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2.ed.
UFSJ
MEC / SEED / UAB
2010
C287c Carmo, Rosângela Branca do
Conceituação e história da alfabetização / Rosângela Branca do Carmo. 2.ed.
.— São João del-Rei, MG : UFSJ, 2010.
79p.
Curso de Especialização em Práticas de Letramento e Alfabetização
1. Alfabetização — História I. Título.
CDU: 372.41
Reitor
Helvécio Luiz Reis
Coordenador UAB/NEAD/UFSJ
Heitor Antônio Gonçalves
Comissão Editorial:
Fábio Alexandre de Matos
Flávia Cristina Figueiredo Coura
Geraldo Tibúrcio de Almeida e Silva
José do Carmo Toledo
José Luiz de Oliveira
Leonardo Cristian Rocha
Maria Amélia Cesari Quaglia
Maria do Carmo Santos Neta
Maria Jaqueline de Grammont Machado de Araújo
Maria Rita Rocha do Carmo (Presidenta)
Marise Maria Santana da Rocha
Rosângela Branca do Carmo
Rosângela Maria de Almeida Camarano Leal
Terezinha Lombello Ferreira
Edição
Núcleo de Educação a Distância
Comissão Editorial - NEAD-UFSJ
Capa
Luciano Alexandre Pinto
Eduardo Henrique de Oliveira Gaio
Diagramação
Eduardo Henrique de Oliveira Gaio
SUMÁRIO
Prezado(a) Estudante:
Esperamos que a leitura deste texto enriqueça seus conhecimentos e esclareça possíveis
dúvidas sobre a temática do curso.
Bom estudo!
5
1
Objetivo
Problematizando
Utilize-se das reflexões desenvolvidas nas disciplinas anteriores e a sua própria experiência
como leitor para responder as seguintes perguntas:
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unidade 1
ALFABETIZAÇÃO: origem, contexto histórico e social
A relação entre o processo de aquisição da leitura e escrita e a história social de um povo
revela a importância desse processo como mais um indicador do nível de desenvolvimento
socioe-conômico das sociedades. Por isso, o conceito de aquisição da leitura e da escrita
no ato da alfabetização não é o mesmo ao longo do tempo: ele evoluiu de acordo com as
características sociais, culturais e econômicas vigentes em diferentes épocas e lugares.
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Não importando quão cuidadosa seja a definição de alfabetização (técnica ou
instrumental), qualquer consideração sobre os usos da leitura e da escrita
deve levar em conta o julgamento sobre a funcionalidade (p. 15).
Para compreender a forma como a leitura e escrita são transmitidas e utilizadas na era da
modernidade globalizada, faz-se necessário percorrer a evolução histórica e as transformações
impostas pela sociedade em diferentes contextos sociais. Ao longo do tempo, o uso do código
oral e do código escrito foi assumindo funções e usos diferenciados.
As primeiras formas de comunicação entre os homens das quais se tem registro datam do período
pré-histórico e se caracterizam pela utilização da linguagem gestual, da dança, da escultura e
da pintura, sendo esta última, segundo Barbosa (1994), o primeiro indício de surgimento da
escrita. A comunicação oral dos homens primitivos era de caráter onomatopaico, ou seja, para
se comunicarem imitavam sons da natureza.
A escrita como forma de expressão surge bem mais tarde, por volta dos anos 3.150 e 3.000 a.C., na
Suméria. O primeiro registro escrito, de característica ideográfica, tornou-se necessário devido
ao desenvolvimento comercial das cidades, como uma maneira uniforme de os comerciantes
e produtores agrícolas controlarem com exatidão as transações comerciais realizadas. Olson
(1997) descreve o sistema de escrita por eles organizado e afirma que esse sistema era feito
em peças de argila, com características diferentes, e que era usado, basicamente, para contar os
animais e o resultado de sua colheita (p.88).
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unidade 1
Entretanto, à medida que esse sistema de registros escritos foi sendo decifrado e assimilado
pela população, a classe economicamente “alta” sente-se ameaçada e trata de restringir o
acesso à aquisição do código, imprimindo valor fonético ao signo, vinculando a escrita à
língua oral. A identificação desse sistema de escrita, denominado cuneiforme, era feito
somente por quem o estudava, ou seja, quem havia realizado suas adaptações.
Esse sistema de escrita passa a ser conhecido dos gregos por volta do ano 900 a.C., após
sofrer modificações, como a introdução das vogais, antes não utilizadas pelos fenícios. A
escrita se torna então alfabética, sendo usada para registrar documentos, leis e contratos,
atendendo à função burocrática, extremamente apreciada pelos romanos como condição
de dominação sobre o povo.
O processo de invasões bárbaras, que se estendeu por cerca de 200 anos, acaba provocando
o declínio dos Impérios e, consequentemente, a desagregação do sistema de ensino e a
destruição dos grandes centros culturais. A única instituição sobrevivente foi a Igreja
Católica, que assume o controle da cultura letrada, restringindo o acesso à escrita.
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O predomínio do Catolicismo, estendendo-se por toda Idade Média, pregava a salvação
eterna das almas e, para esse processo de domesticação, a Igreja não julgava necessária a
aquisição das habilidades de leitura e escrita para a maioria da população. O único objetivo
da alfabetização era voltado para a leitura da Bíblia e, mesmo assim, só interessava à Igreja
instruir aqueles que fossem seguir carreira religiosa.
No entanto, o predomínio da Igreja começa a decair por volta do século XI, graças
ao crescimento demográfico das cidades e à expansão das atividades comerciais e
manufatureiras. A educação vai, gradativamente, ganhando domínio público com a
liberação da escrita. Surgem as primeiras universidades advindas da busca do homem
por conhecimentos profanos e por liberdade de expressão e interpretação, restringidas
durante séculos pela Igreja.
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unidade 1
a transição da Idade Média para a Idade Moderna, ocorre uma mudança de expectativas
em torno da alfabetização. A população não deixou de se alfabetizar, mesmo quando era
impedida pela Igreja ou pelos nobres. Havia um processo informal que já ocorria em toda
a Europa desde os séculos XI e XII, antes do surgimento do processo de escolarização em
massa e da Revolução Industrial.
Esse processo de aquisição da leitura e da escrita ocorria entre as próprias pessoas, na sua
convivência diária em casa, na rua, pois não havia ainda um sistema escolar organizado.
Os pais se incumbiam de ensinar aos filhos os rudimentos do ler e escrever.
Essa crença, essa ideologia da alfabetização, desenvolvida no século XVIII, é assim descrita
por Cook-Gumperz (1991, p. 42): “Esta visão presumia que as habilidades de alfabetização
para todas as pessoas resultaria em igualdade e possibilidade de uma nova ordem social
e política”.
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social”, o Estado continua controlando a alfabetização, que é utilizada para educar, moldar,
treinar o indivíduo para obedecer ao ritmo de trabalho da fábrica, como analisa Graff
(1990, p. 50): “O alfabetismo, no século dezenove, tornou-se vital ao processo de ’treinar
em ser treinado’ ”.
ATIVIDADE
Após o estudo da Unidade I, você, Estudante, pode realizar algumas reflexões sobre
a história da alfabetização. Com base no contexto histórico e social da alfabetização,
registre, num texto de 20 linhas, sua compreensão sobre o tema abordado nesta
unidade.
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2
O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
NO CONTEXTO EDUCACIONAL
BRASILEIRO
Objetivo
Problematizando
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unidade 2
O processo de alfabetização no contexto educacional brasileiro
O processo de colonização traz o ideal de ensino catequético e é com esse objetivo que
são enviados ao Brasil os primeiros padres jesuítas no ano de 1549, chefiados pelo Padre
Manoel da Nóbrega, que, chegando à Bahia, abre a primeira escola de leitura, escrita e
religião. Os alunos, índios e filhos de colonizadores, aprendiam as “primeiras letras” e a
doutrina católica nas chamadas cartinhas, posteriormente denominadas cartilhas.
Segundo Saviani (1998), o plano de ensino inicialmente concebido por Nóbrega foi logo
substituído pelo plano de ensino geral dos jesuítas a, Ratio Studiorum , que centrou sua
formação e organizou seu currículo em torno dos filhos dos colonos portugueses —a
elite brasileira —que mais tarde assumiria a função colonizadora atribuída aos pais. Esse
sistema de ensino se estende até 1759, quando os jesuítas são expulsos do Brasil pelo
Marquês de Pombal.
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De início, a alfabetização foi definida levando-se em conta a capacidade de se decodificar
uma simples mensagem ou enunciado referente à vida cotidiana de uma pessoa. Lagôa
(1990, p. 14), cita a definição da UNESCO, datada da década de 50, primeira tentativa de
se definir o indivíduo alfabetizado como (...) “uma pessoa capaz de ler e escrever, com
compreensão, uma breve e simples exposição de fatos relativos à vida cotidiana”. Nesse
sentido, o ato de alfabetizar é visto como uma mera ação mecânica, pois a compreensão
de um material escrito vai muito além, por exemplo, da capacidade de interpretação de
um bilhete.
A história das Constituições Brasileiras mostra que sempre houve descaso para com o
ensino fundamental. A raiz desse abandono pode ser encontrada na Constituição de 1823
e, posteriormente, no Ato Adicional de 1834, em que se privilegiou a organização do ensino
superior destinado às elites, que “regeriam” o país, e se delegou a tarefa da instrução básica
às Províncias, desprovidas de recursos para mantê-la. Saviani (1998) comenta:
Somente na Carta Magna de 1946 é que se verifica a elaboração de uma lei própria para
o ensino primário, definindo a educação como direito de todos, a obrigatoriedade e
gratuidade do ensino primário nas escolas públicas e encarregando a União de elaborar
as diretrizes e bases da educação nacional.
Nesse sentido, a escola seria o espaço onde o indivíduo, através da valorização de sua
língua, seus costumes, sua realidade, adquiriria também o saber universal, necessário
à sua formação plena. Seguindo tais diretrizes, a nova LDB da Educação Nacional,
sancionada em 20/12/96, propõe, no Artigo 32, Incisos I e II, a formação do indivíduo, em
nível fundamental, levando em consideração
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áreas de conhecimento, para que o mesmo possa se adaptar à era da globalização e, para isso,
os meios necessários são a leitura e escrita utilizados como instrumentos de adaptação social.
O conhecimento adquirido permanece, então, mediado, orientado pelo professor, esperando-
se que seja reconstruído pelo aluno, num processo de interação com o meio social em que
ambos (professor e alunos) estão inseridos. Entretanto, não se percebe, ainda, a valorização
real do professor.
Para mudanças desse panorama, faz-se necessário repensar também o papel das universidades
na formação dos professores alfabetizadores. Esse papel seria, segundo Soares (1990),
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unidade 2
ATIVIDADE
Passaremos, na UNIDADE III, para o estudo dos conceitos de alfabetização e
letramento. Antes, gostaríamos de propor uma reflexão sobre a importância
do papel da alfabetização e seu impacto na formação do ser humano desde o
surgimento da humanidade. Para isso, trouxemos um texto do maior educador
brasileiro Paulo Freire (1996, p. 11-15):
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3
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO:
CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS
Objetivo
Problematizando
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unidade 3
Alfabetização e letramento:
conceitos e características
25
Nesse sentido, o indivíduo não seria alfabetizado chegando a um ponto final do processo,
a uma habilidade adquirida sem necessidade de ser desenvolvida, mas estaria em “estado”
de alfabetismo constante, ao requerer essas habilidades e utilizá-las e empregá-las
corretamente nos diversos momentos de comunicação do seu dia a dia. Historicamente,
Soares (1995) busca a raiz semântica do termo alfabetismo também na história da
alfabetização na Inglaterra, considerando o termo alfabetismo como tendo o mesmo
significado do vocábulo “literacy” - estado ou condição que assume aquele que aprende a
ler. Dessa forma, o indivíduo que aprende a dominar as habilidades específicas da leitura
e da escrita altera sua condição social, histórica e cultural. Isso quer dizer que, tanto no
Brasil quanto na Inglaterra, repetiu-se o mesmo processo histórico em relação à evolução
do conceito de alfabetização.
Esse envolvimento social da leitura e da escrita ainda é, de certa forma, recente nas práticas
escolares, pois é decorrente de uma nova demanda social: conviver e se fazer ouvir em
todos os momentos da convivência interpessoal. Numa sociedade letrada como a nossa,
a aquisição das habilidades individuais para a leitura e escrita, ou seja, a capacidade de
codificar e decodificar sinais é muito valorizada —campanhas de alfabetização voltadas
para as duas primeiras séries, ora privilegiam a escrita, ora a leitura. Dentro dessa
perspectiva, que Soares (1995) denomina “dimensão individual”, alfabetizada seria aquela
pessoa que sabe ler e escrever, com compreensão, determinado tipo de material escrito.
Partindo daí, pode-se defender o caráter social do alfabetismo, ou sua “dimensão social”,
como diz Soares (1995). O alfabetismo, nessa perspectiva social, pode assumir o caráter
funcional, em que o indivíduo utiliza as habilidades adquiridas em contextos específicos,
adaptando-se, como afirma Soares ao citar Scribner (1984, p. 9), ou pode ser determinado
pelo contexto em que deve ser empregado. Dentro do primeiro ponto de vista, o
alfabetismo tem por objetivo promover a ascensão social, o progresso profissional, tendo,
portanto, somente consequências positivas. O indivíduo se adapta a uma determinada
situação e busca nela a sua progressão social. O outro enfoque social do alfabetismo se
mostra mais radical, pois julga qualquer uso da leitura e da escrita dotado de um caráter
ideológico, que tende ou para manutenção ou para transformação da realidade social e
seu questionamento. Dessa maneira, o alfabetismo mostraria seu lado negativo, podendo
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unidade 3
manter a ordem social que massifica ou acomoda as pessoas. Sintetizando esse caráter
social do alfabetismo, Soares (1995) afirma:
Mais recentemente, Soares (1996) procura definir, com mais precisão, o termo alfabetismo/
letramento. Assim, aponta a concepção de letramento como sinônimo de alfabetismo.
Segundo a autora, não basta somente “ler e escrever, é preciso também fazer uso do
ler e escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz
continuamente” (p. 86) ou, em outro momento, como “... é o estado ou condição de quem
se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita” (SOARES,
1998, p. 44).
O letramento se torna um fenômeno, portanto, que envolve toda a sociedade, visto que é
através de eventos proporcionados em diferentes situações que se aprende a desempenhar
papéis necessários à sobrevivência. Nesse sentido, a escola deixa de ser a única agência
de letramento, preocupada apenas com a aquisição do código oral e escrito sem suas
implicações sociais. Com certeza, as outras agências de letramento, como a família, a igreja,
continuam desempenhando seu papel de “letrarem” as pessoas para a vida (KLEIMAN,
1995, p. 20).
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Quando se dá ênfase ao letramento, desenvolvido, unicamente, na escola, a escrita e a
leitura se mostram livres de qualquer influência externa, como impressões, emoções,
acontecimentos, tradições, trazendo o efeito negativo do letramento: a alienação. Ao
adotar este modelo de letramento, o indivíduo anula sua tradição, seus costumes, sua
língua e os substitui pelo letramento de caráter individual que incentiva a ascensão social
e o progresso individual, dividindo a sociedade em letrados e não letrados, originando o
pré-conceito de se atribuir o fracasso escolar ao indivíduo.
O grau de letramento de uma pessoa pode variar, dependendo do contato que é estabelecido
com a escrita e a leitura no seu cotidiano: crianças de classe privilegiada têm acesso a
diversos tipos de leitura em casa e, por esse motivo, têm mais facilidade de se adaptar
à leitura e escrita escolar, o que raramente acontece com crianças de classes populares
que, devido à carência econômica, encontram mais dificuldade de lidar com situações ou
atividades de letramento, pois não têm tanto contato com diferentes materiais de leitura.
Assim, como afirma Kleiman (1995),
No entanto, a mesma autora afirma que, por menor que seja a vivência da leitura e escrita,
não existe grau zero de letramento, pois qualquer atividade desenvolvida pelo sujeito,
mesmo as orais, que são marcadas por traços da escrita, como escutar rádio, por exemplo,
pode ser considerada como “prática de letramento” (1998, p. 181).
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unidade 3
Uma pessoa, embora destituída das habilidades mecânicas de leitura e escrita transmitidas
pela escola, pode ser letrada, desde que estabeleça contato regular com esses códigos em
seu cotidiano. Assim, um adulto que ouve a leitura de um jornal, solicita a escrita ou leitura
de uma carta ou bilhete a alguém ou mesmo uma criança ainda não escolarizada que
escuta histórias, finge contá-las, solicita a leitura de cartazes ou placas, brinca de aulinha,
podem ser considerados letrados, mesmo não sendo alfabetizados (SOARES, 1998, p. 24).
O nível de letramento dos grupos sociais relaciona-se com as suas condições sociais,
culturais e econômicas, que acabam determinando as condições para o processo e
letramento. Soares (1998) estabelece duas condições para o letramento: existência e
oferecimento à população de uma escolarização real, efetiva e disponibilidade de material
de leitura. Essa segunda condição justifica-se pela carência desses materiais na vida das
camadas populares, já que após o contato com a leitura e escrita escolar não têm acesso a
livros, jornais, revistas para conhecer e exercer as diversas funções da leitura no cotidiano
(p. 58).
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A escola, dependendo do grau de letramento dos seus alunos, deve acrescentar
conhecimentos, de modo que eles sejam capazes de, ao longo do ensino fundamental,
interpretar diferentes textos que circulam socialmente e sejam capazes também de se
expressar enquanto cidadãos, em diferentes situações (p. 23). O letramento exerce ainda
um papel transformador na concepção de homem e na ação exercida por esse mesmo
homem na sua realidade. Essa definição “revolucionária” de letramento pode ser atribuída
a Paulo Freire, que o concebeu como instrumento de luta por melhores condições de vida
para aqueles que só possuíam a palavra como meio de reivindicação (SOARES, 1998, p.
76). O papel do letramento enquanto processo libertador busca na vivência dos indivíduos
o material para organização e prática educativa, desenvolvendo-se na práxis, na ação e
assumindo a concepção de homem ativo e transformador.
A alfabetização faz parte da história e, como movimento social, necessita ser repensada
para alcançar aqueles que ainda não tiveram chance de se alfabetizar realmente e de
serem aceitos e ouvidos enquanto cidadãos. Essa premissa aplica-se também àqueles que,
em processo de alfabetização, têm direito à função, crítica e criativa, da leitura e da escrita.
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unidade 3
ATIVIDADE
Os conceitos de alfabetização e letramento apresentados nos levam a refletir sobre
a importância do papel do educador como mediador desse conhecimento para os
alunos. A seguir, apresentamos uma poesia sobre a temática. Faça sua leitura e
depois, dialogando com seu tutor e demais cursistas, sintetize os tópicos sugeridos:
O QUE É LETRAMENTO?
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4
PRÁTICAS DE LETRAMENTO NO
CONTEXTO FAMILIAR
Objetivo
Problematizando
33
ade IV
unidade 4
Práticas de letramento no contexto familiar
O processo de aquisição do código oral e escrito pode ser visto sob vários enfoques ou
dimensões, pode ter várias definições, mas o único aspecto que não se pode perder de vista
é o seu valor social, que é construído pelos indivíduos na relação dialógica implementada
nas diversas formas de linguagem, orais ou escritas, em práticas cotidianas.
Uma criança, então, ao afirmar seu desejo de ler e escrever, está reproduzindo o que lhe
foi dito, de maneira direta ou indireta, dessas habilidades. As crianças de classes mais
favorecidas têm contato com graus e recursos diversos de leitura, sempre presenciaram a
utilização desses códigos ao seu redor e assim recebem estímulos que facilitam a adaptação
à leitura e escrita escolar, sobretudo ao código escrito, que é considerado mais legítimo.
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Essas classes se apropriaram, historicamente, das formas de linguagem oral e escrita (em
particular) e têm maiores possibilidades de sucesso na escola (que foi estruturada para
eles).
De acordo com esse conceito, a família transforma-se, também, num local privilegiado
de aprendizagem de funções da escrita e da leitura—funções que podem ter variações
segundo o contexto socioeconômico e cultural das diferentes camadas sociais.
36
unidade 4
Vivendo em ambientes urbanos, a criança percebe que a leitura e a escrita fazem parte
de sua realidade e começa então a questionar não só a utilização das mesmas, como
também percorre todo um processo até dominar adequadamente o sistema de leitura e
escrita (CAGLIARI, 1998). Nesse processo, que é um elemento específico da cotidianidade,
a família exerce o papel de mediadora, é ela que primeiro demonstra as utilizações dos
códigos oral e escrito e que por consequência são assimilados pelas crianças como fatores
constitutivos de sua identidade cultural.
O próprio conceito de leitura e escrita varia, dependendo da importância que lhes é dada
em grupos específicos. A propósito, Magda Soares observa que
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... enquanto as classes dominantes veem a leitura como fruição, lazer,
ampliação de horizontes, de conhecimentos, de experiências, as classes
dominadas a veem pragmaticamente como instrumento necessário
à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à luta contra suas
condições de vida (1991, p. 21).
As famílias vão criando, então, situações de uso da leitura e da escrita, dentro de suas
possibilidades, que se constituem num habitus reproduzido através do tempo e legitimado
na repetição cotidiana. Pela observação desses atos de letramento, a criança incorpora um
habitus que orientará suas atitudes e crenças quanto à importância da leitura e escrita e
38
unidade 4
sua utilização, sendo portanto transformado ou renovado ao se chocar com experiências
que não os sustentam.
O conceito de habitus refere-se, nesse sentido, a práticas ativas que norteiam ações do sujeito
e que se modificam mediante exigências sociais e econômicas, como se pode observar
em Garcia (1996, p. 65): “... o habitus, sendo constituído ao longo da vida do indivíduo e
sendo produto de um trabalho de inculcação, é uma estrutura sempre atualizada perante
as novas situações e as ações práticas dos indivíduos”. E em Ortiz (1983, p.15): “O habitus
tende, portanto, a conformar e a orientar a ação, mas na medida em que é produto das
relações sociais, ele tende a assegurar a reprodução dessas mesmas relações objetivas que
o engendram”.
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... outras famílias em que, mesmo que os próprios pais quase não leiam
(não passando assim a imagem de uma prática natural da leitura), eles,
entretanto, desempenham um papel de intermediários entre a cultura
escrita e seus filhos: fazem com que eles leiam e escrevam histórias,
fazem-lhes perguntas sobre o que estão lendo, lêem para eles histórias
desde pequenos, levam-nos à biblioteca municipal, jogam palavras
cruzadas com eles etc. (p. 343).
A chance que os pais de camadas populares tiveram de obter algum contato com a leitura e
escrita escolar, na maioria das vezes, restringe-se à educação elementar, não chegando a se
completar em muitas trajetórias. A interrupção do processo de escolarização deve-se em muitos
casos à carência econômica das famílias que necessitaram, em certos momentos, do trabalho
dos filhos para reforçar o orçamento doméstico ou ainda pode-se observar o caso específico de
mulheres, com imensa vontade de estudar e que não realizaram esse desejo impedidas pelo pai,
que acreditava ser o estudo “coisa de homem”. Entretanto, apesar de privadas da escolarização,
são as mulheres as principais mediadoras e incentivadoras dos filhos, que controlam suas
tarefas, cobram a leitura e escrita, repetem exercícios dentro de suas possibilidades.
As experiências de letramento para esses pais baseiam-se nos rudimentos da leitura e
escrita, como assinar o próprio nome, escrever um bilhete simples, realizar operações
40
unidade 4
e problemas matemáticos simples exigidos em situações do cotidiano. Esse é o legado
cultural que possuem para transmitir aos filhos e que reproduz um habitus presente
ao longo da constituição familiar. A “herança” cultural que os pais dão aos filhos vai de
encontro ao que receberam dos próprios antepassados.
A maioria dos grupos familiares de camadas populares atribui ainda à escrita e leitura
uma função e utilização que é pouco enfatizada em grupos de melhor posição cultural e
econômica: a função religiosa. Como essas famílias são dotadas de extrema religiosidade,
as práticas voltam-se para leitura de suportes textuais (folhetos de oração, boletins
informativos de igrejas, letras de cânticos dominicais, folhetos de cultos religiosos,
mensagens religiosas) em cultos domésticos ou em igrejas. A Bíblia representa para as
famílias um objeto de veneração e quem tem condições de possuir um exemplar revela um
maior status religioso, mesmo que não tenha condições de interpretá-la, tarefa legítima
delegada aos padres e pastores (MIRANDA, 1991).
O capital cultural reduzido das famílias de baixo poder aquisitivo acaba se contrastando
com a realidade escolar, que exige um conhecimento mais amplo da utilização da leitura
e escrita e que atinge situações formais de empregabilidade na sociedade. A entrevista
para um emprego, o preenchimento de um questionário, a discussão de assuntos de
conhecimentos e interesses atuais e gerais requerem um conhecimento mais apurado dos
códigos que é adquirido, inicialmente, no contato familiar em que predominam o incentivo
à leitura e escrita. Bourdieu (1998) alega com propriedade a esse respeito que “... a ação do
meio familiar sobre o êxito escolar é quase exclusivamente cultural” (p. 42).
A ausência total ou parcial de capital cultural por parte das famílias de camadas populares
e particularmente a inexistência de habilidades de leitura e escrita impedem a transmissão
de conhecimentos para os filhos, “herdeiros” de seus projetos de vida. A alfabetização
passa a representar para essas famílias a tábua de salvação da condição social inferior em
que vivem. A leitura e a escrita tornam-se instrumentos de acesso à linguagem valorizada
culturalmente e que propicia uma maior aceitação em grupos diversos. Os pais almejam
para os filhos um futuro oposto à vida laboriosa que enfrentaram e depositam nos filhos
os mais altos desejos de ascensão social.
41
... os pais, ao exprimir seus desejos quanto ao futuro profissional dos
filhos, tendem, frequentemente, a desconsiderar-se profissionalmente,
a “confessar” a indignidade de suas tarefas: almejam para sua progênie
um trabalho menos cansativo, menos sujo, menos malremunerado, mais
valorizado que o deles (LAHIRE, 1997, p. 334).
No entanto, para realizar os projetos de escolarização dos pais, as crianças devem abdicar
da linguagem de seu grupo, das suas formas de manifestação cultural abandonando
a identidade grupal construída em favor dos valores sociais e culturais de um grupo
desconhecido mas que determina a legitimidade das práticas escolares.
O desejo de êxito escolar das famílias revela de fato, os anseios inacabados dos pais com
relação à escolarização. A vontade do filho de escolher uma profissão ou mesmo a dedicação a
conteúdos específicos que melhor se aproximem das suas pretensões são sufocadas em nome
da vontade incondicional dos pais de formar os filhos em profissões mais valorizadas cultural
e economicamente. O destino escolar que os pais determinam para os filhos e também as
impressões que contribuem para a formação das representações da leitura e escrita —para
eles veículos que possibilitam o sucesso escolar —acabam determinando a convivência futura
dos filhos com a escola, como afirma Bourdieu (1998):
O contato com formas diferenciadas de leitura e escrita (livros, revistas e jornais) bem como a
participação em eventos que os envolvam no cotidiano familiar fazem com que o texto escrito
assuma um aspecto natural para os filhos de pais que têm por hábito realizar tais práticas na
presença dos mesmos. A relação estabelecida com a escrita torna-se afetuosa, prazerosa ao
passo que famílias que tratam os recursos textuais com descaso ou como objetos inacessíveis
para os filhos despertam nos mesmos uma aversão natural pelo ato de ler e escrever que trará
dificuldades no aprendizado escolar.
42
unidade 4
Entretanto, a “transferência” do capital cultural em torno da leitura e escrita depende
mais da disponibilidade de tempo dos pais do que propriamente das formas e práticas
que adotam no cotidiano. Alega-se que as camadas populares possuem reduzido capital
cultural, mas muitos filhos dessas famílias podem alcançar bons resultados escolares
É comum, nos meios mais desfavorecidos economicamente, encontrar famílias que, para
complementar o orçamento doméstico, desenvolvem atividades autônomas como cultivar
hortas ou pomares de onde colhem produtos para vender pela vizinhança, revender roupas,
comercializar produtos artesanais, oferecer serviços domésticos simples de eletricista,
costureira, faxineira. Essas pequenas transações comerciais são registradas, muitas vezes,
em cadernetas, papéis avulsos na presença das crianças, que vão assimilando outra função
da escrita: registro e organização.
Pelo fato de existir, muitas vezes, um elevado grau de proximidade entre as famílias de um
bairro e o seu comércio, ainda permanecem as cadernetas ou cadernos de compras, que
são acertados mês a mês, na época do recebimento do salário do proprietário da mesma. A
criança, embora pequena e sozinha, se dirige ao mercadinho, bar, quitanda, loja, açougue
com a caderneta para realizar a compra de um produto: pão, leite, verduras, doces, frutas,
carne, lápis, biscoitos e outros, atendendo a uma ordem de sua mãe ou outro responsável.
Esses exemplos ilustram uma prática de letramento comum nos meios populares e que
tem participação dos pais e filhos. Ao contrário, famílias com capital cultural e econômico
podem oferecer aos filhos até mesmo suportes materiais, mas caso os pais não estejam
presentes para fazer a mediação, as dificuldades dos filhos serão maiores. Segundo Lahire
(1997), a eficiência da “transmissão” da “herança” dos pais para os filhos (o autor destacou
estes termos) se deve a alguns fatores:
43
... de sua relação com o filho, de sua capacidade, (socialmente construída)
de cuidar de sua educação, de sua presença ao seu lado, ou, finalmente, de
sua disponibilidade de transmitir à criança certas disposições culturais
ou acompanhá-la na construção dessas disposições (p. 105).
Por isso, pode-se afirmar que o fator determinante principal do bom êxito dos filhos
com a leitura e a escrita vem do contato periódico em família com estes objetos. Na
sua convivência diária, a família vai construindo as diversas funções de leitura e de
escrita —objeto de necessidade para se locomover, comprar, escolher politicamente,
trocar informações, orar, se divertir —enfim, para sobreviver, no sentido não apenas de
conhecimento linguístico, mas de instrumento que lhe abrirá novos conhecimentos, novas
possibilidades de perceber a vida. Sem qualquer “trauma” (que futuramente a escola
trará), os filhos nascidos em ambientes em que a escrita e a leitura exercem importante
papel as utilizam sem questionar suas funções, mas já as têm definidas quando indagados
para que serve o caderno da mercearia, o panfleto político, a Bíblia; já sabe o que se vende
na padaria, na mercearia, o que vai ouvir na igreja, só de trazer para o plano cognitivo as
imagens gráficas dos lugares que frequenta.
Quando as famílias têm boa relação com a leitura e escrita transmitem para os filhos a
boa vontade natural para se apropriar dos códigos e utilizá-los sem tensão, sem medo
do erro; ao contrário, quando a relação familiar com essas habilidades foi construída em
momentos de tensão, os filhos “herdam” a indisposição e, consequentemente, o fracasso.
Dessa forma, sob o ponto de vista pedagógico do processo alfabetizador, é melhor conviver
com pais com capital cultural reduzido mas que exercem atitudes positivas sobre os filhos,
do que com pais que criaram por suas próprias experiências representações negativas
acerca da escola, da leitura e da escrita.
As camadas populares, devido a sua posição social inferior, estabelecem uma relação de
ambiguidade com a escola, tendo vergonha, muitas vezes, de expor seus conhecimentos
sobre a leitura e escrita. Muitos pais, quando têm necessidade de estabelecer contato com
os professores de seus filhos, se negam a escrever bilhetes, com receio de cometerem
erros, diante daqueles que representam uma figura de autoridade. Delegam aos filhos esta
responsabilidade de redigir seus comunicados ou preferem se deslocar pessoalmente até à
44
unidade 4
escola. Outro bom exemplo deste receio é o ato de escrever cartas. As famílias de camadas
populares desenvolvem um certo incômodo quando precisam redigir comunicados longos
para pessoas de outro nível social: cartas de agradecimento, de reclamação. No entanto,
quando precisam se comunicar com parentes e amigos da mesma origem social, expondo
sentimentos, contando acontecimentos, escrevem com desenvoltura. Miranda (1991),
em seu estudo sobre as utilizações da leitura e escrita, num bairro da periferia de Belo
Horizonte, Minas Gerais, observou que o hábito de redigir cartas representava para aquela
comunidade o evento mais valorizado da comunicação escrita, demonstrando uma forma
de investimento afetivo. Do ponto de vista da linguagem, há nessas cartas uma tendência
à reprodução da comunicação oral, devido principalmente ao teor afetivo e ao esforço
do emissor para trazer o interlocutor ausente para uma situação de maior proximidade
possível (p. 30).
É comum essas comunidades menos favorecidas atribuírem a uma pessoa que domina os
códigos oral e escrito em suas regras formais a incumbência de redigir cartas para aqueles
que não o sabem, representando figura legitimada e respeitada pela comunidade, prática
essa que se reflete na família, como foi dito anteriormente, de pais que, em situação de
leitura e escrita, solicitam o auxílio dos filhos.
Pode-se, então, afirmar que as classes populares também percebem as diversas funções
da leitura e da escrita que se distinguem ou se modificam, respeitando as especificidades
do contexto social em que são empregadas.
45
Essa escrita ambiental e rotineira representa, entretanto, apenas uma das
funções da escrita, das mais básicas. O domínio de outros usos e funções
da escrita significa, efetivamente, o acesso a outros mundos, públicos e
institucionais, como o da mídia, da burocracia, da tecnologia, e através
deles, a possibilidade de acesso ao poder (p. 7-8).
A escrita se faz presente na vida das crianças em momentos distintos e com funções e usos
diferenciados, determinados pelos mediadores desse processo: a família. Inicialmente, a
escrita aparece para a criança em sua relação diária com as pessoas do seu grupo social.
Esta interação se dá de diversas maneiras, o que provoca usos e funções diferenciadas, na
maioria das vezes voltados para necessidades e práticas do cotidiano. Quando a escrita
não oferece utilidade imediata no trabalho, a tendência das camadas populares é ignorá-
la.
No entanto, nem todas as famílias têm oportunidade de perceber as funções e usos diversos
da leitura e escrita, pois em seu contexto não têm acesso aos vários eventos de letramento
necessários à criação de uma concepção de leitura e escrita formal. As famílias de nível
socioeconômico baixo não têm oportunidade de conhecer a leitura e escrita em sua função
social mais elaborada, pois são privadas devido à carência financeira do contato com
materiais de leitura, sobretudo livros. Essas famílias também não desenvolvem hábitos
de leitura diária, bem como não comentam acontecimentos, deixando de incentivar a
oralidade.
Existem ainda os casos de famílias que investem na compra de materiais de leitura mas
que não possuem condições de estabelecer a ligação dos filhos com os mesmos, por falta
de tempo ou de disposição. Lahire (1997) afirma que esses materiais culturais pouco
utilizados estão “em estado de letra morta” e completa:
46
unidade 4
Os pais compram livros, dicionários e enciclopédias (que, frequentemente,
constituem investimentos financeiros muito altos) para seus filhos, mas
sem que possam acompanhá-los em suas descobertas desses objetos
culturais... Esse patrimônio cultural quase não é mobilizado pelos
membros da família, e as crianças estão, muitas vezes, privadas dele (p.
342-343).
Mas não é por esses motivos que muitas famílias deixam de ter contato com a escrita em
seu cotidiano; sendo de classe baixa, criam estratégias que suprem em parte a carência de
eventos de letramento, aproveitando os proporcionados pelo seu próprio contexto social.
Cada sociedade, em suas especificidades próprias, seus costumes, crenças, tradições,
desenvolvimento econômico, atribui significados distintos e variados à leitura e escrita.
Em certas sociedades, tais processos terão mais usos e funções que em outras, isso do
ponto de vista sociológico, como afirma Soares (1995): “... em cada sociedade práticas de
leitura e escrita diferenciam-se segundo os contextos sociais, exercendo papéis diversos
na vida dos grupos e de indivíduos específicos” (p. 13).
A presença de recursos textuais no cotidiano das famílias mais carentes torna-se também
fator determinante do bom êxito escolar. Esses materiais de leitura variam de acordo
com o meio social e assumem a importância que os usuários lhe atribuem em situações
específicas.
47
parte do cotidiano dessas famílias. As crianças não têm contato com livros de literatura
infantil dado o alto preço dessas publicações e, como demonstra Miranda (1991), em
sua pesquisa, “As crianças se veem restritas a uma relação com um material de leituras
rápidas, propagandas, revistas velhas, pedaços de jornais e os materiais escolares que
são reutilizados. Livros infantis são raríssimos e costumam, quando existem, se limitarem
àqueles impostos pela escola” (p. 23).
Num primeiro contato com o ambiente escolar, não podem correr, pular, rir, extravasar
toda a alegria da entrada na escola. Pelo contrário, são obrigadas, na maioria das
vezes, a obedecer a regras de ordem e disciplina. Desejam andar pela escola, o lugar do
desconhecido que “esconde” belos segredos e descobertas sobre a leitura e escrita, mas
se veem obrigadas a seguir em fila para a sala de aula (sem parar nos corredores para
olhar algum possível cartaz ou aviso), onde se assentam para, já no primeiro dia de aula,
repetirem as lições que tiveram em casa. Essa postura da escola frente ao conhecimento
48
unidade 4
das camadas populares reflete-se como mais um mecanismo de exclusão que tem na
manutenção do discurso da “igualdade para todos” a justificativa do fracasso daqueles
que não se adaptam às suas exigências. Bourdieu (1998) afirma que
Perguntam-se atônitos, olhando uns para os outros e para a professora, onde estará
a diferença que fará da escola o lugar que de certa forma idealizavam e começam a
identificar, então, aquelas relações de poder que já foram passadas em casa. Na escola,
são forçadas a ler livros ou cartilhas escolhidos pelos professores, que ignoram qualquer
tipo de conhecimento prévio, qualquer grau de letramento dos alfabetizandos. Como
consequência desse processo de desvalorização, algumas crianças assumem uma postura
de revolta e desconforto em relação à escola que se reflete em comportamentos que
oscilam entre a passividade e a agressão, como aponta Bourdieu (1998):
Segundo Soares (1991), a nossa cultura grafocêntrica atribui à escrita escolar somente o caráter
positivo de possibilitar informações novas, lazer, prazer, conhecimento de outros “mundos’’,
mais sofisticados, mais ricos, o que demonstra a supremacia de determinada classe social. E
não é essa a escrita que a criança de classe popular espera encontrar na escola, aquela que
será instrumento necessário a sua sobrevivência, a sua ascensão social, ao conhecimento e
transformação de sua realidade social (p. 19-21).
49
Aquelas funções e usos que as crianças de classe menos favorecida assimilaram antes da
escola em seu contexto específico são, então, substituídas pelas funções representativas
e reguladoras (SOARES, 1991, p.6) que os textos escritos e orais exigem. Se por um lado
haverá a aquisição do saber sistematizado, da modalidade padrão exigida para o acesso
a outras classes sociais, por outro lado pode haver o abandono da identidade cultural de
um grupo específico, que renuncia ao seu saber em nome de uma cultura desconhecida,
mas que lhe trará uma situação financeira melhor no futuro. A escola é o lugar que “...
pode confirmar ou contrariar os julgamentos familiares exercendo importância decisiva
na definição dos lugares sociais” (BOURDIEU, 1998, p. 231).
A instituição escolar valoriza em demasia a escrita e volta para ela toda a sua atenção,
insistindo no ensino de regras da modalidade padrão. A oralidade é praticamente
desconhecida, e mais um conflito emerge para as classes menos favorecidas: o
distanciamento entre as marcas sociais de sua oralidade e as funções que a língua passa a
ter a partir de sua experiência escolar. Percebem que precisam se adequar às expectativas
da escola, ou seja, devem aprender a utilizar a escrita e a fala com as funções que a escola
exige.
Esse processo de negação, ou melhor, de substituição dos usos e funções sociais da leitura e
da escrita cotidiana da criança na escola, tem uma finalidade ideológica, onde percebemos
todos os envolvidos neste processo de alfabetização como mantenedores de uma ordem
social que faz de um instrumento de transformação (a escrita) um objeto que visa a “...
ocultar para garantir o poder àqueles que a ela têm acesso” (TFOUNI, 1995, p. 11).
50
unidade 4
Na escola não há uma coincidência entre a linguagem das classes menos favorecidas e de
suas funções com a linguagem dominante-padrão da classe favorecida. Ocorre, então, o
que Soares (1988) chama de “processo de aprendizagem/desaprendizagem das funções
da escrita: enquanto aprende a usar a escrita com as funções que a escola atribui a ela,
e que a transformam numa interlocução artificial, a criança desaprende a escrita como
situação de interlocução real” (p. 8).
A criança, quando entra no esquema da leitura/escrita escolar, percebe que pode usar sua
linguagem apenas no seu contexto social, da rua, do bairro, mas percebe também que deve
“desaprender” tal função em outras situações em que aquilo que lhe conferirá status é a
linguagem que aprendeu na escola, livre de suas marcas de oralidade.
Num país onde a taxa de analfabetos atinge um número inaceitável, pode-se crer como a
escola se faz distante do indivíduo enquanto cidadão, o quanto nega a ele a oportunidade
de se tornar sujeito ativo de sua cultura, de sua história. Kleiman (1995, p. 44) diz:
51
história em função da “história” de outro grupo social. A escola deveria ser, ao contrário, o
lugar de instrumentalização de conhecimentos dos reais usos e funções sociais da língua,
onde o indivíduo fosse não substituir sua identidade, mas reforçá-la e valorizá-la, onde
fosse se tornar cidadão com direito a graus máximos de escolarização, o que seria bem
diverso da história de vida que os pais transmitiram a eles, ao longo de gerações. Garcia
(1995) afirma então: “Este é o papel da escola —socializar o conhecimento historicamente
produzido e preparar cada nova geração para a produção de novos conhecimentos que
melhor respondam ao novo momento histórico. Apropriação crítica do velho e produção
do novo” (p. 46).
ATIVIDADE
1. Quais as principais funções da leitura e da escrita desenvolvidas no contexto
familiar? Explicite-as.
2. O nível socioeconômico de uma família determina a aprendizagem e o domínio
das funções da leitura e da escrita. Você concorda com essa afirmação ou
discorda dela? Justifique sua posição.
Unidade V
52
5
REPRESENTAÇÕES DA LEITURA E DA
ESCRITA PARA FAMÍLIAS DE
CAMADAS POPULARES
Objetivos
Nesta unidade, apresentaremos para você os resultados de uma pesquisa realizada com
famílias de camadas populares sobre a utilização da leitura e da escrita em seu cotidiano.
Esta unidade apresenta os seguintes tópicos da pesquisa:
Problematizando
53
unidade 5
Representações da leitura e da escrita para famílias de camadas populares
O presente estudo, realizado com famílias de camadas populares, levou à definição das
seguintes categorias, de acordo com a proximidade das informações coletadas: lembranças
referentes à leitura e escrita escolar, funções e utilizações da leitura e da escrita no
cotidiano familiar, papel da família na aprendizagem da leitura e escrita escolar e papel da
escola na formação de leitores e escritores.
Após a determinação das categorias, procede-se à análise temática das ideias centrais ou
núcleos de sentido verificados nas comunicações orais e escritas.
55
de escolarização que fez parte de suas vidas e que levam à compreensão das opiniões
emitidas acerca do ensino atual.
Istudei na roça até a 4a. série, depois quis pará pra ser doméstica quando
mudei com meu pai pra Juiz de Fora (mãe de aluno da 4a. série).
Fiz até a 4a. série e parei porque meu pai coitado ... ignorante achava que
muié não precisava istudá, tinha que casá. Aí parei. Quando resolvi fazê,
continuá o resto engravidei e casei (mãe de aluno da 2a. série).
Eu istudei até a 2a. série porque minha mãe morreu e meu pai me tirou da
escola pra trabaiá. ... Num achava importante. Ele tinha um bar e a gente
ajudava. Anotava o que vendia, dava troco. Eu também vendia laranja na
rua, saía cum cesto na cabeça e no final do dia prestava conta pro pai e ele
num dava nenhum trocado (pai de aluno da 2a. série).
Fiz o 2o. grau completo. Sou formada em enfermagem. Só que estudei com
muito sacrifício (a voz fica embargada). Os vizinhos, os colegas ajudava.
Meu sonho era fazer faculdade, curso superior de enfermagem mas já foi
tão difícil chegar ao 2º grau! (mãe de aluno da 3a. série).
Precisei pará de estudá porque os livro era muito caro e minha família era
grande, 12 filhos e não tinha dinheiro. Aí eu quis trabalhá na fábrica pra
podê comprá meus livro, ah... às veis fazia as tarefa de madrugada. Com o
tempo tive de pará porque fazia dois horários na fábrica e ficava cansada
(mãe de aluno da 3a. série).
56
unidade 5
A escola era longe de casa e nóis andava a pé um tempão pra chegá lá.
Quando chovia nóis ia descalço até a escola e lá nóis colocava os sapatos
prá não estragá. Chegava lá nóis não tinha nem vontade de aprendê (pai
de aluno da 1a. série).
Estudei até a 5a. série e parei porque mudamo pra cidade e fui pra escola e
achei muito diferente, não consegui me acostumá com o ensino da cidade
era mais puxado (mãe de aluno da 1a. série).
Meu marido repetiu a 5a. série muitas veis. Acho que é porque ele achava
os estudo difícil aqui na cidade e aí num conseguiu aprendê foi indo até
ele desistí de estudá. Hoje ele fala que num gostava de estudá ( mãe de
aluno da 3a. série).
57
lição e quando não decorava ela punha de castigo. Os nossos filhos agora
tem sorte. As professora tem paciência pra ensiná, quando eles não
entende elas explica de novo, não grita, não machuca as crianças (pai de
aluno da 1a. série).
• Quanto à parte pedagógica, não questionam a qualidade dos conteúdos, pois percebem,
através da ajuda que tentam dar aos filhos, em casa, durante as tarefas, que o ensino
é o mesmo, apenas mudou-se a forma como é conduzida a relação professor- aluno.
Muitas coisa eu ainda sei ensiná minha filha em casa. Às vezes, a professora
manda conta, redação pra fazê e eu consigo ajudá. Vejo, então que o pouco
que estudei tá servino pra alguma coisa (mãe de aluna da 4a. série).
Pelo que olho nos caderno dos meus filho, o estudo não mudou muito de
quando estudei. Pra mim o que tá diferente é o jeito da professora ensiná
e trata os aluno. É bem melhor né? (mãe de aluno da 3a. série).
• De modo geral, a escrita e a leitura sempre se mostraram para eles como algo difícil
de ser codificado e decodificado, sabem ler e escrever o básico e necessário. A leitura
em público inibe a produção oral, e a escrita é utilizada, em último caso, quando a
conversa não oferece recurso. Para estabelecerem contato com a escola, preferem
ir pessoalmente resolver os assuntos ou mandam bilhetes simples, pois temem ser
criticados ou ridicularizados.
Eu achava lê muito difícil mas conta eu sabia fazê de cabeça (mãe de aluno
da 3a. série).
58
unidade 5
Eu não gosto de escrevê, nem de lê. Prefiro conversá com as pessoa.
Quando a professora dela manda bilhete pra mim eu vou na escola e
converso. Minha escrita é muito errada e a professora pode não entendé
(mãe de aluna da 1a. série).
A leitura e a escrita são utilizadas pelos sujeitos da pesquisa, inicialmente, para a satisfação
escrita funções e utilizações que atendem às atividades mais comuns do seu dia a dia que,
Com relação à função religiosa, atribuída à leitura e escrita, pode-se verificar os seguintes
pontos centrais:
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Eu sou crente e levo meus filho menor pra Igreja. É pra conhecê, aprendê
o que é certo, aprendê que Deus é amor. Gosto que eles participe da Escola
Dominical e que escute com atenção os ensinamento da Bíblia. (mãe de
aluno da 3a. série)
Nóis vai na missa e ela segue direitinho o folheto. O pai delas tava fazeno
novena e levava e lá ela lia. Mas num pode falá com ela que tá leno errado
senão ela pará e não lê mais. Todo mundo achou lindo ela leno (mãe de
aluna da 2a.série)
Eu gosto de rezá com minha mãe. Ela já me ensinou a rezá o terço. Eu acho
meio difícil mas treino todo dia com ela. Quando nóis vai à Carismática eu
pego o livrinho de canto e sigo (aluna da 3a. série).
Eu já vi a minha mãe e o meu pai lendo a Bíblia. Ah, meu pai quando faz
novena ele lê uns livros. Outro dia meu pai me pediu pra lê na reunião.
Acho que engasguei mas não fiquei com medo e até gostei (aluna da
60
unidade 5
4a.série).
Na igreja da minha mãe tem uma hora que o pastor pergunta quem quer
fazer prece e eu fiz. Pedi pra ajudá na escola e ajudá minha mãe. Pedi pra
Deus né porque ele é que dá tudo pra gente (aluno da 3a. série).
• A Bíblia, nas residências, tem lugar de destaque nas estantes e é muito discutida com os
filhos, representa um material sagrado, merecendo respeito especial. Além da Bíblia,
os principais materiais de função religiosa utilizados são papéis de orações isolados,
que trazem correntes de oração, folhetos dominicais de missa (O Domingo), revistas
católicas (Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus e Louvemos a Deus, utilizados em
reuniões carismáticas).
Leio e medito as parte da Bíblia todo dia. Ele quer lê a Bíblia mas eu não
deixo ele pegá a minha porque é nova, eu ganhei de um irmão da igreja
e porque eu marco as partes que leio. Tem uma Bíblia velha lá em casa,
faltando folha ele pega e lê.(...) Tô pensano em comprar uma pra ele ( mãe
de aluno da 3a.série).
Ela mexe nos meu livro de oração, de novena. Eu costumo guardar umas
revista do Mensageiro do Sagrado Coração que o padre me dá e ela lê tudo
e pergunta sobre o que leu e eu acho bom porque aí ensino as coisa certa
(mãe de aluna da 3a. série).
O menino é pequenino mais gosta que eu leio as história da Bíblia pra ele.
Ele gosta da história da vida de Jesus. Agora que ele aprendeu a lê pega
a Bíblia e fica um tempão tentando lê as palavra quando não sabe me
pergunta (mãe de aluno da 1a.série).
Outro dia ela feis um trabalho bíblico lindo para o catecismo. Feis até
61
oração da cabeça dela e ninguém ajudou ( mãe de aluna da 2a.série).
Nóis não tem posse pra comprá brinquedo caro, roupa cara, livro caro.
Nóis só pode dizer, quando eles tira boa nota, que eles tão de parabéns. É
só o que a gente pode fazê (pai de aluno da 4a. série).
Eu e minha mulhé, nóis não é de ficá dano presente, nóis gosta é de vê eles
bem na escola. Então, a gente elogia, dá carinho e aí eles continua bem
(pai de aluna da 2a. série).
Às vezes, ele me mostra as provas. Mas sei que é um bom aluno, eu não
preciso me preocupá. Fico satisfeita porque ele me puxou, quando eu
estudei com toda dificuldade, como já falei, eu era boa aluna. Quando me
62
unidade 5
sobra um dinheirinho, compro um agrado pra ele e falo: Olha filho, isso
é porque você é bom aluno (mãe de aluno da 3a. série). Nesse sentido,
as crianças já percebem que podem valer-se do código escrito
para expor sentimentos, desejos, afeições e mágoas em relação a
si mesmos, aos entes queridos e mais próximos- pais, colegas de
classe e professora.
Ela tem uma agenda onde anota tudo: pensamentos, cartas, bilhetes...
(mãe de aluna da 3a. série).
Ele gosta de escrevé bilhete de amor. Sai copiano tudo que é poesia,
pensamento. Tá numa crença! (mãe de aluno da 3a. série).
... gosta de escrevé cartinhas pra gente achá. Quando a gente briga, ele
pede desculpa nos bilhetes. Só que às veis, ele esconde tão bem escondido
que eu acho muito depois (mãe de aluno da 4a. série).
Outro dia, minha filha ficou doente e eu não tinha jeito de deixá ela
sozinha, aí eu pedi pra coleguinha levá um bilhete pra professora avisano
(mãe de aluno da 1a. série).
63
Como ele tá com crença de escrevê cartinha pras menina, ele aproveita
e copia uns versinho pra professora (mãe de aluno da 3a. série). Os pais
utilizam a escrita, no seu dia a dia, como necessidade imediata para
registrar pequenas transações comerciais, como venda de leite e de
verduras produzidas pela família, para registrar compras feitas no
mercadinho, na padaria e fazer pequenos comunicados. A escrita
manifesta-se, ainda, na cópia de receitas culinárias pelas mães, ato
que incentiva as meninas a fazerem desde cedo seu caderno de
receitas. Nesses momentos, segundo os pais, os filhos participam,
observando o trabalho, provocando, assim, a percepção das várias
utilizações da escrita em seu cotidiano.
Quando meu pai tá leno a agenda dele, ele coloca contas, quem tá deveno
ele (aluno da 2a. série).
Nóis planta horta, que é grande como pode vê, pra vendê as verdura e os
legume pros vizinho e pra gente mesmo. Tem de tudo: couve, cenoura,
cebolinha, erva- fresca, laranja... A gente anota as venda naquele caderno
que fica na mesa. Todos da casa sabe disso. Agora o menor aprendeu a
escrevê e pediu pra ajudá e ele anota direitinho, o nome de quem comprou,
o que vendeu e quanto de dinheiro. Nóis confia nele (mãe de aluno da 1a.
série).
• Os pais não têm o hábito de escrever cartas, pois devido ao baixo nível de escolarização
de grande parte dos entrevistados, possuem receio de cometer erros ortográficos. Já
os filhos desenvolvem esse hábito na escola e aproveitam datas comemorativas, como
aniversários, dia dos pais e das mães, Natal, ou mesmo utilizam-se desse modelo de
escrita para estabelecerem contato com colegas.
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unidade 5
Nunca vi minha mãe, nem meu pai escreveno carta pra ninguém. Mas eu
gosto, ainda mais quando a outra pessoa responde né? Às vezes, quando
eles precisam de escrevê carta pra minha tia que mora no Rio, eles me
pedem (aluno da 4a. série). Em casa, ninguém acha bom quando tem que
respondê carta. No último caso, eu escrevo e peço pro meu filho mais
velho olha que ele sabe mais (pai de aluno da 4a.série).
A professora vai fazê amigo oculto na sala no final do ano e eu vou escrevê
uma carta bem bonita pro meu amigo. Vou escrevê pra professora também
dano feliz natal aluna da 2a. série).
De vez em quando, compro a revista Época pra eles, pra ajudá na escola.
Mas é muito cara pra gente comprá sempre (mãe de aluno da 2a. série).
Eu gosto de ler de tudo, ainda mais jornal que deixa a gente informado.
Mas a banca de jornal fica longe de casa e eu também não posso comprá
sempre (pai de aluno da 4a. série).
• Uma outra função encontrada para a leitura e escrita foi a que se refere à função
informativa ou por prazer, que são menos comuns. Quase não se encontra a presença
65
de revistas em quadrinhos ou de outras destinadas ao lazer, como revistas de moda,
horóscopos e romances. Mesmo assim, as meninas gostam muito desse tipo de leitura,
quando o têm em mãos.
... então, ele lê revista em quadrinho, revista de futebol, ele adora futebol,
o tio compra pra ele no final de semana e ele lê tudo (pai de aluno da 3a.
série).
• Os livros de literatura utilizados são aqueles fornecidos pela escola, por empréstimo.
A criança lê e devolve para a biblioteca escolar.
Toda semana, ela vem com um livro diferente pra casa. É bom a escola
emprestá os livro, porque é muito caro. Aí ela chega em casa fica leno pro
irmãozinho e ele adora (mãe de aluna da 3a. série).
É muito engraçado! Ele chega em casa e põe o pai sentado pra escutá a
história do livro que pegou na escola. Aí o pai tá cansado do trabalho e ele
vê que o pai não tá com atenção ele chama a atenção do pai (mãe de aluno
da 2a.série).
66
unidade 5
5.3- Papel da família na aprendizagem da leitura e escrita escolar
A gente ensina com o que a gente sabe né? Eu istudei pouco... aí eu cobro
leitura, vejo se tem tarefa, tento ensiná o que não sabe... (pai de aluno da
2a.série).
Ele pede pra mim estudá a tabuada e romanos. E toma a tabuada... (aluno
da 2a. série).
A tia dela é professora primária, foi a única de casa que istudou então ela
ajuda muito dá livro que não usa mais e quando a professora manda tarefa
que ninguém em casa sabe ela que ensina (mãe de aluna da 3a. série).
67
A mãe outro dia não me deixou brincá na rua enquanto eu não falei a
tabuada pra ele de cor, na pontinha da língua (aluno da 3a. série).
Quando ela tava na pré- escola eu arrumei uma cartilha velha pra ela... aí
eu fui ensinano a juntá as letra e quando ela começou na 1a. série já sabia
lê (mãe de aluna da 1a.série).
Ele confia mais ni mim. Quando num posso ajudá, o pai tenta e no dia
seguinte ele tá atrás de mim, pede pra eu olhá tudo de novo. Acho que
é porque o pai diz que istudou nada... mais eu só copio os exercício do
caderno dele, ele fais de novo e aí eu confiro com o caderno ( mãe de
aluno da 4a. série).
Ela tem um irmão que tá na 3a. série. Eu guardei uns caderno da 1a., série
dele aí eu pego copio os exercício nas folha pra ela (mãe de aluna da 1a.
série).
Outro dia ele me disse que nem parece que istudei pouco porque eu
sempre ajudo ele... É isso. Faço questão de acompanhá meu filho na escola
e pra isso eu sempre olho os caderno dele, mesmo se eu não entendo eu
estudo com ele. Dia de prova eu arrisco até fazê prova pra ele: escolho uns
exercício no caderno e passo depois corrijo (mãe de aluno da 4a. série).
• Alguns pais colocam que, ao final dos momentos de estudo, eles é que estão aprendendo
com os filhos que terminam por ensinar o que de novo não conhecem. Os filhos, por
sua vez, sabem da importância desses momentos em que se tornam professores dos
próprios pais.
Sei que aprendi muito com ele quando olho as tarefa. Tem hora que ele
fala: mãe a senhora corrigiu errado. Mas sabe a verdade?... eu não corrigi
errado não. Eu não sabia a resposta, né? Aí ele me ensina ( mãe de aluno
da 3a. série).
68
unidade 5
Gosta de vê ele leno pra mim. Às veis ele me pede pra lê também. Sabia
que eu fico com vergonha dele? Quando eu atropelo as palavra ele me
ensina...do jeito dele mais ensina (mãe de aluno da 1a. série).
Quando ele acha a tarefa fácil, nem mostra. Fala que já acabou. Mas eu
olho assim mesmo, mesmo que ele não quê (mãe de aluno da 2a. série).
• A escola é para eles um lugar quase sagrado, onde reside o conhecimento, a boa
educação, os instrumentos que possibilitarão aos filhos a inserção social que eles não
tiveram. Os filhos crescem, portanto, ouvindo dos pais, a todo momento, afirmativas
sobre o papel da escola em suas vidas e incorporam essa posição em seu discurso.
69
A escola dá condição pra ser alguém. Eu sempre falo pra eles: olha como
a mãe tá, lavano roupa pra fora...ocês tem que ser diferente (mãe de aluno
da 3a. série).
A escola é importante porque eles tem que ter bom emprego... a escola
hoje é boa, tem merenda boa, professor bom, livro, não é como no meu
tempo, né? (mãe de aluno da 4a. série).
... para ter um futuro melhor e de todos do nosso mundo, para ensiná os
outro que não sabe que nem a professora ensina a gente... (aluno da 2a.
série).
Para ter um futuro melhó, para ter uma profissão melhó. Cê sabe né? Só a
escola dá condição pra gente, minha mãe sempre fala isso pra gente lá em
casa (aluna de 1a. série).
A escola de hoje ensina muito mais. No meu tempo era devagar... eu não
gosto de falar mal da escola. Acho que os pais que incentiva os filho em
casa já consegue que os filho saia melhó na escola. A escola fais seu papel...
(pai de aluno da 1a. série).
... eu não sei ensiná do jeito que a escola ensina, as coisa que ele vai precisá
pra vida dele. Digo sempre pra ele que sem a escola, hoje eu não seria
enfermeira. O pai sempre compara nosso trabalho, diz que eu posso fazê
outras coisa, ele não porque não estudou (mãe de aluno da 3a. série).
Minha mãe trabalha até tarde todo dia porque ela estudou pouco. Quando
a gente chama ela pra entrá ela diz: Se eu tivesse estudado teria hora pra
começá e pará de trabalhá por isso ocês tem que estudá pra não passá por
isso (aluno da 3a. série).
70
unidade 5
O futuro profissional de seus filhos e sua tranquilidade financeira é definida pela
importância que o estudo tem em suas vidas: quanto maior o grau de instrução, maiores
as chances de ser alguém realizado enquanto cidadão.
Ele diz que vai sê médico. Aí eu falo que ele vai tê que istudá mais que
os outro porque médico é profissão difícil... ele diz que se fô médico vai
compra casa melhô, carro, eu fico torceno pra isso (mãe de aluno da 4a.
série).
Eu vou pro quartel. Vou começá de soldado mais quero chegá a capitão...
eu sei que ganha mais dinheiro então eu vou estudá mais pra consegui
mais rápido (aluno da 3a. série).
• Especificamente, a leitura e a escrita devem preparar seus filhos para todas as situações
da vida, para todos os objetivos e interlocutores.
Eu cobro a leitura sempre pra que eles possa conviver com os outro. Eu
não estudei mais em qualquer lugar que vô sei lidar com as pessoa porque
gosto muito de lê (mãe de aluno da 2a. série).
A escola ensina a lê e escrevê certo. Cê vê, tem gente que não sabe pegá
ônibus, fazê compra... (pai de aluno da 1a. série).
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A escola deve ensiná que a leitura e a escrita não só pra escola, mas pra
outras coisa da vida (mãe de aluna da 1a. série).
72
unidade 5
Sendo assim, no presente estudo, verificam-se:
5.5.1- Atitude
• insegurança
• despreparo
• inferioridade
• aumento da fé
• afeto
• prazer
• desejo de ascensão social
5.5.2- Informação
As imagens ou figuras cristalizadas nas falas dos sujeitos, a respeito dos usos e funções
sociais da leitura e da escrita, foram:
• Religiosidade
• Valorização da oralidade
• Comunicação simples
• Escrita e leitura escolar
• Influência da escola
• Instrumentos de poder
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