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FICHAMENTO: PODER
BIBLIOGRAFIA: FERES JUNIOR, João e POGREBINSCHI, Thamy. Teoria Política
Contemporânea: uma introdução. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 158-180
“A palavra “poder” é de origem latina e advém do verbo potere, que naquela língua significa
“ser capaz de”. Os substantivos latinos derivados do verbo são potestas e potentia. Este último
tem o sentido de “capacidade ou habilidade de uma pessoa ou coisa de afetar outra”. Já potestas
carrega um sentido político mais próximo de autoridade, da capacidade, coletiva ou individual
de agir, ou mesmo de ação concertada, como no dito atribuído a Cícero, Potestas in populo,
auctoritas in senatu (o poder no povo e a autoridade no senado).” (p.158)
“No começo da Idade Moderna, Thomas Hobbes deu um tratamento filosófico ao conceito que
é consonante com sua teoria mecanicista da natureza. Para o autor, o poder é uma relação de
causa e efeito entre um agente e um paciente. Em seus próprios termos, “o poder do agente e a
causa eficiente [da ação do paciente] são a mesma coisa (Hobbes, 1969:cap. X). Em passagem
do Leviatã o autor proclama: “O poder de um homem [é tão somente] os meios presentes que
ele tem de obter um ganho futuro (Hobbes, 1996).” (p.158)
“Contudo, muitos profissionais da ciência política adotam a definição de Max Weber, segundo
a qual o poder corresponde à “probabilidade de um ator, em uma relação social, estar em uma
posição para exercer sua vontade a despeito de qualquer resistência e a despeito das bases sobre
as quais essa probabilidade se assenta” (Weber, Henderson e Parsons, 1947:152).” (p.159)
“A despeito de sua aparente simplicidade, tal definição é meramente descritiva e não diz nada
a respeito de quem exerce o poder (governantes, cidadãos, capitalistas, sociedade civil etc.),
quem sofre suas consequências, quais são essas consequências (opressão, progresso, liberdade,
submissão), quais são os meios para o exercício do poder (coerção direta, influência,
consentimento etc.) e, acima de tudo, o que isso tem a ver com política.” (p. 160)
“[...]o autor estava mais interessado na sociologia da produção da legitimidade do poder, que
para ele pode se obter de três formas: racional (quando as pessoas obedecem por meio do
cálculo racional de seus interesses, segundo regras claras e explícitas, como leis, constituições
etc.), tradicional (quando as pessoas obedecem por costume ou hábito arraigado na cultura) e
carismática (quando as pessoas obedecem devido ao fascínio exercido nelas por um líder com
características extraordinárias).” (p. 160)
“De maneira geral, essas novas abordagens à questão do poder escapam no modelo hobbesiano-
weberiano, seja por negarem ou relativizarem a relação agente-paciente ou por deslocarem a
questão do poder do indivíduo para as estruturas e instituições da sociedade, da ação racional
para a ação culturalmente informada, da submissão do indivíduo/sujeito para sua própria
constituição ou, ainda, da negatividade à produtividade do poder.” (p. 161)
“Ao contrário do modelo “clássico”, que pretende ter uma abordagem axiologicamente neutra
do poder, Lukes afirma que o poder pertence à categoria de conceitos que são sempre
dependentes de valores: “Tanto sua definição quanto seus usos, uma vez estabelecidos, são
indissoluvelmente ligados a um dado conjunto de premissas valorativas (provavelmente não
declaradas), que predeterminam o escopo de sua aplicação” (Lukes, 2005:30).” (p. 162)
“Já a concepção bidimensional do poder surge para contornar essa crítica à concepção
unidimensional. Ela tem como fatores a tomada de decisões, mas também o controle sobre a
agenda, os temas e os temas potenciais, conflitos observáveis (abertos e fechados), interesses,
entendidos como preferências por políticas de governo ou reclamações quanto a elas. A crítica
de Lukes a essa segunda concepção é de que ela é muito dependente de variáveis observáveis.
O poder pode também ser exercido pela influência, o que escapa à observação direta.” (p. 162)
“Como podemos concluir, a formulação de Lukes, ainda que seja analiticamente rica e
detalhada, esbarra no problema de ligação entre teoria e empiria, isto é, o de se determinar os
interesses concretos de grupos que não são capazes sequer de ter acesso cognitivo a eles devido
à aceitação não reflexiva de padrões de valores e costumes que reforçam os status quo e,
portanto, o poder dos grupos dominantes.” (p. 163)
“Em outras palavras, Arendt rejeita a definição clássica de poder e, por conseguinte, os meios
de exercício do poder que essa definição permite, mesmo que por pura omissão. Para a autora,
o poder não é algo natural, como a força física, mas uma produção coletiva, uma criação
humana.” (p. 164)
“Na definição de Arendt, o poder é uma forma de ação coletiva baseada primordialmente na
persuasão, isto é, na habilidade de se angariar o consenso por meio da argumentação. Isto é,
não se trata de qualquer ação, mas somente daquela que tem propósito comunicativo.” (p. 164)
“Esse poder é propriamente poder político. E o que sustenta sua legitimidade é a reunião das
pessoas deliberando por meio da ação comunicativa com vistas a um fim comum. Portanto, tal
poder deve ser independente de fatores econômicos, geopolíticos ou de ordem burocrática, caso
contrário as pessoas não estariam livres para deliberar.” (p. 164-165)
“Mas a concepção de Arendt não é tradicionalista, isto é, ancorada somente no passado, pois o
poder depende da legitimação continuada que emana da deliberação racional dos sujeitos. Ele
não está apenas na fundação da comunidade política, mas é também uma fonte de legitimação
contínua das instituições políticas, que devem ser plásticas o sufi ciente para se adaptarem às
novas circunstâncias que surgem do intercurso comunicativo entre os cidadãos.” (p. 165)
“Em suma, Hannah Arendt subverte a definição hobbesiano-weberiana de poder, retirando dela
seu caráter instrumental e individualista, e coloca esse conceito no cerne de uma teoria
republicana da política, onde a participação dos atores no espaço público por meio da
argumentação racional é o elemento fundamental.” (p. 166)
“Quando Foucault afirma que é preciso estudar o poder fora do modelo do Leviatã, o que ele
quer ressaltar é a necessidade de se pensar o poder fora do campo do Estado e, mais
especificamente, da soberania e de suas instituições. Mas isso também não significa que o poder
deva ser pensado em termos marxistas. A noção de dominação também não é suficiente para
dar conta do conceito de poder, diz Foucault; não se a ela não for concedida uma conotação
eminentemente positiva – coisa que o marxismo, segundo ele, não fez.” (p. 167)
“Portanto, o conceito de poder de Foucault tem a ambição de, a um só tempo, romper com os
esquemas predominantes de interpretação – seja aquilo que ele chama economicismo na teoria
do poder, no caso das abordagens jurídicas e marxistas, sejam aquelas outras concepções que
privilegiam o conteúdo belicoso ou repressivo do poder.” (p. 168)
“Afastar a hipótese repressiva significa, antes de qualquer coisa, substituir o que seria uma
“teoria” do poder por uma “analítica” do poder. Uma analítica do poder – que define o domínio
específico formado pelas relações de poder, bem como os instrumentos que permitem analisá-
lo – só é possível, por sua vez, se expurgada for aquilo que Foucault chama nesse livro de
“concepção jurídico-discursiva” do poder, ou seja, mais uma vez as teorias jurídicas
constitutivas da imagem do poder enquanto soberania estatal.” (p. 170)
“E, para que o poder deixe de ser visto como algo negativo, para que deixe de ser associado
com repressão e interdição, é preciso que ele deixe de ser visto como lei, como direito. É
preciso, enfim, que se rompa com a sua visão jurídica, que se corte a cabeça do rei!” (p. 170)
“Nesse contexto, o poder transparece antes em seu aspecto positivo e produtivo; ele se encontra
na verdade irrompendo em pequenos mecanismos, técnicas e procedimentos, e mais do que
isso: o poder se encontra em mecanismos positivos, produtores de saber, multiplicadores de
discursos,indutores de prazer e geradores de mais poder.” (p. 171)
“Em sua forma, portanto, mais abstrata, o conceito foucaultiano de poder não mantém nenhum
contato com os conceitos de Estado, soberania, lei e dominação. Ele é compreendido como “a
multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas
de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes, as transforma,
reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando
cadeias ou sistemas ou, ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim,
as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo
nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais” (Foucault, 2001a:89).”
(p. 171)
“Poder e saber – poder-saber, portanto, esse outro conceito foucaultiano que é ao mesmo tempo
duplo e singular, plural e único – se articulam, por conseguinte, justamente no seio dos discursos
sobre o sexo. São esses discursos, e não outros, que Foucault elege para demonstrar como as
estratégias de poder são imanentes à vontade de saber.” (p. 172)
“Além disso, a ideia de repressão implica diretamente uma percepção negativa do poder, fato
este que Foucault quer a todo custo evitar. Acrescente-se a isso que a ideia de repressão também
se associa a uma abordagem jurídica do poder. Quando encarado pelo ângulo da repressão, o
poder é compreendido como uma norma e, mais do que isso, como uma norma proibitiva, que
proíbe, ou seja, que diz não – o que só viria, por sua vez, a reforçar o caráter negativo do poder
que Foucault quer justamente evitar.” (p. 172)
“O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e retirar, tem como
função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”
(Foucault, 2001b:143). Isso porque a modalidade disciplinar do poder faz aumentar a utilidade
dos indivíduos, faz crescer suas habilidades e aptidões e, consequentemente, seus rendimentos
e lucros. O poder disciplinar, através de suas tecnologias de poder específicas, torna mais fortes
todas as forças sociais, uma vez que leva ao aumento da produção, ao desenvolvimento da
economia, à distribuição do ensino e à elevação da moral pública, por exemplo (Foucault,
2001b:172).” (p. 174)
“Na medida em que o poder disciplinar é uma modalidade de poder múltipla, relacional,
automática e anônima, a disciplina, por sua vez, também faz crescer e multiplicar aquilo e
aqueles que estão a ela submetidos. Nesse sentido, pode-se dizer que a disciplina é uma técnica
que fabrica indivíduos úteis.” (p. 175)
“Para que o dispositivo disciplinar se exerça plenamente em todos os seus efeitos, basta que
aqueles que estão a ele submetidos saibam que são vigiados ou, mais (ou menos) do que isso,
que são potencialmente vigiados. A potencialidade da vigilância, sua possibilidade apenas, é
por si suficiente para que o poder disciplinar se exerça justamente porque com ela uma sujeição
real nasce de uma relação fictícia.” (p. 176)
“Daí Foucault afirmar que o poder disciplinar funciona como uma máquina, se organiza como
uma pirâmide e opera como uma rede. Com sua forma hierarquizada, contínua e funcional, a
vigilância também estabelece uma simetria crescente entre poder e produção, poder e saber.
Mais uma vez, a fórmula foucaultiana se repete: quanto mais poder se exercer sobre os
indivíduos, maior será a sua produtividade; quanto mais o poder discipliná-los, mais saber eles
gerarão.” (p. 176)
“O castigo disciplinar tem a função de reduzir os desvios, ele é corretivo. Com a sanção, os
indivíduos são diferenciados em função de sua natureza, de suas virtualidades, de seu nível ou
valor; são, enfim, avaliados e, por isso, são, mais uma vez e por mais um motivo,
individualizados. A punição característica do poder disciplinar, contudo, não visa a expiação
nem a repressão: “A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os
instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeneiza, exclui.
Em uma palavra, ela normaliza” (Foucault, 2001b:153).” (p. 176)
“São muitas as variações, entretanto, encontradas entre as duas mecânicas de poder em questão.
Ao passo que o poder disciplinar se faz sentir nos corpos dos indivíduos, o biopoder aplica-se
em suas vidas. Enquanto a disciplina promove a individualização dos homens, o biopoder
acarreta uma massificação, tendo em vista que ele se dirige não aos indivíduos isolados, mas à
população. Daí que os efeitos do biopoder se fazem sentir sempre em processos de conjunto,
coletivos, globais, que fazem parte da vida, da vida de uma população: os nascimentos, as
doenças e as mortes constituem exemplos desses processos.” (p. 178)