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Cultura urbana e globalização

Nuno Vieira de Carvalho

Índice Como todas as palavras em moda, as


“buzzwords”, também “globalização” ad-
1 A globalização 1 quire contornos diferentes conforme o uso
2 A dimensão cultural da globalização 3 que dela se faz e o contexto em que se a
3 Geografias no novo sistema mundial emprega. Para iniciar esta reflexão, importa,
da arte 4 portanto, esclarecer brevemente o que pre-
4 Em direcção a uma cultura global? 6 tendemos significar com este termo.
5 Culturas locais na era global 6
6 A renovação de Manchester 8
7 A cidade como património da huma- 1 A globalização
nidade 9 A globalização é, porventura, o fenómeno
8 As políticas culturais 9 mais marcante das sociedades contemporâ-
9 O caso de avignon 10 neas. Ela influencia a nossa maneira quoti-
10 Uma cultura estratificada socialmente diana de viver, de maneiras que não nos são
dentro da cidade 12 imediatamente apreensíveis, mas que condi-
11 Conclusões 13 cionam fortemente os nossos comportamen-
12 Bibliografia 14 tos mais expostos ou mais íntimos, desde a
política e a economia, à sexualidade, à fa-
Resumo mília ou à religião. Principalmente, importa
esclarecer que a globalização não é algo que
Neste ensaio, procura-se reflectir sobre a di- tenha a ver exclusivamente com o mundo dos
mensão cultural da globalização e sobre os negócios e da finança internacional, e os seus
efeitos da dinâmica da globalização na cul- actores não são apenas – nem fundamental-
tura contemporânea e nas práticas culturais mente – os Estados. Como diz Giddens, “é
dos públicos urbanos. Contesta-se que o glo- um erro pensar-se que a globalização só diz
bal se oponha ao local e defende-se que o respeito aos grandes sistemas, como a ordem
processo de interdependência pode, em cer- financeira mundial. A globalização não é
tas condições, favorecer os particularismos apenas mais uma coisa que ‘anda por aí’, re-
e regionalismos. Por último, analisa-se uma mota e afastada do indivíduo. É também um
experiência de descentralização cultural e de
transformação do território através da oferta
cultural.
2 Nuno Vieira de Carvalho

fenómeno ‘interior’, que influencia aspectos • Numa perspectiva económica, foi o co-
íntimos e pessoais das nossas vidas”. 1 mércio que pôs em contacto sistemas
Nesse sentido, a globalização tem con- regionais relativamente autónomos. As
sequências em praticamente todas as esfe- trocas mercantis andaram sempre pari
ras da nossa vida social: “Nem os cépti- passu com o alargamento das possibi-
cos nem os radicais compreenderam inteira- lidades de circulação no globo terres-
mente o que é a globalização ou quais são tre. Actualmente, a “economia global”
as suas implicações em relação às nossas vi- impõe-se como a forma mais adequada
das. Para ambos os grupos, trata-se, antes de descrever o sistema mundial; na or-
de tudo, de um fenómeno de natureza eco- dem do dia, estão também a globali-
nómica. O que é um erro. A globalização é zação da democracia, dos direitos hu-
política, tecnológica e cultural, além de eco- manos e da justiça penal internacional
nómica”.2 Ao longo deste ensaio, indagare- (mais sonhada que efectivamente reali-
mos até que pontos essas consequências se zada). Os principais obstáculos a uma
reflectem nas práticas culturais em contexto globalização económica provêm da pe-
urbano. riferia do sistema: os países mais po-
Em sentido lato, entendemos por este con- bres, usualmente excluídos dos circui-
ceito o processo histórico em curso, que con- tos das trocas mundiais.
siste no adensamento das redes de interde-
pendência à escala planetária, produzindo fe- • A dimensão política da globalização é
nómenos de integração e de hegemonia, mas, indissociável da história dos impérios e
simultaneamente, de cisão. Esta dinâmica das colonizações. O facto de as duas
observa-se nas práticas dos públicos urbanos as grandes guerras do século XX te-
da arte – e é este o objectivo deste ensaio. rem sido chamadas de “mundiais” mos-
Devemos esclarecer que assumimos como tra que os historiadores já então se aper-
ponto de partida que a globalização não é cebiam da lógica em curso. O fim da
intrinsecamente boa nem má. Como pro- 2a Guerra Mundial fez nascer uma nova
cesso histórico em curso, tem aspectos posi- ordem, marcada pela “guerra fria” bi-
tivos e outros negativos – sem prejuízo de de- polar; o fim desse período deu origem
fendermos eventualmente a necessidade de à supremacia de uma “hiperpotência”;
uma alter-globalização (um sistema mais re- hoje, os analistas voltam a falar de uma
gulado). Essa discussão ficará, no entanto, ordem nascente, na sequência do “11 de
para outra ocasião. Setembro”. É nesta dinâmica que se
A literatura observa normalmente três di- inscrevem as problemáticas nacionais
mensões da globalização: económica, polí- e a questão ecológica (cada vez mais
tica e cultural. internacionalizada, com a preocupação
1
das chuvas ácidas, das nuvens radioac-
Cfr. GIDDENS, Anthony, O Mundo na Era da
tivas, etc.).
Globalização, ed. Presença.
2
Cfr. GIDDENS, Anthony, op. cit.

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• As redes supranacionais dos media no cinema, nos comportamentos, etc.),


ilustram bem a dimensão cultural da num processo a que poderíamos, com
contemporaneidade. A profecia de alguma propriedade, chamar de “Mc-
McLuhan, nos idos de 80 (a aldeia glo- Donaldização” (uma vez que os restau-
bal), é hoje um lugar-comum (mas, ao rantes McDonald’s são semelhantes em
contrário do que previa este autor, é a todo o mundo).
Internet, e não a televisão, que a rea- No entanto, é justo dizer que esta visão
liza). A globalização está no coração não é inteiramente correcta, já que, ao
da cultura e da arte modernas, pelo me- mesmo tempo, produz-se maior diversi-
nos desde a pop-art. Defender o lo- dade de conteúdos. Hoje, o consumidor
cal contra o global é, de certo modo, comum tem ao dispor igualmente mais
um contra-senso, porque um existe em restaurantes italianos, franceses, chine-
função do doutro e define-se apenas em ses, indianos, brasileiros, africanos. . . ,
contraposição ao outro (ou, como ex- tal como o espectador tem mais teleno-
pressa o marketing, “think global, act velas portuguesas do que antes, e mais
local”). livros e discos de autores nacionais. O
Assim, ao definirmos estas três dimen- processo de globalização cultural é con-
sões, ultrapassamos as duas clivagens que traditório e é duvidoso dizer que haja
normalmente se manifestam a este propósito: uma tendência para a uniformidade se
entre os que acham a globalização uma posi- instalar, pelo menos sem que possa ser
ção ideológica (ligada ao neoliberalismo) ou desafiada.
parte do processo histórico em curso, e entre Para encerrarmos este assunto, dei-
os que a consideram uma realidade positiva xemos que a cultura norte-americana,
ou negativa. Sobre esta última, consideramo- vista como neo-colonizadora, é multi-
la irrelevante; sobre a primeira clivagem, to- cultural e suficientemente ávida de no-
mamos a posição de que se trata de uma re- vos inputs de outras origens. Concede-
alidade histórica que define e molda a nossa mos, não obstante, que, em cada mo-
vivência contemporânea. mento específico ou em cada situação
social, poderá ser mais forte uma ten-
2 A dimensão cultural da dência “uniformizadora” ou “diversifi-
globalização cadora”.

Antes de analisarmos em maior profundi- • Novas noções. Uma das características


dade as práticas urbanas ligadas à cultura, da cultura contemporânea é a substitui-
vejamos as características fundamentais que ção das noções tradicionais de cultura,
moldam a cultura globalizada que fruímos. identidade cultural nacional, identidade
em geral e, mesmo, de nação (pelo me-
• Uniformidade versus diversidade. No nos, nos países da UE). Hoje, qualquer
senso comum, a globalização está as- pessoa tem uma cultura mental com-
sociada à uniformização a todos os ní- posta por figuras, ideias e imagens que
veis (na música, na arte, na televisão e

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circulam por todo o planeta, desenrai- copiado/adaptado a diferentes contextos


zadas de uma referência local ou na- locais.
cional. Os autores jurídicos que defi- A “imagem de marca” faz com que uma
niam a nação em termos de “poder, es- obra de arte seja consumida num cir-
paço e população” encontram-se ultra- cuito que depende, em larga medida, de
passados pelos acontecimentos; os au- considerações extra-artísticas.
tores que falavam de cultura nacional
em termos de homogeneidade, de lín- É comum dizer-se hoje que “uma ima-
gua ou de etnia mostram-se incompatí- gem vale mil palavras”. . . embora nem
veis com qualquer aproximação empí- com mil imagens seja possível dizer o
rica às sociedades actuais. que dizem aquelas cinco palavras!
O multiculturalismo, a transculturali- • O sistema das artes. O sistema artís-
dade são as perspectivas para abordar- tico globalizado caracteriza-se por uma
mos os novos contextos. Apesar de ser- segmentação em disciplinas (p.ex.: mú-
mos forçados a constatar a presença do sica clássica, pop, techno, re-mix, etc.)
fundamentalismo como actor dos novos e por uma hierarquização (um cantor
confrontos (ideológicos, políticos, mi- de bar não está ao nível de uma es-
litares. . . ), identificamos, por contrapo- trela dos circuito mundial de concer-
sição, o cosmopolitismo (a abertura ao tos. . . ), ao mesmo tempo que há uma
outro, a visão abrangente do mundo) e o pluralidade de discursos (um filme sem
relativismo (a ausência de preconceitos imagem pode ser uma obra de arte. . . ),
a priori para olhar o outro). pela experimentação (sem limites: arte
é aquilo que os artistas dizem que é
• O império da imagem. Os media e arte. . . ) e, mais importante, pela media-
a industrialização da arte tornaram as ção social da obra de arte (o merchandi-
imagens omnipresentes, numa lógica de sing, o nome e a reputação do autor. . . ).
circulação sem barreiras. Hoje, tudo
se joga na “construção da imagem”,
do “look”, dos gabinetes de assesso- 3 Geografias no novo sistema
ria de imprensa aos museus de arte mundial da arte
contemporânea, da publicidade ao de-
sign e à arquitectura. Andy Warholl Alguns dos pontos dos pontos de vista que
deu voz à era da imagem, com os defendemos a seguir são, em menor ou
seus “quinze minutos de fama”. A maior medida, consequência do que ficou
moda instituiu-se, a partir de meados dito atrás: a arte joga-se entre o local e o glo-
do século XX, como sistema, como bal, sem que haja um centro ou uma perife-
bem analisou Barthes, com regras e leis ria.
(chegando-se ao ponto de ser moda não Por maioria de razão, o mesmo será vá-
estar na moda). A supremacia da ima- lido para a “semiperiferia”, o conceito onde
gem tomou forma no sistema de “ve- frequentemente se enquadra a situação por-
detariado” de Hollywood, prontamente tuguesa (nomeadamente, quanto a parâme-

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tros de desenvolvimento económico). Ob- que lhe são mais favoráveis (as suas “vanta-
viamente, a noção de semiperiferia está as- gens competitivas”, na gíria dos economis-
sociada à dicotomia centro-periferia, pelo tas) e o mesmo é válido para o campo social
que precisaremos de buscar outro enquadra- da arte.
mento de análise. Como escreve Alexandre É verdade que a história da arte foi a his-
Melo, “é mais adequado conduzir a análise tória de vários centros dos quais irradiaram
das sociedades concretas a partir das articu- tendências, estilos, modas; e esses centros
lações entre contextos locais determinados e artísticos coincidiram com os centros do po-
contexto geral global. Assim sendo, e caso der (político, económico): Veneza, Flandres,
se entenda necessário qualificar as situações Paris. . . Ainda hoje, somos forçados a reco-
susceptíveis de serem consideradas semipe- nhecer que a preponderância de alguns lo-
riféricas, seria preferível optar por uma du- cais (Londres, Nova Iorque, Tóquio) ou de
pla negativa – nem central nem periférica alguns artistas desses países está ligada a al-
– que, por não ser substancial, nos impõe, guma preponderância política e económica,
para cada caso concreto, a ponderação das mas argumentaremos que a força dos novos
particularidades de uma determinada moda- centros artísticos está na capacidade que têm
lidade de articulação entre o local e o glo- de receber outsiders, de se apropriarem de-
bal”.3 les e de os relançarem nos circuitos mundi-
A experiência local de cada pessoa é, pelo ais. Basta ver que Londres é hoje uma me-
menos em parte, moldada por mecanismos trópole multicultural, resultante do afluxo de
que actuam numa lógica global. Dizer, como pessoas de ex-colónias britânicas tão longín-
certos autores, que o espaço foi abolido quas como a Índia ou as pequenas ilhas do
afigura-se exagerado, mas há que pensar em Pacífico, que transformaram até a maneira de
termos de uma nova geografia do espaço cul- falar e escrever “the Queen’s English”.
tural. Para alguns, o novo espaço configura No essencial, a competição artística en-
um imperialismo cultural; para outros, é um tre cidades ou países processa-se segundo a
processo menos dirigido, mais participativo, mesma lógica que a competição económica.
mais receptivo a novos dados e às minorias, Certo é que vemos hoje a crise dos cen-
realizador de redes de interdependência, sem tros ou os centros em crise. Já nenhum ar-
que haja um plano intencional de expandir o tista vai para Paris para escrever ou para pin-
poder a partir de um centro. É esta, também, tar. . . Nova Iorque é desafiada por Los An-
a nossa opinião. geles e teme a concorrência de Tóquio. . . A
O modelo de centro e periferia não é es- globalização torna mais visíveis as dificul-
tranho a certas elaborações de cariz político. dades dos centros e, tal como nos negócios,
Para o que nos interessa aqui, convém dizer emergem novas regiões do mundo (novas ci-
que a tese da oposição entre centro e peri- dades com importância a nível continental).
feria nos parece deslocada. Cada país po- Tal como a finança internacional tem as pra-
derá encontrar na lógica global os factores ças de Nova Iorque, Londres, Frankfurt, ga-
3
nhamos em olhar para o mundo da arte como
Cfr. MELO, Alexandre, Globalização Cultural,
ed. Quimera, pág. 105 um mundo feito de pólos em concorrência,
gerando propostas inovadoras. Mais: a peri-

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feria pode ser uma zona propiciadora de no- cessariamente territorial ou coincidente com
vas criações. É por isso que, à escala modes- os limites de um Estado-nação), como Wal-
tíssima de Belmonte, a pianista Maria João lerstein, para quem definir uma cultura é es-
Pires consegue desenvolver um centro inova- sencialmente definir uma fronteira. Para ou-
dor de ensino e consegue chamar ao interior tros, como Boaventura Sousa Santos, a cul-
do país alguns dos maiores intérpretes con- tura é até uma forma de obstar à unifor-
temporâneos. É também por esta razão que midade: “Os poderosos e envolventes pro-
um pintor aborígene da Austrália consegue cessos de difusão e imposição de culturas,
vender as suas pinturas aos museus de arte imperialisticamente definidos como univer-
contemporânea mais conceituados dos Esta- sais, têm sido confrontados, em todo o sis-
dos Unidos. tema mundial, por múltiplos e engenhosos
processos de resistência, identificação e in-
digenização culturais.”5 Este autor defende
4 Em direcção a uma cultura
que o sistema mundial tem espaço para al-
global? bergar “culturas globais parciais”, com perfis
Muita desta discussão se joga em saber se políticos muito diferentes, mas, de qualquer
existe uma globalização da cultura ou, antes, modo, plurais ou pluralistas. Daí que seja di-
uma cultura global, como assinala Boaven- fícil falar de uma única cultura global.
tura Sousa Santos.4 Esta discussão tem ainda o mérito de cha-
Para alguns autores, as últimas três déca- mar a atenção para a questão da primazia
das terão propiciado o surgimento de uma cultural ou económica. Enquanto para uns o
cultura global. Acreditam que a intensifi- sistema mundial se tornou integrado em pri-
cação dos fluxos transfronteiriços produziu meiro lugar pela economia e pela relação de
convergências entre as culturas locais, ao forças dos actores internacionais, para outros
ponto de poder falar-se de uma nova enti- o poder político e as normas e valores cultu-
dade, essa pretensa cultura global, composta rais/institucionais surgem antes do mercado
por formas que são originariamente transna- global e do desenvolvimento actual do sis-
cionais ou cujas origens nacionais são tão re- tema global.
motas que perderam já qualquer significado.
A estas formas novas Anthony Smith chama 5 Culturas locais na era global
imperialismo cultural; para Leslie Sklair, é a
cultura-ideologia do consumismo. Defendemos que é enganador supor o de-
A maioria dos autores acredita, porém, saparecimento das culturas locais por efeito
que este processo não produziu (pelo me- do processo de globalização. De facto, até
nos, ainda) esse resultado. Muitos identifi- temos assistido ao inverso, à medida que
cam cultura com fronteira (ainda que não ne- vão surgindo novas nacionalidades e outros
países politicamente independentes (como
4
Cfr. SOUSA SANTOS, Boaventura, “Os pro- aconteceu no espaço da União Soviética, da
cessos da globalização” in SOUSA SANTOS, Boa-
ventura (dir.) Globalização. Fatalidade ou Utopia?, 5
Cfr. SOUSA SANTOS, Boaventura, op. cit.,
ed. Afrontamento, 2001 pág. 54

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Checolosváquia, da Jugoslávia, etc.), como O marketing interpreta bem essa rela-


explica Mike Featherstone: “As culturas na- ção entre o sentimento individual de iden-
cionais têm, em regra, surgido em paralelo tidade local e a constatação de que esta-
com os processos de constituição dos Esta- mos inseridos num contexto mundial que
dos, no interior dos quais especialistas da nos transcende, através da “glocalização” –
cultura se dedicam à reinvenção de tradições a estratégia que consiste em adaptar a cada
e reformulam, e até recriam, a essência ét- público-alvo nacional as campanhas publi-
nica dos povos. À medida que os Estados- citárias produzidas pelos “copywriters” das
nação começaram a interligar-se numa figu- agências publicitárias nova-iorquinas.
ração mais densa, mantendo entre si rela- Por outro lado, os media e os contactos in-
ções de competição, foram-se tornando alvo ternacionais (com destaque para o turismo)
de fortes pressões no sentido de constituírem tornam as culturas locais mais acessíveis a
uma identidade cultural coerente”.6 Assim, quem está de fora (e, ao mesmo tempo, mais
o jogo de forças em que cada país se en- abertas a influências do exterior). Não será
volve no contexto internacional pode refor- exagerado afirmar que quem viaja transporta
çar a especificidade da cultura local. É por consigo, na bagagem, a sua cultura local –
isso que não se pode estender à dimensão uma circunstância que é ainda mais patente
global a cultura entendida deste modo que com os emigrantes e exilados.
vimos a entendê-la. Não seremos descuida- Assim, assistimos hoje ao regresso em
dos, no entanto, ao ponto de garantir que tal força das culturas locais – com a filosofia
nunca poderá acontecer no futuro (por exem- do “politicamente correcto” a insistir na ên-
plo, por acção de uma federação de nações). fase da igualdade entre elas, sem hierarquias.
Não obstante, acreditamos, com Boaven- Convém ver que este regresso dá-se não só
tura Sousa Santos, que alguns Estados têm em termos da cultura material, para usar uma
permitido, de certa maneira, o processo con- expressão cara aos antropólogos, mas tam-
trário de homogeneização e de uniformiza- bém em termos da sociabilidade e dos usos
ção culturais, ao promoverem internamente e convenções sociais. O mesmo acontece,
o desmantelamento da diversidade das suas por consequência, em termos do espaço e da
culturas locais (frequentemente por motivos maneira como as populações se apropriam
étnicos), recorrendo ao poder da polícia, do dele. As classes médias envolvem-se num
direito ou do sistema educativo.7 Exemplo processo de “aburguesamento”, ao tomarem
disso é a Letónia, que acaba de ilegalizar o conta de espaços que lhes dêem uma identi-
uso da língua russa na administração pública dade social (e uma elevação do estatuto). Os
e nas escolas do país, apesar de albergar uma novos guetos que são os condomínios priva-
significativa minoria russa, do tempo da ocu- dos de luxo são um exemplo disso.
pação soviética. Outro exemplo são os espaços recreativos
6
e lúdicos (de que a Disneylândia é o coro-
Cfr. FEATHERSTONE, Mike, “Culturas glo-
bais e culturas locais” in FORTUNA, Carlos (org.), lário), que tentam produzir em nós o encan-
Cidade, Cultura e Globalização, ed. Celta tamento perdido da infância, ou equipamen-
7
Cfr. SOUSA SANTOS, Boaventura, op. cit., tos do género de ecomuseus, museus de ar-
pág. 54 queologia industrial, quintas-modelo, etc. –

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lugares que exploram a nostalgia do “lugar na regeneração urbana dos centros históricos
perdido”. A reconstrução de localidades e (as “baixas”) e de zonas ribeirinhas (as “do-
de comunidades estéticas encontra especial cas”), transformando-os em zonas residenci-
receptividade em estratos com maior escola- ais e de lazer, com arte pública. Eram pro-
ridade e em classes ligadas às profissões da jectos dirigidos a um público de elevado ní-
cultura e similares. vel económico e exigiam um grande investi-
mento cultural.
Este modelo foi importado pelo Reino
6 A renovação de Manchester
Unido, ao tempo de Thatcher (nos anos 80),
Este movimento das classes médias em as- e desprezado pela Esquerda britânica por
censão é ilustrado pelo enobrecimento do causa disso (já que estava associado à substi-
centro urbano de Manchester (uma cidade tuição da indústria pelos serviços, aos “yup-
repleta de fábricas, desde que protagonizou pies”, ao envolvimento do capital privado na
a Revolução Industrial). Este enobrecimento regeneração de áreas públicas). Numa época
implica a recentração de áreas que eram sub- de governação conservadora hostil aos inte-
valorizadas (“marginais”) e uma esteticiza- lectuais e às despesas estatais com a cultura,
ção resultante do investimento cultural de a cidade de Manchester procurou atrair os
um novo grupo social – os promotores do agentes culturais, como forma de realizar um
consumo cultural –, que podem nem sequer “ambiente criativo” (para atrair os consumi-
ser os beneficiários da revalorização desse dores da cultura). Reconhecia-se explicita-
espaço. Terá sido, por exemplo, o que acon- mente a importância da arte para promover a
teceu no SoHo nova-iorquino, onde as figu- imagem das cidades.
ras do meio cultural conseguiram promover Contudo, o resultado acabou por ser que
uma área até então desdenhada, mas depois o projecto cultural subjacente à renovação
não conseguiram desfrutar dessa zona (que urbana de Manchester ficou subordinado ao
se tornou demasiado cara para as pessoas do factor económico: a cultura viu-se obrigada
meio cultural). As atitudes desses promoto- a justificar-se perante os promotores imobi-
res culturais tornam-se um factor de distin- liários, que conduziram o processo de reno-
ção social, segundo Zukin, ao orientarem o vação desde o princípio. No final, acham
gosto dos consumidores comuns, mesmo na O’Connor e Wynne, Manchester acabou por
área imobiliária. ficar sem um centro dinâmico fora das horas
O’Connor e Wynne lembram que foi de expediente dos negócios e sem um lugar
esta estratégia que muitas cidades norte- de sociabilidade entre os vários grupos po-
americanas e europeias seguiram para resol- pulacionais da cidade.
ver os problemas da cidade pós-industrial.8 A renovada Manchester lançou-se, então,
A partir da década de 70 do século XX, na competição global das “cidades euro-
várias cidades norte-americanas investiram peias”, já muito desindustrializada e renas-
8
Cfr. O’CONNOR, Justin, WYNNE, Derek, cida com a imagem de “cidade cultural”. A
“Das margens para o centro. Produção e consumo de entrada neste “campeonato da Liga Europeia
cultura em Manchester”, in FORTUNA, Carlos (org.), de cidades” foi uma aposta económica (para
Cidade, Cultura e Globalização, ed. Celta atrair empresas e turistas), mas foi também

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Cultura urbana e globalização 9

uma forma de escapar à hegemonia de Lon- Este fenómeno está muito ligado aos pro-
dres. Na esteira de Glasgow e Edimburgo cessos de reconversão pós-industrial (fre-
(que se apresentavam como cidades euro- quentemente penosos e marcados pelo de-
peias e não escocesas ou britânicas), tam- semprego e pela depressão económica), com
bém Manchester procurou entrar no jogo da as cidades a reconverterem-se e a procura-
Europa das Regiões e aí foi mais bem suce- rem uma vantagem competitiva no “espírito
dida: “Manchester afirmou, a par de outras do lugar”, oferecendo aos visitantes a fruição
cidades do Norte, a sua preocupação com do seu património histórico. As cidades pro-
a cultura e a produção cultural, nos termos curam sobressair na competição económica
de uma autenticidade derivada do sentido internacional entre regiões – e é assim que
de lugar, por contraposição à preocupação este estatuto se torna uma distinção simbó-
de Londres com as finanças e as grandezas. lica importante no jogo global. É interes-
Do que se tratava era da tradicional opo- sante observar que até algo intangível como
sição aos rendimentos ‘imerecidos’ do ca- o fado está a ser apresentado por Portugal à
pital, agora mediados pela ‘cultura’, e não UNESCO como candidato à classificação de
pelo ‘trabalho árduo’. O espírito de comuni- património mundial.
dade, profundamente enraízado na mitologia À medida que se intensificam os desti-
do Norte, converteu-se numa vibrante esfera nos turísticos e o lazer se torna uma indús-
pública, tão desejada pela Manchester cos- tria mais importante, este estatuto é cada vez
mopolita, desejosa de reconhecimento como mais cobiçado. Basta ver que os países com
cidade europeia de cultura”.9 mais locais classificados pela UNESCO são
também os destinos mais vendidos pelo tu-
rismo internacional. É desta maneira que as
7 A cidade como património da
políticas locais se tornam particularmente re-
humanidade levantes.
Uma estratégia internacional, também ao ní- As cidades empenham-se cada vez mais
vel da identidade simbólica das cidades, é a em oferecer espaços públicos (como par-
de “patrimonialização”, que se traduz no au- ques, centros históricos, etc.) ou espa-
mento das candidaturas à atribuição do esta- ços privados de uso público (como museus,
tuto de “património mundial” concedido pela restauração, etc.), com equipamentos cultu-
UNESCO. Desde 1993, o número de bens rais, construindo percursos e actividades que
classificados por ano é sempre superior à mé- fomentam o consumo económico (como o
dia dos anos de 70 e 80, o que mostra a im- “Festival do Marisco”, a “Rota dos Vinhos”,
portância desta tendência.10 etc.).
9
Cfr. O’CONNOR, Justin, WYNNE, Derek, op.
cit. 8 As políticas culturais
10
Cfr. PEIXOTO, Paulo, “As cidades e os pro-
cessos de patrimonialização” in PINHEIRO, Magda, As políticas culturais estão intimamente liga-
BAPTISTA, Luís V., VAZ, Maria João (org.), Cidade das à gestão que é feita, em cada país, desta
e Metróploe. Centralidades e Marginalidades, ed. lógica de globalização da cultura que temos
Celta vindo a expor.

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10 Nuno Vieira de Carvalho

Tratando-se de políticas públicas, depara- sações de elitismo e de despesismo formu-


mos logo com o primeiro desafio: o de sa- ladas contra a política cultural estão muito
ber se o Estado deve ter alguma intervenção relacionadas com esta polémica (e ligadas a
nesta área (da mesma maneira que se discute sectores conservadores). Também a diver-
se deve ou não desempenhar um papel na in- gência entre privilegiar o património ou pri-
dústria, na saúde, na educação, etc.). A de- vilegiar a criação anda perto desta discussão.
mocratização da cultura é, possivelmente, o Alguns países (como a Grécia, a Itália) apos-
único objectivo reclamado por todos os qua- tam na conservação do património histórico
drantes políticos. Só que esta democratiza- como atracção turística; outros (como os Es-
ção prende-se com as questões menos pa- tados Unidos) apostam mais na criação e nas
cíficas da “mercantilização da arte” (da in- vanguardas.
dústria cultural e dos mercados da arte) e da
educação (de elites ou de massas). Prende-
9 O caso de avignon
se também com a polémica da descentrali-
zação (sendo que, na arte como em outros O Festival de Avignon, o maior evento cul-
domínios, se identifica muito claramente em tural em França, suscita uma reflexão sobre
Portugal uma faixa litoral e urbana, no que a constituição e mobilização dos públicos da
diz respeito à oferta e ao consumo). É nesta cultura e sobre as experiências de descentra-
lógica de descentralização que se inscreve a lização cultural pelo território. Criado em
rede de bibliotecas públicas, por exemplo, 1947, permanece ainda hoje um dos mais im-
ou as orquestras regionais. Adiante, anali- portantes festivais teatrais da Europa, com
saremos algumas experiências de regionali- lugar de destaque em todas as agendas cul-
zação/descentralização cultural. turais e artísticas, atraindo à cidade dos Pa-
Importa lembrar o sentimento anti- pas espectadores franceses e estrangeiros du-
mercado de alguns autores (como os actores rante o mês de Julho.
que recusam representar em produções tele- A originalidade do Festival advém do
visivas), como se mercado e cultura fossem facto de não se remeter às salas dos tea-
antagonistas. Parece hoje mais evidente tros, mas de ocorrer em todos os espaços
que mercado e arte têm de ser pensados em públicos da cidade: ruas, praças, igrejas e
conjunto. Mais: que o mercado externo é claustros, quartel dos bombeiros, garagens,
um factor de amortização dos custos das etc. Este modelo, de libertar o teatro dos
produções nacionais (como bem viram os constrangimentos do espaço urbano especia-
brasileiros com as telenovelas há quase três lizado (i.e., das salas e dos camarotes), viria
décadas). Como reacção a este sentimento a criar raízes. Fabiani e Ethis afirmam que
contra o mercado, surgiu uma corrente “esta forma de ‘festival’ estendeu-se rapida-
oposta, que erege o mercado em valor mente a outras cidades francesas, tornando-
supremo (a supremacia das audiências). se, de forma duradoura, um verdadeiro ins-
Também se discute se se deve gastar di- trumento de organização cultural do territó-
nheiro numa política cultural ou se se deve rio. A tríade – espectáculos em cenários ur-
investir apenas numa política pública de edu- banos libertos dos constrangimentos do es-
cação (a cargo das escolas estatais). As acu- paço teatral especializado, cidade de provín-

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Cultura urbana e globalização 11

cia, reutilização do património – constitui o tentaram criar um público que não é expli-
fundamento deste modelo”.11 citado na sua composição sociológica, mas
A ideologia que presidiu à sua criação foi que é apresentado como opondo-se ao pú-
a de tornar o teatro “público”, no sentido de blico burguês da capital. Para alargar esse
“popular”, fazê-lo chegar ao público habitu- público espectador, o teatro recorre a uma es-
almente afastado desses espectáculos (mais tratégia geográfica: instala-se fora dos gran-
do que aos “notáveis” da cultura), que po- des centros, ao mesmo tempo que se acentua
deria frequentá-lo mesmo em mangas de ca- a clivagem entre o teatro “comercial” e o te-
misa – aliás, apropriadamente para um cer- atro “de criação”. É isso que está na origem
tame estival. Ligada a esta ideia, está tam- do chamado teatro popular. Não obstante,
bém a intenção de ultrapassar as convenções a investigação empírica demonstra continua-
dos espectadores urbanos tradicionais (de re- mente o carácter restrito do público do teatro
servar lugar, vestir-se, instalar-se na sala...). (mesmo nos festivais deste tipo).
O mito da comunhão de espectadores de Uma visão realista do que se passa em
todas as classes sociais unidos na plateia Avignon permite-nos conhecer uma tempo-
pelo amor à arte dramática viria, porém, a ralidade que o festival introduz no meio cul-
desfazer-se com os inquéritos aos frequenta- tural no país (ao ponto de a frequência das
dores (entre 1996 e 2001): professores, pro- salas das outras cidades decair consideravel-
fissões científicas, profissões no âmbito da mente). Durante três semanas de Julho, as
informação, das artes e dos espectáculos, e pessoas encontram uma oferta que não existe
estudantes representavam mais de 60% da em mais lado nenhum. Mas, o mais impor-
amostra de público, ao passo que estes gru- tante, é que assistem a mais espectáculos du-
pos não representavam sequer um terço da rante esse período do que no resto do ano (ou
população francesa com mais de 15 anos. seja, não mantêm o hábito de frequentar o
Esta constatação significa que o festival teatro nas suas zonas de residência). Neste
não permite encontrar os efeitos de “notabi- sentido, o festival não alarga – ao invés, de-
lidade” ligados às práticas culturais mais im- limita uma frequência.
portantes dos meios urbanos (como acontece Um festival verdadeiramente “para o
na Ópera, por exemplo), mas mostra também povo” conteria, entre os seus espectadores,
que nem por isso se trata de um público de a mesma estrutura social da população (as
“populares”. Pelo contrário, o que existe é mesmas classes, as mesmas idades, etc.). Os
uma dinâmica particular que cria em Avig- inquéritos demonstram, como já referimos,
non um público específico. que isto não acontece. O mito da “comu-
Esta reduzida proporção de operários e nhão de cidadãos” revive-se, quando muito,
empregados obriga-nos a recentrar a noção na abertura do certame: no “Pátio de Honra”
de “popular”. Não podendo prescindir de re- (o grande palco situado no interior do Palá-
cursos nem de público, os criadores teatrais cio dos Papas), todos se encontram. Acto-
11
res, dramaturgos, encenadores, críticos, es-
Cfr. FABIANI, Jean-Louis, ETHIS, Emmanuel,
“O Festival e a cidade: O exemplo de Avignon”, in pectadores habituais, curiosos dão forma a
Revista Crítica de Ciências Sociais, no 87, Dezembro essa aparente comunidade no lugar cénico
de 2003 mais prestigiado do Festival, os especialis-

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12 Nuno Vieira de Carvalho

tas misturando-se com a população local, re- 10 Uma cultura estratificada


actualizando o mito original. Mas essa ho- socialmente dentro da cidade
mogeneidade, à medida que os dias se pas-
sam, depressa deixa evidente a heterogenei- A conclusão semelhante, quanto às diferen-
dade do público que vai a Avignon. ças sociais do público da cultura, chega Tei-
Se discutimos a questão do público da arte xeira Lopes ao analisar três espaços da ci-
dramática é porque esta está intimamente li- dade do Porto: a Praia da Luz (um local
gada à questão da política cultural. Nenhuma de convívio mundano), o B Flat (um bar de
outra arte adquiriu, ao longo do século XX jazz) e o Rivoli (um teatro).12 Estes locais
até hoje, o mesmo carácter “político”. Tal adoptaram lógicas democratizadoras viradas
como a Política, o teatro representa-se pe- para a expansão dos respectivos públicos,
rante a cidade, i.e., na arena da pólis; tal juntando a cultura, o prazer e a diversão.
como a Política, o teatro é da ordem da acção A Praia da Luz prima pela informalidade,
discursiva; tanto num como noutro, tudo se pela presença do audiovisual, pela sociabi-
joga na palavra e na representação. Daí que lidade juvenil (sobretudo de adolescentes),
o teatro assuma uma posição central quando pelo apelo à moda (estar in), pelos espectá-
se começa a discutir as questões do alarga- culos atractivos (como passagens de mode-
mento dos públicos, da democracia cultural, los), pela esplanada junto ao mar. Mas as di-
da descentralização cultural e da transforma- ferenças são visíveis na forma de as pessoas
ção do território através da oferta cultural, se apropriarem do espaço e de se apresenta-
em resumo, da política de Cultura do Estado. rem em cena, nota o autor.
É assim que estes grandes temas se encon- No B FLat, predomina o público entre
tram ligados. os 30 e os 40 anos de idade (os adolescen-
Em conclusão: o Festival de Avignon é, na tes praticamente ausentes), a roupa é infor-
verdade, uma utopia política. Neste sentido, mal (excepto de alguns grupos mais idosos)
podemos argumentar que a realidade socio- e o menor investimento na imagem resulta
lógica do seu público o torna um projecto numa maior homogeneidade dos presentes.
fracassado quanto às suas intenções origi- Os espectáculos ao vivo deixam perceber a
nais (de democratização e de regionalização vontade de lançar pontes para outras formas,
da cultura). Os dados empíricos reforçam a mas nos limites do repertório jazzístico, o
ideia da acentuada estratificação das activi- que acaba por apelar mais aos intelectuais e
dades culturais, sem que estas organizações aos menos jovens.
estivais e os espectadores em manga curta No Rivoli, o público adolescente
possam apagar as diferenças sociais que a concentra-se no café-concerto, que prima
frequência do teatro denota. por uma programação mais iconoclasta,
enquanto os mais idosos preferem o grande
12
Cfr. TEIXEIRA LOPES, João, “Identidades,
estilos, repertórios culturais” in PINHEIRO, Magda,
BAPTISTA, Luís V., VAZ, Maria João (org.), Cidade
e Metrópole. Centralidades e Marginalidades, ed.
Celta

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Cultura urbana e globalização 13

auditório, com espectáculos mais ligados à de diversão, centros históricos) que põem à
“cultura erudita”. O primeiro é conhecido mostra as diferenças sociais e culturais dos
pela informalidade, ao passo que o segundo públicos.
ostenta uma aura de prestígio e serve Apesar disto, Fortuna e Santos Silva são
objectivos simbólicos e de prestígio. de opinião de que na nossa cultura urbana
A partir destas observações e de um inqué- moderna são menores as diferenças entre a
rito aos frequentadores, Teixeira Lopes con- “cultura do povo” e a “cultura de elite”.14 Ao
clui que os três espaços são usados por indi- contrário desta oposição que se manifestava
víduos com um alto capital escolar, herdei- historicamente com alguma força, estes dois
ros de uma posição social privilegiada, mos- autores contrapõem que existe hoje uma vida
trando que as actividades culturais apelam urbana, cultural e institucional mais agrega-
sobretudo a um público culto muito pequeno dora socialmente, com as classes médias a
(“uma elite dentro da elite”) – apenas uma protagonizarem uma espécie de convergên-
parte do público que dispõe de um grande ca- cia no centro das variadas expressões cul-
pital escolar adere ao gosto da “cultura culti- turais e dos produtos da cultura. Este mo-
vada”. vimento traduz-se na elevação dos elemen-
Também Paula Abreu, ao analisar os pú- tos da “cultura popular” (por exemplo, o re-
blicos de cinco cidades portuguesas (Porto, gresso do estilo rústico, o artesanato, etc.) e
Coimbra, Braga, Guimarães e Aveiro) nota na popularização dos elementos da “cultura
que as manifestações dessa cultura elevada de elite” (por exemplo, as viagens culturais),
atraem uma porção cada vez mais restrita a que não são nada alheios os mecanismos
do público da cultura, num processo de do mercado.
“afunilamento”: “À medida que nos afas-
tamos das formas culturais massificadas
11 Conclusões
(cujo ícone fundamental é a televisão) e se
aperta o círculo das formas culturais ‘no- A globalização é, porventura, o fenómeno
bres’, restringem-se e sobresseleccionam- mais importante da sociedade contemporâ-
se os gostos, os praticantes e os públicos, nea – ele molda a nossa vivência quotidiana
mesmo dentro das categorias que, sociologi- e tem consequências em todas as esferas da
camente, apresentam características de se- vida social.
lecção social (escolarizadas, jovens, profis- Como os outros domínios da nossa acti-
sionalmente qualificadas)”. 13 A autora nota vidade, também a cultura é enformada pela
que as “práticas de saída” revelam uma so- globalização. Esta circunstância é vista por
ciabilidade e uma apropriação dos novos es- alguns como homogeneização cultural, por
paços das cidades (nomeadamente dos espa- outros como imperialismo cultural, mas será
ços urbanos como centros comerciais, áreas mais justo dizer que há uma imbricação: lo-
13 14
Cfr. ABREU,Paula, “Públicos culturais nas ci- Cfr. FORTUNA, Carlos, SANTOS SILVA, Au-
dades ou das cidades?” in PINHEIRO, Magda, BAP- gusto, “A cidade ao lado da cultura: Espacialidades
TISTA, Luís V., VAZ, Maria João (org.), Cidade sociais e modalidades de intermediação cultural” in
e Metrópole. Marginalidades e Centralidades, ed. SOUSA SANTOS, Boaventura (org.), Globalização.
Celta Fatalidade ou Utopia?, ed. Afrontamento

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14 Nuno Vieira de Carvalho

cal e global estão interligados, numa nova FEATHERSTONE, Mike, “Culturas globais
geografia que não tem centro nem periferia. e culturas locais”, in FORTUNA, Car-
Não há uma cultura global. Pelo contrá- los (org.), Cidade, Cultura e Globaliza-
rio, há variadíssimas culturas locais que se ção, ed. Celta, 2001
reforçam por intermédio da dinâmica global.
As políticas locais assumem um papel par- FORTUNA, Carlos, SANTOS SILVA, Au-
ticularmente relevante na área da cultura. A gusto, “A cidade do lado da cultura:
necessidade das cidades competirem econo- espacialidades sociais e modalidades
micamente num campeonato mais alargado de intermediação cultural” in SOUSA
de regiões e países fá-las procurar uma dis- SANTOS, Boaventura (org.), Globa-
tinção simbólica no seu acervo histórico e lização. Fatalidade ou Utopia?, ed.
patrimonial. A cultura pública urbana e os Afrontamento, 2002
equipamentos culturais tornam-se formas de GIDDENS, Anthony, O Mundo na Era da
atrair os consumidores. Globalização, ed. Presença, 2002
A oferta cultural pode ser uma estratégia
de descentralização da cultura e de democra- MELO, Alexandre, Globalização Cultural,
tização cultural, mas há que ter em conta que ed. Quimera, 2002
os públicos são restritos e socialmente deter-
minados. O’CONNOR, Justin, WYNNE, Derek, “Das
A experiência portuguesa e os estudos margens para o centro. Produção e con-
sucessivamente confirmam essa tendência sumo de cultura em Manchester”, in
de um público cultural socialmente esparti- FORTUNA, Carlos (org.), Cidade, Cul-
lhado. Não obstante, a sociedade contempo- tura e Globalização, ed. Celta, 2001
rânea exibe menos diferença entre a “cultura
PEIXOTO, Paulo, “As cidades e os proces-
das elites” e a “cultura do povo”, graças ao
sos de patrimonialização. A corrida
papel predominante das classes médias, em
ao estatuto de património mundial e a
termos estatísticos e em termos de mercado.
identidade simbólica das cidades” in PI-
NHEIRO, Magda, BAPTISTA, Luís V.,
12 Bibliografia VAZ, Maria João (org.), Cidade e Me-
trópole. Centralidades e Marginalida-
ABREU, Paula, “Públicos culturais nas ci-
des, ed. Celta, 2001
dades ou das cidades?” in PINHEIRO,
Magda, BAPTISTA, Luís V., VAZ, Ma- SOUSA SANTOS, Boaventura, “Os proces-
ria João (org.), Cidade e Metrópole. sos da globalização” in SOUSA SAN-
Centralidades e Marginalidades, ed. TOS, Boaventura (dir.), Globalização.
Celta, 2001 Fatalidade ou Utopia?, ed. Afronta-
mento, 2001
FABIANI, Jean-Louis, ETHIS, Emmanuel,
“O Festival e a cidade: o exemplo de TEIXEIRA LOPES, João, “Identidades, Es-
Avignon”, in Revista Crítica de Ciên- tilos, Repertórios Culturais. Um certo
cias Sociais, no 67, Dezembro de 2003

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Cultura urbana e globalização 15

ponto de vista sobre a cidade” in PI-


NHEIRO, Magda, BAPTISTA, Luís V.,
VAZ, Maria João (org.), Cidade e Me-
trópole. Centralidades e Marginalida-
des, ed. Celta, 2001

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