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Ademais, ainda que a lei não fosse expressa, os bancos são, a toda evidência,
prestadores de serviços e, como tal, sujeito às normas insculpidas no Código de
Defesa do Consumidor porquanto, quando da elaboração da norma, a opção
legislativa revelou a preocupação de não deixar brechas que pudesse comportar uma
interpretação divergente que pudesse, por vias transversas, excluir do conceito geral
de prestadores de serviços, as atividades de massas, especialmente as bancárias. 1
Importante tecer estas considerações iniciais porque o fato da demanda contra bancos
ser enquadrada dentre aquelas que devem ser regidas pela lei consumerista cria, para
o consumidor algumas vantagens. Não se olvide de que a aprovação da Lei n°
8.078/90 provocou uma verdadeira revolução nas concepções vigentes no direito
pátrio, notadamente no que diz respeito à responsabilidade civil e as regras
processuais, impondo alguns postulados que visam facilitar o efetivo exercício dos
direitos do consumidor, e dentre estes, pela importância, destacamos os seguintes: a)
o principio da boa-fé objetiva, pelo qual se exige das partes que procedam segundo
um mínimo lealdade e padrão ético e em estrito respeito às leis (art. 4°, III),
decorrendo deste princípios outros deveres anexos tais como: o dever de informação,
de lealdade, de cooperação mútua e de assistência técnica; b) a possibilidade de
cumulação do dano moral com o dano patrimonial, de forma efetiva, isto é, integral e
sem tarifação, com vista a efetiva prevenção e reparação de danos individuais ou
coletivos (art. 6°, VI); c) a inversão do ônus da prova, como forma de facilitação da
defesa do consumidor em juízo (art. 6°, VIII); d) a responsabilidade objetiva do
fornecedor em face da prestação de serviços defeituosos, tanto com relação ao
consumidor, o utende ou qualquer outra pessoa eventualmente atingida pelo evento
danoso (art. 14 e art. 17 c/c art. 6°, VI); e) a responsabilidade solidária do fornecedor
por seus prepostos ou representantes autônomos, em face da teoria da aparência (art.
34); f) a obrigatoriedade dos bancos de dados de cadastros de consumidores (tipo
Serasa e SPC), de informar ao consumidor sobre abertura de fichas e cadastros e de
suas fontes de informação (art. 43); g) a interpretação das cláusulas contratuais
sempre de forma mais favorável ao consumidor (art. 47); h) a expressa previsão de
nulidade no que diz respeito às cláusulas consideradas abusivas (art. 51 e incisos); i) a
facilitação da defesa do consumidor com o estabelecimento de foro privilegiado, em se
tratando de ação por responsabilidade civil, visto que a demanda poderá ser proposta
no foro do seu domicílio (art. 101, I).2
As situações nos dias atuais que mais se assemelham ao abuso de direito, são
aquelas derivadas da relação de consumo de crédito que, por falhas as mais diversas,
acabam por implicar em protestos indevidos bem como pelas inclusões irregulares dos
nomes dos “maus pagadores” nos registros dos bancos de dados, especialmente a
SERASA.
Neste particular aspecto, analisando o referido dispositivo legal, Rui Stocco afirma
“inexistir proibição a que essas empresas ou entidades procedam ao registro, ainda
que negativo, de atos e fatos da vida comercial da pessoa”. Mais adiante conclui o
magistrado paulista que “por se constituir atividade de caráter público, passa a ter
interesse social de modo que impõe-se regramento específico e protetivo do
consumidor correto e pontual”.3
Ademais, não se pode descurar do caráter penal que a condenação por dano moral
deve conter. Além do caráter compensatório é certo que “quem exige uma reparação
do dano moral sofrido não visa tanto a recomposição do seu equilíbrio de afeição ou
sentimento, impossível de conseguir, como infligir, por um sentimento de represália
inato, ao seu ofensor, uma punição, por precária que seja, que, na maior das vezes
não encontra outro parâmetro senão em termos pecuniários”. 5
Ainda nesse sentido defende Martinho Garcez Neto que a função penal, da
condenação por dano moral, pode e deve ser encarada como algo altamente
moralizador, na medida em que, atingindo o patrimônio do agressor com a sua
conseqüente diminuição, estaria, frente à luz da moral e da equidade, cumprindo a
mais elementar noção de justiça: estar-se-ia punindo o ofensor para que o bem moral
seja respeitado e, mais importante, fazendo calar o sentimento de vingança do
ofendido, sentimento este inato em qualquer pessoa, por mais moderno e civilizado
que possa ser.7
De nossa parte, temos certeza que se fosse dada oportunidade de escolha aos
lesados, seguramente eles desejariam que não tivesse ocorrido a lesão. Contudo,
como independentemente da vontade das pessoas agressões ocorrem, temos que o
sentimento de justiça presente em cada cidadão faz surgir a necessidade de “uma vez
verificada a existência do dano, e sendo alguém responsável pela lesão de direito
ocorrida, há que se buscar uma solução para o evento danoso” de tal forma a que se
procure “compor a ordem que foi quebrada, o direito que foi ofendido”. 10
De maneira objetiva e com a clareza que lhe é peculiar, Antonio Jeová Santos
preleciona que “seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse
nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido”.11 Em outras palavras, o
princípio que fundamenta o dever de indenizar se encontra centrado no fato de que a
todo o dano injusto deve corresponder um dever de reparação.
De tal sorte que se pode concluir, utilizando as sábias palavras de Artur Oscar de
Oliveira Deda: “Quando a vítima reclama a reparação pecuniária de dano moral, não
pede um preço para sua dor, mas, apenas, que se lhe outorgue um meio de atenuar,
em parte, as conseqüências da lesão jurídica. Na reparação dos danos morais, o
dinheiro não desempenha a função de equivalência, como, em regra, nos danos
materiais, porém, concomitantemente, a função satisfatória e a de pena”.12
Existe uma natural lógica para assim proceder, porquanto, se o dano moral existe a
partir da lesão a um daqueles direitos íntimos da pessoa humana, tal qual a honra, a
intimidade, a vida privada e a imagem, somente para citar alguns, não há nenhuma
lógica exigir-se a prova da repercussão no íntimo do ofendido dos efeitos de tais
violações. O ordenamento jurídico há que se conformar com a presunção de que, em
razão de máximas de experiências, qualquer indivíduo de mediana sensibilidade, se
sentiria ofendido e agredido em seus valores anímicos, diante de determinados
procedimentos ilícitos.
Também o Superior Tribunal de Justiça, pelo voto abalizado do Ministro Ruy Rosado
de Aguiar, já teve oportunidade de decidir a questão e assim o fez: “São por demais
conhecidos os efeitos negativos do registro em bancos de dados de devedores; daí
porque inadequada a utilização desse expediente enquanto pende ação consignatória,
declaratória ou revisional, uma vez que, inobstante a incerteza sobre a obrigação, já
estariam sendo obtidos efeitos decorrentes da mora. Isso caracteriza um meio de
desencorajar a parte a discutir em juízo eventual abuso contratual”. 25
É nosso entendimento que, ainda que a dívida esteja sendo discutida tão somente no
âmbito administrativo e, enquanto não solucionada a pendência pelo titular do crédito,
seria precipitada a inclusão do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito.
E tal se justifica porque, como diz Marcio de Mello Casado “por constituir em bem
público, jamais a concessão de crédito poderia estar tão simplificada ao ponto de uma
simples informação na tela do computador, fria, mormente incompleta, às vezes
equivocada, servir para o fechamento absoluto das portas do sistema financeiro ao
pretenso consumidor de crédito”.27 Ademais, adverte ainda o mesmo autor que as
atividades da Serasa acabaram por se converter em meio de cobrança abusiva, o que
estaria a contrariar o disposto no art. 42 do estatuto consumerista.
Não é por outra razão que o magistrado Sebastião Flávio da Silva Filho, do extinto 1°
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ainda que não acompanhado por seu pares,
sentenciou: “Ninguém desconhece hoje o caráter estigmatizante decorrente da
deformação da utilidade inicial desse serviço de proteção ao crédito mantido pela
SERASA, o qual, se foi concebido com o bom propósito de proporcionar um cadastro
geral para a segurança na concessão de créditos bancários, hoje tem mais o perfil de
criar uma generalizada suspeita de insolvência ou de inadimplência contumaz, sem
distinguir cada situação de ‘per si’. E não é por outra razão que se valem as
instituições financeiras dessa deformação para compelir a pagamento ou a
renegociação de seus créditos, sabedoras de que informação sobre pendência
creditícia implica gravíssimas restrições ao prosseguimento dos negócios do atingido,
em face desse apontado caráter estigmatizante, verdadeira morte civil”. 28
Esclareça-se que a comunicação deverá ser sempre por escrito e, recomenda o bom
senso, deve ser entregue mediante comprovação de recebimento. Ocorre na prática
diária que esta cautela não é seguida, nem pela Serasa, nem pelas empresas que
apontam os nomes de seus clientes àquele banco de dados. Mais grave ainda:
remetem a comunicação através de carta simples, sem sequer procurar saber se o
endereço do apontado está correto e atualizado. Conseqüência óbvia: nascerá para o
consumidor o direito à indenização pelo só fato de não ter sido, previamente,
comunicado de que se estaria estocando informações a seu respeito. Tal se justifica
porque em situações assemelhadas, o consumidor acabará por descobrir a inclusão
de seu nome naquele banco de dados da pior maneira possível – quando vai utilizar
seu crédito junto a algum fornecedor.
Neste aspecto, se a permanência da inscrição pelo lapso superior a cinco anos for
causa de constrangimento para o consumidor, autorizará o mesmo a ingressar com a
ação para compelir a Serasa a promover a exclusão de seu nome, sem prejuízo da
ação competente visando ser indenizado em face do dano moral ocorrido. Nesse
sentido e, até por ilustrativo, trazemos à colação trecho de ementa de julgado em que
foi relator o Desembargador Sebastião Chaves que assim sentenciou: “... o ato de
manter o nome do apelado inscrito na Serasa com a informação de inadimplente por
mais de cinco anos, conforme restou soberbamente comprovado nos autos, gera para
o devedor o direito de obter, perante o poder judiciário, a exclusão de seu nome do
cadastro negativo e a reparação dos danos decorrentes desse ato ilícito, e para o
credor a obrigação de indenizar os danos sofridos pelo devedor, nos termos do art.
159 do Código Civil/1916 e dos arts. 186 e 187 do novo Código Civil”.31
Na atual realidade brasileira, algumas críticas são dirigidas ao instituto do dano moral
e, dentre estas, merece especial destaque aquela atinente a questão da chamada
“industria do dano moral”.
Há, evidentemente, casos isolados que podem até denotar tal intuito. Contudo o que
precisa ser ressaltado é que, o aumento das demandas de caráter indenizatórias por
danos morais decorre de duas premissas básicas: a uma, o despertar de cidadania da
população brasileira que, como decorrência natural, faz com que cada dia mais, os
cidadãos passem a ter consciência dos seus efetivos direitos e, mais do que isso, a
exercê-los em toda sua plenitude e, a duas, a incidência, cada vez maior, de violação
da intimidade das pessoas, principalmente em face da impessoalidade das relações
negociais.
Não podemos concordar com aqueles que, em nome dos infratores habituais,
procuram minimizar os efeitos deletérios da agressão à dignidade humana perpetrada
diuturnamente pelos chamados infratores contumazes, com os argumentos que
denotam desprezo pela honra, imagem, nome e intimidade das pessoas.
Em verdade, grande parte das demandas a título de dano moral, decorrem de falhas
na prestação dos serviços bancários. Por mais que os computadores estejam cada
vez mais sofisticados, a impessoalidade que impera em seus sistemas de controles
impedem uma avaliação pessoal de cada caso de tal sorte a individualizar cada
cliente. Conclusão: qualquer falha no sistema gera relatórios imprecisos e, por
conseguinte, inscrições irregulares junto aos bancos de dados, não se perquirindo se a
máquina foi alimentada com dados incorretos ou não.
Em resumo:
1. A condenação por danos morais tem que ter um caráter de atender aos reclamos e
anseios de justiça, não só do cidadão mas da sociedade como um todo.
2. A melhor teoria que se coaduna com os anseios da sociedade moderna, no tocante
à reparação por danos morais, é aquela que tem um caráter tríplice, qual seja:
punitivo, compensatório e exemplar.
3. Aos grandes conglomerados econômicos cabe exigir atitudes de vigilância quanto à
qualidade dos serviços prestados, quanto à prevenção dos chamados erros
operacionais, cometidos amiúde por seus funcionários e prepostos, de tal sorte a
reduzir a incidência de afrontas aos direitos e a dignidade dos usuários de tais
serviços.
4. – A utilização desmedida do instituto do dano moral poderá criar o descrédito e vir a
banalizar tão importante instrumento, por isso que se recomenda ao judiciário critérios
sólidos na aferição e na quantificação da indenização por ilícitos desta ordem e, aos
operadores do direito, que utilizem de cautela e prudência na propositura de
demandas a esse título.
5. – O fato de existirem desvios, não pode ter o condão de invalidar tão importante
preceito legal – o dano moral. É preciso que se aperfeiçoem os instrumentos postos à
disposição daqueles que manejam o direito, de tal sorte que os excessos possam ser
coibidos.
NOTAS DE RODAPÉ
1. Cf. Arruda Alvim – Código do Consumidor Comentado, Revista dos Tribunais, 1991,
p. 40 (apud: Sergio Cavalieri Filho – Programa de responsabilidade civil, p. 343).
2. Por aplicação analógica nossos tribunais tem estendido tal regra a todos os tipos de
ações em que se discuta direitos do consumidor. Veja-se, por exemplo, decisões do
Tribunal de Justiça de São Paulo (AI 236.895-4/4 – 3ª C.DPriv. – Rel. Des. Ênio
Santarelli Zuliani – J. 09.04.2002), e (AI 320.681-4/5-00 – Teodoro Sampaio – 10ª
CDPriv. – Rel. Des. Quaglia Barbosa – J. 18.11.2003). Da mesma forma no Primeiro
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (1º TACSP – AI 1152182-3 – (47949) – Taubaté
– 2ª C. – Rel. Juiz Ribeiro de Souza – J. 19.02.2003) e (1º TACSP – AI 1221214-9 –
José Bonifácio – 3ª C. – Rel. Juiz Oswaldo Erbetta Filho – J. 07.10.2003) .
8. CF - Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
9. Op.cit., p. 85.
12. Citado por Antonio Chaves – Tratado de direito civil, v. III, p. 637.
16. STJ – RESP . 318099 – SP – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito –
DJU 08.04.2002.
17. STJ – RESP 304738 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU
13.08.2001 – p. 0167.
18. STJ – RESP – 173124 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – DJU
19.11.2001 – p. 00277.
19. STJ – AGA 470538 – SC – 3ª T. – Rel. Min. Castro Filho – DJU 24.11.2003 – p.
00301.
20. STJ – RESP 432177 – SC – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU
28.10.2003 – p. 00289.
22. Carlos Adroaldo Ramos Covizzi - Práticas abusivas da Serasa e do SPC, p. 23.
25. STJ - RESP n° 172.854-SC - 4a. Turma -j. 04.08.1998 - DJU 08.09.98.
26. 1° TaCivil - Ap. 815.072-5 - 5a. câm. - j.13.12.2000 -LEX-JTACSP , v. 188, p. 181.
29. Cf. Des. Airvaldo Stela Lalves - TJPR – AI 0153240-3–Londrina – 6ª C.Cív. – DJPR
23.08.2004.
X – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken. Indenização do dano moral. Porto Alegre: Revista Jurídica n° 236, p. 5.
CASILLO, João. Dano à pessoa e sua indenização, 2a. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 3a. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.
COVIZZI, Carlos Adroaldo Ramos. Práticas abusivas da Serasa e do SPC, 2a. ed. São
Paulo: Edipro, 2000.
GARCEZ NETO, Martinho. Prática da responsabilidade civil, 4a. ed. São Paulo:
Saraiva, 1989.
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável, 4a. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, 5a. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
REPOSITÓRIOS DE JURISPRUDÊNCIAS:
Júris Síntese/IOB CDRom n° 50 – nov-dez. 2004
Biblioteca Digital Lex – jurisprudência consolidada Tribunais Superiores.