Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
!
• I
•
Da Lógica à etnografia da Ciência
MARIZA G, S. PERIANO
Universidade de Brasma
Anudrlo An1ropológlcoJ88
Editora Universidade de Braslla, 1991
179
Maria G, S. Peirano
Na verdade, as coisas não são tão simples. Em 1978, o autor jâ dizia que,
embora namorasse sistematicamente a filosofia, não bnha nenhuma pretensão
de fazer filosofia. E completava; "E se eu llzer alguma ep1stemologia hoje, va1
ser diferente da que se fazia hâ vinte anos atrás."1
É neste esprrtto, de observar a tentativa de volta à filosofia de alguém que
não só passou pela antropologia, mas tornou·se antropólogo, que procurarei
comentar o 11vro em dois aspectos interligados: o seu s~gnif1cado no contexto
das reflexões sobre a antropologia e o seu lugar na lrajetóna antropológica de
Roberto Carooso. Antes, porém, um râpido apanhado do livro, com a proposta
de uma releitura ,.,artJcular.
Sobre o pensamento antropológico ê dividido em duas partes: a pnmeira,
constJtulda de quatro artigos, discute a formação da disciplina. O prime1ro artigo,
'Tempo e Tradição', vê a antropologia como parte do saber ocKlental do tipo
instaurado no Iluminismo. Nele o autor pretende elaborar uma 'matriz dJSCiplmar'
na qual, através de um par de coordenadas, disbngue quatro paradigmas. As
coordenadas são as de 'tempo'- sincronia e diacronia-, que se cruzam com
as coordenadas da 'tradição'- intelectualista e empirista-, de forma a produzir
os quatro paradigmas: racionalista (exemplificado pela 'Escola Francesa de So·
c1ologia'); estrutural-funcionaUsta, exemplíficado pela 'Escola Britânica de Antro-
pologia'; culturalista, como a 'Escola Histórico..Cultural' e, finalmente, o para·
digma hermenêutico, adotado pela 'Antropologia Interpretativa' (:16), Estes pa·
radigmas ou escolas, ressalta o autor, não são excludentes, e a maioria dos
• antropólogos trans1ta, consciente e criticamente, entre eles.
Estabelecida a 'matnz disciplinar', os três capftulos seguintes da primeira
parte tratam, especificamente, de cada um dos campos destacados: para falar
do racionalismo, Roberto Cardoso discute as "categorias do entendimento" em
Hamelin, Durkheim, Lêvy-Bruhl e Marcel Mauss; a categoria da "causalidade"
permite que o autor se debruce sobre a vertente "estrutural-funcionalista" de
Stuart Mill a Rivers e Radcllfle·Brown, As categonas da "ordem" e da "(des)or·
dem", por sua vez, o levam a debater a vertente Interpretativa ou pós-moderna
na antropoiOJia (respectivamente, capitulas 2, 3 e 4). A escola boas1ana surge
aqUI e acolá na discussão geral das matrizes.
Na segunda parte, o lema é a diSCiplina no Brasil ou, como explicita o sub-
trtulo, a disciplina na "penfena". Trata-se de três artigos, origalBimente apre·
sentados como conferências, dos quais o autor dedica o primeiro a aplicar a
180
Da lógica à etnografia da ciência
...
Estas duas partes constituem o corpo principal do ~vro. A elas se segue
um Posfácio (capitulo 8) sobre a vocação metadisciplinar da etnografia da ciên-
cia e dOIS apêndices - uma resenha e uma 0011ferência sobre a reJaçao entre o
estruturalismo e a hermenêutica - que fecham o ~vro. Mas, ê neste fechamento
que o leitOr mais atento fica surpreso; é no chamado Posfédo que detectamos o
verdadeiro pulo-do-gato do autor. É aqui que Roberto Cardoso mostra a visão
maJS original e a contribuição mais stngular para esta área um pouco nebulosa
da h•sk5r'la/sociologia/epislemologia da ciência. E é aqui também que vemos,
não o filósofo que procurou a antropologia corno disciplina exemplar, mas o an-
181
Maria G. S. Peirano
182
Da lógica à etnografia da ciência
Lido assim como 'conclusão', mats que como 'posfácio', o livro de Roberto
Cardoso de OliVeira assume uma dimensão ma1s completa e ma•s complexa.
Do epistemólogo que procurou a antropologia como disciplina emprrica, hoje te-
mos mais o antropólogo que se inspira na epistemologia: as categorias aevem
ser nabvas, a empina prec1sa ser respeitada, o pesquisador deve se tornar 'fa-
lante', a dimensão cultural não pode ser relegada. Os v1eses do filósofo, natu-
ralmente, não desaparecem por completo: aquele que cunhou o conceito de
'fricção interétnica' e o elaborou teoricamente surpreende o le1tor ao dtstinguir
categorias como "Antropologia lndfgena" e 'Antropologia da Sociedade Nacional'
(:114). Aftnal, o conceito de 'fncção interétnica'lot ele própno o resultado teónco
da dificuldaae e/ou impossibilidade de se viver esta distinção por parte dos an-
183
Maria G. S. Peirano
184
Da lógica à etnografia da ciência
185
Maria G, S. Peirano
BIBLIOGRAFIA
~
~~~~·• 1962. Estudo de ÁreascleFrlcçao lnte~bl. ..'tmdricaLatlns 5(3),
1963. Arulh.Jração e 'Fr1cçao'll'llerétnica. Amdrica Latina 6: 33-45 •
• 1964. O fndio ao Mtmdo das Brancos. SOO Paulo: Difusão Europtlla do Livro.
• 1965. Tolernlsmo Tukuna? Revista do lnstflvtode CiJrcias Saciais, 20( 1): 5-
:====·22.
196a Uf'banizar;Ao e Tribalismo. Alo de Janeiro; z ahar,
• 1976./den!idade, Etnia e EslnduraSocia/, São Paulo: Pioneira.
• 1968. SDblw o Pensamento Antn:J1:1Q/dgil::o. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro;
Brasflla: MCT/CNPq.
CUFFORD, James e George MARCUS (orgs.), 1986. Writing CulfunJ: ttw Poetlcs and Po/ltics
of Ethnography. Los Angeles: Universly ol Call~mla Press.
CORR~A, Martza. 1982. As llusOes da liberdade: a Escola de Nina Rodrigues, Tese de dou-
• torado. UnlversidEu;le de sao Paulo, Ms.
- - - - - · 1957. (org,), Hist&ia da Antropologia no 8tJJSH(!930-1960), T9Sfemuni'IOS:
Emlllo Wfflems e Donald Plerson. Silo Paulo: Vértice.
- - - - - · 1968. Traficantes do Ednlrico. Revista Brasileira de CMncias Soclsls 3(6):
79·95.
FAHIM. Hussein (org.), 1962./ndlgenous Anthropo/ogyln MorrWestem Courrlrl6s. CaroBna do
Norte: Carolina Acadernlc Press.
FERNANDES, Floreslan. 1957. Desenvolvimento Hlst.'lrlc:o·Soclal da Sociologia no Brasil.
Anllembi: 470·481.
-:c:--::--:=:-· 1958. A Elno/clgla e a Sociologia no Brs.s/1. S4o Paulo: Arlhembi.
GEERTZ, CIIHord. 1953. Loca/Knowledge. Nova Iorque: Beslc Books.
HI\RTMANN, Thekla. 1984. Bibliografia Crflk:a d8 EtnolOgia Brasileira, IIL Berlim: Klelrich
RelmerVel1ag.
MARCUS. George e Michael FISCHER. 1985. Anthropology as Cultural Crllfque. Chicago:
Chicago Universlly Press.
MELATTI, Julio CEI:! ar. 1952. A Etnologia das Popu1aç6es lndfgenas do Brasil nas Duas Últi-
mas Décadas. Anulrlo Antvpol6gioo/80: 253-257,
- - - - - , 1984. A Arrtropologla no Brasil: um Rolelro. BIB (Boletim /nformaltvo e B~
grallt:o de C/4ncl8s Sociais) 17: 3·52.
PEIRANO, Merlza G. S. 1981. The Anthropolog)l of Anthropolog'(. lhe BrazUian Case. Tese de
doutorado. Harvard Unlverstty.
- - - - - . 1987. A fndla das Aldeias e a lndla das Castas. Dados. Revfsfa de CMnclss
Soda/s30(1): 109-122.
166
Da lógica à elnografia da ciência
--.,.--:;::--· 1988.. Are you Cathollc? Rela'!o de VIagem. Reflexões T e6ncas e PerpleJ:Ida·
des Éticas. Dados. Revista dB C;lncias Sociais 31(2): 219-242.
RAMOS. Altlda. 1990. Ethnologyln Brazman Slyle. Cultural A.nfhropology, vol5(4): 452-472.
SCKADEN, Egon. 1952. O ESII.Kio do fndlo Bmslelro - Ontem e Hoje. Rel'isfll dB H1sMria 12:
385-402.
THOMAS, G, & HANNERZ, U, (OJgS.). 1983. The Shaping of NstJonsl JlnthRJP()Iogles. Elhnos
43 (Nilrn&ro especlaij.
•
•
187