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Angela Prysthon1
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Angela Prysthon é professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE. Doutora em
Teoria Crítica pela Universidade de Nottingham. prysthon@gmail.com
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É importante lembrar que nos anos 60, assim como em vários outros países na mesma época, houve um
movimento também chamado “Nuevo Cine Argentino”. Alguns autores chamam o momento atual de “El
último nuevo cine argentino” (Maranghello, 2005).
Argentina (tanto em termos estéticos, como narrativos e políticos – pelo menos numa
nova acepção do político). É interessante também notar que os dois modelos foram
internacionalmente consumidos como parte de um mesmo fenômeno, ou seja, foram
recebidos de modo indistinto (o de rearticulação do cinema latino-americano – ou como
rotulou certo jornalismo cultural, o cinema Buena Onda). O “selo” cinema argentino
acabou se tornando uma garantia de qualidade, uma denominação de origem nos
festivais internacionais de cinema, quase que independentemente da filiação ou das
opções estéticas específicas dos filmes. É notável também como se foi consolidando o
rótulo “cinema argentino” na crítica especializada nos mais variados cantos do planeta.
Um dos marcos iniciais do NCA pode ser localizado em Pizza, Birra, Faso (Adrián
Caetano), que retrata alguns episódios de cinco jovens delinquentes no inverno
portenho. Este filme pode ser considerado emblemático por várias razões: ele é feito
por estreantes (seus diretores, elenco e produtores); Stagnaro e vários colaboradores
técnicos e artísticos do filme vieram das principais escolas de cinema do país (ENERC
– Escuela Nacional de Experimentación y realización cinematográfica – e FUC –
Fundación Universidad del Cine – sendo as mais destacadas entre elas); seu roteiro
trouxe à tona uma Argentina corrompida pelo neoliberalismo fracassado dos feios anos
do governo Menem, uma juventude totalmente à margem das promessas de
modernidade emblematizadas por Buenos Aires e seus ícones (como o obelisco que
serve de abrigo aos jovens protagonistas no início do filme); as locações (o centro de
Buenos Aires, as “bailantas”, o porto, os subúrbios para onde os jovens e o taxista
cúmplice levavam suas vítimas) e atuações naturalistas contribuíram para compor um
retrato realista, agressivo e inovador do país. Uma forma interessante de perceber as
transformações do cinema argentino está no comentário que Gonzalo Aguilar faz em
relação aos títulos dos filmes:
"A grandes rasgos, esto también se observa en los títulos que, más que ser indicaciones
de lectura, preservan la ambigüedad y mantienen la incógnita. (...) Otros títulos son más
descriptivos pero también más neutros, como un señalamiento que tampoco revela nada:
Silvia Prieto, Los Guantes mágicos, Sábado, Nadar solo, Un oso rojo. Compárense
estos títulos con los más resonantes de la anterior generación, que hacen un guino al
espectador: Un lugar en el mundo, El lado oscuro del corazón, Señora de nadie, La
historia oficial, El exílio de Gardel, Tiempo de revancha, Últimas imágenes del
naufragio, entre otros". (AGUILAR, 2006, 27)
Nessa recusa da pedagogia política, no rechaço à grandiloquência do cinema engajado,
o NCA se afasta de uma linhagem importante da cinematografia nacional. Fernando
Solanas, Osvaldo Gettino, Luis Puenzo, Leonardo Favio, Adolfo Aristarain, entre
outros, quase todos os grandes nomes do cinema argentino trataram muito diretamente
da política e procuraram evidenciar o discurso de uma identidade nacional diretamente
vinculada à ideia da combatividade, do engajamento e da mobilização. Francine
Masiello se refere a uma “arte da transição” na Argentina e no Chile pós-ditaduras, que
são como respostas ao passado oculto da tortura e da morte no período. Masiello está
interessada em dois tipos de reação a este passado:
"La primera nos lleva pensar en la existencia de un mercado para la memoria social
colectiva; la segunda hace funcionar a la memoria como un estímulo para acciones
sociales futuras." (MASIELLO, 2001, 21)
E há vários filmes do final da década de 90 e dos 2000 que vão acentuar outra resposta
à história da segunda metade do século XX no país, especialmente o que está
relacionado com a tortura, o desaparecimento e o assassinato promovido pelos militares.
Filmes como Garage Olimpo (Marco Bechis, 1999), 768003 (Cristian Bernard e Flavio
Nardini, 1999) ou Crónica de una fuga (Adrián Caetano, 2006). Mas saem de cena o
fervor militante, o tom explicativo e onisciente para dar lugar aos relatos mais pessoais,
mais minimalistas e seguramente mais crus da história. O trauma ainda mais recente da
Guerra das Malvinas foi também filmado por mais um jovem debutante, Tristán Bauer,
em Iluminados por el fuego (2005). Contudo, como afirma Sarlo,
Nesse sentido, talvez pudéssemos indicar duas diretoras e seus dois longas de estreia (de
naturezas muito distintas, mas com uma radicalidade que aproxima ambos) como as
representantes femininas mais instigantes da relação do NCA com a memória, com a
história, com a política, com novos modos de representação de subjetividades e,
sobretudo, com novas formas realistas. O primeiro filme de Albertina Carri chama-se
Los rubios (2003) e rearticula de forma complexa o gênero documental político,
apostando na contiguidade – e às vezes confusão – entre ficção e documentário, entre
experimentalismo e o real, insistindo na autorreferência e na ironia como vias de
elaboração do seu próprio luto (ela, filha de desaparecidos, realiza sobre a realização de
um documentário sobre seus pais, utilizando-se de diversas estratégias distintas de
“encenação” e revisão da história: animação com bonecos playmobil, telas de televisão
reproduzindo entrevistas com sobreviventes da ditadura, o uso de uma atriz para
representar a si mesma, etc.).
Mas é em La mujer sin cabeza que Lucrecia Martel se concentra mais especificamente
na figura feminina, ao enfocar Verónica, uma dentista de meia-idade da classe média
alta, que tem problemas de memória e outras perturbações mentais após um misterioso
acidente de carro. Parece haver aparentemente, então, um tema mais óbvio e mais
passível de interpretação alegórica que os demais; a saber, a questão da culpa burguesa
na Argentina pós-ditadura. Porque se nos filmes anteriores, a memória aparecia como
um vestígio, como um rastro individual, algo que remetia à família, à infância. Aqui, a
oportuna e por vezes aparentemente falsa perda de memória da protagonista evoca
muito diretamente os esforços de certa classe média argentina (e latino-americana por
extensão) ao tentar se esquivar da culpa pela brutalidade do regime militar.
Embora orbitem a seu redor o marido, algumas amigas e um estranho amigo/amante que
aparece mais ao final, o protagonismo de Verónica é bem mais marcado que o de
Amalia e mais ainda que o de qualquer dos personagens de La Ciénaga. Ou seja, este é
um filme sobre uma mulher adulta. O evento-chave do filme acontece quando Verónica,
dirigindo para casa na volta de uma reunião de família e num momento de distração
com um celular, atropela alguém ou algo numa estrada do interior. Ela freia e a câmera
de Martel se detém no seu perfil, imóvel, silencioso, como se num transe. Como nos
seus predecessores, o filme não oferece nenhuma explicação fácil. Pode haver sido um
cão, pode haver sido uma criança. Há uma misteriosa marca de mão no espelho
retrovisor do carro. Passado algum tempo, Verónica parece ter sofrido alguma espécie
de trauma, aparenta uma aguda confusão mental, ao afirmar para as pessoas não lembrar
o que aconteceu. O desaparecimento de um menino das cercanias, encontrado dias
depois afogado, provoca em Verónica uma sensação muito forte de pavor de ter
atropelado o menino, que teria caído no rio após o acidente.
Martel mantém o tom das suas películas anteriores na deliberada fusão entre uma
narrativa insondável, indicialidade sem muito sentido, os símbolos sem referentes e a
afirmação de uma estética da inércia, uma estilística do peso amorfo da imobilidade. Em
La mujer sin cabeza, todavia, Martel refina algumas de suas estratégias audiovisuais
para consolidar essa estética: planos assimétricos, descontinuidades sonoras, estranhos
enquadramentos (por exemplo, com planos de pessoas do pescoço para baixo,
remetendo explicitamente ao título do filme) que evocam e configuram a confusão
mental da personagem. Num constante paralelo entre forma e conteúdo narrativo, a
obra sutilmente realça os mistérios do visível, ancorando visual e sonoramente um
universo de distúrbios, culpas e horror.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUILAR, Gonzalo. Otros mundos. Um ensayo sobre el nuevo cine argentino. Buenos
Aires: Santiago Arcos, 2006.
MARTIN-JONES, David e VIDAL, Belén (org). Cinema at the Periphery. Detroit:
Wayne State University Press, 2010.
JAMESON, Fredric. Signatures of the visible. Londres/New York: Routledge, 1992.
KONSTANTARAKOS, Myrto. “New Argentine Cinema” in BADLEY, Linda,
PALMER, R. Barton e SCHNEIDER, Steven Jay (eds). Traditions in World Cinema.
Edimburgo: Edinburgh University Press, 2006, 130-140.
MARANGHELLO, César. Breve historia del cine argentino. Barcelona: Laertes, 2005.
MASIELLO, Francine. El arte de la transición. Buenos Aires: Norma, 2001.
OUBIÑA, David. “Between Breakup and Tradition: Recent Argentinean Cinema”.
Senses of Cinema, 2004. Disponível em:
http://archive.sensesofcinema.com/contents/04/31/recent_argentinean_cinema.html
MOORE, María José e WOLKOWICZ, Paula (orgs). Cines al margen. Nuevos modos
de representación en el cine argentino contemporáneo. Buenos Aires: Libraria, 2007,
137-150.
SARLO, Beatriz. Tiempo pasado. Cultura de la memoria y giro subjetivo. Buenos
Aires: Siglo XXI, 2005.