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Obviamente o elenco de estudos levantados aqui não dará conta da totalidade dos trabalhos realizados no
Brasil, mas ilustrará o avanço nas pesquisas realizadas. No âmbito histórico, há um grupo da UFRJ que tem feito
análises com base em corpora diversificados: peças teatrais brasileiras e portuguesas dos séculos XVIII e XIX (cf.
Silvia e Barcia, 2002, Lopes/Duarte, 2003, 2004) e XX (Machado, 2006); cartas oficiais e pessoais escritas no Brasil
setecentista e oitocentista (cf. Lopes e Duarte, 2003; Machado, 2003; Rumeu, 2004, Lopes e Machado 2005); cartas de
leitores do século XIX (Barcia, 2006). Para a descrição da fala carioca, há os trabalhos de Paredes e Silva (2000, 2003).
Na região sul, há os trabalhos de Odete Menon e Ana Zilles (Amaral, 2003). Em Minas Gerais, temos os trabalhos
orientados por Jânia Ramos (Chaves, 2006; Vitral & Ramos, 2006, etc). Na fala brasiliense, há o estudo de Lucca
(2005), entre tantos outros.
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tal estratégia não era negativamente marcada. “O Você, com maiúscula, usado pela elite, para
designar a elite, é [no Brasil do Oitocentos] uma forma de prestígio” (Soto 2001:242). Levando-se
em consideração os fluxos e contra fluxos da variação você/tu no século XX, alguns estudos
demonstraram que o uso majoritário de tu – forma recorrente no século XIX – só será suplantado
por você por volta dos anos 20-30 do século XX. No último quartel do século XX, no entanto, há
um retorno do pronome tu à fala carioca sem a marca flexional de segunda pessoa2.
Diversos trabalhos pontuais vêm sendo feitos no Brasil3 no sentido de identificar os fatores
que determinam a variação você e tu na posição de sujeito; a variação entre os possessivos teu, seu e
de você; o uso do imperativo de segunda pessoa, os clíticos acusativos e dativos, etc. O que nos
interessa, entretanto, nesse momento, é analisar a correlação entre esses fenômenos na tentativa de
resgatar e mapear cronologicamente as causas da implementação irregular de você no quadro de
pronomes, identificando os fatores que retardam ou aceleram as alterações no sistema. Nesse
sentido, pretende-se, responder às seguintes questões: 1) Em que lugar as marcas originais ou
resquícios formais de segunda pessoa do singular ainda resistem ou vão se manter? 2) Quais os
reflexos estruturais da inserção de você nas outras categorias pronominais (pronomes acusativos e
possessivos)? 3) Houve fusão, mistura do paradigma de 2ª pessoa com o de 3ª pessoa ou a criação
de um paradigma pronominal supletivo?
3 - Algumas postulações teóricas norteadoras
Retomando o problema da transição (Weinreich, Labov & Herzog 1968), discute-se com
Lichtenberk (1991) que o gradualismo é inerente à gramaticalização. Por ser um fenômeno
contínuo, a gramaticalização não é um processo que possa se extinguir. Tal perspectiva não
contradiz os princípios da teoria Sociolingüística laboviana (Weinreich & Labov, 1968) quando
defende que os fatores que produzem mudanças, não só no âmbito lingüístico, como também no da
vida humana, não são abruptos e repentinos, mas atuam lenta e gradualmente, e é por isso que a
mudança lingüística requer a observação de dois ou mais estágios de uma língua.
Por seu caráter contínuo, a gramaticalização pressupõe, principalmente nos estágios
iniciais, a coexistência entre novos valores/usos ao lado dos antigos (princípio da estratificação) e a
permanência de propriedades lexicais nas formas gramaticalizadas (princípio da persistência).
Quanto a esse último princípio, postulado por Hopper (1991:124), diz-se que “alguns traços do
significado lexical original de um item tendem a aderir à nova forma gramatical, e detalhes de sua
história lexical podem refletir-se na sua distribuição gramatical”.
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Cf. Paredes Silva (2000, 2003).
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Ver nota 1, além de Abraçado (2000); Arduin (2005); Lemos Monteiro (1994); Negrão e Muller (1996); Soto (2001);
Silva (1996); Scherre et al (2000).
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Outro princípio proposto pelo autor, que norteia a perspectiva adotada aqui sobre os reflexos
estruturais ocasionados pela inserção de você no sistema pronominal, é o da decategorização.
Defende-se que no processo de gramaticalização pode ocorrer perda ou neutralização das marcas
morfológicas e propriedades sintáticas das categorias plenas e adoção dos atributos das categorias
secundárias.
A hipótese que norteia o trabalho é a de que uma mudança lingüística como a ocorrida com
a gramaticalização de Vossa Mercê > você é contínua e gradual, com reflexos de um passado bem
remoto e projeções do que já está se consolidando no presente. Como os processos de mudança não
afetariam o sistema lingüístico em sua totalidade, a implementação de você no sistema não ocorreu
da mesma forma em todas as subcategorias pronominais e criou-se um paradigma pronominal que
reflete um sincretismo entre a segunda e a terceira pessoa do singular. Você e tu coexistem no
singular e vocês é praticamente categórico no plural na posição de sujeito, nas demais posições,
contudo, nem o pronome complemento o/a/os/as nem o possessivo vosso se mantiveram
produtivos, em seu lugar, se empregam com maior freqüência te variando com você, lhe e objeto
nulo; teu/tua variando com seu/sua, de você(s) e flexões e o uso do imperativo formado a partir do
presente do indicativo (imperativo de 2ª pessoa) variando com o de subjuntivo (imperativo de 3ª).
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Exemplo extraído do roteiro do filme Amores Possíveis (Halm, 2001: 130).
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Parte-se, pois, da hipótese da formação de um paradigma misto que está se constituindo e pode se
cristalizar, criando um voceamento (a partir de você) no português brasileiro similar aos diferentes
sistemas de voseamento na América hispânica.
A análise aqui apresentada, como dito anteriormente, dará rápidos flashes, ressaltando
épocas e fontes distintas. Começaremos pelo século XIX, fotografando o início do duelo entre você
e tu numa mesma carta. Não se trata, entretanto, das cartas pessoais e oficiais de brasileiros ilustres
que circulam nos nossos arquivos públicos. As cartas são de leitores dos jornais oitocentistas,
pessoas desconhecidas, pessoas escondidas no anonimato e espalhadas por três grandes localidades:
Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. São pessoas simples e comuns com um diferencial
importante à época: constituíam uma classe de letrados com acesso à imprensa. Um salto no tempo
e o foco da câmera se fecha numa área específica, o Rio de Janeiro, vislumbrando a
contemporaneidade. Fotografaremos então o século XX, a partir de uma amostra diferenciada: as
peças teatrais. Os personagens ficcionais ganham vida no palco carioca e o nosso álbum registra a
tentativa de você superar o pronome tu. A câmera registra os contextos de resistência de tu ao
longo dos novecentos. Clicando aqui e ali, a objetiva captará nas peças teatrais de praticamente
todas as décadas a implementação avassaladora de você ao lado das reviravoltas de um tu-sujeito
sem marcas verbais desinenciais em fins do século XX. Entraremos no novo milênio pelos roteiros
de cinema. Fotografias justapostas? A convivência tu ~ você estará nas telas em duas produções
ficcionais cinematográficas brasileiras. Uma delas, Cidade de Deus, ambientada na periferia do Rio
de Janeiro, retrata a fala de uma famosa favela carioca. A outra, Amores Possíveis, registra as
relações afetivas, familiares e profissionais da classe média alta carioca. Virando a página, vamos
ao álbum...
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(1) Não te mettas mais a escriptor publico não, porque, segundo tenho ouvido, você espichou-se redondamente em
fallar na luz eterna, no chorar as lagrimas [...] Não sejas tolo [...] não te mettas a tomar partido [...] Teo amigo e
mordomo do Serralho. (Carta de leitor; Diário de Minas; Ouro Preto / MG; 25/11/1876)
(2) [...] e por isso esqueces a promessa que me fisestes para ao despois de empregares effectivamente. Olha, e ... eu
tenho guardado todo o silencio sobre a tua cartinha de 24 de junho; entretanto, já você vai se esquecendo de mim! Ah!
Sou muito infeliz!! Oh! Não abandones a tua querida. (Carta de leitor; O Diabinho; Ouro Preto / MG; 12/10/1887).
Em (1), apesar do seu teor de crítica, há um tom pessoal na carta, que favorece o
predomínio quase absoluto do íntimo tu com apenas uma ocorrência do intruso você. Interessante
observar que o único dado de você ocorre em contexto de discurso reportado. O autor da carta ao
mudar o eixo interlocutivo, muda também a forma de tratar. A forma você é utilizada na fala do
outro, já que o autor remete ao que dizem outras pessoas e não ele quando emprega “segundo tenho
ouvido”. É como se o remetente da carta não quisesse se comprometer com o que está escrito e por
isso abandona o tu-íntimo. Nesse caso ainda teríamos uma motivação discursivo-pragmática que
distingue, de certa forma, a variação tu – você. No segundo exemplo, entretanto, não se observa
uma motivação para a entrada de você. Aparentemente, você e tu aparecem em variação no mesmo
contexto funcional.
Em termos do controle do paralelismo de formas, o remetente dirigiu-se inicialmente a seu
destinatário em (1) por tu (não te mettas), introduzindo em seguida a forma você (você espichou-
se). Mais adiante retomou o pronome tu e suas variantes de segunda pessoa (não sejas tolo; não te
mettas; teo amigo). Em (2), ocorreu a mesma mescla de tratamento. O remetente começou
sistematicamente empregando a segunda pessoa (esqueces; fisestes; empregares; olha; tua), mas
perdeu tal regularidade com a entrada da forma você (você vai...), retornando ao tu no fim da carta
(não abandones a tua).
Tal variação entre tu e você numa mesma carta, como ocorre, principalmente, em (2),
confirma o princípio da estratificação proposto por Hopper (1991) que estipula a coexistência entre
o novo e o velho em um domínio funcional amplo. As camadas mais antigas não são
necessariamente descartadas, mas coexistem e interagem com as recentes, pois não há descarte
imediato da forma mais antiga, no caso tu, em detrimento da forma emergente você, mas um
período de transição, de convivência entre as estratégias de referência ao interlocutor. A tabela a
seguir, extraída de Barcia (2006), além de apresentar as formas de tratamento dirigidas ao
destinatário que foram identificadas nas cartas de leitores oitocentistas (Vossa Mercê e variantes,
você, tu e vós), evidencia a mescla de tratamento localizada na amostra, ou seja, a combinação de
formas: você com tu, com Vossa Mercê, com vós e assim por diante numa mesma carta:
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Formas Vossa Variantes Você Vós Tu TOTAL
precedentes Mercê(s) de Vossa
Mercê
2ª pessoa do
singular - - 3/55 7/111 50/65 60/376
(tu) (5%) (6%) (77%) (16%)
2ª pessoa do
plural - - 1/55 94/111 6/65 101/376
(vós) (2%) (85%) (9%) (27%)
3ª pessoa do
singular - - 48/55 3/111 2/65 53/376
(você) (88%) (3%) (3%) (14%)
3ª pessoa do
singular 9/104 37/41 - - - 46/376
(variantes de (9%) (90%) (12%)
V. M.ce)
3ª pessoa do
singular 70/104 - - 1/111 - 71/376
(V. M.ce) (67%) (1%) (19%)
3ª pessoa do
plural 8/104 - - - - 8/376
(V. M.ces) (8%) (2%)
Tabela 1: A combinação de Vossa Mercê e variantes, você, tu e vós nas cartas de leitores (Barcia, 2006)
Barcia (2006) mostra, nessa tabela, que a mistura de formas tratamentais ocorria ainda de
maneira tímida no século XIX. Em apenas 5% dos casos, você apareceu precedido de tu e em 2%
antecedido por vós. Os maiores índices de freqüência estavam relacionados à manutenção da forma
de tratamento escolhida: você antecedido por você com 88% de freqüência. Apesar de serem poucos
dados, tais resultados elucidam que você já vinha adquirindo status de pronome pessoal, pelo fato
de aparecer nos mesmos contextos que favoreceriam o uso de tu ou vós, especializando-se como
forma de 2ª pessoa (Hopper, 1991). Faz-se necessário destacar que você apresentava
comportamento divergente do tratamento nominal original Vossa Mercê e suas variantes, uma vez
que Vossa Mercê, ao contrário da forma gramaticalizada você, somente se correlacionou a 3ª
pessoal gramatical, seja no singular (P3) com 67% , seja no plural (P6) com 8%.
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Em virtude da sua distribuição regional e, sobretudo, pelo fato de essas cartas de leitores
retratarem o comportamento lingüístico de um grupo mais amplo de pessoas da sociedade
oitocentista, os resultados obtidos por Barcia (2006) dão indícios da gramaticalização de você. Se a
combinação de você com formas de 2ª pessoa gramatical (te, teu, etc) já aparecia, mesmo que com
baixas freqüências de uso, nas cartas de leitores mineiras, em fins do século XIX – texto escrito –
pode-se inferir que, no uso oral, esse sincretismo lingüístico era ainda mais produtivo.
4.2 - Ajeitando o foco e descortinando o século XX com peças teatrais cariocas
- Categorias gramaticais de 2ª e 3ª pessoas do singular
Machado (2006) analisou as estratégias de referência ao interlocutor utilizadas nos diálogos
estabelecidos entre personagens ficcionais de peças teatrais do século XX. Foram oito comédias de
costumes da vida familiar fluminense, produzidas e ambientadas no Rio de Janeiro deste período5.
Os cenários compreendiam, preponderantemente, ambientes privados — casa, pensão onde
residiam os personagens — e apresentavam relações íntimas, tratando de situações corriqueiras do
cotidiano. O corpus foi constituído da seguinte forma pela autora:
A CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
Peça Autor Data
Tôda donzela tem um pai que é uma fera Gláucio Gill 1962
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A exceção seria a peça Clube do Leque (1995) que se passa em uma cidade ficcional, mas se
baseia nos costumes cariocas.
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sujeito compl./ adj.
compl. verbal não prep. verbal/ nom. possessivo total
prep.
Peças
em
análise a você/
a ti/ para para
teu(s)/ seu(s)/
tu você te você o/a lhe ti/entre você/ 2ª 3ª
tua(s) sua(s)
outros entre
outros
Quebrant 29/33 4/33 53/76 0/76 7/76 16/76 9/10 1/10 43/94 51/94 134/213 89/213
o (1908)
(88%) (12%) (70%) (0%) (9%) (21%) (90%) (10%) (46%) (54%) (63%) (37%)
O simp.. 13/123 110/123 24/118 6/118 29/118 59/118 4/17 13/17 9/94 86/94 50/353 303/353
Jeremias
(1918)
(11%) (89%) (20%) (5%) (25%) (50%) (25%) (75%) (9%) (91%) (14%) (86%)
O hósp.. 0/142 142/142 0/62 2/62 18/62 42/62 0/10 10/10 0/93 93/93 0/307 307/307
Quarto 2 (100%) (100%)
(1937)
(0%) (0%) (3%) (29%) (68%) (0%) (0%) (100%) (0%) (100%)
Dona 1/132 131/132 4/21 8/21 2/21 7/21 0/8 8/8 3/78 75/78 8/239 231/239
Xepa (100%)
(1952)
(1%) (99%) (19%) (38%) (10%) (33%) (0%) (4%) (96%) (3%) (97%)
Tôda... 3/330 327/330 25/42 0/42 3/42 14/42 0/35 35/35 11/90 79/90 39/497 458/497
fera (100%) (12%) (88%)
(1962)
(1%) (99%) (60%) (0%) (7%) (33%) (0%) (8%) (92%)
C.de 0/315 315/315 9/36 1/36 10/36 16/36 0/21 21/21 0/85 85/85 9/457 448/457
bens (100%) (25%) (100%)
(1980)
(0%) (3%) (28%) (44%) (0%) (0%) (100%) (2%) (98%)
Intensa 0/177 177/177 10/29 2/29 2/29 15/29 0/29 29/29 8/126 118/126 18/361 343/361
Magia (100%) (34%) (100%)
(1995)
(0%) (7%) (7%) (52%) (0%) (6%) (94%) (5%) (95%)
C. do 29/74 45/74 15/25 2/25 2/25 6/25 0/3 3/3 5/33 28/33 49/135 86/135
leque (100%) (15%) (85%)
(1995)
(40%) (60%) (60%) (8%) (8%) (24%) (0%) (36%) (64%)
Total 75/ 1251/ 140/ 21/ 73/ 175/ 13/ 120/ 79/ 615/ 307/ 2255/
1326 1326 409 409 409 409 133 133 693 693 2562 2562
(6%) (94%) (34%) (5%) (18%) (43%) (11%) (89%) (11%) (89%) (12%) (88%)
Tabela 2: A distribuição das estratégias pronominais no singular em função das categorias gramaticais (Machado, 2006)
Machado (2206:54) observou “uma alteração substancial na natureza dos pronomes entre a
peça Quebranto (1908) e as obras posteriores, uma vez que naquela predominavam as formas
pronominais de 2ª pessoa gramatical (tu, te, ti, teu(s)/tua(s)) — 63% — e nestas prevaleciam as
formas de 3ª pessoa gramatical (você, o/a, lhe, seu(s)/sua(s)) — 86%, 100%, 97%, 92%, 98%, 95%
e 64%”. O pronome tu, segundo a autora, sofreu uma acentuada queda ao longo do século: na obra
de 1908 correspondia a 88% dos pronomes na função de sujeito e, nas obras posteriores, os índices
não ultrapassaram 11%. Interessante observar que na peça Clube do leque (1995), o pronome tu
apresentava 40% de sujeito pronominal preenchido com verbo na 3ª pessoa do singular.
Como se pode observar na análise da tabela 2, a presença do pronome-sujeito tu é marcante
apenas no início e no fim do século XX, ao longo do período “a preservação dos pronomes de 2ª
pessoa fica a cargo das formas te, teu(s)/ tua(s).” O principal contexto de resistência é o oblíquo
átono te que mantém índices sempre acima dos 18%, atingindo 60% na peça de 1962. Os
possessivos teu(s)/ tua(s) apresentam índices abaixo dos 15% nas peças posteriores a 1908, mas
estão presentes a partir dos anos cinqüenta. Machado (2006: 55) afirma que “a preservação dessas
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formas deve-se possivelmente ao caráter ambíguo que as estratégias pronominais de 3ª pessoa
passaram a apresentar após a inserção de você no quadro pronominal do PB”.
Quanto ao plural, autora identificou apenas 95 dados, que não constam da tabela 2. Foram
3% de vos e todo o restante relacionado a formas de 3ª pessoa gramatical (vocês, os/as, lhes, seu(s)/
sua(s)). A inserção no sistema de vocês parece ter se implementado com maior vigor. A tabela 3, a
seguir, apresenta as formas verbais relacionadas a você e tu na análise de Machado (2006):
Peças em VOCÊ TU TOTAL
análise
Imperativos Não Imperativos Não Imperativos Não TOTAL
imperativos imperativos imperativos
(3) Zé Pequeno-Bené: “Aí tu num pode ir embora com essa mulher não, rapaz?” (Cidade de Deus, 2003: 107)
(4) Pedro1-Carlos1: “Posso te dizer uma coisa?” (Amores possíveis, 2001:15)
(5) Thiago-Barbantinho: “Vou apostar uma cerveja contigo como tu não nada melhor do que eu” (Cidade de Deus,
2003:72)
(6) Pedro1-Carlos1: “Adoro o teu cheiro... é intenso” (Amores possíveis, 2001:62)
(7) Carlos2-Pedro2: “Desliga esse relógio” (Amores possíveis, 2001:15)
(8) Dandara –Carlos 3: “Você é muito paranóica com o Pedro.” (Amores possíveis, 2001:22)
(9) Carlos3-Dandara: “Como é mesmo o seu nome?” (Amores possíveis, 2001:22)
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Os dados foram levantados e codificados pelos bolsistas da UFRJ-PIBIC/CNPq Monique de Oliveira Dias de Jesus,
Aline Santos da Silva e Felipe Gustavo Diogo Antonio.
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A tabela a seguir apresenta os dados das categorias gramaticais localizadas nos roteiros dos
dois filmes que retratam diferentes espaços sociais urbanos do Rio de Janeiro. Amores Possíveis
fotografa a classe média alta e Cidade de Deus registra a fala de uma comunidade menos favorecida
da sociedade carioca.
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não, índices percentuais mais reveladores. Na quantificação dos dados, observou-se se o item
analisado era o primeiro numa série como o você de (10) e o primeiro tu de (11). Além disso,
quantificou-se a forma que antecedia o dado analisado. O item analisado poderia estar precedido
por uma forma na 2ª pessoa gramatical, como ocorre com o segundo tu de (11) que está precedido
por outro tu. O item pode ser antecedido por uma forma na 3ª pessoa gramatical como em (12):
você precedendo outro você. A mescla do tratamento está evidenciada de (13) a (15). Em (13), sua
(3ª pessoa) está precedido por tua (2ª pessoa). Em (14), tem-se o te como primeira referência e uma
seqüência de formas de terceira e de segunda pessoas: você precedido de te; você precedido de você
e, por fim, te precedido por você. Em (15) também ocorre a mescla de formas:
(10) Zé Pequeno-Jovem: “Morena, você quer dançar comigo?” (Cidade de Deus, 2003:134)
(11) Cenoura-Zé Pequeno: “Ih, moleque. Tu é moleque. Tu tá achando que eu sou otário, molequinho? (Cidade de Deus,
2003: 115)
(12) Júlia2 – Carlos2: “Quando você trepa com seu parceiro, você usa camisinha?” (Amores Possíveis, 2001:34)
(13) Carlos-filho: “Então tá, meu amor. Tua mãe já fez sua mochila?” (Amores Possíveis, 2001:15)
(14) Júlia-filho: “Vou, claro que vou. Te cuida com aquele cara. Se você for ao banheiro para fazer xixi, você tranca a
porta. Eu não estou a fim de que esse fulano te veja pelado. Vem cá.” (Amores Possíveis, 2001:17)
(15) Cenoura-Mané Galinha: “Tô te propondo sociedade. Você vira meu sócio, tu vira meu sócio, Galinha.” (Cidade de
Deus, 2003:151)
A tabela a seguir apresenta os resultados nos dois roteiros:
Formas antecedentes Amores Possíveis Cidade de Deus
Tu (P2) Você (P3) Tu (P2) Você (P3)
1a ocorrência numa série 53/260 207/260 136/223 87/223
20% 80% 61% 39%
Precedido de 2ª pessoa formal 25/52 27/52 54/75 21/75
48% 52% 72% 28%
Precedido de 3ª pessoa formal 14/76 62/76 13/31 18/31
18% 82% 42% 58%
Tabela 5 – Combinação de formas de 2ª e 3ª pessoas do singular nos dois roteiros
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vice-versa: 3a pessoa antecedendo tu: 18% em Amores Possíveis e 42% em Cidade de Deus, o que
configura a mescla de tratamento.
5. Considerações finais
As fotos em seqüência, embora tenham sido tiradas em momentos, perspectivas e olhares
diferenciados, conseguem captar a linearidade do fenômeno. Os resultados evidenciam a formação
de um paradigma pronominal que reflete um sincretismo entre a segunda e a terceira pessoa do
singular com reflexos paralelos em algumas subcategorias pronominais. A mistura de tratamento já
aparece prematuramente no século XIX com baixos índices percentuais e se configura como um
prenúncio da inserção de você no sistema pronominal. O duelo entre você e tu não se dará de forma
definitiva, pois a forma inovadora e gramaticalizada não se implantará em todas as categorias
gramaticais da mesma maneira. Esse prenúncio já está anunciado nas primeiras fotografias do
século XX, mas os contextos de resistência formal da segunda pessoa perduram até o século XXI.
Nas fotos mais recentes, a disputa se conserva e o emprego de você e tu como sujeito será
determinado ou favorecido por fatores diversos: sociais, regionais, etários, etc. Como acusativo,
entretanto, o te mostra-se produtivo, seja ao lado do você ou do tu-sujeito. O imperativo de segunda
pessoa também resiste. Quanto aos possessivos, observou-se, na variedade culta que opta pelo você,
a preservação da forma de 3ª pessoa (seu), ao passo que o grupo social em que tu é mais produtivo,
o pronome teu ocorre mais. Aparentemente, confirmam-se nossas hipóteses iniciais. Da mesma
maneira que há diferentes sistemas de voseamento na América hispânica, teríamos no Brasil a
coexistência de vários sistemas de tratamento. Se na Argentina, como aponta Fontanella (1977), a
coexistência de dois subsistemas vos e tú nos séculos XVI e XVII gerou à fusão de ambos,
resultando no surgimento de uma paradigma supletivo para o voseo, por que não podemos
considerar a criação de um paradigma misto que estaria se constituindo ou se cristalizando no
Brasil? As respostas estão se delineando conforme novas fotografias vão mapeando o imenso e
complexo espaço-social brasileiro.
6 - Referências bibliográficas
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Gragoatá, 9: 193204. Niterói, 2o. sem, 2000.
AMARAL, Luís I. C.: A concordância verbal de segunda pessoa do singular em Pelotas e suas
implicações lingüísticas e sociais. Tese de doutorado, UFRS, 2003.
ARDUIN, Joana: A variação dos pronomes possessivos de segunda pessoa do singular teu/seu na
região sul do Brasil. Florianópolis, Dissertação de Mestrado, 2005.
BARCIA, Lucia Rosado: As formas de tratamento em cartas de leitores
oitocentistas: peculiaridades do gênero e reflexos da mudança pronominal. Dissertação de
Mestrado em Letras, Rio de Janeiro, 2006.
CHAVES, Elaine: Implementação do Pronome Você: a contribuição das pistas gráficas.
Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte, UFMG, 2006.
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viagem diacrônica. Campinas, Ed. da UNICAMP. p.107-128, 1993.
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