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H¡s†órìc1s dc: Intolerôncìcu

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Assucmãn Emmnuu. 1.
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ESTADO AUTORITÁRIO E
IDEOLOGIA POLICIAL

Regina Célia Pedroso

EN Ijapgçp I-__._...E
Copyright ©2005 Regina Celia Pedroso

Colegão Historias da lntolerâneia, 6 -- Intolerancia Étnica Gt lntolerâneia Política


Di1¬eçao': Maria Luiza Tucci Carneiro

Servigo de Bilalioleoa e Do-cumenlação :la Famldade cl: Filosofia.,


Letfiu e Ciências Humanas :la Univenirlacle de São Paulo

P3 72 Pedroso, Regina Célia


Estado autoritario e ideologia policial J' Regina Célia Pedroso. - São
Paulo: Assoeiação Editorial Humanitas: Fapesp. 2005.
21 I p. (Cama Haaaau al inaieaaea, e - |na|=aaa. Éaia a laulama Panam

ISBN B5-93292-75-3

l. Policia militar - São Paulo 2. Violëncia (criminologia)


3. Äuloritarismo - Brasil - sé-culo 20 4. Segurança pública - São
Paulo 5. Crime político l. Título

CDD 365
322. 5098161

Assoclaçåo Eorïoauu.. Huraaflrraa

Etfilor Rflponsâvcf
Prof. Dr. Milton Meira elo Naseimento

Coordcnação Editorial
MÍ Helena C1. Rodrigues - MTB n. 25.840

Prqkfo Grâƒieo
Selma M.Consoli_lacinI:l1o- MTB n. 23.339

Díagramaçfìo
Wälcfuirda Silva - MTB n. 23.341

Cam
Milena lssler
(So-bre iluulnçâo publicada no jornal
A Flebc, n. T5. pil, lfl nov. |93-L .åirquivo Edgard Leuenroth)

Ranma
Sumárìo

II Siglas e abreviaturas
I3 Apresentação
Coleção Historias da lntolerância

I7 Prefácìo

23 [tradução

39 Capítulo 1
A trajetória da instituição policial

91 Capítulo 2
A conan-ução da lógica de
Direito: o crime político e social

129 Capítulo 3
A perseguigão objetiva
Estado autoritario e ideologia polieìal

Capítulo 4
Perspectivas atuais

Consìderaçöes finais

Fontes
Bibliografia
Anexo fotográfico
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Prefacio

Os trabalhos publicados na colegão Historias do Intolerâncio


demonstram que o anti-judaísmo em Portugal moderno antecedeu
em modernidade o nacionai-socialismo alemão por apresentar as
características mais globais do anti-semitismo: foi econñmico, racial,
político e religioso. Focalizando a Inquisição e a questão dos cris-
tãos-novos em Portugal e no Brasil, o primeiro conjunto de obras
desta coleção trata das mulheres cristãs-novas no Rio de Janeiro, do
anti-semitismo na Universidade de Coimbra e dos autos-de-fé que
serviam ao projeto de purificação do Reino. Esses estudos tërn conti-
nuidade nas pesquisas sobre a presença de cristãos-novos em Goiás,
Paraíba, Bahia e São Paulo. Da mesma forma chega até nos a trági-
ca vida do poeta cristão-novo Antonio Serrão de Castro e o trabalho
produzido sobre Duarte da Silva, ministro das finanças de D, joão
N no qual se revela a corrupção de toda a máquina inquisitorial.
Fundamentados em fontes inéditas, esses estudos oferecem ao
público brasileiro, pela primeira vez, elementos para se conhecer a
“qualidade" da gente que povoou e colonizou o Brasil. Emergem
assim, do passado brasileiro remoto, vidas perdidas, redes comerci-
ais, idéias e mentalidades, elementos que permitem sermos fiéis aos
ideais de Paulo Prado.
Assim como os arquivos inquisitoriais, os arquivos diplomáti-
cos e policiais - ainda "secretos" até os anos de 1995 - permitem
reescrever a historia do mundo contemporáneo. Concentrados em
uma temática única, esses estudos demonstram que o racismo e o
fanatismo têm muito em comum: não escolhem raça, religião nem
nacionalidade. Cristalizam-se nos momentos de crise, de uma socie-
dade em transformação que exige reformulação radical de valores.
Dissimulados pela mentira, proliferam em qualquer país, indepen-
dente do regime político que o rege.
Por meio do inventario e da análise de múltiplas fontes sobre
intolerância, procuramos contribuir para a formulação de políticas
públicas/educacionais direcionadas para os direitos humanos e a

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Prefáeio

Uma parte importante deste livro é dedicada justamente à bus-


ca das origens dmse militarismo e ã recuperacão de informagoes sobre
a formação das Policias Militares no Brasil no século XX. Na realida-
de, esse é um ponto fundamental para a compreensão do apelo fácil à
violëncia, pois, entre outras coisas, na concepção militar, os que não se
submetem disciplinadamente às regras estabelecidas e que, com isso,
perturbam a ordem social e poem em risco a segurança são classifica-
dos como "inimigos", contra os quais todo uso da força é válido,
Na historia brasileira, sobretodo a partir do inicio do século
XX, a organização da policia em moldes militares, com quartéis,
fardas, patentes militares, continência, treinamento de ordem unida e
outras peculiaridades de uma corporação militar, reflete objetivos
políticos. O tempero do Liberalismo levou à adoção de fórmulas ju-
rídicas para "legalizar" o autoritarismo dos governantes, mas perma-
neceu subjacente a concepção sintetizada numa frase atribuida a
Washington Luiz: "Para os amigos tudo, para os inimigos a lei". Os
adversarios políticos eram "inimigos” e a lei eram as regras fabricadas
pelo grupo dominante, para cuja imposição se considerava justifica-
do o uso da força.
Um pequeno reparo à obra de Regina Célia Pedroso é que
faltou mais atengão à contratação da “Missão Francesa", que che-
gou a São Paulo em 1906 para organizar a policia. Esse episodio é
muito importante para a compreensão do processo que levou à con-
cepção militar das policias estaduais, até que elas se denominassem,
explícitamente, Policias Militares. A origem desse processo está nos
primeiros passos dados pela oligarquía paulista para a organização
de um pequeno exército. Basta lembrar que o Presidente do Estado
de São Paulo que tomou a iniciativa em l904, jorge Tibiriçá, pediu
ao Barão do Rio Branco, então Ministro de Relaçoes Exteriores,
que informasse sobre os melhores "exorcitos" da Europa e não sobre
as melhores policias. Essas informaçoes estão em documentos que se
encontram no Arquivo Público do Estado de São Paulo, não tendo

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Estado autoritärio e ideologia policial

A Policia Militar foi informada pelo diretor do presidio do


que ocorria no Pavilhão 9. Chegou lá em poucos minutos, às 15h. A
seqüência dos fatos é conhecida: após tentativa de negociagão fracas-
sada com os presos, houve a ìnvasão do pavilhão, por volta das 16h.
Resultado da invasão policial: assassinato de 1 1 1 presos.
Nesse mesmo dia, por coincidencia, eu estava lendo alguns
documentos sobre a rebelião dos presos que ocorrera na llha Anchieta
em 1959. Coincidêncial? Com certeza, porém essa coincidëncia fez
com que acompanhasse de perto os acontecimentos trágicos daquela
sexta-feira. Foi nessa data que defini meu objeto de estudo para a
elaboração de minha tese de doutorado: optei por estudar a policia,
ou melhor, o que movía essa instituição centenaria a praticar atos
cruéis como fora o massacre do Carandiru. Como cidadã e historia-
dora sentia necessidade de compreender aquela realidade tão violen-
ta e que, aos olhos de muitos, passou como banal. Mas, o que move
individuos armados ã prática do barbarismo oficial?
É. neste sentido, e com esta preocupação, que quero dividir com
o leitor uma carta anonima que há quase dez anos guardo comigo. E
uma narrativa trágica e desesperadora.'

São Paulo, 12 de outubro de 1992.


O dia do massacre, na Casa de Detensão, Pavilhão O9

Sexta-feira, dia 02 de outubro de 1992, duas horas da tarde, paviihão nove


da Casa de Detensão, onde tudo começou. Hoje já faz dez dias que aconte-
ceu o massacre. Mas, ainda é muito forte em minha memoria, as marcas de
terror vividas naquele dia.
Tudo começou com uma briga violenta e, sangnenta entre dois presos que, se
oonfrontavam a golpes de facas. lsto se deu às duas horas no segundo andar,
na sexta-feira. Um dos presos, muito ferido à golpes de faca, não aguentou e
enfraqueceu. Os seus companheiros não salisfeito com o resultado da briga,
resolveram se vingar e, começaram tudo, Foi uma briga muito Íeia entre os
presos, não todos, talvez um grupo de vinte prmos. Os funcionarios do pavi-

' Foi mantida a grafia original.

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Estado autorìtário e ideologia policial

Nos meses de junho e julho desse mesmo ano, rebelioes de policiais


tornaram-se uma constante no pais.
Ao mesmo tempo em que esse panorama conturbado colocava
em questão o abuso de poder das policias brasileiras, eu iniciava mi-
nhas pesquisas junto à biblioteca da Policia Militar do Estado de
São Paulo (PMSP). Num primeiro momento, tomeì contato com a
produção académico e intelectual dos oficiais da PMSP que englo-
bava cerca de duas mil monografias sobre temas variados produzidas
entre 1984 e 1997. Este “corpus documental" me possibilitou
re (pensar) a ideologia da Policia Militar e suas relaçoes com o Esta-
do republicano, além de me oferecer informaçoes sobre as técnicas de
policiamento, violència policial, policiamento comunitario, estética
militar, ordem pública etc.
Foi a partir do levantamento prévio desse material e acompa-
nhando o debate contemporãneo sobre o papel das policias no Brasil
que elaborei a minha proposta de investigação do que, inicialmente,
concentrava-se na Policia Politica (Deops) associada às práticas re-
pressivas desencadeadasa partir do gerenciamento operacional desta
delegacia. Tomando como base as práticas investigativas desenvolvi-
das pela Policia Política, optei por tragar um paralelo com a forma-
gão das Policias Militares ao longo das decadas de 1920 e 1930.
Sob uma perspectiva mais ampla, me propus a estudar a ori-
gem do pensamento ideológico das policias no Brasil, tendo como
referência as múltiplas formas de organização policial com vistas a
eleger como foco de avaliação a militarização policial e seus reflexos
na conjuntura de poder nas décadas de 1920 e 1930.
A última década do soculo XX emerge como ponto de ruptu-
ra da organizagão policial militar, constatação que nos induz a iden-
tilicar as principais transformaçoes e continuidades nas formas de
gerenciamento do aparato policial, tendo como referëncia sua atua-
ção em alguns estados brasileiros. Exemplos destas transformaçoes
podem ser constatadas nos estados de Espirito Santo, Minas Gerais,

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Estado autoritario e ideologia policial

lítico, e todos aqueles que ameaçassem a ordem social, dentre os


quais inseriam-se os que atentavam contra a economia popular.
Assim, não podemos encarar o Deops simplesmente como ins-
tância imediatamente politica e, muito menos, especializada em de-
terminados crimes. A especialização do Deops só poderia ser avaliada
no tocante ã investigação das atividades criminais. Essa prática foi,
sem diivida, aprimorada pelos métodos de investigação ostensivos
realizados pelos espioes e investigadores policiaisf
A leitura apurada e sistemática dos prontuários do Deops le-
vou em consideração os documentos referentes à realidade carcerária
da época, ã lógica da investigagão policial e, principalmente, tópicos
relativos à composigão do universo criminal, como as provas arrola-
das pela policia interferindo na tipificaçao do crime politico e no
processo investigativo policial.
A trajetoria da Delegacia de Policia Politica (1924-1933) nos
possibilita repensar uma série de questoes que, por sua vez, colocam
em cheque o ideário republicano, onde os direitos humanos e a con-
dição de cidadania são essenciais para completar o processo demo-
crático.
Estudando a organização da Policia Politica somos induzidos
a pesquisar outras organizaçoes similares, principalmente as milita-
res, que tiverarn um papel especifico na historia politica dos governos
estaduais. Foram essas organizaçoes que deram o suporte belicista
para muitos govcrnos, e que, colocadas em cena pelo poder central,
assumiram o papel de defesa das instituiçoes politicas em determina-
dos periodos de nossa historia. Assim, a motivação ideológica e polí-
tica penneou a atuagão de muitos segmentos policias no Brasil,
inclusive as policias de designação civil, pois estas também compuse-
ram o quadro de normalidade governamental. Enfim, a historia da

7 CANCELLI, É.. O mundo da violencia. A policia du Era Vargas. Brasilia:


Edunb, 1993.

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Estado autoritario e ideologia policial

bém é discutir a prevalência da mentalidade autoritaria nas policias


atuais e as modificagoes em contrario, derivadas do policiamento co-
munitario. Este último capitulo pretende contribuir para uma discus-
são central nos meios académicos e intelectuais: refere-se a construção
da democracia em oposição ã persistência de pråticas autoritarias nas
chamadas instituiçoes de controle social (policia e sistema penitenci-
ario) . O projeto democrático implantado no Brasil no final do século
XX não foi plenamente efetivado, visto que a sociedade civil ainda
carece da cidadania plena, principalmente quando os atores sociais
são negros ou pobres; camadas marginalizadas sob as quais recaem o
peso da violência presente em algumas instituiçoes do Estado.
O policiamento comunitario veio de encontro a esses bolsoes
do uso arbitrario do poder. Questionando taticas, organização mili-
tar, técnicas de policiamento e eficacia, o discurso democrático desse
segmento policial pode vir a se tornar ponto central para a verdadeira
democratização da sociedade civil no Brasil.
Cabe ressaltar algumas consideraçoes a respeito de nosso
balizamento temporal: 1924 -1940. A primeira data, 1924, refe-
re-se ao ano de criagão do Deops/SP policia esta que implementou
uma forma inovadora da perseguição e identificação do suspeito
criminoso e, 1940, a institucionalizagão do novo Código Penal,
finalizando a tipología criminal criada no final do século XIX.
Apesar de nosso trabalho enveredar por discussoes contemporãne-
as a respeito da policia, o que supostamente poderia ter nos condu-
zido para uma discussão das praticas policiais durante a Ditadura
Militar (1964-1985), optamos por não enveredar por esse período
historico, na medida em que nossa proposta é de investigar a gêne-
se do ceito de crime politico e "suspeito" em potencial, no âmbito
da historia da repressão. As respostas para nossos questionamentos
estão na formação militar do aparato policial, que se deu no inicio
do século, e durante o governo Vargas, quando o pensamento auto-
ritario alcançou forma e eapressão alimentado por um discurso con-

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A trajstoria da instituiçåo policial

É um poder instituinte do direito - cuja função caracteristica não é promul-


gar leis, mas bairrar decretos com expectativa de direito - é um poder
man tenedor do direito, uma vez que se poe à disposição de tais fins. [...] Na
verdade, o “direito" da policia é o ponto em que o Estado - ou por impoten-
cia ou devido ãs inter-relaçöes imanentes a qualquer ordem judiciaria - não
pode mais garantir, através da ordem jurídica, seus Ens empíricos, que deseja
atingir a qualquer preçod

O aparato policial, enquanto órgão derivado do direito, tor-


na-se uma instancia de mando a partir da qual a manutenção da
segurança e ordem social torna-se a esséncia de seu funcionamento.
Walter Benjamin nos alerta que "por questoes de segurança" a po-
licia pode intervir diretamente no controle do cidadão no seu dia-a-
dia, intervindo assim, quando os fins jurídicos regulamentassern a
intervengãof
A definigão de ordem pública também deve ser considerada
do ponto de vista temporal pois, com as transformaçoes politicas e
sociais, o Estado elegia a cada momento os desviantes do sistema e
redefinia o conceito de crime politico.
O conceito de criminoso é estabelecido a partir da constitui-
çao de um universo de exclusao social, definindo quem sao os perse-
guidos. Considerando essa construgão mental que leva em
consideração padroes comportamentais, utilidade economica e efici-
éncia politica, é que a delimitagão das camadas excluidas (leia-se
criminosas) é edificada. Nesse sentido, podemos concluir que os as-

3 BEWAMIIN, W .“Criticia da violéncia - critica do poder". ln: Documentos de cuiiuro,


documentos de barbarie. São Paulo: Cultrirr, 1936, p. 166.
" Walter Benjamin chama-nos a atenção para o funcionamento do aparato policial em
diferentes formas de regime político: "E, apesar de a policia amiúde ter o mesmo aspecto
em toda a parte, não se pode negar que seu espiritu é menos arrasador na monarquia
absolutista - onde ela representa o poder do soberano, que reúne plenos poderes legislativos
e errecutivos - do que nos regirnes democráticos, onde sua existencia, não sublimada por
nenhuma relação desse tipo, testemunha a maior degenerescência imaginãvel do poder".
Op. cit., p. 166-7.

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A trrrjetoria da iustituição policial

O controle social expressa as múltiplas facetas da dominação,


considerando-se que a ertisténcia de ameaça permanente produz uma
resposta de medo cronico por parte das instituiçoes. '5 Apos a trama
organiza-se uma mentalidade repressiva que envolve práticas violen-
tas: prisão, confisco de bens, suplicios e morte, cuja repercussão afeta
significativamente o imaginario social. O conceito de crime social surge
relacionado a essa composição de forças que buscará, nas diferenças
sociais, respostas para as deficiências humanas.
Esse imaginario social,"i' delineado pela constante vigilancia e
marginalização, permanecen por longo tempo como inerente ã cons-
trução do poder de Estado: o silenciamento das camadas oprirnidas
revela até que ponto o controle social formal deu certo. Erving Goffman,
ao conceituar estigma social, considera que a estimnatização das pesso-
as que tem maus antecedentes morais funciona como um meio de con-
trole, no qual o Estado formaliza os niveis de tolerancia.”
Do ponto de vista da exclusão social, a constituigão da representa-
ção politica é radicalmente renomada, como comentajosé Carlos Bruni:

Pois como conciliar a produção ininterrupta de inúmeros mecanismos com a


representação enquanto modo de participação politica? Como dar voz aos
sujeitos silenciados pela errclusão a não ser fingindo cinicamente que ela é
inexistente, desconhecendo a alteridade radical para onde foram empurrados
os excluidos. "'

'5 LIRA, E.: CASTILLO, MJ. Psicologia de la amenaza politico y del miedo. Santiago de
Chile: llas, 1991.
'E' Branislavv Baczlro, referindo-se aos discursos e praticas de legitimidade do poder,
afirma que as relaçoes de força no dominio do imaginario coletivo errigem a elaboração de
estratégias adaptadas a modalidades especificas de cada conflito social. Op. cit., p. 3 l 0,
'T GUFFMAN, E. Esligmo. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989, p. 150.
la BRUNI, J. C. "Foucault o silencio dos sujeitos ". Tempo Social, Revista de Sociologia
da USP, São Pauio: n. 1, v. 1, 1939, p. ZÚ4.

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A trajetoria da irrstituição policial ~

um imaginario popular calcado na "nova ordem" vigente. A detecgão


dessa “longa duração" em nossa historia é primordial para a análise
do pensamento autoritario e, principalmente, com relagão às estraté-
gias para a manutenção do poder, no qual insere-se o papel das poli-
cias como garantidoras da ordem social.”
Um olhar sobre a historia da policia revela uma faceta da orga-
nização das politicas públicas e do gerenciamento do espaço público
no Brasil. A questão da seguranca e o discurso armamentista que o
Estado prega hoje em dia nada mais é que uma artimanha para o
controle da massa. Uma vez que a prevenção ao crime é secundaria,
investe-se no confronto "armado" contra os marginais; mantem-se a
populagão amedrontada, quer por parte da força policial, quer por
parte dos bandidos, também armados.”
O controle social é essencial para a manutencão da ordem e
das instituiçoes. Assim, as corporaçoes policiais apontam para um
meio de contenção da criminalidade, definindo as diretrizes de atua-
ção em momentos historicos determinados, dependendo do nivel de
democracia implantado na sociedade.
A mentalidade autoritaria no Brasil teve como pressupostos
basicos o modelo jurídico, o poder centralizado e eliti zado e a organi-
zação das forças policiais que se incumbiram de perseguir as cama-
das sociais desprivilegiadas. Ordem pública e seguronço interno
encontram-se na raiz da construção da ideologia de Estado.

5" Segundo Hannah Arendt a policia é uma das instituiçoes fundamentais para a manu-
tenção de regirnes totalitarios, pois a policia não apenas atende ã necessidade de suprimir
a população em casa, como ela se ajusta a pretensão ideológica de dominio global. Ape-
sar dos governos brasileiros não enquadrarem-se no conceito de totalitarismo empregado
por Hannah Arendt, temos em nosso país uma especial atenção do Estado com o trato do
aparelho policial. ARENDT, H. Úrigens do Ílirlalitorismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1990.
3° CHEVIGNE, P "São Paulo and Rio de_]aneiro ". ln: Police Deodlyƒorce as social control
ƒumuicrr, Brazil and Argentina. Dossié NEV, n. Z, 1991 .

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A trajetoria da irrstituiçåo policial

limitando e circunscrevendo as camadas populares a certos espaços


públicos, também era incumbida diretamente da moralização das
massas.”
Aliado ao trabalho incessante da vigilancia policial, a constru-
ção de prisoes, colonias correcionais, asilos, manicomicos etc., apresen-
tou-se como praxis desse discurso que pregava a “purificação" urbana,
Dessa forma, o espetaculo do poder da era clássica transformou-se no
modelo visual de Bentham, pois fundaria uma nova tecnologia do
poder:

Porque que afei que la fimcion normalizodoru y disciplinaria de lu mirado era


mos notorio. Reverliendo el principio de lo mazmorro, el Ponoplico, con su
supervisor oculto vigilando desde una torre central como um Dios omniscienie
pero invisible, es una comorizucion arquitectónica de lo más porunoide de las
fnnlosius surireanas sobre lo mirado ulrsoluio.”

O olhar estaria em todas as partes, proveniente de um foco de


poder que não necessita ser nomeado, desde que er-rercido dentro das
instituiçoes fechadas (prisoes, asilos etc.). A disciplina estaria assim
edificada na sociedade a partir de um modelo de vigilancia, expressi-
vo da praxis do Poder,
Por outro lado, a disciplina constitui parte integrante das pra-
ticas vigilantes instituidas pelas elites. A ordem, quer seja ela voltada
para as instituiçoes fechadas (hospitais, prisoes, quartéis e escolas)
ou para o social (forgas policiais) formam a base dos pressupostos
das ideologías que se constituem no século Xlx. A ordem no campo
do social sera organizada pela Policia, A Policia é criada para cons-

if' STÚRCH, R. "Ó policiamento do cotidiano na cidade vitoriana". Revista Brasileiro de


Historia, v. 5, n. B/9, abril 1935, p, B.
37 JAY, M. “En el imperio de la mirada: Foucault 3; la denegracion de la vision en el
pensamiento francés de siglo XX. ln: HOYO, D. C. (comp.). Foucault. Buenos Aires:
Ediciones Nueva Vision, 1992, p. 210

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A t-rajetörìa da instìtuiçãe policial

A primeira Constituição brasileira, de IBZ4, como assinala-


mos acima, tratou da discussão acerca da ordem política e social,
relegando poderes ao imperador caso a Seguranga do Estado fosse
ii 1 II

ameaçada, bem como declarar a guerra e fazer a paz, participan-


do à assembléia as comunieaçües que forem compatíveis com os
interesses e Seguranga do Estadoflfü A liberdadeindividual pode-
ria ser cerceada caso houvesse rebelião ou invasão de inimigo es-
trangeiro que atentasse contra a Segurança do Estado e, caso a
ameaça fosse de origem grave, o Irnperador poderia exigir a “Salva-
ção do Estado", prorrogando a Assembléia Geral e dissolvendo a
Cåmara dos Deputados. Em última ìnstâneia, a favor da “Segu-
rança e Defesa do lmpério" e "Independencia e Integridade do
Imperio", todos os brasileiros estariam obrigados a portar armas
para a defesa do territorio nacional. 4'
A Constituiçao Brasileira de 1891 inovou quanto à termino-
logia utilizada na designação de segurança. A expressão "Seguran-
ça do Estado" não foi inserida formalmente na carta, sendo
substituída por “Segurança da República" que, quando ameaçada,
geraria a suspensão das garantias eonstitucionais por tempo determi-
nado. Também foram denominados crimes contra a "Segurança ln-'
terna do País" aqueles considerados de responsabilidade do Presidente
da República: "Defesa Interna” e "Defesa da Pátria" estariam a
cargo das forgas de terra e mar, sob a responsabilidade do Presidente
da República ou alguém desigriadefz
A Constituição de 1934 tratou, pela primeira vez, da expres-
são "Segurança Nacional", compreendendo a “segurança Interna

*° Ceieção de Leis de imperio de Brasil, Consiituigrïo Política do imperio do Brasil, de 25


de março de 1324, Cap. ll, art. ÍOZ, item 9°.
"" Ibidem, cap. ll, art. l02, item IS".
42 Coieçãu de Leis do Brasil, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de
24 de fevereiro de 1891, Título I, art. I4; cap. ïfi, art. 54, item 59°; cap. V: art. 43,
item 3°.

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A trajetória da instituìção poììeìal

A Constituição de 1946 reduziu de forma substancial as pres-


criçöes relativas à Segu rança Nacional, em comparação com a Cons-
tituição anterior, Nesta Carta, não mais sob a égide do Tribunal de
Segurança Nacional, extinto em 1945, passam aqueles que atentas-
sem contra a existencia, a segurança e a integridade do Estado e
contra a guarda e o emprego da economia popular a serem julgados
por juízes e tribunais referidos pela constituigao.
Promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte, o tema
“Segurança Nacional" passou a figurar junto a outras disposigñes,
sem receber um caráter especial ou título próprio. Manteve-se o Con-
selho de Segurança Nacional, destinado ao estudo dos problemas
relativos à "Defesa Nacional". Este conselho estava encarregado de
estudar qualquer ato referente a concessão de terras, abertura de vias
de comunicação e similares; construção de pontes e estradas interna-
cionais; estabelecimento ou exploração de quaisquer indústrias que
interessassem à “Segurança do País".
As policias de cunho militar foram instituídas para garantir a
"Segurança Interna” e a "Manutenção da Ordem" nos Estados, nos
terrítórios e no Distrito Federal, além de serem consideradas forgas
auxiliares e reserva do Exërcito. No caso de serem mobilizadas a
serviço da União em tempo de guerra externa ou civil, gozariam das
mesmas vantagens atribuidas ao pessoal do Exército.54
A Constituição legislou no sentido de atribuir responsabilidades
à União, para organizar as Forces Armadas, quando necessário, para a
garantia de suas fronteiras. Ao Presidente da República foi designada a
incumbência de manter a integridade nacional, a União e a independen-
cia política, podendo declarar guerra após a autorizagão do Congresso
Nacional ou sem essa autorizagão no caso de agressão estrangeira, quan-
do verificada no intervalo das sessöes legislativas. Poderia ainda decre-

5* Coleção de Leis do Brasil, Corrstiiaição da República dos Estados Unidos do Brasil, de


IB de setembre de 1946, art. 183.

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A trajetúrin da inistituiçåo policial

ainda a motivação na realização do crime e a existencia de lesão real


ou potencial aos bens jurídicos, sendo, em alguns casos, considerado
crime mais grave se realizado com auilrilio de organizacöes nacionais
ou estrangeiras.
A Constituigão Federal de 1988, em seu capítulo II, que tra-
tou da Segurança Pública, estabeleceu em seu artigo 144 que a segu-
rança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos e que deve ser exercida para a preservação da "ordem pública"
e da incolumidade das pessoas e do patrimenio. Cabendo à Policia
Militar o trabalho de policia ostensiva e de preservagão da "ordem
pública", constituindo força auxiliar e reserva do exército.
A última Constituição brasileira manteve os termos consagrados
pelas cartas anteriores, definindo a missão constitucional da Policia a
partir do termo "ordem pública", termo que ei-rpressa a subjetividade
do momento político, apresentando assim o ideal de conservagão da
organização social estabelecida.
Verificamos uma continuidade relativa ao argumento jurídico
estabelecido nas constituiçües brasileiras, pois todas preocuparam-se
em criar dispositivos estatais para a defesa da ordem pública e social;
porém com o desenvolvimento da sociedade e, em decorrencia dos
movimentos sociais, principalmente neste século, houve um maior
aprimoramento e criação de úrgãos especializados incumbidos desta
tarefa. Também devemos frizar a importância da Constituiçao de
1967, que delegou a vigilância aos cidadãos,
Balisada por uma "Doutrina de Contenção Social”, a Policia
deve ser observada sob a útica de executora dos ditames políticos
apregoados pelo Estado e pelos governos. Formuladores e gerencia-
dores da macro-política institucional num primeiro plano e, relativo à
conduta social, num segundo plano, estabeleceram formas de conten-
ção às manifestaçees de distúrbios em nivel social e político que impe-
diriam o bom andamento e gerenciamento da ordem pública.

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A trajetoria da instituìçeo policial

vam especificados como deveria ser o procedimento policial para in-


quirir, averiguar e buscar os transeuntes suspeitos; formas do policia-
mento da cidade; recompensas aos policiais que se destacassem na
prisão de ladrees; medidas no tratamento do escravo, dentre outras.
Baseada nas Ordenagees Filipinas do Reino de Portugal, legis-
lagão portuguesa que vigorou no Brasil até 1808, a organizagão po-
licial brasileira seguiu o modelo portugues, no qual as instituigöes
policiais confundiam-se com as funçöes do judiciário. Em Portugal, a
função policial era exercida pelo almotace-Mor e pelos almotáceis,
que tinham os Alcaides e Meirinhos como auxiliares.

Os almotáceis tinham poderes para receber questñes de direito civil e crimi-


nal, assim como nas funçees policiais, fiscalizar os jogadores, os mendigos, os
teatros. A criação da Intendencia de Policia não resolveu o conflito entre as
funçôes judiciárias e policiais, que continuavam confusas e discricionariamente
eirercidas pelo intendente, sem que nenhurna lei lhe delimitasse o poder, pro-
vocando aqui e acolá escessos de graves inconvenientes para a liberdade indi-
vidual e mesmo para o serviço público.”-1

Em 1825 foi organizado o Corpo de Policia em Recife a


cargo do Tenente Coronel Antonio Maria da Silva Torres e, em 1 83 1
foi sancionada a lei que criava a Guarda Nacional do Imperio extin-
guindo os corpos de Milícia, Guardas Municipais e Ordenanças.
Dentre as atribuiçees da Guarda Nacional estavam a defesa
da constituigão, liberdade, independencia e integridade do Imperio;
conservação ou reestabelecimento da ordem e tranquilidade pública;
auxilio ao Exército na defesa das fronteiras; escolta de remessas de
dinheiro pertencentes à nação; condução de sentenciados ou conde-
nados da]ustiga e socorro a outros municipios em caso de ameaça de
sedição e insurreicão ou incursão de ladrües e malfeitores. Alem dis-

” SOUZA ARAR, J. C. Sistema de segurança pública, Doatrina e operacionalizagão, São


Paulo: Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, 1994, p. 15.

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A trajetôria da instituiçrìo policial

escravos fugidos, efetuar diligencias e acorrer aos locais de incendio.


Esta força policial foi extinta após dois anos de sua criaçãoffi
O Corpo Policial Permanente, como principal força policial
paulista permanecen durante anos com efetivo reduzido, em torno de
400 homens, insuficiente para o policiamento da provincia e de ou-
tros municipios circu nvizinhos. Essa situação, aliada ao soldo reduzi-
do, conduziu a corporação para a indisciplina. Luiz Sebastião
Malvásio comenta a situação:

Era então muito precária a sua disciplina, aclrando-se a corporação em la-


mentável estado de decadencia. A embriaguez era constante motivo de atos
de rebeldia no quartel e os soldados já eram ap-ontados pelo povo como ele-
mentos perigosos, pelos continuos tumultos que provocavam,”

A situação de indisciplina somente fora contornada após a


mudança no comando, atribuida ao Tenente Coronel José Maria
Gavião Peixoto. A indisciplina da tropa já havia sido verificada ante-
riormente no, 1° Batalhão de Caçadores em Santos. Foi a Revolta
Nativista, ocorrida em 28 de junho de 1821, devido a falta de paga-
mento. Oficiais e soldados indignados com a situação provocaram
baderna, soltaram os presos da cadeia, prenderam autoridades e bo-
mens ricos da vila, obrigando-os a pagar resgateffl
Os baixos salarios, excesso de trabalho, falta de conforto nas
casernas e as puniçees corporais aos soldados indisciplinados provo-
caram situaçees de levantes e inconformismos no interior da tropa,
Em 3 de dezembro de 1841 foi reformulado o Código de Pro-
cesso Penal, alterando a organização policial brasileira. Foram dadas

if' MALv,fi.s1o, L. S., op. eii., p. 26,


77 Idem ibidem, p. 29.
7° GAGINI, Fl Fragmento de història da Policia Militar de São Paulo. São Paulo: Edição
Principe, 1966, p. 32.

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A trajetãria da instituir;-rio policial

Por outro lado, o heroísmo paulista foi questionado a partir


do episodio ocorrido na Serra da Graciosa, Santa Catarina, duran-
te a Revolução Farroupilha, quando soldados paulistas, em 20 de
maio de 1894, esrecutaram a tiros Ildefonso Pereira Correia (Barão
do Serro Azul) e outras presos politicos. Após o fuzilamento, os
corpos foram langados num despenhadeiro da Serra da Graciosa,
conhecido como Greta do Pico do Diabo.
Alem do Corpo Policial Permanente, que passará a se deno-
minar Força Militar de Policia do Estado de São Paulo (Forga Pú-
blica) ,B6 a Força Paulista era composta pela Guarda Nacional, Guarda
de Policia Local, Companlria de Cavalaria de Linha, Companhia de
Infantaria de Linha e Contingente do 7° Batalhão, além da Guarda
Policial Local, E, em 1875, soma-se a Guarda Urbana, com um
efetivo de 60 praças, destinada ao policiamento da cidade. Em 1885
a policia paulista passou a ser composta pelo Corpo Policial Perma-
nente, Companhia de Urbanos da Capital, Secgão de Bombeiros da
Capital e Policia Local.”
A utilização da Força Policial em episodios com o intuito de
manutenção da ordem social pode ser ertemplificada pela operação
realizada contra escravos fugidos, ocorrida a 2 de setembre de 1885,
em Itupeva, municipio de Jundiai. Ali ocorreu a destruição de
quilombos, com o restabelecimento da ordem social a partir da expul-
são dos negros. Outro episúdio foi relatado pelo Presidente da Pro-
vincia, o qual cita a repressão policial contra 80 ciganos que haviam
chegado à cidade.”
A repressão interna aos movimentos sociais e desclassificados
reflete-se internamente na ordem hierarquizada e rígida, que tem nos
castigos corporais uma forma de punigão ao policial "desajustadoii,

-___ .L '_ ¿É _ _. í._` JJ? _ -_`.

ai' Decreto Estadual, de 14 de novembro de 1891.


“T GAGIHI, FE, op. cit., p. 52-5.
E" ldem, ibidem, op. cit., p. 56.

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A trajetúria da inst.it.t1i|;ão policial

da luta constitucionalista, segundo Malvásio, foi a Forga Pública


“que batalhou em todas as partes com heroísmo e denedo, perdendo
inúmeros de seus filhos", inclusive o seu comandante Coronel julio
Marcondes Filho. Diz o nosso narrador oficial: "Ao terminar a luta
a Corporação recolheu-se aos seus quárteis, tendo sido a entidade
que deu, proporcionalmente, a maior contribuição de sangue à causa
constitucionalista”.'”

1.4. A rnílitarizaçäo -
A estrutura policial do Estado de São Paulo, no inicio do
século XIX, QB contava com uma Brigada Policial, com tres Bata-
lhöes de Infantaria, um Regimento de Cavalaria, um Corpo de Bom-
beiros, uma Companhia de Guardas Civicas da Capital e uma
Companhia de Guardas Civicas do Interior, A Brigada Policial, cha-
mada anteriormente Corpo Policial Permanente, e que futuramente
iria se chamar Forga Pública (1901), tinha por fungão o serviço de
manutengão da Ordem e da Seguranga na capital, na cidade de
Santos e Campinas, estando subordinada ao Presidente do Estado;
enquanto a Guarda Cívica da capital tinha por missão o policia-
mento da parte central da cidade, a vigilância aos divertimentos,
festejos e solenidades públicas, e respondía por sua organização o
Secretário de Justiça. já a Guarda Cívica do Interior tinha a tarefa
de policiamento de todo o Estado, com exceção das áreas sob res-
ponsabilidade da Guarda da Capital, estando subordinada ao Chefe
de Policia.
Em 1901 surgiu a Forga Policial do Estado, integrada por
quatro Batalhees de lnfantaria, um Corpo de Cavalaria, um Corpo
de Bombeiros e uma Guarda Civica da Capital. Surgiu também o

-H I `l -I

W Idem, lbidem, p. 59.


9” Lei n. 491, de 29 de dezembro de 1896.

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A trajetúria da instituição policial

ral, subdividido para oficiais superiores e inferiores; um Curso Es-


pecial de lnstrução Geral, obrigatúrio para oficiais inferiores que
freqüentassem o Curso de Instrução Geral; uma Secção de Esgrima,
destinada aos oficiais inferiores e praças, entre outros.'°i' Assim, alia-
da à prática armamentista e disciplinadora da tropa, esta etapa de
instrução policial voltou-se para o preparo militar do soldado a partir
de disciplinas que ele iria cursar na Escola de Formação - uma ver-
dadeira assistencia intelectual objetivando aliar a teoria ir prática
armamentista.
Em 1913, o regulamento do Corpo Escola sofreu modifica-
ção, sendo constituidas classes de Escola de Recrutas, Escola de
alnnos-Cabos, Curso Especial Militar dos Oficiais Inferiores e Secção
de Esgrima e Ginástica (Educação Fisica). Nesse periodo, a Força
Pública estava composta por um efetivo de 7.431 homens, distribui-
dos por um estado-maior, cinco batalhoes de infantaria, um corpo de
cavalaria, dois corpus de guarda cívica, um corpo escola e um corpo
de saúde.'“7
A partir da Missão Francesa (1 906- 1 914), a rigidez na condu-
ção da tropa tornou-se um ponto fundamental para a organização dis-
ciplinar, incorporada como premissa básica do papel desempenhado
pelo policial militar. A assimilação da disciplina passou a fazer parte
dos atributos ligados ao aprendizado da profissão e, alem disso, o
arcabouço de conhecimentos adquiridos no interior da instituição sub-
sidia a doutrina de como socializar um civil em so1dado.'°i
Sob essa ótica socializadora, o processo de transformagão do apara-
to policial tomou-se constitutivo de um "saber próprio e institucionalizado",
compondo um universo ideolúgico de produgão de conhecimento aliado

'°i1...ei n. 1.244, de 27 de dezembro de 1910.


""Quando do inicio da Missão Francesa, em 1906, a Força Pública era constituida por
4.568 homens,
"ii PANA CRUZ, S. G. F. de, op. cit., p. 38.

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A t.rajetúria de instituição policial

to de rua. Não era permitido ao guarda conversar, fumar ou distrair-


se, Deveria trabalhar com o bastão na mão, junto ao meio-fio e sem-
pre sozinho; porem, os guardas continuavam a exercer as funçöes
assistenciais como estabelecido no regimento de 1928.1”
No decorrer de sua existencia, a Guarda Civil teve anexadas
às suas funçñes a de Policia Especial do Estado (1949), a de Guar-
da Noturna (l954),l 'G a de Policia Feminina (1968) e a de Policia
Maritima e Aérea (1968). Assim, aos poucos, a Guarda Civil foi
abrangendo áreas policiais antes pertencentes à Forga Pública, o que
a fez aproximar-se dos designios da Corporação Militar,
Wagner Cintra, em estudo sobre o marketing de guerra na
atividade policial, ilustra o caráter da Guarda Civil, como organiza-
gão criada para a realização do policiamento civil e que, paulatina-
mente, organiza-se a partir do emprego de meios e instrução militar,
aculturando-se ã Organização Militar. Assinala Cintra:

Ens famosa sua Divisão de Reserva, constituida por elementos de descedencia


estrangeira, com equipamentos para controle de distúrbios civis e formação
militar. A sua escala hierãrquica, ernbora com names diferentes, obedecia
estreita correspondencia com a Força Pública. Sens uniformes eram unifor-
mes militares e seus inspetores portavam espada. Ressalte-se que durante a ll
Guerra Mundial, quando o Esrército necessitou organizar seu efetivo que foi
enviado ã ltália, convocou a Guarda Civil que com 73 Guardas Civis, com-
pes a Policia Militar da FEB, e não a então Força Pública, na época, um
verdadeiro "exército estadual",' '7

A tenue aproximagão entre Guarda Civil e Ferca Pública des-


crita acima por Wagner Cintra contextualiza-se na prática quando
em Decreto Estadualfla O Governo Paulista une as duas institui-

"i' MATTA, R. da. (Org) As raices da violencia no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1%.
'"' MAFFESULI, M. Dinámico da violencia. São Paulo: Vertice, 1987.
"il Os números da Casa de Detenção, Follra de S. Paulo, 1 1.10.92, p.04.
' 'li To-dos os depoimentos citados nesta capítulo for-am esta-aidos do jornal fiillra de S. Paulo.

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A eonstrução de lógica do direito: crime politico e social

instãncias de poder. Q criminoso social tem seu estatuto definido


antes mesmo do advento da corporagão policial, que circunscreverá
ainda mais as classes marginalizadas, frente ao ideário de saneamen-
to do século XIX.
Percebemos nas decadas de 20 e 30 do século XX uma preo-
cupagão substancial por parte das autoridades em definir e construir
o modelo de criminoso, quer fosse ele social ou politico. Na verdade,
essa preocupagão sempre foi uma constância nos governos brasileiros
que, por meio da legislação, já haviam criado um discurso de ordem
sobre o criminoso comum e atribuido os primeiros tragos com relagão
ao criminoso político. E foi somente nas primeiras décadas desse se-
culo que os fatores sociais e politicos foram incorporados de maneira
sistemática pelo discurso de segurança do Estado.
A partir deste contexto, a repressão política e social tornou-se
prática rotineira na História do Brasil, principalmente no periodo
republicano, quando o governo utilizou-se de meios violentos para o
prolongamento do seu estado de direito, uma vez que o regime de
excegão convivia com a lei, código da violencia física desse Estadofl
Assim, o processo de construção do universo repressiva perpassou as
instituiçöes estatais voltadas à segurança pública: Poder judiciário,
Sistema Penitenciario e Policias; instituiçöes estas que, ao longo do
tempo, edificaram um saber com foco de atencão especial no sujeito
politico e definidas pelos parámetros da perseguição e da suposta
ameaça socialf'
Este saber institucionalizado justificou a necessidade da utili-
zação da força física como parte das açees preventivas e repressivas

4 PÚULANTZAS, N. Estado, Poder e Socialismo. Rio dejaneiro: Paz e Terra, 1978.


i'Antl1ony Guiddens afinna que todos os sistemas sociais envolvem uma mediação insti-
tucional e que esta e expressa pelas instituiçees que representara as continuidades mais
arraigadas da sociedade; assim, a dominação e eirpressa como um modo de controle,
esercido por agentes que procuram adquirir e manter um certo consenso. GUIDDENS, A.
O Estado Naçrio e a violencia. São Paulo: Edusp, 2001, p. 35.

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A oonst.111ção de lúgiea do direito: crime politico e social

Essa diretriz de agão efetivou-se na prática através do reconheci-


mento das diferengas entre trabalhadores, proprietários e desclassi-
ficados que, diariamente, compartilhavam do mesmo espaço fisico:
a cidade.”
Essa convivencia, no entanto, gerou conflitos, visto que o proc-mso
civilizatúrio, comandado por uma burguesía ávida de modernização, ti-
nha no embelezamento das cidades urna das suas principais preocupa-
çöes. Ao longo das primeiras décadas do século XX, a irrtervenção no
espaço urbano transformou-se em proposta de vida melhor para a parce-
la mais rica da população, em detrimento da expulsão da população
pobre, residente em locais nobres das cidades. Expulsos, esses foram
encaminhados para as periferias urbanas.”
As ideologias politicas, acionadas como práxis das reformas
republicanas, corroborava com os anseios de modernidade da bur-
guesia da epoca, designando os espaços de convivencia da popula-
ção, no sentido de delimitar a liberdade de 'residencia das camadas
mais pobres da sociedade. Desse modo, as ideologias justificavam o
uso da repressão para que a propriedade privada e o bem público
fossem preservados frente a ameaça de desordem que pairava no
ãmbito social.
Nesse contexto, a policia desempenhou um papel decisivo, res-
ponsabilizando-se pela manutenção do ordenamento fisico dentro do
perímetro urbano das cidades. Será ela quem consagrará uma ordem

I I 11

145, de 1 1 de julho de 1893; lei n. 947, de 27 de dezembro de 1902 e lei n. 2.247,


de 6 de janeiro de 1921, ln: Código Penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1929, p.
459-463,

li O espaço urbano no século XIX ganba relevancia de status social ã medida que a
cidade torna-se paulatinamente o núcleo econômico e agrega também os centros de poder
governamental. Habitar os centros urbanos significa ansiar por uma vida melhor. ORTIZ., R.
Caltura e modernidade. São Paulo: Brasiliense, 1991.
“ SEZGAWA, H, Construçrïo de ordens. Dissertação de Mestrado, FAU-USP, 1987,
p. 50.

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..-'t eonstruçao da lógica do direito: crime politico e social

Os crimes contra a existencia do Estado são sempre objeto de execração


universal, porque o perigo é idéntico sob qualquer governo e em Todos os
paises juridicamente constituidos.”

A exposição de Siqueira direcionou-se no sentido de interpre-


tar de formas distintas o que ele categorizou por delitos politicos pu-
ros e delitos politicos relativos. O primeiro incidiria contra a ordem
politica do Estado e o segundo infringiria ainda o direito comum,
Basileu Garcia, criminalista renomado, chama a atenção para o cui-
dado na separação entre categorias semelhantes de crimes politicos,
Diz o autor que, na prática, o delito politico relativo não gozava da
contemplação privilemada que, nos regimes liberais, tinha sido asse-
gurada ao delito politico puro.”
jimenez de Asúa identificou o surgimento do conceito de deli-
to politico, sob a ótica contemporánea após a Revolução Francesa,
no qual a nova noção de crime politico foi constituida a partir da
transformação dos delitos contra a segurança do Estado, com sua
divisâo empírica de ofensa à segurança interna e externa da Nação,
O mesmo autor optou pela conciliação entre as linhas interpretativas,
afirmando que era o subjetivismo do móvel que guiava o agente. Ao
expor sobre o delito politico e social, o criminalista descreveu as tres
doutrinas que abordam o assunto.
A primeira doutri na, positivista ou subjetiva, destacava o con-
ceito subjetivo do móvel que guiava o agente. Assim, a delinqüencia
política se distinguia pelo múvel, sem que se desse importância à
objetividade do direito violado - delito politico, neste caso, podia ser
um homicidio, um atentado contra uma autoridade ou um delito co-
mum, dependendo do caso. Nesse sentido, havia que se buscar o

27 SIQUEIRA, G, 'liatado de Direito Penal. Rio de janeiro, s.e., 1947, tomo lll, p. 14.
ii GARCIA, B. lnstitaigães de Direito Penal. Rio de janeiro: s.e., 1951, tomo 1, n. 65,
p.208,

105
A construçåo de lógica do direito: crime politico e social

mesmo tempo, a segurança do Estado. Exemplo de crime complexo


vinha a ser o homicidio por motivos políticos de um chefe de Estado
(que era denominado de regicidio), e delito conexo quando ocorria
a destruição de propriedade privada por ocasião de seqüestro com
finalidade política.
Outra caracteristica fundamental relativa ao delito político
moderno foi estabelecida pelo criminalista Pierre Papadatos, que es-
tabeleceu o século XIX como periodo no qual se fundou a inspiração
da incriminação do atentado contra o Estado. 0 século XIX, segun-
do o autor, com sua caracteristica marcante do individualismo liberal
no dominio da politica e do direito, inspirou a concretização das teo-
rias criminológicas em práticas sociais. Foi nesse periodo que o crime
contra o Estado passou a se constituir em atentado contra os
governantes e não mais contra a sociedade, perdendo o caráter odio-
so, para se transformar em delito politico, denominagão esta que im-
plicou na relatividade do caráter anti-social e na pesquisa dos motivos
e dos fins da conduta ilicita do delinqüente politico.”
A doutrina juridica também discutiu a distinção entre crime
politico e crime social. Alguns autores optam pela junção das duas
definiçöes, enquanto outras, pela divergencia, assinalando a necessi-
dade de excluir os anarquistas da categoria de criminosos politicos,
para que estes não tivessem o beneficio da extradigão dispensado aos
criminosos politicos; os anarquistas passariam então ã categoria de
delinqüentes sociais. O jurista espanhol Jimenez de Asúa afirmou
que a aparatosa execugão dos atos anarquistas e a virulencia que, em
certas épocas, adquiriram os atentados perpetrados pelo anarquismo
como propaganda de fato, tiveram como conseqüencia excluir o anar-
quista dos beneficios concedidos ao delinqüente politico.”

3' PAPADATDS, F! Le Deli! Politiqae. s.e., p. 01, Apud FERREIRA, C. 1... Crimes contra a
segurança do Estado. Rio de janeiro: Editora Liberjuris LTDA, s.d., p. 13.
31 ASÚA,_1., op. cit., p. 231.

107
Estado autoritã rio e ideologia policial

O jurista Eusebio Gomez optou pela distinção entre as duas


modalidades de delito, pois, ordinariamente, segundo ele, devia-se ob-
servar a diversidade de seus fins e os objetivos sobre os quais recaissem.
Discutindo o assunto, o estudioso resgata exemplos concretos de como
diferenciar as duas modalidades criminais:

A morte de um rei é delito comum se se comete por vingança privada: é delito


politico se se comete para mudar a forma de governo ou para colocar no trono
o sucessor ou outro príncipe; é delito social se se comete para atacar a socie-
dade em seu centro simbólico, como fazem os anarquistas.”

Nelson Hungria, um dos mais renomados juristas brasileiros,


definiu o delito politico e o delito social como:

Aqueles que, servindo a nobres paixães ou ideais, talvez justos, talvez errene-
os ou falazes, mas sinceramente encalçados, visam melhorar ainda que por
meios violentos ou extra-legais a organização politica social. Sem dúvida não
pode o Estado deixar de reprimi-lo, pois são os que mais de perto atacam a
sua autoridade e existencia e mais intensamente perturbam a paz social. E
força, porém, reconlrecer que, longe de inspirarem o sentimento de revolta ou
repugnância que em geral provocam os crimes comuns, são até o objeto de
acentuada simpatía pública. Deles já se disse que são uma antecipação da
moral futura, São mesmo clramados delitos evolutivos.”

Ao definir o crime politico paralelamente ao crime social, Nelson


l-lungria utilizou-se do argumento de que o delito politico era aquele que
atingia a figura sempre mutável do Estado, que chamamos de ordem
politica, enquanto o delito social era aquele que atingia o regime juridi-
co da propriedade privada da família e do trabalho. O crime politico,

ii' GOMEZ, E. 'listado de Derecho Penal, s.e., s.cl.,Tomo VC, p. 337.


3" HUNGRLA, N. Compendio de direito penal. Rio de janeiro: Editora Livraria Jacinto,
1936. p. 33-4.

IDH
Estado autoritårio e ideologia policial

resses gerais do país, compreendendo, no exterior, a independencia


da nagão, a integridade do seu território e as relaçees de Estado para
Estado; no interior, a forma de governo, a organização dos poderes
públicos, o mecanismo da sua atuação interdependente e recíproca,
e, enfim, todos os direitos políticos do cidadão.”
0 temor contra a segurança do Estado intensificou-se na de-
cada de 30, período marcado pelo governo autoritario de Getúlio
Vargas, simbolizado mais precisamente em lei de 193833 que definia
os crimes de ordem política e ordem social. Contendo uma definição
genérica de ordem política e social, esta lei preocupou-se mais preci-
samente com a aplicação legal ãs infraçñes criminais - o lado prag-
mática que foi explorado em lei, A lei expes quais as infragöes passiveis
de punigão: crimes contra a personalidade internacional do Estado;
a ordem politica - contra a estrutura e a segurança do Estado, e a
ordem social -; direitos e garantias individuais e sua protegão civil e
penal; ao regimento jurídico da propriedade, da fanrilia e do traba-
lho; à organização e ao funcionamento dos servigos públicos e aos
direitos e deveres públicos e individuais.
Porém, logo após o movimento de 1930, instituiu-se uma pri-
meira medida legislativa punindo os atentados contra o governo da
União e dos Estados ou contra a ordem pública, passando esses cri-
mes para a jurisdição militar.” O decreto-lei n. 20.656 estendeu aos
civis envolvidos em atentados, a pena de morte, prevista no Código
penal da armada para os militares.
O decreto-lei de 1931 criou novas figuras delituosas (estig-
mas), reproduzindo tragos na lei de segurança de 1935, que definiu
os crimes contra a ordem política e social, que por extensão e
reproduzida na lei de 1938. Embora nem todos os crimes enumera-

57 MaCI~tA,DO, Raul. Delitos contra a ordem política e social, São Paulo: s.e., 1944.
3” Decreto-lei n. 431, de 18 de maio de 1938,
si Decreto-lei n. 20.656, de 14 de novembro de 1931.

110
Estado autoritario c ideologia policial

2.3. O olhar vigilante do Deops/SP

2.3.1. Os mecanismos de atuação e espeeialização do Deops


A policia política do Estado de São Paulo surgiu oficialmen-
te como delegacia especializada em dezembro de 1924,'" estando
ligada ao Gabinete Geral de lnvestigaçöes, que por sua vez, obede-
cia ao chefe de policia estadual, subordinado ao secretário de justiça
e da segurança pública.
A formação de mais uma força policial - o Deops - refere-se ã
concretização de um modelo público repressiva delineado desde o
inicio do seculo XX, com a militarização da Força Pública do Esta-
do de São Paulo pela Missão Francesa de lnstrução, composta por
oficiais do Exército Frances. Após a finalização desse projeto, a po-
licia voltou-se para a formação ideológica e repressão política siste-
mãtica, já que foi no final dos anos 10 e inicio dos anos 20 que os
movimentos sociais reivindicatúrios tomaram maior impulso na socie-
dade. Em 1928, a regulamentação de seu funcionamento foi efetiva-
da,"2 passando a delegacia a ser subordinada diretamente ao chefe de
policia. Mas, somente em 1930 e que foram delegadas atribuiçees
específicas a Delegacia de Ordem Política e Social (Deops), além
de pertencer novamente ao Gabinete Geral de lnvestigaçöesfi' O
Gabinete de lnvestigaçñes era incumbido de proceder, em todo o
território do Estado, as diligencias para o esclarecimento de fatos

'" Lei n. 2034, de 30 de dezembro de 1924. Reorganiza a Policia do Estado.


*li Decreto n. 4405-A, de 17 de abril de l938. Dã regulamento ãs leis n.s 2034, de 30
de dezembro de 1924; 2172-B, de 28 de dezembro de 1926: e consolida as disposi-
çães vigentes relativas ao serviço policial do Estado e as atribuiçees das respectivas
autoridades.
'li' Decreto n. 4715, de 23 de abril de 1930. Dá regulamento às leis n.s 2034, de 30 de
dezembro de 192412172-B, de 28 de dezembro de 1926: 2210, de 28 de novembre de
l927; 2226-A, de 19 de dezembro de 1927 e 2359, de 24 de dezembro de 1928.

112
A eonstrução da lógica do direito: crime politico e social

criminosos considerados abscuros, que investigação, reali-


zando exames em locais de crimes, armas, objetos, instrumentos,
documentos e de tudo quanto pudesse servir de indicio de prova da
realização do crime, ou de quem pudesse ter sido o autor; estabelecer
a identidade de desconhecidos, cadáveres, criminosos e pessoas que
o requeressem; fiscalizar a moralidade e propriedade de peças tea-
trais e películas cinematográficas; zelar pelos bons costumes, preve-
nir e reprimir a venda de tóxicos e o exercício da prostituição e leucinio;
fiscalizar as diversöes e as bailes públicos; reprimir as contravençóes
de jogo, uso de armas; dar garantia de vida às pessaas que se senti-
rem por qualquer motivo ameaçadas; exercer vigilância nas estaçees
de estrada de ferro, nas fábricas, nos pontos de aglomeração e na-
queles que julgar necessária; reprimir a anarquismo, tomar as provi-
dencias que julgar convenientes para a manutenção da ordem política
e social; capturar os criminosas."4
A Delegacia de Qrdem Política e Social, subordinada aa
Gabinete Geral de lnvestigaçöes, competia a prevenção e repressão
das infraçöes que atentavam contra a existencia da política e da Re-
pública; contra a Canstituição da República; forma de seu governo e
contra a atual arganizaçãa social; contra a segurança interna da Re-
pública; sedição e ajuntamento ilícito; contra a segurança dos meios
de transportes ou comunicação e das sociedades secretas e contra
fraudes eleitorais.” Eram também atribuiçñes da Delegacia o proces-
so de entrada de estrangeiros no território nacional, acompanhado

"" ldem, artigo 70.


'li' Com relaçãa ã lei 1269, de 15 de novembro de 1904, incorriam em crimes eleitorais
aqueles que deixassem de rubricar os boletins da eleição se pertencessem à mesa eleitaral,
fraudassem eleiçöes; usassem documentos falsos no alistamento eleitoral e não compare-
cessem, se convocados, para compar a mesa eleitoral; e do artigo 30 do decreto 4780, de
27 de dezembro de 1923, que regula sobre a materia, estabelccendo penas para os crimes
de peculato, maeda falsa, falsificação de documentos e instalação de aparellros
radiotelegråficos e radiotelefônicos, além de regulamentar a prisão preventiva para as
vagabundos, os que já cumpriram penas e os crimes inafiançáveis.

113
Estado autoritário e ideologia policial

do registro de fiadores e afiançados e de acarda com os modelos


aprovados pelo chefe de policia; a organização das estatísticas operá-
rias pelos métodos mais adequadas; a fiscalização e observação do
trabalho e da movimentaçãa operãria e as decorrentes das leis e de-
cretos em vigor; a prevençãa e repressão ao anarquismo e demais
doutrinas de subversão social.”
Nova alteraçãa do estatuto da Delegacia foi esboçada em 1933."
Criaram-se as Delegacias de Ordem Política, subordinadas ao chefe
de policia; e a Delegacia Especializada de Ordem Social, ligada ao
chefe do Gabinete de Investigaçöes.
Potencialmente falando, esses primeiras apontamentos da le-
gislação enumeram um rol de possiveis criminosos. Os revolucionari-
os, as contestadores, os sindicalistas, os estrangeiros, os operãrios, os
anarquistas e os subversivos. São estes os componentes do mundo da
desordem, pois a discurso oficial os coloca como responsáveis pela
desarrumaçãa da sociedade e pela influencia negativa que produzem
nesta mesma vida social. A utìlização da repressão justifica-se e legi-
tima-se, segundo Georges Balandier, por se tornar um ato médico
cirúrgico aplicado ao corpo social, a repressão passa a ser a condição
para a retorno aa estado saudável; assim se justifica a força física e
outros remédios fortes, como a tortura e a prisãofla

'li Decreto n. 4715, de 23 de abril de 1930. Artigas 92 e 94.


'" Antes de 1933 algumas mudanças já haviam sido tentadas: em 28 de novembro de
1930 houve o desmembramento da Delegadia em duas: a Ordem Politica e a Ordem
Social, decreto esse revagado em 5 de dezembro de 1930. Também em dezembro foram
criadas as Secretarias de Estado dos Negócios da Justiça e a Secretaria de Estado dos
Negócios da Segurança Pública, ao qual o serviça policial ficau atrelada. Nesse mesmo
periodo fora suprimido o cargo de chefe da policia e criada a Superintendencia da Or-
dem Política e Social, pelo artigo 3°, parágrafo 2°, que trazia: "A Superintedência de
Ordem Politica e Social será composta de um chefe e dois delegadas a ele subordinados,
mas de nomeação do secretãrio de segurança pública". Apud: Decreto 4790, de 5 de
dezembro de 1930.

'li B.flr1_A.t~tDIER, Georges. O contorno. Poder e modernidade. Rio de janeiro: Bertrand


Brasil, 1997, p. 25.

114
A construção de lógica do direito: crime politico e social

A partir dos pressupostos da ordem capitalista, os valores sociais


passaram a ser edificados em torno da propriedade privada, do traba-
lho e da segurança pública, preceitos indispensáveis para que o pro-
gresso, a modernização, a felicidade e a civilização assegurassem a
vitória do Estado. Essas bandeiras, apregoadas como meta da or-
dem, entram em choque com as dificuldades de manutenção e cons-
trução dessa mesma ordem que está sendo proposta, Assim, o uso da
violencia policial tornou-se justo e necessário, pois visava a constru-
ção da Nação, tão almejada pelos intelectuais brasileiros da época.”
Fai o temor da subversão social que marcou o discurso político brasi-
leiro prioritariamente no século XX.
Ao contrário da Força Pública, com caráter essencialmente
militar, e da Guarda Civil, cuja função era o policiamento das ruas e
logradouras públicos da capital, fiscalização de veículos e estradas de
rodagem; a Policia Política e Social comportava uma especificidade:
a tipología do criminoso ao qual deveria vigiar já estava dada pela
legislação; cabia ao policial ou investigador a montagem do estereoti-
po de inimigo a ser perseguido. Além disso, a organização funcional
da Delegacia podia ser observada pelas constantes mudanças: em
1938 nova alteração ocorreu, criou-se a Delegacia Especializada de
Frscalização de Entrada, Permanencia e Saida de Estrangeiros, fei-
tas até a presente data, pelo Gabinete de lnvestigaçöes e pela Supe-
rintendencia de Ordem Política e Social, sendo que as Delegacias de
Explosivos e a de Estrangeiros passaram a ser subordinadas à Dele-
gacia Especializada de Órdem Política e Social. Fai ainda criado,
em 1938, o corpo de investigadores da Secretaria da Segurança Pú-
blica, contendo o carpa de inspetores de segurança do Gabinete de
Investigaçöes e da Ordem Política e Social.”

*Q Cabe citar Oliveira Viena, Alberto Torres, Nestor Duarte, Azevedo Amaral, Manoel
Bonfim, Gilberto Freyre, entre outros intelectuais brasileiros.
5'" Decreto n. 9893-A, de 31 de dezembro de 1938.

115
Estado au toritário e ideologia policial

No final do ano de 1938, foi aprovado decreto reorganizan-


do a Delegacia de ordem Política e Social.5 ' Neste decreto, a De-
legacia foi equiparada às Delegacias Auxiliares e dirigida por um
delegado auxiliar. As delegacias especializadas que compunham a
Delegacia de Ordem Política e Social eram quatro: A Ordem Po-
lítica, a Ordem Social, a Delegacia de Explosivos e a Delegacia de
Estrangeiros.
Coube à competencia da Delegacia de Ordem Política proce-
der â prevenção e repressão dos delitos contra a ordem política, assim
entendidos os praticados contra a estrutura e a segurança do Estado;
e à Ordem Social os relativos às garantias individuais e sua protegão
civil e penal; ao regime judiciário da propriedade, da família e do
trabalho, à organização e ao funcionarnento dos serviços públicos e
de utilidade geral; fiscalizar 0 fabrico, irnportagão, exportagão, co-
mércio e emprego de materias explosivas, inflamáveis e produtos quí-
micos em geral; fiscalizar a entrada, permanencia e saída de
estrangeiros; proceder o registro de jornais, revistas e empresas de
publicidade em geral; fazer a fiscalização e inspeção de aeroportos,
estaçöes ferroviarias e rodovias; e identificar e prontuariar os indiví-
duos suspeitos ou acusados por crimes e contravençöes atentatörias à
ordem política ou social.
A divisão de tarefas e especialização pode ser observada pela
subdivisão e criação da Seção de Policiamento e Seção de investiga-
goes na Ordem Política e na Ordem Social e pela criação do Serviço
Reservado de Investigaçöes Político›Social, que estava diretamente
subordinado ao delegado auxiliar, chefe da Delegacia de Ordem
Política e Social, que era auxiliado por um encarregado e por um
corpo de investigadores reservados.

¿Hi l I l_'.í _.- '

5' Decreto n. 9393-B, de 31 de dezembro de 1933, Reorganiza a. Delegacia de ordem


Política e Social e aprova o respectivo regulamento e dá outras providencias.

116
Estado autoritårio e ideologia polieial

o prejuízo da ciiação de outros que se tornassem necessários. Alem


disso, seu funcionamento ficou atrelado a instruçöes internas, baixa-
das pelo superintendente. O Servigo Secreto teve, segundo o decre-
to, além dos chefes de setores, um corpo de investigadores reservados,
de livre escolha do superintendente.”
A preocupação com crimes econômicos, segundo o Decreto n.
369, de IB de novembro de 1938, fez com que à Delegacia de Orga-
nização Política e Social fosse acrescentado o setor de lnquéritos re-
lativos à Ordem Econômioa. Faziam parte dos crimes sobre a ordem
econòmica: provocar altas de preços sem motivo; destruir ou inutili-
zar produtos; abandonar lavouras ou plantaçöes; vender mercadoria
abaixo do preço para desestabilizar a concorrência; gerir fraudulen-
tamente bancos, sociedades e caixas de pecúlio; fraudar escrituração,
lançamento e relatórios. As penas para esses crimes variavarn de dois
a dez anos em prisão celular, além de multa de l0:000$000 a
50:O00$0OO.
Havia ainda a categoria de crimes mais leves, dentre eles: trans-
gredir tabelas oficiais; violar contrato de venda e prestagão; fraudar
sorteios; fraudar pesos e medidas, que eram punidas com prisão celu-
lar de seis meses a dois anos e multa de 2:000$Ú00 a l0:000$000.
Cobrarjuros superiores à taxa permitida por lei também era conside-
rado criine. Ús crimes eram inafiançáveis e eram processados pelo
Tribunal de Seguranga Nacional, não havendo suspensão da pena,
nem livramento condicional.”
Exemplos de crimes econñmicos denunciados são a acusação
contra Benjamin Lafer, que foi indiciado por retirar os múveis vendi-
dos aos comprador josé Gonçalves Dias, após atraso do pagamento,
ou então a apreensão de pães feita pela Delegacia de Ordem Econô-

5* Decreto n. I 1782, de 30 de dezembro de l940. Aprova o Regularnento da Superin-


tendência de Segurança Fblítica e Social do Estado de São Paulo.
55 Decreto-lei ri. 869, de IB de novembre de 1933. Define os crimes contra a economia
popular, sua guarda e seu emprego.

113
A oonstruçåo da luigi-ea do direito: crime político e social

mica na Padaria Fidalga, por estar o proprietário da mesma venden-


do-os a preços menores que o mercado.”
Ao estereotipo de subversivo, o regime Vargas acresceu a cate-
gorìa de criminoso economico: aquele que engana a boa fé do povo e
pratica o roubo contra o Estado ou seus semelhantes. E. a persegui-
ção ao individuo que tem lucro fácil - mais do que nunca a categoria
trabalho honesto é valorizada.
 Delegacia de Ordem Política e Social, segundo os decretos
de 1940, competia, de forma geral: prevenir e reprimir os delitos
ligados à ordem política e social; proceder contra os crimes de ordem
econòmica; fazer o registro e fiscalização de hotéis, pensöes e seme-
lhantes; aplicar multas aos contraventores; fornecer, mediante reque-
rimento, atestados de antecedentes pol ítico-sociais; despachar os
pedidos de autorização para realização de assembléias em sindicatos
e sociedades; examinar, para remessa à justiga, os inquéritos referen-
tes å ordem política, ordem social c ordem económica; proceder à
fiscalização permanente de aeroportos, estaçöes ferroviarias e rodovi-
as; organizar escalas especiais para o policiamento de reuniñes, comí-
cios e manifestaçöes autorizadas; entre outras. '
Äs seçñes de policiamento da Ordem Política e da Úrdem
Social, competia: policiar os pontos de embarque e desembarque de
aeroportos, ferrovias e rodovias; proceder a todo e qualquer policia-
mento, apresentando, ao final, relatório circunstanciado; informar re-
querimentos sobre reuniöes públicas de natureza política ou social._Iá
as seçöes de investigaçöes, procediam investigaçoes sobre pessoas ou
lugares suspeitos, em que se apresentava qualquer alteragão ou aten-
tado contra a ordem política ou social; além de organizar, orientar e
fiscalizar a documentação dos serviços executados.

5* Prontuário n. 799, Benjamin Lafer e Prontuário n. 3| 73, Padaria Fidalga.

119
Estado autoritario e ideologia policial

Em I'-345, o Servico Secreto passou a ser uma dependencia


direta da Delegacia de Ordem Política e Social,57 e a Delegacia era
composta pelos seguintes departamentos: Ordem Política, Ordem
Social, Qrdem Economica, Estrangeiros e Explosivos.”
O policiamento aperfeigoa-se no sentido da vigilância cotidia-
na. Todos os cidadãos eram suspeitos em potencial, desde que fre-
qüentassem espaços públicos considerados suspeitos pela policia: as
estaçöes ferroviarias, rodoviárias, reuniöes autorizadas e se compor-
tassem de maneira suspeita. Não podemos nos esquecer que no final
da década de l930 praticamente todos os opositores políticos de
Vargas estavam presos, encarcerados ou fora do país, ei-tilados. A
construgão do inimigo político fragiliza-se a tal ponto que a polícia
política abre novos campos de atuação: envereda pela perseguição
aos inimigos econömicos e prioritariamente aos estrangeiros residen-
tes - que passam a representar um perigo ainda maior em decorren-
cia da Segunda Guerra Mundial, principalmente os japoneses,
italianos e alemães, que ficaram inclusive proibidos de circular publi-
camente sem salvo-conduta.”

2.3.2. O gerenciamento das prisoes pela políeia pofitiea


A mengão ao sistema penitenciario segundo a legislação que
mantinha em funcionamento a Delegacia de Ordem Política e Soci-
al, foi feita pela primeira vez na Lei de 30 de dezembro de l924, que
estipulou as práticas de aprisionamento: haveria apenas carcereiros
nas cadeias de segunda, terceira, quarta e quinta classes, correspon-
I

57 Decreto-lei n. I4-322, de 2 de julho de I 945. lntroduz modificaçñes na organização da


Delegacia de Ordem Política e Social.
5” Decreto-lei n. H354, de 9 de julho de I945. Dispöe sobre a classificação das delega-
cias de policia.
59 CARNEIFLD, M. l.... T. (org). .fnvenldirio D-tops. Alemanba, São Paulo: Arquivo do
Estado, l997.

1211)
A eonstrução da logica do direito: crime político e social

dendo a regiöes do Estado de São Paulo. Nas demais delegacias, a


fungão do carcereiro deveria ser efetuada por um praga do destaca-
mento que aí servisse, mediante a solicitação do delegadofio'
Em l927, foi criada a Repartigão Central de Policia do Es-
tado que, entre outras instãncias de mando, deveria gerenciar as
cadeias públicas do Estado, enquanto a penitenciaria, os Institutos
Disciplinares e o Instituto Correcional ficariam sob a jurisdição di-
reta do Secretario de Estado dos Negócios da Justiça e Segurança
Públicaf'
Cabia aos delegados de policia inspecionar freqüentemente as
cadeias e casas de prisão; fiscalizar o asseio e a higiene dos recintos
carcerários; não permitir que fosse recolhido à prisão preso algum
sem sua ordem; verificar se a alimentação fornecida aos presos era de
boa qualidade, sadia, e se a quantidade estava de acordo com a tabe-
la de fornecimento; era-lhe proibido consentir que fosse recolhido a
cadeia qualquer preso, sem que contasse do registro das prisöes e do
respectivo registro da delegacia; além da proibição de espancarnentos
e maltratos aos presos.
A instalação da prisão poderia ser feita em prédio ou casa
alugada, não havendo predio próprio do Estado para o seu funciona-
mento. A inspeção geral estava a cargo das autoridades policiais -
dos respectivos delegados -, porém, mensalmente, o promotor públi-
co era obrigado a fazer também uma inspeção, acompanhado do de-
legado; e dessa inspeção seria lavrado um termo, assinado por ambos.

A autoridade encarregada da inspecção ás cadeias deveria visital-as no prin-


cipio de cada mez e examinar si os presos estão bem classificados, si recebem
bom alimento; si tem nota de culpa; si soffrem violencias ou injustiças da
parte do carcereiro, ouvindo a todos; si as prisöes se conservam no devido

'ic' Lei n. 2034, de 30 de dezembro de I924.


5' Lei n. 2226-A, de l9 de dezembro de l927.

121
A eonstrugão da Iúgìea do direito: crime político e social

dante das Guardas competia: distribuir o serviço pelos praças e esta-


belecer as sentinelas externas que julgasse suficientes para a guarda
das prisães; aplicar a força contra qualquer violencia externa feita às
prisöes; aplicar a força contra os presos amotinados dentro das pri-
sñes ou porque estivessem praticando crimes ou ameaçassem praticá-
los ou estivessem desobedecendo ao carcereiro ou atacando-o a fim
de tomar as chaves da prisão.°"
Sobre a alimentação dos presos, o Estado forneceria aos pre-
sos pobres almoço e jantar, parcos, porém saudáveis. 0 almoço seria
servido às 9 horas e o jantar às l5 horas. Para que o carcereiro pu-
desse incluir um preso como pobre em sua lista, era necessário que
tivesse recebido ordem por escrito do inspetor das prisoes. Os presos
mantidos ã própria custa receberiam os alimentos vindos de fora, às
mesmas horas, os quais seriain entregues aos presos, porém, exami-
nados antes pelo carcereirofi'
Em todas as cadeias deveria existir um local reservado para
servir de enfermaria, ou então uma prisão com tal finalidade. Quan-
do da existencia de algum preso doente, a autoridade responsável
deveria remove-lo para a prisão-enfermaria e, se o preso fosse pobre,
seria assistido por médico que não cobraria önus e seria providencia-
do que não lhe faltasse remedios e dietas determinadas pelo facultati-
vo. Dentre os presos, o carcereiro escolheria um ou dois que servissem
de enfermeiros, vigiando para que fossem cumpridas as determina-
çöes da autoridade médica. já os presos que sofressem de molestia
contagiosa ou "repugnante", cuja permanencia fosse nociva aos de-
mais, seriam transferidos para um hospital. E, logo que desapareces-
se a doença, o preso regressaria para a prisão em que se acbavafiú

'i"' Decreto n. 4405-A, de l7 de abril de l923. Artigas 227 a 345.


'55 Ibidem. Artigas 346 a 352.
°° lbidem. Artigos 365 a 379.

123
Estado autoritario e ideologia policial

Aos presos pobres o Estado também fomeceria o vestuário


necessário, constante das seguintes pegas: uma japona, dois paletós
de algodão, duas calças de algodão, duas camisas, um cobertor e
uma esteira, anualmente.”
` No ato da libertação, o preso deveria pagar o selo de
carceragem, que seria afixado no alvarã de soltura pela autoridade ou
pelo escrivão. 0 preso que não tivesse meios para o pagamento, fica-
ria detido por mais dois dias.”
A prisão preventiva - instrumento muito utilizado pelo apare-
lho policial - em seu regulamento dizia que os individuos recolhidos à
cadeia, em virtude de prisão preventiva, enquanto não fossem pronun-
ciados, deveriarn ser conservados, sempre que fosse possível, em lugar
separado, sem comunicação com os pronunciados e condenados.”
Em 1930, a Diretoria da Repartição Central de Policia foi
subdividida em tres secgöes, cabendo à segunda secção tudo o que
fosse relativo às detençíies, prisees e a perpetração do delito; extradi-
gão, capturas e transporte de criminosos e ao movimento de condena-
dos ã expulsão ou deportação. Dentre as delegacias especializadas,
coube à Delegacia de Vigilancia Geral e Capturas os boletins do
movimento diãrio das prisñes havidas na capital e no interior do Es-
tado; providenciar para que se tornassem efetivas as sentengas de
deportação e as portarias de expulsão de estrangeiros; além de apre-
sentar mensalmente uma relagão de criminosos foragidos, com todas
as indicagöes indispensãveis à captura, a qual seria distribuida às
autoridades policiais.”
O individuo detido deveria ser remetido para o Servico de
ldentificação, onde seria fotografado de frente e perfil, além de ter

'Í HHH'

H lbidem. Artigos 380 e 3Bl.


“B Decreto n. 4405-A, de I? de abril de IQZB. Artigos 352 a 384.
'59 lbidem. Artigo 460.
7° Decreto n. 4715, de 23 de abril de 1930.

121-1
A. eonstruç-ño da legion do direito: crime polítieo e social

suas impressües datiloscópicas registradas. Aos presos que se recu-


sassem submeter-se ao processo de identificação, seriam aplicadas as
mesmas penas disciplinares cabi've_is aos insubordinados da cadeia,"

FUNCIONAMIENTO DA REPART1çAo
CENTRAL DE POLÍCIA E DEPENDÉNCIAS _. 1930
Secretario de Estado dos Negócios
da justiga e Segurança Pública

iz i \.
Delegados das Delegados de Policia chefe de Policia

Cadeias Públicas (Repartição Central de Policia)

if
(2a segão)
Se incumbe do que for Chefe do Gabinete de Investipçñes
relativo às: J,
- detençees, prisúes e a '
perpetração de delito; Delegados Especializados
-› extradigão, capturas e
transporte de criminosos; . - Segurança pessoal
- do movimento de con- - Ordem Política e Social
denados a expulsão ou _ - Vigilãncia em Geral e Capturas
deportação. - Furtos
- Roubos -

- Falsificação em Geral
- Costumes e Jogos

5" lbidem. Artigos l56 a l70. Chamou-nos atenção o artigo l65, que trazia o seguinte
texto: “Não serão sujeitos a identifìcação criminal os individuos que forem presos pelos

125
Estado autoritiir-io e ideologia policial

Com o desmembramento, em 5 de dezembro de l930, da Se-


cretaria de Estado dos Negócios da justiça e Segurança Pública em
justiça e Segurança Pública, o regime penitenciario ficou a cargo da
Secretaria de Justiça (penitenciãrias, institutos correcionais e disci-
plinares). A Secretaria de Segurança Pública coube o serviço polici-
al e as cadeias públicas.” As prisöes passaram, desse modo, a serem
gerenciadas pela Delegacia de Ordem Política e Social, subordinada
ao gabinete do delegado auxiliar, chefe do Dops, e subordinado à
Secretaria de Segurança Pública.
O regulamento sobre as piisöes estabelecia que:
l, As prisöes ficariarn subordinadas, diretamente, ao gabinete
do delegado auxiliar.
2. Era de incumbencia do guarda das prisñes:
- receber e dar destino aos presos, mediante ordem escrita;
- zelar pela disciplina, higiene e asseio das prisöes;
- arrolar os objetos e valores pertencentes ao preso;
- manter escrituração nos livros e registros necessários;
- não libertar, nem entregar preso sem autorização por escrito;
- comunicar ao delegado toda irregularidade que l1ouver.73
Em l940, com a criação da Superintendencia de Segurança
Política e Social, as prisoes saíram da jurisdição da delegacia auxili-
ar e passaram para a subordinação direta do superintendente. Em
1944, com a extinção da Superintendencia de Segurança Política e

seguintes motivos: a) detenção pessoal e prisão administrativa; bl crimes políticos; c)


contravençöes, menos as de uso de nome suposto, jogo, embriaguez, mendicância, vadia-
gem e desordem". Segundo verificatnos na documentação produzida pelo Deops, os cri-
minosos políticos eram ficbados e identificados pelo órgão.

H Decreto n. 4739, de 5 de dezembro de l930.


” Decreto n. 9893, de 3! de dezembro de |938. Artigas 49 a 51.

126
11 eottstruçño da lógica do direito: eritne político e so-cial

Social, o gerenciamento das prisöes voltam para a Delegacia de Or-


dern Política e Social.”

FUNCIONAMENTO DA REPARTIçÁ0
GERAL DE POLÍCIA -1940 N
Repartição Geral de Policia

¢
Superintendencia da Segurança Política e Social

-f
Gabinete do Superintendente
i
Delegacia Especializada de Ordem
J, \_¿ Politics s sosa.
Serviço Secreto Presídios

Arquivo Geral Delegacia Especializada de


J' Explosivos, armas e muniçñes.

S ` d lcl 'fi '


emçü E Elm caçao Delegacia Especializada de
~ Estrangeiros,

O olhar vigilante da Pol ícia Política constituiu-se, como pude-


mos observar, a partir de um universo cuja preocupação por parte da
legislação era atuar no sentido de moldar um inimigo objetivo a ser
estigmatizado e perseguido como tal. Essa objetividade na constru-
ção do inimigo em potencial contra o Estado e as instituigöes culmi-
nou com a edilicagão da imagem do subversivo brasileiro. O subversivo
por excelencia era associado à classe popular, proletário, de prefe-

F* " Ter sob sua direta fiscalização as prisöes, as garages e o centro telefónico, fiscalizando
os seus serviços e baixando instruçöes para a boa marcha dos mesmas”, Decreto n. I 1782,
de 30 de dezembro de I94-0. A1-tigo 7", letra l.

127
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Este livro nos instiga a avaliar o papel de Policia nos
meandros de historia politica brasileira e a repensarmos
as diretrizes eonetitucionais ligadas ao conceito de
Seguranç-a Pública. Ao analisar e formeção do aparato
repressiva, a autora recupera os conceitos de ordem e
desordem como elementos importantes para com-
preenderrnos a prática da violència ao longo do século XX.
Anaiisa a idéia de crime politico e de crime social.
construidos historiearnente no ercabouço ideológico dos
govarnos brasileiros abalados pelas ameaças possiveis de
desordem. Cada momento historico passa. assim, a ser
interpretado dentro de um quadro especifico de teneñes.
no qual a Policia e o Sistema Penitenciario comoortam um
papel preponderante em relação ao ordenamento social
que, neste inicio de milenio, deve ser repensado para o
bem da cidadania e dos direitos individuais.

Hilfl HS-UHÍHI-T5-3

UTHHSUH 29275*

Materia! com clirerioe autoraie

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