações de despejo dos posseiros é in-
disfarçável fruto"de trapaça7 XTudò' isso sê fécfíai /
os olhos. É que a/ordem é o capital e as institui-|/
çoes que sustentam e garantem a sua reprodu-
çji5~ ampliada. Não obstante, jâ são m ilhares osl
posseiros lançados fora de sua terra jpela mão!
jtruculenfa^dg xag,unçQS^-.pollciais?.oiiciais.dfi joisj
tiça^ Os nossos jornais mais conservadores noti-
'ciam diariamente fatos desse tipo ou ^aconteci­
mentos que se encaminham para soluções seme­
Ml
lhantes. índios e posseiros são hoje„submeti(^s a
todo tipo de violência, privada e pública, para
abandonarem suas terras, às vezes conquistadas
pelo trabalho de muitas gerações.
$! H á em vigor hoje no país um a exdrúxula dou­
trina militar, que é a da ocupação dos espaços

138
azios. Quem conhece a A mazônia sabe que m* j
ê Tática essá doutrihãTõpêrã ao contrário. FJo r
transformou numa doutrina de ..esvaziamento diá
. espaços ocupados. O^chãb^que antes era do h8
meni transforma-se nõchão da vaca e do <n11 >i t «!
Durante anos, até mesmo depois de ÜJi>Í,
falou-se reiterada e cinicamente sobre os Hri
sociais desastrosos da concentração finubát in n>>
Nõrdêüe. Nem mesmo faltou uma injuriosa <
séssoria especial para assuntos da área junto .*«0
presidente Kennedy, já que se temia aqui mmí
nova Cuba. Além de não se ter feito praticou hm
te nada a respeito — nem o Estado brosllrhb
nem os nossos “amigos do Norte” — reprodu/íu
-se na Amazônia, deliberadamente, o mesmo p?y
drão de concentracãõfundlária. com a agravo i ili­
de que se dá numa.escálãTlmensamente maior
Os latifúndios do Nordeste parecem miuií úq
dios perto dab fazendas amazônicas. As terrfis d<*
cohhéciHrrT^ajeTd^Jãri, dõ~milíbnário américo t ii*>
Daniel Ludwig, somam ÇO mil hectares legitinui
dos (basta lembrar que acima dè 3.000’ ha é pnf
ciso licença do Senado para adquirir uma pn|>
priedade). N a verdade, a fazenda tem área m u iro
maior. As pretensões de Ludwig alcançam
3.600.000 ha, área maior que a de países como o
Líbano ou a Holanda. Basta dizer que, em rói
culos muito grosseiros, essa área poderia dar tra
balho a um milhão de famílias’ cTè' pequenos pro
dutõrés,“ isto ”é, uns cinco milhões de pessoas, nr
considerarmos o padrão dq minifúndio brasilri
rq _
Sempre que a,chamada ordem pública é de nl
guma forma questionada, até mesmo por meios
pacíficos, não tem deixado de haver quem fale
em ameaça externa. Vivemos o terror dessa
ameaça. Vivemos a iminência de uma infiltração)

139
estrangeira, como se essa infiltração já não esti­
vesse ocorrendo: o agente externo já está dentro
— regalado e farto, senhor de grandes territórios
e de grandes lucros.
Até há pouco eram_Qg_,HQrdestinos sem .terra
que se dirigiam para o Sul e Sudeste do país,
buscando trabalho, caçando serviço. Hoje,é o ca­
pitalista dessas mesmas .regiões, que desaba sobre
o Norte com o peso do “seu” dinheiro, dos seus
títulos, de suas desmedidas ambições. Mesmo "
quando se fala em pequena propriedade, nas ten­
tativas de colonização, o protótipo invocado é o
pequeno proprietário do Sul-Sudeste, identifica­
do com o afã do lucro, um futuro “farm er” bra­
sileiro — um Jeca Tatu recuperado pelo Biotô-
nico Fontoura da extensão rural, dos financia­
mentos oficiais, dos preços mínimos, subjugado
pelos interesses e pelas manipulações do capital
financeiro.
' Procura-se levar os homens e as idéias do Sul
para a Amazônia, mas nada de levar a AmãzoHT 1
nia para õs homens que já estão na A m azônia. \
Ai se encontra um seinznúmpro de casos penden- »
tes, de conflitos de posseiros com grileiros, de
índios contra invasores, de índios e posseiros con­
tra éíhprésas agropecuárias e vice-versa. Os pro­
cessos são morosos, as soluções distantes e quan­
do ocorrem são lesivas , ao lavrador.
Essa moderna forma de ocupação da A m azô-
nia constitui uma devastadora sulização do N or­
te. “Tubarão” e “paulista* r~sãó palavras sínôni-
rtíã^rha'Amazônia, utilizadas para designar o ex-
pròpfiãdõr"de terras -— grileiro, fazendeiro, ^em­
presário ou o que íá seja. É a mais imediata e
lúcidá^apreensão da natureza do processo que
institui ao mesmo tempo a hegemonia do capita­
lista sobre p. lavrador, do proprietári o suligto

140
sobre o. posseiro _jiortistá...dQ~-brancQ„sobre _ o
<{roxo”, do expropriador sobre o expropriado, dp
forte sobre o fraco, do armado contra o desaiv
mado, do opressor sobre o oprimido. j
Quando se fala em expansão do capitalismo
na Amazônia, seria necessário pôr de lado a ima­
gem idílica que essa expressão sugere — heróis
civilizadores povoando, ocupando a selva virgem.
Não se trata- de uma romântica sujeição da natu­
reza e dq trabalho ao capital. Mesmo porque
essa sujeição, sob outra forma, já existia há mui­
to. É ihdispênsável lembrar que esse processo é
violenta Expansão do capitalismo significa req
pfddüção ampliada do capital. Mas n ãq há rq-_
produção ampliada "~(è èxténsivjEt,^neste caso) d f
capital sem que o processo seja ao mesmo tempfc
urfi processo _de reprodução ampliada das com
tradições 3o capitalismo^ O capitaf não se ex-
páhdê sem levar cons'go o germe Ide sua própria

As contradições desse processo são_ nítidas na


Amazônia Legal, expressas num grande númepb ,
de c onflifõs^relacionados com a posse da ferrja
(há a média corístãlãclá dê um conflito por dia) i / f
Não pode o capital se expandir se não separar o T O .
\.trabalhador da terra em que trabalha, se nao j 4
redlIzIr^ô^Tfábãlh ádor a proprietário unicamente / ;
da sua força de trabalho. Só desse modo é que a/p^
terra pode^vTf~ã~sêr renda territorial capitaliza- _ x -
da, equivalente de capital.
Essa forma de propriedade é radicalmente dis-

141
alheia, já que o trabalho é a única fonte de capi­
tal. O capital nâo^dresce Sem trabalho.
NaVAmazôniã Leg^í essa contradição ê agrava­
da por iima outra. O processõ~d^~éxpropriâção
não visa fundamentalmente a proletãrTzaçao do
põsseirp na própria Amazônia. Dificilmente po­
dem* as grandes fazendas-de., gado .absorver toda
a populagão_ dos territórios que disputam. O re-
( sultado é que a Amazônia sem homens agora sim
Vai se tornar sem homens, enquanto os homens
^ s e m terra .contiiiuarãQjsem__texra.
Pasma saber que em cerca _dç^Q__anos_jiejíir.
centivos fiscais, os beneficiários da SUD A M não
criarám~mais do que 40 mil empregos em toda a
região amazônica (um a única fábrica de São
Paulo, como a Volkswagen, emprega quase o
mesmo número de trabalhadores). Com o seu de­
lírio negocista a classe dominante e o Estado
que á representa fundamentalmente abriram um
abismo para fri próprios. A transferência maciça
de capitais para as empresas Instaladas na Am a-
zônia desencadeou um processo^ de expropriação^
o prolêtarizacão em tal escala que as suas..coii-.
sequêncIaFo próprio capital não é capaz de ata:
lhar e absorver.
(ii processo de instalação da guerrilha do Ara-
j ^y^^fuaia ocorreu simultaneamente com o processo
v - 1 ) de instalação da agropecuária subvencionadaJeZ
(' incentivada pela Su u AM ^rcspald peio assim
. JfAiàrhàdp IN C R Ã — Instituto Nacional de Colo-
' (jDPnização e Reforma Agrária. Portanto, ao mesmo
0 tempo em que um grupo, que afinal se constitui-
ria de 6^ g u e rrilheiros, integrava^se no mesmo lo-
caré nas mesmas condições dos posseiros, interisi-
fièavam-se as pressões pela expropriação d e urn
gfande número de layi^idoresr
EnTtôda parte, enflugares muitíssimos distan­
tes de Xambioá ou de Marabá, podia-se e pode-se

142
ainda observar a mesma resistência nhnlimidH
dos posseiros em deixar a sua terra .s u u última
esperajiça. sua “bandeira verde» das prolcimi* «i.,
P adim Ciço. Este teria profetizado que se riu ne­
cessário atravessar o A raguaia, buscar as "bnh
deiras verdes”, antes que fosse tarde. Um dia.«»
A raguaia iria ferver e ,quem_„nãq tivesse pus; ;nu*
nào pa^saria mais. Além do que, previra paia <>
primeiros anos da déçada~de_7.0 o aparecimento
do “capa verde”, o cão, dissimulado de amigo i«
conselheiro, fazendo^a bondade e querendo L
maldade, falando em paz e fazendo a guerra
NaÔ há sertanejo que n ão conheça essas p ro s­
eias em vastíssimas regiões da Amazônhi, <i» !«
o Maranhão' ate Rondônia. Ã guerra de JZ2-.it jj i
no^Araguãià não foi para eles nenhuma novâlji
e. Há três décadas ela era esperada.
ortanto, o mesmo processo que operava o «
região da guerrilh^, operava e operarem toda n
gzóniá X~êgãL"^s opções e tendências do regí
me de 64 fizeram com que se encontrassem lont«*
, \{^õs centros de decisão política ê econômica uyn
v, ^ grupo de guerrilheiros do Partido Comunista <k<>
;V Brasil, erguendo a bandeira política da terr ii
j f e para quem nela, trabalha e atuando no sentido
f f e de efetivar os seus princípios, e uma grande
; \Vmassa de jposseiros submetida a um processo de
W k eX^òpnáçao de terras de trabalho. Esse í a t o
levou a ver em todo conflito pela terra, em toda
resistência de posseiros, o perigq da guerri lh a .
A centenas de quilômetros do foco da guerra,
como em B arra do G arçasx Sãn Félix do A ra
guaia, L uciara, (onde havia e há graves tensões
provocadas por flagrantes injustiças, houve Õper
( rações ~militares não só preventivas, mas tam
bém repressivas, que deixaram marcas indeléveis,
traumas^quê^nenhuma A CISO — Ação Cívicp
Social — vai curar. O mesmo ocorreu no M ara­
nhão.
Terminada a guerra, o governo promoveú a
distribuição de terras^unicamente junto às três
estradas operacionais (OP-1, OP-2, OP-3) abertas
na emergência da luta para dar passagem às
tropas (nas tres campanhas de busca e aniqui­
lamento efetuadas pelas Forças Armadas teriam
sido mobnizados cerca de 20 mil soldados — se­
gundo processos na Justiça" Militar'"— , ou cerca
de 10 mJL-— segundo algunsjnilitares) e ao equi-
pamento milita r: uma reforma agrária muítcp
circunscrita, Tíom notórios fins estratégicos, com.
o Jutòdcfe aliçiar e silenciar os antigos.posseiros
da região..
Entretanto, há aí um novo e grave problema.
Ou melhor, um velho problema agravado. É que
os personagens dessa guerra não foram apenas
os guerrilheiros e os militares, como mencionei
acima por razões de exposição. Eles foram apenas
a contrapartida necessária, nas circunstâncias,
do verdadeiro conflito subjacente ao seu confron- \
jto: o conflito de classes entre posseiros-lavrado- j
ires e grheiros-fazendeiros. Èsse era e continua /
(sendo o conflito real, o verdadeiro problemajdep
IXambioá, de Marabá, do Araguaia, da Amazô- \|
nia, de imensas regiões brasileiras. ~ ^
Por isso, o personagem históricò) essencial des­
se conflito foi e ÓtT posseircr^ o péquehc) lavrador
baseado no trabalho~tamiliar. Ele foi fundamenT^
talmente atingido pela repressão, já que a ban­
deira levantada pelos guerrilheiros abarcava^a.
sua liítã pela~Têrra de trabalhQ (é estarrecedor
saber que o primeiro contato de sertanejos com o
progresso da eletricidade foi através de um apa­
relho de choque, de um instrumento de tortura,
de uma máquina da ordem).

144
A . questão da terrg,.) (muita terra para poucos
e pouca terra para muitos) não dizia nem diz
respeito aos relativamente restritosZIIinltes da
região 'còní'lagrada7~ÉÍa abrange o país inteiro.,
É óbvio que a questão fundiária brasileira não
foi produzida pelos guerrilheiros do Araguaia. A
subversão não estava neles, mas na ordem polí-
ticãTque cs levou à guerrilha, na ordem econTT
mica e jurídica que engendra e reproduz a situa­
ção cio posseiro, o posseiro e a sua obstinada luta,
p e la té rr ã~ê~pela_liberdade. É uma ordem social)
da desordem, qüe poe a si própria em crise.
A solução localista e estritamente mili.tar para
o problema d a t e r r a na região da guerrilha^ex-
pressa de forma eíoqüente que o secundário, a
g ü i^ n H a 2^ r ^ m gdqIS^ S £ principal e o princi|
pal, a situação dos posseiros, foi tomado como
simples acessoriõT E o principal não se limitava
a Xambioá. Ã lógica férrea do regime baseado
no grande capital e na concentração fundiária
obscureceu a realidade. Por isso, o combate à
guerrilha teve uma grande eficiência militar hTj
u ma grande ineficiência põlítica é èconômicq|,i
>ois não se desdobrou, na Amazônia e no país ini~
Lr àro, rio combate ao latifúndio e à exploraçãd.
ícõu circunscrito, preso aos aspectos técnicos, é
táticos. da"~guérra. Ocõfre~que por sob a guerra (
^U^havia uma questão mais ampla e mais fundã-
? jnental — havia e há ainda uma crescente e
r ave questão política, econômica e social. Em
P S ecorrência dessa concepçaô distorcida da reali­
dade, desse compromisso com a lógica do regime,
o combate à guerrilha agravou a questão da terra
em várias j r^iõesJdaA rn azôn ia.É que o raio^dê,

a ção repressiva foi imensamente_ maior do qu<
*~ràio de ação na distr i b u iç ^ d ã s terras aos hoj
Lens que neia trabalham. Õ regime militai
rèprimiu muito e resolveu muito pouco. A dei

145'
rota da guerrilha parece ter posto em xeque,
contraditoriamente, o vencedor, aprofundando,
revelando mais abertamente os limites, os com­
promissos e os impasses do regime. É provável
que a forma assumida pela vitória militar no
espaço da guerra seja também, ao mesmo tempo,
um a derrota política no espaço do pais.

146
IX — A emancipação do índio e a
emancipação da terra do índio (* )
“E que vossas consciências se tornem tam­
bém consciência de outras pessoas iguais
a vocês. Para que nos possam dar fimje
apoio na nossa luta, na nossa verdadeira
luta de emancipação, que não será feita
pelo governo ou pelo ministro do Interibr
ou s e ja lá q u e m forf”

A questão do índio e, particularmente, a da sua


tímancipaçao7 segundo os critérios e preceitos
definidos pelo regime militar, mostra um aspec­
to da ditadura ao qual temos dado pouca aten­
ção. Ê que a ordem repressiva pressupõe que
os indivíduos que ela subjuga se definam ou jse
redefinam de conformidade com uma identidade
social básica, que deve espelhar o modo de ser
e de pensar da classe dominante, da classe que
tem o controle do Estado e do seu aparato de re­
pressão. É subversivo aquele que é diferente, vive
diferente, pensa diferente. A noção de subversão
construída e manipulada pela ditadura militar
é muito mais ampla e radical do que aquela que
nos é dado perceber pela nossa meia-clareza do

(*) Resumo de uma exposição feita durante o Ato Pú-


Dlico contra a falsa emancipação do índio no Teatro da
Universidade Católica de São Paulo, em novembro de
1978. Publicado nos Cadernos da Comissão Pró-índio,
SP, n.° 1, Global Editora, agosto de 1979, pp. 73-75. I

147
I
dia-a-dia. De fato, ela envolve todas as formas
de divergências, desde as mais políticas até as
mais inocentes. Envolve, por isso, também, vá­
rias modalidades de repressão — desde a repres­
são policial-militar brutal até o aparente pater­
nalismo dos governantes.
A bondade emancipacionista do funcionário,
do ministro ou do presidente não é outra coisa
senão outra modalidade de repressão ao fato sub­
versivo da diferença. É tentativa de homogenei­
zar social, cultural e politicamente, isto é, tenta­
tiva de aprofundar a dominação onde ela é frá­
gil.
A proposta oficial de emancipação do índio
está fundamentada nesse fato político. O que o
Estado repressivo pretende é que o índio se reco­
nheça na imagem e na concepção do seu domina­
dor, que incorpore e aceite como legítimas as
concepções fundamentais da ordem vigente. A
proposta supõe a individualização da pessoa do
índio, concebida segundo os critérios contratuais,
racionais e burgueses da individualização. É que
esta sociedade não pode reconhecer como pessoa
quem não assume os elementos básicos da idéia
do contrato. Nesse caso, a maturidade e a eman­
cipação de cada um se dá pela incorporação dos
princípios que derivam de relações sociais abstra­
tas e impessoais, fundadas na circulação das
coisas, das mercadorias. A identidade^ da pessoa
na jnossa sociedade é aquela que, como já disse
Mãrx,>resulta do fato de que as pessoas se rela­
cionam umas com as outras como se fossem coi­
sas e as coisas — as .mercadorias — se. relacio­
nam, se trocam entre si, como se fossem pessoas,
dotadas dé saber e de vontade. A mercadoria é a
mediadora privilegiada nesse universo, é um a es­
pécie de deus-coisa oculto que, entretanto, não
podemos ignorar. É emancipado, ou seja, é pes-1

1 4-R
soa quem se concebe a si mesmo na perspectiva
da coisa, quem se descobre como objelo e nfyo
como sujeito. |
Ora, quem luta recusa ver-se como objetjD.
Quem luta quer se impor como sujeito do pro­
cesso social que vive. Quem luta questiona a do­
minação e, com ela, a expropriação e a explorá-
ção que ela garante. O Estado-bonzinho propõe
a emancipação do índio brasileiro exatamente
no momento em que esse índio começa a lutar.
começa a insurgir-se contra o falso grande-chefé,
começa a reelaborar em bases políticas a sua
identidade tribal, começa a afirmar que é difç-
rente e quer continuar a sê-lo, começa a escor­
raçar do seu mundo o invasor que representara
forma de ser, de ver, de dominar configurada no
Estado burguês, no fazendeiro, no grileiro, ria
mercadoria, no contrato.”Os kaingang, os bororo,
os xavantes, os guajajara, os gaviões, os xoçó
têm sido eloqüentes na afirmação da sua identi
dade. (
A emancipaçã_Q,prometida pelo Estado preteii -
de outorgar ao índio a igualdade jurídica e la
cidadania. Com isso pretende libertá-lo da sua
tutela, conceder-lhe maioridade, torná-lo igual
aos outros cidadãos. Mas esse índio.'igual é por
esse meio lançado num universo de relações so­
ciais que instituiu uma modalidade de desigual
dade. A igualdade jurídica da compra e da venda
propicia a desigualdade econômica do explora
dor e do explorado.
É claro que a proposta de epiancipação garan­
te ao índio o direito à terra e esse é o ponto
principal da questão. É que o regime pretendí1
instituir formas .racionais e contratuais de rela­
cionamento entre q índio e a terra. Ò voto, isto
é, a única forma de expressão da vontade indivi­
dual que o Estado burguês conhece e reconhece,
será o meio para decidir o que fazer com a terra

14b
— vendêJa. n u m a n tê -la . como -território social
ou dividi-la como patrimônio individual. O fato
básiccTcIe que a propriedade coletiva da terra é o
fundamento da existência,-sancionado péla tra­
dição, è descaracterizado pela concepção falsa
de que o coletivo só pode ser a soma do indiyi-
dual, de que a tribo é uma sociedade anônima.
Através da figura do índio emancipado, a di­
tadura introduz, subrepticiamente no universo
tribal a figura e a realidade trágica da terra
emancipada em relação ao indígena que a pos­
sui, à terra-coisa, a térr a-mercador ia. Um passo
significativo nesse sentido foi dado quando da
promulgação do Estatuto do índio. Ali a terra­
do indip passa a ser terra para o índio. O Esta­
tuto desvinculou juridicamente, p^índio daJterra
das suas tradições tribais. A terra" foi redefinida
para fins políticos, ecopômicos e administrativos
como mero objeto.— todas as terras, de todos os
lugares, passaram a ser consideradas como equi-
valentes: podem ser trocadas., Com base nessa
pressuposição burguesa, índigs> tem sido removi­
dos do seu território tribal e alojados em sítios
distintos. A ditadura militar dessacralizou a ter­
ra indígena, brutalizou o índio. Para este a terra
não é coisa, não é mera medida. É a terra dos^
seus mortos, dos seus mitos, de explicação da
existência e de justificação das relações, sociais.'.
É a terra de cujo demorado domínio nasce a sua
cultura material, as suas técnicas de_ sobrevivên­
cia. H á tribos que peregrinam à terra ancestral
para colher as varas destinadas a produção de
flechas. Há tribos para as quais o abandono da
terra dos seus mortos é falta grave, é pecado sem
remissão.__
À emancipação da terra indígena e a forma de
fazê-la entrar no „circuito da-troca, é a forma de
torná-la cativa do cajDital^Jnstruniento-de s u je ^
c ã o d e q u e m t r ab alh a. É o: capital que está sendo

1FU1
emancipado. É preciso remover as muralhas, as
vontades-, ãs formas de ser e pensar com que elç
se defronta. A vontade e a necessidade de rej-
produção incessante do capital é o que q E stad h
burguês expressa. Por isso, ele se converte com
facilidade de Estado a-ético em Estado anti-étif
co, para quem a moral é a vontade da coisa, do
dinheiro, da troca. S e m ^ capitalJião.sfi
multiplica, sem a coisificação a troca não ^e con-
suma. Com o índio que se recusa a ver a si
mesmo através da coisa, a coisa não vai.
É esse Estado, repressivo, ditatorial, militariza­
do, que se propõe como fiador da emancipaçãò
indígena. A interferência dò~TEstada representa
nesse caso a própria negação d a e mancipacãcL
Neste momento, as popuTagõe~s indígenas brasi­
leiras já estão empenhadas na sua emancipação,
segundo os seus próprios critérios, em termos da
reconstituição da sua identidade tribal e da defi­
nição da sua vontade coletiva específica. A eman­
cipação do índio não depende de que ele se sut-
meta ao querer homogeneizador, branco e bur­
guês, do Estado repressivo. A emancipação d I
índio dependejunicamente de que eíe se
como diferente que é, descobrindo a natureza da
dominação que sofre? Ã partir da própria võn-
tadê-d o i n d l õ r d a sua luta crescente, é que se
4 fica sabendo que o Estado brasileiro não tem
condições de ser fiador da emancipação — não
tem crédito, porque do ponto de vista do oprimi­
do é um Estado subversivo.

151
X — A terra na realidade do índio
e o índio na realidade da terra (* )
“Os brancos vieram invadir minha casa, eu
não tava em casa — só a mulher com as
crianças. A gente tem que arriscar. Então
o menino abriu a porta assim e entrou o
cano de espingarda e perguntou: ‘Onde
está o capitão?’.”
(Candetê, índio Kaingang do Posto Indíge­
na de Nonoai-RS, em intervenção durante
a 8.a Assembléia de Chefes Indígenas, in
Boletim do CIMI, ano 6, n.° 38, junho de
1977, p. 19)

Nas questões propostas pelos diferentes grupos


há uma clara preocupação com uma prática en­
carnada. Há, também, uma angustiádã preo~
cupapau com a descaracterização do índio. Final­
mente, há uma reiterada referência &o prJXblejim„
da terra. Outros temas foram objeto da referên­
cia' e preocupação. Esses três, entretanto, além
de estarem relacionados entre si de modo funda­
mental, permitem aclarar os demais assuntos
propostos para a reflexão.

1 . A terra na realidade do índio


H á uma clara contradição no conjunto de in­
dagações e sugestões relativas à questão da

(*) Texto de síntese de questões propostas por gru­


pos de trabalho durante a m Assembléia Nacional do
Conselho Indigenista Missionário. Publicado no Bole­
tim do CIM I, ano 8, n.° 57, julho de 1979, pp. 22-26.
-< cr o
terra. Num momento lula se na necessidade da
demarcação urgente das terras indígenas e, até,
na recuperação de territórios, que foram perdi­
dos para os não-índios. Noutro momento fala-sb
na omissão dos órgãos oficiais. A contradição
está no fato de que a recuperação das terras peij-
didas pelos povos indígenas envolve de imediato
o questionamento da expropriação sofridn, o
questionamento da legitimidade e do podeF dos
expropriadores, dos seus interesses de classe e dá
dominação que exercem através ã'o Estado. Já a
acusação de omissão não se situa na mesma
linha de interpretação, pois representa, de certò
modo, a absolvição do omisso. Estamos, provavel­
mente, supondo que tal omissão pode ser sanadá
mediante uma espécie de “conversão” da buro­
cracia pública à causa do índio. Esquecemos que
no Estado moderno, a ordenação burocrática é
simples mandatária dos interesses expressos ria
aliança de classes que o configuram. Nesse casj),
não há propriamente omissão, mas na omissão
há uma intenção e uma ação. j
A situação das terras indígenas pode ser deíji
nida, de modo geral, como situação que envolve
três características: terras ameaçadas^,ãe, inva­
são pelosbrancos, sobretudo grandes fazendas e
empresas; terras griladas^ c u j a posse _pelau não -
-índio -ainda , depende'de regularização; e terras
expropriadas,'>cuja posse e domínio já estão le-
galmente nas mãos de brancos. Tais situações
foram apontadas em várias manifestações da as-
v sembléia e dos grupos. Convém notar que tais
características não constituem, na verdade, al­
ternativas entré si. Ao contrário, representam
movimento progressivo. As (ferras, exproprlih
foram citadas sobretudo nas áreas mais anti-
de ocupação, como o Leste e o Nordeste. Aj
^grilagem de terras^ocorre sobretudo nas regiões

153

em que está havendo maciça entrada de fazen­
das, onde está_chegando a chamadáTTrentê~pI5-
ííeira. Já á^.am eajajsobre terras indígenas se
apresenta nas áreas de que sé aproidmam as
vanguardas da frente pioneira, que provavel-
mefite^serão ocupadas mais intensivamente nos
próximos anos.
-^"É de grande importância ter em conta que por
trás das distintas situações há um movimento.
Isso quer dizer que o futuro dos grupos indíge­
nas, com o conhecimento que se tem" dõ^suntcr,
poderia ter " sido" previsto" cõm ãhsõTiItõ~rigor.
Nesse caso, os impasses atuais da política indi-
. genista, os gravçs impasses relacionados com as
terras indígenas, não representam uma omis­
são ”

2 . O índio na realidade da terra

A invasão das terras indígenas é apenas um


capjtulp da história social da terra em nosso
país. Assim como existe uma historia do índio,
existe também u ma história da terra7~Tam]5êm
neste caso, o elenco de problemas levantados
pelos diferentes grupos não inclui uma referên­
cia a tal fato.
De certo modo, a tendência é ver a terra como
um dos aspectos da questão indígena. Esse é o
lado claro das coisas, aquele que podemos perce­
ber imediatamente. Mas, há também um lado
oculto, encoberto pela semi-obscuridade de ques­
tões que envolvem o conjunto das relações sociais
e políticas que definem a presença do índio na
sociedade brasileira.
Por isso, sugiro uma inversão de perspectiva.
Ao invés de nos limitarmos à análise do papel
que tem a terra na realidade do índio deveríamos
arppliar a nossa visão, analisando o papel que
teffTõ índicTna realidade da terra em nosso paísT
Conseguimos perceber que a invasão e expro-
priação de terras indígenas é um dos fatores
lundamèntáis dar sua descaracterizaçãP~tribalT^A
medida que se deteriora a fprmã~dé bcupaqab q
utilização da terra pelo índio, como conséqüên-
cia da sua invasão e incorporação por fazendas
e empresas, também se deteriora ajgua jdentidai
de. tribal. A destruição do espaço dq índio destrói
também as condições de reprodução do seíTraõdd
de ser. O índio “esta ameaçãdo pr ogr essivamentei
de~ sér remetido do seu universo de não-proprie-J
dade para o universo da propriedade, com a sua
divisão clássica em proprietários e não-proprie+,
tários — em proprietários dos meios de produ­
ção, de u m ' l a d o p r o p r i e t á r i o s unicaméfite^dãr
força dê^tràbáího, dgl^õutrp. A deterioração d^
identidade do índio é condição para destruí-lo
com uilSnia, como grupo ^tribal com história^
cultura, língua e futuro até certo ponto partir
cuíares.
A progressiva e, agora, radi£âl„ê„ rápida conf- |1)
j versão das terras indígenas e das terras devõTííp
,tas .propriedade„privada é um proces&n clar<f) \
lem nossos dias e em nossa sociedade. Ela de corj-
re fundamentalmente da necessi4ada..Jdistóricà
d o . capital de reproduzir-se ampliadamente. Tra-
jta-se de um proçe^o^gepinétriço” : a lei Eistó-
jrica do capita,! e a. da jsua r eprodução ampliada,
jcrescente, numa- escala progressiva. Por isso, a
terra está em escala crescente senHo convertida '
em mercadoria, em equivalente de capital. Mes­
mo as terras devolutas e as terras indígenas já
estão no cálculo do capital. Tem sido um a cons­
tante preocupação de técnicos governamentais
de diferentes Ministérios o possível esgotamento
?

rápido da fronteira agrícola. Isto é, teme-se que


muito depressa já não seja mais possível ocupar
1 1

novas terras porque todas as terras já estarão


ocupadas. Essa possibilidade tem sido encarada <

155
como Q . fim de um modelo de desenvolvimento
econômico que, com diversas variantes, já perdu­
r a há muitos .anos. A possibilidade de ocupação
de terras “disponíveis” na fronteira econômica
tem Mdõ^utílizadã como recurso para protelar
uma revisão da estrutura fundiária brasileira,
com sua alta concentração da terra em poucas
mãos, de um lado- e um grande número de tra­
balhadores "vivendo em pouca terra, de outro.
Estamos, na verdade, em meio a uma questão
social e política. A reprodução do capital come­
ça a atingir de forma mais radical certos setores
e áreas do país e o faz removendo os empecilhos
que encontra pela frente. Não só a invasão de
terras indígenas, mas também a expulsãojle pos­
seiros de suas terras de trabalho e a_ crescente
concentração de desempregados e subemprega-
dos nas grandes cidades, promovem uma grave
redução na qualidade de vida, intensificando o
aparecimento de doenças carenciais e aumentan­
do o índice de mortalidade. Os especialistas cha­
mam esse processo de super exploração, J^qugle
em que a explõraçaô comprometerá própria so-
brevivencla?daTnontnaT:ãor O"qúe Tem vagáínéríté
sido definido como genocídio de populações indí-
genas é uma das consequências indiretas d ã su-
perexploração, que não deve ser vista unicamen­
te do ponto de vista econômico.
A natureza snciaj^g histórica d a jg r r a , seja do
índio ou não, está- sendo definida independente:
mente da vontade dos povos. Indígenas. A_ terra
está se convertendo numa relação social que é
ao mesmo tempo uma relação de dominação, isto
é, uma relação política. Por isso, a existência e
o ser do índio estão sendo alcançados por essa
relação social.
A característica mais grave dessa relação é a
de que ela tende a ser “invisível”, não aparece à
primeira vista, não aparece claramente diante
de nós. Esse é provavelmente o fator que dificul­
tou ó seu aparecimento nos trabalhos dos nossos
grupos. í

3. Encarnação na realidade

Vários grgpos referiram-se à importância de


uma prática encarnada. Entretanto, para que
possamos encarnar na realidade é preciso que
conheçamos essa realidade. Desde já seria con­
veniente dizer, conforme o que foi dito antes, que
a realidade do_índio esparrama-se para fora do
pequeno espaço em que o índio procura vivería,
sua vida. O espaço do índio está hoje nas com|,
plexas relações do Estado, da Igrej a, dos Partijf
dos, das Jnstitui^ões que lutam pela construção
de" uma sociedade civil livre e democrática. Por
ÍSSÕ7 0 índio é tema de discussão, de análise, de'
opção em todos os cantos. Em toda parte há
, gente contra e a favor. Na verdade, à medidaí
em que a propriedade invade os territórios in d í-
genas, o índio invade a §0ciedade qu^quer-domi|
nã-ioç invade como problema, como obstáculoj
como inimigo, como aliado, como promessa, de­
pendendo da situação social de quem se defronta
com ele, direta, ou indiretamente, conhecendo-o
ou não pessoalmente.
Ora, uma prática encarnada, uma encarnação
que se baseie numa interpretação localista e
tribal da realidade, que desconheça as relações
sociais e as relações de poder que permeiam a
situação do índio hoje e mendigo e alcoólatra
amanhã, é uma, prática que não se baseia na
efetiva realidade do índio.
A realidade do índiq^ independentemente da
vontade do Míldio, é h o j e uma realidade ampla­
mente marcada è dominada pelos conflitos fun- !

157
damentais da nossa sociedade, mesmo que tais
conflitos apareçam como exteriores, episódicos
ou simplesmente prováveis. É nesse sentido que a
encarnação na realidade do índio só se dá con­
cretamente quando encarnamos também nos
conflitos que estão no âmago da sua situação
social
(Goiânia-GO, julho de 1979)
I

X I — Retrato falado (* )
No Goiás, Pará e Maranhão
Tudo é terra que" já pisei.
Lá deixei muita saudade
E saudade carreguei.
E vô dizê pra todo mundo
Que num andou do tanto que eu andei
Em qualquer desses lugar
O pobre nunca tem veiz
Porque gato e fazendeiro '■
De cada veiz monta treiz. j
(José Raimundo Silveira, peão do norte do
Mato Grosso, Vida de peão, versos recolhi­
dos por Maria Regina Borela) 1

I EPA — A nossa 'primeira questão é sobre a atual


pesquisa que você vem desenvolvendo na Ama\
zônia desde inícios de 1977, e que nós gostaríal
mos de saber algumas idéias sobre esse traba­
lho.

José de Souza Martins — Estou fazendo pes­


quisa no meio rural já faz muitos anos, desde
que comecei meu trabalho na Universidade, em
1965. E me concentrei, em geral estudando pe­
quenos proprietários, em várias regiões do Esta­
do de São Paulo.

(*) Entrevista publicada, sob o título de “O capita­


lismo e a questão agrária na Amazônia”, no Boletim do
IEPA, órgão informativo do Instituto dos Economistas
do Pará, ano m f n.° 18, dezembro 78/janeiro 79, pp.
8-9.
r yO P -P i
159
Entrei em contacto pela primeira vez com o
tema do conflito) na A lta Sorocabana, em São
Paulo, qúe e~Tíma região que têmT^— teve, não
tem mais — , características muito parecidas
0 bom as que há hoje na Amazônia. N a verdade,

pra fora e aí começam os .dramas todos. A partir


de um certo momento, achei que seria impor-
^ tante escapar um pouco das limitações graves
que o trabalho acadêmico impõe ao pesquisador
e ao professor universitário . . . e que a gente
não deve aceitar. Quer dizer, num certo momen­
to passou das medidas. Acho que a Universidade
tem um caráter repressivo, e num país como o
Brasil, mais a in d a ... Achei que tinha que dar
um certo sentido ao meu trabalho. Então resol-
vi investigar diretamente coisas que são perti­
nentes, que são significativas. Podem não ser
significativas para o Estado ou para a Universir
dade. Mas que sejam signifiçadivas-4 )_ara...as._pes­
soas que estão vivendo problemas graves.
O acadêmico sempre tem a pretensão de que
seu trabalho seja útil, de que seja importante
para os pobres, para os oprimidos. Mas, na ver­
dade, nem ele orienta concretamente o trabalho
nessa direção, nem assume concretamente, de
um modo geral, compromissos que mostrem a
existência dessa boa intenção. Então resolvi
orientar um pouco meu trabalho nesse sentido.
Até aí não há nada de excepcional. Muitos pes­
quisadores fazem isso. E como tenho um a expe­
riência de trabalho no meio rural, achei que essa
experiência poderia ser útil, exatamente inves­
tigando esse tema.
O aummto„ grave _dos_ccmf^tos„naujVm^zôni^
y j Legal, em particular, não é só nela, é no Brasil
f todo, mais na Amazônia,Legal — a meu ver, re-
clamava que alguém se empenhasse em entender
melho*. o que estava acontecendo. Sistematizar
um poUCo os dados e informações sobre esse as-j
sunto. função disso, fiz um projetinho e mg!
lancei ao trabalho. Eu pedi um auxílio à Funda-
ça° dç Amparo à Pesquisa do Estado de São(
Paulo e e|es me deram uma pequena ajuda quei
cobriu um pouco as despesas de viagem . . . E no
mais>^stou tocando o meu trabalho com os meus
recur^os e os das pessoas que me apoiam, quer
dizer, dQ próprip posseiro, que me recebe na casaj
dele, ^ue me da de comer, que me a ju d a . .. Eu
ando de carona, ou de ônibus, ou do que seja,(
quer dizer, a coisa vai sem muita formalidade.!
Nao tem grande mistério, qualquer um podef
fazer jsso n 0 fim é uma coisa extremamente!?
/
N a questão dá A m a zô h i^ h a v ia vários temas
possíveis Podia estudar peÕe^, que é um pro-
blem^ trabalhista grave, ou podia estudar outros*
tema^ ^ o momento em que comecei meu traba-j
problema mais visivelmente grave, era o
_______ muita expulsão, crescendo cadat
vez *hais. Então resolvi concentrar meus esforj
çog-BÍ. Depois fiz uma sondagem entre as pessoag
Pos„slYelmente interessadas nos resultados do
:al ^_io. Ficou mais ou menos claro, que seria
melhpr orientar a pesquisa nessa direção. Em
f^ nÇ^o disso é que tenho desencadeado meu tra­
balha e andado por aí.

IBpA — Você disse em outra ocasião que já


passou em Rondônia durante suqjpesqinsa. Como
você v£ então o problema de pqsseirps naquela
aref}, tendo. em conta que o ^IN C R A ali possui
vartQg jprojetos de assentamento dirigido?

— Em Rondônia há doi§) processos de


assentamento de lavradores: um dp._HÍCRA e

161 1
outro deles próprios. Esse dos próprios l avrado-
CL c_s rp.s nã.n tem sido mencionado. Quando você en-
tra nas. Jinhas- do^ projetos de colonização do
t INCRA^ dos Pljg^S^ elas, em geral, tem uns 2S
h 'S}( kms de extensão e aí estão colocados os colonos
j que foram selecionados pelQ__INÇRA, que preen­
chem certos requisitos. A gente nota claramente
,uma preferência pelo colono que tenha o que se
poderia chamar de urna vocação
tenha já alguns recursos e que venha a se cons­
titu ir uma espécie de ‘ta rin e f ” americano em
n \
/', i • \V,\:p len aselva.
.
"
'lí
>v>i Depois que termina a linha do IN CR A, você
descobre que, mal disfarçadamentè, ela continu^,
X meio-torta, pela selva adentro. É a linha dós
hhhlonns mi não pediram licença para o INCRA^
> colonos que ti—
f* e que . tem ______________________
uns 40 kms. Eles próprios estão orga-,
_____________________ _____
// ^ nizados, abrem a linha, continuam a do TNCRA^
r» lí v>V» n nrvY-i -v> 1 i n rí /-\ LX7\ \

} vp dividem de acord õ co m bs critérios desse órgâo


y ' — 5ÕcTrn de frente — , e eles próprios distribuem
as terras. Quer dizer, eles estão organizados de
w modn que um não entra na terra do outro. É
T/ como se houvesse um IN C R A popular na seiva.
I Você entra então pela mata, e a encontra povoa­
da de posseiros, o que causa, aliás, grande irrita­
ção aos funcionários do lixCTlA, porque estão)
furando os esquemas "dêlêsT não são colonos sele-A
cíonados e a maioria são pessoas que vem da
Paran á e da antiga região dõ contestado “deTSliJ
nas e Espírito Santo.

IE P A — Em linhas gerais, como você 'poderia


caracterizar jaquilo que se convencionou chamar
a expansão da fronteira agrícola na Amazôniap

J.S.M. — Bem, os técnicos, os pesquisadores da


Universidade, as pessoas da cidade em .gerah tem
falado muito na: expansão da fronteira agrícolas
ultimamente. Porque eles veem como expansão

162
da fronteira agrícola essa onda moderna de p e ­
netração na Região Amazônica.
Na verdade, êssaéxpansãrrjá ocorreu há muito
tempo e tanto assim que quando
presas, ou essa dndãT ctê penetração, encontram
as pessoas já instaladas, vivendo, trahalhand^--
produzindo. Há povoados inteiros dentro dá
m ata. Ãs vezes, povoados com seis, oito, dez
mil pessoas. Então eu vejõ7~na verdade, a cha­
mada expansão da fronteira como uma redefinip
ção_jja_ frontelm ^naõ^^õm 'uma" éxpãngã?r~A
expansão já se deu. É uma tentativa de retomar
uma fronteira, uma faixa,de terreno, que não fpj
ocupada segundo os critérios dominantes e^que
se tornaram poderosos nos últimos anos. fotL^ejá;
uma certa nonceprão,.dita racional de ocupaçãh
, vÇdp, terra^de organizaçao^ de empresas, da utiliza-
{)><};^çgo'“He capltar~e essa poisa toda. N a verdade, é
, um a outráT racionalidade que está por trás dissp.
?j/y N a realidade, o què á gente está observando não
.y J 0 j i m a expansão da fronteira, e sim a invasão
, r>c3è um a fronteira que já estava ocupada. *

IE PA — Cremos que com esse fechamento da


/ fronteira, segundo entendemos, a válvula de es­
cape se fechou. Queremos então que você dê uma
idéia de como o sistema teria condições de supe­
rar esse impasse?
1 •i
J.S.M. — Felizmente ou infelizmente — acho
mais para felizmente — , o sistema não tem con­
dições de superar esse impasse e outros, que são
impasses que ele próprio criou. É a estória do
feiticeiro que sabe fazer o feitiço, mas não sabe
desfazê-lo. Acho que a gente está diante disso,

ocupada, no sentido de uma plena ocupação. exa-


. támente porqua_j&_jnQdalidade de „o&macãQ do
posseiro tem a característica de não ser u m a ~

163
aocupação plena.„âbsoluta-.e_£xai^tiya, como e a
/ da çmpresa. Então, o espaço dele é sempre urq
espaço poroso, quer dizer, um espaço no jquajl
ele próprio se movimenta, absorve ouïras pessoa^
que vão chegando, ps amigos, os compadres, oS~~
companheiros. Esse é então um espaço muito
permeável e ainda muito flexível. Essa, é justa-
, mente uma das desgraças do posseiro, porque
f-labre o caminho para que nesse espaço entre
também a grande empresa, õ invasor. "Agora, nao
penso que a fronteira esteja esgotada ~&m termos
de espaço. Ela está sendo esgotada em termos
^ in s titucionais. Se võceTtomar uma área como a
Jari — 3 milhões e 600 mil hectares — , tem
m uitãlronteira para ser ocupada aí . .. por pos­
seiros, obviamente, não_é? O problema é que ela
está institucionalmente ocupada. Está proibida,
nesse sentido. E como toda proibição ela 'pode
ser destruída, pode ser quebrada.

IE P A — O ppsseirp é expulso pela grande em­


presa, ou pelam^Õía_empresa de lavoura comer-
iat e vai cada vez mais sendo empurrado para
\interior da Amazônia. AU ele pratica sua lavou-
f fa de sub sistenc±a_e quase nada produz dé exce-
p> ,;1 dente econômico. Mas, de qualquer maneira, ele
t é expulso _e, via de regra, de maneira violenta,
r f K Como você vê o tipo de resistência que os possei­
ros^ tem colocado, em algumas áreas localizadas,
yseja na forma de sindicatos rurais, na forma de
/ fI ,coligação de esforços com a Igreja — através da
v Comissão..Pastoral, da Terra — ou mesmo na
,f

forma de violência também armada?

J.S.M. — Há alguna-preliminares que eu gos­


taria de discutir. Err^ primeiro lugar) não é baixa
a j^rodu th d tod^d oJJ^^
acohtêce~éque o posseiro, em geral, está afas­
tado da infra-estrutura de circulação da socie-

16.4
dade. Eu encontrei em Rondônia mesmo possei
rós com airoz armazenado de dois anos e som
menor condição de tirá-lo de lá. porque nab
havia acesso ao mercado. E como o arroz garanl
tia a subsistência„_dele, quando precisava, por
exemplo, pagar uma consulta médica, ou outnji
coisa, botava um saco de arroz nas .costas, atra
vessava a mata, até chegar a um daqueles po
voados e vendia o produto por um preço ridículo
Isso atinge nac só o p õsstirp como também 11
pessoas que estão sendo patrocinadas pelos ór
gãos oficiais. No caso de Rondônia — em que o
QEPLAC- sugeriu que o pessoal plantasse cacau
— , sugeriu que o pessoal plantasse antes a bana
neira para fazer sombra, sob o argumento de quê
a vencia da banana daria recursos durante- $
fãsé'de formação_do^ cacau. Ü resultado é que
o "p isoai está lá com a banana apodrecendo «
nãoTem pra quem vender. No ano passado,
oferecia um cacho de banana a Cr$ 2,00 e imo
tinha quem quizesse comprar, porque não havl t
como tirá-la de lá e nem para onde levá-la. Pr i
onde é que se vai levar banana, com tanta ba
nana sendo produzida?
O que você nota nessas áreas de economia (Fn
posseiros JLum a trem.ejada._fartiira, uma ajbun
dância incrível, inclusive desperdiçada porque
não há acesso a mercado. Como eles também'
têm pouca necessidade de acesso ao mercado c
de dinheiro, o produto fica por ali, perdido. As
indicações são de que, aqui na Região Am azô­
nica, a produtividade desses pequenos estabele­
cimentos, inclusive os de posseiros, é muito maior
que a produtividade dessas imensas fazendas,
queJLem terrãs õciõsas e que não utilizam "cor-
retamente õsolõ. Estou dizendo isso porque não
concordo com üma idéia mais ou menos difun­
dida de que o avanço das empresas sobre terras i
de posseiros represente, ao mesmo tempo, um

1G5
avança de padrão técnico e de organização ecQ-_
nômica. Quer dizer, muda a form a mas nãp> a
eficiência. Aliás, diminuira eficiência.
Agora, passando para a questão do conflito^
propriamente, a situação do posseiro e Bãstãnfé
difícil, por várias razões. U m a delas é que ele
) item que discutir nos termos' de quem o explora,
quem o domina,
’ ' ou seja, o Codigo,
- o- Juiz,
- *- a
'i 0 f 1^(M^JãT^Èsses são os interlocutores que ele tem
mVpSla frente. São seus inimigos. Hoje no Brasil^;
/ %f a Justiça, a P olícia, o Estado^ e o-inimigo dêcrã-
*V<t^rado^dõ~ posseiro. ^Quer.dizer, o^Estádã) que se^
ty ' propôs a fazer a Reforma Agrãrja e nao lez, a
regular^zarj^sX t^ e não re-
( i/^j^ularizou, é um Estado que se declarou inimigo
VV'"A> dessa população. Isto é. aliou-se ao iniraigo^dQ
(^/..^posseiro!* Então à jsitu ação d elé> é. de início, bas-
f tante difícil. Há muitos casos conhecidos de um a
7$ tremenda parcialidade dos órgãos de Estado,
desde o IN C R A até o Juiz, que tornam difícil a
^ luta e a resistência do posseiro. Tem havido es-
reforços. . . Acho, por exemplo, que o esforço de__
{>"• sindicalizacão é válido. A CONTA G tem tido uma
atuação muito significativa n a defesa_dos possei-
ros^JDos sindicatos b rasileiros^ das cojifederaçoes^
A> sindicaisS é á jíik is abertamente compromeíffla
/jç cpm_.o trabalhador. É aquela que tem feito um
^hesforço muito grande, rio sentido de ser efetiva-
T hiente porta-YQZ~ Agora, é uma coisa complica-
díssima7 Você toma como referência um .grupo
de posseiros que está aí, no centro da Amazô-
níãTpéràMõT. .. até a" notícia chegar á um lugar
onde ela possa ser viabilizada judicialmente, às
vezes passa uni mês e, nesse meio tempo, muita
(Çóisa acontece. J ^ r ^ utfdTladõOconsidero signifi-
\ ; Mcativo e iundaménfãTo esforço que a I greja Ca-
y Qtólica tem feito e não só ela — , no sentido de
vlaEIizar a luta do posseiro. pela.4.usfciça^e pelo

1 f\K
direito. Não acho que seja a Igreja due esteja
organizando o posseiro e nem e là "t fm j^ a ^ pre­
tendo. l E s tem tentado viabilizar ã "resistência
do posseiro, onde ela atua, De fato, tem havidq
regiões aqui mesmo np P ará, em que o posseiro;,
dispensa qualquer_íipo de yiabiliza^ão7~E pãfté
pãfãTdim confronto direto. Isso tem acontecido
frequentemente nos lugares em que todos os
recursos institucionais foram esgotados, ou seja,
em que a Justiça, por exemplo, se desmâscãra,
plenamente diante do posseiro. M e já não tem)
mais a menor confiança. Já não tem mais a
menor condição ~dê~ acreditar em nada. Então,
passãTa acreditar no braçp dele, quer dizer: “Eu
é que vou fazer as coisas, eu é que vou enfrentar ^
eu é que tenho. . . Se eu não faço isso, eu tenhci
que desistir. . Tenho ouvido pessoas nessa sh
tuação, em algumas das áreas em que entrei,
que dizem: —Ç“qual é a alternativa? Em sã consT
ciência, qual é a alternativa que eu tenho? Se
você examinar todas as alternativas que eu tenhq
pela frente, esgotadas e inviáveis, como a dá
Justiça, a do INCRA, etc. . . A única alterhãtivá^
que me resta é aceitar pacificamente a minha
morte e a de minha família. Quer dizer, éu paré
aqui'e...morro, não é? Sem fazer absolutamente
nada”. Porque tem havido casos, por exemplo,
de fazendas que vão e botam arame farpado.
Não é em volta do terreno do posseiro e sim em
volta da casa_dele,_. Pregam arame farpado na
por ta dã casa .dele e botam o jagunço do lado de ;
forãTQuer dizer, se o sujeito quiser miiar (nãp^.
é?), ele tem que fazer uma guerra. Isso aconte­
ceu aqui no norte do Mato Grosso, num povoa-~>
do chamado Porto Alegre, quando as mulheres
fizeram um levante: — “Nós não vamos aceitar^ ?
a morte, pura e simplesmente. Então, se é p a r à ^ ;
morrer, então vamos morrer brigando”. E es,— '
pessoas tem sido levadas a essa situação.
IE PA — Tem sido colocado a nível, digamos
assim, até certo ponto acadêmico. que haveria
umapjuestão agrária no Brasü^Olhando esse pro­
blema éspecificamenfe d o p o n to d e vista da Re-
pião Amazônica, essa questão agrária.^ seria no
sentido de~que a existência n o nosso mein rural,
de relações de produção consideradas não capi­
talistas^ representaria, juntamente com outros
problemas estruturais, um sério entrave à ex­
pansão do desenvolvimento capitalista na agri-
cu Ituf a U ã Amazônia.'
Esse mesmo problema tem sido colocado, di­
gamos assim, de outra forma, no sentido de que
não há realmente uma questão agrária, na medi­
da em que a existência de relações de produção
não capitalistas ou pré-capitalistas, é que efeti-
vamenté^mabiliza o processo de acumulação ca­
pitalistanã agricultura e, por via de consequên­
cia, nos demais setores econômicos. Que consi­
derações você poderia fazer sobre esse aspecto?

J.S.M. — Em primeiro lugâi\ há uma questão


agrária no Brasil. E essa questão não é repre­
sentada pelos possíveis entraves que relações de
produção ou exploração não capitalistas da terra
possam representar ao processo de reprodução
ampliada do capital. Essa quesMO-âgrária é de.
outra natureza. Acho que essa questão aqui é
basicamente* a questão do capital. O capital é
uma lei dele — , expulsa^ingi^ssivam en te jtnãor
-de-obra dos setores produtivos. Isto é, à medida
em que êle_se„ aperfeiçoa, provoca uma dispensa
progressiva de mão-de-obra. Cada vez precisa
mehÕs~geht~e para ~trábãlhãr e, tradicionalmen­
te, no B raâip o setor ruràl foi qüè absorveu o
excedente de mão-de-òbrà~gerada nos setores
matÈTdlham icos. Por exemplo, quando se moder-
nlza â indústria têxtil, que até então empregava
uma operária cuidando de quatro teares, passn
-se a ter uma operária para doze máquinas. I.sno
significa que duas pessoas vão sobrar. Qui i
dizer, elas tem que se reintegrar em alguntiu
outra atividade. E sobrando, sobrando, sobram
no fim exátamente aquelas pessoas menos quh
lificadas. Então, até um certo momento, as pcls
suas tinham oportunidade de voltar para o cam
po.^ Tenho encontrado, em algumas regiões do
país, muita gente que trabalhou na cidade, fbl
operário, e voltou pro campo. I
Com o fechamento da possibilidade de acesso
à terra, ou sejà> com a feõriehtaçãõ da q~ücslõ<>
SfsPterra, corri a empresarialização da_possç. d.i ;
^ terra, em termos de propriedade da grande ciji (j
N! presa, essa possibilidade^ _também se feclltí«.
- momo possibilidade “natural”. Hoje se lançam
grandes capitais na ocupação da Am azônia. E
mais ainda, lormas de uso da terra em ternfos
de pecuária, com pouca absorção' de map d<
obra, o que representa uma dispensa maciça
população em todos os setores.
e
QV questão agrária é basicamente hoje, u n a
questão"~de não criação de empregos. Acho qlue
no BrasrTe basicamente isso. O não acesso i\
terra, um progresso que é fictício. . . Quer dizer,
aõ mesmo tempo em que se tem um grande ayan
ço tecnológico nos empreendimentos econômien. ,
etc. e tal. . ., tem-se também situações absurdas
como essa luta pela terra na Am azônia, coisa
que seria tõtalmehte desnecessária para manter
0 equilíbrio do próprio desenvolvimento capita
lista do Brasil.
1 É por isso que eu digo: afquestão agrárialhão.
é representada pelos entraves^ile egsaa relaçõcs
de”produção representem, porque elas tem sido
funcionais para a reprodução do capital, produj-
zindo mantimentos a preços mais baixos do qüe

169
a empresa, praticamente sem custos^monetários,
e portanto o entrave não está aí.
Agora, eu também nao compartilho a idéia de
que a funcionalidade da agricultura tradicional
seja só funcionalidade. Quer dizer, ela é também
uma forma de contradição ^ exatamente nesse
sentido, porque impede a entrada de „uma agri-
cultura empresarial. Mas, o núcleo da questão
agrar}a naò está no impedimento à entrádà-dde
uma agricultura empresarial. Está nasLtensões^ ;
na cphffãdígãõ tTahsfõfmada em tensãci que se
máhifeF la e m oútrõs~planos : no plano da esqm l-
são das pessoas do „campo. Elas não tem mais
pàFa onde ir. Então, tem-se coisas estranhíssi­
mas, absurdas, como 15.000 favelados na Fazen-
d aJ ari.

IE PA — Sendo sociólogo, como você vê agora,


de maneira mais ampla, a idéia de que o.desev.- -
volvimento significa o acesso das pessoas ~a uma
maior quantidade de pens e serviços? E no caso
especifico de que estamos tratando^—,do possei-
ro da Amazônia — , se a grande empresa quando
chega não apresenta produtividade maior do
que o posseiro, então não leva a desenvolvimento,
coisa nenhuma. Pelo contrário, expulsa o pos-
seiro,trazendo problemas em sua qualidade de
vida'que vai se deteriorar cada vez rnais, quan­
do ele for à cidade trabalhar como prestador de
serviços. Além disso, ela também não está desen­
volvendo d Nação ,)em termos de crescimento eco-
nômico. A não ser que, talvez, a sua produção
pdsse ã ser computada estatisticamente, coisa
que a do posseiro jiã o era, e sim para subsistên­
cia. Nesse caso, esse modelo não leva a desenvol­
vimento sob nenhuma ótica, a não ser inchação
,de estatística. Você acha então que o ideal fries-
mo seria a Tjianuténçãó do posseiro onde éisjestá,
produzindo apenas para a supsi^tencia? ,

170 .
JJS.M. — Durante uma certa época no Brasil
— todos nós passamos por isso — se cultivou
uma confusão muito grande entre História e D è-
senvolvimento, entre Processo Social e p Desen­
volvimento pensado es tritamentaj^omo -.desenvol­
vimento econômico. Essa confusão teve preços
altos, porque levou a um desconhecimento do
que realmente estava acontecendo no país e um
desvirtuamento, digamos assim, dos objetivos do
processo político e da prática_efetivadas pessoajs
interessadas êm melhorar as condições da socie­
dade.
O que me parece importante, não é necessa­
riamente a manutenção do posseiro ha situação
em que ele se encontra, porque nessa situaçã^,
ele está num círculo imobilista. j
Eu concordo com a idéia de que a grande
empresa no Brasil, ......
hoje, também
~..... ’ .... -está num
^ cír-
ciilo imobilista. Só que, enquanto 0 jx>ssem
num círculo imobilista em que .ele_é_arprlncipM^
vítima; a émprèsá está no círculo em que a prú[i-
cipal vítima é o conjunto da sociedade. E para
mim a ^ ú e stan só vai sé resolver, na medida e:n
que, a partir das próprias aspirações desenvol­
vidas por categorias sociais como a do posseiro
e outras que existem ocorra uma grande trans
formação dessa sociedade. Acho que os benefí­
cios do desenvolvimento, pensado no sentido
mais amplo, só vao se transformar em benefí­
cios de todos, na medida em q u e lê 'h v e r iim a
estrutura de sociedade que osTsociálizèT^QU seja,
qüè^l^^sjprmelesses. benefícios em benefícios de
todos e não só de algunsl ~~ ' ■w
No Brasil, hoje, a única coisa que se socializa
é a miséria. Só isso. Nada mais.
Êu acho que temos que inverter essa estrutu-
.xa, justamente para que se dê a socialização cpn-j
trária.
i
171
IE P A — A cidade expulsa o homem para o
campo em junção da utilização de capital inten­
sivo. O campo expulsa o homem em função da
apropriaçao e ~ülÍlizáção da terra pelos grandes
grupos econômicos, pelos grandes projetos. Com
isso, ã^mSxc^nGXidudCfr urhãng) vai num crescendo
muito "grcrhde e as terisÕelTsõciàjs vão se tornan­
do insuportáveis. Quarè as alternativas que teria
o sistema para contornar essas tensçes e as con­
sequências que poderão advir daí, para a própria
segurança dele?

J.S.M. — Claro que sé o sistema j^uizesse en­


contraria alternativas, porqueThá países capita­
listas desenvolvidos em que as coisas não tem a
gravidade da situação de um país como o nosso.
Mas. a opçaõ Idd. sistéma> ou das classej domi-3
antes np^
nõ B r a s il^ muito clara. Quer dizer, é
!(})üma opção em termos de concentração de prp-
priedade^ê" recrudescimento desse processo.
Nos somos üín país mais ou menos acostuma­
do com a m iséria- A gente já incorporou isso
como um dado natural e embora não seja natu­
ral — seja extremamente grave •— vai produzir
seus resultados. Mas, na situação atual, peío tipo
de pacto de classes que existe hoje no B ra s il
pelo tipo de acordo entre as classes dominantes
e b tipo de dominação que., se exerce sobre as
classes dominadas, eu. não vejo saída. Quer dizer,
eu^acho que a saída virá de baixo, na medida em
que o protesto^social vá se tornar insuportável.
Ele tem crescido muito nos últimos anos. Tem
crescido não só entre populações que a gente
chamaria de m arginalizadas — a questão é aí
um pouco complicada — mas, também, entre
trabalhadores.- E eu não estou me referindo ape­
nas às greves recentes de fábricas e sim às coisas
que vem de muito mais longe. H á sinais muito
positivos que vêm dé baixo. Por exemplo, a gente
nota nas grandes cidades desde manifestaçõc.M
como quebra-quebra de trens, na medida em qun
o trem e o transporte representam um sacrlfí
cio vergonhoso prq trabalhador. O trabalhador
que quer trabalhar ç o sistema impede que cie
vá ao trabalho. Ora, isso é um a coisa maluca.
Do ponto de vista do capitalf só num país dí*
35idOs pode acontecetllmã^coísa dessas. Instala-
se uma Central do Brasil ou um a Santos-Jundiai
ou uma Sõrocabanà, que ao invés de fazer com
que o trabalhador chegue ao trabalho em tem
po e em condições dé ser bem explorado — para
ser bem cínico em relação a essa coisa — cria
um sistema^ de transporte que faz com que o tra
balhadòr não chegue no dia certo, na hora certa,
chegue cansado, arrebentado, pessoas que viajaijfi
duas ou três horas, etc. _ ___
Q capitalismo ^que. o p t a p o r esse camihhp —*
o carmínTó dá^cxplõfãção ábsõluEá — é ürh capi­
talismo suicida. uitT cãpitâllSYfio de uma bur­
guesia incompetente^ Eu acho que a burguêsíp
brasileira é incompetente e ela só tem sobre vi
vido graças at um apoio irracional das Forças
Afm ates: Ou.sejà, só na medida em que há umii
ditadura e uma repressão feroz é que essas cia*
ses dominantes jDodeJn se sustentar. Agora, eu
vejo sinais positivos.. . O quebra-quebra é tam­
bém uma manifestação irracional das classes
trabalhadoras, apenas um símbolo do seu deses­
pero. Mas eu vejo sinais positivos nas diferentes T.
formas de organização popular que estão sur- n
I gindó. E que as pessoas começam á tomar cons-/
;ciência de que elas não podem mais esperar nada
|dos outros, não podem esperar mais nada do
IEstado, das classes dominantes, como esperavam
/na época do.populTsmp. Ou seja, elas começam á\
tomar nas mãos a solução dos seus problemas. '
Então tem-se a Associução“d"e“Lõteamentos Clan­
destinos, Associação dos Moradores, Movimentos

173
do Custo de Vida, todo tipo de agrupamento.
Hoje, até clube de futebol, até associações reli­
giosas. .. O Apostolado da O ra ç ã o ... Outro dia
eu ouvi uma referência nesse sentido. O Aposto­
lado da Oração é uma irmandade religiosa da
Igreja Católica, das mais conservadoras. Aque­
las velhinhas de preto, com aquelas fitas no
peito, começando a^ se organizar assim, em ter­
mos de reivindicações, que não tem nada a ver -
com as tradições do Apostolado da Oração. Quer
dizer, começam a ter uma atividade diferente.
E há muitos outros grupos atuando nesse sen­
tido. Começam a se desenvolver pequenos gru­
pos, aquele germezinho. . . Isso vai levar — a
menos que venha uma repressão também por
aí, e eu não sei também se ela vai ter êxito *—
a uma reorganização do pacto de classes, da es­
trutura de poder, num a certa medida. Eu não
acredito que leve a um extremo, mas vai levar
à reformulação de muita coisa. E essa questão,
por exemplo, da expulsão de tudo quanto é
lugar, ou seja, a falta de um lugar para quem
trabalha e quer trabalhar, vai ter que ser repen­
sada.

IE P A — Nas suas andanças e pesquisas, você


tem sentido, também no meio dos posseiros que
não tem contacto com a C Ó N T A G ou com mis­
sões religiosas, que já existe um movimento de
dentro para fora, num sentido de agrupamento,
de associativismo, exatamente para se opor á
repressão ou para. se opor a pressões dos grupos__
dominantes dos donos da terra?

J.S.M. — Eu tenho sentido. Um bom exemplo


é esse deiÇondônia^em que as pessoas sentem-se
desamparadêsjpêlo Estado, pelo poder...público,
expulsas da terra no P araná, devido à concen-
traçaUTühdiáriâ, plantíò Hè soja, essas coisas

1 TA
*

todas. . . Elas sentem que, ou se organizam ou (


estão liquidadas. E então começam a se organi­
zar. Quer dizer, elas partem do n a d a . .. Elás
chegam ji Rondônia, existe a mata e mais n ada. <
Agora diminuiu a chegada de pessoas, mas há ,
um ano atrás, chegavam caminhões e caminhõejs,
todos os dias. E as pessoas já iam procurando
limas às outras, decidindo o que fazer: “Vamos <
combinar o que fazer. Quer dizer, ou a gente <
morre de fome aqui ou faz alguma coisa coriu
toda essa terra sobrando aí, sem ocupação, sem
cozsa nenhuma”. Então começam a se organi- <
zar de baixo e a partir dessa organização come- <
çam a ir ao INCRA, a fazer pressões, a fazèr
presente a sua vontade. Eu acho isso muito posi­
tivo, porque tem-se falado muitas bobagens./.
Esse é um drama na História do Brasil, desde t
que surgiram as primeiras revoltas agrárias, ^
desde o caso da revolta de íbicãba, que se dizia:
“— Bem, isso aconteceu porque havia agitado­
res comunistas”. Em 1850Jse dizia isso no Brazil t
e se continua dizendo a mesma coisa! Parece^) ,
qué nós não progredimos absolutamente nada no _|
tipo de interpretação dos fatos. Então sempjre
se diz: ou são os padres que estão agitando 4ur ‘f "
são os sindicalistas, os comunistas, ps terror is- ,
tãsrNaq' "éTnada disso. Ô ’niájLçr 7térròfis^'Tfíes~t^- .
país é d capitalt) É ele o maior agitador. É ele o *
sujeito qué cria o maior número_ de conflitos. i
Ele é a entidade mais subversiva que temos nes-<, i
te país, exatamente porque cria todos esses, pro- A a
blemas que estamos discutindo.e não dá a menor <
solução. Ele se mantém intransigente. O empre- t
sário brasileiro, a empresa brasileira, a clas&ê 4
dominante, o Estado que ãrepresenta, se man- *
têm intransigentes r~É fazem de conta que não
entendem. . . A gente ouve um burocrata falar, *
um desses técnicos, ele fala com uma felicidade t
incrível, como se estivesse resolvendo os proble-l *

175
mas. Ele sabe cpie não está resolvendo os proble-
mas, porque la na repartição dele, estão, proto­
colados casos e casos de conflitos de terras, con­
flitos de todo b^ tipo. Então, o problema não está
f/jçm pessoas de Tora que se infiltram e promovem
igitaçoes7Na verdade, a própria situação cria a
Lecessidade de orgamzaçao, de confronto, a ne­
cessidade de autõ-defesa. É muito' importante
íer em conta que não temos observado no Brasil
Lvasões de terras. N ã o há posseiros invadindo
iAl*^ íazendas no Brasil. Em compensação, hãTfazen-
deifõs Invadindo- terras de posseiros. Então voce
Vê quem ê o bádefnêirQv qüem é ó ãgitador. É a
ande empresa. 3b o capita}. É ele que invade
erra dds~outros, ò “trabalho dos outros. É
üeín manda prender, é ele quem manda m ata
ele quem manda torturar e assim por diant

IE P A — Queremos que você faça alguns cb-


mentários sobre algumas colocações que você \
fez na sua última palestra. Primeiro^ qual é o
processo. realmente, em termos de~~capitalismo
qúe~êstá ocorrendo aqui? É a transformaçdõ~dcT
terra em capital, certo? Em segundo lugar, ague-
la contradição de ideologia, da ideologia da.jprg-
priedaãe—- que está se supondo— - e a ideologia
da Uberdade do migrante^E depois), aquela sua
posição sobre os projetos de colonização privada.
ComcTvocê~siiuaria esse processo?

J.S.M. — É, esse é um dado importante na


linha dessa nossa discussão. N a verdade, a pene­
tração da grande empresa nas novas regiões dò
Brasil e na Amazônia^em particular, não se faz
porque se queira instalar ã q ü i grandes empreen­
dimentos, grandes empresas, etc. Ela se instala
aqpLX, especulativamente. Essa é a tendenciaT
Quer dizer, jáTse sabe quê o uso das terras todas
ocupadas por esses imensos latifúndios — multi-

17fí
fúndios pode-se dizer — na verdade, é uiuit
ocupação muito precária, muito restrita. K rltli
cuíp o número de ^érnpregos criados na Aimiz/V
nia nesses dez anos áe S U DAM. É inferior ao nu
mero de empregados da fábrica Volkswagen, em
São Paulo. E com toda essa massa de dinheiro
que foi jogada aqui, com todo esse papo de jni
centivos, de não sei o que m a is ... Então, nu
verdade, o que eu acho que existe aí, é uma
outra coisa. Quer dizer, não se trata de empresa,
/realizar a ocupação da terra na Amazônia. Tra)
ta-se de abrir uma nova frente _de_especulaya <»
e de exploração, que utilizada terra como mu
instrumento.
ç Agora, a interpretação do.processo social,, p
interpretação das coisas como elas acontecem 4*
as decisões, são feitas a partir do pnyilegiameiiiAi
desse padrão de ocupação das terras novas, tudo
esta centrado nisso. Isso é que é importanl.ç
Fora disso é subversão, é banditismo, é tudo o
que a gente possa pensar. É o que dizem. ,
Esse tipo de visão das coisas, essa maneira de
interpretar a terra — a terra como uma reserva
de capital, como riqueza potencialL que se ímj>-
biliza improdutivaménte na m io de umas poii-
cas pessoas, uns 300 ou 400 empresários na Ama
zônia — entra em conüiloA^jn._â__própria inter­
pretação que tem da terra o trabalhador, o pos
seiro. Q trabalhado^ concebe a terra como uma
dadiva, uma dádiva de Deus. Em geral, ele pensa
riessesentido, porqueTêTe é~religiosq, crê, tem Xú
e isso é um dado que a gente tem que incorpo­
rar. É uma dádiva de Deus para todas as pessoas,
para todos os que queiram trabalhar, de modo
que, por exemplo, um posseirç) nunca proibe que
alguém trabalhe numalTêrrã eni que ele“Tá tra
balhõu, embora do ponto de vista de alguém que
pense como proprietário, a coisa já fosse mais
complicada. Ele nunca proibe que alguém entre

177
n uma terra_em .que ele já trahalhnii-e -a harifio-
npu, embora seja ali vlzinhn a ele, tenha der­
rubado o mato, etc. E existe inclusive o_respeito
pelo trabalhojdjBl e. Ninguém também ocupa uma
terra que Já tenhasido..trabalhada,.sem -pedir
licenga pro outro. Mas não é pedir licença pela
terra, é pedir licença pelo, trabalho que está lá,
que é trabalho do outro. Õu sejaphá um grande
respeito pelo trabalho, coisarque uma empresa'
que èntra na Amazônia, por exemplo, não tern.
Ela não tem n enhum respeito pelo trabalho do
outro. E o 'ÍCstado brasileirc) também não tem
nenhum respèjtd’ pelp "trabalhador da Amazô­
nia. N a hora de fixa£I3nden izàçoes, no caso de
expropriação, de expulsão de posseiros, as inde­
nizações são ridículas. Não cobrem efetiva-
m ehfê nem mesmo o valor daquele trabalho em
termos de salário mínimo, por exemplo. H á in­
denizações vergonhosas que não indenizam nada.
Daqui a 15 dias o cara está passando fome.
Ao mesmo tempo, na linha dessa questão da
especulação* começam a .„surgir os projetos de
colonização privada. Ou sejaj a gente começa a
descobrir qüal~e~a“finalldade de toda essa imen-
sa apropriação, construção de cidades artificiais,
planos e projetos de colonização em. torno de _
grandes cidades. Õü sejjã) vender de movo para as_
pessoas. Isso é müíto Slaro. Isso aconteceu b lã
raffiehte, por exemplo, num povoado aqui no
norte de Mato Grosso, em Santa Terezinha, onde
houve conflito com a CODEARA. A CODEARA
vai e invade a região, porque p EstadõTcie Mato
Grosso vendeu para empresas todo o território.
Vendeu povoados, aldeias indígenas. Por exem­
plo, a aldeia Tapirapé foi vendida para uma em­
presa, a Tapiraguaia S.A.. Isso é absolutamente
ilegal. Havia uma tribo de índios que está lá há
mais de cem anos. H á documentação sobre isso.
H á depoimentos de viajantes que escreveram. . .

178
H á livros puWicados. .. Eles tem direito seguro
e certo, mas o Estada vendeu a terra dos j?api-
rape com o sT ap irap é dentro. Agora há uma
briga lá e r^ e L ç x s ^ I^ ifã ^ |
Vai o Estado )e vende também a cidade de
Santa Terezinha, um lugar que tem mais de
5.000 habitantes, uns 10.000 habitantes. O qúe
faz a CODEARA? A CODEARA manda fazer um
plano de urbanização, o desenho de uma cidade
para ser implantada em cima do povoado já exis­
tente, vendendo os lotes da nova cidade aos mo­
radores do lugar, já existente, com o apoio do
INCRA, dos generais^ desga,gentp, toda. Os gene­
rais foram lá pra cuidar disso. Há denúncias es­
pecíficas nesse sentido. Quer dizer, o pessoal
dando cobertura a uma coisa absolutamente ii-
racional. Seria a mesma coisa se você pegasse a
cidade de São Paulo e loteasse de novo, venden­
do os lotes para quem já está lá morando, para
quem já é proprietário. Isso é uma loucura. Isso
mostra claramente o que está por trás dessa ten­
tativa de açambarcar terras. Vender, transfdr-
mar aquilo em dinheiro. Não é transformar j a
terFa hüfn empreendimento econômico. É /trans­
formar a terra em dinheiro. I

IEPA — ... Terra em mercadoria.

J.S.M. — Terra em mercadoria:) Por exemplo,


o migrante é~uma pessoa que não está reivindi­
cando — isso eu tenho observadcTconsIãntéineh-
te — apenas a terra,para trabalhar, a liberdade
de trabalho, o direito do trabalho. Èle está rei­
vindicando a liberdade de.desenvolver sua eco­
nomia familiar,! a liberdade de locomoção. Isso
é ffàdíciónãlj isso nao é privilégio do Brasil.
Toda economia de pequena propriedade cria esse
espírito de liberdade, essa autonomia absoluta
em relação às coisas. Todo pequeno produtor, e

170
o posseird em particular, é um sujeito muito des­
confiado’ em relação, a . qualquer tipoLdetutela,
qualquer tipo de invasão, qualquer tipo de en­
volvimento. Ele está reivindicando neste momen­
to, não é apenas terra. É terra e liberdade, liber-
dade de trabalho, liberdade de concepção. Isso
fica absolutameriíè'~ clãfõ nessas" rêgidès . . . o
que conflita, aliás com essas propostas de cria­
ção de cidades nos núcleos de colonização, porque
essas cidades estão sendo construídas como cida­
des particulares. Ç)u seja^o sujeito vai jlc a r sob
a tutela do dono daT^Tdade, um pouco como ò
quê acontece dentro da Jari, nas cidades exis­
tentes lá. Quer dizer, não exlste a mínima auto­
nomia municipal, nem civil, nem coisa nenhu­
ma.

IE P A — Para finalizar, gostaríamos que fizes­


se algumas observações sobre o papel e responsa-
^
bilidades dos d o
técnicos s intelectuais e pesqui-
sadõres na e manutenção desse
processo que privilegia o capital e seus detento-
res, È também, como poderiam, esses intelec­
tuais e técnicos, contribuir mais concretamente
para uma alteração nas tendências que se preco­
nizam.

J.S.M. — O técnico, o professor, o intelectual,


o cientista que sTpresum e identificado com o
pobre, õexplorâdo, que escolhe o explorado como
tema dos seus trabalhos, das suas preocupações,
frequentemente o faz segundo categorias, crjté-
rioá de’ interpretação e de entendimento, _das
coisas que são os da classe dominante.COu seja?
a perspectiva, a racionalidade da classe dominan-
te impregnou a nossa inteligência. É ela que tem
curso nas universidades. É ela que fala nas uni­
versidades. É a lógica do capital que fala dentro,
da universidade. E me parece que úm a coisa im-

180
1 va/s a /và /
portante — já que a gente quer se identificai
com o explorado, oprimido e tudo o mais . .. «•
acho que o importante politicamente — é rcsgfc
tar plenamente o ponto de vista dele. Ou sejj»,
fazer com que èsse "põntõ""dè vista, a lógica do
oprimido, tenha lugar“ fio mundo da réfiexfáo
científica, técnica, etc. "Porque às~vezes há pos
soas muito bem intencionadas, mas a conslru
ção da interpretação que elas fazem é segundo
uma lógica que não tem nada a ver com aqui li »
que está sendo vivido e interpretado pelo próprio
oprimido. Quer dizer, eu acho _que^só a gerd<
quer ser voz do oprimido. Q qçrimidp pode sum
vozjdele mesmo. É só a gente ficãí^atento paru
ouvi-la e entendê-la. Acho que essa é a questão
básica. /
/

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