Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
desenvolvimento nacional
Quando inúmeros talentos, mentes e braços são condenados
a uma existência abaixo da condição animal por fatores
estruturais de exclusão, toda a coletividade é prejudicada e
nenhum desenvolvimento é possível
04/05/2018
É preciso superar a dicotomia falaciosa de “industrialização x inclusão”, comum no
debate público sobre o tema do desenvolvimento. Nenhuma inclusão duradoura é
possível sem industrialização sistemática e a nacionalização dos centros de
acumulação.
Mais adiante, na mesma frase em que se refere à “mão invisível”, o autor afirma que
essa só seria possível se a indústria nacional fosse preferida à estrangeira. Não é
difícil entender o porquê disso. A industrialização levada a cabo por empresas
nacionais, acarretando um processo produtivo mais complexo e diversificado que o de
outras atividades (como a agricultura), produz bens de maior valor, cria e aumenta os
recursos materiais existentes em um país, ampliando as bases internas de
acumulação e de decisão sobre a produção.
Gera, assim, efeito cascata positivo, multiplicando serviços nos mais diversos setores
e ampliando as vagas de emprego, as chances de vida e as oportunidades para um
número cada vez maior de pessoas. Não há como chegar ao mesmo resultado, ainda
mais em um país com mais de 200 milhões de habitantes, continuando no caminho
atualmente seguido pelo Brasil, de especialização em atividades de baixíssima
complexidade e de nenhum retorno social, como agronegócio, especulação e
“empreendedorismo” barato, que na prática constitui a precarização do trabalho no
setor informal.
Porque sem o Estado investindo pesado em habitação, saúde, educação para todos e
intervindo nas relações de trabalho para assegurar que os salários e as c ondições de
trabalho sejam minimamente decentes (só ele pode fazer essas coisas, porque não
dão lucro imediato, que é sempre o objetivo da empresa privada), não só as
desigualdades aumentarão e os benefícios materiais serão reduzidos a um minúsculo
grupo de proprietários e técnicos, estrangulando a demanda e obstruindo a criação de
um mercado interno dinâmico capaz de conferir maior autonomia ao país e suas
empresas frente aos ciclos econômicos internacionais.
Mais uma vez, e em consonância com a experiência histórica de todos os países hoje
desenvolvidos, cabe ao Estado um papel privilegiado no fornecimento e na
manutenção da infraestrutura (energia, transportes, comunicações, por exemplo) e do
crédito, destinando-os à produção e ao bem-estar de todos. Essa primazia estatal
deve ocorrer em função de essas atividades serem, em curto prazo, demasiado
onerosas para o setor privado, além de estarem vinculadas à segurança nacional do
país, dado o seu caráter estratégico. O próprio Adam Smith, para citá-lo mais uma
vez, reconhece a importância de o Estado responsabilizar-se pela construção e
manutenção de estradas, portos, pontes, canais e comunicações, além da educação
pública, e de direcionar o crédito para atividades produtivas em vez de
especulativas [2].
A noção de desenvolvimento aqui elaborada parte de um pressuposto incomum na
ortodoxia econômica, o de que a verdadeira riqueza de um país consiste não no
montante de riqueza financeira expresso nos índices quantitativos e abstratos de
crescimento do Produto Interno Bruto e da renda per capita, mas no conjunto dos
recursos humanos (população, cultura, conhecimentos), físicos (natureza, meios de
produção, infraestrutura, bens e serviços) e territoriais de uma nação. Tais índices não
dizem necessariamente respeito ao modo de organização da produção e do trabalho
reais, e podem ser expandidos inclusive de maneiras antissociais como o rentismo ou
o consumo conspícuo de minorias privilegiadas [3].
Não é, entretanto, simples alcançar tudo isso, ainda mais em nosso país. As relações
de dependência historicamente constituídas entre as oligarquias brasileiras e os
comandos monetários, financeiros e militares do Atlântico Norte, em especial dos
EUA, emperram a marcha do desenvolvimento pela subordinação dos recursos
nacionais aos interesses forâneos. A passagem, em nosso país, do capitalismo
comercial para o industrial e desse para o financeiro (em curso atualmente), não
significou a superação definitiva dos vínculos coloniais, mas sua atualização e
incorporação em novas bases institucionais, sendo a população brasileira sempre
duplamente explorada, para atender aos interesses das oligarquias nacionais e das
estrangeiras.
Notas
[1] SMITH, Adam. An Inquiry Into the Causes of the Wealth of Nations. Chicago:
Conceituação das Classes sociais na América Latina. In: ZENTENO, Raúl Benítez
(coord.). As Classes Sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
Crédito da foto da página inicial: USP Imagens