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O Lado Negro da Força

(Uma Retrospectiva no Abuso Religioso)


"Só conheço uma liberdade - a de pensamento" - Saint Exupéry

Índice
1. Introdução
2. Religião e Poder - O Testemunho da História
3. 'Milagres' - Questão de Fé ou de Má-Fé?
4. Cultos - a Morte Ronda a Fé
5. Jihad - "Deus Está do nosso Lado"
6. Entendendo o Controle Mental dos Cultos
7. Os Casos Hearst e Walker
8. O Perfil dos Líderes de Cultos
9. Os Cultos no Brasil
10. Conclusão

Introdução
"O cristianismo não garantiu ao homem sua segurança, sua felicidade, nem mesmo sua dignificação.
Mas oferece uma esperança. Trata-se de um agente civilizador. Ajuda a encarcerar a besta.
Proporciona vislumbres da verdadeira liberdade, sugestões de uma existência calma e razoável.
Mesmo do modo como o vemos, distorcido pelos estragos da humanidade, não é desprovido de
beleza."

Com estas palavras, o escritor Paul Johnson (1928 - ) conclui a sua obra "História
do Cristianismo" (1976), na qual traça um abrangente retrospecto deste relevante
movimento religioso, desde seus primórdios até os nossos dias. Em seu comentário, o
autor parece sintetizar bem um dos papéis da religião na sociedade (no caso, o
cristianismo), a saber, seu efeito moderador sobre os ímpetos do homem. Segundo
esta visão, o sentimento religioso funcionaria como uma espécie de 'amortecedor'
sobre o espírito humano, salvaguardando os povos da barbárie. Sob o abrigo da fé,
cada indivíduo 'encarceraria a besta' primitiva que carrega dentro de si - seus instintos
animalescos e sua rebeldia natural - permitindo-se ser 'civilizado'. A proteção de um
deus (ou deuses) traria quietude ao ser humano, pondo-o a salvo de sua inaceitável
pequenez e efemeridade, diante das quais nada lhe restaria, exceto os constantes
vagalhões de uma crise existencial, a mesma crise retratada de forma contundente no
mundo futurístico do filme Blade Runner [O Caçador de Andróides] - dirigido
por Ridley Scott - no qual os andróides criados pelo homem adquirem consciência de
sua efêmera existência e tornam-se psicóticos, rebelando-se contra seus criadores.
Da mesma forma, a escritora Mary Shelley (1797-1851), em seu clássico
romance Frankenstein, retrata uma criatura que, ao tomar conhecimento de sua
natureza decaída, revolta-se contra seu criador. Há aqueles que vaticinariam
semelhante destino para os homens, caso lhes fosse subtraída a espiritualidade. Este
peculiar sentimento foi brilhantemente expresso pelo matemático Blaise Pascal (1623-
1662), no século dezessete:
"Assistindo à cegueira e miséria do homem, bem como às assombrosas contradições apresentadas por
sua natureza, e vendo todo o universo mudo, e o homem sem nenhuma luz, abandonado a si mesmo,
e, por assim dizer, perdido neste canto do universo, sem saber quem o colocou aqui, no que se tornará
ao morrer, fico temeroso - como um homem que, transportado em seu sono para uma ilha deserta e
medonha, acorda sem saber onde se encontra e sem qualquer possibilidade de deixá-la; espanta-me,
então, que alguém não se desespere diante de condição tão miserável."

Não se pode negar que tais palavras, em sua pujança, comoveriam pessoas de
origens e culturas diversas. Certamente, muitos fariam coro com esta
declaração. Pascal parece ter captado, em toda sua essência, o eterno dilema humano
- 'quem sou', 'de onde vim', 'para onde vou'. Sem uma resposta - factual ou não - a
tais indagações, a sociedade humana, como a conhecemos, provavelmente não teria
subsistido. Visto dessa forma, o sentimento religioso reveste-se de inegável relevância
social e - por que não dizer - nobreza de objetivos. Todavia, como os demais atributos
da humanidade, está sujeito à perversão.

Pascal - o eterno dilema existencial

Neste respeito, os naturalistas teorizam que o alto grau de desenvolvimento


alcançado pelo cérebro humano cobrou do homem um preço terrível - confrontou-o
com a consciência de sua existência e, por conseqüência, com sua mortalidade. Como
forma de compensação, outra área da mente teria se desenvolvido grandemente - o
sistema límbico, envolvido na motivação e na capacidade idealizadora. De um lado, o
intelecto, a razão, de outro, a intuição, a fé - assim caminha a humanidade. Este
paradoxo induziu o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) a dizer: "...descobri
ser necessário negar o conhecimento, a fim de abrir espaço para a fé". Ao passar das
gerações, o equilíbrio entre estes dois gigantes tem aparentemente conferido
alguma estabilidade emocional e social aos seres humanos. Contudo, o homem é,
antes de tudo, um animal político. Sua visão do cosmo influencia não apenas a visão
de si mesmo, mas norteia sua relação com o semelhante. De uma relação benigna
com as deidades nasce uma noção de ética e, por conseqüência, um código moral.
Deuses que abençoam ou castigam parecem estabelecer um sólido alicerce sobre o
qual as civilizações edificam uma relação de tolerância - e não raramente de
hostilidade - entre si.

É significativo que a religião tenha estado presente em todas as sociedades,


independentemente de sua época, grau de desenvolvimento ou origem geográfica. A
necessidade de uma crença transcendental, ao que tudo indica, visitou todos os
povos. Onde quer que se encontre cultura, o sentimento religioso está presente. Onde
quer que se descubram ruínas de civilizações antigas, a arqueologia tem exumado
templos, ídolos, símbolos sagrados, enfim, expressões da espiritualidade dos povos
antigos. Um exame na história da humanidade revela-nos um interminável desfile de
sistemas religiosos, alguns nascendo da decadência de outros, numa infindável
sucessão de ideologias, em que cada novo movimento surge de acordo com as
conveniências sociais e políticas de seu tempo. Temos desde o animismo presente nas
tribos mais primitivas, passando pelo espiritismo egípcio, o panteão greco-romano, a
teocracia judaica, o universalismo cristão, a submissão islâmica, até a condição atual
da humanidade - mais dividida do que nunca, em uma infinidade de religiões, uma
tendência que parece perdurar. Esta autêntica 'babel' espiritual suscita uma
perturbadora pergunta: teria a civilização sido edificada sobre mitos? Em caso
afirmativo, quão frágeis são seus alicerces...

Lastimavelmente, ao passo que o mundo fragmentou-se em credos divergentes,


mais e mais foram esquecidas aquelas nobres motivações expressas por Pascal. Como
diz o escritor Raymond Franz, os homens passaram de 'servos do espírito' a 'escravos
de organizações', ou seja, ao estabelecerem entidades fundamentadas em propósitos
piedosos, pouco a pouco, esqueceram-se dos nobres ideais do princípio, inverteram
seus valores e colocaram a preservação de seu sistema à frente de suas consciências.
Deveras, o coração humano é facilmente corrompido. Ocorreu o que se chama desvio
de função - a instituição que fora criada com o propósito de atender às aspirações
humanas e unir os homens sob a mesma esperança, tornou-se ela própria o centro da
discórdia. Discórdia que se degenerou em intolerância e brutalidade. Deste modo a
história da religião foi escrita - às vezes com tinta, às vezes com sangue.

Religião e Poder - O Testemunho da História


Início

O escritor Jeovah Mendes - especialista em história secular e religiosa - apresenta


sua obra "Dos Porões Sombrios do Vaticano..." (Ed. Livro Técnico, 2000) com o
seguinte comentário:
"Fartamo-nos de ouvir através dos meios de comunicação, sejam eles o rádio, o jornal ou a
televisão, o apelo do Papa João Paulo II, pedindo perdão à humanidade pela intolerância religiosa e
crimes cometidos em nome da Igreja Católica, ao longo de sua trajetória tenebrosa e sanguinária. A
atitude do eminente pontífice é bastante louvável, embora saibamos que a atual geração nada tem a
perdoar, uma vez que nada sofreu, mas sim aqueles que padeceram sob a opressão do catolicismo, nos
séculos passados. Contudo, aqueles mártires já nada mais podem perdoar, pois estão mortos, ficando
sem efeito os rogos e as lágrimas do bom velhinho - que, felizmente, não tem as mãos manchadas de
sangue... há diversos outros fatos, que, considerados gravíssimas ofensas à coexistência humana,
muitos gostariam de apagar da memória universal."

Ao longo do livro, o autor passa a expor de forma bem direta - e com boa dose de
ironia - a trajetória de trinta pontífices que aviltaram a história da igreja. Isto é
particularmente embaraçoso para aqueles que advogam o cristianismo, pois, querendo
ou não, a história do catolicismo confunde-se com a história dos movimentos cristãos
dos primeiros séculos. Foi a Igreja Romana que convocou o grande concílio de Nicéia
(325 DC), reconhecido pelos historiadores como um marco decisivo na trajetória do
cristianismo. Ademais, foram os teólogos católicos que estabeleceram aquilo que hoje
é aceito pelas religiões em geral como o cânon sagrado. Eram católicos os primeiros
grandes estudiosos e tradutores das Escrituras. Em vista disso, todas as religiões
cristãs têm dívidas históricas para com a Igreja Católica, quer gostem disso quer não.
É compreensível, então, que diversos historiadores cristãos tenham hesitado em
relatar os fatos com isenção. Sobre isso, o autor Paul Johnson declara:
"No passado, muito poucos estudiosos cristãos tiveram a coragem ou a confiança de colocar a livre
perseguição da verdade antes de qualquer outra consideração. Quase todos estabeleceram um limite
em algum ponto. Não obstante, como seus esforços defensivos provaram-se fúteis! Como seu sacrifício
da integridade parece ridículo em retrospecto!... Afinal, o cristianismo, identificando verdade como fé,
deve ensinar - e, adequadamente compreendido, de fato, o faz - que qualquer interferência à verdade é
imoral. Um cristão com fé nada tem a temer dos fatos; um historiador cristão que estabelece limites
para o campo de investigação, em qualquer ponto que seja, está admitindo os limites de sua fé." -
História do Cristianismo, p. 8

O escritor Jeovah Mendes complementa:


"... não devemos olvidar que a função do historiador e do pesquisador consiste em esclarecer a versão
dos fatos à luz da verdade, sem se deter diante daqueles que distorcem ou adulteram a História para
esconder seus crimes e ocultar suas próprias imperfeições." - Dos Porões Sombrios do Vaticano, p. 21

Tomando como princípio norteador as palavras acima, o leitor está convidado a


examinar objetivamente o lado obscuro da espiritualidade humana. Ao longo desta
averiguação, testemunhará como tal atributo está sujeito à manipulação e à
corrupção. Deveras, as maiores atrocidades cometidas contra a humanidade foram
perpetradas em nome de ideologias religiosas. Comecemos com um período
particularmente fecundo em autoritarismo eclesiástico - a Idade Média.

Em uma época em que o poder religioso confundia-se com o poder real, o Papa
Gregório IX - famoso pelo seu caráter irascível e intolerante - editou, em 20 de abril
de 1233, a bula Licet ad capiendos, a qual marca o início da infame Inquisição,
instituição da Igreja Católica Romana, criada com o hediondo propósito de perseguir,
torturar e executar aqueles que ousassem discordar de suas doutrinas - os 'hereges',
assim definidos:
"Chamam-se hereges pertinazes e impenitentes aqueles que interpelados pelos juizes, convencidos
de erro contra a fé, intimados a confessar e abjurar, mesmo assim não querem aceitar e preferem se
agarrar obstinadamente aos seus erros. Estes devem ser entregues ao braço secular para serem
executados. Chamam-se hereges penitentes os que, depois de aderirem intelectual e efetivamente à
heresia, caíram em si, tiveram piedade de si próprios, ouviram a voz da sabedoria e, abjurando dos
seus erros e procedimento, aceitaram as penas aplicadas pelo bispo ou pelo inquisidor. Denominam-se
hereges relapsos os que, abjurando da heresia e tornando-se por isso penitentes, reincidem na
heresia."

Mais adiante, o regulamento da igreja determinava a punição a que estavam


sujeitos os rebeldes renitentes:
"Estes, a partir do momento em que a recaída fica plena e claramente estabelecida, são entregues
ao braço secular para serem executados, sem novo julgamento... Serão queimados vivos em praça
pública, entregues em praça pública ao julgamento das chamas... É de fundamental importância
prender a língua deles ou amordaçá-los antes de acender o fogo, porque, se têm possibilidade de falar,
podem ferir, com suas blasfêmias, a devoção de quem assiste a execução. [...] É herege quem disser
coisas que se oponham às verdades essenciais da fé."
Aparentemente, os intelectuais constituem a classe mais indesejável aos sistemas
religiosos autoritários, pois estiveram entre as vítimas mais freqüentes da inquisição -
o genial físico Galileu (1564-1642) esteve entre estes, por suas descobertas
astronômicas. Em 1252, o Papa Inocêncio IV - decidido a dar prosseguimento aos
planos sanguinários de seu antecessor - autorizava, por meio da bula Ad
extirpanda, o uso da tortura para a obtenção de confissões e, para isso, criava o
assim chamado Tribunal do Santo Ofício. O estado não tardou a se subordinar a este
perverso sistema. Os bastardos nascidos desta união espúria surgiriam na forma de
inquisidores e nobres corruptos que, à custa de prestígio e poder econômico,
galgavam posições na igreja e, por meio do famigerado tribunal, perseguiam e
matavam seus desafetos políticos. Nesta época, a engenhosidade da mente humana
produziu os instrumentos 'pedagógicos' da inquisição - os dispositivos de tortura. Por
meio deles, o supliciado era 'purificado' e as 'verdades essenciais da fé' eram
restauradas.

Na Itália, em 1600, após oito anos de aprisionamento e acusado de blasfêmia e


heresia por suas idéias panteísticas, foi queimado em público o brilhante poeta e
filósofo renascentista Giordano Bruno. Milhares teriam igual destino.

Na Espanha, a máquina inquisitorial foi posta a funcionar à mãos de Tomás de


Torquemada (1420-1498), monge dominicano nomeado pelo Papa Inocêncio VIII para
este sanguinolento ofício. Sob sua gestão, a brutalidade alcançou níveis
estarrecedores, com milhares de judeus e outros - acusados de 'bruxaria' - torturados
e mortos.

Tal quadro horrendo suscita uma questão ainda não respondida de modo
definitivo: foi o estado que se rendeu à igreja ou foi a igreja que se prostituiu junto ao
estado? Os frutos dessa união indecorosa depõem contra ambos.

Máquinas medievais de tortura - símbolos do autoritarismo religioso

Séculos mais tarde, em uma carta redigida em 1770, Voltaire (1694-1778), grande
filósofo do Iluminismo francês, declarou:
"...Não creio que haja, neste mundo, [uma só autoridade], tendo apenas quatrocentos cavalos
chamados homens para liderar, que não reconheça a necessidade de colocar um deus nas bocas para
servir de freio..."
De forma sarcástica, porém enfática, Voltaire tocou no ponto crucial - a religião
como instrumento tradicional de poder. Ele sabia que a razão - tão enfatizada pelo
Iluminismo - esbarraria ela própria em seus limites. Por isso, seguindo na contra-mão
daquele movimento, admitia a necessidade social de uma divindade.
Todavia, opunha-se - e, aparentemente, com razão - à religião organizada tal qual se
conhecia. Via nela, antes de tudo, um instrumento de opressão, um meio de legitimar
o jugo do dominador sobre o dominado. Era o que havia mostrado a história até então
- a profana união entre igreja e estado, um dando proteção e legitimidade ao outro.
Certa vez, referindo-se ao cristianismo histórico, Voltaire escreveu a Frederico, o
Grande: "Vossa majestade prestará à raça humana um serviço eterno se extirpar essa
superstição infame..." Noutra ocasião, em meio aos debates sobre a suposta
'moralidade' presente na ordem universal, ele, tomando como exemplo o terrível
terremoto de 1755, em Lisboa, declarou:
"...Lisonjeia-me que pelo menos os padres inquisidores tenham sido esmagados com os outros.
Isso deveria ensinar os homens a não se perseguirem uns aos outros, pois, enquanto uns poucos
santos patifes queimam alguns fanáticos, a terra engole todos de uma vez."

Voltaire - a razão contra o misticismo

Não são palavras vazias. Naquele momento, Voltaire criticava de forma brilhante o
sistema opressivo que o catolicismo mantinha há séculos em nome de Deus -
instrumento hediondo cuja eficácia já houvera tentado reformadores como João
Calvino (1509-1564), mais de duzentos anos antes. Já aos 24 anos de
idade, Calvino havia rejeitado o catolicismo e, valendo-se da predestinação pregada
por Santo Agostinho, criou um sistema que, em autoritarismo e intolerância, nada
ficava a dever àquele que havia repudiado. Pelo contrário, seu radicalismo acabou por
se degenerar em monstruosidade. Certa vez, em sua obra Declaratio orthodoxae fidei,
definiu a forma com que se devia lidar com os 'hereges':
"Deve-se esquecer toda a humanidade quando a glória [de Deus] está em questão. (...) Deus não
permite que sequer cidades e populações inteiras sejam poupadas, mas arrasa muros e destrói a
lembrança dos habitantes e arruína todas as coisas em sinal de Sua total abominação, para que o
contágio não se difunda."

Mais uma vez, não são frases vazias. Parecem copiadas dos manuais de tortura da
Inquisição. A brutalidade calvinista já havia se revelado meses antes, com uma
execução à moda católica - na fogueira. A vítima foi outro intelectual, Miguel Servet, o
qual ousou discordar publicamente da visão de Calvino sobre a natureza de Jesus
Cristo. Esta era a teocracia calvinista, já em vigor na Suíça, por volta de 1538. Eis a
sua definição da misericórdia divina:
"Se indagarmos por que Deus tem pena de alguns e por que deixa que outros se vão, não há outra
resposta que não o fato de agradá-lo fazer assim."
É notável que tal doutrina medonha - em comunhão com a figura de Cristo - tenha
atraído a tantos daquele tempo. Com base em tal sistema teológico, desenvolveu-se
este ramo do movimento reformista do século XVI. Muito embora, Martinho
Lutero (1483-1546), ao contrário de Calvino, tenha inicialmente manifestado
moderação, as pressões de sua aliança com a nobreza, pouco a pouco, fizeram-no
sucumbir ao fundamentalismo. Em 1525, proibiu a celebração da missa. Em 1529,
chegou ao ponto de criticar a "liberdade de consciência", a qual houvera
anteriormente defendido. Por fim, dois anos mais tarde, aprovou a condenação à
morte de Anabatistas e outros 'extremistas' por parte das autoridades. Na obra
mencionada no início deste artigo, o escritor Paul Johnson declara:

"Se tanto luteranos quanto calvinistas (assim como católicos) perseguiam ativamente os extremistas
contrários, também se opunham e odiavam entre si." - História do Cristianismo, p. 349

Assim, pois, se resume o cenário religioso no ocidente, em meados do século XVI -


um sistema corrupto e autoritário, o catolicismo papal, suscita o surgimento de duas
ideologias de contestação, o luteranismo e o calvinismo. Estas últimas herdam do
carcomido sistema anterior parte de suas doutrinas e, acima de tudo, sua intolerância.
Deste modo, parece, no mínimo, contraditório que alguns adeptos do protestantismo
não poupem críticas à Igreja Católica por suas arbitrariedades passadas, pois,
conforme demonstra a história, tanto católicos quanto reformistas endossaram a
violência como instrumento de doutrinação religiosa. Deveras, os três sistemas
vigentes a partir do século XVI - catolicismo, luteranismo e calvinismo - a despeito de
suas diferenças, guardavam notáveis similaridades, a saber, todas eram religiões
compulsórias, flertando com o poder estatal e dele se valendo para impor sua
hegemonia onde quer que se instalassem; todas reivindicavam o monopólio do
ministério cristão. Esta situação perduraria por séculos no futuro. Mesmo na
atualidade, os ânimos entre católicos e protestantes permanecem exaltados em
países como a Irlanda do Norte.

Calvino e Lutero - idéias diferentes, métodos semelhantes

A Inquisição agonizou a partir do século XVIII e foi oficialmente abolida em 1834.


Também, a secular aliança entre os sistemas religiosos e o estado passou por
importantes mudanças. Gradativamente, as igrejas ocidentais perderam a 'mão-de-
ferro' pela qual tinham imposto, desde a antiguidade, sua ideologia ao povo. Essa
parecia ser uma inexorável tendência mundial. Em 1948, uma comissão especial da
Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Declaração Universal de Direitos
Humanos, a qual, entre outras coisas, defende, em seu artigo 18, a liberdade de
consciência e religião. Muitas nações adotaram a Declaração. Assim, não mais
podendo contar com o aparato repressor do estado, as religiões passaram a viver à
sombra dele, amparadas pela lei. Tiveram que ceder à mudança dos tempos, lançando
mão de métodos de persuasão não coercitivos. Novas estratégias tinham de ser
traçadas. Na Idade Média, mediante a tortura, buscava-se ganhar a mente a partir do
corpo. Na modernidade, segue-se o caminho inverso. A partir de então, está aberta a
'temporada de caça' às mentes humanas. Deste modo, as técnicas de controle das
massas assumem grande importância no proselitismo religioso atual e têm se
sofisticado. Examinemos algumas delas...

'Milagres' - Questão de Fé ou de Má-Fé?


Início
Os seres humanos sempre demonstraram fascinação pelo sobrenatural. O
evangelho de Mateus, capítulo 12 e versículo 38, relata que os escribas e fariseus
reclamaram de Cristo um sinal milagroso como prova de sua identidade. No entanto,
ele próprio declarara, em seu sermão do monte, que obras poderosas não constituíam
evidência clara de idoneidade espiritual (Mateus 7: 22,23). Aparentemente, a
advertência tem sido desconsiderada por muitos. De fato, o apelo ao sobrenatural tem
sido uma das táticas mais empregadas pelas religiões na atualidade e - a julgar pelo
número de novos adeptos - com bastante êxito. Por exemplo, na Grã-Bretanha
existem cerca de treze mil 'operadores de milagres' registrados, alguns até no Serviço
Nacional de Saúde. Atualmente, são os cristãos carismáticos aqueles que mais alegam
receber graças milagrosas - um movimento com menos de um século de idade e que
já conta com cerca de 540 milhões de seguidores em todo o mundo. É o fenômeno
religioso que mais cresce no planeta. Em face da era tecnológica em que vivemos,
trata-se de um colossal paradoxo. Deveras, apesar de todo avanço científico,
aparentemente vivemos em uma época de exacerbação do misticismo. Uma onda de
irracionalismo varre o globo, alcançando até os países mais desenvolvidos. As
sociedades esotéricas pululam por toda parte. Alguns especialistas vêem isso com
grande preocupação, afinal, este é um campo aberto para o fanatismo. Certamente
trata-se de um fenômeno que merece ser investigado.
A crença na cura pela fé remonta aos antigos egípcios e gregos. Estes últimos
acreditavam que, Esculápio, o deus da medicina, visitava os fiéis doentes em sonhos e
os curava ou lhes prescrevia uma receita para a cura. A deidade não exigia dinheiro
do 'curado', apenas sua devoção. Séculos no futuro, tais crenças persistiriam. Por
exemplo, na década de 1870, nascia, nos EUA, uma exótica ideologia religiosa - a
'Ciência Cristã'. Sua criadora, Mary Baker Eddy (1821-1910) sustentava que todas as
enfermidades eram manifestações do desequilíbrio espiritual e que a restauração da
fé, por meio de serviços religiosos, resultaria na cura das doenças. Ela própria tinha
um histórico de saúde frágil, tendo, segundo dizia, se recuperado à base de uma
'iluminação', enquanto lia a Bíblia, no ano de 1866. O poder curativo do Novo
Testamento deveria constituir a terapia preferencial para tratar os doentes. Em 1875,
ela lançou sua obra mais importante - Science and Health with Key to the
Scriptures [Ciência e Saúde com a Chave para as Escrituras]. O que chama a atenção
é o número de casos judiciais relacionados com este movimento religioso. Alguns pais
têm sido levados às barras da justiça e condenados por homicídio, após negarem
socorro médico a seus bebês doentes, insistindo em ofícios religiosos, de acordo com
a doutrina da Ciência Cristã, até a saúde das crianças piorar - nada mais se podendo
fazer por elas. Uma mãe, após perceber que o quadro de seu filho só se agravava,
contrariou, nos últimos momentos, sua crença e levou a criança ao hospital. Quando
indagada pelos médicos por que demorara tanto em agir, ela caiu em si e,
transtornada, assistiu ao drama do menino na sala de cirurgia. Infelizmente, em razão
do atraso em buscar tratamento, a criança veio a falecer. A partir daí, sua amargurada
mãe fundou uma associação de parentes de vítimas deste tipo de abuso religioso.
Lamentavelmente, casos como estes continuam a acontecer e o curandeirismo tornou-
se um próspero negócio.

Mary Baker Eddy - fundadora da 'Ciência Cristã'


O evangelismo televisivo tem crescido nas últimas décadas em diversos países,
especialmente nos Estados Unidos. Os espetáculos oferecidos pelos assim chamados
'curandeiros da fé' nada deixam a desejar aos grandes concertos de rock - música,
holofotes, danças e acessos de êxtase. No meio deste turbilhão, surge a figura do
pregador, recepcionado pela platéia como um autêntico popstar. A despeito de todo o
brilho, alguns destes líderes religiosos têm sido desmascarados como charlatões e
expostos ao vitupério público em razão de sucessivos escândalos sexuais. Dois
episódios alcançaram grande repercussão - o caso do criador do movimento Praise the
Lord[Louvai ao Senhor], o 'pastor eletrônico' Jim Baker, flagrado em adultério com
uma de suas secretárias, e o de Jimmy Swaggart, um santimonioso pregador da TV,
que, após ser visto na companhia de uma prostituta, ensaiou, diante das câmeras, um
deprimente espetáculo de simulação de arrependimento. Episódios grotescos como
esses só têm feito crescer o ceticismo público sobre tal modalidade de evangelismo.

Jim Baker e Jimmy Swaggart- caíram as máscaras...

Não menos importantes que os escândalos sexuais são os escândalos financeiros -


nos bastidores, vislumbra-se uma milionária indústria da fé. Diversas igrejas estão
envolvidas em fraudes fiscais e seus líderes estão sob investigação por enriquecimento
ilícito. Estes episódios demonstram que nem mesmo em suas origens algumas
organizações religiosas parecem ter tido motivações nobres.

"Luzes... câmera... ação!" - começa o grande espetáculo da fé!

À época da elaboração do presente trabalho, um interessante documentário foi


produzido pela rede Carlton Television. Exibido na TV Discovery, intitula-se 'Milagres' e
aborda com impressionante realismo a questão do curandeirismo religioso. Seus
criadores decidiram-se por um exame imparcial e aprofundado do fenômeno,
consultando os próprios curandeiros, bem como solicitando o parecer de cientistas e
de autoridades eclesiásticas. Os resultados são impressionantes. O leitor está
convidado a examinar o assunto por si mesmo.
Para representar o lado dos curandeiros, a rede televisiva escolheu dois ilustres
membros do concorridíssimo mercado do evangelismo televisivo: o pregador Benny
Hinn (http://www.bennyhinn.com), de origem palestina e radicado no Canadá, e seu
colega,Reinhard Bonnke, um alemão filho de imigrantes da II Guerra Mundial e líder
do movimento Christ for All Nations [Cristo para Todas as Nações]
(http://www.cfan.org/). O primeiro fez da América sua audiência ao passo que o segundo
prefere a África. Um deles afirma pregar todo ano para mais pessoas do que o Papa,
ao passo que, em uma única sessão, ambos reivindicam um número de 'milagres'
superior àquele registrado em todo o evangelho.

Hinn e Bonnke - Parceiros na indústria da fé

Representando os críticos do fenômeno, neurocientistas, psicólogos e um rabino


foram consultados. Os maiores pesquisadores do assunto dão sua palavra e revelam
conclusões inesperadas sobre o fenômeno das 'curas espirituais'.
Um ponto marcante em todas as sessões públicas de 'cura' é seu ritmo
progressivo, partindo de um ambiente tranqüilo, com música de fundo suave e
pessoas confraternizando, seguido de um primeiro momento de êxtase, com a
chegada do pregador e, finalmente, o momento mais esperado - a sessão de
'milagres'. Nesta, uma onda de movimentos frenéticos vai, pouco a pouco,
disseminando-se pela platéia. De repente, o orador cerra o punho para os céus e
convoca a assistência a invocar o poder de Deus. O público atende o chamado e, a
partir daí, estabelece-se uma atmosfera de histerismo - pessoas gritam, choram, riem,
dançam e, às vezes, desmaiam. Nesse momento, o pregador convoca aqueles que se
sentem 'curados' a erguerem a mão e subirem ao palco. Os primeiros a se manifestar
normalmente são as vítimas de dores crônicas. Os mais exaltados lançam ao chão
suas muletas ou deixam suas cadeiras-de-rodas, arriscando uma jornada até o púlpito.
Uma vez reunidos, dão 'testemunho' entre risos e lágrimas. Incentivados pelo
exemplo, mais alguns erguem-se da platéia e juntam-se a eles. Paralelamente, muitos
entram em um estado de transe convulsivo e caem ao chão se contorcendo. A essa
altura, os brados da multidão já não são inteligíveis. Aos que não se sentiram curados,
o pastor dirige palavras de conforto, incentivando-os a esperar por sua vez, desde que
cultivem mais fé. Como não há meios de aferir a fé de uma pessoa, o curandeiro
obtém um álibi perfeito. Ao final, todos entoam cânticos e gritam palavras de
louvor. Está encerrada a sessão. Muitos vão para casa convencidos da 'cura', mesmo
com médicos e especialistas dizendo o contrário.
Todos os emocionantes eventos descritos acima quase chegam a ofuscar a ocasião
em que, antes da sessão de cura, o orador convoca sua audiência a fazer doações. Na
apresentação de Benny Hinn, por exemplo, são distribuídos envelopes com formulários
contendo sugestões de oferta que vão desde 100 a 10.000 dólares. Os ouvintes são
incentivados a contribuir como forma de demonstrar sua fé no poder curativo de
Deus. Centenas destes formulários são recolhidos por ministros 'obreiros' durante a
sessão. O quanto eles representam em termos de lucro, pode-se apenas conjeturar.
Contudo, o formidável patrimônio acumulado pelo pregador, na forma de mansões,
uma 'gorda' conta bancária e um jato particular são evidências claras do destino de,
pelo menos, parte destas doações. O pior - observa-se que muitos contribuintes são
pessoas humildes e pouco instruídas, que doam seus parcos recursos na esperança de
um milagre para si mesmas ou para um ente querido atingido por uma enfermidade.
Um dos casos mais tocantes é o do pequeno Ashnil, um garotinho de 10 anos,
filho de imigrantes indianos e acometido de dois tumores cerebrais, que
gradativamente suprimiram-lhe as funções neurológicas. Seus pais, desesperados,
recorreram a Benny Hinn em busca de ajuda. Dizem esperar um milagre. Tomados de
forte emoção, comparecem ao espetáculo do pregador. Lá, assistem Hinn 'profetizar'
um ano novo de muitos revezes econômicos e muitas mazelas. Contudo, diz ele,
"aqueles que contribuírem para a obra de Deus serão poupados". O que 'contribuir'
significa, logo os fiéis descobrem - os envelopes de doação são distribuídos. Após os
receberem, os presentes são convocados a responder à seguinte pergunta: "Estão
prontos para dar à obra de Deus?". A maioria responde 'sim'. Uma vez coletadas as
doações, o pregador dá prosseguimento à cerimônia e convoca os pais de Ashnil a vir
ao palco. Lá,Benny Hinn impõe as mãos à criança e promete que Deus irá 'tocá-la'.
Neste momento, pede a todos que estendam sua mão em direção ao menino. Todos
vêem os pais vertendo lágrimas de êxtase. O que ninguém viu foi o que aconteceu a
seguir - a família retornou esperançosa para casa, após ter decidido doar 100 dólares
todos os meses e mais uma oferta especial de 2.000 dólares. Contudo, a infeliz criança
não melhorou. Os pais insistiam negando os fatos e reafirmando sua fé na ocorrência
de um milagre a qualquer momento, até que, finalmente, Ashnil sucumbiu, sete
semanas depois. Ao invés de carregar uma criança curada nos braços, seus pais
tiveram de carregar suas cinzas após uma cerimônia de cremação. O que teria havido?
Falta de fé?
O caso acima descrito não constitui um fato isolado. Na verdade, houve outras
vítimas. Uma mulher acometida de câncer nos pulmões foi declarada 'curada' naquela
mesma noite. Seus médicos, contudo, discordavam e, ao que tudo indica, com razão,
pois a paciente faleceu, pouco tempo depois. Um homem que sofria de uma
enfermidade grave em um dos membros inferiores passou a rejeitar o tratamento
após uma sessão de 'cura'. O resultado foi que seu quadro clínico agravou-se e uma
cirurgia urgente foi indicada por seus médicos. Teriam estas pessoas 'falhado na fé'?
Ora, elas estiveram entre os mais entusiasmados fiéis que foram ao palco dar
'testemunho' de sua cura. Quem as enganou - Deus, elas mesmas ou o curandeiro?
O colega de Benny Hinn - Reinhard Bonnke - não tem um currículo melhor. Em
uma de suas 'cruzadas' na África, quinze pessoas morreram esmagadas pela multidão
que tentava sair do lugar. Enquanto isso, ele movimentava-se freneticamente, de um
lado a outro do palco, gritando expressões como "Aleluia" e "Louvado seja o nome do
Senhor". Nos bastidores, um de seus ministros fazia uma triagem, elegendo os casos
que valiam a pena serem apresentados no palco. Não se registrou nenhum caso de
cura atestada por médicos. Na verdade, o único médico solicitado foi o legista.
Todavia, o pregador partiu para outra cruzada, levando consigo um número
indeterminado de contribuições financeiras.
Confrontado com o fato de os donativos provirem de pessoas humildes - algumas
em grave situação econômica - em nítido contraste com a prosperidade material dos
pregadores, Benny Hinn respondeu:
"Embora eu receba um bom salário e more com conforto, embora eu voe em um avião particular, quero
lhe explicar por que faço assim. Se eu não voasse em um avião particular, logo estaria esgotado. Então
é um benefício, vou durar mais tempo. Serei mais produtivo para o reino de Deus... Não vejo nenhum
problema no modo como angariamos os fundos. A maioria só doa porque acha que Deus os está
levando a doar, não porque alguém pediu."
É difícil levar a sério tal explicação. Além de fugir do cerne da questão, a saber, a
sobrecarga financeira sobre os ombros já combalidos de pessoas pobres que se
endividam para fazer doações, o pregador justifica sua vida nababesca como um
tributo adequado a um missionário. Se examinarmos o precedente de Jesus Cristo, o
contraste é gigantesco. No evangelho de Mateus, ele fala de si próprio, dizendo: "As
raposas têm covis e as aves do céu têm poleiros, mas o Filho do homem não tem
onde deitar a cabeça" (Mateus 8:20). Em seu sermão da montanha, incentiva os
ouvintes a não acumularem riquezas, exceto as espirituais (Mateus 6: 19,20). Se
houve um modelo deixado por Jesus Cristo, este certamente não é de prosperidade
material. Por outro lado, se olharmos para os apóstolos como Paulo e outros, todos
eles desprovidos de bens materiais, fica-se a imaginar de onde Benny Hinn extraiu
sua estranha justificação, senão de sua própria ganância. Quem induziu a platéia a
crer que fazendo doações obteria a graça curativa do Espírito Santo?
Consultado sobre o assunto, o rabino Harold S. Kushner declarou:
"Na verdade, espero que haja um lugar especial no inferno para as pessoas que tentam enriquecer
com o sofrimento alheio. Atormentar o cego, o aleijado, o agonizante, o aflito, dar esperanças aos pais
de uma criança severamente doente é de uma crueldade indescritível. Fazer isso em nome de Deus e
da religião é, para mim, algo imperdoável. Atormentar as pessoas com a promessa de cura, a qual é
biológica e cientificamente impossível é cruel e desnecessariamente cruel. Criar uma atmosfera de
apoio que diz que mesmo que uma parte de você não esteja bem, você ainda está aqui, é nosso irmão,
filho de Deus - esta é a resposta religiosa. O resto eu não sei o que é..."
As palavras do rabino parecem inteiramente arrazoadas. Afinal, que espécie de
sentimentos devem nutrir aqueles que, ouvindo todo o tempo que Deus cura os seus
filhos queridos, não são agraciados com a cura? Devem eles atribuir a culpa a si
mesmos? Devem duvidar de sua fé? Muito embora esta constitua, para os
curandeiros, uma esplêndida 'cláusula de fuga', à qual sempre recorrem perante os
casos em que a promessa de cura não se manifesta nem na aparência, o padrão
bíblico - que supostamente deveria servir de modelo - parece indicar outro
entendimento. A Bíblia não mostra um só relato em que Cristo ou seus discípulos
coletassem dinheiro antes de operar milagres. Ao contrário, a regra era: "de graça
recebeste, de graça dai... não adquirireis nem ouro, nem prata... para os bolsos de
vossos cintos" (Mateus10: 8). O apóstolo Paulo confirma este princípio, dizendo: "não
somos vendedores ambulantes da palavra de Deus..." (II Coríntios 2: 17). Tampouco
há relatos em que quaisquer destes personagens bíblicos, fracassando na tentativa de
cura, culpassem a pessoa por falta de fé. Por exemplo, o evangelho de Lucas, cap. 17
e versículos de 11 a 19, mostra dez leprosos dirigindo-se a Cristo em busca de um
milagre. Todos são curados. Todavia, apenas um deles - natural de Samaria - retorna
e dá glória a Deus. Os demais não aparecem sequer para agradecer pela bênção. É
digno de nota que o próprio Cristo não deixasse tal fato passar em branco,
censurando a atitude destes nove. Assim, pelo menos nesse momento, a fé professa
do candidato - embora enfatizada em diversas ocasiões - não foi um
fator limitante para o poder divino. Do contrário, estaríamos diante de uma estranha
associação entre fé e ingratidão. De fato, segundo os evangelhos, Jesus Cristo operou
milagres a despeito da incredulidade daqueles à volta. Os relatos da cura de um
paralítico (Mateus 9: 1-8) e da ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5:40 e Lucas
8:53) retratam-no realizando obras poderosas mesmo diante da descrença ou até
zombaria da maioria dos presentes. Por outro lado, os relatos de ressurreição podem
sugerir que era a fé de terceiros o fator na ocasião, já que o beneficiado - o morto -
não poderia demonstrá-la. Ademais, a tese da fé como condição essencial para a
realização do milagre - convenientemente defendida pelos curandeiros - desconsidera
a hipótese de Cristo enfatizá-la, não como fator limitante para uma cura, mas como
condição fundamental para algo maior - a salvação da pessoa. Assim sendo, não
deveria a fé firme de alguns agraciar a fé fraca de outros com o benefício da cura?
Com efeito, há relatos bíblicos de pessoas adquirindo fé após um milagre,
não antes dele, sendo o apóstolo Paulo um dos exemplos mais tocantes (leia-se o
relato de Atos, capítulo 9). Em vista disso, por que se dá que os curandeiros sempre
se desculpam de seu fracasso por atribuírem-no à fé fraca do fiel?

Os fiéis - abençoados ou vítimas?


O oportunismo religioso não é algo novo. Deveras, já no segundo século o
problema era sentido. Diz o historiador Paul Johnson:
"A natureza do cristianismo, transmitida rapidamente por evangelistas errantes, atraía charlatões.
Pagãos sofisticados zombavam dos cristãos por sua ingenuidade. O espirituoso satirista grego
Luciano... era particularmente crítico quanto aos cristãos porque 'extraem suas crenças da tradição e
não insistem em provas definitivas. Qualquer fraude profissional pode ser imposta a eles e ganhar
muito dinheiro com grande rapidez'... Era sempre difícil distinguir entre os verdadeiros inspirados, os
auto-iludidos e os meros criminosos." - História do Cristianismo, p. 64
Aparentemente, os 'meros criminosos' continuam entre nós. Talvez a regra de 'por
seus frutos os reconhecereis' (Mateus 7:20) continue válida, afinal, quando supostos
'milagreiros' não têm escrúpulos em fazer de seu ofício uma próspera carreira -
amealhando fortunas à custa de 'auto-iludidos' - é natural questionar, não apenas
suas intenções, mas também a fonte de seu aparente 'poder'. O que diz a ciência
sobre isso?
Algumas décadas atrás, um enigma intrigava um médico - ele não compreendia
como certo procedimento cirúrgico contribuía para uma melhora em um quadro
conhecido como 'angina do peito', no qual o paciente tem uma deficiência de irrigação
sanguínea no músculo cardíaco e, por isso, experimenta fortes dores torácicas ao
esforço físico. Desse modo, ele experimentou o seguinte teste: selecionou diversos
pacientes anginosos e informou-lhes que seriam submetidos àquele tipo de cirurgia,
podendo esperar a cura completa do mal. Os doentes foram, então, preparados e
levados ao centro cirúrgico. Foram anestesiados e tiveram o peito aberto e, em
seguida, fechado - apenas isso. Nenhum ato terapêutico foi realizado.
Surpreendentemente, diversos deles apresentaram uma sensível melhora - na mesma
proporção dos que tinham se submetido à cirurgia original. O resultado - abandonou-
se o antigo procedimento. O que estava ocorrendo, então? Resposta: uma
peculiaridade da mente humana, denominada 'efeito placebo'. Esta palavra de origem
grega quer dizer 'agradar' e representa, em linguajar científico, o poder da mente
sugestionada sobre o corpo. É algo bem conhecido pelos pesquisadores de novos
medicamentos. Ao se testar uma nova droga, os pacientes são separados em grupos e
a um destes grupos administra-se uma falsa droga, pois sabe-se que uma parcela das
pessoas manifestará o efeito placebo, sentindo um alívio dos sintomas ao receber um
falso medicamento. Se a proporção for igual nos dois grupos, então deduz-se que a
droga não é eficaz. Muito embora, seja um fenômeno facilmente perceptível, possui
limites. Ele não é capaz de restaurar membros perdidos ou de curar tumores. Todavia,
há um sintoma para o qual mostra grande eficácia - a dor, curiosamente a maior
parcela dos casos de 'cura' pela fé.
É cientificamente incorreto referir-se à dor como 'doença' - exceto por alguns
casos de dor crônica de origem neurológica, ela é uma reação normal do sistema
nervoso a algum tipo de injúria. Na verdade, trata-se de um dispositivo de proteção,
um alarme de defesa, alertando a pessoa para uma disfunção do organismo ou
evitando uma lesão maior. É a dor que impede, por exemplo, que uma pessoa com
uma fratura óssea continue a utilizar o membro afetado, agravando o problema. Da
mesma forma, a dor nos impede de colocarmos a mão em uma chama ou de
forçarmos um objeto cortante ou perfurante contra a pele. Sem ela - a dor - as
doenças seriam descobertas tardiamente, quando talvez já fosse tarde para tratá-las.
De fato, muitas pessoas doentes só procuram o médico quando acometidas desta
desagradável sensação. Assim sendo, é também incorreto falar em 'cura' da dor - ela
é um sintoma apenas, não a doença em si. A dor não é 'curada', mas suprimida - e de
três formas: pela reparação da injúria, pelo uso de medicamentos ou por uma ação do
próprio sistema nervoso. Sendo gerada pelo corpo, a dor pode ser modulada por
substâncias naturalmente produzidas nele mesmo - chamam-se 'endorfinas'. Elas têm
ação analgésica, aliviando a dor e fazendo o paciente pensar que a causa da mesma
foi sanada. Equívoco - apenas o efeito foi atenuado, o problema subjacente pode
persistir. A experiência demonstra que o cérebro sugestionado pode aumentar
grandemente a liberação destes agentes, suprimindo, às vezes por completo, a
sensação dolorosa - esta é, por assim dizer, a 'fisiologia da fé', um processo natural,
mistificado e explorado pelos curandeiros para a obtenção de lucro desonesto. A
propósito, é comum, em terminologia médica, falar do estágio 'subclínico' de uma
enfermidade, ou seja, aquele em que não se observam sintomas. Com efeito, a
cessação de um ou mais sintomas poderá conduzir a um agravamento da doença,
pelo simples fato de a pessoa, nestas circunstâncias, interromper o tratamento
médico. É o que tem acontecido a muitos doentes que buscam a 'terapia' de
curandeiros e é nisso que consiste o maior perigo da ação deles. É patético assistir, às
vezes, aos pacientes alardeando a cura de uma doença simplesmente porque não
sentem mais dor. Ora, isto nada prova. O exame posterior das lesões,
comprovadamente pré-existentes, por um profissional habilitado é o único instrumento
capaz de aferir a cura do mal.
Curiosamente, os evangelhos não registram nenhum caso em que Cristo tratasse
casos específicos de dor. Ao contrário, as doenças consistiam em moléstias
facilmente observáveis, algumas sendo deformadoras ou mutiladoras, como os casos
de paralisia congênita, lepra ou de pessoas com membros 'ressequidos' (João 5: 5-9;
Mateus 8: 2,3; João 5: 3). Por que se dá, então, que não se teve registro comprovado
até hoje, nas sessões de 'cura' pela fé, de coisas tais como a reabilitação de pacientes
tetraplégicos por fratura da medula, ou a restauração de um membro amputado, ou a
recuperação de membros deformados, por exemplo, pelo vírus da poliomielite? As
Escrituras também estão repletas de casos de ressurreição dos mortos, sendo que
Cristo, em Mateus, capítulo dez e versículo oito, convoca seus discípulos a fazerem o
mesmo. Conseguiram realizá-las os 'curandeiros da fé'? Ou estarão eles esbarrando
nos limites naturais do 'placebo'?
Para demonstrar o tremendo poder da auto-sugestão, um cientista realizou o
seguinte experimento: selecionou sessenta pacientes vítimas de dores crônicas e os
separou em dois grupos de trinta. Todos foram convidados a fazer oito sessões
semanais de 'terapia', relaxando em um divã, enquanto um curandeiro, sentado
dentro de um cubículo e protegido por um espelho, realizava um ritual de 'cura'
direcionado ao paciente. Um importante detalhe foi omitido dos voluntários - o
curandeiro estaria presente apenas para um grupo de trinta pessoas. Para as outras
trinta, nada havia ao lado delas, além de uma caixa vazia. Todavia, os resultados
foram impressionantes. Ambos os grupos relataram sentir fortes sensações durante o
experimento. Alguns disseram enxergar pontos luminosos. Nos dois grupos,
aproximadamente a mesma proporção de pacientes relatou sentir alívio das dores, ou
seja, com ou sem o curandeiro. A que conclusão isso deveria levar? É óbvio - a auto-
sugestão, não o curandeiro, foi responsável pela aparente cura dos sintomas.
Perguntado se as ocorrências em suas sessões de 'cura' não eram simplesmente o
efeito placebo, o curandeiro Benny Hinn admitiu que "em alguns casos, sim", sendo
que ele próprio se impressionava em ver uma pessoa deixar uma cadeira-de-rodas,
caminhar pelo palco e, mais tarde, retornar à cadeira. O que o pregador deixou de
mencionar foi o critério pelo qual distingue os casos verídicos dos falsos.
A mesma pergunta foi feita a Reinhard Bonnke e ele mostrou-se visivelmente
perturbado pela questão. Bastante hesitante em suas palavras, mostrou-se evasivo e
fugiu de uma resposta direta por dizer que não é psicólogo e deixa estas questões
'para outros'. Resumindo, o entrevistado, após titubear bastante, fez o que se chama
apelo à ignorância. Deste modo, ficou também patente seu desconhecimento
científico, bem como seu desinteresse por uma investigação racional do fenômeno. É
compreensível que tenha agido assim, pois tal investigação acarretaria o sério risco de
desmascarar uma impostura.
O professor Dr. Herbert Benson, da Escola de Medicina de Harvard, explica as
bases neurológicas do fenômeno:
"Nós humanos somos a espécie mais inteligente na terra e, por isso, controlamos e dominamos o
planeta. Mas essa inteligência tem seu lado negativo. Temos um conhecimento que outras espécies
não têm. Sabemos que somos mortais. Nós todos vamos morrer."
Tal explicação está de acordo com a teoria mencionada no início deste artigo, pela
qual o desenvolvimento do lobo cerebral frontal nos humanos foi compensado pelo
desenvolvimento do sistema límbico. Deste modo, nossa consciência do futuro é
contrabalançada pela nossa capacidade imaginativa, nosso senso de espiritualidade,
nossa noção do 'eu'. A não aceitação da fugacidade da vida reclamou de nossos
ancestrais uma resposta - esta viria na forma de uma crença. Após inúmeras
verificações, os seres humanos constataram que, com o tempo, nenhum vestígio dos
cadáveres restava, nada que se pudesse ver ou tocar, nenhum indício de uma
sobrevivência à morte. Viram-se, pois, obrigados a recorrer a algo que transcendesse
aos sentidos físicos. Nascia aí o conceito de um espírito (ou alma), capaz de deixar o
corpo e viver fora dele. Boa parte da arquitetura antiga baseia-se neste conceito - as
pirâmides egípcias, por exemplo. Contudo, as religiões oferecem hoje muito mais que
isso - elas prometem vitória sobre a decadência física já! O médico e cientista,
prof.Harold G. Koenig, explica:
"As crenças e práticas religiosas sempre foram relacionadas com saúde física e práticas de cura. Os
romanos, os gregos e certamente os chineses e as primeiras civilizações do Vale do Indo, há milhares
e milhares de anos, todas lidavam com saúde e cura em termos espirituais."
Os povos antigos não dispunham dos grandes meios de comunicação. Seus
curandeiros tinham fama em uma área restrita. Todavia, com o advento das
transmissões televisivas via satélite, os curandeiros da modernidade alcançaram um
poder sem precedentes na história. Adolf Hitler, em sua obra Mein Kampf [Minha
Luta], declarou:
"Sei muito bem que se conquistam adeptos menos pela palavra escrita do que pela palavra falada e
que, neste mundo, as grandes causas devem seu desenvolvimento, não aos grandes escritores, mas
aos grandes oradores." (negrito acrescentado)
O ditador nazista estava certo. Sua formidável percepção do comportamento das
massas fez dele um líder sem precedentes na história da Alemanha. Ainda hoje causa
forte impressão assistir a vídeos da época, com o führer discursando energicamente
diante de multidões hipnotizadas. Ele se inspirara, por anos, na figura de Benito
Mussolini (1883-1945), o ditador italiano. A enorme similaridade de talento,
metodologia e objetivos entre Hitler e o Duce - ambos, hábeis manipuladores de
massas - os fez assinar, em 1939, o Pacto de Ferro, criando o eixo fascista ítalo-
germânico. O resultado, a história conhece bem - o III Reich mergulhou o mundo no
mais sangrento conflito que a humanidade já conheceu, a II Guerra Mundial. Esse
fato específico, por si mesmo, revela o risco potencial representado por líderes
carismáticos, capazes de agir sobre suas audiências como manipuladores de
marionetes.

O poder dos gestos

O rabino Kushner demonstra estar bem ciente disso ao dizer:


"Uma das verdades que eles vislumbraram é que o ser humano é uma criatura social. Alguma coisa
física, química, nos acontece quando estamos em uma grande multidão. Não quero exagerar, mas
Hitler entendeu que podia dizer coisas a uma multidão de cem mil com mais efeito do que a uma
multidão de cem."
O Neurologista Marcel Kinsbourne completa:
"São os passos dos soldados marchando. Eles marcham em conjunto, fazendo a mesma coisa no
mesmo momento. O desfile, a aclamação do líder na enorme praça, fosse em Nuremberg ou na Praça
Vermelha, o envolvimento dos tambores, a cadência dos passos, do canto, da música, dos gestos de
saudação - todos estes elementos têm o efeito de submergir o indivíduo no grupo. São muitas pessoas
juntas, com um único propósito, desempenhando simples atos em cadeia. Eles são como um único
organismo. Os organizadores levam as pessoas a este clímax, para que façam algo que não fariam
individualmente. É como a investida na batalha, o risco de morte, o ferir o inimigo... ou levantar da
cadeira-de-rodas, se for o que Deus ordenou."
O homem que se tornou o 'braço direito' do führer, o jornalista Josef
Goebbels (1897-1945), também era um perito manipulador de multidões. Sua política
era a de que "uma mentira, repetida mil vezes, com convicção, torna-se
verdade". Hitler rapidamente reconheceu seu talento, nomeando-o Ministro da
Propaganda - uma escolha perfeita. Em uma ocasião, Goebbels proferiu um inflamado
discurso diante de uma audiência atenta, intitulado "Como se Leva um Povo a ter
Consciência". Logo ficaria evidente seu extraordinário poder sobre a massa.
Manuseando as palavras com a habilidade de um maestro, ele viu uma multidão,
enfeitiçada, seguir seus gestos, como músicos em uma orquestra. No decorrer de suas
falas, ele foi várias vezes, interrompido por aplausos entusiasmados e, ao final,
encheu a platéia de êxtase com a seguinte pergunta: "Vocês querem a guerra total?"
Um retumbante "sim!" ecoou pelas galerias. Se a multidão tinha ou não consciência de
que tal decisão significaria o aniquilamento de seus filhos e a destruição de suas
cidades é uma questão a ser discutida. O fato é que, ao deixar o púlpito, o orador
confidenciou a seus assessores: "Se eu lhes tivesse mandado saltar do topo de um
prédio, eles o teriam feito!" É bem provável que sim...

Mussolini e Goebbels - o controle das massas a serviço da ditadura


Observe o leitor as fotos acima e pergunte-se: que fenômeno estava em operação
ali? Haveria similaridades entre os eventos políticos de massa e os grandes
acontecimentos religiosos, nos quais as multidões são impelidas ao êxtase? Não
vemos o mesmo tipo de atmosfera nos estádios de futebol lotados, nos quais as
torcidas comportam-se como um organismo único? É um fato que os espetáculos de
cura são um fenômeno presente em diversas culturas, evocando-se uma infinidade de
deuses. Na Índia, por exemplo, milhares de pessoas reúnem-se em torno de uma
mulher que acreditam ser a reencarnação de uma deusa hindu. Atribui-se a ela toda
sorte de ato milagroso - desde a cura da lepra até uma ressurreição. Ainda hoje, em
diversas partes do mundo, as pessoas recorrem a feiticeiros chamados 'xamãs' em
busca de alívio para problemas de saúde. Muitos alegam obter alívio dos sintomas. Da
mesma forma, todos os anos, cerca de cinco milhões de pessoas peregrinam
até Lourdes, na França, em busca das graças de Nossa Senhora. Não são poucas as
que relatam tê-las alcançado. A igreja, até esta data, endossou oficialmente apenas 66
ocorrências, relutando em reconhecer inúmeras outras, da mesma forma que hesitou
em dar crédito, na época da suposta aparição, a uma pequena pastora - Bernadette
Soubirous (1844-1879) - que, aos catorze anos, alegava ter tido uma visão da santa. O
que muitos não sabem é que relatos de visões já faziam parte do folclore da França
por séculos e que o papa só endossou o caso de Lourdes após aquela nação se
declarar sem religião. Para repelir tal movimento, a igreja precisava do apoio de
camponeses - gente crédula, que cria piamente em relatos de pastoras. Em outras
palavras, o apelo ao fenômeno foi, na verdade, um episódio de casuísmo político.
Contudo, há, até esta data, incontáveis relatos de 'milagres' supostamente alcançados
por peregrinos devotos de Nossa Senhora. Neste caso, é razoável perguntar: diferem
estes fenômenos daquele encontrado entre os ramos pentecostais ou os 'curandeiros
da fé'? Afinal, quando o mesmo resultado é obtido deformas distintas,
alegando motivos distintos e evocando forças distintas, é de se supor que todos estes
eventos tenham um denominadorcomum. Não seria este ponto comum o efeito
placebo, ou seja, a melhora do paciente porque crê que vai melhorar?
Um xamã no México e os peregrinos de Lourdes, na França

O neurocientista Michael A. Persinger sintetiza a questão da seguinte maneira:


"Bons oradores, que manipulam a multidão para o bem ou para o mal têm características similares.
Portanto, o estímulo que eles emitem podem influenciar multidões de modos similares. Quando se
analisam pessoas como Bonnke, Hinn, Hitler, os desfiles em Nuremberg, vemos que é tudo parecido, e
deveria ser, pois são humanos influenciando outros humanos. O bem ou o mal dependem de um
julgamento de valores e de perspectiva histórica."
O bem ou o mal dependem também das intenções de quem faz uso de tais
habilidades. Em todo caso, o alvo de tais oradores é um só - a mente da assistência. É
significativo que o curandeiro Benny Hinn, pouco antes de suas sessões de 'cura',
dirija a seus ouvintes as seguintes palavras:
"Abra todas as suas defesas. Você não mais vai proteger nem suas emoções. Você se tornará
completamente aberto, porque a unção exige que cada parte de você esteja aberta. Nestes momentos,
você fica extremamente frágil e sensitivo."
Este apelo parece servir bem ao propósito de um hipnotizador. Tanto o discurso
quanto a expressão no olhar da multidão não deixam dúvida. Os eventos que se
seguem estão bem dentro do padrão esperado. O Dr. Persinger os descreve assim:
"Você começa com o tipo de pessoa que está sempre falando de dor e dificuldades. Geralmente está
um pouco deprimida. Acha que algo está faltando em sua vida.Coloque-a em grupos de milhares de
pessoas, onde se sinta pequena pelo tamanho do lugar, em uma catedral, uma montanha ou ao ar
livre. A proximidade de milhares de pessoas iguais a nós produz um tipo especial de estímulo
psicológico, uma sensação de unidade, de humanidade. É preciso que haja música, que sobe e desce
a cada quatro ou cinco segundos, para produzir um tipo de "onda de vivência", a qual aumenta o
estímulo e libera substâncias opióides, que aumentam a hipnose, a sugestão. Com o grupo neste
estado extático, de expectativa, aparece o orador, o evangelista, que irá coordenar as experiências
com a massa. Ele deve ser um tipo de maestro, para manter a orquestração cognitiva. É preciso que
haja movimentos gestuais, os quais permitem um senso de poder e controle. E, conforme a pessoa
começa a passar a mensagem, a fazer declarações cheias de emoção e imagens, estas imagens
ganham um enorme valor pessoal por causa das substâncias opióides e do estado de êxtase do grupo.
Então vemos as características da liberação de opióides - sorrisos suaves, como se estivessem meio
bêbados, é a sensação de unidade com o resto do grupo... a depressão acaba... eles se sentem
revigorados e têm vontade de chorar... as pessoas vão se movimentar para manter a experiência, a
qual ocorre por leves alterações elétricas no cérebro. Estas alterações, com o efeito analgésico e a
euforia, também liberam componentes que produzem supressão. Assim, quem tem uma inflamação
como a artrite sentirá menos sintomas. Quanto ao poder de cura, o curandeiro carismático é apenas o
catalisador que desencadeia o processo na pessoa. A alteração vem do cérebro e das expectativas da
pessoa, das alterações químicas e da eletricidade cerebral, as quais geram alterações em seus
próprios corpos."
As substâncias 'opióides' a que o neurocientista se refere são naturalmente
produzidas no cérebro de qualquer pessoa e conferem ao indivíduo sensações de bem
estar e alívio da dor. Ainda há pouco, tratamos de uma delas - as 'endorfinas'. Em
doses maiores, alguns de tais agentes podem gerar alucinações. Seus efeitos podem
ser imitados pela morfina, droga bastante usada em hospitais, no atendimento a
pacientes com dores fortes. Além deles, os viciados em heroína experimentam tais
sensações em um grau muito elevado. A experiência com estes pacientes e o estudo
dos sintomas levaram a medicina a ter uma melhor compreensão do fenômeno de
sugestão e hipnose. De fato, pessoas hipnotizadas podem ter a sensação de dor
suprimida. Um profissional certa vez chocou seu público em um espetáculo de TV, no
qual um paciente sob hipnose teve agulhas espetadas em seu corpo sem, no entanto,
referir qualquer dor. Na ocasião, o hipnotizador não evocou poderes sobrenaturais ou
a intervenção de espíritos, mas disse tratar-se simplesmente de uma habilidade da
mente humana. Diante destes eventos, não é de surpreender que um paciente de
'cura espiritual' sinta alívio dos sintomas de patologias como artrite, enxaqueca,
cálculo renal e assim por diante. A ciência já aprendeu a não subestimar o poder da
mente sugestionada sobre a fisiologia do corpo. Infelizmente, muitos fazem disso um
meio para enriquecimento ilícito.
O narrador do documentário conclui o estudo com as perturbadoras palavras:
"O que eu questiono é o uso destes poderes por curandeiros religiosos que aparecem na cidade por
um dia ou dois, prometem milagres que são biológica e cientificamente impossíveis, coletam dinheiro e
vão embora. A maior injustiça aqui é a mensagem, recebida por pessoas em momento de desespero,
de que, se tiverem muita fé e derem bastante dinheiro, Deus irá restaurar o braço que não têm, curar
ossos fraturados e acabar com tumores cancerígenos. Enquanto Deus não cumpre a promessa, vemos
que os doentes e seus entes queridos culpam a si mesmos ou negam o fracasso, porque a
necessidade de crer que estão em paz com Deus, que ele realmente recompensou sua fé com um
milagre é tão grande que alguns recusam ajuda médica, mesmo quando sua condição piora... às vezes
até à morte."
É provável que os curandeiros continuem entre nós, pois eles estiveram presentes
em todas as culturas. Contudo, é preciso que saibamos distinguir entre a figura um
pajé - personagem tradicional de certas tribos - e o mero estelionatário urbano.
Lamentavelmente, é também provável que muitos do segundo tipo se locupletem às
custas de vítimas crédulas. Todavia, o acesso da população à informação e uma maior
vigilância das autoridades seriam medidas oportunas no sentido de coibir este tipo
nefasto de indústria.

Cultos - a Morte Ronda a Fé


Início
A palavra 'culto' tem interpretação subjetiva, dando margem, às vezes, a
polêmicas. Para efeito deste estudo, consideraremos como culto todo movimento
religioso de caráter fundamentalista - geralmente minoritário - cujas crenças difiram
substancialmente da ortodoxia e cuja ideologia apresente riscos à integridade física,
mental, social ou patrimonial do indivíduo. Todavia, tal definição não exclui a
possibilidade de que mesmo as denominações religiosas tradicionais apresentem,
ocasionalmente, ameaças ao tecido sócio-familiar, até porque tais movimentos estão
sujeitos à formação de alas fundamentalistas.
Os cultos podem diferir quanto ao objeto de devoção, mas todos eles guardam,
por assim dizer, 'sinais' identificadores quanto à sua natureza. Sua ideologia repousa
sobre quatro 'pilastras', a saber:
1) Louvor a personalidades: todos os cultos operam na forma de pirâmide
hierárquica, com acentuado destaque à figura no topo - normalmente o fundador do
movimento. O cristianismo, como qualquer outro movimento religioso, repousa sobre
suas alegações históricas. Sem elas, fica sem passado e sem significado. Os cultos
também precisam de passado. Como eles não têm histórico que remonte aos
primeiros séculos do cristianismo - o que talvez lhes desse crédito pela tradição -
precisam manter viva a memória do líder, bem como todas suas supostas realizações,
de modo a manterem uma noção de identidade. Poderíamos citar a Igreja da
Unificação, centralizada na pessoa do 'Reverendo' Moon, o Adventismo do Sétimo Dia,
centralizado na pessoa de sua 'profetisa', Ellen G. White, o Mormonismo, centralizado
na pessoa de Joseph Smith e as Testemunhas de Jeová, centralizadas na pessoa
de Charles T. Russell.

Sun M. Moon Ellen White Joseph Smith Charles Russell


(1920- ) (1827-1915) (1805-1844) (1852-1916)

2) Existência de um 'texto-guia': todo movimento religioso provém de uma


corrente interpretativa de um texto 'sagrado', seja o Alcorão ou a Bíblia. Como tais
textos estão sujeitos - eles próprios - a múltiplas interpretações, os cultos carecem,
digamos assim, de um 'reforço' ideológico que ajude a legitimar sua autoridade.
Normalmente, tal lacuna é preenchida pelos próprios fundadores - eles emprestam
parte de sua 'respeitabilidade' ao movimento por meio de compêndios escritos durante
seu 'ministério'. Não raramente, o autor se diz "inspirado" por Deus. Assim, sua obra
passa a servir de referência aos adeptos, tendo, em alguns casos, a mesma
autoridade do manuscrito 'sagrado' em que supostamente se baseia. Podemos citar,
como exemplo, o "Livro de Mórmon" (a 'revelação' de Deus a Joseph Smith), texto-
guia da Igreja dos Santos dos Últimos Dias, os escritos de Ellen White (também
chamados de "luz menor"), texto-guia dos Adventistas do Sétimo Dia e "Estudos das
Escrituras", obra da autoria de Charles Russell, a qual serviu de guia para as
Testemunhas de Jeová nas primeiras décadas de seu movimento. Apesar de se
encontrar totalmente obsoleta, um artigo na principal publicação da entidade
apresentava "Estudos das Escrituras" como um guia mais seguro do que a própria
Bíblia (A Sentinela de 1/12/ 1916).
3) Fundamentalismo: todos os cultos apresentam-se como o "único caminho para a
salvação". Segundo sua ideologia, todas as outras entidades estão "corrompidas" e em
"trevas espirituais". Em face de tal visão preconceituosa, os cultos são profundamente
intolerantes para com outras denominações religiosas. É notável a fúria com que
atacam outras igrejas pelo seu histórico e por suas crenças. Estão sempre prontos a
apontar falhas morais de outras organizações, ao passo que omitem ou minimizam as
suas próprias. Como exemplo, podemos citar as inflamadas obras do líder da Igreja
Universal, Edir Macedo, atacando as religiões afro-brasileiras. Um de seus "bispos"
chegou a chutar um símbolo da devoção católica em rede nacional de TV, chocando a
população e trazendo péssima repercussão junto à opinião pública. As Testemunhas
de Jeová também são profundamente intolerantes, classificando todas as outras
religiões como a prostituta "Babilônia", mencionada em Apocalipse, cap. 17 (A
Sentinela de1/12/1991, pág. 13).
4) Abuso de Poder: os cultos são, normalmente, movimentos minoritários. Precisam,
pois, de um número significativo de 'contribuintes' para subsistir. Aí está, em parte, a
raiz de sua intolerância - se fossem complacentes para com seus adeptos, permitindo-
lhes freqüentar outras denominações e contribuir para elas, perderiam sua fonte de
sustento. Conseqüentemente, precisam manter seus membros sob 'rédeas curtas'.
Este objetivo é alcançado por meio de um sentimento natural aos seres humanos -
o medo. Terríveis acontecimentos aguardam o fiel, caso ele deixe o grupo. Uma vez
tenha sido suficientemente intimidado por esta idéia, o culto conseguirá arrancar dele
qualquer coisa. Não é incomum a prática de extorsão de dinheiro ou bens por parte
dos dirigentes de culto. De uma forma ou de outra, o rebanho é 'tosquiado' ao invés
de 'apascentado'. Alguns grupos são sutis na forma de angariar fundos. À guisa
de exemplo, a Sociedade Torre de Vigia, representante das Testemunhas de Jeová,
não exige 'dízimo' de seus adeptos, mas todos eles são obrigados a participar na
venda de literatura de porta em porta - atualmente, a principal fonte de receita da
instituição. Além disso, todos são incentivados a tornarem-se missionários ou
servidores na sede da organização, trabalho pelo qual não recebem salário, apenas
uma 'mesada' mensal, insuficiente para o sustento de uma família - e nem família
poderia haver, já que, nestas circunstâncias, os casais não podem ter filhos, sob pena
de terem de deixar o serviço. Por outro lado, as seitas neo-pentecostais não são tão
dissimuladas - fazem estridentes apelos por dinheiro, enfatizando o 'dízimo' como pré-
requisito para as bênçãos divinas. Todavia, o abuso de poder dos cultos não se
restringe aos encargos financeiros dos adeptos, mas abrange cada aspecto da vida da
pessoa - suas companhias, sua vestimenta ou corte de cabelo, bem como sua visão do
mundo.
O fenômeno dos cultos não é algo novo. Na verdade, o próprio cristianismo foi
considerado pelos romanos do primeiro século como um culto. Posteriormente,
a recém estabelecida Igreja Romana via ela mesma com grande preocupação a
difusão de certos movimentos ditos 'cristãos' pelo império - um destes, o gnosticismo,
chamava especialmente a sua atenção. Sobre isso, o historiador Paul
Johnsoncomenta:
"Por mais inconvenientes que pudessem ser os extáticos e 'falantes de línguas' individuais, sempre
havia o perigo mais grave de que caíssem sob os encantos de algum excepcional carismático e profeta
que constituiria uma contra-Igreja. Assim como as diversas modalidades de gnosticismo punham a
personalidade da Igreja em risco de ser capturada e absorvida em uma bagunça desintegradora de
cultos sub-helênicos, da mesma forma que os carismáticos poderiam submergir a voz unitária da Igreja
sob uma babel de 'profecias'." - História do Cristianismo, p. 64
Nascido da fusão de filosofias esotéricas com idéias cristãs, o gnosticismo (do
grego gnosis, "conhecimento") tinha por premissa básica a posse de conhecimentos
secretos, místicos, os quais permitiriam a elevação espiritual ao mais alto nível. Os
cultos em geral têm em comum com o gnosticismo esta mesma idéia - a revelação de
conhecimentos especiais, normalmente a um líder ou grupo de líderes, os quais,
dotados de carisma e oratória eloqüente, passam a exercer controle mental sobre
seus seguidores. Aí começa o problema - uma vez o adepto esteja convencido de que
pertence a um grupo especial, portador de uma 'luz' especial, em oposição a todos os
demais, os quais se encontram em 'trevas' espirituais, ele perderá seu próprio senso
crítico. Enxergará o mundo sob uma ótica maniqueísta - os 'fiéis' versus os 'infiéis'.
Suas idéias serão as idéias da figura carismática que dirige o culto. Doravante, ele
resistirá a todas as tentativas de fazê-lo examinar os aspectos negativos da crença.
Sua vida girará em torno dela, assim como suas relações com aqueles à sua volta,
inclusive os familiares. Carreiras promissoras, novas amizades ou até mesmo a
saudável convivência com os parentes serão negligenciados ou abandonados em troca
de uma dedicação de corpo e alma ao culto. Seu tempo estará preenchido, seus
valores, redefinidos, sua mente, inacessível. Até as necessidades materiais da pessoa
ou de sua família serão negligenciadas - seu dinheiro destina-se prioritariamente à
igreja. Aos poucos, o adepto torna-se como uma espécie de autômato ou 'robô',
submisso às idéias emanadas do grupo. Neste estado semelhante a transe hipnótico,
ele poderá se converter, como diz o cientista Richard Dawkins, em um "míssil
desgovernado da religião". Muitos destes 'mísseis' já atingiram em cheio a história da
humanidade, desde épocas remotas. Examinemos alguns episódios históricos...
No decorrer do dramático século XIV o flagelo da 'peste negra' dizimou mais de um
terço da população da Europa. No turbilhão da praga, um estranho culto ajudou a
aumentar os números. Seus adeptos chamavam-se 'Flagelantes' e peregrinavam pelos
lugarejos onde a doença se espalhava. Em cada vila ou cidade, realizavam um
macabro ritual, no qual alguns membros tinham o corpo dilacerado por chicotadas -
um ritual de expiação, o qual supostamente aplacaria a ira de Deus. As feridas abertas
aparentemente só facilitaram a disseminação da doença. Como se isto não bastasse,
muitas pessoas foram executadas em praça pública - resultado direto do fanatismo e
da intolerância dos Flagelantes.

Flagelantes (1348) - epidemia e fanatismo

Seiscentos anos de avanço do conhecimento científico não fizeram do século XX


uma época mais afortunada no que diz respeito ao morticínio relacionado a cultos. A
seguir, apresentamos um retrospecto dos mais lamentáveis episódios que mancharam
o altar de sangue humano neste século:
Agosto de 1969 - A bela atriz Sharon Tate - esposa do diretor cinematográfico Roman Polanski e
grávida de 8 meses - foi raptada em sua casa, torturada e executada a punhaladas em um macabro
ritual. Alguns amigos do casal, presentes na residência, também foram mortos. Seus assassinos eram
seguidores de um demente chamado Charles Manson. Oriundo de uma família esfacelada, passou sua
adolescência cometendo pequenos delitos e entrando e saindo de reformatórios. A partir de 1967,
sentiu-se atraído pelo estilo de vida hippie e reuniu um bando de drogados como discípulos, em sua
maioria mulheres. Ele pregava uma espécie de 'Armagedom racial', no qual pessoas da raça negra
assassinariam brancos. Todavia, não sendo capazes de sustentar a civilização, os negros seriam
sobrepujados pelos membros do culto "Família Manson", os quais assumiriam o controle do mundo. Os
motivos do massacre não ficaram muito claros. Alguns especialistas afirmam que Manson criou, na
verdade, um culto de adoradores de 'Lúcifer'. Em face da fama do casal vitimado, o crime alcançou
larga repercussão pelo mundo inteiro.
Manson, o
...seus seguidores, ...e a vítima.
líder...

Novembro de 1978 - Em Jonestown, Guiana Inglesa, cerca de 900 adeptos do culto "O Templo
do Povo", sob as ordens de seu líder, Jim Jones, cometem suicídio bebendo uma mistura de cianureto e
tranqüilizantes. Os pais, antes de se matarem, envenenam as crianças lançando a mistura em suas
bocas por meio de seringas. Os adeptos que se recusavam a beber eram baleados. Ao final, o
próprio Jones também se matou, com um tiro na cabeça. A comunidade estava sob investigação das
autoridades por violações dos direitos humanos e seus membros assassinaram representantes do
congresso norte-americano, que haviam sido enviados ao local para averiguação. Jones havia emigrado
dos EUA com seu grupo - sob uma onda de denúncias - e gozava de prestígio divino entre seus
seguidores, chegando a ter como concubinas as esposas dos fiéis. Na verdade, ele se considerava a
reencarnação de Jesus Cristo e tinha visões de um apocalipse nuclear.

Jones, o líder... ...e as vítimas.

Fevereiro de 1993 - Após 51 dias de cerco policial, uma brigada das forças especiais dos EUA
tenta invadir o quartel general do culto "Ramo dos Davidianos". Seus membros estavam entrincheirados
e fortemente armados, já tendo abatido a bala quatro agentes federais americanos e ferido outros
dezesseis. O resultado foi um terrível incêndio que liquidou a maioria dos fiéis. O culto originou-se de
um grupo dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia e passou a estar, a partir dos anos 80, sob a
liderança de Vernon Howell, um convertido que adotou o nome de David Koresh, numa alusão ao rei
israelita Davi e ao monarca persa Ciro. Ele se considerava um messias retornado e pregava a vinda de
eventos apocalípticos sobre sua comunidade, após os quais o antigo reino israelita seria restabelecido
na terra. Assim, restaurou o antigo costume da poligamia, tomando por concubinas diversas
seguidoras. Após denúncias de abusos físicos e porte ilegal de armas, o governo decidiu intervir,
cumprindo a 'profecia' de Koresh, com conseqüências catastróficas. O líder do culto morreu com um tiro
na cabeça. A contagem final foi de 85 mortos.

Koresh, o líder... ...e o desfecho.


Outubro de 1994 - 53 adeptos do culto "Ordem do Templo Solar" cometem suicídio
simultaneamente em diversos pontos da Suíça e do Canadá. Outros 18 membros também encontrariam
a morte. Algumas vítimas eram crianças e foram mortas de três maneiras: baleadas, sufocadas ou
envenenadas. O líder do grupo, um médico homeopata chamado Luc Jouret, estava entre os mortos.
Estranhamente, a maioria dos seguidores de Jouret tinha elevado nível cultural. O culto aparentemente
havia herdado sua liturgia da antiga Ordem dos Cavaleiros Templários, da Idade Média. Como se tornou
uma seita suicida, ainda é assunto de discussão. Uma carta redigida pelo líder declara que os fiéis
estavam "deixando a terra para encontrar uma nova dimensão de verdade e absolvição, longe das
hipocrisias deste mundo".

Jouret - estranha combinação de intelectualidade e fanatismo.

Março de 1995 - 12 pessoas morrem e outras 5 mil são hospitalizadas como resultado de um
ataque de gás "sarin" em uma estação do metrô de Tóquio - Japão. Os responsáveis pelo atentado
foram os membros do culto "Verdade Suprema", fundado por Shoko Asahara, um fanático que se
considera a reencarnação de Buda. Mantendo controle mental absoluto sobre seus seguidores, ele havia
reunido um arsenal em armas de fogo e materiais para guerra química. Seu objetivo - 'agilizar' o
apocalipse. Seu grupo foi acusado de realizar também seqüestros e assassinatos de dissidentes e
advogados de ex-membros. Supõe-se que seguidores da "Verdade Suprema" estejam por trás de outro
ataque com gás similar ao de Tóquio, ocorrido na cidade de Matsumoto, em 1994, do qual resultaram 7
mortos e 144 feridos.Asahara criou uma seita milionária, com patrimônio estimado em até 1 bilhão de
dólares. Seus seguidores chegam a 10 mil no Japão e uns 40 mil em outros países. Enquanto o
anunciado 'fim do mundo' não chega, o líder do culto aguardará por ele na cadeia, onde se encontra
até este dia.

Asahara - 'apressando' o 'fim do mundo'.

Março de 1997 - 39 membros do culto "Portal do Paraíso" - uma seita ufológica - decidem se
"livrar de seus corpos" cometendo suicídio coletivo. Seu objetivo era o de libertar seus espíritos para
que embarcassem em uma espaçonave na cauda do cometa Hale-Bopp, numa jornada em direção ao
paraíso. As vítimas tinham entre 26 e 72 anos de idade. Elas ingeriram uma associação de vodka e
barbitúricos, após o que deitaram-se tranqüilamente em suas camas, à espera da morte. Para apressá-
la, uns dos membros foi designado para sufocar as vítimas. Os corpos foram encontrados em uma
mansão no rancho Santa Fé, ao norte de San Diego - California. O ambiente estava limpo e arrumado e
os mortos, portando identificação. Um manuscrito da seita declara : "Alegramo-nos de que nosso
Membro Ancião no Nível Evolucionário deixou claro para nós que a aproximação do Hale-Bopp é o 'sinal'
pelo qual estávamos esperando... Nossos 22 anos de aprendizado aqui no planeta terra estão
finalmente chegando à sua 'graduação' final do Nível Evolucionário Humano. Estamos alegremente
preparados para deixar 'este mundo'..." O 'membro ancião' a que o documento se refere corresponde
ao fundador do culto, Marshall Applewhite, um professor de música que vivia atormentado por sua
homossexualidade. Em razão disso, chegou a submeter-se a uma castração cirúrgica. Sua
personalidade apresentava traços claros de esquizofrenia. Ainda assim, conseguiu arrebanhar discípulos
que também se submeteram à castração, antes de o seguiram felizes, na morte.

Applewhite, o líder... ...e uma de suas vítimas.

Março de 2000 - Em uma inesquecível manhã de terror, cerca de 500 corpos calcinados foram
retirados dos escombros de uma igreja incendiada em Uganda, África - ao que tudo indica, um suicídio
em massa dos membros do culto "Restauração dos Dez Mandamentos". Eles foram trancados no
templo e tiveram seus corpos banhados em óleo inflamável, antes de se atearem as chamas. Policiais
que foram ao local afirmaram que a maior parte das vítimas estava irreconhecível. O fundador da
seita, Josef Kibwetere, é o principal suspeito de ter planejado o morticínio. O movimento havia se
iniciado por volta de 1980 e seus adeptos o consideravam uma espécie de "arca de Noé", que os
protegeria do apocalipse, previsto para o ano 2000. Aparentemente, os fiéis decidiram antecipá-lo.
Ainda não se sabe se o fundador do culto e seus colaboradores estavam entre os mortos ou se fugiram,
levando os bens dos adeptos. Moradores próximos da área da tragédia descreviam os membros do
culto como sendo pacíficos e educados e as autoridades os consideravam inofensivos. Infelizmente,
estavam enganados...

Kibwetere, o líder... ...e as vítimas.

Os episódios acima foram selecionados por sua maior divulgação junto às grandes
redes de comunicação. Inúmeros outros massacres - não tão noticiados - aconteceram
em diversos países. Na verdade, entre os anos de 1969 e 2000, foram registrados no
mundo cerca de 40 casos de homicídios ou suicídios relacionados a cultos, com um
total de mais de 2300 mortos. Isto representa uma média de mais de um caso por
ano - com 75 vítimas, cada! Um agravante: este pesado tributo do fanatismo
religioso considera apenasos grupos menores. A maioria das pessoas nem saberia da
existência deles se não fosse pela carnificina que promovem de tempos em tempos.
Há desde seitas da "Nova Era" a cultos satânicos, provenientes de lugares tão
distantes geográfica e culturalmente entre si quanto o Japão e o Congo. Estamos
diante de uma onda de misticismo que não parece respeitar barreiras culturais,
tecnológicas ou econômicas.
Jihad - "Deus Está do Nosso Lado"
No tempo de Jesus Cristo um movimento religioso radical recrudescia na judéia -
o zelotismo. Criado por judeus contrários à tributação a Roma, tinha também caráter
político. O nacionalismo exacerbado de alguns de seus adeptos tornou os atentados
individuais uma ocorrência comum, já no primeiro século. Era a sangrenta reação
judaica à invasão romana. É uma amarga ironia que hoje o povo judeu sofra, ele
próprio, atentados por parte de grupos radicais oriundos de um povo que também se
considera invadido em seu território - os palestinos. Alguns supõem tratar-se de uma
mera disputa de terra, como os movimentos pela reforma agrária. É um equívoco - o
que ocorre ali é, antes de tudo, o choque entre dois sistemas religiosos imiscíveis
entre si: judaísmo e islamismo. Curiosamente, ambos os lados alegam direito divino à
terra que disputam. Em 1987, os palestinos repetiram o gesto dos antigos zelotes,
insurgindo-se contra Israel, por meio de passeatas e atentados - um movimento que
ficou conhecido como Intifada. Desde então, deflagrou-se um ciclo perene de
hostilidades. Turbas enfurecidas são dispersadas a bala pelas forças israelenses, com
diversas baixas de ambos os lados. Todos os dias, os noticiários exibem os terríveis
efeitos deste antigo instrumento do radicalismo político-religioso, o atentado terrorista.
Para agravar ainda mais a situação, o povo muçulmano tem sido convocado por seus
líderes a uma 'guerra santa' - ou jihad - contra o ocidente.

Intifada - 'guerra santa' contra os 'infiéis'


A maioria das pessoas julgaria que foi a cultura islâmica a criadora da jihad . Muito
embora o termo seja árabe, o conceito de guerra santa já existia bem antes do
nascimento de Maomé. Um texto antigo diz:
"Proclamai isto entre as nações: 'Santificai a guerra! Despertai os poderosos! Aproximem-se eles!
Subam todos os homens de guerra! Forjai espadas de vossas relhas de arado e lanças de vossas
podadeiras. Quanto ao fraco, diga: 'Sou homem poderoso'. Acudi e vinde, todas as nações ao redor, e
reuni-vos.' "
Reconhece o leitor as palavras acima? Não provêm do Alcorão. Trata-se de um
trecho do profeta Joel - cap. 3 e versículos de 9 a 11 - escrito mais de quatrocentos
anos antes de Jesus Cristo. Muito embora dirigida a todas as nações, tal conclamação
parece estar bem mais de acordo com o que a própria nação israelita já vinha
praticando por séculos. Senão, vejamos:
"Ponde cada um de vós a sua espada ao seu lado. Percorrei o acampamento e voltai, de portão a
portão, e matai cada um o seu irmão, a cada um o seu próximo, e cada um o seu conhecido íntimo."
- Êxodo 32: 27 (negrito acrescentado)
"Quando Síon nos saiu ao encontro, ele e todo o seu povo... então Yaweh, nosso Deus, no-lo entregou,
de modo que derrotamos tanto a ele como os seus filhos, e todo o seu povo. E naquele tempo
específico fomos capturar todas as suas cidades e devotar cada cidade à destruição, homens e
mulheres e criancinhas. Não deixamos sobreviventes... É somente das cidades destes povos que
Yaweh, teu Deus, te dá por herança, que não deves preservar viva nenhuma coisa que respira,
porque deves impreterivelmente devotá-los à destruição: os hititas e os amorreus, os cananeus e os
perizeus, os heveus e os jebuseus, assim como te mandou Yaweh." - Deuteronômio 2: 33,34; 20; 16,17
(negrito acrescentado)
"... Não deixeis o vosso olho ter dó e não tenhais compaixão. Deveis matar o idoso, o jovem, e a
virgem, e a criancinha, e as mulheres - para a ruína..." - Ezequiel 9: 5,6 (negrito acrescentado)
Textos como estes têm suscitado acalorados debates entre teólogos, afinal
parecem estar em franca contradição com a doutrina cristã do 'Deus de amor'. Seja
como for, não foram poucos na História aqueles dispostos a manifestar um espírito
beligerante como o descrito acima, em nome da fé. As Escrituras Hebraicas mostram
que povo israelita foi pioneiro no ato de invadir e saquear terras estrangeiras em
nome de um deus, na busca de uma terra 'prometida'. Todavia, não seria o único...
Por volta do oitavo século, os muçulmanos haviam conquistado, também pela
guerra, o norte da África, regiões do mediterrâneo e a maior parte da Espanha.
Instalaram bases na Itália e cercaram a capital do império Bizantino, Constantinopla.
O interesse na rota comercial do mediterrâneo e na cidade sagrada de Jerusalém
suscitou, no século onze, mais uma guerra 'santa' - a primeira cruzada. O Papa
Urbano II convocou, em 1095, os cristãos a uma campanha militar contra os 'pagãos',
seguidores de Maomé. O morticínio seguiu-se até o século quinze, com a ocorrência
de, não uma, mas sete cruzadas!

1099 AD - Jerusalém é tomada em nome de Deus


O retrospecto histórico é claro no sentido de que tanto judeus, cristãos quanto
muçulmanos legitimaram a guerra religiosa. Paradoxalmente, o fato de manifestarem
uma inabalável fé em um Deus de misericórdia não conferia aos soldados um espírito
de compaixão. Ao contrário, só os tornava mais sórdidos, impiedosos e sanguinários,
pois sua visão preconceituosa os induzia a ver os membros de outra cultura religiosa
como animais para abate. Não é diferente na atualidade.
Hoje em dia, há verdadeiras escolas de assassinos espalhadas por diversos países
do oriente, doutrinando-os e armando-os para fazer aquilo que julgam ser a vontade
de Deus. Aos soldados suicidas, os instrutores do Alcorão prometem a bem-
aventurança no seio de Alah como recompensa pelos seus atos, da mesma forma que
a Igreja Romana prometia o Reino dos Céus aos seus cruzados, na Idade Média, ou o
império japonês prometia a glória aos pilotos kamikaze, os quais cometiam suicídio,
lançando suas aeronaves contra os vasos de guerra aliados, durante a II Guerra
Mundial. Alguns dos melhores alunos deste tipo de instituição deram, no dia 11 de
setembro de 2001, uma demonstração de que aprenderam bem a lição. Trata-se do
mundialmente divulgado ataque aos Estados Unidos da América.

O mestre,... ...os alunos,... ...e a lição

Entre os pertences de um dos dezenove terroristas, discípulos do milionário


saudita Osama bin Laden, os quais praticaram o maior atentado da história,
desde Pearl Harbour, foi encontrado um manuscrito com a terrível declaração:
"Todos odeiam a morte, temem a morte. Mas só aqueles, os crentes que sabem que há
vida após a morte e a recompensa da vida após a morte, serão os que buscarão a morte."
Perceba o leitor a visão maniqueísta típica dos fundamentalistas - os 'crentes'
versus os 'descrentes'. Afirmar que os terroristas simplesmente eram pessoas más
seria uma super-simplificação do problema. Eles certamente nasceram como qualquer
criança em outras partes do mundo. Todavia, o sistema que os moldou deixou-lhes
como herança cultural o fundamentalismo político e religioso. Na infância, ao invés de
brinquedos, recebiam fuzis. O ódio à cultura ocidental foi sua lição de cada dia, por
toda a vida. Tal doutrinação produz seus frutos. Deveras, a mente humana é uma
frágil peça de maquinaria. Quando se usa o método psicológico adequado, até o
indivíduo mais pacífico pode se tornar agressivo.

Entendendo o Controle Mental dos Cultos


Os episódios estarrecedores descritos neste estudo não apenas chocaram o
mundo, como representaram um convite a sociólogos, psiquiatras, psicólogos e outros
peritos a uma investigação cabal do fenômeno, o qual não está restrito ao campo
religioso. Deveras, o controle mental é uma eficiente ferramenta para uso militar e
político.
A ciência do comportamento foi impulsionada, no início do século XX, pelos
trabalhos do fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936). Ele percebeu que animais
podiam ser condicionados para dar respostas específicas a estímulos repetitivos. Ele
submeteu cães ao seguinte experimento: ofereceu-lhes comida ao mesmo tempo em
que se emitia um som. Diante do alimento, o animal salivava. Após repetir inúmeras
vezes a experiência, introduziu-se uma mudança - apenas o som era oferecido ao cão
e, ainda assim, ele salivava. Isso passou a se chamar "reflexo condicionado". O animal
aprendeu a associar dois eventos, respondendo a apenas um deles, isoladamente. Em
outro experimento, Pavlov empregou o mesmo princípio, fazendo os cães salivarem
vendo a imagem de um círculo. Gradualmente, o cientista alterou a forma do círculo,
até não mais ser reconhecido pelos animais. Neste ponto, eles se tornaram agitados e
não mais salivaram. Este evento foi denominado "neurose experimentalmente
induzida". O pioneirismo de Pavlov induziu outros cientistas a iniciarem, anos mais
tarde, experiências com humanos. Estes estudos demonstraram que
estes também podiam ser condicionados por estímulos externos. Na verdade, o
homem pode reagir de forma bem mais complexa do que os animais, por sua noção
de valores. Imagens, sons e, acima de tudo, informação não são meros estímulos aos
sentidos, mas adquirem caráter simbólico diante das pessoas, afetando sua conduta.
Assim, começava-se a elucidar o mecanismo de controle mental e modificação de
comportamento.
Além dos cientistas, escritores e cineastas deram destaque aos sistemas
controladores em suas obras, entre eles, George Orwell(1903-1950) e Stanley
Kubrick (1928-1999). O primeiro é autor da famosa obra "1984", na qual retrata uma
época em que o estado vigia e controla todos os seus cidadãos, monitorando, não só
os atos, mas também os pensamentos; o segundo, dirigiu o filme "Nascido para
Matar" (1987), no qual expõe o cruel e autoritário sistema de formação de soldados
do exército norte-americano, durante a guerra do Vietnã, na década de 60 - uma
máquina de transformar cidadãos comuns em monstros sanguinários, obcecados pelo
poder de matar. A trilha mostra como o tirânico sargento Hartman faz uso de tortura
psicológica e física para impor a seus recrutas a hedionda doutrina de extrema direita,
endossada pelos militares. Ao final do treinamento - completamente transformado - o
pelotão faz o seguinte pronunciamento: "Eu juro perante Deus este credo - 'Eu e meu
fuzil somos os defensores do meu país, somos os mestres do meu inimigo, somos os
salvadores de minha vida; que assim seja, até que não haja mais inimigos, só a paz.
Amém!' " Na véspera da formatura, um dos soldados, completamente esgotado pela
pressão psicológica, enlouquece, mata o sargento e suicida-se. Seus colegas,
convictos do êxito de sua boa causa, partem para a malfadada campanha do Vietnã.
Trata-se, sem dúvida, de obra contundente.

Três momentos de Nascido para Matar: no primeiro quadro, vemos o pacato e


bonachão recruta Pyle tendo os cabelos rapados, por ocasião de seu ingresso ao
exército; no segundo quadro, as sessões de doutrinação mediante tortura psicológica,
sob o comando do perverso sargento Hartman; no último quadro, vemos o semblante
psicótico do soldado, após inúmeras humilhações - neste estado, ele mataria o
sargento, para, em seguida, cometer suicídio.
Outros intelectuais também se interessariam pelo tema. Steve
Hassan (http://www.freedomofmind.com/) e Rick Ross (http://www.rickross.com/) estão entre
estes - têm dedicado décadas de suas vidas à pesquisa das técnicas de controle
mental exercidas pelos cultos religiosos. O primeiro conta com sua própria experiência
como ex-adepto de culto - foi membro da 'Igreja da Unificação', até o ano de 1976 - e
é autor das obras "Encorajando as Pessoas a Pensarem por si Próprias" e
"Combatendo o Controle Mental dos Cultos", em inglês. O segundo testemunhou em
diversos casos judiciais nos EUA, nos quais estava envolvida a ação ilegal de grupos
religiosos radicais e é considerado um especialista no assunto, tendo lecionado em
respeitáveis instituições, como as universidades de Chicago e Pensilvânia. Há anos,
eles prestam consultoria e dão palestras em diversos países, alertando a sociedade
para o perigo dos cultos. Grandes redes de TV, como CNN e CBS, ou revistas, como
a Time e Newsweek, têm divulgado depoimentos e estudos destes pesquisadores.

Hassan e Ross - uma causa comum


Hassan pesquisou profundamente o tema e, de sua experiência com inúmeros
pacientes, formulou uma teoria para explicar o mecanismo de controle mental dos
cultos. Trata-se do sistema BITE - sigla cujas iniciais significam, em
inglês, comportamento,informação, pensamento e emoção, pois é por meio do
controle destas quatro variáveis que os líderes de seitas conseguem manipular
totalmente seus seguidores. Segundo o autor, as pessoas não se juntam
simplesmente a estes grupos, mas são recrutadas por eles. Este recrutamento ocorre
de sete formas:
1. Um amigo ou parente da pessoa, que é adepto do culto e tenta 'convertê-la'.
2. Um estranho que aborda a pessoa (em casa ou na rua).
3. A pessoa recebe um convite para um evento do culto (sessão, simpósio etc.).
4. Por meio de literatura, talvez um livro que alcançou alta vendagem.
5. Por meio da oferta de um aparentemente inofensivo "curso bíblico".
6. Por curiosidade em relação a uma propaganda ou anúncio.
7. Por meio de um trabalho ou emprego em um negócio mantido pelo culto.
O processo de entrada de uma pessoa em um culto é marcado por duas fases bem
nítidas, uma inicial e não coercitiva - a 'sedução' do prosélito, quando a nova fé se
apresenta em cores brilhantes - e uma posterior e coercitiva, quando o candidato
engaja-se ao grupo e passa a estar sujeito a um sistema de recompensa e punição.
Se há uma coisa que caracteriza marcantemente o proselitismo religioso é
a sutileza. Freqüentemente, a pessoa não suspeita que está sendo recrutada. Talvez o
amigo ou parente simplesmente tenha tido uma tocante experiência pessoal e a
queira compartilhar com outro. Quando se trata de um estranho, a pessoa é levada a
crer que ganhou um novo amigo. Como os membros de cultos desenvolvem
habilidades para envolver os prosélitos - selecionando a informação e dando-lhe uma
'roupagem' piedosa - a pessoa é atraída pela fachada atraente do culto, sem conhecer
seus bastidores. Inicialmente, ela também não conhece a fundo as crenças de quem a
está doutrinando nem o que se requer dela. Na verdade, ela talvez jamais chegue a
ter percepção plena da natureza do movimento como qual, pouco a pouco, está se
engajando, e se chegar a ter, já estará emocionalmente envolvida, ao ponto de não
mais conseguir recuar. Por outro lado, as experiências de caráter psicológico,
experimentadas em espetáculos de multidão, como os descritos neste artigo, farão
com que a afetividade da pessoa sobrepuje a razão. Resultado: as sensações
obliterarão a consciência e o senso crítico; a pessoa, por fim, perde, literalmente, o
contato com a realidade. A partir deste ponto, a vítima passará, ela própria, a ser
parte da engrenagem, recrutando outros, da mesma forma como ocorreu a ela um
dia. De modo semelhante a uma infecção, inicia-se novo ciclo com o contágio de outra
vítima.
Colocando a informação em compartimentos, os cultos impedem que os membros
visualizem a organização como um todo. As pessoas só recebem a informação para a
qual estão 'prontas', ou apenas aquilo que 'precisam' saber para desempenhar suas
funções. Para isso, o conhecimento é estratificado em diversos níveis.
Paradoxalmente, muitos relataram que, quanto mais se aproximavam da 'cúpula' do
culto, mais abalos sofriam em sua fé. Deveras, a informação é dividida em categorias
como "para os de dentro" ou "para os de fora", para "principiantes" ou para
"veteranos". O material mais moderado é reservado para o público em geral e contém
versões suavizadas das crenças do grupo, bem como um amplo 'branqueamento' de
sua história. Fatos desagradáveis ou aspectos negativos são omitidos ou minimizados.
Prosélitos que fazem questionamentos ou indagações profundas são avisados de que
não estão ainda suficientemente "maduros" para ter todo o conhecimento. As
diretrizes internas são reservadas apenas para aqueles completamente doutrinados.
Deste modo, o acesso à real ideologia do grupo é retardado até que o senso crítico do
indivíduo tenha sido totalmente suprimido.
Uma vez recrutado, o adepto é mantido pela liderança do grupo em um meio tão
'estéril' quanto possível - sem questionamentos ou insubordinação - e totalmente
refratário às influências externas. Esta é a fase coercitiva. Bloqueando o acesso do fiel
a informações vindas de fora, os líderes de cultos, atingem um duplo objetivo - não só
mantêm o controle sobre seus seguidores, como se eximem de responder, eles
próprios, a questionamentos sobre sua conduta pessoal e sua metodologia. Assim,
pode-se dizer que os membros de cultos vivem em uma 'bolha' social. Sendo
projetado para este fim, tal ambiente possui características bem peculiares, que o
distinguem de qualquer outro. Algumas de suas características são:
a) Isolamento:
 Manipulação, fraude, dependência e isolamento
 Todas as outras igrejas estão espiritualmente 'mortas'
 Relação de disciplina mútua entre os membros
 Reduzir ou cortar laços com os "de fora"
 Passar mais e mais tempo com o grupo
 Reuniões secretas
 Passar a residir na sede da seita
 O membro recusa-se a responder cartas ou atender ligações
 A família não sabe por onde anda seu ente querido
b) Abuso de poder:
 Chantagem psicológica
 'Profecias' ameaçadoras
 Enriquecimento do líder e aumento do patrimônio da seita
 Extorsão de dinheiro
 A liderança estimula os adeptos a doarem seus bens (propriedades, economias etc.)
 Às vezes, o líder (ou líderes) do grupo tenta obter favores sexuais dos adeptos
c) Criação da identidade do culto:
 A família não 'reconhece' mais seu próprio parente (a recíproca é verdadeira)
 Comportamento, pensamentos e emoções sob controle da liderança do culto
 A pessoa se comporta de forma estranha, artificial, como num teatro real
 Mentalidade judicial, tendência a apontar falhas dos "de fora" e julgá-los "perdidos"
Caso uma ou mais características como as acima sejam encontradas em um grupo
religioso, há boa probabilidade de se estar diante de um culto destrutivo. Neste ponto,
é provável que os antigos amigos afastem-se da pessoa, por ela estar sempre
'pregando' para eles, ou que seus parentes passem a admoestá-la insistentemente,
por ela negligenciar outros aspectos de sua vida em razão da religião. Na sede do
culto, a pessoa é informada de que isto constitui "prova" de que o demônio controla
seus parentes e amigos, que eles estão em "trevas espirituais" e que apenas ela está
na "luz". Reconfortada, é incentivada a ver os colegas de seita como seus
'verdadeiros' pais e irmãos. O drama é ainda maior tratando-se de uma casal, em que
um dos cônjuges se 'converte'. Para muitos, o resultado inevitável é a separação
judicial. Não é, pois, incomum que a ação dos cultos suscite sério abalo nos laços
familiares e sociais.
Converter um prosélito não é o único desafio dos cultos. Eles precisam, antes de
tudo, mantê-lo sob controle. Para isso, entra em ação o sistema anteriormente
mencionado, no qual o comportamento, a informação, o pensamento e a emoção do
adepto são rigorosamente monitorados. Os cultos podem diferir em sua orientação
filosófica, contudo são muito semelhantes em seus métodos. Examinemos, de modo
conciso e sistematizado, as principais técnicas...

I - Controle de comportamento:
1. Regulação da realidade física do indivíduo:
1.a - Onde, como e com quem o adepto vive e com quem se associa
1.b - Que vestimenta ou estilo de cabelo a pessoa usa
1.c - O que se deve comer ou beber, aceitar ou recusar
1.d - O quanto é desejável que a pessoa durma
1.e - Dependência financeira
1.f - Pouco ou nenhum tempo para entretenimento, férias ou leitura (exceto se for literatura do
culto)
2. Maior parte do tempo dedicada a sessões de doutrinação e rituais do grupo. Em um
culto, há sempre muita atividade, de modo a suprimir o tempo livre do adepto, tempo
este que o poderia levar a pensamentos "perigosos".
3. Necessidade de solicitar permissão para decisões de maior importância, tais como
aceitar um emprego, cursar a universidade, namorar ou casar-se. Ex: os membros da
Igreja da Unificação têm de solicitar autorização ao líder para cada passo decisivo de
suas vidas.
4. Necessidade de relatar pensamentos, sentimentos e ações aos superiores.
5. Recompensas e punições - os membros mais dedicados são agraciados com 'cargos'
e lisonjas, enquanto os pouco engajados são apontados como 'fracos' ou 'mau
exemplo'. Aqueles considerados pela liderança como infratores são definitivamente
afastados do convívio dos demais. Todas as religiões têm sistemas de "excomunhão"
ou o equivalente a ela.
6. Individualismo ou pensamento independente é desencorajado, prevalece o
pensamento do grupo. Ex: as Testemunhas de Jeová são exortadas a evitarem pensar
por si mesmas, alinhando-se inteiramente com o ensino que emana de sua sede (A
Sentinela de 15/7/1983, pág. 22).
7. Regras e regulamentos rígidos. Ex: as Testemunhas de Jeová são proibidas de
votar, prestar serviço militar, celebrar aniversários ou feriados e de receber
tratamentos à base de sangue.
8. Necessidade de obediência e dependência. Ex: o líder do culto 'Portal do
Paraíso', Marshall Applewhite, determinava cada pormenor da vida de seus seguidores
- a dieta, a vestimenta, os pensamentos etc.

II - Controle de Informação:
1. Uso de logro:
1.a - Ocultar deliberadamente informação (como o as práticas ocultas da organização)
1.b - Distorcer informação para torná-la mais 'aceitável' ("branquear" o passado)
1.c - Mentir, caso seja necessário, para proteger o culto (mentir às autoridades)
2. Acesso a informação de outras fontes é reduzido ou desencorajado:
2.a - Desencorajada a consulta a livros, artigos, jornais, revistas, TV ou rádio
2.b - Evitar informação crítica
2.c - Evitar ex-membros do culto
2.d - Membros são mantidos tão ocupados que não têm tempo para checar a veracidade das
informações
3. Informação em compartimentos; doutrinas para os "de dentro" e para os "de fora".
Ex: as Testemunhas de Jeová possuem manuais 'secretos' (como o "Livro dos
Anciãos"), dirigidos apenas pessoas em cargos especiais.
3.a - A informação não é posta livremente à disposição
3.b - A informação varia em diferentes níveis dentro da pirâmide hierárquica
3.c - Os líderes decidem quem "precisa saber" o quê e quando
4. Vigilância de uns sobre os outros é encorajada:
4.a - Ingressar em um sistema de 'irmandade' para monitorar e controlar
4.b - Delatar pensamentos, ações ou sentimentos "errôneos" à liderança do culto
4.c - O comportamento de cada adepto é monitorado pelo grupo inteiro
5. Uso extensivo de informação e propaganda geradas pelo culto. Ex: Igreja Universal
- proprietária de redes de TV e rádio - e Testemunhas de Jeová, divulgadoras de
revistas com tiragem de milhões de exemplares.
5.a - propaganda por meio de cartas, revistas, jornais, gravações e mídia
5.b - Citações críticas são deturpadas, declarações de dissidentes, tiradas de contexto
6. Uso antiético de confissões :
6.a - Informação usada para estabelecer 'limites' de conduta
6.b - 'Pecados' passados são usados para manipular e controlar

III - Controle de Pensamento:


1. Necessidade de internalizar as doutrinas do grupo como a 'Verdade'. Ex: os grupos
fundamentalistas, como Adventistas do Sétimo Dia, Mórmons e Testemunhas de
Jeová.
1.a - Adotar a visão do culto como 'realidade' (grupo=verdade)
1.b - Pensamento maniqueísta (tipo "tudo ou nada")
1.c - Bem versus Mal
1.d - Nós versus os outros ("os de dentro" versus "os de fora")
2. Uso de jargão (por exemplo, clichês supressores do pensamento). Palavras são os
instrumentos para guiar a mente. Estas palavras 'especiais' tendem a restringir o
pensamento ou suprimi-lo completamente. Sua função é reduzir a complexidade das
experiências à banalidade pelo uso de 'chavões'. Ex: as expressões "mundano",
"incrédulo" e "apóstata", usadas pelas religiões para induzir seus adeptos a simplificar
e categorizar as idéias e sentimentos dos não-adeptos, sem analisá-los de forma
isenta.

3. Somente pensamentos 'bons' e 'apropriados' são incentivados. É claro, os do


primeiro tipo são aqueles que refletem a ideologia do grupo.

4. Uso de técnicas hipnóticas para alterar o estado mental do adepto. Ex: os


'curandeiros da fé', como Benny Hinn.

5. Manipulação de lembranças verdadeiras e implantação de falsas.

6. Uso de técnicas supressoras do pensamento, as quais bloqueiam a análise dos


fatos; pensamentos 'negativos' são repelidos e só os 'bons' são permitidos.
6.a - Negação, racionalização, justificação, pensamento tendencioso
6.b - Manter-se ocupado no trabalho de pregação
6.c - Meditar
6.d - Fazer preces
6.e - Falar em "línguas"
6.f - Cantar ou cantarolar
7. Rejeição da análise racional, do pensamento crítico ou da crítica construtiva.
Críticas ou questionamentos quanto ao líder, à doutrina ou à metodologia são
considerados ilegítimos.
8. Nenhum outro sistema de crenças é visto como legítimo, bom ou útil.

IV - Controle de emoções:
1. Manipular e estreitar o campo de sentimentos da pessoa.
2. Fazer a pessoa pensar que, caso haja problemas, é por sua culpa, nunca do líder do
grupo.
3. Uso excessivo do sentimento de culpa:
3.a - Culpa de Identidade: "quem sou eu, minha família, minhas companhias, meus pensamentos,
sentimentos e ações"
3.b - Culpa social
3.c - Culpa pelo passado
4. Uso excessivo do medo:
4.a - Medo de pensar por si mesmo
4.b - Medo do mundo "lá fora"
4.c - Medo de inimigos
4.d - Medo de perder a "salvação"
4.e - Medo de deixar o grupo ou de ser evitado por ele
4.f - Medo de desaprovação
5. Manifestação extrema de "altos" e "baixos" emocionais.
6. Freqüente confissão pública de "pecados".
7. Doutrinação à base de fobias: medo irracional de algum dia deixar o culto ou de
questionar a autoridade do líder. A pessoa sob controle mental não consegue
visualizar um futuro positivo fora do grupo:
7.a - Nenhuma felicidade ou realização é possível aos que deixam o culto
7.b - Terríveis conseqüências terão lugar se a pessoa sair do grupo: inferno, possessões
demoníacas, doenças incuráveis, acidentes, suicídio, insanidade, falência etc.
7.c - Evitar os que saem; medo de ser rejeitado pelos semelhantes, pelos amigos e pela família
7.d - Nunca há uma razão legítima para sair do grupo. Do ponto de vista do culto, todos os que
saem são "fracos", "indisciplinados", "sem espiritualidade", "mundanos", "corrompidos pela família" ou
"seduzidos" por sexo, dinheiro etc.
Todos os cultos - e, às vezes, também as igrejas ortodoxas - utilizam-se de, pelo
menos, algumas das técnicas acima descritas. A metodologia, evidentemente, segue o
princípio de "para cada peixe, uma isca certa", ou seja, o meio adequado
para doutrinar e manter cada adepto toma em conta fatores como nível de
escolaridade, histórico familiar, condição sócio-econômica e, principalmente, a
suscetibilidade psicológica do indivíduo. É significativo que os cultos introduzam
importantes alterações em sua propaganda ao se instalarem em países distintos ou
regiões distintas de um mesmo país. Pessoas de caráter místico e pouca escolaridade
são mais facilmente seduzidas por apelos ao sobrenatural - a figura do 'demônio'
costuma ser o 'cabo eleitoral' predileto. É o caso das populações de periferia em
grandes metrópoles ou dos camponeses - um sermão simples, a evocação de
deidades, uma sessão de 'exorcismo' e pronto! Para muitos, os percalços da vida e a
sôfrega necessidade de crer em uma alternativa viável - seja ela qual for -
sobrepujam-lhes a lucidez, tornando-os presa fácil de aproveitadores da miséria
alheia. Já os indivíduos mais pragmáticos e ambiciosos são atraídos aos cultos pela
oferta de prosperidade, enquanto outros - sem qualquer destaque em suas vidas
pessoais - encantam-se com a possibilidade de galgar 'posições' na hierarquia da
igreja, experimentando uma autoridade que dificilmente teriam em sua vida
profissional ou familiar. É o caso do indivíduo iletrado que, durante o dia, é um
serviçal obediente em uma firma e, à noite, é um inflamado 'pastor' em seu local de
culto - em um turno, recebe ordens, em outro, ele as dá. Seja como for, anos e anos
de submissão a este sistema podem gerar desajustes sociais ou acentuar graves
distúrbios psíquicos, desde depressão até comportamento paranóide. Pessoas
pacíficas, naturalmente calorosas, podem tornar-se irreconhecivelmente frias e hostis.
Alguns, saudosos pela 'velha autoridade', sentir-se-ão reconfortados em julgar as
pessoas com base em um critério legalista - regras e mais regras. Por sua vez, aqueles
com caráter obsessivo encontrarão no ambiente xenófobo dos cultos sua pátria
espiritual - tornar-se-ão fanáticos. Serão convencidos a praticar qualquer ato, se assim
a liderança ordenar. Um exemplo grotesco é o de um culto secreto existente em San
Francisco - EUA, no qual o 'guru' convenceu seus súditos de que a imortalidade estaria
presente nos órgãos internos dos mortos. Assim, em uma de suas sessões, o cadáver
de um adepto recentemente falecido foi aberto e devorado pelos presentes num
horrendo e macabro ritual. A cerimônia atingiu seu ápice em uma sanguinolenta orgia
sexual. Antes de perguntar como alguém em gozo de suas faculdades mentais
perpetraria tal seqüência de insanidades, talvez devêssemos indagar por que
meios um único indivíduo induziu uma multidão a crer em tal absurdo.
Segundo Hassan, o processo de ganhar controle sobre a mente passa por três
estágios:

1. "Descongelamento" - processo de desintegrar a personalidade do indivíduo.


2. Modificação - o processo de doutrinação propriamente dito.
3. "Recongelamento" - processo de fixar a nova identidade.
As fases acima descritas, por sua vez, podem ser subdivididas em diversas etapas.
A obra "Persuasão Coercitiva", de Kurt Lewin foi adaptada por Hassan, chegando-se
ao seguinte esquema:

I. Descongelamento:

a) Desorientação e confusão
b) Privação ou sobrecarga sensorial
c) Manipulação fisiológica: privação de sono, alteração de dieta, ausência de privacidade
d) Hipnose: regressão, visualização, contos, sugestão, meditação, preces, cânticos
e) Questionamento da própria identidade
f) Redefinição do passado

II. Modificação:

a) Criação e imposição da nova personalidade, passo a passo: sessões de doutrinação


b) Uso de técnicas de modificação de comportamento: recompensa, punição, jargão etc.
c) Manipulação mística (a pessoa é constantemente lembrada da figura do 'diabo')
d) Hipnose ou outras técnicas para alterar o estado mental: repetição, preces e êxtase
e) Uso de confissão e testemunhos
III. Recongelamento:
a) Nova personalidade reforçada: separação dos amigos, doações, novas responsabilidades
b) Novo nome, novo estilo de vestir ou de corte, nova linguagem, nova "família"
c) Sistema de vigilância mútua entre os membros
d) Preenchimento do tempo com mais sessões, seminários, experiências, proselitismo etc.

Uma matéria na revista "Época", datada de 28 de abril de 2003, examina as


técnicas de manipulação em massa, amplamente utilizadas pelos cultos como
ferramenta de proselitismo. Alguns pontos do artigo são de suma importância para a
plena compreensão dos eventos de massa e, por isso, receberão destaque em nosso
estudo.

Os movimentos pentecostais e carismáticos têm chamado a atenção pela frequência


com que realizam cerimônias de êxtase coletivo, nas quais a platéia é levada um
estado de transe, geralmente manifesto na forma de convulsões, danças, gritos e
choro, acompanhados de um balbuciar ininteligível. Aqueles que passam por tais
experiências tendem a considerá-las como evidência do favor divino. Todavia, transes
religiosos são registrados desde a Grécia antiga, quando sacerdotisas diziam receber
espíritos em rituais embalados por música e vinho. O fenômeno é, pois, muito antigo,
mas seu estudo é recente. Coube a pesquisadores do século XIX a tarefa de averiguá-
lo e desmistificá-lo. Em 1862, o neurologista francês Jean-Martin Charcot (1825-1893),
instalado no Hospital Sapêtrière, formulou a hipótese de que as visões de espíritos
vivenciadas por alguns pacientes eram causadas por disfunções do sistema nervoso. A
partir daí, desenvolveu um tratamento à base de hipnose - a técnica envolvia a
repetição de sons e cores. Pouco a pouco, Charcot começava a desmontar a aura
sobrenatural em torno das supostas possessões. Um de seus melhores alunos também
interessou-se pelo campo da hipnose - ninguém menos que Sigmund Freud, o pai da
psicanálise. Mas foi Carl Jung quem se dedicou a explicar de onde vêm os "maus
espíritos" que supostamente atormentam pessoas. Segundo ele, essas figuras
aterrorizantes acham-se gravadas coletivamente na mente humana, fazendo,
portanto, parte do imaginário popular. Batizadas de arquétipos, têm acompanhado a
humanidade desde as culturas mais antigas. De acordo com a psicanalista Aurea
Roitman, "o diabo [evocado pelas religiões] é uma dessas imagens e representa forças
destrutivas dentro da própria pessoa. Já o chifre e o rabo são adereços acrescentados
pelo imaginário cristão."

Charcot - desmistificando as "possessões"

Enquanto os fundadores da psicologia ocuparam-se em descrever o mecanismo dos


transes, os antropólogos buscaram determinar a função social deles. Missionários e
pesquisadores que viajaram para a África ou investigaram territórios dominados por
índios nas Américas ficaram impressionados com as cerimônias realizadas pelas tribos.
Segundo explica o antropólogo Scott Atran, da Universidade de Michigan, "os
exorcismos têm a função de provar a existência de um agente sobrenatural capaz de
punir os delinquentes, por mais poderosos que sejam." A novidade é que alguns cultos
têm feito das sessões de exorcismo um instrumento de marketing, tanto em suas
sessões regulares quanto em exposições na mídia.

Há tempos, os líderes de cultos perceberam que a combinação de superstição com


exclusão social faz de boa parcela da população nos países ditos subdesenvolvidos (ou
em desenvolvimento) um alvo perfeito para sua propaganda. De fato, é em lugares
como a África e América Latina que os cultos experimentam maior crescimento - e
também onde obtêm o maior volume de doações. O caráter místico de tais povos os
torna uma presa fácil para os espetáculos de massa, já mencionados neste trabalho.
Contudo, a despeito da forte impressão que os supostos eventos sobrenaturais, a eles
associados, causam à primeira vista, seus orquestradores recorrem a truques antigos,
porém desconhecidos ao público leigo. Examinemos alguns deles:
I. Trilha sonora: um tecladista executa melodias leves nos momentos de alusão a
bênçãos divinas, criando uma atmosfera de refrigério espiritual. Momentos depois, o
pastor gesticula de forma enérgica e, em tom grave, menciona as ações do demônio.
Como em um espetáculo teatral, o público é conduzido a um clímax emocional,
embalado pela música que, nesse momento, consiste em uma sucessão de acordes
pesados, lembrando um filme de terror.

II. Roteiro: evocando poderes sobrenaturais, os 'pastores' fazem orações


repetitivas e em tom cada vez mais forte. A mente humana tende a aceitar como
verdadeiras as frases proferidas repetidamente, em um tom autoritário e em um clima
de emoção. Curiosamente, Adolf Hitler demonstrou estar bem ciente disso, pois, certa
vez, declarou que as massas eram obtusas em sua capacidade de assimilar idéias,
sendo necessária a repetição das mesmas coisas, vez após vez.

III. Adereços: os cultos frequentemente lançam mão de símbolos que tocam as


emoções da platéia. Por exemplo, o orador incentiva sua assistência a segurar objetos,
tais como fotografias de entes queridos, resultados de exames, currículos impressos,
carteiras de trabalho etc. para serem abençoados.

IV. Figuração: o murmúrio de pessoas rezando evolui para um estado de histeria


coletiva. O resultado disso é a redução do nível de consciência dos fiéis suscetíveis. No
meio da multidão, a pessoa é facilmente manipulada, passando a crer em tudo que
lhe é dito - ocasião ideal para pedir-lhe dinheiro.

V. Coreografia: é comum, durante os ritos, 'pastores' ou 'obreiros' comprimirem e


balançarem a cabeça e o corpo do fiel, executando movimentos circulares. A tontura
resultante - associada à atmosfera de êxtase - contribui para que a pessoa ceda mais
rapidamente ao transe.

VI. Iluminação: alguns cultos são realizados à noite e, neles, os 'pastores'


desligam as lâmpadas principais da igreja. Envoltos na penumbra, os espectadores
ficam mais sugestionáveis. Uma técnica alternativa seria pedir aos ouvintes que
fechem os olhos.

VII. Sonoplastia: em alguns cultos, a música é acompanhada de sons


fantasmagóricos, criando um ambiente de sobrenaturalidade. Tais ruídos afetam o
inconsciente das pessoas, estimulando-as a considerar real aquela manifestação.

Cada um desses recursos tem um papel decisivo no processo de condução de uma


platéia ao êxtase religioso, sendo que o efeito deles, somados, pode facilmente
produzir um estado denominado 'catarse' (do grego kátharsis). Etimologicamente,
significa purgação, purificação, limpeza, ou ainda, segundo Aristóteles, o efeito moral
e purificador da tragédia clássica, cujas situações dramáticas, de extrema intensidade
e violência, trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores,
proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos. No teatro de
conversão praticado pelos cultos, a viagem até a catarse segue uma técnica calculada.
Em outras palavras, quem quer que esteja por trás desses espetáculos de multidão
tem pleno conhecimento da eficácia dos recursos ora descritos.

Neste ponto, seria apropriado analisarmos alguns casos extremos de doutrinação


que alcançaram notoriedade na mídia. Eles ilustram bem a eficácia do sistema até
aqui descrito, o qual, como já foi dito, é utilizado tanto por extremistas religiosos
quanto políticos.

Os Casos Hearst e Walker


Em fevereiro de 1974, teve início um caso que tanto chocou quanto fascinou a
opinião pública mundial. Uma bela e rica jovem,Patricia Hearst, foi seqüestrada de seu
apartamento na Califórnia por um grupo terrorista que se denominava Exército
Simbionês da Libertação (SLA). A mídia deu ampla cobertura ao caso. Os
seqüestradores não eram muito conhecidos pela população até esta época, exceto por
um assassinato, cometido meses antes contra um superintendente de escola. O rapto
de Patricia, contudo, não seguiria o curso esperado neste tipo de crime, a saber,
um pedido de resgate, o pagamento e a libertação da refém. Seus algozes emitiram
mensagens declarando que se tratava de uma 'prisão' e que a seqüestrada receberia o
mesmo tratamento que outros membros do grupo - anteriormente capturados e
condenados - estavam recebendo. A seguir, o grupo ordenou que os pais da moça
providenciassem 70 dólares de alimento para cada pessoa pobre no estado.
Obviamente, esta foi uma manobra cujo objetivo era granjear a simpatia de, pelo
menos, algumas comunidades. Todavia, isto estava além das posses da família. Foi
feita uma oferta de 2 milhões de dólares. Posteriormente, os criminosos exigiram 6
milhões. Os pais de Patricia disseram que pagariam a diferença, desde que ela fosse
libertada, sã e salva. Com isso, as negociações foram declaradas 'mortas' pelo grupo.
O público ficou temeroso pelo destino da infeliz jovem e um programa de doações foi
implementado, com o intuito de sensibilizar os seqüestradores do SLA. Entretanto, não
houve uma resposta positiva no sentido de libertar a refém. Muitos achavam que ela
já estava morta.

Foi quando começou a parte mais impressionante do caso: chegou às mãos da


imprensa uma seqüência de gravações, nas quaisPatricia fazia declarações em nome
do grupo. De início, ela parecia nervosa e ficava claro que estava sendo coagida.
Contudo, pouco a pouco seu tom de voz foi mudando e suas declarações - agora em
favor do SLA - pareciam proferidas com convicção. A partir deste ponto, seus pais
temiam, não só por sua vida, mas por sua sanidade mental. O desfecho foi
inesperado: ao invés de um anúncio de libertação, o SLA tornou pública uma
gravação, na qual Patricia declarava estar se juntando ao seqüestradores e que
renunciava ao seu nome - de agora em diante, chamar-se-ia Tania. Como evidência,
foi publicada uma foto dela, trajada em uniforme de guerrilha e segurando uma
metralhadora, em frente ao símbolo do grupo terrorista. Uma farsa? É o que todos
desejariam. Porém, logo depois, os pais da jovem, horrorizados, constataram que o
pior, de fato, acontecera - ela era fotografada pelo sistema de segurança de um banco
enquanto praticava um assalto em companhia de seus antigos algozes. Pelo crime,
ficava óbvio tratar-se de criminosos comuns e não um grupo idealista, lutando por
alguma causa política. Alguns meses mais tarde, Tania (ou Patricia) foi vista enquanto
dava cobertura a dois comparsas do SLA, que praticavam outro delito. Contudo, não
tardaria até que a polícia desbaratasse a quadrilha: seis membros do grupo - seu líder,
inclusive - foram mortos em um tiroteio. Com isso, a identidade do grupo se perdeu
e Patricia, foragida, foi capturada, em setembro de 1975. Acusada de assalto e
formação de quadrilha, foi condenada em março do ano seguinte. Uma decisão justa?
A opinião pública ficou dividida - eram Patricia e Tania a mesma pessoa? Alguns
especialistas teorizam que não. Muito embora pareça, a princípio, tratar-se da clássica
'síndrome de Estocolmo' - na qual surge uma relação de empatia entre raptor e
raptado - alguns peritos sustentam que, na verdade, a vítima foi submetida a um
processo de persuasão coercitiva, comumente denominado lavagem cerebral. Uma
reconstituição do ambiente ao qual ela ficou confinada pode lançar uma luz sobre o
assunto.

Durante seu cárcere, Patricia foi mantida por longos períodos dentro de um
cubículo e com os olhos vendados. Não tinha privacidade, sendo obrigada a fazer suas
necessidades fisiológicas na presença dos seqüestradores. Foi seguidamente
humilhada, espancada e estuprada pelo líder dos terroristas. Palavras de ordem foram
repetidas aos seus ouvidos, constantemente. Mantida neste estado miserável, ela foi
vencida física, mental e espiritualmente. Seus algozes conseguiram quebrantar sua
resistência. Ela perdeu seu senso de identidade e uma nova personalidade - definida
pelo grupo - aflorou. Sua mente fragilizada acatou os argumentos falaciosos dos
criminosos sobre uma suposta 'causa' de relevante valor social. Até mesmo a
relutância dos pais de Patricia em pagar a quantia absurda proposta pelo grupo - um
valor com o qual, de fato, não podiam arcar na ocasião - foi exposta à vítima como
evidência de que sua família não se importava com ela. Àquela altura, sua mente
havia se tornado 'massa de oleiro' às mãos do líder do SLA. Esta tese parece ter sido,
de forma tácita, acatada pelas autoridades, pois a pena de Patricia foi comutada, em
1979, para uma forma mais branda e, finalmente, ela recebeu o perdão oficial do
presidente Bill Clinton, em 2001. Ela leva hoje uma vida aparentemente normal.

Pat Hearst em quatro momentos: no primeiro quadro, vemos uma foto dela antes do
seqüestro - uma inocente menina de classe alta; no segundo quadro, a famosa foto
de Tania, sua nova identidade como guerrilheira do SLA; no terceiro quadro, seu
julgamento - perceba o leitor que ela, algemada, sorri, como se nada estivesse
acontecendo, sinal típico de alienação mental; por último, uma foto recente dela,
agora Patricia novamente.

A bizarra transformação de Patricia Hearst não é o único caso famoso de controle


mental por parte de grupos radicais. No mesmo estado de origem dela - a Califórnia -
outro episódio atrairia a atenção do mundo, mais de vinte anos no futuro. Trata-se do
caso deJohn Walker Lindh, um pacato jovem de classe média que, subitamente,
trocou de 'mundo'. Aos 16 anos de idade, ele interessou-se pela vida de um líder
negro, que se convertera ao islamismo, Malcolm 'X' - assassinado em 1965. Algum
tempo depois, o rapaz manifestou aos seus pais o interesse em ir ao oriente médio
para estudar a religião de Maomé. No Paquistão, ele matriculou-se em
uma madrassa - um tipo de escola fundamentalista que inculca em seus alunos estrita
obediência ao Alcorão. Incidentalmente, os 'melhores' alunos destas instituições
tornaram-se assassinos em massa - os famigerados 'homens-bomba' de grupos
radicais, como o Hamas ou oHezbollah. O jovem Walker converteu-se ao islamismo
em 1997 e voltou aos EUA, mas - como era de se esperar - não conseguiu se
readaptar à vida em seu país de nascimento. Viajou ao Iêmen e, de lá, retornou ao
Paquistão. Em junho de 2001, ele juntou-se aoTalebã, grupo fundamentalista que
governou o Afeganistão com 'mão-de-ferro', por vários anos, até a invasão norte-
americana. Walkerteve treinamento militar em uma base da Al-Qaeda e, em meio à
caçada a Osama bin Laden, foi capturado e enviado de volta aos EUA, onde aguarda
julgamento. Está sujeito a passar o resto de seus dias na prisão. Os repórteres lhe
perguntaram se ele tinha certeza de ter tomado a atitude acertada, apoiando
o Talebã e a organização Al-Qaeda, contra seu próprio país, ao que ele respondeu:
"certeza absoluta!". Seus pais não reconhecem o filho e acham que ele foi submetido
a lavagem cerebral. Aparentemente, com razão...

John Walker em três momentos: em seus anos de adolescência, nos EUA; a seguir, a
transformação, após anos de doutrinação em umamadrassa, no Paquistão;
finalmente, exausto e abatido, após sua captura, no Afeganistão.
Madrassa - escola de religiosos ou de fanáticos?

A frieza de Walker diante do massacre de 11 de setembro, o qual ele aprova, faz


lembrar o caso do carrasco nazista que, indagado pelo repórter se tinha algum
arrependimento em sua vida, declarou: "Sim, por ter faltado a aulas no colégio...." Tal
resposta dispensa comentários. O que está em discussão aqui não é a cultura
islâmica, mas o uso que suas escolas de religião fazem de insidiosas técnicas de
controle mental, ao arrebanhar discípulos para a praga do fundamentalismo religioso -
símbolo máximo de intolerância, o qual já mancha de sangue a história da
humanidade, há séculos.

O Perfil dos Líderes de Cultos


Muito tem se discutido sobre as pessoas que aderem a cultos, por mais exóticos
que eles sejam. Pouco, porém, se tem investigado sobre aquilo que talvez constitua a
chave do problema - a personalidade daqueles que criam os cultos. A esmagadora
maioria do povo é de seguidores, meros instrumentos às mãos da autoridade religiosa.
Como diz Steve Hassan, as pessoas não se juntam a tais grupos, mas elas são
recrutadas por eles. Sua nova identidade é, na realidade, uma autêntica 'clonagem' da
personalidade do líder. Os episódios de Jonestown, Waco e Uganda refletem,
primariamente, a personalidade de seus principais protagonistas. Não teriam
acontecido sem a intervenção decisiva deles. Desse modo, é natural indagar: que
pontos em comum poderia haver entre as personalidades de Jim Jones,David
Koresh, Shoko Asahara e outros? Este será nosso próximo enfoque.

O neurocientista Michael Persinger, já citado neste estudo, divulgou os resultados


de suas experiências com um dispositivo, o qual aplica, por meio de eletrodos
conectados a certos pontos do crânio, pequenas descargas elétricas, dirigidas
especialmente ao sistema límbico. Segundo ele, por meio desta máquina, podem-se
simular em laboratório as experiências de presenças sobrenaturais e o estado de
enlevo e êxtase decorrentes delas. Todos os pacientes que se submeteram ao
tratamento, de fato, experimentaram sensações incomuns, oníricas. Um voluntário
relatou ver uma onda de escuridão, seguida de um ponto luminoso - isto se assemelha
às experiências de "pós-morte", relatadas por alguns. Outra pessoa relatou ver coisas
e ouvir vozes. Uma mulher declarou ter tido a visão de muitos rostos distorcidos,
enquanto um jovem disse ter pressentido uma presença estranha próxima de si,
vigiando-o. Uma paciente disse ter sentido a mesma coisa, só que a presença não a
assustava, ao contrário, era reconfortante. Um dos voluntários se perguntava, "as
vozes que ouvi - vinham de Deus ou era o Dr. Persinger apertando os botões e
falando?" O próprio cientista explica o fenômeno:

"Descobrimos que os indivíduos que têm sensibilidade no lobo temporal, ou mostram


criatividade, ou são religiosos, neste contexto, terão uma experiência religiosa. Podemos
gerar a presença que é descrita como Deus."

Citando o caso de alguns líderes de cultos, o Dr. Persinger completa:

"Geralmente, trata-se de crianças imaginativas e fantasiosas, rejeitadas ou isoladas pelas


pessoas de seu grupo ou pela família. Estas pessoas, então, tornam-se introvertidas e
voltam-se para seus problemas internos. Eles se tornam mais egocêntricos. Muitos têm
histórico infantil de atividade límbica. Por exemplo, talvez ouçam uma voz chamá-los, à
noite. Sentem vibrações percorrendo seus corpos. Sentem que são escolhidos ou
diferentes. E então, ocorre a real conversão. Quando esta experiência tem lugar, de
repente, sentem que são pessoas diferentes. Sentem-se elevados, agora entendem o que
devem fazer. Eles têm uma crença - a reorganização do mundo. É algo pessoal para eles -
são indivíduos únicos e precisam difundir a palavra. Todas as emoções profundas e a
propensão irresistível de contar ao mundo, de partilhar as experiências, geralmente com
sinceridade, são apenas resíduos de segundos de atividade elétrica num cérebro humano
normal."

Um retrospecto da vida de dois 'curandeiros da fé' - já citados neste estudo -


parece confirmar as palavras do cientista. As infâncias de Benny Hinn e Reinhard
Bonnke contêm todos os elementos para fazer deles o que são. Há uma história
comum de sofrimento e rejeição em suas vidas. O primeiro, um palestino que emigrou
para o Canadá após a humilhante derrota para Israel, na Guerra dos Seis Dias, tendo
se sentido, como diz ele próprio, freqüentemente desprezado por suas crenças; o
segundo, é filho de imigrantes alemães que fugiram de seu país diante da invasão
russa, quando ele tinha apenas quatro anos de idade, tendo levado um vida dura nos
campos de refugiados até os nove anos. Indagado sobre isso, Hinn admite ter tido
momentos em que se indagava, "será Deus ou sou eu mesmo?" Infelizmente, ele não
permitiu aos seus seguidores alimentarem esta mesma dúvida. No final, resta o
simples fato de que tais líderes se corromperam em algum ponto de sua trajetória -
provavelmente no momento em que perceberam quão lucrativo seu 'dom' se tornaria.
Afinal, os seres humanos sempre foram facilmente seduzidos por dinheiro e poder.

Tal perfil não é exclusivo dos líderes religiosos, mas também dos políticos. Adolf
Hilter, por exemplo, teve uma infância conturbada, um pai autoritário e uma grande
frustração - queria ser arquiteto ou pintor. Não foi uma coisa nem outra. Seus anos
em Viena - Áustria, em busca de uma vaga na Academia de Artes, foram descritos por
ele mesmo como dias de 'sofrimento e aprendizagem'. Desde sua adolescência, teve a
sensação de ser alguém especial, escolhido para um propósito único. Seu professor de
História incutiu-lhe idéias anti-semíticas, que seriam a argamassa com a
qual Hitler construiria, décadas no futuro, seu odioso Reich. Sua experiência amarga
nos campos de batalha da I Guerra, de onde saiu ferido por um ataque de gás, bem
como a humilhante rendição da Alemanha, só o convenceram mais ainda de que ele
estava destinado a mudar o curso da História. O que muitos desconhecem é o lado
místico de Hitler- ele cultuava os seres da raça ariana e pregava uma nova ordem
mundial. Sua máquina de propaganda fez da história da Alemanha a pré-história do
nazismo. Para seus comandados, ele era um messias - o homem 'forte' que arrumaria
a bagunça e restauraria a ordem nacional. Castelos medievais foram transformados
em locais de culto e foram criados rituais de iniciação às diversas ordens
do Reichalemão. Os membros da "SS" faziam um juramento de fidelidade ao supremo
chefe da nação ariana, até à morte. Não se dá algo semelhante no ambiente dos
cultos religiosos? Sobre isso, o historiador Alan Wykes comenta:

"... o culto semi-religioso do salvador difundiu-se entre os milhares que o ouviam com
uma histeria só comparável à dele - uma histeria que, como dizia o próprio Hitler, não era
involuntária e sim 'uma tática baseada no cálculo preciso de todas as fraquezas
humanas'..." - Hitler (1970), p.37 (negrito acrescentado)

É claro - nem toda pessoa que experimenta sensações incomuns ou passa por
adversidades funda um partido ou um culto. Há diversos outros fatores envolvidos.
Assim, além dos aspectos relacionados à infância e à hiperatividade límbica, podemos
destacar alguns pontos em comum na personalidade dos líderes de cultos:

I) Megalomania - eles se sentem acima das demais pessoas, dotados de um visão


ou de um valor que elas não têm.

II) Carisma pessoal - eles são indivíduos entusiasmados com o que fazem e
conseguem cativar os outros; têm espírito de liderança.

III) Boa oratória - eles, instintivamente, sabem como motivar as multidões mediante
frases de efeito e gestos enérgicos; são bons manipuladores das massas.

IV) Intransigência - eles não admitem ser contrariados em seus propósitos; sua
palavra deve ser a última.

V) Sede de poder - eles buscam obstinadamente o topo; como poder e dinheiro


estão intimamente interligados, eles facilmente caem vítimas da ganância.

Curiosamente, a maioria destas características são consideradas ideais aos grandes


empreendedores e é exatamente isto que alguns líderes de culto se tornam - grandes
empresários da religião!

Adicionem-se à características acima as condições sociais apropriadas e pronto -


nasce um novo culto! Para ilustrar, a segunda metade do século XIX foi
particularmente prolífica em movimentos religiosos, nos EUA. A atmosfera era propícia
- havia liberdade religiosa e as últimas conquistas da revolução industrial induziam
muitos a achar que estavam vivendo uma época ímpar, um limiar da história humana.
Foi assim que um pastor batista isolou-se em sua fazenda e começou a estudar as
Escrituras Hebraicas. Seu nome -William Miller. Ele leu as profecias de Daniel e
calculou a data para a vinda de Jesus Cristo - seria o ano de 1843. Nascia o
movimento denominado 'Adventismo'. Curiosamente, não parecia ser intenção
de Miller criar uma igreja. Todavia, milhares o seguiram e sua previsão só levou ao
que os historiadores chamam de "Grande Desapontamento" - a tão prometida data
nada trouxe de especial. O pastor aprendeu a lição, mas não suas 'ovelhas'. Toda
aquela excitação foi o suficiente para reacender a centelha do misticismo - vários
'talentos' se revelaram e, como conseqüência, inúmeros cultos irradiaram-se a partir
dali. Entre estes, podemos mencionar o Adventismo do Sétimo Dia e as Testemunhas
de Jeová, cujos fundadores eram ex-milleristas ou associados deles. De diversas
partes surgiam pessoas alegando ter "visões", "sonhos", "dons proféticos" ou algum
tipo de conhecimento 'especial'. Algumas das denominações surgidas naquele tempo
são hoje prósperas organizações, com filiais por todo o mundo.

W. Miller - acendeu o pavio e não pôde apagá-lo

Assim como o Adventismo do século XIX, outros movimentos religiosos


propiciaram o ambiente perfeito para a 'fermentação' de novas ideologias, sob o
comando de pessoas com o perfil adequado e à espera de oportunidades. Entre estes,
os assim chamados 'reavivamentos' merecem destaque especial, pois são cíclicos, isto
é, renascem de tempos em tempos, deixando em seu rastro mais algumas centenas
de cultos. Eles freqüentemente promovem eventos de massa, o que os torna um
autêntico 'laboratório' de experimentos na área de comportamento humano. Uma
série destes movimentos teve início, nos EUA, a partir do século XVIII. Um deles, o
pentecostalismo - nascido de doutrinas metodistas e batistas - começou por volta de
1906 e espalhou-se pelo mundo. Um aparentado seu, o movimento carismático - ou
neo-pentecostalismo - iniciou-se cerca de sessenta anos depois, também nos EUA, e
continua a crescer. Ambos os movimentos enfatizam o 'batismo' com Espírito Santo e
os 'dons' milagrosos decorrentes dele - uma alusão ao episódio de Pentecostes,
relatado no capítulo 2 de Atos dos Apóstolos. Tal peculiaridade os torna bastante
atraentes à massa, ávida por espetáculos 'sobrenaturais'. Afinal, quem não gostaria de
experimentar 'bênçãos milagrosas' em sua vida? O apelo apocalíptico e futurista do
antigo Adventismo aparentemente não comove as pessoas tanto quanto os benefícios
imediatos prometidos pelo pentecostalismo. Esperar por um futuro glorioso e distante
pode parecer enfadonho - as pessoas preferem receber benefícios aqui e agora! Isto
talvez ajude a explicar a migração de adeptos de uma denominação para outra.
Daremos agora um enfoque especial à ação de alguns representantes destas correntes
ideológicas em um país prolífico em cultos - o Brasil.

Os Cultos no Brasil
Atualmente, em diversos países, qualquer pessoa pode fundar e registrar uma
igreja - e com muita facilidade. As leis concedem ampla liberdade de culto e não há
mecanismos de fiscalização do funcionamento de tais instituições. Na verdade, elas
contam com total isenção de impostos, o que só vem a estimular o oportunismo.
Certos países têm se tornado um autêntico 'celeiro' místico, importando e exportando
ideologias religiosas. É o caso do Brasil.

Segundo uma pesquisa, encomendada pela revista "Veja" ao Instituto Vox Populi e
destinada a aferir a espiritualidade do povo brasileiro, 99% da população acreditam
em Deus. No entanto, quando indagada sobre a figura do demônio, apenas metade da
população professa acreditar na existência dele. Por outro lado, dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) demonstram que tem crescido o
contingente da população que não professa qualquer religião - ele representa, na
atualidade, cerca de 5% do povo. Trata-se de um notável paradoxo. Com efeito, o
Brasil é um país fecundo em contrastes - sociais, culturais e religiosos.

Ainda segundo estimativas do IBGE, na década de 40, mais de 95% dos brasileiros
se diziam católicos, percentual que caiu para 80% na virada do século. Por outro lado,
os evangélicos saltaram de humildes 2% para 13% no mesmo período, ou seja, o
percentual dos que professam esta corrente religiosa mais do que sextuplicou em 60
anos. A Igreja Católica tem se mostrado apreensiva com estes números e com razão,
pois é de suas fileiras que saem os recém-convertidos dos inúmeros movimentos
religiosos surgidos nos últimos anos. Por esta razão, tratou de adaptar-se aos 'novos
tempos'. Já em 1975, o Papa Paulo VI deu um parecer favorável ao movimento de
renovação carismática, o qual tem crescido grandemente no seio da igreja. Suas
razões não são difíceis de deduzir - a monotonia dos ritos católicos seculares havia
produzido um estado de "letargia" espiritual entre os fiéis, que, entediados,
afastavam-se da igreja, em busca de "algo mais". As inflamadas sessões de glossolalia
(falar em 'línguas') e exorcismo - oferecidas pelas denominações pentecostais e
carismáticas - acabaram por prover a emoção que faltava na vida dos católicos.
Alguns ramos deste movimento levaram suas crenças às últimas conseqüências - por
exemplo, nas colinas do Kentucky e Tenesse, EUA, um culto pentecostal denominado
"Ramo Sagrado da Igreja de Deus" oferece um bizarro espetáculo ao público.
Tomando literalmente o relato do capítulo 16 do evangelho de Marcos, seus membros
promovem um festival de transe coletivo, no qual as pessoas, em estado de histeria e
convulsão, manipulam serpentes venenosas, expõem-se ao fogo e tomam
beberagens. É claro, caso alguém morra envenenado ou sofra queimaduras, a culpa
será sempre atribuída ao fiel, por sua pouca fé...

Neo-pentecostalismo - remédio contra a monotonia


Os líderes de cultos logo perceberam o fascínio do povo brasileiro pelo
sobrenatural e quão bem sucedido - e, eventualmente, lucrativo - tal apelo seria neste
país. Como conseqüência, uma acirrada disputa por fiéis lançou, nos últimos anos, o
mercado religioso em estranha combinação de fé e consumismo. O imediatismo
travestiu-se de espiritualidade. A ênfase cada vez maior aos benefícios materiais fez
nascer uma autêntica "teologia da prosperidade". Tal propaganda gerou também a
visão do 'deus executivo', sempre pronto a negociar suas bênçãos no balcão dos
cultos. A fé dos adeptos passou a ser expressa, não mais em atos de solidariedade
humana ou abnegação, mas, sobretudo, por cifras - quanto mais fé em Deus, mais
doações nos cofres da igreja. Ademais, a certeza apregoada por alguns cultos de que
o retorno se dará em forma de bênçãos faz parecer que quem doa passa à condição
de 'credor' - surge aí a inusitada figura do 'deus endividado'. Para todos os efeitos, o
donativo equivale a uma espécie de 'nota promissória'. Como o calote divino é
impensável, a demora na manifestação da graça só pode indicar uma coisa - o fiel
está sonegando parte de suas obrigações financeiras. O termo 'fiel' talvez devesse,
neste caso, ser substituído por 'cliente'. E o ato de doar talvez fosse melhor definido
como 'investimento'. Da mesma forma, a inusitada figura do pastor 'comissionado' -
aquele que participa nos lucros da igreja - fez do ministro religioso o equivalente a um
'gerente de vendas'. É notável - os termos de economia de mercado jamais se
ajustaram tão bem ao ramo religioso como em nossos dias. Um provérbio árabe diz,
"um tolo e seu dinheiro são rapidamente separados" - no campo religioso, tal
afirmação tem se mostrado notavelmente apropriada. Deveras, os cultos assemelham-
se cada vez mais a empresas prestadoras de serviços, nas quais a propaganda
continua a ser a "alma do negócio". Em vias comerciais movimentadas, igrejas -
improvisadas em galpões empoeirados e com nomes pouco originais - ostentam, lado
a lado, cartazes e faixas repletos de promessas mirabolantes, tal qual uma butique
exibe seus produtos na vitrine, à busca de fregueses. Não apenas a localização e a
fachada, mas o horário de funcionamento de algumas delas também segue os moldes
empresariais - ao invés das tradicionais reuniões nas tardes do fim de semana,
sessões a cada uma ou duas horas, em pleno horário comercial. Por outro lado, a
disposição com que certas instituições religiosas incentivam seus adeptos a se
despojarem de seus bens em favor de suas igrejas contrasta nitidamente com o
gigantesco patrimônio material que elas retêm para si, ano após ano, na forma de
templos cada vez mais suntuosos e contas bancárias milionárias, às quais apenas uma
minoria privilegiada tem acesso. Um exemplo contundente desse tipo de instituição
tem sido um verdadeiro fenômeno de crescimento no Brasil - a Igreja Universal do
Reino de Deus, fundada na década de 70, pelo bispo-empresário Edir Macedo. Como
disse um jornalista, "sua forte inserção na mídia eletrônica, sua desenvoltura no
campo político-partidário, sua diversificada atuação empresarial, sua vertiginosa
expansão no país e no exterior, bem como sua capacidade de gerar escândalos e
mobilizar miríades de fiéis não encontram paralelo na história do protestantismo
brasileiro". Proprietária de uma rede de televisão, inúmeras estações de rádio, um
banco, agências de turismo e empreendimentos em diversas outras áreas, a Igreja
Universal também conta com mais de três mil templos e está presente em cerca de 50
países. Além disso, é força majoritária em um importante partido político.
Se examinarmos o histórico de seu fundador, veremos em sua vida todos os
elementos que lhe conferem o perfil adequado aos líderes de culto. Vejamos: Edir
Macedo nasceu na cidade de Rio das Flores (RJ), em 1945. Seu pai era um pequeno
comerciante e a mãe, dona de casa. Perdeu vários irmãos e uma de suas irmãs sofria
de asma brônquica. Viveu períodos de crises existenciais, enquanto freqüentava a
Igreja Católica e os terreiros de umbanda, simultaneamente. A doença da irmã
acabaria por impeli-lo em outra direção - ela fora supostamente curada em uma igreja
pentecostal denominada "Nova Vida", no ano de 1963. A exaltação espiritual logo o
levaria a converter-se ao referido movimento. Todavia, sua personalidade egocêntrica
não poderia ser confinada indefinidamente dentro de um círculo social que não
refletisse seu pensamento e estivesse sob seu controle. Cerca de doze anos mais
tarde, ele rompeu com sua anterior congregação, criando um movimento dissidente,
denominado "Cruzada do Caminho Eterno". Este também não ficaria incólume por
muito tempo - em apenas dois anos, uma nova cisão daria origem à Igreja Universal.
Macedo chegaria a ingressar na universidade, porém não concluiu qualquer curso. Em
1977, largou seu emprego de servente em uma casa lotérica no Rio de Janeiro, para
dedicar-se exclusivamente à sua recém-criada igreja. Quem a visse em seu humilde
começo, no prédio de uma antiga funerária, no bairro da Abolição, dificilmente lhe
prognosticaria um futuro diferente de muitas outras - esquecidas na obscuridade de
ruas de periferia enlameadas, nos guetos de miséria do país. Todavia, a partir de uma
perfeita combinação de mídia e misticismo, um império religioso, político e econômico
foi erguido. Resumindo: uma infância conturbada, uma história de sofrimento e crise
existencial, um caráter místico, uma personalidade megalômana e carismática, um
extraordinário talento empresarial e o ambiente propício; a combinação destes fatores
- a história assim o mostra - só poderia resultar no nascimento de um culto. A
diferença estava em seu líder - um visionário que discernia a importância de ter, em
uma mão, o poder da mídia e, na outra, o poder político. Nada o deteria!

Para atingir seu objetivo, Edir Macedo ressuscitou um velho, mas eficiente recurso
religioso - o fetichismo. Segundo o historiadorPaul Johnson, a partir do 4o. século, o
bispo de Milão, Ambrósio, introduziu o culto a relíquias - havia quem alegasse possuir
o corpo de Sto. Estêvão, a cabeça de João Batista, a própria cruz de Cristo e até um
dente de São Benedito. Cemitérios foram saqueados em busca de objetos preciosos
dos 'santos'. Espalhadas pela Europa, havia cinco tíbias do jumento sobre cujo lombo
Jesus entrou em Jerusalém - como se o animal tivesse possuído cinco patas! Tal
prática caiu no ridículo, lançando vitupério sobre o cristianismo. Ainda assim, vestígios
dela permanecem até hoje. Por exemplo, a Igreja Católica guarda, desde o século
XIII, em uma catedral de Nápoles, na Itália, um recipiente supostamente contendo
uma amostra de sangue de São Genário, o qual se liquefaz 'milagrosamente', todos os
anos. Em Turim, persiste até hoje um dos diversos sudários surgidos na Idade Média.
Apesar de apontado, por análises científicas, como uma falsificação do século XIV, a
reverência à relíquia é mantida pelo fascínio que exerce sobre os fiéis. De fato,
milhões de fiéis peregrinaram, por séculos, até ele, eventualmente deixando gordas
contribuições para os cofres da Igreja Romana. A Igreja Universal relançou a antiga
fórmula, desenvolvendo seus próprios fetiches. Por exemplo, em suas sessões, é
costumeiro apresentar um copo d'água para ser abençoado, lembrando de perto a
liturgia espírita, na qual o mesmíssimo objeto - um copo com água - é posto para ser
'energizado' por espíritos; ou a aspersão de água benta, realizada em ritos católicos.
Lençinhos 'abençoados' também são, ocasionalmente, distribuídos ao público. Há
algum tempo, a igreja criou sua própria versão do sudário de Turim – um gigantesco
pedaço de pano, ao qual se atribuem poderes sobrenaturais, tem sido passado por
sobre as cabeças dos fiéis durante os cultos, fazendo lembrar as inflamadas torcidas
de futebol quando realizam um ritual semelhante usando as bandeiras de seus clubes,
em estádios lotados. E, como acontecia na Idade Média, o recurso tem surtido forte
efeito, levando as pessoas a um estado de euforia coletiva. Deveras, a criatividade dos
dirigentes da Universal parece não ter limites. De tempos em tempos, novos
'lançamentos' têm gerado nas platéias um frenesi semelhante àquele do século XIII.
Há 'produtos' para todos os gostos, desde sabonetes, folhas de arruda e até
palmilhas. Com efeito, todo e qualquer fetiche que Edir Macedo e seu pessoal criem
ou venham a criar – por mais bizarro que seja – encontrará sempre uma resposta
positiva da parte de seus crédulos seguidores.

Curiosamente, os rituais de exorcismo, com pessoas supostamente possessas,


contorcendo-se e sendo dominadas por pastores trajados de branco, bem como o
jargão empregado nos cultos e tão comum no cotidiano dos adeptos - "encosto",
"amarrado", "descarrego" etc. - lembram de perto a liturgia da umbanda e do
candomblé, ferozmente atacados por Edir Macedo, em seus livros. O empréstimo
desses termos são indícios claros de sua antiga fascinação por tais temas e de seu
passado envolto em ocultismo. É irônico que ele próprio tenha enxergado nos
símbolos religiosos afro-brasileiros, tão enraizados na cultura popular, um eficaz
instrumento demarketing. Todavia, a rápida ascensão da Igreja Universal não estaria
livre de problemas...

Como se sabe, as sessões de culto da igreja têm sido marcadas por uma
abundância de símbolos ditos 'sagrados', tais como vinho, água, óleo etc.
Surpreendentemente, um dissidente declara que o vinho 'curativo', oferecido nas
reuniões, era, na verdade, suco de uva em pó - desses à venda em qualquer
mercearia; que a água, apresentada nas sessões do culto como obtida do Rio Jordão,
era oriunda da companhia municipal de água e esgotos, e que o óleo de 'unção',
supostamente proveniente de Jerusalém, não passava de azeite comum, comprado
em supermercados. O dissidente acima mencionado chama-se Mário Justino de Souza,
um menino pobre nascido na Bahia e que, aos 15 anos de idade, abandonou a família
e recusou uma bolsa de estudos para residir na sede da igreja. Sua carreira foi
meteórica - logo se tornaria um dos mais ardorosos e prestigiados pastores da
Universal. Sua presença era suficiente para atrair milhares de fiéis. Todavia, à medida
que se aproximava da cúpula do culto - como é, aliás, costumeiro - sua fé,
inexoravelmente, declinava. Atormentado por sua homossexualidade, ele acabaria se
envolvendo sentimentalmente com outro pastor. Padecendo de dores de consciência,
procurou um superior e relatou o acontecido. Após a conversa, foi incentivado a
manter sigilo absoluto e esquecer o caso. Segundo ele, pressionado pela igreja,
ingressou em um casamento infeliz e, sobrecarregado com os afazeres da fé, sequer
pôde estar presente ao funeral de sua mãe. Na fase mais crítica de sua vida,
envolveu-se com drogas e prostituição. Em 1995, afastado da organização por ser
portador do vírus HIV, ele lança um bombástico livro intitulado "Nos Bastidores do
Reino de Deus", nos quais disseca toda a entidade e faz revelações estarrecedoras
sobre seu funcionamento. Familiarizado com os interstícios da igreja, tinha
conhecimento de fatos que jamais chegaram ao conhecimento dos fiéis. Aqueles que
esperavam encontrar no livro um tom rancoroso e vingativo, ficariam surpresos com o
linguajar simples e franco do autor, o qual acabou, na verdade, produzindo uma
autobiografia, na qual relata toda sua trajetória, desde o humilde começo, passando
pelos momentos de glória no púlpito da igreja, até sua maior aflição, abandonado no
exterior por seus ex-associados e sem, ao menos, ter como retornar ao Brasil. Mário
não poderia falar das graves transgressões da igreja sem falar nas suas próprias, e ele
o faz de forma aberta, citando nomes de pessoas e lugares, bem como assumindo
plenamente suas culpas. Talvez esse seja o ponto mais forte do relato. A obra, porém,
não passaria mais do que um mês no mercado - uma ação judicial impetrada pela
Universal retirou o livro de circulação, em 15 de dezembro de 1995. Deveras,
considerando seu conteúdo, a organização de Macedo muito teria a temer com sua
divulgação. Eis alguns trechos, particularmente chocantes:

"As reuniões dos pastores, que nos anos anteriores continham leituras de salmos (...)
assumiam agora características de reunião de conselho administrativo de megaempresa.
Os assuntos do dia eram a compra e venda de imóveis ao redor do mundo, as cotações do
ouro e do dólar ou os movimentos das bolsas de São Paulo e Londres. O único Evangelho
pregado nesses encontros era aquele segundo Lilian Witte Fibe".

"Jogávamos pesado nos programas de televisão. Quebrávamos imagens de santos


católicos e, durante os cultos, queimávamos as roupas de candomblé e colares de
miçangas levados pelos filhos-de-santo que se convertiam. O povo vibrava. Nós o
fazíamos vibrar."

"Havia tido minha primeira relação sexual, com um homem, também pastor, da própria
Igreja Universal do Reino de Deus. Pensei em largar tudo, pois já não me sentia mais
digno de continuar pregando a palavra de Deus. A condenação do Levítico martelava
diuturnamente a minha mente: 'Maldito é o homem que se deita com outro homem'."

"Sexo e dinheiro eram as maiores causas de queda dos pastores. Talvez pelo fato de esses
dois itens serem muito acessíveis dentro da igreja. Quase todos os pastores recebiam
bilhetinhos de mulheres se declarando apaixonadas e implorando por uma tarde de amor
em um motel de beira de estrada. Algumas mulheres que freqüentavam a igreja viam os
pastores como galãs de telenovelas que povoavam as suas fantasias. Sempre vinham a
nós confessando os sonhos sexuais que tinham conosco... Sexo, porém, não era motivo
para mandar um pastor embora. A não ser quando o adultério ganhava proporções de
escândalo..."

"Quando o bispo fechou a compra da Record, por US$ 45 milhões, nós tivemos de 'pagar o
pato'. Apesar de que não havia necessidade disso, nossos salários foram cortados por três
meses com a desculpa de que a igreja precisava economizar dinheiro para o investimento.
Ninguém se atreveu a protestar."

Esse último trecho refere-se a uma gigantesca e obscura operação financeira sobre
a qual pairam, até hoje, graves suspeitas, a saber, a compra de uma rede de
televisão. Edir Macedo tornou-se, algumas vezes, vítima de uma coisa que sempre
caracterizou sua trajetória - a dissidência. Só que ela veio de uma fonte inesperada -
alguém que tinha sido, por anos, seu associado íntimo e "braço direito", o pastor
Carlos Magno de Miranda, afastado da igreja em 1991. Em entrevista à maior
emissora do país, a TV Globo, Magno entregou um dossiê, no qual denunciava, entre
outras coisas, o envolvimento da Igreja Universal em lavagem de dinheiro do
narcotráfico colombiano. Além disso, levou a público duas fitas de vídeo: uma
mostrava uma 'aula' de Edir Macedo a seus bispos sobre a melhor técnica de extorquir
dinheiro dos fiéis, e a outra - mais chocante - mostrava o bispo-empresário, nos
bastidores, agarrado a sacos de dinheiro, em meio a caretas, e caçoando de suas
vítimas (os vídeos podem ser vistos neste
endereço: http://media.putfile.com/macedo). Infelizmente, as investigações foram
eclipsadas no turbilhão de uma degradante rixa entre as duas emissoras, a que
divulgou as denúncias e aquela controlada pela igreja.

À esquerda, o ex-pastor da Igreja Universal, Carlos Magno, concede entrevista, na


qual faz graves denúncias contra a instituição. À direita, uma das reportagens que
foram a público como conseqüência das denúncias.

Magno descreveu seu antigo colega como um indivíduo inescrupuloso, fanático por
vídeos eróticos e sexualmente insaciável - sem dúvida, um quadro bem diferente da
figura piedosa e entusiástica que aparecia no púlpito da igreja. Uma autoridade do
ministério público, ao assistir a fita, requisitou-a, afirmando tratar-se de um crime.
Obviamente, Macedo pôde contar com hábeis advogados para protelar o inquérito
ou livrá-lo da pena. Seu patrimônio lhe permitia tal privilégio. Além disso, inquéritos
não eram novidade na história da organização. Por volta da mesma época, um dos
bispos da igreja cometeu crime de vilipêndio a objeto de devoção religiosa, ao chutar
a imagem de uma santa católica, diante das câmeras. Uma juíza da comarca do Rio de
Janeiro, após anos de acompanhamento das atividades do bispo, declarou, em
entrevista televisiva, "a Igreja Universal não passa de uma rede de estelionatários".
Enquanto isso, uma onda de denúncias varria as páginas dos principais jornais
brasileiros. Seriam todas improcedentes?

Edir Macedo em três momentos: diante de seu público, nos grandes espetáculos da
Igreja Universal; a seguir, no instante mais desonroso de sua trajetória, brincando com
dinheiro, no intervalo de uma sessão de doações; por último, na cadeia, após uma
das denúncias de que foi alvo na década de 90.
Curiosamente, o denunciante Magno - a despeito do 'arsenal' de denúncias contra
seu antigo associado - parece ter continuado a crer no modelo proposto por Macedo,
pois fundou ele próprio sua igreja na cidade do Recife, nos mesmos moldes litúrgicos
daquela da qual desertou. Obviamente, com a diferença de não ter alcançado o
mesmo sucesso. Esse episódio mostra que o líder da Universal fez 'escola' - agora é
ele que perde adeptos para alguns de seus ex-pastores...

Diante do peso das imagens, amplamente divulgadas na mídia, e não podendo


negá-las, a direção da Igreja Universal lançou mão de uma estratégia muito comum
na política demagógica, o argumento dissociativo - tudo não passaria de
erros individuais de Macedo, sem qualquer conexão com o verdadeiro espírito da
organização. Ele não era a igreja, apenas um membro dela e tudo não passava de
perseguição de opositores religiosos. Dito de outra forma, seria o mesmo que dissociar
da Igreja Católica a figura do Papa. Os partidos políticos também costumam usar esse
argumento quando suas figuras de destaque são flagradas em crassa corrupção. Em
tais circunstâncias, invariavelmente, se dizem alvo de perseguição política. Neste caso,
a alegação poderia até apresentar alguma consistência, caso o acusado tivesse sido
afastado de suas funções - não foi o caso de Macedo, pois ele exerce normalmente
seu mandato e ainda goza de prestígio e respeito entre seus comandados. Ora, como
seria possível dissociar o criador de sua criação? Não é ele, além de líder espiritual e
fundador, a máxima autoridade civil e eclesiástica da igreja, até hoje? Não representa
ela - a Igreja Universal - a personalidade de seu fundador e presidente? Para os fiéis,
como seria de esperar, a defesa foi convincente. É compreensível, pois, para eles,
seria mais fácil abrir mão da lucidez do que renunciar àquilo ao qual já haviam
dedicado suas vidas e seus recursos. Trata-se de gente crédula e simples, em sua
maioria.

A prática de prometer um derramamento de bênçãos em troca de generosas


doações a uma igreja nada mais é do que uma versão moderna das famigeradas
indulgências da Idade Média, por meio das quais o Papa Leão X garantia a seus
súditos o perdão de pecados e a bem-aventurança celestial em troca de dinheiro,
suscitando os protestos de Lutero e outros. Foi a gota d'água para a deflagração da
Reforma, no século XVI. No cenário atual, há um agravante - o pontífice não prometia
riquezas materiais àqueles que tiravam de seus bolsos para a construção de suntuosas
catedrais góticas. Com efeito, a prosperidade material tem sido um tema constante
nos cultos da Igreja Universal - é impressionante a frequência com que termos
financeiros, tais como "cheque", "promissória", "dívida" etc., aparecem nos discursos
dos pastores. É também digno de nota que, em face da falta de relatos de
prosperidade no Novo Testamento - de fato, não há um só exemplo bíblico de alguém
que foi 'abençoado' com riqueza material após se tornar cristão -, Edir Macedo e seus
associados vejam-se obrigados a recorrer constantemente ao Antigo Testamento, em
busca de exemplos como os de Abraão, Jó e Salomão, os quais viveram em grande
riqueza, séculos antes do cristianismo. Desse modo, conseguem justificar, perante os
adeptos, seus estridentes apelos por dinheiro. Todavia, não se pode deixar de notar o
gritante contraste entre essa prática e os repetidos alertas contra o materialismo,
proferidos por Cristo no sermão da montanha e em outras ocasiões, tendo feito duas
célebre declarações: "é mais fácil a um camelo passar pelo fundo de uma agulha do
que é para um rico entrar no reino de Deus" (Lucas 18: 25), e "não podeis trabalhar
como escravos para Deus e para as riquezas" (Mateus 6: 24). Diante disso, é, sem
dúvida, estranho que professos seguidores de Jesus estejam tão avidamente à busca
de conforto material como recompensa por sua fé. Obviamente, a famigerada
"teologia de prosperidade"' e o pensamento cristão são inconciliáveis.

Instituições como a Igreja Universal tornaram a religião um negócio sórdido.


Incentivar uma pessoa pobre e desvalida a desviar seus parcos recursos da boca de
suas crianças famintas ou subnutridas, para engrandecer um próspero
empreendimento, em troca de promessas vazias, é desumano, antiético e - por que
não dizer - criminoso! É chocante ver pastores inflamados prometendo aos ouvintes
um mundo de prazeres físicos, na forma de empresas lucrativas, mansões e
automóveis de luxo. A mensagem de simplicidade, pregada pelos apóstolos de Cristo,
foi reduzida a tagarelice sem sentido. Em sua segunda carta a Timóteo, Paulo diz:
"Tendo sustento e com que nos cobrir, estaremos satisfeitos com estas coisas" (II
Tim. 6: 8). Por outro lado, os arautos em torno daqueles que doam percentuais fixos
de sua renda à igreja - os assim chamados "dizimistas"-, glorificados em sessões
preparadas especialmente para eles, constituem uma clara violação do princípio
expresso em Mateus 6: 2-4, ou seja, "ao fazeres doações, que a tua esquerda não
saiba o que faz a tua direita". Em suma, apenas a ignorância das escrituras cristãs e o
desespero popular em um país de extremas desigualdades sociais podem explicar a
adesão de tantas pessoas a essa doutrina hedionda e teologicamente órfã.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Superior de Estudos da Religião no Grande


Rio de Janeiro, em meados da década de 90, revelou ser a Igreja Universal,
basicamente, uma religião de mulheres - elas correspondem a cerca de dois terços
dos membros. Além disso, de acordo com o mesmo estudo, 63% dos fiéis da
Universal ganhavam menos de dois salários mínimos e 28% recebiam entre dois e
cinco salários. Em outras palavras, 91% recebiam mensalmente menos de cinco
salários; 50% tinham menos de quatro anos de escolaridade e 85% não haviam
superado o primário. A partir destes dados, é fácil constatar que o êxito deste culto
consiste, em grande parte, na exploração do desespero e miséria populares. Um
jornalista sintetizou tal cenário social de forma brilhante, com as seguintes palavras:

"Embora tal fenômeno religioso não seja mero efeito de nossa modernização e política
econômica excludentes, sua pujança advém da tentativa de milhões de excluídos de
superar a injustiça social e os problemas afetivos, psíquicos e físicos de toda espécie.
Desiludidos e frustrados com os poderes constituídos, inseguros e dotados de baixa auto-
estima, crêem contar apenas com o poder divino, ainda que tal poder supostamente seja
intermediado, entre outras, por uma eficiente e implacável caixa registradora chamada
Igreja Universal do Reino de Deus."

A velha fórmula de Edir Macedo funciona bastante bem, mas não é perfeita - já
apresenta sinais de desgaste. À época da produção desse texto, uma reportagem da
revista "Isto É" retratou uma crise empresarial sem precedentes na história do
culto. Segundo o artigo, a Universal assiste ao pior momento de sua história - o
faturamento da igreja começou a despencar no Brasil. Caiu de R$ 1 bilhão ao ano, no
início de 1990, para R$ 420 milhões, em 96. No pico, em 1989, havia chegado a US$
1,5 bilhão. Atento às planilhas e gráficos que lhe são apresentados diariamente, o
'bispo' foi informado de que 30% dos fiéis da Universal migraram para as igrejas
pentecostais "Assembléia de Deus", "Deus é Amor", "Renascer em Cristo" e, em
menor escala, para outras denominações tradicionais. Além disso, o Banco Crédito
Metropolitano, de propriedade de Macedo, está na mira do Banco Central, após
investigações terem apontado para fraudes da ordem de R$ 13 milhões. Para salvar
seu império, o líder da Universal anuncia uma série de medidas: remover pessoas de
cargos-chave, construir, no Rio de Janeiro, uma monstruosa catedral - segundo ele, a
maior do mundo - e investir em entidades filantrópicas. Todas as medidas são
administrativas e de cunho político - próprias de um grande empresário. Afinal, a
prática de investir em benefícios sociais para a população, como forma
de marketing, já é conhecida dos traficantes de drogas nos morros do Rio de Janeiro,
os quais, às vezes, buscam granjear a simpatia da comunidade por este meio. E, não
raramente, conseguem...

A crise parece estar visitando também outras ideologias. Um antigo estandarte


das religiões, o apelo apocalíptico, parece ter perdido sua força na virada do século. É
compreensível - um significativo número de cultos, baseados na escatologia, havia
previsto grandes acontecimentos para o século XX. Algumas denominações chegaram
a anunciar a vinda de Jesus Cristo diversas vezes. Ingressar no século XXI, sem que
nada espetacular e sobrenatural acontecesse ao mundo, parecia impensável para
muitos religiosos. Entre eles, um grupo, merece destaque - as Testemunhas de
Jeová. O movimento chegou ao Brasil em 1920. Dois anos depois, a Sociedade Torre
de Vigia - representante mundial da religião - enviou seu primeiro representante ao
Brasil, cuja visita ensejou a primeira reunião pública, realizada no Estado do Rio de
Janeiro, no auditório do Automóvel Clube do Brasil. Suas atividades chegaram a ser
proscritas em território brasileiro, durante a gestão do presidente Getúlio Vargas, na
década de 40, sendo restauradas na década seguinte, porJuscelino Kubitschek. A
organização tinha contra si um processo judicial, o qual fora arquivado.

A História das Testemunhas de Jeová remonta ao fenômeno do "Segundo


Advento", já mencionado neste trabalho. O fundador dos então "Estudantes da
Bíblia", Charles Taze Russell, era um próspero comerciante, que vagava de religião em
religião, até se deter em um culto Adventista, no ano de 1869. De sua convivência
com os adventistas, herdou suas crenças básicas - a mortalidade da alma, a
inexistência do inferno, a restauração de um paraíso terrestre e a parusia de Cristo,
supostamente ocorrida no ano de 1874. A crença em datas apocalípticas não era nova
nos tempos de Russell. Sobre isso, o historiador Paul Johnson comenta:

"... A prova em contrário por parte dos acontecimentos parece não ter contribuído em
nada para abalar a crença humana na profecia; anos cruciais vieram e se foram - 1260,
1290, 1305, 1335, 1350, 1360, 1400, 1415, 1500, 1535; nada ocorreu tal como predito,
mas, ainda assim, as pessoas acreditavam." - História do Cristianismo, p. 311

Na verdade, o declínio da escatologia começara já no primeiro século, seguido de


sucessivos 'reavivamentos'. Coube a rabinos comoAkibah Ben Joseph (50 - 132 DC) o
papel de impulsionar a arte de interpretar profecias, com resultados sofríveis. Antes
dele, os cristãos primitivos esperavam um curtíssimo prazo entre o batismo e a
salvação. Morreram sem ver a tão esperada vinda do Senhor, da mesma forma que as
gerações futuras. No século XII, os cristãos reiniciariam as previsões para o 'fim do
mundo', na pessoa do monge italianoJoachim de Fiore (1132–1202) - com novas
frustrações. Com efeito, quem ignora o passado, condena-se a repeti-lo. Este
certamente têm sido o caso das Testemunhas de Jeová - ao longo de sua história,
seus líderes as induziram a alimentar fortes expectativas com respeito aos anos de
1914, 1925, 1975 e, finalmente, a virada do século XXI. Contudo, de modo
semelhante aos primeiros séculos ou à Idade Média - após sucessivos
desapontamentos, seus adeptos ainda continuam a crer na iminência de um evento
espetacular. Obviamente, assim procedem muito mais pela necessidade de crer do
que pelo peso das evidências factuais.

Nada há de condenável em ter esperanças gloriosas quanto ao futuro - ao


contrário, pode ser algo extremamente saudável. Elas só começam a ser objeto de
preocupação quando adquirem caráter fundamentalista, influindo no curso normal da
vida do indivíduo. Foi exatamente o que ocorreu a milhares de Testemunhas de Jeová
na década de 70. De acordo com relatórios provenientes da própria organização,
muitos adeptos se desfizeram de seus bens ou abandonaram as atividades cotidianas
para se dedicar à divulgação da tão esperada data (Ministério do Reino de
julho/1974). Até cirurgias foram adiadas em função do evento. Além disso, muitos
jovens abandonaram os estudos ou carreiras promissoras em razão de contínuos
apelos aos adeptos para que agissem desta forma (Ministério do Reino de
junho/1969). Infelizmente, não há estatísticas disponíveis sobre o número de jovens
que foram seriamente prejudicados em suas vidas profissionais em razão de darem
ouvidos às determinações emanadas da Sociedade Torre de Vigia. Como também não
há estimativas quanto ao número de mortes decorrentes de um aspecto muito mais
grave das crenças da organização - sua proibição ao uso medicinal de sangue e
derivados (mais informações em http://www.geocities.com/torredevigia/medicos.htm). Vários
casos médicos envolvendo Testemunhas de Jeová e sua recusa a tratamentos
ocuparam as páginas de importantes jornais brasileiros, tendo péssima repercussão
junto à população. Se adicionarmos a isto a proibição ao voto válido nas eleições, a
proibição ao serviço militar - acarretando a cassação do jovem - e a proscrição de
celebrações populares, comprometendo a vida social do indivíduo, não é difícil
compreender o lento crescimento desta denominação, exceto na iminência de datas
'proféticas'. Deveras, relatórios provenientes da sede da organização mostram esta
tendência. Por exemplo, nos anos que antecediam 1975, a entidade apresentou
sucessivos crescimentos, atingindo um pico extraordinário no ano de 1974 -
mundialmente, quase 300 mil novos candidatos se batizaram! Porém, ao passo que
ficava claro o completo fracasso da previsão, os gráficos apontavam para um rápido
decréscimo aos níveis anteriores à malfadada 'profecia'. Mas, restava ainda um último
trunfo - a virada do século. A despeito do fiasco de 75, a literatura da Sociedade Torre
de Vigia ainda alimentava as mentes dos fiéis com expectativas quanto ao século XX -
na verdade, muitas seitas e sociedades esotéricas ao redor do mundo faziam o
mesmo. Bastaria que uma Testemunha fosse indagada durante os anos 80 sobre a
possibilidade de o mundo entrar no século XXI sem a materialização de suas
esperanças, para perceber o quão incogitável isto seria. Todavia, como ocorre há
gerações, o tempo passou, o incogitável aconteceu e os grupos religiosos baseados na
escatologia entraram numa séria crise de identidade. Com efeito, o relatório de 2001,
publicado pela Sociedade Torre de Vigia, revela que o movimento estagnou ou está
em decréscimo no Canadá, EUA, Japão e Europa. Só registrou um pequeno
crescimento no México, Brasil e alguns países africanos. Em outras palavras, o culto só
cresce em países pobres ou em desenvolvimento, nos quais as condições sociais são
precárias e o povo tem baixo nível de escolaridade - um mercado que outras seitas já
estão explorando, com sucesso.

Don Adams, o sexto presidente da Sociedade Torre de Vigia, em Brooklyn-EUA, é o


herdeiro deste quadro sombrio e cabe a ele tentar revertê-lo. Todavia, é pouco
provável que o consiga, pelo menos a curto prazo. Ele não possui o carisma pessoal
de alguns de seus antecessores. Além disso, seus recursos estão limitados às
doutrinas históricas do culto, o que encurta bastante seu raio de ação.

O problema com as Testemunhas de Jeová repousa sobre seus alicerces


ideológicos - trata-se de um culto fundamentalista cujo atrativo central consiste na
perspectiva de um paraíso terrestre, repleto de prazeres físicos. A literatura da
organização, principalmente a partir de 1935, tem estampado belíssimas gravuras de
um mundo onírico, com fartura de alimentos e paisagens encantadoras, povoado por
pessoas jovens, belas, saudáveis, felizes e eternas, vivendo em paz entre si e com os
animais - uma utopia que perde pontos para o paraíso capitalista prometido para
já pelas seitas carismáticas. A despeito do quanto os olhos possam anelar tal cenário
deslumbrante, permanece o fato de que é uma idealização futura, continuamente
adiada - as pessoas estão muito mais inclinadas a ceder a apelos imediatos. É
exatamente nesse ponto que reside o contraste entre a explosão dos cultos neo-
pentecostais e o esvaziamento das religiões escatológicas. As massas parecem se
voltar hoje para um tipo inusitado de cristianismo - o 'de resultados' (especialmente
resultados materiais). Para agravar ainda mais o quadro, as Testemunhas de Jeová
vão na contra-mão do movimento carismático - não advogam dons miraculosos nem
prometem prosperidade material aos fiéis. O processo de entrada na organização não
é sumário. Os novos conversos são atraídos ao movimento por uma medida de apelo
intelectual - eles têm de estudar um, às vezes dois livros, antes de se candidatarem ao
batismo. As doutrinas pouco ortodoxas do culto os obrigam a familiarizarem-se com
alguns termos gregos e hebraicos. Ainda são submetidos a um curso antes da tão
desejada imersão. Talvez resida aí a maior força e, paradoxalmente, a maior fraqueza
das Testemunhas. Como elas não são submetidas a experiências 'sobrenaturais' - na
verdade, julgam-se esclarecidas demais para cederem a tais 'superstições' - suas
convicções repousam sobre as alegações históricas de sua comunidade. É um vínculo
frágil por carecer de bases afetivas, as quais costumam obscurecer o raciocínio,
mantendo cativo o adepto, mesmo diante da inconsistência doutrinal. A verdade
perturba quando a mentira convence. Uma vez um membro do culto seja exposto a
fatos questionáveis sobre sua religião, isto provavelmente produzirá um sério abalo
em sua fé. Esta possibilidade real obriga os líderes das Testemunhas de Jeová a impor
um rigoroso sistema de censura. Consultar literatura crítica ou falar com ex-membros
implica no banimento social da pessoa - uma prática que fere claramente o artigo 18
da Declaração Internacional dos Direitos Humanos. Como o espírito humano é
historicamente insubmisso, mais e mais adeptos têm transigido e desertado da
religião, após terem acesso a informações na rede de computadores. Há uma
quantidade surpreendente de páginas na internet , as quais concentram seus esforços
em fazer denúncias contra a Sociedade Torre de Vigia. Talvez tal reação adversa de
ex-membros possa se justificar no hermetismo social que impera no ambiente em que
vivem as Testemunhas. O tribunal eclesiástico delas funciona em moldes bem
diferentes das cortes democráticas do mundo, produzindo, freqüentemente, revolta
nos réus que recebem a sentença máxima - relegando-os ao ostracismo, fora do
contato com amigos de longa data e, às vezes, a própria família. É cada vez menor o
número de pessoas dispostas a pagar tal preço por uma promessa que vem sendo
adiada há mais de um século. Deste modo, o destino da entidade dentro do cada vez
mais concorrido mercado religioso parece um tanto sombrio. O novo século apenas
começa. Não há datas especiais à vista. A liderança do culto encontra-se em um sério
dilema: ou mutila sua ideologia, a fim de criar novos atrativos - o que, sem dúvida,
terá seu preço - ou será a própria organização mutilada pela perda massiva de
membros. É esperar para ver...

Don Adams - Pela frente, uma ingrata tarefa...

O território brasileiro tem sido pasto para toda sorte de movimento esotérico ou
culto, a ponto de um deles cobiçar - não apenas adeptos entre os brasileiros - mas o
próprio solo nacional. Trata-se da Igreja da Unificação, um movimento cujo criador, o
coreano Sun Myung Moon (conhecido como 'Reverendo' Moon), visualizou, neste país,
um novo "jardim do Éden". Segundo uma reportagem do famoso jornal New York
Times, ele teria investido cerca de 30 milhões de dólares em propriedades rurais no
Estado do Mato Grosso do Sul, despertando a preocupação do governo estadual. A
área total adquirida é de cerca de 570 quilômetros quadrados. Ninguém sabe ao certo
quais as pretensões do homem que, há mais de sessenta anos, se descobriu o
"sucessor" de Jesus Cristo, mas, a julgar pelo rastro deixado por ele em outros países,
as autoridades brasileiras têm razões para apreensão. O 'Reverendo' Moon tem o
hábito nada saudável de freqüentar a prisão nos países onde se instala. Já foi
encarcerado em seu país de origem, a Coréia do Norte, depois mudou-se para a
Coréia do Sul, onde também foi preso e, finalmente, foi condenado e cumpriu pena
nos EUA - as principais acusações, nestes casos, foram sonegação de impostos e
evasão de divisas. Moon criou sua igreja oficialmente em 1954 e ficou famoso por
aliciar jovens para seu movimento. Sobre isso, os autores George Mather e Larry
Nichols comentam:

"Moon alcança o maior sucesso evangelístico entre os jovens, os quais, ao abandonar o lar
e os estudos, freqüentemente sentem-se inseguros e solitários. São abordados por
pessoas simpáticas e amáveis, que lhes oferecem a necessária segurança durante o
momento da vulnerabilidade. O candidato recebe o convite para uma visita inicial a uma
casa onde outros membros da seita concedem-lhe amor e compaixão. Depois disso,
segue-se um retiro de final de semana, no qual o candidato é cercado de atenção especial,
palestras, cânticos e orações. O bombardeio dos ensinos da Unificação, juntamente com a
manipulação emocional feita durante as muitas horas de treinamento, são armas eficientes
na conquista do indivíduo, a fim de transformá-lo em um convertido totalmente
comprometido." - Dicionário de Religiões, Crenças e Ocultismo (2000), p. 202

O estudioso Steve Hassan, mencionado neste trabalho, foi ele próprio um devoto
seguidor deste culto por vários anos. Em seu testemunho, ele expõe o abuso de
autoridade praticado pelo líder do culto, o qual, segundo ele, exerce controle total
sobre a mente de seus comandados. "Mais que uma seita, trata-se de um negócio que
se esconde atrás da fachada de religião, a fim de ganhar dinheiro", diz o arcebispo de
Campo Grande, capital do Mato-Grosso do Sul. As palavras do sacerdote não parecem
infundadas - o culto da Unificação foi criado nos moldes de uma religião-empresa,
possuindo hoje, pelo menos, cinco organizações eclesiásticas, quatro grupos políticos
e seis empresas. No entanto, desde 1996, seu império econômico entrou em declínio.
Escândalos financeiros rebentaram de todos os lados. Seus débitos ultrapassaram a
cifra de US$ 1 bilhão e dezessete de suas companhias estiveram sob intervenção.
Desse modo, sua entrada em qualquer país sempre desperta a desconfiança das
autoridades. O governador do estado onde Moon adquiriu as terras diz: "Ninguém
sabe o que ele pretende aqui, quais os objetivos de seus investimentos ou a origem
de seu dinheiro. Isto tornou-se uma questão de segurança nacional, e eu acho
necessária uma investigação".

A julgar pelo desfecho de inúmeros outros inquéritos envolvendo as atividades


ilegais de cultos, é pouco provável que as autoridades consigam uma ação eficaz em
defesa da população e da soberania nacional. Se as fitas do caso Edir Macedo -
requisitadas pelo ministério público, em face das bizarras cenas de exploração da fé
pública - em nada resultaram até esta data, é normal indagar o quê, afinal, constituiria
evidência irrefutável de crime, ensejando as penas cabíveis por lei. O rito processual
brasileiro é marcado pela lentidão, ante a virtualmente infinita possibilidade de
interpor recursos protelatórios - alguns inquéritos passam por centenas deles. Uma
investigação feita por uma equipe jornalística demonstrou que, por exemplo, nos EUA,
os advogados buscam, acima de tudo, a composição de acordos judiciais, ao passo
que, no Brasil, busca-se, primariamente, retardar o andamento do processo. Algumas
sentenças levaram décadas para ser emitidas e, em certos casos, nada mais se pôde
fazer, em virtude de já se ter alcançado o prazo de prescrição da culpa. Além disso, a
benevolência das leis que regulam a atividade religiosa dificultam a distinção entre as
associações que o legislador tinha, de boa-fé, em mente, e as meras quadrilhas de
estelionatários, travestidas de religião. Talvez um dos maiores escudos para atividade
ilícita seja a isenção total de impostos - as igrejas podem servir de fachada perfeita
para a 'lavagem' de dinheiro obtido criminosamente. A relutância delas em, ao menos,
declarar sua renda deixa no ar certas dúvidas - o que temem, afinal? O controle do
estado sobre suas ações ou, antes disso, o conhecimento da sociedade acerca de sua
riqueza? Um caso típico é o das Testemunhas de Jeová na França, onde foram
recentemente condenadas a pagar milhões em impostos atrasados - milhares de fiéis
saíram em passeata pelas ruas, se dizendo alvo de perseguição religiosa. Além do
gesto ser estranho àquela comunidade, a qual prega a total neutralidade política - o
que incluiria manifestações públicas de protesto - o argumento usado desvia a
atenção da questão central, que é tributária e não religiosa. As autoridades francesas
não proscreveram a atividade da Sociedade Torre de Vigia em seu território, apenas
cobraram dela uma obrigação que a todos é imposta legalmente. A reação desta
comunidade reflete a ideologia das religiões como um todo. Por que os sistemas
religiosos insistem em privilégios fiscais? Não ensinam as Escrituras, claramente, a
render, "a quem exigir imposto, o imposto" (Romanos 13: 7)?

A experiência tem mostrado que o desenvolvimento de um culto destrutivo - ou de


qualquer outra organização criminosa - bem que poderia ser comparado ao
crescimento de uma frondosa árvore. No início, não passa de uma humilde semente, a
qual, lançada em solo fértil, põe-se a germinar, produzindo um broto. Este, por sua
pequenez, poderia ser tragado por qualquer cordeiro. Neste estágio de fragilidade, e
por algum tempo à frente, o processo poderá ser detido. Todavia, se deixado
incólume, o arbusto tornar-se-á um ser gigantesco - nem uma manada de
paquidermes dará, então, conta dele. De modo análogo, enquanto a complacência das
leis ensejarem a proliferação de organizações religiosas sinistras, permitindo-lhes
prosperar à custa da miséria alheia, até a maturidade, será quase impossível ao
estado democrático detê-las. Neste ponto, elas disporão do poder econômico,
podendo financiar campanhas políticas, criarlobbies, pagar propinas, fazer aplicações
em paraísos fiscais, investir em entidades de fachada ou contratar os mais caros
advogados para defendê-las, com boa probabilidade de êxito. Assim como um vírus se
utiliza dos processos naturais da célula para se reproduzir, os cultos se servem dos
princípios da democracia para perverter o sentido de liberdade de fé e expandir seu
poderio financeiro. Este certamente tem sido o caso no Brasil, como em muitos outros
países.

Conclusão
Não se pode afirmar, com propriedade, que o sentimento religioso não é legítimo.
Na verdade, ele é uma das peculiaridades humanas, distinguindo o homem de outros
seres, com os quais compartilha a vida neste planeta. Sepultar os mortos sem
cerimônia, por exemplo, parecia tão condenável às tribos antigas como parece a
qualquer comunidade urbana na atualidade. Realizar um rito para marcar esta ocasião
parece 'correto', 'justo' e 'apropriado'. Não realizá-lo parece 'desumano' ou
'vergonhoso'. Tais sentimentos são comuns a qualquer pessoa, seja qual for sua
origem cultural. De modo que, a espiritualidade é um inegável atributo humano, com
o qual temos de conviver, queiramos ou não. O conceito de valor social está
inexoravelmente ligado à nossa espécie. Esta realidade foi percebida pelo pai da
Sociologia, o francês Émile Durkheim, em diversas de suas obras, entre
elas, Elementary Forms of Religious Life[Formas Elementares de Vida
Religiosa], escrita em 1912. Durkheim cria que os métodos científicos poderiam ser
aplicados ao estudo da sociedade. Sua teoria era a de que as características dos
grupos transcendem à soma dos comportamentos individuais daqueles que os
compõem. Uma coisa em especial era objeto de sua atenção - a base da estabilidade
social, manifesta na forma de valores compartilhados, como a moral e a religião. Uma
ruptura destes valores resultaria em sentimentos de ansiedade e insatisfação
individuais, culminando, finalmente, com o colapso social.
Émile Durkheim (1858-1917)

A veracidade das afirmações do brilhante sociólogo não excluem o fato de que a


espiritualidade humana, como todos os demais atributos, está sujeita à perversão e à
corrupção. Nosso retrospecto mostra isso além de qualquer dúvida razoável. Ademais,
outros intelectuais se deram conta deste fato específico, bem antes das conclusões
de Durkheim. Entre eles, podemos citar Karl Marx (1818-1883), Friedrich
Nietzsche (1844-1900), David Hume (1711-1776) e Thomas Paine (1737–1809). O
primeiro, autor do famoso Manifest der kommunistischen Partei [Manifesto
Comunista] (1849), considerava a religião como fator de alienação do povo; o
segundo contestava vigorosamente os valores religiosos de seu tempo, tendo se
tornado famoso - e, ao mesmo tempo, mal compreendido - pela declaração "Deus
está morto"; o terceiro publicou, em 1748, uma obra crítica das crenças religiosas -
especialmente o apelo ao sobrenatural - e o quarto era um filósofo político, cujos
escritos tiveram grande influência no processo de independência dos EUA. Paine é
erroneamente considerado por alguns como um ateu. Na verdade, sua crença em um
Deus Todo-Poderoso foi expressa por ele próprio na obra Age of Reason [Idade da
Razão] , escrita entre 1793 e 1807. No entanto, nesta mesma publicação - lançada em
meio a efervescente atmosfera da Revolução Francesa - ele critica duramente os
principais sistemas religiosos do mundo, a saber, Judaísmo, Cristianismo
e Islamismo. Segundo ele, tais instituições escravizam os povos por meio de uma
'trilogia' - mistério, milagres e profecias:

"Os dois primeiros são incompatíveis com a verdadeira religião, e o terceiro deve ser
encarado com suspeita... a palavra 'mistério' não pode ser aplicada à verdade moral, mais
do que a escuridão pode ser aplicada à luz... Mistério é antagonista da verdade... A
religião, deste modo, sendo a crença em um Deus, e a prática da verdade moral, não pode
ter conexão com mistério... Como as aparências facilmente enganam, e coisas que não
são reais têm forte semelhança com coisas que são, nada pode ser mais inconsistente do
que supor que o Todo-Poderoso faria uso de tais meios, os assim chamados 'milagres', os
quais colocariam aquele que os realiza sob suspeita de ser um impostor, a pessoa que os
relata como suspeita de estar mentindo, e a doutrina que se quer apoiar, como suspeita
de ser uma fábula... isso implicaria na fraqueza ou deficiência da doutrina que é pregada...
seria reduzir o todo-Poderoso ao papel de uma mágico, fazendo truques para as pessoas
verem e se maravilharem... pois é mais difícil obter credibilidade para um milagre do que
para um princípio evidentemente moral, sem qualquer milagre. Milagres podem ser coisa
do momento, e vistos por poucos; após isso, requerem a transferência da fé em Deus para
a fé no relato de homens... a palavra 'profeta' presumivelmente indica pessoas a quem
Deus comunicou algum evento a ocorrer no futuro... se existiram, é consistente supor que
o evento assim comunicado fosse expresso em termos que pudessem ser entendidos, e
não relatado de modo solto e obscuro à compreensão de quem ouve, e tão ambíguo que
pudesse se encaixar em qualquer circunstância que viesse à frente... é uma concepção
muito irreverente do Todo-Poderoso supor que ele lidaria com a humanidade desta forma
infantil."

Sobre o uso da figura do demônio como instrumento de intimidação por parte das
religiões, o autor declara:

"A fim de criar uma fundação sobre a qual edificar, os inventores se viram obrigados a
conceder ao ser a quem chamam Satã um poder tão grande quanto, senão maior do que
aquele que atribuem ao Todo-Poderoso. Não apenas deram-lhe o poder de libertar a si
próprio das profundezas, após o que chamam de 'derrocada', mas eles fizeram tal poder
aumentar posteriormente, até o infinito. Antes desta queda, eles o representam como um
anjo de existência limitada, assim como representam os demais. Após sua queda, ele se
torna, pelo relato deles, onipresente. Ele está em todo lugar... Não contentes com esta
deificação de Satã, representam-no como derrotando, por meio de um estratagema, na
forma de animal da criação, todo o poder e sabedoria de Deus. Representam-no como
tendo compelido o Todo-Poderoso a entregar sua criação inteira ao governo e soberania de
Satã, ou a se render por meio de uma redenção, vindo à terra e exibindo-se em uma cruz,
na forma de homem... fazem o transgressor triunfar e o Todo-Poderoso cair... muitos
homens bons têm crido nesta estranha fábula, e vivido suas boas vidas sob tal crença,
disto estou ciente... eles foram educados para acreditar nisso, e acreditariam em qualquer
outra coisa da mesma maneira... Quanto mais desnatural uma coisa é, mais passível é de
se tornar objeto de triste admiração."

As palavras de Thomas Paine não foram bem recebidas em seu tempo e,


provavelmente, não seriam prestigiadas agora, afinal, ele ataca a base de
sustentação dos poderes religiosos constituídos. Seus argumentos põem em xeque a
legitimidade das igrejas como representantes de Deus. Isto lhe custou sua reputação
e diversas amizades. Este costuma ser o preço por opor-se ao assim chamado senso
comum. Certamente, pode-se questionar a validade das idéias do autor no tocante à
teologia, porém não se pode negar que suas denúncias, no tocante ao abuso religioso,
são inteiramente procedentes. A própria história tem testemunhado a manipulação
das massas por meio do temor religioso - as ameaças do inferno ou do purgatório
foram os instrumentos pedagógicos da igreja medieval por séculos e a figura do diabo
continua a ter amplo destaque nos cultos atuais. Como diz Paine, "ele está em todo
lugar", à espreita - a igreja é o único refúgio. Esta cadeia de medo tem gerado entre
os líderes de culto e seus seguidores uma relação análoga àquela existente entre um
traficante de narcóticos e um viciado. Em ambos os casos o processo de recuperação
pode ser lento e penoso, amiúde com seqüelas vitalícias. A espiritualidade humana,
infelizmente, contribui para a manutenção deste estado de dominação e sua temíveis
conseqüências.

Thomas Paine - atacando o abuso religioso

O psicólogo Daniel Goleman, em sua obra Emotional Intelligence [Inteligência


Emocional], de 1995, ajuda-nos a desvendar certos mecanismos da mente, os quais
seriam a base do comportamento irracional dos adeptos de cultos. Segundo ele, uma
porção do sistema límbico, a amídala cortical, seria a sede das paixões. Deveras, um
paciente que teve esta parte do sistema nervoso lesada apresentou um quadro de
embotamento afetivo, sendo incapaz de demonstrar emoções. A teoria é de que os
animais desenvolveram, inicialmente, uma mente emocional, capaz de lhes prover
respostas imediatas em situações de emergência - o olfato tinha, então, um papel
destacado no processo. Há cerca de cem milhões de anos, os mamíferos teriam dado
um passo gigantesco - formava-se uma parte do cérebro chamada neocórtex, capaz
de prover respostas mais elaboradas aos estímulos do meio ambiente. Nos seres
humanos, esta porção do sistema nervoso apresenta-se mais desenvolvida do que em
qualquer outro animal. Na verdade, o neocórtex confere aos homens todas as
características que os distinguem das outras criaturas. Representa a mente racional.
Todavia, tem de dividir esta função com o sistema límbico - os dois se equilibram,
muito embora o segundo possa, em certas circunstâncias sobrepujar completamente o
primeiro. Trata-se daquilo que Goleman chama de "seqüestro emocional", ou seja,
uma privação momentânea da capacidade de raciocinar, a qual toma lugar em
circunstâncias particularmente estressantes. É o que ocorre, por exemplo, quando
alguém tem um acesso de fúria e, uma vez recobrada a lucidez, se pergunta, "como
fui capaz de fazer isso?" Por outro lado, existe uma via mais complexa, na qual o
pensamento antecede a emoção - a pessoa evoca idéias e estas informações
produzem um estímulo ao sistema límbico, gerando uma resposta afetiva. Podemos
comparar a interação entre estas duas áreas da mente com os pratos de uma balança,
ora pendendo para um lado, ora para outro.

Com base nos mecanismos agora estudados, podemos compreender melhor o que
provavelmente acontece na mente dos líderes de culto e seus seguidores. Eles, por
assim dizer, condicionam sua mente emocional - o sistema límbico - a produzir
respostas afetivas sempre que um pensamento é evocado. Uma vez, este processo
tenha sido repetido um número suficiente de vezes, o comportamento torna-se
'automatizado'. Esta hiperestimulação límbica acaba por deformar o intelecto do
indivíduo, colocando-o a serviço de suas emoções. Linhas de pensamento alternativas
são bloqueadas em favor de uma única via. Isto supostamente explicaria como
indivíduos cultos tornam-se fanáticos - com efeito, até utilizando seu conhecimento
para justificar seu fanatismo. Poderíamos mencionar o caso deAbimael Guzmán, um
filósofo e professor universitário, que, a partir de suas convicções políticas, criou, na
década de 60, o mais temido movimento terrorista do Peru - a organização
comunista Sendero Luminoso. A partir dos anos 80, o grupo iniciou uma série de
sangrentos atentados, ceifando muitas vidas entre civis e militares. A brutalidade dos
ataques induziu o governo peruano a suspender direitos constitucionais, em 1982.
Atribuem-se cerca de 25 mil mortes às atividades desta organização. A crença de seus
membros nas idéias de seu líder tem traços quase hipnóticos. Em 1992, Guzmán foi
capturado e sentenciado à prisão perpétua. Vendo-o enjaulado, como uma fera, e
gritando palavras de ordem, fica-se a imaginar por que razão a educação não
protegeu este intelectual dos abismos espirituais em que ele e muitos outros cairiam.
A resposta, como vimos, está na própria mente...
Guzmán - o intelectual e a besta

Exemplos como este ilustram bem a que ponto as pessoas podem ir e quão cegas
podem ficar em virtude de um ideal obsessivo, a ser concretizado a qualquer custo. O
desejo de mudar a realidade deixa, muitas vezes, um rastro de sangue no caminho.
Isto é verdadeiro tanto no caso das organizações políticas quanto das religiosas. No
turbilhão dos cultos, a realidade cinzenta coagula-se em ilusão cor-de-rosa. O preço
desta ilusão costuma ser aquilo que deveria ser uma prioridade - a vida humana.

Não se pode negar que as religiões tradicionais produziram importantes


personagens no cenário mundial - Francisco de Assis (1182-1226) e a ganhadora do
Prêmio Nobel da paz de 1979, Madre Teresa de Calcutá (1910-1997), eram
católicos; Gandhi (1869-1948) era hindu; Martin Luther King (1929-1968), prêmio
Nobel da paz de 1964, era protestante; o ganhador do prêmio em 1979, Anuar
Sadat(1918-1981), era muçulmano; o de 1984, Desmond Tutu (1931 - ), é anglicano;
o Dalai Lama do Tibet, Nobel da paz de 1989, é budista; uma destacada figura da
filantropia no Brasil, Francisco de Paula Cândido Xavier (1910 - ) ou simplesmente
'Chico' Xavier, indicado para o Nobel de 1981, é espírita; Yitzhak Rabin (1922-1995), o
Nobel da Paz de 1994, era judeu. Pode-se questionar a ideologia religiosa de cada
uma destas pessoas, mas não se podem negar seus relevantes serviços à causa do
humanitarismo mundial. Por outro lado, o próprio ateísmo produziu importantes
figuras históricas, entre estas, o filósofo e pacifista britânico, Bertrand Russell (1872 -
1970). Prêmio Nobel de literatura (1950), ele recebeu uma comenda do império
britânico por seus serviços em favor da paz e chegou a ser encarcerado em sua
velhice, por suas atividades contra as armas nucleares. O grande estadista Mikhail
Gorbachev (1931- ), prêmio Nobel da Paz de 1990, foi membro do Partido Comunista
Soviético, uma entidade ateísta. Outro importante protagonista da história, o 'pai da
psicanálise', Sigmund Freud (1856-1939), um ateu professo, prestou enormes
serviços à humanidade. Ele fundou uma nova disciplina médica e formulou terapias,
cujos princípios ainda estão em uso no tratamento de pacientes que sofrem de
neuroses ou psicoses. Outros exemplos poderiam ser citados, porém esta análise
demonstra a futilidade de se tentar estabelecer o caráter de uma pessoa (ou grupo)
com base exclusiva em sua orientação religiosa ou na simples crença em uma
divindade. Tanto o teísmo como o ateísmo já cometeram suas atrocidades. Como
representantes do primeiro, poderíamos citar as cruzadas da Idade Média e o
terrorismo islâmico atual, e do segundo, as ditaduras anti-religiosas de Stalin, na
Antiga União Soviética (1924-1953), e de Pol Pot, no Cambodja (década de 70). Fica,
assim, demonstrada a falácia das entidades religiosas quando reivindicam para si a
reserva moral exclusiva da sociedade. Os ilustres membros da galeria de benfeitores
do prêmio Nobel são patrimônio da humanidade, antes que de uma religião em
particular. Por outro lado, não podemos olvidar o fato de que os sistemas religiosos
continuam a produzir os mais sórdidos déspotas da história, o que mostra seu caráter
ambíguo - um potencial para a edificação ou para a destruição.

O debate sobre os benefícios ou malefícios da religião organizada está aberto. Será


a religião mais um bem ou um mal? Pode-se abrir mão dela e, ainda assim, saciar a
espiritualidade? Talvez jamais cheguemos a uma conclusão definitiva. Ao que tudo
indica, muitos indivíduos são portadores de uma fragilidade de caráter que não lhes
permite ver sentido algum na virtude ou na solidariedade, se não tiverem, como
dizia Voltaire, um 'freio nos lábios' na forma de uma divindade, bem como uma igreja
dentro da qual servi-la. Para estes, a religião é, antes de tudo, uma imposição
psicológica, assumindo, às vezes, o caráter de 'mal necessário'. Trata-se de uma
condição perigosa, pois a sanidade de tais pessoas repousa sobre um conjunto de
crenças, que, por sua frágil base histórica, científica ou mesmo teológica, pode
desabar a qualquer momento, sepultando suas esperanças sob os escombros do
desapontamento religioso. Por outro lado, milhões de pessoas levam uma vida digna e
construtiva sem pertencerem a qualquer religião. Seja como for, mesmo trazendo
alguma medida de conforto espiritual, nenhuma entidade religiosa será legítima
enquanto empregar técnicas de controle mental para explorar a boa-fé pública,
especialmente para ganho desonesto; enquanto seus líderes se valerem de ardis para
se locupletarem; enquanto tornar a devoção religiosa uma prática abominável de
serviço a dois 'senhores' - Deus e as riquezas (Mateus 6: 24); enquanto colocar os
símbolos religiosos à frente do ser humano; enquanto dividir e discriminar pessoas por
seu credo, separando amigos e entes queridos; enquanto cercear a liberdade de
consciência e opinião; enquanto puser em risco desnecessário a integridade física ou a
vida de seus adeptos; enquanto se arvorar em detentora da verdade absoluta;
enquanto semear a intolerância e o ódio religioso; enquanto, por qualquer pretexto,
esfriar o coração dos homens para o sofrimento do próximo, seja qual for a forma de
espiritualidade dele; enfim, enquanto violar quaisquer direitos humanos.

A liberdade de religião certamente deve ser preservada, pois os ideais


democráticos assim o exigem. Todavia, liberdade implica responsabilidade. Mário
Justino, já mencionado neste estudo, inicia seu livro "Nos Bastidores do Reino de
Deus", com as seguintes palavras:

"Lamento pelas pessoas que se sentirão traídas por esta obra. Mas espero que ela
contribua para que se forme uma discussão de âmbito nacional sobre a influência nociva
que pseudo-pastores vêm exercendo sobre as massas, fazendo com que menores
abandonem famílias e estudos, desgraçando assim seu futuro e sua vida. Isso, se não é,
deveria ser caso de polícia... Recuso-me a acreditar que a Constituição, quando protege a
liberdade de culto, também proteja a lavagem cerebral e a exploração financeira da
credulidade pública."

Certamente não era pensamento do legislador prover, nos interstícios da lei, abrigo
para os mercadores da fé. Seu objetivo era o de garantir o pleno exercício dos direitos
humanos, os mesmos de que os criminosos se valem, só para violá-los. A
característica marcante dos tiranos religiosos é sua astúcia. Astúcia também é
requerida para identificar lobos sob peles de ovelha, de modo a coibir sua ação
nefasta sobre a sociedade. O controle da mente de uma pessoa só deve ser exercido
por ela própria. Que a espiritualidade não sirva de pretexto para aliená-lo a outrem.
Que o sentimento religioso sirva para reconfortar os homens em seus momentos de
adversidades, para trazer-lhes júbilo e incutir-lhes fraternidade, não para torná-los
escravos de outros homens!

"Nada pode ser mais contraditório à religião e ao clero do que a razão e o


senso comum."
Voltaire, Dicionário Filosófico (1764)

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