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JOSE AFONSO DA SILVA ‘Advogado Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP PARECER I A CONSULTA E QUESTAO DE ORDEM LUIZ INACIO LULA DA SILVA - LULA - Consulente, por seus advogados CRISTIANO ZANIN MARTINS, VALESKA TEXEIRA ZANIN MARTINS, José PAULO SEPUVEDA PERTENCE £ José ROBERTO BATOCHIO, honrando-me com o pedido de um parecer juridico, narra, em sintese, que foi processado ¢ condenado no émbito da denominada “Operagaio Lava Jato”. Dessa condenagao imposta pelo juizo de primeira insténcia foi interposto recurso de apelagio para o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4* Regio, no dia 11.09.2017, recurso esse que foi julgado em 24.1.2018, decidindo manter a condenago, aumentando, ainda, a reprimenda anteriormente imposta para doze anos e um més de reclusiio. Também foi decidido no supracitado julgamento que, depois de esgotada a jurisdigao daquela Corte Regional, deveria 0 Juizo de origem ser oficiado para dar imediato infeio a execugio da pena privativa de liberdade, independentemente de serem interpostos ou nfo recursos aos Tribunais Superiores. A ordem foi fundamentada a partir da invocagtio do conteiido da Siimula 122 daquele Tribunal’ e do quanto decidido pelo Supremo Tribunal 1 Stimula 122/TRF4: “Bneerrada. a juri criminal de segundo grau, deve ter inici ‘execugo da pena imposta ao réu, independentemente da eventual interposigiio de recurso especial my extraordindrio”. JOSE AFONSO DA SILVA ‘Advogade Professor Titular Aposontado da Faculdade de Direito da USP Federal no Habeas Corpus n° 126.292,’ na Medida Cautelar em Ag&o Declaratéria de Constitucionalidade n° 43 e 44? e no Recurso Extraordindrio com Agravo 964.246/SP, em regime de repercussio Geral.’ Considerando o iminente constrangimento indevido 4 liberdade de locomogao de LULA, foi impetrado Habeas Corpus preventivo em seu favor perante o Superior Tribunal de Justiga’, que, no entanto, foi denegado. Frente a esta negativa, impetrou-se, em 02.02.2018, Habeas Corpus a Supremo Tribunal Federal. Argumentou-se precipuamente que 0 entendimento firmado pela Excelsa Corte no Habeas Corpus n° 126.292/SP é incompativel com a garantia da presungio de inocéneia, insculpide no artigo 5°, LVI, do texto constitucional. Invocou-se, ainda, que o referido precedente ndo se aplicaria ao caso concreto, vez que (a) a ordem de execugto proviséria da pena estaria despida de fundamentagao idénea, pois se limitou a citar entendimento sumular do Tribunal Regional e a reproduzir os precedentes firmados pelo STF sobre a matéria: (b) teria havido violagfo ao principio da vedagiio a reformatio in pejus, visto que a determinagio se deu ex officio, sem pleito anterior do Ministétio Publico Federal, e (c) a medida, ante as circunstincias concretas da causa, seria desnecesséta, © processo foi autuado como Habeas Corpus n° 152.752 e distribuido ao eminente Ministro Edson Fachin, que, em 09.02.2018, indeferiu o pedido liminar, afirmando que pleito encontraria ébice na Siamula 691/STF.* Afirmou-se que, em sede cautelar, no seria possivel a superagio da Stimula, por nao se estar diante de decisio manifestamente conteéria 4 jurisprudéncia do Tribunal ou de flagrante hipétese de constrangimento. Por fim, remeteu 0 processo para julgamento pelo plenario do Supremo Tribunal Federal, sob o fundamento de que existe “relevante questdo juridica e necessidade de prevenir divergéncia entre as Turmas quanto d questdo relativa a possibilidade de execugdo criminal apés a condenagdo assentada em segundo grau de jurisdigdo. 2 STF, HC 126.292, Relator: Ministro Teori Zavaseki, Plendrio, Julgado em 17.02.2016. 3 Medida Cautelar na ADC 43 e ADC 44, Relator Ministro Marco Aur 05.10.2016. Pleniti julgado em 4 STF, ARE 964.246-RG/SP, Relator: Ministro Teori Zavascki, repercussio Geral reconhecida em 11.11.2016. 5 STJ, HC 434.766, Relator: Ministro Felix Fischer, 6 “Nao compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contri decisto do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar” \W JOSE AFONSO DA SILVA ‘Aavogado Professor Titular Aposentado da Faculdade de Diroito da USP. A Consulta relata outras circunstancias que, por ora, ndo é necessério transcrever aqui. Enfim, diante dessa controvérsia, enumera os quesitos que submete a minha consideragao para que seja elaborado parecer; Tais sio: ~1. QUAL & EXTENSAO DA GARANTIA DA PRESUNGAO DE INOCENCIA, CONTIDA NO ARTIGO 52, LVI, DA CONSTITUIGAO? -2. & TESE FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO HABEAS CORPUS N® 126,292/SP, QUAL SEJA, “[A] EXECUCAO PROVISORIA DE ACORDAO PENAL CONDENATORIO PROFERIDO EM GRAU DE APELAGAO, AINDA QUE SUJEITO A RECURSO ESPECIAL OU EXTRAORDINARIO, NAO COMPROMETE 0 PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNGAO DE INOCENCLA”, £ COMPATIVEL COM 0 ARTIGO 5°, LVI, DA CONSTITUIGAO? “3. 0 TRIBUNAL REGIONAL DA 4 REGIAO DETERMINOU, NOS AUTOS DA APELACAO CRIMINAL N2 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, QUE 0 INICIO DO CUMPRIMENTO Dé PENA IMPOSTA A LULA DEVERA OCORRER IMEDIATAMENTE &POS 0 ESGOTAMENTO DA JURISDICAO DAQUELA CORTE, £ NAO A PARTIR DO TRANSITO EM JULGADO DO PROCESSO-CRIME. ESTA DETERMINAGAO & COMPATIVEL COM 0 ARTIGO 52, LVI, DA CONSTITUIGAO FEDERAL? ~4. & ORDEM DE EXECUGAO PROVISORIA DA PENA DE LULA, TENDO SIDO DECRETADA DE OFICIO, LIMITANDO-SE A MENCIONAR ENTENDIMENTOS SUMULARES E. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, E SENDO A MESMA, ANTE 0S ELEMENTOS CONCRETOS DA CAUSA, DESNECESSARIA, & COMPATIVEL COM 0 ARTIGO 52, LVI, DA CONSTITUIGAO FEDERAL? ~ 5. 0 CONTEXTO FATICO APRESENTADO NO HABEAS CORPUS Ne 152.752/PR - REVELANDO IMINENTE POSSIBILIDADE DE EXECUGAO DA PENA DE LULA ANTES DO TRANSITO EM JULGADO DE SUA CONDENACAO CRIMINAL - CONSTITUI HIPOTESE DE FLAGRANTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL APTA A AFASTAR A INCIDENCIA DA ‘SUMULA 691/STF? (PD JOSE AFONSO DA SILVA ‘Advogado Professor Tiular Aposontade da Faculdade de Direito da USP ee A resposta sintética a esses quesitos requer prévio estudo da presungo de inocéncia no constitucionalismo geral, sua doutrina no constitucionalismo brasileiro, a andlise do conteiido do inciso LVII do art. 5° da Constituigao de 1988, sua extensio, eventuais limites, sua correlago com outras garantias e principios constitucionais; a andlise da jurisprudéncia que 0 tenha dado algum sentido para ver se sua formulagao esté compativel com aquele dispositive constitucional, © temas correlatos que conduzam melhor compreensio da questo, Antes, porém, de abordar essa temética, parece-me imprescindivel abrir uma questo de ordem de natureza subjetiva, 1. Questo de ordem pessoal 1. Nao é usual abrir-se questo de ordem pessoal em pareceres que 0 parecerista oferece a seus consulentes. Neste caso, contudo, isso se me impde para afastar do Ambito deste parecer qualquer conotagiio politica. Nao sou eleitor do consulente” nem de seu partido. O consulente aqui é, por assim dizer, um instrumento pelo qual exergo um dever impostergavel, qual seja: a defesa da Constituigdo em face de um julgado de guardidio, missio conferida pelo art. 102, caput da CF, no qual 0 “precipuamente” tem especial forga normativa. Além de conferir 0 Tribunal sua caracterizagio de Corte Constitucional, no admite desvios por quaisquer consideragdes de outra natureza que nfo seja a estrita obediéncia as sua dicgdo formal explicita. Nesse caso, seria possivel mesmo afirmar que o guardifo é um escravo da Constituigao. 2. Acima afirmei que tenho “o dever impostergavel” de defender a Constituigao, ¢ essa afirmativa decorre do fato de que trabalhei muito, me empenhei para além mesmo de minhas forgas, para que ela fosse uma Constituigfo essencialmente voltada para a garantia da realizago efetiva dos direitos humanos fundamentais, confiante em que os Tribunais, especialmente 0 Tribunal incumbido de sua guarda, soubessem interpreta a formulagtio 7 ___ Para afastar qualquer questionamento,informo que votei em LULA uma vez apenas, porque 0 partido a que eu estava filiado (PSDB) decid, aliés com meu voto no diret6rio, apoié-lo contra o candidato Fernando Collor de Mello. Nao sou mais filiado a nenhum partido politico. JOSE AFONSO DA SILVA ‘Aavogado Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP normativa desses direitos, segundo a concepgdo de que seu entendimento ha de ser sempre expansivo e nunca restritivo. 3. Disse também que o consulente ¢ 0 instrumento pelo qual posso exercer aquele dever. E 0 consulente, por seu lado, solicitou-me este parecer na busca de um meio de exercer 0 seu. direito fundamental a “ampla defesa, com os recursos a ela inerentes” (CF, art. 5°, LV). E isso Ihe dé legitimidade para provocar um parecer em defesa de seus direitos e também em defesa da Constituigo porque, embora esta defesa seja objetiva e de interesse geral, o resultado pretendido 0 beneficia, Se o parecer visa a defesa da Constituigdo, o consulente nada tem a pagar por ele (parecer pro bono). A defesa da Constituigao nflo tem peso. 4, Tratando-se, pois, de uma questo constitucional de repercusstio geral, significa que nio é uma questiio menor, de sorte que o Tribunal nao se apequena revendo-a nos ditames da Constituigao. De fato, a presungdo de inocéncia integra o constitucionalismo, desde sua implantagao no Séc. XVIII, como sistema de limite ao poder e, especificamente, como limite a0 poder de imposigao de penas do juiz. Como veremos, em seguida, originou-se das mesmas fontes pol icas, sociolégicas e filoséficas que fundamentaram a formagao da jurisdigdo penal auténoma e independente, contemporinea, assim, do surgimento do direito penal garantistico. I O Acérdio do HC 126.292/SP 1, Improcedéncia de seus fundamentos 5. As decisdes dos Tribunais so formadas pelo conjunto dos votos individuais de seus integrantes. Mas, uma vez, formada a decisio definitiva, em cada caso, as manifestagdes individuais se expressam no Acérdao, que é a expressto formal do julgado, adquirindo, assim, a unidade do julgamento, Entdo, a forma referencial no € mais a dos votos individuais, mas, metaforicamente, do Tribunal, referindo-se ao érgtio emissor da decistio, ou 0 Julgado, mencionando-se 0 contetido da decisio, ou o Acérdao, referindo-se a sua expressio formal, como vou fazer daqui por diante. 6. A questo que nos ocupa neste parecer consiste na compreensiio do disposto no art. 5°, LVI, da Constituigtlo de 1988, que, consagrando 0 principio presungao da ndo-culpabilidade, dito também principio da presungo de inocéneia, estabelece: ge . JOSE AFONSO DA SILVA Advogado Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP “ninguém sera considerado culpado até o trnsito em julgado de sentenca penal condenatéria” Apesar dessa forma negativa universal “ninguém”, 0 Acérdfio do HC 126.292/SP dispos que “[a] execugao proviséria de acérdao penal condenatério proferido em grau de apelagiio, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinirio, nfio compromete o principio constitucional da presungao de inocéncia”. Para tanto, 0 Acérdao langou mio de fundamentos, teses, argumentos fatores, equivocados e improcedentes, e para demonstré-lo vou aprecié-los na ordem em que aparecem no julgado, com base no seguinte roteiro: 1. 0 direito estrangeiro. 2. Busca de um necessério equiibrio. 3. Apego G literalidade — a regra ndo tem cordter absaluto. 4, strutura dos recursos. 5. “Uma deformagao eloquente”. 6. Cisdo entre “culpa” e “condeno¢ao". 7. “Ocorréncia de muta¢éo constitucional”. 8. “A presuncdo de inocéncia é principio, ndo regra”. 9. Sintese conclusiva IL. 0 direito estrangeiro 7. Logo de inicio, 0 Acérdao ({ls. 9)* recorre ao direito estrangeiro na busca de base para a teoria de que a presungao de inocéncia nto impede a pristio do acusado antes do trénsito em julgado da sentenga condenatéria. Para tanto, lembra um trecho de voto da entiio Ministra Ellen Gracie segundo o qual “em pafs nenhum do mundo, a execugo de uma condenagao fica suspensa por recurso a instdncia superior”, e mostra-o citando a Inglaterra, os Estados Unidos, © Canadé, a Alemanha, que nao tém norma constitucional garantindo o prinefpio da presungo de inocéncia, Por isso 0 voto menciona apenas regras do direito processual penal. Depois: Franca, Espanha e Portugal, cujas constituigdes tém dispositivos prevendo principio da presungdo de inocéncia, mas s6 a Constituigdo portuguesa tem dispositivo igual a0 da nossa, 8 —_Advirto que a cépia do Acérdo HC 126.292/SP, obtida no portal do STF, nao veio paginada. A\ paginaco que utilizo aqui foi estabelecida por mim e pode no coincidir com outras. JOSE AFONSO DA SILVA ‘Aavogado Professor Tiular Aposontade da Faculda: fe Diroito da USP 8. Quero afirmar aqui, peremptoriamente, que néo ¢ razodvel, nem justo, argumentar desse modo, trazendo a colagdo direito estrangeiro tio diferente do nosso. Nao se comparam direitos ou instituigdes juni icas diferentes, porque, “seja na micro ou na macrocomparago, & escolha do objeto a comparar ha de fundamentar-se em critérios racionais, pois envolve a ideia da comparabilidade... [que é] um pressuposto bésico da comparagiio juridico-constitucional, porque sem ela ndo tem cabimento”.® Nao se comparam objetos incompariveis. 9. Em suma, 0 dito da tra acolhido pelo Acérdao se responde que, em pais algum do mundo, salvo Portugal, ha uma regra constitucional protegendo o principio da presungio de inocéneia como existe no Brasil. E, no caso de Portugal, o que fez 0 voto da Ministra seguido pelo Acérdiio? Diz que “[o] Tribunal Constitucional Portugués interpreta o principio da presungéo de inocéncia com restrigSes. Admite que o mandamento constitucional que garante esse direito remeteu a legislagao ordindria a forma de exercé-lo.” A leitura do art. 32, 2, da Constituigao portuguesa mostra que isso ndo € assim, porque o dispositive é plenamente aplicdvel ¢ nfo remete a nenhuma legislagio posterior. Quanto a dizer que o TC portugués interpreta 0 principio com restrigao, nao é 0 que dizem Gomes Canotilho ¢ Vital Moreira no comentario a esse dispositivo.|° 11.2. Busca de um necessirio equilibrio 10. Acérdao (fls. 6) chama o principio da presungio de inocéncia de “verdadeiro postulado civilizatério” (cf. n. 5), mas o que faz é construir uma teoria para desconstituir ¢ destruir esse “postulado civilizatério”, chegando para tanto até a inverstio do sentido da norma consubstanciada no inc. LVI do art. 5° da Constituigao, admitindo que a sentenca de primeira grau supera a presungdo de inocéncia por um juizo de culpabilidade (item 5 do voto). 11. A premissa dessa teoria esté na postulagdo da “busca de um necessério equilibrio entre esse principio e a efetividade da fungdo jurisdicional penal, que deve atender valores caros nfo apenas aos acusados, mas também a sociedade, diante da realidade de nosso intrineado © complexo sistema de justiga penal” (fls. 11). Ento, recore a uma velha jurisprudéncia a partir do julgado do HC 68.726, de relatoria do Néri da Silveira, sem 9 Gf. José Afonso da Silva, Um pouco de Direito Constitucional Comparado, Sao Paulo, Malheiros, 2009, pp.39 e 40. 10 Cf. J.J. Gomes Canotilho ¢ Vital Moreira, Constituicdo da Reptiblica Portuguesa Anotadarcit., p. 203, n. IV, JOSE AFONSO DA SILVA Advegado. Professor Tiular Aposontade da Faculda: fe Drotto da USP levar em conta que todos ficaram superados com a decistio do HC 84.078, de relatoria do Min. Eros Grau, Opondo-se a esse julgado o Acérdio constréi uma teoria para destrui-lo ¢, pois, na medida em que ele aplica rigorosamente 0 disposto no inc. LVI do art. 5° da Constituigao com arrimo, além do mais, no postulado da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democritico de Direito, previsto no art. 1°, IIl, da Constituigtio, o mesmo é, portanto, destruir esses prinefpios e valores dos direitos fundamentais insculpido na nossa Lei Maior. 12. O Acérdao apega-se a um argumento recorrente, qual seja 0 de que “com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelagiio, ocorre espécie de preclusao da matéria envolvendo os fatos da causa”. Que seja, mas o inc. LVI do art. 5° da Constituigtio deu outro rumo, exigindo que, apesar disso, nfo haja precluido o direito de recorrer, ¢ enquanto essas vias no se esgotarem pelo trénsito em julgado ndo se pode executar a pena. HA uma norma constitucional que exige respeito, sob pena de inconstitucionalidade, que o guardidio da Constituigao nado pode cometer! E preciso que se reconhega que a Constituigao estabeleceu um limite expresso para o principio da presungao de inocéncia que é 0 trdnsito em julgado da sentenca condenatéria. Isso supera qualquer argumento fundado no efeito nao suspensivo dos recursos cabiveis, Supera também os argumentos das Siimulas 716 e 717 sobre a progresstio da pena, que, além de set outro tema, nfo se impdem & norma do inc. LVI do art. 5° da CF. 13, Fora disso, com a devida vénia, nfio vale nada argumentos referentes a jurisdigao penal que deve atender valores caros nfo apenas aos acusados, mas também a sociedade, diante da realidade de nosso intrincado e complexo sistema de justiga penal. I1.3. Apego a literalidade —a regra nfo tem carsiter absoluto 14. O Acérdio, em algum momento (fis. 15), traz & colago manifestagdo do Juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos, Robert Jackson: “Nés ndo temos a ultima palavra por sermos infaliveis; somos infaliveis por termos a tiltima palavra”. Por isso mesmo, como guardidio da Constituigdo, essa iltima palavra ndo pode ser contra ela, porque isso significa exatamente desconstituir a fungdo do guardido, E porque também contradiz outra passagem do Acérdio: “Quero, todavia, dizer que, dentro daquele espago que a Constituigdo outorga ao intérprete uma margem de conformagao que nao extrapola os limites da moldura textual, as melhores alternativas hermenéuticas quig4 sto, em principio, as que conduzem a reservar a esta Suprema Corte primordialmente a tutela da ordem constitucional” (fs. 16). Mas como 7 tutelar “ordem constitucional” desrespeitando norma expressa como a do inc. LVII do art. 5° jy JOSE AFONSO DA SILVA Professor Titular Aposentade da Faculdade de Direito da USP da Constituigaio? Serd interpretar com “apego A literalidade” aplicar o dispositivo, eliminando de sua expressio formal, um dos institutos mais respeitaveis do direito processual que esti na base mesma do alcance do principio da inocéncia, qual seja a clusula “até 0 transito em julgado”? 15. Diz 0 Acérdfio que “niio se pode dar a essa regra constitucional cardter absoluto”. Mas ela ¢ de cariter absoluto, sim, no sentido de que existe niio conforme os cria ou regula a lei, mas a despeito das leis que pretendam modificar ou conceituar, conforme diz Pontes de Miranda, Portanto, a regra do ine. LVI do art. 5° ¢, sim, absoluta, no sentido de que vale por si, no conforme a lei.'' Ou, por outra, é de eficdcia plena e aplicabilidade imediata, nfio admite lei modificativa, nem mesmo pode ser alterado pelo poder constituinte derivado, nem, pois, com maior raziio, por interpretagdo judicial ou pretensa mutagio constitucional 16. Esté certo 0 Acérdio (fls. 16) quando diz que “é indispensdvel compreender 0 principio da presungdo de no culpabilidade [...] em harmonia com outras normas constitucionais que impdem ao intérprete a consideragao do sistema constitucional como um todo”. Mas quais essas “outras normas”, as que intrinseca e ontologicamente esto fora do contexto daquela, como o da duragio do proceso, o da soberania dos vereditos, o “arcabougo recursal”, 0 entendimento (nao norma) de que a “estrutura recursal” prevista nos artigos 102 ¢ 105, nfio é para revisar “injustiga do caso conereto”? Nao, com certeza no, Os prineipios ¢ normas com que se harmoniza o prinelpio da presungio de inocéncia, so, em primeiro lugar, os do § 1° do art. 3°, segundo o qual: “As normas definidoras dos direitos ¢ garantais fundamentais tém aplicago imediata”; depois, as garantias penais do nulla poena sine culpa, “no ha pena sem prévia cominagfo legal” (art. 5°, XXXIX: importante, porque a execugdo proviséria ou adiantamento da pena, no caso, é aplicar verdadeira pena sem cominagio legal), “ndo hé crime sem lei anterior que 0 defina” (art. 5°, XXXIX), 0 principio do devido processo legal (inc. LIV), 0 “direito & ampla defesa com os meios ¢ recursos a ela inerentes” (inc. LV: ai estd, a presungiio de inocéneia é um desses meios e recursos a ela inerentes, entrando ai “recurso”, no sentido mais amplo, ineluindo o recurso extraordinério e o especial, em liberdade). 11 Cf. Pontes de Miranda, Comentarios & Constituicao de 1967 com a emenda n° I de 1969, pp. 618-619. fn Y JOSE AFONSO DA SILVA Advogade Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP IL4. “Estrutura recursal” 17. B recorrente (p. ex., fls. 12-14, 15-19), no Acérdio, o apelo a fatores circunstanciais, como o sistema de recurso, "? o “arcabougo recursal”, “a duragfio do processo” para sustentar a conveniéncia de execugio provi éria da pena, dizendo: “o prinefpio da presungo ~ a ponto de negar a executividade a qualquer condenagao enquanto no esgotado definitivamente 0 julgamento de todos os recursos, ordindrios ¢ extraordinarios — tem permitido e incentivado, em boa medida, indevida e sucessiva interposigio de recursos”, Se 0 Acérdiio, nesse passo, tem razio quanto aos fatos, nilo a tem quanto as suas causas. Com todas as vénias dos prolatores do Acérdao, a afirmativa nfo é correta. Para comprova-lo, basta lembrar que 0 fenémeno ocorre igualmente no processo civil, no qual a executividade proviséria das sentengas condenatérias ¢ ampla, ¢ nem por isso tolheu o fendmeno. Mas concedamos que 0 julgado tenha razio, 0 defeito no se corrige suprimindo direitos fundamentais da pessoa humana, mas pela reformulagao do sistema de recursos. 18. Lamentavelmente nenhum dos Ministros que votaram contra a inteiteza do principio da presungfio de inocéncia apresentou qualquer sugestio no sentido de modificar o sistema de recursos € no sentido de buscar meios de acelerar os julgamentos criminais, muitas vezes deixando 0s réus mofando nas enxovias. Sem providenciar meios de sanar o mal pela raiz, quer fazé-lo pela rama, tolhendo direitos fundamentais. 19, Nem uma palavra sobre a necessidade de uma profunda reforma do judiciério, que favorega a celeridade processual, como, por exemplo, uma possivel criagio de um Superior Tribunal Administrative, para decidir, em definitivo, como poder judiciério no como contencioso administrativo, as causas administrativas de interesse do Poder Piblico, ainda que admitido recurso extraordindrio em fungdo do controle de constitucionalidade, Uma reforma que descentralize a justiga estadual, justiga de mérito, criando Tribunal de Apelagio ou que nome tenha, nas regiées administrativas dos Estados, enquanto os Tribunais de Justigas ficariam como tribunal de coordenago ¢ harmonizagao etc. Nao o faz porque isso significaria reduzir poderes de certos érgios judiciais, inclusive do $ 12 Sistema lembra uma passagem de Blackstone, transerito por Vanderbilt na tradugao espanhola: “Nuestro sistema de apelaciones se asemeja a um antiguo Castillo gotico, erigido em tempos de la caballeria, pero adecuado a lo habitantes modernos. Sus bastiones rodeados de fosos, las torres almejandas y los salones adornados con trofeos son venerales y magnificos, pero initiles...” (Cf. La Justicia Emplazada a Reformarse, Buenos Aires Depalma, 1959, p. 41, trad. de Carlos Alberto Benites, y Javier Claveli Borris da obra The Challenge to the Law Reform, New Jersey, Princeton Universi Press, 1955. JOSE AFONSO DA SILVA Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP. ILS. “Uma deformagio eloquente” 20. A certa altura, 0 Acérdio (fls. 46) afirma que a norma que consubstancia a nilo culpabilidade “é uma deformagao eloquente” do constituinte. Como constitucionalista fico muito pesaroso seniio triste ao ler isso num julgado do STF a respeito de uma norma que alberga um direito fundamental. E é estranho porque, em seguida, ele diz uma coisa certa: “A. presungiio de inocéncia, desde as suas raizes histéricas, esté calcada exatamente na regra mater de que uma pessoa ¢ inocente até que seja considerada eulpada” (fls, 46); é certo, mas segundo © ine, LVI do art. 5° da Constituigo, uma pessoa s6 € considerada culpada depois que a sentenga condenatéria transita em julgado, No entanto, aftontando a literalidade ¢ o espirito do dispositivo, diz 0 Acérdao que hé nao necessidade do transito em julgado; para tanto, se apoia, no dispositivo pertinente da Declaragao Universal dos Direitos Humanos; ora, 0 dispositivo da Declaragio € uma norma aberta porque vale para todos os Estados subscritores que, respeitando seu contetido essencial, a preenche com as particularidades do seu direito constitucional, Foi o que fez a Constituigio brasileira, exigindo 0 (rdnsito em julgado. 21. Pode-se criticar 0 texto, pode-se condené-lo, mas um texto de uma Constituigao rigida tem que ser respeitado, principalmente pela instituigdo incumbida de guarda-lo garantir sua eficacia e aplicabilidade na sua inteireza. 22. 0 fundamento pragmético do julgado é de que o que esta previsto “efetivamente nflo corresponde a expectativa da sociedade em relagiio ao que seja uma presungfio de inocéncia”. Com a devida vénia, no sei como se aferiu essa expectativa, parece que sequer se fez alguma pesquisa de opinidio a respeito, mas, seja como for, € preciso dizer enfaticamente que a “expectativa da sociedade brasileira” foi traduzida nas normas da Constituig&o de 1988, ¢ ela, fora dai, qualquer que seja, por mais legitima que seja, nao é norma supra constitucional para derrogar prescrigdes da Constituigao. 23. Todo o argumento que se desenvolve sobre o trnsito em julgado ¢ @ natureza dos recursos ditigidos ao STF ¢ ao STI, e sobre a imutabilidade da matéria de fato, € muito ponderdivel, mas tudo isso se subordina a uma norma dotada de supremacia que tem que ser acatada, 11.6. Cisio entre “culpa” e “condenagio” 24. O Acérdao (fs. 48-49) “interpreta a Constituigdo o sentido de que ninguém pode ser considerado culpado até o trinsito em julgado da sentenga condenatoria haveria de ser lido e interpretado no sentido de que ninguém poderé ser considerado culpado ¢ nao condenado”, JOSE AFONSO DA SILVA Advogado Professor Titular Aposontado da Faculdade de Dirsito da USP Com essa diferenga diz-se frente: “Entdo, as consequéncias eventuais com transito em julgado de uma sentenga penal condenatéria haver‘io de ser tidas e havidas apés 0 trinsito em julgado, mas a condenagiio que leva ao inicio de cumprimento da pena niio afeta este prinefpio estabelecido inclusive em documentos internacionais”; diga-se, em documentos intemacionais, que nfio envolvem, na consideragiio da norma, a exigéncia do transito em julgado. Essa exigéncia da Constituigdo é que faz a diferenga. 25. Nao nego que a cisdo proposta é uma novidade que nos leva a refletir, reflexio nao de direito constitucional, mas, como se trata de culpabilidade, condenagao ¢ pena, uma reflexdo de direito penal sobre a teoria do crime como agio t{pica, antijuridica e culpavel, que sfo 0s elementos da estrutura conceitual do crime. Entéo, quando a afirmativa em aprego faz. uma cistio entre culpabilidade e condenagdo, € necessirio recomer a esses elementos para verificar se isso ¢ possivel. Para os fins deste parecer, posso deixar de lado a tipicidade e a antijuridicidade, para me ater apenas na culpabilidade que é 0 conceito que esta em jogo na anélise do inc. LVI do art. 5° da CF. A culpabilidade ¢, assim, um elemento da estrutura conceitual do crime, & uma situagio anterior, fase subjetiva, que se forma com a imputabilidade, a culpabilidade e responsabilidade penal.'> Sem culpabilidade nao ha crime e, pois, nem condenagao legitima. Logo, a culpabilidade é pressuposto da condenagao. E assim esta est intrinsecamente dependente daquela. Se nfio existe a culpabilidade, consequentemente nio pode existir a condenagdo e, menos ainda, a aplicagdo de pena. A pristio é uma pena, que, portanto, nfo pode existir enquanto no for apurada a culpabilidade. Entiio, se o ine, LVI do art. 5° diz que nao sera considerado culpado quem estiver na situagio nele prevista, ou seja, “até o transito em julgado da sentenga condenatéria”, nfo se vé como para fins pei pelo menos, falar em condenago para os fins de aplicagao da pena, proviséria ou definitivamente. Se a condenagio vale para as consequéncias na esfera do Direito Civil, como quer 0 Acérdio na passagem, em andlise, ndio me cabe verificar nesta sede. Em mais de um momento 0 Acérdio recorda 0 caso do Habeas Corpus 84.078 que estabeleceu a orientagio no sentido da necessidade de que houvesse sempre o trénsito em julgado para que se executasse a sentenga. Na verdade, ali se aplicou a norma constitucional da presungao de inocéncia tal qual nela se contém. Alina verdade se disse muito mais do que isso, afirmou-se peremptoriamente que a antecipagdo da execuedo penal, ademais de 13. Cf. Anibal Bruno, Direito Penal, vol. I, tomo 2°, » ed., Rio de Janeiro, Forense, 1959, pp. JOSE AFONSO DA SILVA Advogade Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP incompativel com 0 texto da Constituigéo, apenas poderia ser justificada em nome da conveniéncia dos magistrados --- ndo do processo penal. Por isso, vale a pena apresentar aqui pelo menos a Ementa desse julgado, quando nada, para conhecimento geral, ei-la “EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUGAO ANTECIPADA DA PENA" . ART. So, LVII, DA CONSTITUICAO DO BRASIL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1°, Ill, DA CONSTITUICAO DO BRASIL, 1. O art. 637 do CPP estabelece que "{o] recurso extraordindrio ndo tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, 0s originais baixardo a primeira insténcia para a execugSo da sentenga". A Lei de Execugfo Penal condicionou a execustio da pena privativa de liberdade ao trnsito em julgado da sentenga condenatéria. A Constituigto do Brasil de 1988 definiu, em seu art. So, inciso LVII, que "ninguém sera considerado culpado até o transit em julgado de sentenca penal condenat6ria, 2. Dai que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210784, além de adequados @ ordem constitucional vigente, sobrepOem-se, temporal & ‘materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisdo antes do trdnsito em julgado da condenagao somente pode ser deeretada a titulo cautelar. 4. A ampla defesa, nfo se a pode visualizar de modo restit, Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinéria. Por isso a execusto da sentenga apés o julgamento do recurso de apelagao significa, também, restri¢to do direito de defesa, caracterizando desequilibrio entre a pretensfo estatal de aplicar a pena e 0 direito, do acusado, de elidir essa pretensio. 5. Prisdo temporéria, restriglo dos efeitos da interposigio de recursos em matéria penal e ppunig2o exemplar, sem qualquer contemplagdo, nos “crimes hediondos" exprimem muito bem sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem esté desejando ppunir demais, no fundo, no fundo, esté querendo fazer o mal, se equipara um pouco a0 proprio delinquente". 6. A antecipagdo da execusdo penal, ademais de ineompativel com o texto da Constituigdo, apenas poderia ser jusificada em nome da convenincia dos magistrados -- nfo do processo penal. A prestigir-se 0 principio constitucional, dizem, os tribunais (Ieia- se STJ STF] sero inundados por recursos especiais e extraordindrios e subsequentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais seré preso". Eis o que poderia ser apontado como incitagao & “jurisprudéncia defensiva", que, no exiremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias consttucionais, A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF ndo pode ser lograda a esse preyo. 7. No RE 482,006, relator o Ministro ‘Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impte a redugdo de vencimentos de servidores publicos afastados de suas fungSes por responderem a processo penal em razio da suposta pritica de erime funcional art. 2° da Lei n. 2.364/61, que deu nova redagio a Lein, 869/52 ], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violagdo do disposto no inciso LVII do art So da Constituigo do Brasil. Isso porque -- disse o relator ~ "a se admitir a redugo da remuneragdo dos servidores em tais hip6teses, estar-se-ia validando verdadeira antecipagao de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, ¢ antes mesmo de qualquer condenagao, nada importando que haja previsto de devolusdo das diferengas, em caso de absolvigd0". Daf porque a Corte ) @ de uma determinada sociedade. A ideia do bem, do justo, do ético varia com 0 tempo”. JOSE AFONSO DA SILVA Advogade Professor Titular Aposentade da Faculdade de Direito da USP 30. Ai o Acérdio passa aplicar a teoria & realidade. “Na matéria aqui versada, houve uma primeira mutagao constitucional em 2009, quando o STF alterou seu entendimento original sobre o momento a partir do qual era legitimo o inicio da execugdo da pena. Ja agora encaminhando-se para nova mudanga, sob o impacto traumético da propria realidade que se ctiou apés a primeira orientagio”, Neste contexto, invoca-se a ligo de Konrad Hesse, mas este ndo suftaga a doutrina do Acérdio. Ao contririo, como interpretagdo, ele se pronuncia em sentido contrério, até acolhe a parémia de que onde nfo existe divida, nfio se interpreta. Depois disso, ele diz que “a interpretagao esté vinculada a algo estabelecido”: a Constituigdo escrita, portanto, o texto expresso, que é © limite insuperivel da interpretagiio constitucional, que “exclui_ um rompimento constitucional — o desvio do texto em cada caso particular ~ e uma modificagao constitucional por interpretagao”. '* 31. Em suma, interpretagdo, como tal, nfo pode mudar a Constituigo. © Acérdao sabe disso, por isso langou mao da doutrina da mutagao constitucional, que também nao o pode. “A doutrina contempordnea das mutagdes constitucionais aceita-as com as limitagoes indispensaveis para sua conformagio com a ordem Constitucional”.'* Uso aqui e em seguida textos meus € referencias neles citadas, para mostrar que nfo estou construindo teoria para 0 caso conereto, adrede para este parecer. Conclui o trabalho citado com Konrad Hess “Se as modificagdo da realidade social sé devem considerar-se relevantes para o conteiido da norma enquanto forma parte do Ambito normativo, se 0 ‘programa normativo” resulta a esse respeito determinante e se para este tltimo resultado fundamental o texto da norma, entio o contetido da norma constitucional s6 poderd ser modificada no interior do marco tragado pelo texto”. E logo, conclui: “Onde a possibilidade de uma compreenstio légica do texto da norma termina ou onde uma determinada mutagao constitucional apareceria em clara contradigdo com o texto da norma, terminam as possibilidade da interpretagaio da norma e, com isso, as possibilidades de uma mutagao constitucional”.'* 14 Cf. Elementos de Direito Constitucional da Republica Federal da Alemanha, Porto Alegre, Sérgio Antdnio Fabre, 1995, p. 69, trad. Luis Afonso Heck 15 Cf. José Afonso da Silva, Poder Constituinte e Poder Popular, S80 Paulo, Malheiros, 2000, p. 297. 16 Cf. Konrad Hesse, em Estudios de Derecho Constitucional,cit., pp. 101 e 102. E José Afonso d: Silva, ob. cit, p. 298. JOSE AFONSO DA SILVA ‘Advogado Professor Titular Aposentade da Facullade de Direito da USP 18. “A presungio de inocéneia € prineipio, no regra”! 32. Argumenta-se no Acérdiio (fls. 29s) que a presungdo de inocéneia é um principio e, por isso, esté sujeito a ponderagaio “com outros bens juridicos constitucionais”. Nessa extensio existe ponderago, com a devida vénia. 33. Ponderagdo, segundo Ana Paula de Barcellos, é “a técnica juridica de solugdo de conflitos normativos que envolvem valores ou opedes de politicas em tensdo insuperdvei pelas formas hermenéuticas tradicionais”.'” Embora eu tenha divergéncias, vou ficar no campo da doutrina de Robert Alexy, que ¢ 0 campo do Acérdao, para mostrar que nflo esté correta a posigdio por ele adotada nessa perspectiva. O Acérdio precisou criar essa esfera de conflito, para empregar sua tese da ponderagao entre principio e bens juridicos, porque ele quer criar a possibilidade de ponderagao entre o principio da presungo de inocéncia ¢ certos interesses, como a “efeti lade da lei penal”, “bens juridicos” (vida, dignidade humana, integridade fisicas e moral, direito a seguranga, direito a propriedade, a protegdo de interesses constitucionais de elevado valor axiolégico). Tudo isso € do Acérdio. E logo, diz: “Ha, desse modo, uma ponderagdo a ser realizada”, mas nfo realizou. Se realizasse concluiria que 0 principio da presungao de inocéncia tem maior peso, maior densidade auxiolégica. 34. Prova isso a seguinte construgdo do Acérdao: “Nao ha diivida de que a presungao de inocéncia ou de nfio-culpabilidade ¢ um principio, ¢ néio uma regra”. Alexy diz que ou sto regras, ou prineipios; podem ser ambas as coisas em casos especificos, quando por exemplo uma regra tem um cliusula de excego que tenha a estrutura de principio; mas niio & 0 caso aqui. Mas é sempre regra. E, mais, nfo realizou a ponderago porque a norma contida no Art. 5°, LVII, nao é um principio, mas uma regra. E, como regra, € uma norma que é sempre ou satisfeita ou niio satisfeita, Se ela vale, entiéo, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige, nem mais nem menos. Isso é Alexy.'* E por isso que 0 Acérdao adotou Alexy as meias, refugando a parte que poderia sustentar o cariter de regra do Art. 5°, LVII, para que, dessa forma, pudesse admitir a prisdo do acusado antes do transito da sentenga condenatéria. Considerar essa norma como um prinefpio simplesmente a anula, nada sobra dela. Nao & possivel otimizar algo que é binério: ow a presungiio vale até o transito em julgado, ou nfo vale, Nao hé meio termo possivel. Ea 17 Cf. Ponderagao, Racionalidade e Atividade Jurisdicional, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 23. Itélico da autora. 18 Idem ibidem, pp. 90 91. JOSE AFONSO DA SILVA existéncia de meio termo possivel & imprescindivel para considerar algo como principio, porque principios caracterizam-se justamente pela possibilidade de realizago em diferentes medidas. B grave empregar uma doutrina pro domus sua, para obter um resultado contra norma expressa da Constituigao. 119. Sintese conclusiva desta parte 35. Em suma, pelo visto, 0 Acérdio tem varias linhas de argumentos violadoras da presungdo de inocé A primeira persiste no argumento favordvel & execugiio proviséria da pena, mesmo depois da revogagio de alguns dispo: la (inc. 1 do art. 393, art, $94, I, ¢ ine. I do art. 559 do CPP). A “execugio proviséria carece, pois, de fundamento legal, tanto em nivel ordinério quanto em nivel constitucional. Isso ivos de lei ordindria que poderia justificé- porque, apds a edi¢do da Lei 7.210/84 (atual Lei de Execugdo Penal), esté vedada qualquer forma de execug%io proviséria da penas, uma vez que, no art. 105 dessa legislagio, estabeleceu-se que a pena privativa da liberdade somente sera aplicada ‘transitada em julgado asentenga’.”"” 36. Outra linha de argumento apoia-se na demora do julgamento dos recursos, o que leva ;punidade em alguns casos, p. ex., pela ocorréncia da prescrigo, Se isso é inegivel, o certo € que a ineficiéncia do sistema nao ¢ culpa do cidadio recorrente, e, assim, os dnus nfo podem ser a ele imputados.”” Demais, os recursos integram os meios de exercicio da ampla defesa e 0 recorrente que usa do seu direito no pode ser punido por isso. Reforme-se os sistema de recursos. Ainda outra baseada no argumento de que a prisflo provisoria é necessaria, depois do julgamento de segunda insténcia, para evitar a fuga do acusado. Esse argumento contradiz tudo que 0 ocorreu no processo: 0 imputado compareceu a todos os atos, esteve presente, pois, no decorrer de todo o processo, no fugiui, por que fugiria agora que ainda tem dois recursos a intepor? 37. Outro argumento defende a prisdo proviséria decorrente da condenagdo na segunda instincia, ainda recorrivel, sob a alegagfio de que, “ao atingir essa decisiio, j4 se possui alto gran de probabilidade quanto & materialidade e autoria da infragio, advindo do exame judicial * Cf, Mauricio Zanoide de Moraes, Presungdo de Inocéncia no Processo Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p, 450. * idem ibidem, p 453. JOSE AFONSO DA SILVA Advogade Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP sobre todo 0 material probatério”. Sobre isso tem raziio Mauricio Zanoide de Moraes, que diz que 0s defensores desse argumento, embora niio de modo expresso, “pugna por uma visto gradualista dese didreito fundamental, como se no decorrer da instrugdo, ele progressivamente perdesse eficdcia na medida em que o processo caminha para a decisio final”. De fato, como ele acrescenta, isso nfo deixa de ser um regresso ao rango técnico- positivista da “presungdo da culpa”, que repristina o pensamento fascista que rejeita expressamente a presungiio de inocéncia.”" E de fato, como observei 0 Acérdao, nesse particular, converte a presungao de inocéncia em presungio de culpa. Mm Afirmasio positivada presungio de inocéncia 1. Introdugaio 38, Daqui por diante examinarei o principio da presungao de inocéncia na sua estrutura, sua natureza, seu contetido, seus limites e alcance, porque dele nio se pode haver execugses proviséria da pena. Antes, porém, assinalarei sua presenga no diteito estrangeiro para mostrar que, salvo a Constituigao portuguesa, nada tem a ver com 0 nosso sistema de protego presungfo de inocéneia, Igualmente assinalarei sua presenga no constitucionalismo brasileiro e a compreensio que dele tem feito a doutrina patria, 1. A garantia da presungao de inocéncia no constitucionalismo geral 39. A garantia da presungo de inocéncia integra o constitucionalismo geral desde as primeiras declaragdes dos direitos fundamentais, mas nfo me ocuparei do exame dela no direito estrangeiro, pois que as constituigdes usualmente citadas, Estados Unidos, Franga, Alemanha, Espanha etc. ou nfo tém artigo sobre a questo ou, quando tém, nao falam em transito em julgado. 40. Sé 0 art. 32, 2, da Constituigdlo Portuguesa, é semelhante ao de nossa Constituigdo, a0 dispor: todo arguido se presume inocente até ao trénsito em julgado da sentenca de condenagdo. E, como se vé, um positivo constitucional portugués mn parecido com 0 nosso art. 5°, LVII, com a diferenga formal de que 0 nosso se refere & nio-culpabilidade, enquanto este expressamente menciona a presungao de inocéncia, que dé na mesma, Por isso * Idem ibidem, p, 454-455. JOSE AFONSO DA SILVA Advogado: Professor Titular Aposentaco da Faculdade de Direito da USP as ligdes que Gomes Canotilho e Vital Moreira nos dio, a0 comenti-lo, valem muito para a boa compreensiio do principio. “O principio da presungio de inocéneia surge articulado com o tradicional prineipio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o principio é também uma imposigao dirigida a0 juiz no sentido de este se pronunciar de forma favordvel ao réu, quando nao tiver certeza sobre os fatos decisivos para a solugao da causa”? 41, A presungao de inocéncia ¢ também garantida pela Declaractio Universal dos Direitos Humanos, art. X1, 1: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente, até que a sua culpabilidade tenha sido prova da acordo com a lei”. Pois bem, no Brasil, a culpabilidade somente se considera provada, de acordo com a lei constitucional, com o transito em julgado da sentenga condenatéria, Portanto é contririo & Constituigao ¢ & Declaragao Universal dos Direitos Humanos a prisio antes do trénsito em julgado, porque isso inverte o ditame constitucional, o sentido da norma, convertendo, antes do pressuposto transito em julgado, a presungdo de nao culpabilidade em presungao de culpabilidade, Alids, hd mesmo uma passagem no julgado do Supremo que diz expressamente que a condenagiio pelo juiz de p ero grau converte a presungao de inocéneia em presungd0 de culpabilidade! Assim, se reescreve, invertendo, uma norma constitucional (art.5°, LVI) que sequer pode ser modificada pelo processo de emenda constitucional (art. 60, §4°, IV). 24. A presungio de inocéncia no constitucionalismo brasileiro 42. Hoje, como tenho dito, presungaio de inocéncia ¢ expressamente estabelecida no art. 5°, LVI, da Constituigao, Seu contetido ¢ alcance tém sido vistos desde o inicio do parecer. Pinto Ferreira 0 comenta muito sinteticamente, mas expressa uma opiniéio importante no 23 sentido de que “é 0 coroamento do devido processo legal no dominio do processo penal 43. Cretella Jinior liga-o principio Nulla poena sine culpa, acrescentando que em nenhum caso haverd presungao de culpa, o que, em suma, quer dizer que a culpabilidade tem que ser devidamente definida, e isso segundo a Consti igo s6 se dé com o transito em 22 Cf. Constituigdo da Repiblica Portuguesa Anotada, 3* ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 203, n. IV, comentirio ao art. 32 23. CE. Comentarios & Constituicdo Brasileira, 1° vol. , S40 Paulo, Saraiva, 1989, p. 182. d JOSE AFONSO DA SILVA Advogado Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP. julgado da sentenga condenatério, o que, por sua vez, significa que a determinago de pris4o do imputado antes da verificago desse pressuposto infringe a norma constitucional.”* 44. Manoel Gongalves Ferreira Filho também faz um comentario sintético, mas expressivo: “Inocéncia presumida, Explicita a Constituigao um principio fundamental do direito penal moderno. Ele impede que, antes do trinsito em julgado de sentenga condenat aplique em relagao ao acusado qualquer das consequéncias que a lei somente atribui como sangdio punitiva”.”> A expressividade desse texto para 0 caso deste parecer esta no fato de que dele se extrai também que o principio impede a pretendida execugio proviséria da sentenga penal nao transitada em julgado. 45. Celso Bastos da ligdes importantes sobre o tema. Aqui sé queremos destacar o primeiro pardgrafo de seus comentarios, porque vincula a presungao de inocéncia ao Estado de Direito e & democracia: “A presungo de inocéncia é uma constante no Estado de Direito. Ela chega mesmo a tangenciar a obviedade, Seria um fardo pesado para 0 cidadio o poder ver-se colhido por uma situagdo em que fosse tido liminarmente por culpado, cabendo-lhe, se 0 conseguisse, fazer demonstragdo da sua inocéncia. Uma tal ordem de coisas levaria ao império do arbitrio e da injustiga. A regra, pois, da qual todos se beneficiam é de serem tidos por inocentes até prova, em contrario”.** E, no sistema brasileiro, a prova em contrario € 0 transito em julgado da sentenga condenatéria, temos que repetir sempre isso. 46. Alexandre de Moraes nos dé ensinamentos importantes sobre o tema, quando diz que ‘a presungao de inocéncia é “um dos prineipios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando a tutela da liberdade pessoal”. Dessa forma, afirma em seguida, “hé necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do individuo, que & constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbitrio estatal”. * Cf, Comentérios 4 Constitui¢do de 1988, Rio de Janeiro, FU, 1988, p. 436. * Cf. Comentérios 4 Constituigdo de 1988, 38 ed., vol. 1, Sdo Paulo, Saraiva, 2000, p. 68. 26 Cf. “Comentério ao ine. LVII do art. $* da Constituigio” Gandra Martins, Comentarios & Constituigo do Brasil, 2° vol., So Paulo, Saraiva, 1989, p. 277. L JOSE AFONSO DA SILVA Advogado Professor Titular Aposentade da Faculdad. Diroito da USP. “O principio a presungiio de inocéncia consubstancia-se, portanto, no direito de nao ser declarado culpado sendo mediante sentenga judicial com transito em julgado, ao término do devido processo legal (due process of law), em que 0 acusado péde utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruigao da credibilidade das provas apresentada pela acusagdo (contraditério)”.” 3. Natureza da presungio de inocéncia 47. Temos vistos ao longo destas paginas que a presungdo de inocéncia é qualificada ora como direito, ora como garantia, ora principio. Trata-se de definir sua natureza juridica, 0 que nfo é dificil. 48, Podemos afirmar que € uma garantia de direito; qual 0 direito que ela garante? A resposta é: 0 direito de liberdade pessoal, liberdade de ir e vir, porque impede a prisio do acusado, enquanto perdure. Mas & também um direito na medida em que toda garantia se inclui entre os direitos fundamentais. E € principio porque tem densidade valorativa elevada que é fundamento de algo, que confere validade, porque ¢ fundamento do direito processual penal.* Principio, pois, por ser mandamento nuclear de um sistema (Celso Anténio Bandeira de Mello), aqui do sistema de persecugao penal, nao por ser mandamento de otimizag4o, como algo que pode ser realizado em medidas diversas diante das possibilidades féticas ¢ juridicas existentes. 4, Fundamento do principio da presungio de inocéneia 49. Seu fundamento constitucional é o jd muitas vezes citado inc. LVII do art. 5° da Constituigao de 1988, quando estatui que “ninguém serd considerado culpado até o trdnsito em julgado de sentenca penal condenatéria”. Mas esse é o fundamento juridico, o fundamento do direito posto. Mas qual o fundamento que justifica que 0 direito constitucional acolha o prinefpio como direito fundamental? 50. Trata-se do fundamento ético que repousa “na conviegdo ética de que a condenagao de um inocente € pior do que a absolvigdo de um culpado”, ao contrério do que vem acontecendo entre nds, ¢ é essa conviegdo ética que converte a presungio de inocéncia em 27 Cf. Constituigito do Brasil Interpretada, Sao Paulo, Atlas, 2002, p. 385. 28 Cf. José Afonso da Silva, Teoria do Conkecimento Constitucional, $a0 Paulo, Malheiros, 2014, p. 604s. JOSE AFONSO DA SILVA ‘Advogade Professor Titular Aposentade da Faculdade de Direito da USP direito fundamental constitucionalmente protegido.” Isso, por um lado, impde a concepgdo de um direito penal garantistico, repugnante do direito penal de guerra, 5. Fungo e conteiido do principio da presungio de inocéncia 51. A norma que consubstancia a presungflo de inocéncia é muito simples, nflo hé mal em repeti-la, embora todos a saibam de cor: “ninguém seré considerado culpado até 0 transito em julgado da sentenca condenatéria” (CF, art. 5% LVI). 52, Recorra-se a magistério de Alexandre de Moraes, além da transcrigdo jé feita, que se tem a sintese do relevante significado do principio, de seu contetido, de sua fungdio, in verbais: “O direito de ser presumido inocente, consagrado constitucionalmente pelo art. 5°, LVI, possui quatro bésicas fungdes: - limitagdo & atividade legistativa; - critério condicionador das interpretagdes das normas vigentes; - critério de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos (inocente); - obrigatoriedade de o nus da prova da pritica de um fato delituoso ser sempre do acusador”. “Dessa forma, a presungéio de inocéncia condiciona toda condenagao a uma atividade probatéria produzida pela acusagiio e veda taxativamente a condenagao, inexistindo a prova”” 53. Dessas furngdes interessa mais a este parecer o segundo: “critério condicionador das interpretagdes das normas vigentes”, porque o Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 126.292, deu ao inc. LVII do art. 5° da Constituigdo, uma interpretago incompativel com sua natureza de principio de direito fundamental. 6. Execugao proviséria da sentenga condenatéria. 54, Disse acima que, se 0 Supremo ndio contesta expressamente a previsiio de trinsito em julgado como limite da presungdo de inocéncia, o faz indiretamente quando admite a pristo do acusado apés a condenagdo de segunda instancia, Fere o principio da presungfo de inocéncia 29 CF. Javier Pétez Royo, Curso de Derecho Constitucional, 9* ed., Madrid, Marcial Pons, 2003, p. 518. a 30 Cfob. cit, p. 385. JOSE AFONSO DA SILVA ‘Advogado Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP. admitir a pristo do condenado antes do transito em julgado da sentenga condenatéria, porque isso significa considerd-lo culpado antes do transito em julgado. Entio, é uma posigtio que fere a vedago constante do ine. LVII do art. 5° da Constituigio. Do contririo seria admitir mudanga de um dispositivo que integra as clausulas pétreas da Constituigdo (art. 60, § 4°, IV), por via de interpretagdo judicial. Como disse o Ministro Ricardo Lewandowski: “mesmo aos deputados e senadores é vedado, ainda que no exercicio do poder constituinte derivado do qual sdo investidos, extinguir ou minimizar a presungaio de inocéneia, “Com maior razo ndo & dado aos juizes fazé-lo por meio da estreita via da interpretagdo, pois esbarrariam nos intransponiveis obstéculos das cléusulas pétreas, verdadeiros pilares de nossas instituigdes democraticas”.*" 58. Siio, pois, inequivocamente contrérias ao ine, LVI do art. 5° da Constituigtio decisdes que consideram legais “mandado de prisio que o érgfio julgador de 2° grau determina se expega contra o réu”, em execugdo proviséria da sentenga condenatéria, pois aquele dispositive constitucional tomou inaplicdvel, na hipétese, 0 art. 637 do Cédigo de Processo Penal que autorizava esse tipo de execugfi e seria de esperar que 0 guardiio da Constituigdo 0 reconhecesse e no que Ihe desse forga de norma exequivel, nem a ele nem a qualquer outra lei que disponha no mesmo sentido. 56. B certo que, em geral, a lei prevé a possibilidade de cumprimento de sentenga impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo como so os recursos extraordinatio e especial, respectivamente, para 0 Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiga (CPC, art. 520, e CPP, art, 637). E a isso que se chama execuedo proviséria da sentenca. 57. Mas isso ndo vale nos casos em que exista norma que se oponha ao procedimento, expressa ou implicitamente, ou nos casos em que o restabelecimento ao status quo ante & impossivel. Pois, a execugtio proviséria de condenagao criminal esté vedada pelas duas situagdes, por forga do inc. LVI do art. 5° da Constituigfo, e porque € impossivel 0 restabelecimento do estado anterior, se 0 recurso for provide, Embora dito para 0 processo civil, vale para 0 processo penal a seguinte passagem de Luiz Fux: “A ‘execugdo proviséria’ admite tdo-somente adiantamento de atos executivos, vedado 0 alcance dos atos de satisfago irreversivel que caracteriza a execugto definitiva”.? 31 Cf. “Presungdo de inocéncia”, Tendéncias/Debates, em Opinido, Folha de 8. Paulo, 9.22018, 47 p.A3. L of JOSE AFONSO DA SILVA Advogado Professor Tiular Aposentado da Faculda: Quem pode negar que a execugdo proviséria da sentenga condenatéria nos casos em que se vem defendendo, tenha efeito de execugo satisfativa irreversivel no quanto executado, porque ndo volta ao estado anterior. Dir-se-4 que o acusado fica com o dieito a indenizagio, ‘mas isso, se € satisfagio financeira, no ¢ reversdo 20 status quo ante. Se no civel, na ligéo do Eminente Professor, ¢ vedado o alcance de atos de satisfagao irreversivel, a vedago é mais ainda uma imposigao ética no processo penal, mormente quando o acusado € protegido pelo direito fundamental a presungdo de inocéncia. 7. A grandeza de um Tribunal 58. A grandeza de um Tribunal nfo se perde quando, no cumprimento de sua misstio constitucional, presta a sua jurisdigdo sem temor e sem concessto ¢ nfio se sente apequenado pelo fato de rever sua posigdo em favor dos direitos fundamentais, a favor de quem quer que seja que Ihe bata as portas. Um Tribunal s6 se diminui e perde credibilidade quando decide contra ela, qualquer que seja a motivagiio. 59. Decisdes dos Tribunais colegiados, no geral, se compéem por maioria de votos de seus componentes. Esse método contribui para a obtengdo de julgados consistentes com a ordem juridica. Mas isso, as vezes, nio acontece, como no caso do HC 126.292. 60. De fato, neste caso, como ficou demonstrado ao longo deste parecer, a maioria do STF constitui 0 julgado, com a devida vénia, com votos baseados em teses, fundamentos, conceitos, argumentos e fatores equivocados. Apesar disso, nunca apoiei ¢ nio concordo com 1 generalizagdo da afirmativa de Joao Mangabeira, quando disse que 0 érgao que mais falhou na Repablica no periodo que indicou (1892-1937),* embora reconhega que, em algum grau, a observagao de Oscar Vilhena Vieira faz. do papel de guarda da Constituigo pelo Supremo € procedente e este caso que estamos apreciando aqui o prova. Diz ele: “O cumprimento da fung&o de guarda da Constituigo nfo tem sido realizado sem dificuldades e insucessos nesses mais de 100 anos”. 32 Cf. Curso de Direito Processwal Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 1019. 33. Cf. Ruy, o Estadista da Republica, 2* ed., So Paulo, Martins Fonte, 1946, pp. 67 e 68. 34 Cf. Supremo Tribunal Federo!, 28 ed.,p. 71. JOSE AFONSO DA SILVA ‘Advogado Professor Titular Aposentade da Faculdade de Direito da USP 61. N&o sufrago essa generalizagiio, porque equivocos € erros so eventuais ¢ circunstanciais em face de fatores do momento, enquanto os acertos séio sempre perenes. Por isso, destaquei e destaco que essas arguigdes dizem respeito a postura do grande Tribunal diante de fatos ¢ arbitrariedades politicas. Tecnicamente o tribunal teve sempre muita grandeza. A esses propésito € que se deve ter em mente a opinido de Ruy Barbosa, que, sem se dirigir diretamente ao STF, reconheceu grandes triunfos na Justiga Brasileira: “Grandes triunfos, nesse quarto de século [Ruy morreu em 1923], registra a justiga brasileira. Os direitos supremos, algumas vezes imolados, acabaram por vingar, em boa parte, na corrente dos arestos. Haja vista os grandes resultados, que, gragas a ela, se apurara, sob 0 estado de sitio deste ano, quando, mercé das suas sentengas, aleangamos salvar, da liberdade de imprensa, uma parte considerivel, ¢ preservar os debates parlamentares das trevas, em que os queria envolvera ditadura, com a cumplicidade submissa do préprio Congresso Nacional”.** 62. Julgar contra a Constituigdo é um énus que sempre hé de pesar muito na consciéncia dos julgadores, mormente se forem integrantes de um Corte Constitucional, por isso mesmo silo sempre propensos a corrigir rumos. Iv Respostas aos quesitos 63. Vistas as consideragdes supra com base na doutrina mais autorizada ¢ na andlise da jurisprudéncia pertinente, posso passar agora as respostas sintéticas dos quesitos da Consulta. Ao 1° quesito: © principio ou garantia da presungfo de inocéncia tem a extensio que Ihe deu o ine. LVII do art. 5° da Constituigdio Federal, qual seja, até 0 trdnsito em julgado da sentenca condenatéria. A execugao da pena antes disso viola gravemente a Constituigo num dos 35 Cf. José Afonso da Silva, Comentarios Contextuais 4 Constitui¢do, 9# ed., S20 Paulo, Matnerosty 2014, pp. 543-545. Za JOSE AFONSO DA SILVA Advogado: Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP. elementos fundamentais do Estado Democritico de Direito, que é um direito individual fundamental. “O momento no qual uma decisdo torna-se imodificdvel & 0 do transito em julgado, que se opera quando o contetido daquilo que foi decidido fica ao abrigo de qualquer impugnacdo através de recurso, dai a sua consequente imutabilidade”.®® Dé-se af a preclusdo méxima com a coisa julgada, antes da qual, por forga do principio da presungo de inocéncia, niio se pode executar a pena nem definitiva nem provisoriamente, sob pena de infringéncia 4 Constituigao. Ao 2° quesito: Nao. Indubitavelmente, ndo é compativel com o inc. LVI do art. 5° da Constituigao a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no HC 126.292 de que “a execugdio proviséria de acérdilo penal condenatério proferido em grau de apelagto, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordindrio, nao compromete o principio constitucional da presungio de inocéneia”. E incompreensivel como o grande Tribunal, que a Constituigao erigiu em ‘guardido da Constituigdo, dando-Ihe a feigio de uma Corte Constitucional, péde emitir uma tal decisio em franco confronto com aquele dispositive constitucional. Ao 3° quesito: Nao. Nao é compativel com o art, 5° LVI da Constituigéo a determinagao do Tribunal Regional da 4* Regio de se dar inicio o cumprimento da pena imposta a Lula imediatamente apés 0 esgotamento da jurisdigdo daquela Corte, € no a partir do trnsito em julgado do processo-crime. © Tribunal comete grave inconstitucionalidade com essa determinagao. Ao 4? quesito: Nao. A ordem de execugao proviséria da pena imposta a Lula, decretada de oficio, limitando-se a mencionar entendimentos sumulares e precedentes do STF, e sendo a mesma, ante os elementos coneretos da causa desnecessétia, ndo é compativel com o art. 5° LVIL, da Constituicdo. © sistema de processo penal brasileiro, de acordo com a Constituigdo, se rege WW 36 CT Luiz Fux, ob. cit, p,. 693. JOSE AFONSO DA SILVA Advogade Professor Titular Aposentade da Faculdade de Direito da USP pelo principio acusatério, no qual se exige que o juiz no pode agir de oficio, nemo iudex sine auctor. Ea execugao é reconhecidamente um processo administrativo auténomo, por isso s6 pode ser iniciado quando devidamente provocado, Ao S° quesito: Sim, sem divida. O contexto fitico apresentado no HC 152.752 ~ revelando iminente possibilidade de execugdo da pena de Lula antes do transito em julgado de sua condenagiio criminal — constitui-se em hipétese de flagrante constrangimento ilegel apta a afastar a incidéncia da Simula 691/STF. Toda decisdo ilegal ou inconstitucional de juiz ou Tribunal constitui constrangimento apto ao cabimento de um habeas corpus, para evitar a consumagiio da aco ilegal e constrangedora, Eo parecer. Sao Paulo, 28 de margo de 2018 CPF 032.588. 748-91

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