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histórica
parece ter como corolário que cada uma destas suas partes tem a seu cargo os
corpo e do espaço. Esta regra geral, se bem que um tanto esquemática e redutora (hoje
potencial cerebral, utiliza o seu cérebro de uma forma particular. Assim, enquanto
alguns se apoiariam mais nas capacidades do seu hemisfério esquerdo, parecendo dar
imaginação1.
coloca uma multiplicidade de questões quanto aos seus caracteres, à sua origem, ao seu
e fazer, com razão, do conceito de dominância cerebral um ramo de parte inteira das
Se bem que o homem pareça ter-se apaixonado desde a mais remota Antiguidade e
ao longo de toda a sua história pela questão das diferenças entre lado direito e lado
esquerdo, só em 1865 surgiu aquela que parece ter sido a primeira demonstração
científica duma desigualdade de função entre os dois hemisférios cerebrais. Com efeito,
linguagem articulada" estava ligada a uma lesão situada no hemisfério esquerdo, mais
conhecida por "área de Broca"), sugerindo uma ligação entre uma função cerebral, a
linguagem falada, e uma parte específica do cérebro, o seu hemisfério esquerdo. Mais
tarde, no ano de 1876, Karl Wernicke descobriu que a lesão de uma parte diferente do
mais ao nível da compreensão do que da expressão. Essa área, hoje conhecida por "área
"arcuate fasciculus"5.
parece ter sido "descoberta" algumas décadas antes (1834-1835) por Mark Dax, um
apresentavam uma associação entre a afasia e a paralisia dos seus membros direitos 6.
Aliás, de acordo com alguns relatos de Benton7, é provável que observações idênticas
tenham sido feitas muito antes, havendo referências muito antigas à concordância da
paralisia dos membros direitos com os defeitos da linguagem, observação que qualquer
existem doentes com lesões cerebrais, não deixa de constatar. Broca, porém, tinha um
contribuição consistiu em dizer que esses órgão não se distribuíam simetricamente pelos
cérebro. Na sequência dos trabalhos de Broca, entretanto, surge mais tarde, em 1864,
lesões cerebrais do hemisfério esquerdo ao mesmo tempo que, por volta de 1870,
Liepman confirmava que uma lesão nessas mesmas áreas cerebrais produzia ataxia, isto
a partir daí, muitas foram as sugestões de que, tal como a linguagem era própria do
por isso mesmo, o hemisfério esquerdo, detentor de uma capacidade que o direito não
tinha, se tornava o "hemisfério dominante". Broca sugeria mesmo que podia existir uma
ligação entre esta descoberta e o facto de se ser dextro ou canhoto, sugestão que, apesar
de simplista e bastante afastada daquilo que hoje se sabe sobre esta realidade, levou ao
aparecimento de preconceitos e atitudes de discriminação dos canhotos que perduram
A "preferência" manual, isto é, o facto de se utilizar uma das mãos mais do que a
motricidade fina da mão direita, constitui para a maior parte da população o hemisfério
simples para avaliar, na prática diária, este aspecto da lateralização funcional e cujos
seja o seu meio cultural (embora apenas 70% da população pareça ser de "dextros
puros", ou seja, que efectuam todos os actos exclusivamente com a mão direita), tendo
estudos realizados já nos anos 60 com o teste de Wada 12, ou "Intracarotid Sodium
Amobarbital Procedure (ISAP)", técnica inventada em 1949 pelo físico Juhn Wada e que
permite anular momentaneamente a função de uma determinado região cerebral quando
se injecta directamente na artéria que a irriga uma solução de amital sódico13, parece que
possui as suas próprias características que parecem resultar, mais do que de regras
diferentes das do dextro, da ausência dos mecanismos presentes neste último 14. Estes
linguagem na enorme maioria dos dextros mas também o é em mais de metade dos
canhotos e ambidextros16. Como diz Caldas, pode, por isso, dizer-se que "lateralidade
associam com grande frequência mas cuja associação não constitui uma relação
geneticamente determinadas"17
de natureza diferente para os canhotos. Por estranho que pareça, no entanto, só cerca de
um século depois de ter sido descrita esta assimetria funcional dos dois hemisférios
cerebrais é que surgiram os primeiros relatos sobre as suas diferenças anatómicas, como
veremos a seguir.
trazer mais suportes para a ideia de um "hemisfério dominante". Alguns desses suportes
teóricos vieram dos estudos realizados com pacientes que sofreram lesões cerebrais,
enquanto outros provinham do estudo de sujeitos com graves crises de epilepsia que
eram tratados com a remoção lesional de pequenas parcelas de massa cerebral na região
atingida, como foi o caso dos vários estudos desenvolvidos por Penfield e colegas nos
anos 5018.
esquerdo de sujeitos dextros resultam em afasia para 60% dos casos comparados com
pacientes contra 24% dos lesionados no hemisfério direito. Estes dados acabaram por
(entoação, pausas, etc.) quer semântica quer emocional (cariz emocional da linguagem
particular as que dizem respeito à percepção das relações espaciais entre os objectos
outra situação bem conhecida e que consiste na incapacidade de um paciente com lesão
heminegligência esquerda (neglect), fazendo com que apenas seja tida em conta a parte
direita do seu campo visual e/ou do seu próprio espaço corporal, dificuldade que se
(hemiassomatognosia).
espacial ou topográfica. Por outro lado, ainda, é hoje reconhecido por todos que a lesão
do hemisfério direito cerebral provoca com muita frequência uma perturbação profunda
muito característica19.
para o outro. O estudo nesses pacientes parecem também mostrar que cada hemisfério é
Entre os investigadores que utilizaram este tipo de estudos destaca-se, sem dúvida,
Roger Sperry21 que, em meados da década de 1960, iniciou uma série de estudos em
animais com "cérebro dividido" e depois os alargou ao estudo com humanos, trabalho
humano24. Por outro lado, tudo indica que a primeira intervenção cirúrgica de
seccionamento do corpo caloso para separação cirúrgica dos dois hemisférios cerebrais
se realizou em 1940 por intermédio de William VanWagenen. Além destes, por sua vez,
tratamento de epilepsias graves parecia apontar para a utilidade deste tipo de patologias
enquanto o sujeito fixa um ponto central, um estímulo (por exemplo uma palavra) é
rapidamente mostrado durante apenas 0,1s para eliminar alterações do campo visual
acabam por concluir que cada hemisfério desligado se comportava como se não
suas próprias palavras25, "cada metade cerebral parecia ter o seu próprio domínio
foi depois continuado e aprofundado por autores como Michael Gazzaniga (seu
alguma maneira.
curto artigo publicado em 1968 com o seu colega Levitsky 26, reactualizou a questão das
assimetrias cerebrais e lançou ao mesmo tempo as bases de toda uma corrente científica
estes autores estudaram a superfície triangular situada atrás da área auditiva primária, o
planum temporale, e mostraram que esta era nitidamente mais desenvolvida do lado
esquerdo em 65% dos cérebros. Nos outros casos, por sua vez, esta estrutura
Sublinhando que esta área cortical se integra na chamada área de Wernicke, que tem um
esquerdo), Geschwind sugeria que talvez esta assimetria seja o suporte morfológico da
um século antes).
Em termos globais, uma análise dos processos cognitivos parece assim indicar que
tempo, mesmo nas tarefas simples múltiplas áreas do córtex são activadas em
simultâneo.
talvez concluir, para já, que não há um hemisfério "dominante" e outro inferior ou
realização de tarefas desde as mais simples actividades reflexas até aos mais elaborados
Celso Oliveira
1
Chalvin, M. J.(1995). Los dos cerebros en el aula: conocer la dominancia cerebral para mejorar la educación. Madrid:
TEA Ediciones
2
Habib, M. (2000). Bases neurológicas dos comportamentos. Lisboa: CLIMEPSI Editores.
3
Caldas, A.C. (2000). A herança de Franz Joseph Gall: o cérebro ao serviço do comportamento humano. Lisboa: McGraw
Hill
4
Geschwind, N. e Levisky, W. (1968). Left-right asymetry in temporal speech region. Science, 161, 186-187; ver também,
Geschwind, ;. E Galaburda, A.M. (1984). Cerebral dominance. The biological foundations. Cambridge, MS: Harvard
University Press.
5
Ver http://faculty.washington.edu/chudler/lang.html
6
Para além das referências já citadas de Caldas (2000) e Habib (2000), ver também o artigo "Lateralidade, Percepção e
Cognição" na Revista Cérebro e Mente n.º 15 http://www.epub.org.br/cm/n15/mente/lateralidade.html
7
Citado em Caldas, 2000, op. cit., p. 142
8
Ver, na Revista Cérebro e Mente n.º 1, o artigo "Frenologia: a História da localização cerebral"
(http://www.epub.org.br/cm/n01/frenolog/frenologia_port.htm)
9
Note-se, por exemplo, que a palavra "esquerda" se traduz na língua Italiana por "sinistra". A ideia de "sinistro", "obscuro"
ou mesmo "demoníaco" (como se observa em expressões populares como "cruzes, canhoto", sempre que se pretende
esconjurar algum pressentimento ou sugestão de eventual ocorrência demoníaca ou sobrenatural), está ainda hoje muito
arreigada ao conceito de "canhotismo", embora em termos científicos isto já não seja aceitável.
10
Oldfield, R.C. (1971). The assessment and analysis of handedness: the Edinburgh inventory. Neuropsychologia. 9, 97-113.
Ver também os sites http://psych.colorado.edu/~tclab/Edinburgh Handedness.htm e
http://jackie.freeshell.org/woh/test_hand.htm
11
Habib, 2000, op. cit, pp.270-271
12
Ver descrição sucinta em http://www-personal.umich.edu/~gusb/wadadesc.html ou em
http://www.epilepsy.com/epilepsy/wada_test.html
13
van Emde Boas, W. (1999). Juhn A. Wada and the sodium amytal test in the first (and last?) 50 years. Journal of the
History of the Neurosciences, 8 (3), 286-292
14
Habib, 2000, op. Cit. , pp. 270-271
15
Matthews, P. M., Adcock, J., Chen, Y., Fu, S., Devlin, J. T., Rushworth, M. F., et al. (2003). Towards understanding
language organisation in the brain using fMRI. Hum Brain Mapp, 18(3), 239-247
16
Caldas, 2000, op. Cit., p. 143. Ver também Kandel et al (1997). Fundamentos da Neurociêncoa e do Comportamento (pp
287 e segs). Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil
17
Caldas, 2000, op.cit, p. 143
18
Ver http://www.pbs.org/wgbh/aso/databank/entries/bhpenf.html
19
Habib, 2000, op.cit, p.272
20
Para informações mais precisas, consultar
http://www.macalester.edu/~psych/whathap/UBNRP/Split_Brain/Split_Brain_Consciousness.html
21
Para mais informação, consultar os sites http://www.rogersperry.info/ ;
http://www.macalester.edu/~psych/whathap/UBNRP/Split_Brain/Pioneers.html; http://www.indiana.edu/~pietsch/split-
brain.html ; http://www.rogersperry.info/links.html ;
22
http://www.nobel.se/medicine/laureates/1981/sperry-lecture.html
23
Consultar http://chat.carleton.ca/~mdbeazer/website/History.htm
24
Zangwill, O. L. (1974). Consciousness and the cerebral hemispheres. In, S. J. Dimond e J. G. Beunont (eds). Hemisphere
Function in the Human Brain. New York: Halsted Press, Wiley, pp. 264-278
25
Sperry, R. (1982). Some effects of disconnecting the cerebral hemispheres. Science, 217, 1223-1226
26
Geschwind e Levitsky, 1968, op. cit.
27
Habbib, 2000, op. cit., p. 279
28
Kandel et al, 1997, op. cit., p. 291