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Revista Tur smo & Desenvolvimento | n.

o 27/28 | 2017 | [ 51 - 62 ]
e-ISSN 2182-1453

Turismo Gastronômico como forma de


Inovação Social – a valorização da
gastronomia típica cearense nos Restaurantes
de Hotéis em Fortaleza.
Gastronomic Tourism as a way of Social Innovation - the local
cuisine valorization in the hotels’ restaurants from Fortaleza, Ceará

UIARA MARTINS * [uiara19@hotmail.com]


CLODOALDO RAMOS ** [clodo_chef@yahoo.com.br]

Resumo | A gastronomia tradicional, tem emergido cada vez mais como produto turístico, fruto de
diversos fatores, como o reconhecimento do patrimônio gastronómico, a consciência mundial sobre ques-
tões nutricionais dos alimentos (saúde e bem estar), a valorização dos produtos locais, contrapondo-se
aos efeitos deixados pela globalização (ex. fast food) e a indústria dos alimentos. Sob essa ótica
fortaleceu-se a relação entre o turismo e gastronomia, não só pela dimensão nutricional dos alimentos,
porque todo turista precisa comer, mas motivada por uma dimensão cultural. A gastronomia passou a
ser reconhecida como uma via de acesso direto ao outro. Neste sublinhar, o artigo analisa essa relação
turismo e gastronomia a partir do processo de valorização da gastronomia típica cearense nos restauran-
tes de hotéis, locais onde muitos visitantes costumam ter o primeiro contato com essa culinária. A partir
de entrevistas, aplicadas a chefes de cozinhas destes hotéis em Fortaleza-CE, no Brasil, pode-se identi-
ficar de que modo estes profissionais participam na promoção, afirmação e valorização da gastronomia
típica do destino, contribuíndo diretamente para dinamizar uma inovação social, através do consumo de
insumos tradicionais, bem como a afirmação de uma identidade gastronómica cearense.

Palavras-chave | Turismo gastronômico, gastronomia típica, inovação social, Fortaleza

Abstract | The traditional gastronomy has increasingly emerged as a tourism product, this is a result
of several factors, such as the gastronomic heritage recognition, world awareness about food nutritional
issues (health and wellness), local products higher appreciation, opposed to the effects left by globali-
zation (e.g., fast food) and the food industry. Under this optics, the relationship between tourism and
gastronomy was strengthened, not only by the food nutritional dimension, because every tourist simply
needs to eat, but specially motivated by a cultural dimension. Gastronomy is now recognized as a direct
access route from one human to the other. Therefore, the article examines this relationship between
* Doutora em Turismo pela Universidade de Aveiro, Coordenadora do Curso de Gastronomia da Faculdade de Tecnologia
intensiva – FATECI, Fortaleza-ce.
** Chefe Corporativo dos Hotéis Vila Galé no Brasil. Tecnólogo em Hotelaria pela Universidade Jorge Amado – Bahia-
Brasil.
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tourism and gastronomy from the process of local cuisine appreciation in the hotels’ restaurants from
Ceará/Brazil, places where many visitors usually have their first contact with local cuisine. Through in-
terviews, applied to hotels cuisine chefs in Fortaleza - Ceará, we have identified how these professionals
participate in the local gastronomy destination promotion, affirmation and appreciation, contributing
directly to invigorate a social innovation, through the traditional inputs consumption, as well as the
gastronomic identity affirmation from Ceará.

Keywords | Gastronomic tourism, traditional gastronomy, social innovation, Fortaleza

1. Introdução dial ligadas com a sustentabilidade ambiental e cul-


tural impulsionaram o seu reconhecimento como
O turismo gastronómico é uma atividade que uma via de acesso rápida e concreta à cultura dos
está fundamentada na gastronomia local, por isso, destinos visitados (López-Guzmán & Jesus, 2011;
oferece aos visitantes um conhecimento mais apro- UNESCO, 2003).
fundado sobre a cultura do lugar. Por outro lado Martins (2016) define o turismo gastronómico
este segmento pode ser uma ferramenta impor- como “um conjunto de atividades turísticas desen-
tante de desenvolvimento local, especialmente nas volvidas com a gastronomia, com o objetivo de
suas esferas económica e sociocultural, porque promover o consumo de alimentos típicos (pratos
contribui para estimular a produção local, o au- e bebidas), e a interação e conhecimento dos visi-
mento de renda nos destinos, a afirmação de uma tantes de modo a preservar e afirmar a cultura da
identidade gastronómica local, etc. comunidade local, bem como estimular o desenvol-
Nesse contexto o trabalho apresenta o processo vimento social e económico dos destinos, através
pelo qual essa relação entre turismo e gastronomia, da realização de experiências agroalimentares, res-
cria uma dinâmica nos destinos que permite à co- taurantes, festivais, rotas etc. Neste contexto, o
munidade local introduzir dinamizar e promover a turismo gastronómico compreende um sistema ho-
sua cultura. O artigo apresenta neste contexto o lístico onde interagem fatores relacionados com a
papel dos chefes de cozinha de hotéis de grande preservação e o enaltecimento da cultura local, e
porte em Fortaleza na valorização da gastronomia uma economia que lhe está associada numa rede
local. integrada onde interagem produtores, fornecedo-
res, consumidores (turistas e comunidade local), e
uma estrutura de governança (política e privada)”.
Experimentar a gastronomia de uma locali-
2. Turismo Gastronômico dade faz com que o turista sinta na pele as tra-
dições daquele local, além de a alimentação estar
muito ligada à memória, o que faz com que o tu-
A gastronomia como produto turístico é re-
rista marque o local visitado através da comida,
cente e tem cada vez mais se desenvolvido (Ye-
como exemplo temos a Bahia com alimentos típi-
oman et al, 2015; Zainal et al, 2010). A sua va-
cos como acarajé/ moqueca/, no Ceará temos o
lorização como património imaterial, o advento da
Baião de dois/caranguejo, e no Rio de Janeiro te-
globalização, as preocupações no contexto mun-
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mos a Feijoada. mento de toda a cadeia que envolve o setor da


De acordo com Tomimatsu e Furtado (2011), alimentação, direta e indiretamente ligado ao tu-
“as pessoas buscam novos conhecimentos, querem rismo. Por isso esse segmento tem-se revelado
experimentar novos sabores, vivenciar outras cul- como uma peça-chave para o posicionamento dos
turas e a gastronomia pode ser o motivo principal, alimentos regionais (Vázquez de la Torre & Gu-
ou o inicial, para se conhecer determinado local”. tiérrez Agudo, 2010; Montecinos, 2012).
Como exemplo os festivais de comida de buteco Contudo a questão do comércio de alimentos
em todo Brasil, que hoje são reconhecidos nacio- e bebidas é muito delicada, porque implica uma
nalmente, atraindo turistas de um estado para o série de procedimentos e regras que muitas vezes
outro. pequenos produtores locais não conseguem aten-
der. Os Chefes de cozinha estão cada vez mais va-
lorizando produtos do terroir (Regional/local) nos
seus cardápios, os quais foram plantados, colhidos,
3. Turismo Gastronómico e a sua contribuição ou pescados, na região, ou até mesmo, maturados
para a Inovação Social naquele local. E isso contribui para uma valoriza-
ção do agricultor, pescador, e a alguns estabeleci-
O desenvolvimento do turismo gastronómico mentos que fornecem esses tipos de alimentos.
implica a participação de diversos atores, desde o A valorização dos produtos locais, passa inici-
setor público ao setor privado. Contudo, dentro almente pela procura do chef em inserir no seu car-
dessa dinâmica de interação existe um elemento dápio, receitas e alimentos do território, que tem
com o maior destaque: a comunidade local. É a como características o reconhecimento ao nível lo-
comunidade quem define o que é o seu patrimó- cal. Nesse contexto, podemos afirmar que esse
nio gastronómico, é ela que o produz, comercia- profissional tem total participação na valorização
liza e detém todo o conhecimento técnico e cultu- da gastronomia tradicional, sendo o responsável
ral sobre ele. Sendo o turismo gastronómico uma direto por parte da divulgação daquela região. Os
atividade que tem como matéria-prima base os ali- Chefes de cozinha que atuam diretamente nesse
mentos tradicionais dos destinos, é importante que mercado tradicional, possuem uma grande parcela
a comunidade seja um elemento com participação de responsabilidade pelas produções gastronómi-
ativa (Abreu & Costa, 2014). cas. Essa responsabilidade não deve restringir-se
Na ótica de Zuin e Zuin (2007), os alimentos ao que temos hoje como típico, mas sim, de res-
tradicionais são considerados os produtos com his- gatar receitas que se perderam, foram esquecidas,
tória, pois se constituem e fazem parte de um local e que se mantem com familiares ou pessoas que
e de uma determinada cultura, sendo produzidos tiveram acesso a cozinha em décadas passadas.
com a matéria-prima local de uma determinada re- Com efeito, as cozinhas dos hotéis e de res-
gião. Devido aos conhecimentos e saberes-fazeres taurantes, são alvos constantes de fiscalização por
presentes nesses alimentos, através de gerações, a parte dos órgãos competentes (ANVISA) 1 . Pelo
sua produção resgata não só a história envolta ne- fato de estarem regulamentadas e serem passíveis
les, mas o caráter histórico do próprio produtor. de autuações, todas as empresas de alimentos são
Na perspetiva dos destinos, o turismo gastro- forçadas a implementarem programas de gestão de
nómico apresenta-se como um meio para preservar Boas Práticas de Fabricação – BPF para atendi-
a alimentação tradicional do local e, nesse con- mento a estes requisitos legais.
texto, contribuir para potencializar o desenvolvi-
1 http://www.anvisa.gov.br/alimentos/bps.htm
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Essas fiscalizações têm o objetivo de garantir alguns mais apreciados: a galinha à cabidela, o
a saúde do comensal, bem como a do manipu- capote guisado, o cozido cearense, o baião de dois
lador de alimentos. Neste processo o estabeleci- com queijo e a pequizada (Martins, 2006).
mento deverá ser previamente licenciado pela au- No litoral cearense encontramos a fartura de
toridade sanitária competente estadual, municipal peixes e mariscos devido à extensa costa marítima.
ou do Distrito Federal, mediante a expedição de No estado do Ceará, há o costume de pesca, que é
alvará ou licença. A atividade deverá estar des- herança das tribos de índios que aqui habitavam e
crita no Contrato Social, bem como os alimentos, viviam basicamente da pesca de peixes, mariscos,
que devem ser armazenados e comercializados em moluscos e da coleta de frutas, como a pitanga, o
condições que não produzam, desenvolva ou agre- murici, o cajá e o caju (Martins, 2006).
guem substâncias físicas, químicas ou biológicas Dos pratos típicos do litoral cearense,
que coloquem em risco a saúde do consumidor. destacam-se as peixadas no molho de camarão,
a caranguejada (esta tem dia tradicional de con-
sumo na capital Fortaleza, onde as pessoas se
deslocam a restaurantes especializados e, em sua
4. Gastronomia Típica Cearense maioria, próximos à praia), a ostra, o caldo de
No Ceará, é bem característica a divisão entre peixe dentre muitos outros.
sertão, serra e litoral. Na região sertaneja, encon- Na doçaria cearense, como em todos os outros
tramos a carne de charque (ou carne do sol), o estados do país, predomina a herança portuguesa,
feijão verde, os fogões a lenha, o pilão de madeira, na qual criou o mugunzá, os doces em compotas,
as crenças, as devoções aos santos e as festas para a canjica, os bolos de milho, grude, macaxeira,
comemorar a boa safra. As comidas típicas dessa carimã, o famoso bolo pé-de-moleque à base de
região são: a carne de sol assada ou com jerimum, carimã, rapadura, castanha, erva doce e cravo.
a paçoca - que é uma mistura da farinha de man- Estas receitas encontram em raízes portuguesas a
dioca com carne do sol, a panelada - que é um sua base, contudo o que ocorre a cada uma destas
cozido de vísceras de boi, a buchada de carneiro - é a mudança de ingredientes disponíveis em cada
feita com vísceras de carneiro, o carneiro guisado País, como é o caso dos bolos, em que na ausência
com verduras ou ao forno, a curimatã e suas ovas do trigo usou-se como massa a mandioca (Rocha,
- que são encontradas nos açudes das fazendas, o 2003). Outro prato bastante consumido neste Es-
queijo coalho, dentre outros (Rocha,2003). tado é a tapioca (doce ou salgada), que é feita da
Na serra, encontra-se a fartura da cana-de- goma de mandioca molhada ou seca e temperada
açúcar, a qual se adaptou muito bem ao clima. com sal. Ela é um prato típico consumido na serra,
São nos engenhos que se extrai o caldo de cana que no sertão ou no litoral.
dá origem ao doce de rapadura. Outro produto
serrano é a mandioca. É nas casas de farinha que
se fazem produtos como a farinha de mandioca, o
beiju, o carimã e a goma. Na serra, ainda pode- 5. Metodologia
mos encontrar farturas de frutas, como a banana
e o pequi, e de verduras, como o jerimum. Dos A multidisciplinaridade desta investigação
animais, os mais preferidos para a alimentação são permite-nos abordagens variadas. Contudo, para
os carneiros, as galinhas, os capotes, o gado e o efeito deste estudo, optou-se por analisar o usu-
porco. Entre os diversos pratos serranos, citam-se fruto da gastronomia tradicional na oferta dos ho-
2 De acordo com esta investigação, definimos como hotéis de grande porte, aqueles que possuem mais de 200 UHs. A
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téis de grande porte2 da cidade de Fortaleza no Criaram-se quadros por temática e a partir das si-
estado do Ceará Brasil. nopses destacadas ao longo do texto emergiram as
A avaliação das experiências vivenciadas com categorias apresentadas nas tabelas a seguir.
a gastronomia tradicional dos destinos podem
ser desenvolvidas através de diversas ferramentas
como questionários, entrevistas, focus group, den-
tre outros. Com efeito neste artigo vamos anali- 6. A Valorização da gastronomia típica das
sar através de entrevistas aprofundadas, o papel cozinhas dos Hotéis de grande porte em For-
dos chefes de cozinha dos hotéis na valorização da taleza
gastronomia local. Para tal, elaborou-se um guião
de entrevistas com 17 questões semiestruturadas. A valorização da gastronomia tradicional e a
As entrevistas foram realizadas em Novembro de ênfase dada a sua dimensão cultural nas últimas
2016 e tiveram uma duração média de uma hora décadas, impulsionaram nos hotéis a inclusão de
cada. produtos locais/regionais. Para além dos anseios
As avaliações apresentadas no estudo empírico de uma nova demanda, que procura conhecer a
são de caráter qualitativo. O universo da pesquisa cultura do destino visitado através da gastrono-
está composto por 6 chefes de cozinha de hotéis. mia. Esses fatores têm sido determinantes para a
As entrevistas serão analisadas através da técnica permanência e cada vez mais a inclusão da culiná-
de análise de conteúdo. ria típica e produtos tradicionais nestes estabeleci-
De acordo com Quivy e Campenhoudt (2008) mentos.
o método das entrevistas está sempre associado Nesse sentido, a análise a seguir, apresenta o
a um método de análise de conteúdo. As entre- processo pelo qual os chefes de cozinha têm con-
vistas devem fornecer o máximo de elementos de tribuído para essa valorização, através da oferta da
informação e de reflexão, que servirão de materi- gastronomia típica cearense nos hotéis de grande
ais para uma análise sistemática de conteúdo que porte em Fortaleza. Os sujeitos analisados são pro-
corresponda por seu lado às exigências de explici- cedentes da região Nordeste, onde está situada a
tação, de estabilidade e de intersubjetividade dos cidade de Fortaleza.
processos. A tabela 1 apresenta a relação que os chefes
As temáticas definidas para o desenvolvimento têm com a dimensão cultural da gastronomia, es-
da análise partiram da leitura das entrevistas. pecialmente no que toca os saberes de heranças
familiares e o uso de produtos tradicionais

Quadro 1 | Análise da Dimensão cultural da gastronomia

Fonte: Elaboração Própria

consulta foi realizada na página da Associação Brasileira de Indústrias e Hotéis.


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A primeira temática analisada no quadro 1 “Eu gosto de explorar, de preferência o


apresenta a relação que os chefes têm com a he- nosso regional. Eu não tenho uma pre-
rança familiar. Na cozinha do hotel, de acordo com ferência. Eu gosto de trabalhar e fazer
as categorias levantadas, existe fortemente uma uma descoberta daquilo que é nosso”.
presença de conhecimentos e utensílios relaciona-
Contudo dentro dessa opção de uso do tradi-
dos com esses profissionais, que são determinantes
cional, os chefes encontram algumas dificuldades,
para a escolha de pratos e produtos relacionados
que se referem a comunicação com outros profis-
com a culinária local:
sionais, de modo a se criar um padrão de confe-
“Uma coisa que eu uso muito na minha ção dos pratos. Para além do pouco conhecimento
cozinha, é o alho, que gosto muito e histórico-cultural que possuem os profissionais do
que via a mãe pisar naquele pilãozinho mercado, de modo a que possam transmitir para
o alho, pimenta, então eu tenho esses os clientes, o que eles estão consumindo e o porquê
pilãozinhos tudo guardado.”. da tradição na região:
“Da minha mãe, no meu consciente é
“Assim, as pessoas têm consciência de
algo irreal, é algo que preenche o pa-
como é o baião original, mas eles não
ladar. Assim, tratando do baião e da
executam. Já me perguntaram, como
galinha, eu uso as mesmas técnicas”.
é o teu baião?”.
Relativamente a preservação cultural dos pro- “Tem muita coisa que está na nossa
dutos locais na oferta do hotel, destaca-se um gastronomia, que não é utilizada, que
grande apreço dos chefes em priorizar o uso de re- as pessoas não sabem a origem”.
ceitas locais. Destaque-se ainda a preocupação dos “Os chefes nem sempre conhecem a
entrevistados em manter o nome de origem desses história e o contexto da relação que
produtos, explicando para os clientes a composi- os produtos têm com o local e isso as
ção do prato. Isso revela um desejo de afirmar e vezes atrapalha que o cliente consuma.
valorizar a culinária típica com sua autenticidade: Quando você transmite ao cliente isso,
ele cria interesse.”
“O nome é importante, o que compõe
atrai o cliente. Então eu acho que por Quadro 2 apresenta os fatores determinantes
isso, não vejo dificuldade nesse sen- para o uso de produtos tradicionais na cozinha dos
tido, ai você tem como introduzir o hotéis
nordestino, dando um toque cearense”.
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Quadro 2 | Análise dos fatores determinantes para o uso de produtos tradicionais na cozinha dos hotéis

Fonte: Elaboração Própria

A primeira temática do quadro 2 revela que a produtos locais.


definição do conceito do restaurante, os custos, a
“Nós temos os insumos, mas estamos
qualidade dos produtos e a sazonalidade, são fato-
desorganizados, porque eu não tenho
res determinantes para a escolha do uso de produ-
uma procura pelo produto. Eu tenho
tos locais:
de maneira exótica.
“O tipo de cozinha que o hotel pede é
que me deixa ou não introduzir mais “Aqui principalmente os proprietários,
produtos regionais. Mas sempre pro- eles cuidam muito (falando de coisas
dutos de qualidade”. de legislação), porque eles são muito
rigidos nisso Não passa nenhum forne-
“A gente tentou até implantar, mas os cedor sem selo.”.
diretores não permitiram. Por mim ti- “Então ainda falta a organização do
nha lagosta. O custo também é muito produtor. E até por falta de incentivo
alto, é um produto caro de manter no do consumidor”.
cardápio”. “Sim nós só compramos com o cif.
bem como já vem do outro hotel as
compras, tudo aconteceu, do jeito que
“Porque tem muita coisa que é época,
é no outro hotel, já é tudo legalizado.
que eu não posso colocar no meu car-
dápio, porque é de época”. A terceira temática apresenta que outro fato
determinante para o uso de produtos tradicionais
Na segunda temática apresentada no quadro
é o conceito definido para cada hotel:
2 os chefes aos longo da entrevista, referiram que
para adquirir produtos tradicionais, os mesmos pre- “Hoje eu tenho uma mesclagem, eu
cisam estar regulamentados por Normas e Proce- tenho o internacional. A gente in-
dimentos – ANVISA. Este é um fator importante, troduz sempre o regional, nossa carne
porque define o consumo ou não de determinados de sol, alguns pratos que a gente uti-
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liza, incluindo alguns molhos, dentro Mas ai a gente já está fazendo a relei-
da nossa regionalidade”. tura da peixada”.
“Contemporânea. A gente tem desde
Destaque-se ainda que os produtos tradicionais,
a codorna, até a peixada”.
emergem ainda em cardápios de eventos especí-
Nesse contexto, a quarta temática revela os ficos nos hotéis, como o banquete:
pratos e ingredientes tradicionais que os chefes
propõem em seus cardápios. Relativamente ao “ E assim, nós fazemos jantar temá-
modo como se definem e se confecionam os pra- tico e ai sim, eu coloco um confit
tos ofertados, os sujeitos analisados destacam que de galinha de angola, com um maxixe
o fazem em comunicação com a sua brigada e a grelhado, essas coisas, com macaxeira
opinião de alguns atores importantes nos hotéis, frita”.
como gerentes ou proprietários: “E dentro dos banquetes eu tenho uma
linha regional. Onde eu trabalho com
“A cada 5 meses eu faço um release,
caldinho de feijão preto e ovos de co-
do que embarcou, do que teve aceita-
dorna, carne de sol com melaço de ra-
ção e ai eu vou substituindo. Ai pega
padura, queijo de coalho com mel”.
até as sugestões que a gente vai tra-
balhando no dia-a-dia” De acordo com o discurso dos chefes, os pratos
Eu trabalho em parceria, eu divido encontrados e produtos tradicionais mais utiliza-
opiniões tanto com a minha equipe, dos são a base de, carne do sol, peixada, maricos
quanto com a minha gerência, meus e outros insumos tradicionais da região:
diretores. E eu faço com que eles se
sintam os clientes. A gente vai sempre “A mariscada e a peixada, são os pra-
ouvindo os feedbacks”. tos mais tradicionais que servimos”.
“Macaxeira, batata doce, a questão
Na confeção dos pratos existe em alguns casos,
da carne de sol, uma manteiga de gar-
pela própria proposta da cozinha ofertada nesses
rafa, eu uso muito, banana da terra”.
hotéis, que não se limita apenas ao regional, o uso
“Carne do sol, carne do sol com baião
de técnicas e receitas clássicas com produtos regio-
e macaxeira”.
nais. Em alguns casos, para que os clientes possam
acolher melhor os pratos tradicionais, é feito uma
releitura da receita: “Tem carne do sol, peixada, que é a
nossa tradição”.
“Nessa versão agora do meu cardápio,
ela não está no meu cardápio, a gente O Quadro 3 revela os fatores responsáveis pela
deu uma mudada, mas a gente tirou a valorização da gastronomia tradicional na cozinha
peixada e usou mais a parte grelhada. dos hotéis.
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Quadro 3 | Análise de fatores responsáveis pela valorização da gastronomia tradicional

Fonte: Elaboração Própria

A primeira variável analisada no quadro 3 re- e os produtos tradicionais. Para os chefes o uso
vela que a globalização gastronômica é um dos das tendências é importante, para agregar valor ao
fatores responsáveis pela valorização da gastrono- seu trabalho, contudo estão alerta para os custos
mia tradicional, porque criou cada vez mais uma que isso pode trazer. Ressalve-se que para esses
fusão do clássico com o tradicional e permitiu o profissionais, as receitas e insumos tradicionais em
acesso aos insumos de outras culturas: sua cozinha são uma regra e não tendência:
“a gente fazia, o creme bruleé dele com
“Não gosto de usar aquele negócio
pistache, uma vez veio na minha ca-
pesado Francês, aquela espuma para
beça, de queimar a parte de cima com
colocar em cima do peixe. Não valo-
rapadura ao invés do açúcar”.
rizo, mais incluo alguma coisinha”.
“Você tem que se atualizar, que ade-
rir a certas tendências, fazendo uma
releitura. Eu já fiz aqui uma gali- “Eu gosto muito de misturar, porque
nhada, com molho pardo, utilizando é bacana você fazer sempre uma re-
beterraba”. leitura. E trazendo novas tendências,
sem alterar o produto”.
Os sujeitos destacam ainda nesse processo que
os clientes mudaram a sua consciência sobre os
alimentos e sabem o que querem e procuram co- “Eu acho que você tem que apreciar o
nhecer mais sobre eles: que está acontecendo, no seu entorno,
nosso regional, o que está acontecendo
“o público também pegou mais co-
em São Paulo, em Portugal.
nhecimento. Então o chefe, tem uma
responsabilidade muito grande.
“Não me apreendo, até porque, se a
gente for trabalhar com as tendências
Os clientes procuram e gostam dos
no cardápio, a gente vai ter uma rota-
produtos tradicionais, mas querem in-
tividade muito grande no cardápio. E
formações, já vem com indicações e
isso gera custos”.
são conscientes do que temos ou não
como tradicional”. O Quadro 4 apresenta na perspetiva dos chefes,
A última temática do quadro 3 apresenta a re- a relação dos clientes dos hotéis, com a gastrono-
lação dos chefes com as tendências gastronômicas, mia tradicional ofertada.
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Quadro 4 | Análise da Categoria Turismo Gastronômico

Fonte: Elaboração Própria

De acordo com a tabela 4 a relação que se cria os chefes têm que saber vender isso”.
entre os clientes dos hotéis e a gastronomia tradi-
cional, é motivada por diversos fatores, dentre eles Existe também por parte dos hóspedes uma
o conhecimento dos chefes sobre os pratos tradi- procura pela gastronomia tradicional, os clientes
cionais, a partir do contato e do diálogo que cria já vem com expectativas prévias, sobre produtos
acerca do que estão a servir: que são a marca de Fortaleza:

“O que ele pede para comer, é baião, “Quando você vem de São Paulo para
algum filet grelhado e pão. Ele é eu- o Ceará, eles não vão querer comer
ropeu”. a pizza, mas o que tem no Ceará.
Então a hotelaria, ela tem-se despon-
“Quando faço um cardápio temático, tado mais em relação a isso, devido
que pede uma coisa diferente daquilo essa cobrança, do cliente nos questi-
que eu coloquei, eu vou até a mesa”. onar, “porque que vocês não têm a
“Mas eu acho que a gente tem que peixada?”.
primeiro dizer ao cliente que produto
que eu estou usando e depois é que a “É porque, você está num hotel desse
gente brinca com isso”. aqui, não tem como tirar isso de um
hóspede, porque às vezes ele já vem,
“Mas eu tenho que fazer com que o já pensando nas comidas, na cultura,
meu cliente saiba o que é umbu, a eu jamais tiraria isso”.
origem, porque aí você fecha uma in-
De um modo geral, os hóspedes procuram por
formação sobre a nossa regionalidade.
produtos tradicionais com maior frequência na pri-
E é aquele que é meu objetivo, regatar
meira refeição servida pelo hotel:
a nossa gastronomia regional.
“Procuram muitos produtos cearenses,
“Porque o turista quando ele vem para especialmente no café da manhã. Não
cá, procura nossa gastronomia. Eles uma refeição em si, mas um munguzá,
as vezes comem, sem ter o conheci- uma pamonha, uma canjica. Então
mento do que é. Mas eu acredito, que a gente tem sempre essas coisas no
a própria panelada, são pratos que po- nosso café”.
dem ser introduzidos. É um desafio,
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“A tapioca é muito procurada, mas ao estarem informados histórico-culturalmente do


pratos como carne do sol e baião, pei- que oferecem, podem criar interesse nos clientes
xada e mariscos, eles pedem”. em consumir o prato. Entretanto nesse contexto,
reclamam da ausência de padrão que sofrem na
Contudo ainda existe pouco conhecimento dos
oferta de determinados produtos, onde muitos pro-
hóspedes acerca da variedade de produtos e pratos
fissionais, ao invés de seguir uma receita padrão,
que compõem a culinária tradicional cearense:
optam por fazer adaptações da receita.
“A carne do sol e a peixada, é sempre Encontra-se nas cozinhas oferecidas nos hotéis
o que o cliente busca, para você ver uma fusão de elementos clássicos, contemporâneos
como é tão pobre a maneira como eles e tradicionais, onde o regional está sempre pre-
nos veem gastronomicamente. Mas sente. Estes pratos são solicitados pelos clientes
isso é culpa nossa, porque a gente não e tornaram-se regra pelo menos em algumas refei-
tem ainda essa união de grupo”. ções como o café da manhã. Com efeito, em refei-
ções principais (almoço e jantar), essa gastronomia
tradicional, emerge não como determinante, mas
“Às vezes os clientes procuram por coi-
“tem que ter”, porque existem clientes que procu-
sas que seus amigos indicaram, maca-
ram, principalmente pratos ícones como a carne do
xeira, baião, carne do sol. Isso pode
sol com o baião e macaxeira e a peixada.
ser por não termos uma identidade
Ao longo da análise pode-se perceber na pers-
gastronômica tão clara.
pectiva dos chefes, que a gastronomia cearense é
Em síntese, a análise apresentada revela que pouco explorada, os clientes se limitam a conhecer
os chefes são da região Nordeste, portanto trazem poucos pratos. Mas isso é também fruto de um
uma herança do quotidiano gastronômico tradicio- preconceito criado na oferta dos cardápios. Nem
nal, quer seja nas memórias, no paladar, no cheiro, sempre eles conseguem introduzir pratos exóticos
etc. como “panelada” e “buchada”, porque no momento
A herança familiar dos chefes também é um de construção do cardápio, existe também a inter-
fator preponderante na maioria dos entrevistados, ferência da brigada e da gerência, que às vezes
memória de sabores, conhecimentos, utensílios e limita a apresentação desses e de outros pratos.
técnicas são destacados e certamente revelam–se De um modo geral, identifica-se um empenho dos
como fatores que motivam a escolha de determi- chefes na valorização da gastronomia tradicional
nadas receitas. A preocupação em manter recei- cearense.
tas e nomenclaturas originais, explicando apenas a
composição dos pratos, revela nos chefes um de-
sejo de afirmar e promover a gastronomia local. 7. Conclusão
Contudo o uso desses produtos tradicionais pode
ser limitado, pelo fato de nem sempre os produ- O apreço pela gastronomia tradicional dos lo-
tores locais estarem dentro das normas da Anvisa. cais, tem cada vez mais se aprimorado nos des-
Isso se torna um fator que impede estes chefes de tinos. Há alguns anos atrás, a gastronomia ofer-
adquirirem determinados tipos de insumos. tada nos restaurantes de hotéis, remetiam a cozi-
A relação que os chefes têm com a dimen- nha clássica e internacionalizada com forte apelo à
são cultural dos pratos é forte. Existe um desejo Europa. Essa investigação revela um cenário diver-
explícito de promover os produtos tradicionais no sificado, onde neste contexto gastronômico foram
seu formato original. Estes sujeitos acreditam que abertos espaços para introduzir uma cozinha con-
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temporânea, na qual se encontram muitos pratos Referências


e produtos regionais. Abreu, I. & Costa, S. (2014). Planejamento Participativo
Os chefes são indubitavelmente um canal forte e sua Contribuição para Desenvolvimento Sustentável da
para essa mudança. Com efeito eles constituem Atividade Turística. In Simposio de Excelência em Ges-
tão e Tecnologia (Ed.), Gestão do Conhecimento para a
apenas parte de uma rede de atores que contribui
Sociedade (p. 18). Resende.
para isso. A valorização e consciencialização criada
López-Guzmán, T., & Jesus, M. (2011). Turismo, cultura
nos últimos anos, de que o mundo não deveria dei-
y gastronomía. Una aproximación a las rutas culinarias.
xar os efeitos da globalização uniformizarem a co- In International Conference on Tourism & Management
mida, da importância da história e da cultura que Studies (pp. 922–929). Algarve.
cada prato trazia, e revelava a identidade de um
Martins, U. (2006). A Culinária derivada da mandioca e sua
povo; construíram uma consciência de que a co- utilização para o turismo no Ceará. Monografia, Instituto
mida é uma via de acesso ao outro e um elemento Federal de Educação Tecnológica do Ceará.
de grande valor cultura, capaz de atrair turistas. Martins, U. (2016).Turismo cultural e gastronômico no Bra-
Por isso o cliente também tem suma importância sil – nas rotas da tapioca em Fortaleza. A gastronomia
nesse processo de valorização. portuguesa no Brasil: um roteiro de turismo cultural.
Tese de Doutoramento. Universidade de Aveiro.
Contudo de acordo com a investigação apre-
sentada, conclui-se que não somente chefes e cli- Montecinos, A. (2012). A importância do planejamento
gastronômico para o turismo. Turismo em Pauta, 10(1),
entes são importantes no processo de valorização
7–14.
da gastronomia local no contexto turístico, mas
que ela é ainda dependente de outros atores como Quivy, R., & Campenhoudt, L. (2008). Manual de investi-
gacao em ciências sociais (Gradiva.). Lisboa
produtores locais, órgãos de saúde e órgãos do de-
senvolvimento turístico. Rocha, D. (2003). Sabores e Saberes do Ceará. (Delfina
Rocha) Fortaleza.
No contexto dos hotéis, a oferta da gastrono-
mia tradicional cearense, pode ser uma forma de Tomimatsu, C. & Furtado, S. (2011). Formação em Gas-
tronomia – Aprendizagem e Ensino(Boccato. São Paulo.
inovação social, pelo fato de a própria comunidade
(os chefes), definir pratos e produtos tradicionais UNESCO. (2003). Textos base Convenção de 2003 para a
que serão usados, consumir produtos locais, dialo- Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Paris.

garem diretamente com o cliente (turista). Con- Vázquez de la Torre, G., & Gutiérrez Agudo, E. (2010).
tudo, isso pode ser potencializado se houver uma El turismo gastronómico y las denominaciones de origen
en el sur de España: oleoturismo. Un estudio de caso.
interação maior entre todos os atores envolvidos
PASOS - Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 8,
neste processo. 91–112.
Neste sentindo, as limitações desse artigo,
Yeoman, I., McMahon-Beattie, Fields, U., Albrecht, J. &
referem-se ao fato de não terem sido analisados ou- Meethan, K. (2015). The future of food tourism foo-
tros atores envolvidos nesse processo de valoriza- dies, experiences, exclusivity, visions and political capital
ção da gastronomia local como produto turístico, (Channel VI.). London: 06 Jul 2015.

Deste modo para futuras investigações, podem-se Zainal, A., Zali, A. N., & Kassim, M. N. (2010). Malay-
realizar estudos a partir de uma perspectiva dos cli- sian gastronomy routes as a tourist destination. Journal
entes dos hotéis (turistas que visitam Fortaleza), Tourism, Hospitality and Culinary Arts, 2, 15–24.

dos produtores locais de pequeno e grande porte e Zuin, L., & Zuin, P. (2007). Produção de alimentos tra-
de outros atores da cadeia produtiva, para que se dicionais - contribuindo para o desenvolvimento local /
regional e dos pequenos produtores rurais Contributing to
compreender de que modo se comportam e parti-
the development local / regional and small farmers. Re-
cipam na valorização dos produtos tradicionais no vista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional,
contexto turístico. 4(1), 109–127.

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