Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
| Blog Junho
Nas redes
Blog Junho
Curtir Página 9,4 mil cur
Blog Junho
na segunda
deveria ignorar a necessidade de uma rigorosa conceitualização, nem a vasta bibliografia existente Venha comemorar o aniversário da revista
Outubro!
sobre o tema. Já no século XVII Gabriel Naudè definia o coup d’état como “aquelas ações
Bate-papo "20 anos de resistência cultural
arrojadas e extraordinárias que os príncipes são forçados a tomar em situações difíceis e neoliberalismo... fb.me/7NN5JKjVa
desesperadas, contrariamente à lei comum, sem manter qualquer forma de ordem ou justiça,
12 de mar d
colocando de lado o interesse particular em benefício do bem público” (NAUDÈ, 1679, p. 110).
Incorporar Ver n
Em Naudè o coup d’état se confunde com a própria raison d’état. Em sua exposição considerava,
por exemplo, que a perseguição aos huguenotes na noite de São Bartolomeu decretada pelo rei
Carlos IX havia sido um golpe de estado, assim como o assassinato do duque de Guise por
Selecione por colaborado
Henrique III e a proibição pelo imperador Tibério de que sua cunhada se casasse novamente e
tivesse filhos que disputassem o trono. O livro de Naudè já oferece uma pista para uma definição de
golpe de estado: um conceito eficaz de golpe de estado deve levar em conta seu sujeito e os meios Selecione
A inspiração de Naudè era fortemente maquiaveliana. Sua obra não tinha por objeto apenas a Últimos artigos
conquista do poder. Ela trata, também, das condições necessárias para sua manutenção. Assim
como o secretario florentino, Naudè ainda não fazia aquela distinção propriamente moderna entre o Um feminismo para os 99%: as mu
príncipe e o Estado. Dai que o coup d’état fosse sempre retratado como uma conspiração palaciana entrarão em greve em 2018
e seu protagonista fosse sempre o soberano. Tratava-se de uma era de transição. Escrevendo O feminejo feminista de Marília Me
contemporaneamente a Naudè, Thomas Hobbes insistiria nessa identificação entre o soberano e a
sociedade política, mas em autores imediatamente posteriores, como John Locke o governante e o Como os Bolcheviques vencera
Estado já aparecem como duas entidades separadas.
O papel da Fundação Roberto Mari
busca do consenso capitalista
A ideia de coup d’état foi usada com parcimônia pela literatura do séculos seguintes. A
A comuna de Baku
generalização na publicística da época da ideia de coup d’état ocorreu na França apenas durante o
século XIX. A historiografia desse século tendeu a interpretar a derrubada do Diretório e a
instituição do Consulado por Napoleão Bonaparte, no 18 brumário do ano VIII como um golpe de
estado. Depois, em alguns panfletos como naqueles de Jules Failly (1830), Jean-Baptiste Mesnard e Temas
Santo-Domingo (1830), os eventos que culminaram com a ascensão de Louis Philippe ao poder, em
Arte e Cultura
http://blogjunho.com.br/o-que-e-um-golpe-de-estado/ 1/6
14/03/2018 O que é um golpe de estado? | Blog Junho
1830 foram pensados como um coup d’état. Mas foi depois do golpe de Luís Bonaparte, em 1851, Economia
Home Busque por temas Sobre o Blog Colaboradores Artistas Con
que a literatura referente ao tema se difundiu. Karl Marx, com seu 18 brumário de Luís Bonaparte
é o mais conhecido, mas a literatura existente sobre o golpe promovido pelo sobrinho de Napoleão História
é muito mais vasta. O próprio Marx lembra a respeito dois livros notáveis, um de Pierre-Joseph
LGBTs
Proudhon (1852) e outro de Victor Hugo (1852).
Meio Ambiente
Uma mudança conceitual importante ocorreu no século XIX. O uso da ideia de coup d’état na Movimentos Sociais
literatura política a partir do século XIX não tem por sujeito exclusivamente o soberano e os golpes
retratados não têm seu lugar apenas nos palácios imperiais. A elevação de Napoleão à condição de Mulheres
primeiro-cônsul, por exemplo, foi tramada no interior do Conseil des Anciens e do Conseil des Negros(as)
Cinq-Cents e foi decidida com a intervenção do exército. E seu sobrinho não teria conseguido
realizar seus propósitos sem a mobilização do exército comandado pelo general Jacques Leroy de Política
Saint Arnaud. Marx descreve os episódios que levaram à entronização de Luis Bonaparte como
Questões internacionais
uma série de golpes e contragolpes. A lei que a Assembleia preparava definindo as
responsabilidades do presidente da República foi descrita, por exemplo, como um golpe contra Socialismo
Bonaparte (MARX, 2011 [1852], p. 51). Também eram denominadas de “coup d’état da burguesia”
Teoria
a lei eleitoral de 31 de março de 1850, a qual restringia a participação popular, e a lei de imprensa,
que proscreveu os jornais revolucionários (MARX, 2011 [1852], p. 86). Trabalho
A literatura do século XIX sobre o golpe de estado distingue-se do modelo apresentado por Naudè.
Naquelas obras que tem por objeto o golpe de Luís Bonaparte, evidentemente o sujeito da ação
ainda é o soberano. Mas as condições nas quais o golpe se efetivou foram mais complexas do que
aquelas existentes nas conspirações palacianas e o número de atores envolvidos era maior. A trama
que resulta no coup d’état era, assim, mais intrincada e envolvia atores que estavam fora do
palácio, em especial aqueles que se encontravam na Assembleia Nacional e sem os quais o golpe
não teria sido possível.
Militares e burocratas
Uma pesquisa com o aplicativo Ngram Viewer do Google Books permite vislumbrar a evolução do
uso da expressão coup d‘etat. O aplicativo busca e quantifica palavras ou expressões indicando a
fração percentual delas no total do corpus de livros. Não é um mecanismo muito preciso porque o
corpus apresenta lacunas. Quando feita a pesquisa em livros em francês, por exemplo, a expressão
não aparece nenhuma vez entre 1850 e 1876, quando uma simples busca de livros por título na
Biblioteca Nacional Francesa já indica mais de 150 obras com a expressão. Mas quando se faz a
busca no corpus em inglês o resultado é muito interessante, como se pode ver no gráfico abaixo:
A partir da Primeira Guerra Mundial há um uso cada vez mais intenso da expressão coup d’etat na
bibliografia em inglês. Com a exceção de um declínio durante a Segunda Guerra Mundial e nos
anos imediatamente posteriores o crescimento é contínuo até 1969, seguindo-se por uma acentuado
queda nos anos posteriores. Essa queda é simétrica aquela que a expressão dictactorship (ditadura)
apresenta nos mesmos anos e coincidiria de certa maneira com aquilo que Samuel Huntington
(1991) chamou de terceira onda de democratização, a qual teria ocorrido a partir de 1974.
Além de acompanhar o uso da expressão é importante compreender os sentidos que ela passou a
assumir no século XX. Na obra clássica do escritor Curzio Malaparte, Technique du coup d’état
(1981 [1931]), também ela inspirada em Machiavelli, o golpe de estado é o próprio ato de conquista
do poder político. Malaparte generaliza o conceito, concebendo o golpe de estado como um
momento da revolução e da contrarrevolução. O livro provocou a ira de Leon Trotsky o qual era
amplamente citado como um dos artífices do golpe de estado que teria levado os bolcheviques ao
poder.
http://blogjunho.com.br/o-que-e-um-golpe-de-estado/ 2/6
14/03/2018 O que é um golpe de estado? | Blog Junho
Mas a literatura que se debruçou sobre os golpes de estado da segunda metade do século XX achou
Home Busque por temas Sobre o Blog Colaboradores Artistas Con
por bem distinguir o coup d’état da revolução. É o caso, por exemplo do livro de Edward Luttwak,
Coup d’etat: a practical handbook (1969). Luttwak é um conservador, especialista em assuntos
militares e já trabalhou como consultor do Departamento de Estado nos Estados Unidos. Seu livro
sobre o golpe de estado foi interpretado por muitos como uma manual prático para a realização de
um golpe. Mas como ele mesmo alerta ironicamente se fosse isso o livro não serviria de muita
coisa. No único caso em que foi comprovado seu uso o golpe fracassou e seu protagonista foi preso
e executado (LUTTWAK, 1991 [1969], p. 19).
Logo no início de seu livro, Luttwak define o golpe de estado como um fenômeno moderno,
decorrente da “ascensão do Estado moderno com sua burocracia profissional e suas forças
armadas” (LUTTWAK, 1991 [1969], p. 23). O golpe se distinguiria da conspiração palaciana, a
qual estaria relacionada, exclusivamente, à pessoa do governante. Segundo Luttwak, “o golpe é
algo muito mais democrático. Pode ser conduzido ‘de fora’ e opera naquela área fora do governo
mas dentro do Estado, que é formada pelo funcionalismo público permanente, pelas foras armadas
e a polícia. O objetivo é desligar os funcionários permanentes do Estado da liderança política”
(LUTTWAK, 1991 [1969], p. 23).
A diferença entre o golpe a revolução estaria no sujeito desses processos. Enquanto o coup d’état
tem por sujeito a burocracia estatal, a revolução tem como protagonista as “massas populares”.
Destaque-se que Luttwak considera o golpe de estado não é uma técnica apropriada para uma
orientação política particular, ou seja, o golpe é uma tática “politicamente neutra” de conquista do
poder político e são bastante frequentes os casos de golpes de estado levados a cabo por setores
progressistas ou nacionalistas do aparelho estatal.
Ainda assim, Luttwak assinala as diversas ocasiões entre 1945 e 1978 nas quais o golpe teria tido
como protagonistas frações políticas ou militares “esquerdistas”. É o caso dos golpes fracassados
de 1959 no Iraque, 1960 na Guatemala, 1966 no Egito, 1966 no Sudão, 1968 no Iemen, 1971 no
Madagascar e 1972 na República Popular do Congo. Haveria ainda o golpe bem sucedido de uma
“facção esquerdista” do exército Sírio em 1966 e o golpe promovido pelos comunistas na
Tchecoslováquia em 1948 (cf. LUTTWAK, 1991 [1969], Tabela II). Embora o conceito de esquerda
que o autor utiliza possa ser questionado esses eventos, nos quais geralmente facções nacionalistas
e modernizantes do exército tiveram o protagonismo já são suficientes para questionar a hipótese de
que o que define um golpe de estado é seu caráter reacionário.[1]
Repensando o conceito
A maior parte dos golpes de estado inventariados por Luttwak tiveram por protagonistas facções do
exército e seu livro considera o golpe predominantemente como uma operação militar tática. O
golpe militar é, sem dúvida, a forma predominante durante o século XX. Isso fez com que muitas
vezes o copu d’état fosse identificado exclusivamente com sua variante militar. É o que ocorre na
definição que David Robertson oferece em The Routdlege Dictionary of Politics: “Coup d’état
descreve a derrubada repentina e violenta de um governo, quase invariavelmente por militares ou
com a ajuda de militares” (ROBERTSON, 2004, p. 125).
Mas a uma definição tão limitada não permite considerar a hipótese de golpes promovidos por
grupos do poder Legislativo ou Judiciário ou por uma combinação de vários grupos e facções. Esse
parece ser o caso brasileiro em 1964, quando a mobilização militar encontrou o respaldo no
Senado, que declarou “vaga a presidência da República” e no Supremo Tribunal Federal, que
realizou uma sessão na madrugada do dia 3 de abril para empossar Ranieri Mazzili na presidência.
Recentemente, os golpes que derrubaram Manuel Zelaya em Honduras, no ano de 2009, e Fernando
Lugo no Paraguai, em 2012, tiveram por protagonistas facções do poder Legislativo. O conceito
precisa, portanto, ser alargado. Aquela ideia inicial de Naudè pode ser retomada com esse
propósito, mas como um ponto de partida. O conceito deve deixar claro quem é o protagonista
daquilo que se chama coup d’état, os meios que caracterizam a ação e os fins desejados.
http://blogjunho.com.br/o-que-e-um-golpe-de-estado/ 3/6
14/03/2018 O que é um golpe de estado? | Blog Junho
O sujeito do golpe de estado moderno é, como Luttwak destacou, uma fração da burocracia estatal.
Home Busque por temas Sobre o Blog Colaboradores Artistas Con
O golpe de estado não é um golpe no Estado ou contra o Estado. Seu protagonista se encontra no
interior do próprio Estado, podendo ser, inclusive, o próprio governante. Os meios são
excepcionais, ou seja, não são característicos do funcionamento regular das instituições políticas.
Tais meios se caracterizam pela excepcionalidade dos procedimentos e dos recursos mobilizados. O
fim é a mudança institucional, uma alteração radical na distribuição de poder entre as instituições
políticas, podendo ou não haver a troca dos governantes. Sinteticamente, golpe de estado é uma
mudança institucional promovida sob a direção de uma fração do aparelho de Estado que utiliza
para tal de medidas e recursos excepcionais que não fazem parte das regras usuais do jogo político.
Também aqui o espírito de Machiavelli se faz presente. Compreender o que é um golpe de estado é
o primeiro passo para poder enfrenta-lo. Substituir o conceito por slogans pode ter efeitos positivos
para a mobilização das pessoas. Mas não é um recurso que permita compreender a realidade
presente. A própria mobilização obtida é, por essa razão, incapaz de uma ação política eficaz.
Frequentemente ela aponta para a direção errada. Um componente importante da atual crise da
esquerda está em sua recusa a compreender a realidade. Prefere sempre a comodidade das antigas
fórmulas. A análise torna-se, assim, serva da política. Mas sem o controle do pessimismo do
intelecto, o otimismo da vontade transforma-se em ativismo verbal. E às vésperas de um coup
d’état no Brasil, o que não tem faltado é esse inócuo ativismo verbal.
Referências bibliográficas
FAILLY, Jules. Jugement du coup d’état et de la Révolution de 1830. Paris: Delaunay, 1830.
GABRIEL, Alexandre. Le coup d’Etat de décembre 1851 dans le Var. Draguignan: imp. de
Gimbert fils, Giraud ,1878
HUNTINGTON, Samuel P. The third wave: democratization in the late twentieth century. Norman:
University of Oklahoma, 1991.
LUTTWAK, Edward. Golpe de Estado: um manual pratico. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1991
[1969].
MARX, Karl. O 18 brumário de Luís Bonaparte. Prólogo de Herbert Marcuse. São Paulo, SP:
Boitempo, 2011 [1952].
NAUDÉ, Gabriel. Considérations politiques sur les coups d’Estat. Paris: s.e., 1679.
ROBERTSON, David. The Routledge Dictionary of Politics. 3 ed. London: Routledge, 2004.
SANTO-DOMINGO, Joseph-Hippolyte de. Les Prêtres instigateurs du coup d’état, ce qu’ils ont
fait, ce qu’ils auraient fait, ce qu’ils peuvent faire. Paris: A.-J.,1830.
TÉNOT, Eugène. Paris en décembre 1851: étude historique sur le coup d’état (5e édition). Paris:
Le Chevalier, 1868
Nota
http://blogjunho.com.br/o-que-e-um-golpe-de-estado/ 4/6
14/03/2018 O que é um golpe de estado? | Blog Junho
[1] Poderíamos acrescentar que, de acordo com o conceito de Luttwak, os levantes militares de
Home Busque por temas Sobre o Blog Colaboradores Artistas Con
1922 e 1924 e até mesmo o putsch comunista de 1935 no Brasil seriam golpes de estado
fracassados promovidos por “facções esquerdistas do exército”, enquanto a chamada Revolução de
1930 seria um golpe bem sucedido promovido pela mesma fração.
Tweetar
Compartilhe
Adicionar um comentário...
Gramsci no império
12 de novembro de 2015 771 Visualizações
Crítica ao militarismo
4 de novembro de 2016 905 Visualizações
http://blogjunho.com.br/o-que-e-um-golpe-de-estado/ 5/6
14/03/2018 O que é um golpe de estado? | Blog Junho
Todos os direitos reservados © 2015 | Blog Junho | Produzido por Viral de Ideias.
http://blogjunho.com.br/o-que-e-um-golpe-de-estado/ 6/6