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PAPEL

de Bobby Baq

PERSONAGENS:

ALAN- Ator-galã, 16 anos. Camiseta branca e calça jeans.


PEDRO- Nerd-religioso, 16 anos. Camisa azul listrada com riscas estreitas.
JULIA- Hipster-irônica, 16 anos. Fora do padrão “esbelto”. Veste a ultima tendência
mais esquisita.

CENÁRIO:

Um palco disfarçado de galpão/depósito escondido. Algumas caixas de papelão


espalhadas entre os refletores. Mal iluminado. Do lado de fora uma noite chuvosa.

SP, 2015
CENA 1
O palco escuro, acendem-se as luzes, inclusive da platéia. Ali está Alan. Ele olha ao redor, olha
pra platéia. Explora o palco.

ALAN- Oi? Desculpa, mas isso é o que mes...

Interrompido pela narração.

NARRAÇÃO- “Que a descrição te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao


gesto, tendo sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é
contrário aos propósitos da representação”

Alan parece não entender. Reflete um pouco e conclui.

ALAN- Ah! Saquei. Isso é tipo um teste?! Uma audição? Desculpa, eu tive pouquíssimo tempo
pra ler o texto que vocês devem ter me mandado... pra falar a verdade eu acho que nem
recebi! Algum de vocês tem um pra me emprestar?

Silêncio.

ALAN- Ok. Posso começar passando minha ficha pra vocês!

Se arruma e imposta a voz.

ALAN- Bom di... tard.. Olá! Eu sou o Alan, tenho 16 anos! Ator profissional desde bebê.
Já fiz comercial de fraldas, de brinquedo, de petshop. Depois cresci, fiz um longa e uma novela
das sete, de onde vocês provavelmente devem lembrar de mim. O filho do Paulo Cegonha, do
núcleo rico, lembra?

Pausa.

ALAN- Acabei de me formar no primário e to entrando no colegial. Sempre bom aluno. Tirando
matemática que não é muito o meu for...

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Interrompido pela narração, ofendido.

NARRAÇÃO- “...o exagero é contrário aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre
foi, e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas
próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua
forma.”

Silêncio.
Abre-se um foco de luz em Alan. (Ou algum outro tipo de marca que indique
claramente para ele que este é o momento de um solilóquio. Estes momentos se repetirão.)

ALAN- Desculpa, de verdade. Eu tenho que repetir aquele texto inteiro? Eu parei na igmoni...
ingomin... inigo... na metade! Eu não quero que vocês pensem que é problema de dicção não,
eu só não conheço a palavra. Faço fono regularmente e a doutora Paula arrasa. Fera mesmo,
eu só não tive tempo de decorar aquela palavra... e... o resto do texto.

Enxuga o suor e espera algum tipo de resposta.

ALAN- Ta ótimo então pessoal, pra mim deu. Eu to um pouco confuso hoje, vamo remarcar?
Fala com o César, meu agente. É questão de saúde mesmo, não lembro nem como eu cheguei
aqui, pra vocês verem! Isso não é comum, por que geralmente meus testes e audições acabam
em aplauso. Aplauso!

Silêncio. Se da conta de algo.

ALAN- Ah... A não ser que seja pra eu improvisar! Eu posso! Inclusive eu já estava
improvisando. Todo o papo da amnésia! Hein... ahn? Bem, eu tava vindo pra cá e vi um
negócio que me fez pensar, não é esquisito quando a gent...

NARRAÇÃO- “O exagero ou o descuido, no ato de representar, podem provocar riso aos


ignorantes, mas causam enfado às pessoas judiciosas, cuja censura deve pesar mais em tua
apreciação do que os aplausos de quantos enchem o teatro.” Hamlet.

Blackout. Terceiro sinal.

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CENA 2
Acendem-se as luzes do palco, agora com a platéia apagada.

ALAN (para si mesmo)- Isso é uma peça mesmo! Ok... Pensa... pensa... Qual é o seu papel?
Qual é o MEU pap...

Interrompido pela narração.

NARRAÇÃO- Dois mil e quinze, a partir daqui, um pouco mais adiante, tudo será diferente
para o trio: ele, Júlia e Pedro. Mas, afinal, o tão aguardado amigo-secreto marcaria o que? Um
dasapontante final, ou um entusiasmaste inicio? Mal sabia que tudo estava em suas mãos.

ALAN- Suas... minhas?! Falando de mim, né?

Entram JULIA e PEDRO rindo até se darem conta da presença de ALAN.


ALAN petrifica.

JULIA- Nossa, vai chover. Você chegando antes de todo mundo?


PEDRO- Não vai chover, não vai gear, não vai nevar, não vai acontecer nada! A não ser a
melhor secret party ever!
JULIA (ironizando)- Uau. Em inglês soa melhor mesmo.

Os dois riem e notam que ALAN não os acompanha. ALAN força uma risada também.

ALAN- Secret party... Que figura, né... Pedro? Essa festa é secreta desde quando, mesmo?
JULIA- Eita que alguém ta com amnésia de porre! Tava bebendo ontem de novo, é?
PEDRO- A gente tinha conversado disso antes, não? Estudou que com a nossa idade o efeito
do álcool é cinco vezes mais prejudicial no organismo e pode deixar seqüelas definitivas?
ALAN- Não! Sim... Conversamos, estudamos...

ALAN se arruma, imposta a voz e fala pra platéia:

ALAN- Você ta falando da aula da professora Neide!


JULIA- Vish! Isso ai já é seqüela definitiva então!

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PEDRO- Que professora Neide?! Vem aqui, chapinha. Ta tudo certo com você? Chegou cedo,
ta com essa cara de bocó, falando uns negócios em random. Me diz, pelo amor de Deus, que
ao menos você trouxe o presente pro nosso amigo secreto, né?!
ALAN- Trouxe!

Começa a vasculhar os bolsos de seu casaco e encontra um pacote vermelho. Balança o pacote
vermelho aliviado e orgulhoso, mostrando-o pra platéia.

JULIA- Que festa lotada! E o resto dos convidados? Cadê, hein?


ALAN- Eu chamei uma galera aí... devem tá chegando...

PEDRO e JULIA se olham muito assustados.

JULIA- Cê cheirou meia?

PEDRO desespera começa a recolher as coisas que trouxe consigo para ir embora.

ALAN- Uou, calma. Zoeira! Eu já entendi que é SECRET. Tava entrando na sua piada.
PEDRO-Não faz isso. Infarto na minha idade é mortal e eu tenho sopro, arritmia...
JULIA- Calma, xuxu. Olha, vai dar tudo certo ninguém vai sair daqui tão cedo, a festa ta só
começando!

JULIA tira coisas de dentro da sua mochila, decoração para a festa, talvez pisca-pisca e também
um pacote vermelho similar ao de ALAN, deixando-o no chão próximo de onde ele está
sentado.

JULIA- Olha, posso não ter lá todos os recursos desse mundo, mas... Vi isso num blog, vai dar
um clima bacana pra esse covil que cê arrumou pra gente, Pedro. O cheiro de velho...
paciência, mas o visu vai mudar.

ALAN olha ao redor e nota estar em uma espécie galpão, ou deposito abandonado. Vai ajudar
JULIA com a decoração.

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PEDRO- foi mal, mas se era pra arrumar um lugar escondido pra fazer nossa “festa da
vergonha”, arrumassem vocês um lugar!
ALAN (confuso)- Mas não é pra ser a melhor secret party ever?
JUlIA- É. Valeu pelo típico otimismo, viu... Mas nem ele vai livrar a gente dessa mancha no
Currículo.

Blackout.

NARRAÇÃO- “Do jeito em que o mundo anda, ser honesto é ser escolhido entre dez mil.”
Hamlet.

Abre um foco de luz (marca do solilóquio). ALAN corre até ela.

ALAN- Ok. Perfeito. A história já saquei, festinha, gatinha, nerd esquisito. Somos três
personagens... Eu sou: otimista? Acho que sou o herói da história que ta por vir. A gata só
pode ser a mocinha e... Bom, tem que ter um vilão. Deve ser o dr. Strangelove ali. Bóra nessa
peça que meus bigodes de gato já deram conta do recado e vocês vão ter o melhor galã de
peça adolescente da história.

Estrala os dedos como sinal para que a luz do solilóquio se apague. Ela continua acesa. Estrala
novamente.

ALAN- Eu quis dizer: to pronto! Vamos continuar!

Pausa

ALAN- Oi? Ôh da luz? Tempo é dinhei...

As luzes voltam ao normal.

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CENA 3

Voltam das posições de onde estavam antes do blackout.

PEDRO- Ju, não demora muito com os enfeites que a festa tem que começar.
JULIA- Mas isso faz parte da festa. A preparação, os “ois”, os papos furados... Você no seu
quarto se arrumando pra vir pra cá já é, sozinho, o inicio da festa!
PEDRO- Eu não sei que psicologia é essa que você anda estudando, mas faz sentido. Eu tava
bastante em dúvida entre a camisa pólo xadrez e a camisa pólo riscada. A idéia da xadrez era
ficar hipster, cool e vintage meio assim que nem você, o problema é que eu parecia o meu vô
quando olhei no espelho!
JULIA- Não é só uma questão de roupa! Roupa, mente e corpo tem que estar em perfeita
harmonia! Eu já to quase lá!
PEDRO- Falar é fácil, sei que daí eu desisti e pensei em como ele viria.
ALAN- E como eu viria?
PEDRO- Com alguma coisa mais escura, mais pesada. Talvez uma roupa agressiva... Dai vesti
minha camisa riscada.
ALAN- Eu viria mais agressivo...
JULIA- E como uma camisa riscada pode parecer pesada e agressiva, meu senhor?
PEDRO- Inconscientemente as pessoas assimilariam as riscas verticais a grades! De cadeia! Só
uma coisa pesada e agressiva pode estar atrás disso! Chama gestalt, pessoal!
ALAN- E você não escolheu a mais agressiva?
JULIA- OI? Primeiro, a teoria do dr. Freud é muito complexa pro mundo real, o Pedro ia
parecer o mesmo goiaba de sempre vestindo qualquer uma das duas. Mesmo que fosse uma
fantasia do Chuck Norris! Mas é isso, decidiu por nenhuma das duas no fim? Por que essa azul?
Sua mamãe pediu?
PEDRO- Vocês tão cegos? Eu escolhi a listrada. É que as listras são muito estreitinhas, mas se
você chegar bem pertinho você vai ver as listras azuis. Eu achei que um visual mais agressivo
que nem o dele ia ser ideal pra uma festa secreta num lugar sinistrão. Mas acho que errei o
figurino, nem você veio como de costume.
ALAN- Eu? Resolvi mudar hoje... Uma camiseta branca e uma calça jeans tem seu poder.
JULIA- De acordo, ta a cara do Marlon Brando, do James Franco...
PEDRO- Do seu madruga...
ALAN- Ótimas referências, Pedro.

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JULIA- Falando em seu madruga e em começar a festa já começada, vou cobrar a sua divida:
por que você ainda não começou a montar nosso som, hein?
ALAN- Pode me cobrar que pra você eu cumpro qualquer dívida com muito prazer, minha
patroa!

ALAN anda um pouco procurando as caixas de som.

ALAN- Onde mesmo tão as caixas que você trouxe?


JULIA- Oi?
ALAN- As caixas!
JULIA- É outra piada?
ALAN- É! Não, quer dizer... Eu deveria ter trazido?
JULIA- Como você é cínico garoto! E ainda tem a capacidade de perguntar pra mim onde tão as
caixas que EU deveria ter trazido?!
PEDRO- Calma, pessoal. Vamos deixar a musica pra lá?
ALAN- Isso, passou... Desculpa.
JULIA- DEIXAR A MUSICA PRA LÁ? De que terra você veio, Pedro? Que festa não tem musica?
Festa sem musica não é festa, é o culto que sua mãe te leva. Se bem que até lá deve ter um
violãozinho fuleiro!
ALAN- Poxa, desculpa, Ju...
JULIA- JU?
PEDRO - Aquilo não é culto, é uma reunião de jovens que eu O-DEI-O, pra que ficar falando
disso agora?
ALAN- Eu me esqueci completamente! Desculpa, eu dou um jeito! Me passa um telefone de
alguém que tem uma caixa e a gente empresta.
PEDRO- Não tem mais ninguém da nossa turma na cidade, todo mundo foi pra viagem de
formatura!
JULIA- E mesmo que tivessem eu não ia deixar ninguém sair daqui pra por em risco a minha
reputação descobrindo que to nessa reunião de jovens da igreja.
PEDRO- Para de falar isso!
JULIA- Paro sim, não só paro como também pico minha mula dessa cilada.
ALAN- NÃO!
PEDRO- WAIT! A festa nem começou ainda!

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JULIA sai, ALAN vai atrás e antes de sair de cena acende a luz do solilóquio, ele volta para
entrar no foco da luz, mas PEDRO entra antes, então ele para do lado e assiste. Pedro não
o enxerga. Pedro tira o celular do bolso e faz uma ligação.

PEDRO- Mãe?! Oi.

Pausa. Numa crescente de raiva

PEDRO- Por que? Por nada... liguei só pra dar noticia mesmo. (...) Não, nenhuma específica. To
um pouco nervoso sim. É que o pastor não chegou na reunião, acho que por causa da chuva...
Eu vou embora mais cedo! (...) Eu queria bastante ficar aqui hoje, achei que ia ser uma noite
Repleta de bênçãos! (...) Não vou ficar por que não vai ter mais ninguém, mãe! O que é um
encontro de jovens sem os jovens? Se é pra ficar sozinho, prefiro ficar em casa. (...) Sim, a
senhora ta certa, ficar na casa do Senhor é mais seguro mesmo.
Mas sabe qual é o problema, mãe? O satanás! Ele sempre dá um jeito, né? O capiroto é
ardiloso! Eu fiquei esperando esse encontro aqui na igreja a semana toda... ou mais! Hoje
tinha que ser especial! Mas o que acontece? O satanás envia o seu exército! Primeiro ele
disfarça bem os soldados, eles vem todos como quem não quer chamar atenção, tipo... camisa
branca e calça jeans, sabe? Mas ai quando você menos espera? O farsante te apunhala pelas
costas e assusta todo mundo da sua festa! Digo, da sua reunião de jovens... Você encomenda
um sol e passarinhos cheios de musica e ele traz o que? A discórdia e a chuva! (...) Isso mãe, é
o exército de satanás!

PEDRO marcha como o exército de satanás até encontrar um pacotinho vermelho no chão.
ALAN o segue assistindo, muito assustado.

PEDRO- Mas mãe, o problema é que o coisa ruim é meio burro, né?! (...) Sim!

Pausa. Pega o pacote e olha fixamente. ALAN atrás dele retira o seu próprio pacote vermelho
do bolso e confere que não é o seu, ou seja, o pacote vermelho com PEDRO é de JULIA.

PEDRO- Mãe. Se o demônio estraga o seu dia, é pecado você estragar o dia dele? (...) Estragar
Como? Orando! Não é pecado, não?

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PEDRO coloca o pacote no chão, ajoelha diante dele e cada vez que dizer algo como “orar” ou
“oração” esmurra o pacote com força. ALAN se ajoelha atrás dele, cada vez mais horrorizado.

PEDRO- Eu vou orar! Eu vou orar, orar e orar, mãe! Vou fazer tanta oração que satanás vai
aprender a nunca mais estragar os planos de um varão!

As luzes voltam ao normal PEDRO continua destruindo o pacote com uma das mãos. ALAN sai
correndo e se esconde em algum lugar ao fundo, mas sem sair de cena. PEDRO Encara o
pacote orgulhoso. JULIA entra.
JULIA- Pedro?
PEDRO- Mãe, vou desligar. Acho que as orações já tão trazendo as coisas ao normal! Paz do
Senhor! Amém!

PEDRO desliga o celular.

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CENA 4

ALAN está escondido. JULIA vai em direção a PEDRO ainda atônito em frente ao pacote
vermelho amassado.

JULIA- Que porra é essa?!


PEDRO (abalado)- Você voltou, my friend!
JULIA- O que cê fez com meu presente?
PEDRO- Não! Esse pacote quem trouxe foi ele!
JULIA- Esse é o meu. Certeza.

PEDRO começa a entrar em choque. Sua respiração fica ofegante. Tira a bombinha de ar do
Bolso e a inala.

PEDRO- Não pode ser, eu... mas eu vi o dele.. era vermelho. Você! Eu... Senhor! Demônio!

JULIA se assusta com a crise de PEDRO.

JULIA- Calma, Pê! Calma! Vem aqui.


PEDRO (quase chorando)- Eu sou um estúpido. Não consigo organizar nem uma festa com
DOIS convidados.
JULIA- Calma! Conseguiu sim. Relaxa. Eu to aqui. Ele também não deve ter ido embora , deve
estar por aqui ainda, coração.

JULIA abraça PEDRO.

JULIA- Você fez certo, se a festa tivesse mesmo acabado não teria sido culpa sua.
PEDRO- Teria sido culpa dele!
JULIA- Claro que não!
PEDRO- Teria! Ele ta sabotando tudo desde o começo. O figurino, as piadas, o som. Ele veio
com a intenção de fazer tudo errado! É típico dele! Fora que deve ta drogado!
JULIA- Para com isso, garoto! Ele não fez nada! O problema é exatamente esse... ele não é de
fazer muita coisa mesmo. Tem que ficar em cima! Eu é que exagerei.
PEDRO- Really?

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JULIA- Exagerei! Mas é coisa de mulher! To com humor todo alterado. To meio mal do
estômago por causa de uns remédios. Aí fico assim, uma onça.
PEDRO- Você me desculpa pelo presente?
JULIA- Obvio filhotinho! Nem se preocupa que o que eu trouxe não era caro. Até por que se eu
tivesse dinheiro pra alguma coisa eu nem estaria aqui, tava na viagem de formatura com o
resto do povo!

PEDRO olha feio pra JULIA.

JULIA- Zoeira! Você só precisa relaxar um pouco, esquecer o mundo lá fora e aproveitar o
momento! Me da aqui esse celular! Confiscado! Se ele tocar eu te devolvo, mas por enquanto
fica na minha mochila! Vamos procurar onde ta o outro, agora? Essa festa tem que dar certo!
Nem que eu tenha cagar um DJ e uma pick-up, é questão de honra!
PEDRO- Yo!!!

JULIA guarda o celular de PEDRO em sua mochila. Eles saem.


Black out.

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CENA 5

NARRAÇÃO- “As mãos que trabalham pouco são mais sensíveis.” Hamlet.

Abre o foco do solilóquio e nele, ALAN.

ALAN- Agora é meu momento?! Acho que é, né? Ao menos isso eu já entendi. Depois de uma
citação aleatória é sempre a minha vez! Eu não to entendendo nada. Ok?! Meu cachê é caro e
até agora meus momentos foram pouquíssimos! O que eu fiz?! Não fiz nada! Aliás, a única
coisa que era pra eu ter feito, a produção deixou a desejar! Se tava no roteiro deles que eu
tinha que chegar numa festa de amigo-secreto com uns presentes e umas caixas de som, por
que eu só cheguei com um pacotinho?! Faltou dinheiro pra caixa de som?!

Silêncio.

ALAN- Repito! Se quando eu acabar isso aqui e levar a platéia à loucura com meu talento vocês
não tiverem dinheiro pra pagar o meu cachê, o bicho vai pegar! O césar, o meu agente,
também é advogado! Ele já ganhou...

Interrompido pela narração.

NARRAÇÃO- “Não dês língua aos teus próprios pensamentos, nem corpo aos que não forem
convenientes” Hamlet.

ALAN- Isso é um cala-boca?! Ta... Apesar da equipe, ao menos EU sou profissional e cumpro
com meus papéis... mesmo não tendo idéia de qual é o papel. Eu vou até o fim nisso aqui! E eu
falo “isso” por que essa peça ta bem meio-bosta! Era pra eu ser o herói, mas já comecei
estragando tudo, o nerd que era pra ser o vilão, ta maluco em cristo brigando com o demônio
e a gatinha, cheia de personalidade ta ajudando ele...

pausa

ALAN- Ó... Eu sou o vilão? Devo ser, né? Primeiro o Pedro disse que eu to desde o começo
fazendo tudo pra estragar o amigo-secreto especial deles... do figurino, ao oi. Errei tudo!

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Depois eu mal apareci nas cenas até agora! Por quê? Por que, provavelmente, meu
personagem deve estar escondido tramando como acabar com a festinha... saquei! Deve ser
isso. Mas, se eu sou o vilão... Obvio! O herói é quem luta contra as forças do mal! PEDRO?!
Que herói patético, hein? A mocinha, ta beleza... Apesar de ser meio ogra, meio fiona e coisa e
tal, ainda ta nos conformes do esperado!

Pausa

ALAN- Fechou o bonde! Eu sou o vilão! Missão: estragar festa!

As luzes voltam ao normal. Alan começa a olhar ao redor procurando por algo.

ALAN- Eu sou um vilão... eu preciso fazer algo mal... que impeça a festa de acontecer... Logo,
eu vou? Destruir o pisca-pisca? Quebrar o presente de alguém? Eu vou... bater no Pedro!
Não... muito violento pra uma peça... Se meu coaching, meu treinador, tivesse aqui, ele me
diria:

Imitando o coaching

ALAN- “Você não sabe o que fazer? Mas se você soubesse? O que você faria?”, então eu
Responderia “a festa é composta por pessoas, se não tiver pessoas, não tem festa! A festa em
que estou tem três, se não tiver um, ela acaba! O que preciso fazer? Fazer com que alguém vá
embora!” Ai então eu agradeceria e diria, parabéns! Você é genial! Não, você é mais!
Nada disso, você é mais genial que a minha própria genialidade!

Entra JULIA.

JULIA- Gênio o que? Desculpa interromper o seu discurso, mas tava falando com quem?
ALAN- Nada! Eu tava falando que... um gênio! Se eu encontrasse um gênio da lâmpada... Quais
pedidos eu faria? Ai viajei tanto que comecei a falar em voz alta. E você? Se encontrasse aqui,
agora um gênio da lâmpada. Quais desejos você faria?
JULIA- Desejos? Umn... eu acho que meu primeiro desejo seria poder desejar quantos desejos
eu quisesse!

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ALAN- Espertinha! Mas supondo que o gênio fosse assim, mais esperto! Tipo... eu sou o gênio!
Que desejo você faria?

Pausa

JULIA- Isso é algum tipo de fetiche?


ALAN- Ta, não quer brincar não brinca!
JULIA- Óh, vai fazer bico, é? Tá bom, eu conto. O primeiro desejo seria: dinheiro! Muito! Todo!
Pra sair do bairro que eu moro, pra sair do país que eu vivo, pra quem sabe mudar de planeta!
Mas, ter dinheiro suficiente pra comprar a roupa que eu quiser, já tava de bom tamanho!
ALAN- Interessante... mas isso você resolveria arrumando um marido rico! Um ator famoso,
Talvez...
JULIA- Não fode! Ator famoso?! Se fosse pra casar com alguém rico seria tipo um cineasta!
Ator não presta. Fora que depender de dinheiro do marido não é comigo. Eu posso até ter essa
cara que você ta vendo, mas sei muito bem me virar sozinha!
ALAN- Tudo bem! Primeiro desejo, dinheiro! Segundo?
JULIA- Alfaces com gosto de pudim. Ou pudins com a caloria de uma folha de alface.
ALAN- Terceiro?
JULIA- Que você parasse com esse papo furado e me ajudasse a procurar o Pedro que foi lá pra
fora te procurar! Se alguém vê ele na rua a essa hora e conta pra mãe dele, o couro vai comer
e ele vai ser preso na masmorra junto com a Rapunzel pra sempre!
ALAN- E ai ele teria que ir embora?
JULIA- Daqui e do planeta, tadinho. Castigo vitalício! A mãe dele é uma megera. Eu aqui doida
pra ir na viagem de formatura e não tenho dinheiro nem pra limpar a bunda enquanto ela,
montada na grana não deixa o moleque ir daqui até a praia numa excursão organizada pelo
colégio!

ALAN começa a esfregar as mãos e erguer uma sobrancelha, em uma típica expressão de vilão
clichê.

JULIA- Vai me ajudar a procurar ou não?


ALAN- Claro, vai indo na frente, eu vou ficar aqui caso ele resolva aparecer!
JULIA- Boa idéia! Você surpreende às vezes!

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ALAN- Se você deixar eu posso te surpreender ainda mais, linda!
JULIA- Ahan. Tchau.
ALAN- Espera! Já que eu vou ficar aqui, não quer que eu termine de decorar o que você
começou? Os enfeites tão na sua mochila, né?
JULIA- Poxa, que gentil! Ah, desculpa ter falado com você daquele jeito? Agora que cê ta sendo
fofo bateu até um arrependimento.

Se olham em silêncio.

ALAN – Desculpada! Passa a mochila!


JULIA- Claro! Fui!

JULIA entrega a mochila para ALAN e sai para procurar PEDRO. Agora sozinho, ALAN revira a
mochila de JULIA até ter em mãos o celular de PEDRO que estava ali guardado.

ALAN- Gênio! Agora é só eu ser bem rápido, por esse celular pra fazer uma ligação restrita e
ligar pra mãe do menininho!

ALAN começa a apertar os botões do celular e o barulho das teclas sai pela caixa de som do
teatro. Ele para. Acha esquisito, mas continua.

ALAN- Pronto!

Barulho de telefone chamando.

MÃE DO PEDRO (off) – Alo?! Quem ta falando?


ALAN (surpreso e disfarçando a voz)- Oi, a senhora é a mãe do Pedro?!
MÃE DO PEDRO (off) – Sou sim! Ai meu Deus, o que aconteceu?! Meu filho ta vivo?!
ALAN (segurando o riso) – Desculpa, eu não quis assustar a senhora!
MÃE DO PEDRO (off) – Então em nome do Senhor, me diz logo o que tem com Pepê, que ai eu
não me preocupo, homem!
ALAN- Não é nada demais, só que eu sou aqui da igreja dele e eu achei que ele viria hoje, mas
ele não chegou.

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MÃE DO PEDRO (off) – Não chegou?! Misericórdia! Mas ele disse que foi pra reunião de jovens
e o pastor não tinha chegado ainda. Talvez ele esteja no caminho de casa! Ele é uma criança
abençoada, não costumo ter problema.
ALAN- Que estranho, por que eu resolvi dar uma volta pelo bairro pra me certificar que ele
não tava esperando a gente em outro lugar e avistei ele num canto bem esquisito.
MÃE DO PEDRO (off) – Como assim, irmão? Onde? Fazendo o que?
ALAN- Ah era um lugar bem escuro, irmã! Parecendo um galpão abandonado... eu não sei te
dizer fazendo o que, mas ele estava com uma garota.
MÃE DO PEDRO (off) – Uma garota?!?!
ALAN- Uma garota, acredita!
MÃE DO PEDRO (off) – Deus é mais! Finalmente esse menino vai arrumar uma esposa! Eu tava
até preocupada achando que nunca ia acontecer... Qual das varoas do grupo de vocês que
tava com ele?
ALAN- Irmã, acho que eu não conheço ela. Nunca a vi na igreja. Ela inclusive se veste de
maneira bem... mundana!
MÃE DO PEDRO (off) – Ai meu coração!
ALAN- Calma, senhora! Acho que ta tudo bem, se a irmã vier buscá-lo o quanto antes, Deus vai
agir pra que ela não embuche do nosso menino!
MÃE DO PEDRO (off) – Um galpão? Acho que sei qual é! Só tem dois aqui no bairro, vou
voando pra lá! Paz do senhor!
ALAN- Paz do senhor, irmã!

ALAN desliga o telefone. Barulho de telefone (tu...tu..tu...). ALAN ri para a platéia. Entra
PEDRO molhado de chuva. ALAN esconde o celular de volta na mochila.

PEDRO- Ah, que bom que você não foi embora!


ALAN- Não fui! Por que eu iria?!
PEDRO- Ah, sei lá... fiquei meio tenso com a discussão de vocês. Um climão meio creepy. Se
bem que você também já deve ta acostumado com as alterações de humor dela, né? Às vezes
ta uma santa, outras vezes uma vilã de novela mexicana!
ALAN- Vilã?! Não! Posso te garantir que a vilã ela não é!
PEDRO- Hum... defendendo bastante, hein? Ta rolando o que?
ALAN- Ta rolando nada, não! Eu só acho que o mundo é pequeno demais pra tanto vilão!

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PEDRO- Ah, parou! Até parece que você não lembra dos barracos que ela arrumava na escola.
Fora as contravenções! Essa ai já fez de tudo na vida. Agora que começou a andar comigo e
com as modernetes da escola é que ta melhorando!

ALAN fica confuso. E começa a caminhar enquanto pensa.

ALAN- Não...
PEDRO- To te falando! Escuta só: Primeiro ela ficou toda emo-depressiva quando descobriu
que as amigas modernetes iam pra viagem de formatura e ela não por que a grana tava curta.
Daí ela resolveu fazer sabe o que?
ALAN- O que?
PEDRO- Sabotar a viagem das amigas!
ALAN- Não!
PEDRO – Sim! Ela me contou tudo! Ia ser o fim das JUS!
ALAN- “Das jus”!?
PEDRO- Nem isso você sabia?! Ela anda com as outras duas Jus! A Juliana e a Juçara! Juntas
elas são as Jus! Eu acho isso de panelinha tão brega... Enfim! Pra mãe de uma ela ia dizer que a
filha não podia tomar sol por que tava se recuperando de um aborto clandestino, pra mãe da
outra ela ia dar parabéns dizendo que acha muito cabeça aberta deixar a filha passar a lua de
mel com a namorada bem na época da viagem de formatura. Enfim, ia dar uma merda tão
grande. Daí pra mudar a idéia dela e deixar ela mais conformada de ficar aqui no bairro
sozinha eu inventei de fazer esse amigo secreto.
ALAN- Eu não sei nem o que dizer!
PEDRO- Não precisa dizer nada. Inclusive pra ninguém! O único pedido dela foi que essa festa
de amigo secreto fosse mesmo secreta, pra não sujar a nova reputação de modernete dela
com as outras jus.
ALAN- Que merda!
PEDRO- Eu que digo! Pra ajudar ela eu to tendo que me tornar um verdadeiro super-homem.
Minha vida ta virando de cabeça pra baixo!
ALAN- Você um super-homem, tipo herói... ela: uma vilã!
PEDRO- Engraçado ouvir assim, mas no fundo a verdade é essa! Falando nisso, onde ela se
enfiou? Ela tava me ajudando a te procurar pra gente começar logo essa festa...

PEDRO vai até outro canto continuar arrumando os enfeites.

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PEDRO- o negócio é esperar, né! Sumir ela não vai.

Blackout.

NARRAÇÃO- “As coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as
torna desse ou daquele jeito.” HAMLET

Luz do solilóquio. ALAN dentro da luz.

ALAN- Falar é fácil! Se liga o tamanho da grande viscosa bosta que eu acabei de fazer! Eu
Destruí a peça inteira com apenas uma ligação! Se o Pedro tiver mesmo certo, e parece que ele
está! Ele é o herói mesmo e ela é a vilã! Eu nunca vi nenhuma peça dar certo com dois vilões!
Logo menos a mãe do fulano chega e acaba com tudo... eai... acaba a peça!? Assim no meio?!

PEDRO grita.

ALAN- Não! Nada que tem ALAN no elenco pode acabar tão ruim assim. Imagina? Vocês iam
sair daqui falando mal de mim, ia sair em revista de fofoca, em jornal, ia ser o fim de uma
carreira precoce. Eu ia acabar depressivo, ia arruinar toda minha vida! Não! Eu só preciso
pensar... qual é o meu personagem!? Somos três! Herói, vilão e mocinha. Pedro é o herói, Julia
é o vilão... então eu só posso ser... a mocinha?!

NARRAÇÃO- “Ser ou não ser, eis a questão.” Hamlet.

19
CENA 6

As luzes voltam ao normal, PEDRO está ao fundo arrumando a decoração. ALAN está perplexo
olhando para o público.

ALAN- Não pode ser tão ruim. Às vezes um papel de mocinha pode ser tão diferente que...
Alavanque a minha carreira ainda mais!
PEDRO- Mas ela já ta demorando, né? Não que eu esteja incomodado de esperar ela aqui com
você...
ALAN- Eu muito menos! To gostando muito da gente ficar aqui a sós um pouco.

PEDRO acha a resposta repentina um pouco estranha e para de fazer o que está fazendo para
olhar para ALAN.

PEDRO- Ah é?
ALAN- (desconfortável)- Sim... Eu inclusive queria te agradecer o convite pra nossa festinha
Secreta.
PEDRO- Que isso. Já que você também não ia viajar e a Ju também vai com a sua cara... Por
que não, né?!

ALAN se arruma e vai em direção a PEDRO.

ALAN (ainda um pouco desconfortável, mas olhando nos olhos de Pedro)- Você me chamou
Por que a Ju vai com a minha cara? Só por isso?!
PEDRO (desconcertado)- Sim! Não! Digo, ela vai bastante com a sua cara. Eu também!
ALAN- To achando isso meio mal contado. Você não ia me chamar só por isso! Essa festa
também é importante pra você!
PEDRO- Sim, bastante... sabe, em anos... acho que é a primeira vez que eu to conseguindo
fazer algo por mim mesmo. Uma iniciativa independente! Organizei, convidei, achei o lugar...
Essa noite é bem especial pra mim!
ALAN- Assim sendo, você convidou pessoas especiais?
PEDRO- Sim!
ALAN- Eu sou especial pra você!
PEDRO – É... sim.

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ALAN- Você não acha que essa é a hora perfeita de me dizer quão importante você acha que
eu sou?
PEDRO- Ah... é... bastante. Eu quero dizer que... você de alguma forma me inspira!
ALAN- Eu sou sua inspiração?
PEDRO- Eu meio que queria ter as suas qualidades! Sua força, determinação! Sua confiança.
Sempre tão inabalável e seguro de si mesmo.

ALAN engasga.

ALAN- É isso que te parece? Olha, eu sou muito bom ator mesmo!
PEDRO- Ótimo!
ALAN (assustado)- Oi?
PEDRO – Digo... eu não sabia que você tinha... algumas duvidas... A respeito... de algumas
coisas... Umas duvidas que talvez eu também tenha...
ALAN (apreensivo)- Duvidas a respeito de que exatamente?
PEDRO- Nossa... eu nunca parei pra pensar nisso... quer dizer. Algumas vezes já pensei sobre.
Mas daí eu tento não pensar... sabe, eu acho que... minha religião não...

ALAN vai se aproxima cada vez mais de PEDRO que, apesar de incomodado, não desvia ou
recua o olhar. O telefone de PEDRO toca. PEDRO sai do transe e sai correndo para buscá-lo na
mochila de JULIA. ALAN sente-se aliviado.

PEDRO- Vish, minha mãe!


ALAN (ASSUSTADO)- SUA MÃE!

PEDRO (atendendo o celular)- Paz do senhor!... Que?! Como assim?


ALAN (impaciente)- Pedro, vem logo aqui, me ajudar com um negócio!

PEDRO faz sinal pra ALAN ficar quieto. ALAN se cala nervoso.

PEDRO- Como assim? Eu não to conseguindo entender mais nada! Mas eu tenho que te
desculpar de que?! Menina?!

PEDRO tira o telefone da orelha e desliga. Tem o olhar perdido e confuso.

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ALAN- O que foi?
PEDRO- A minha mãe! Ela... Me pedia desculpa! Disse que não queria ter feito tudo o que me
fez...
ALAN- O que?!
PEDRO- Não entendi direito... Mas ela dizia que era a pior mãe do mundo. Que quando eu
chegasse a gente tinha que conversar.
ALAN- Mas o que ela fez?!
PEDRO- Eu não entendi! Não fazia sentido! Mas era alguma coisa envolvendo a...minha...
namorada?!

Entra JULIA. Com a roupa coberta de lama e os cabelos alvoroçados. Alguns arranhões pelo
braço e rosto. ALAN e PEDRO empalidecem ao vê-la assim.

ALAN- Julia?!
PEDRO- O que aconteceu?!

JULIA caminha normal, mas lentamente. Não responde. PEDRO corre em direção a ela para
ajudá-la. ALAN assiste a cena imóvel e chocado.

PEDRO- Conta! Como isso aconteceu? Você ta bem? Ta machucada?!


JULIA- Calma. Vou explicar, mas você precisa ficar calmo!
PEDRO- Eu to calmo! Eu to muito calmo, mas tem muita acontecendo de uma vez só! Eu só to
com um pouco de falta de ar, mas vai pass...
JULIA (grita) – CALMA, PORRA!

PEDRO para.
Pausa.
Pedro tira a bombinha de ar do bolso e inala. Segura a bombinha na mão.

PEDRO- To calmo.
JULIA- Eu tava lá em cima te procurando na chuva pra avisar que eu já tinha encontrado ele.
Que ninguém tinha ido embora da nossa festa.
PEDRO – Eai?!

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JULIA- Calma! Ai, fui te procura ali pelo barranco que dá na rua de cima e adivinha quem
aparece dando altos cavalos de pau com o carro?
PEDRO- Quem!?
ALAN- A sua mãe!
PEDRO- A minha mãe?!
JULIA- A sua mãe!

PEDRO deixa a bombinha de ar cair da sua mão.

PEDRO- A minha mãe!


JULIA- Ela desceu do carro na velocidade da luz e já veio me perguntar quem eu era e onde
você tava!
PEDRO- E o que você disse?
JULIA- Nada! Eu só perguntei pra ela se por acaso eu tinha cara de ser sua mãe pra saber disso.

PEDRO senta, quase desmaiado. ALAN corre para escorá-lo.

PEDRO- E ela?!
JULIA- começou a me chamar de todos os derivados bíblicos da palavra “demônio”. Satanás,
leviatã, cão, capeta... o meu preferido foi belzeboa!

JULIA ri.

ALAN- E você?!
JULIA- Daí que eu não sou de levar desaforo pra casa, né meu bem! Tive que mandar uma real.
Falei que ela tava criando um hamster e não um menino. Disse que já tava mais do que na
hora dela ver que o filho odeia as reuniões dançantes da igreja e que se ela continuasse assim
era bem provável que daqui uns anos você se revoltasse e se transformasse num travesti
vendendo o corpo na Tailândia!
PEDRO –Travesti!
JULIA- Foi! Daí primeiro ela ficou perplexa! Depois começou a chorar meio doida, ai ela me deu
um abraço e agradeceu! Disse que nunca tinha pensado nisso! Entrou no carro e foi
embora!
ALAN- Mas calma! E como você acabou desse jeito?

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JULIA- Puro descuido na hora de descer o barranco. Tava úmido, escuro, chovendo. Rolei igual
um tatu na areia. Mas to bem! Só me arranhei um pouco, mas to bem galera!

PEDRO se levanta abruptamente. Os dois se assustam com o movimento e o olham assustados.

PEDRO- Mas isso não vai ficar assim! Ela me ligou muito abalada. Ela vai chegar em casa, meu
pai vai querer saber o que aconteceu! Ele nunca quer saber o que aconteceu, mas quando ele
resolve saber o que aconteceu ele não só descobre qual é o problema como também resolve
do seu próprio jeitinho particular! Eu to muito ferrado! Eu to MUITO ferrado!

Pausa.

PEDRO- Eu acho que eu... (ânsia de vomito), eu preciso encontrar o banheiro!

PEDRO sai de cena correndo.


Silêncio.
JULIA e ALAN se olham.

ALAN- Você acha que o pai dele vai vir pra cá?!
JULIA- Provavelmente.
ALAN- E você ta calma assim?

JULIA vai em direção a sua mochila.

JULIA- Queridão. Pior do que ta não fica! Você já viu o estrago na minha roupa?
No meu cabelo? Se ele vier ou não, não quero saber! Eu vou dançar pra secar a roupa no
corpo!

JULIA liga uma musica em seu celular e começa a dançar sozinha.

ALAN- Mas se o pai dele chegar?! Será que já ta chegando?


JULIA (dançando)- Não, a gente ainda tem bastante tempo! Até a mãe dele chegar em casa,
uns quinze minutos, até o pai dar conta que tem algo acontecendo, mais uns cinco. Até ela se
recuperar e conseguir contar pra ele o que aconteceu e tudo o que disse pra ela vai mais uns

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dez, até ele pegar o carro e vir pra cá... pelo menos mais meia hora a gente tem!
Você devia aproveitar e vir dançar também! Não é nada gentil da sua parte só ficar assistindo!

JULIA puxa ALAN pelas mãos. Eles dançam. ALAN fica cada vez mais envolvido com a dança. A
musica do celular agora toca em boa qualidade e bem alto. Dançam mais um pouco.
Luz do solilóquio nos dois dançando.
A musica some, mas eles continuam dançando em Silêncio.

NARRAÇÃO- “Leviandade, teu nome é mulher”. Hamlet.

ALAN (em êxtase)- Essa é a melhor peça que já fiz na minha vida! A melhor peça que eu já vi! E
ela? A melhor personagem de todas!

A musica começa a voltar.

NARRAÇÃO- “As ações más, embora a terra as cubra, não se subtraem aos olhos dos mortais” .
Hamlet.

A luz volta ao normal e a musica volta a tocar alto, só que no celular. Eles dançam mais um
Pouco. Entra PEDRO, assiste um pouco da dança entre os dois e, assustado com o que vê, vai
até o celular de JULIA e para a musica.

PEDRO- É serio isso?!

Param de dançar.

JULIA- Ah, que corta barato!


PEDRO- Vocês tem idéia do que vocês tão fazendo com a minha vida?! E você ta ai dançando
com ela?! Você viu o que ela disse pra minha mãe?! Achei que a gente fosse mais amigo depois
daquela conversa!
JULIA- O que eu disse pra sua mãe?! A verdade que você nunca teve coragem de contar?! Você
devia era me agradecer!
PEDRO- Você arruinou minha vida! Meu pai vai chegar daqui a cinco minutos e eu vou tomar a
maior surra do mundo!

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JULIA- Para de bancar a mocinha, Pedro!
ALAN- Bancar a mocinha? O Pedro?!
JULIA- Você já ta grande o suficiente pra antes de apanhar quieto tentar conversar com seus
pais! Ninguém é tão ignorante assim! E a gente ta aqui! A gente te ajuda! Isso aqui não era pra
ser uma festa?! Você já sabe o que vai acontecer daqui a pouco! A conversa que vai mudar a
sua vida, mas e agora?! O que ta acontecendo? A melhor secret party ever e você vai ficar ai
parado!

Pausa.
Ainda com o celular na mão PEDRO aperta o play e a musica volta a tocar.

ALAN (confuso e aflito)- Mas calma... Se o Pedro é a mocinha... você é o herói? Mas se você é
o herói eu sou o vilão?! Mas se eu sou o vilão não era pra ter dado tudo errado? Mas agora, de
pois daquela conversa o Pedro gosta muito de mim! Não é por que EU sou a mocinha?!

PEDRO e JULIA dançam e ignoram tudo o que ALAN está falando. Enquanto eles
dançam Alan começa a andar cada vez mais rápido de um lado para o outro tentando
encontrar algo para fazer ou dizer. Não consegue participar da cena.

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CENA FINAL

ALAN sai atordoado da dança com os dois, vai até o celular e interrompe a musica. PEDRO e
JULIA parecem não se abalar e continuam dançando juntos em silêncio. ALAN entra no meio
deles empurrando-os

ALAN- CHEGA! Acabou a palhaçada. Seja lá quem tenha me colocado aqui. Já deu! Vocês todos
foram enganados, compraram ingresso pro pior espetáculo do mundo!

ALAN vai ao proscênio e fala diretamente com o público. JULIA e PEDRO procuram
discretamente com quem ele esta falando, só enxergam a quarta parede.

ALAN- A culpa é de todo mundo! Eu pergunto e ninguém responde, eu peço uma luz e
ninguém me dá eu tento entender qualquer coisa nessa historia torta, mas parece que foi
escrita por sete pessoas! Um sem ler o que já foi escrito pelo outro. Um teatrinho vagabundo
com três protagonistas! Isso não existe.

JULIA caminha até ALAN e o vira de frente para ela. O encara nos olhos por alguns instantes.

JULIA- Desculpa se você achou que o que a gente ta fazendo aqui é um teatrinho. Eu achei
desde o começo que fosse de verdade.
ALAN- Mas é! O problema é que não era pra ser! Eu não to blindado igual vocês, to me
envolvendo de verdade. Não sei quem é quem e muito menos quem sou eu. Se pra você que
sabe qual é o seu papel já ta sendo difícil, imagina pra mim.

Pedro tira o pacote vermelho do bolso e joga no chão.


Pausa.

PEDRO- Mas ninguém tem papel.

Pausa

ALAN- Impossível.

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JULIA- Eu não sei mesmo o que anda acontecendo com você. Mas eu quero que você prometa
que vai parar de usar.
PEDRO- Tudo isso por que você não lembra qual é o seu papel? Ninguém tirou papel!
O presente que você trouxe pro amigo secreto é pra você mesmo. Minha vida desmoronando
e você preocupado com o amigo-secreto?! Nem eu to pirando assim!
ALAN- Calma. Quando vocês dizem “papel” vocês tão falando sobre o que?!
PEDRO- Cara, a gente não tinha decidido isso? Ninguém ia tirar papel com o nome de
ninguém. A única forma da gente garantir que nossa festa fracassada ia ter um final feliz era
trazendo cada um o seu próprio presente, assim ninguém saia chateado com o presente que
ganhou.
JULIA- Você vai parar de usar o que você ta usando?

ALAN encara os dois por alguns instantes. Começa a rir um pouco e o riso vira
progressivamente uma gargalhada.

JULIA- Assim não vai dar, pelo menos isso você tem que levar a sério!
ALAN- Eu to. Pode não parecer, mas desde a hora que eu cheguei aqui esse é o momento que
eu to mais levando a sério! Eu prometo! Eu prometo que eu paro de usar isso que você ta
falando! Eu prometo que eu paro de rir. Eu prometo que eu paro de fingir ser quem eu não
sou se a gente abrir esses presentes que cada um trouxe pra si mesmo agora!
PEDRO- Até por que se não for agora, pode não ser nunca mais!
JULIA- Dramático.

JULIA recolhe o pisca-pisca e o amontoa embolado no chão, como uma fogueira. Eles se
sentam ao redor.

JULIA- Meu vô costumava fazer fogueiras e contar historias quando eu era pequena. Ele dizia
que só o fogo de uma fogueira, com as pessoas certas ao redor, é capaz de aquecer nosso lado
de dentro.
PEDRO- Fogo. Acho que é pra onde devia ir o meu presente antes que meu pai chegue!
ALAN- Abre!

PEDRO retira um pacote muito pequeno do bolso.

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JULIA- Que mão de vaca.
PEDRO- Antes fosse... saiu caro. Bastante!
ALAN- Abre!

PEDRO abre o pacote e revela algumas jujubas.

JULIA- Sério?
ALAN- Balinha?
PEDRO- de festa.
JULIA- To vendo! Passa!

JULIA toma o pacote de balas da mão de PEDRO.

PEDRO- Não come!


JULIA- Por que não?!
ALAN- Tão envenenadas?
PEDRO- Não... quer dizer... é balinha de festa. Mas não de festa de criança. Outro tipo de festa.
Daquelas mais coloridas. Que te deixam bem mais animado. Dançando a madrugada toda.
ALAN- É droga!
JULIA- Que anta! Pra que?!
PEDRO- Eu... pensei que hoje ia ser especial. Achei que nossa festa era o momento perfeito
pras coisas começarem a mudar. Algumas novidades. Tava querendo uma porta pra
atravessar... mas acho que nem vou precisar delas!
JULIA- Ninguém vai por isso na boca. Já basta um sequelado na festa! Fora que acho que ce já
vai ter mudança o suficiente por hoje!
ALAN- Todos nós!
JULIA- Exato! Que será, será!
PEDRO- whatever will be, will be! Que cagada, né? Pra que? Por quê? Quer dizer, essa
vontade de ser alguma coisa logo, quando na verdade você já é! A pretensão, na pior das
hipóteses já te te faz ser algo: um pretensioso... Eu to fazendo sentido?
JULIA- Não.
ALAN- Sim!
JULIA- Ok! Definitivamente, vocês não precisam de droga nenhuma pra brisar.

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ALAN- Com uma inspiração dessas do meu lado eu não preciso de nada pra ficar tempo o
suficiente nas nuvens.

JULIA e ALAN se olham em silêncio. PEDRO constrangido, retoma.

PEDRO- E o seu, Ju?! É o que?


JULIA- Era. Meu presente ta igualzinho a mim. Destruído! Mas, feliz...

JULIA abre seu pacote e revela uma massa marrom.

ALAN- Doce também?


PEDRO- Todo mundo virou “Zé droguinha”?!
JULIA- Não! O meu não ta batizado. Era só minha dieta indo por água abaixo, mesmo.
PEDRO- Dieta?
JULIA- Eram uns brigadeiros e beijinhos. Bombas de caloria e felicidade. Baratíssimos pedaços
de amor na forma de um culote bem abraçado na sua cintura. Mas no fim, até melhor...
Vou continuar emagrecendo.
ALAN- Você ta linda. Com culote ou sem. Sejá lá o que for culote.

JULIA se envergonha.

JULIA- É, meio patético mesmo. Encanar numa dieta a essa altura do campeonato. Olha pra
mim!
PEDRO- Aposto que essa dieta tem alguma coisa a ver com as Jus!
JULIA- Pior que tem mesmo... e sabe... no fundo eu nem me sinto uma modernete igual a
elas!
PEDRO- Nem eu te imagino assim! Sério! Imagina a cena, a Juliana ou a Juçara tentando falar
aquelas coisas que você disse pra minha mãe hoje?!
JULIA (rindo)- Claro! Ia ser algo assim: “Dona mãe do Pê. Tipo assim. Não dá! Ta bom? Tipo!
Inviável, saca? Se liga, não! Ta ok?!”

Todos riem.

ALAN- Eu te desafio!

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JULIA- Me desafia o que?!
ALAN- Sem ninguém ter perguntado, a gente se enfiou na vida do Pedro e fez tudo virar de
ponta cabeça... ele provavelmente nunca mais vai ser assim de novo.
PEDRO- Assim como?
ALAN- Assim. Exorcizando as pessoas, deixando de ir nos passeios. Se sentindo culpado de
Flertar os amigos.
JULIA- Eu acho que eu perdi alguma coisa!
ALAN- Assunto pra outra festa. O que eu quero dizer é que ele vai começar a assumir o próprio
papel dele. E o seu, hein? Como a gente vai ter certeza que cê vai parar de se
aprisionar nos remédios que dão dor de estômago, nas folhas de alface e nas roupas da vovó
que te arrumam amigas legais?
JULIA- Nossa... me destruiu!
ALAN- Não destruí nada. Construí! Construímos juntos! Por isso eu te desafio tirar uma selfie
com nós três, agora! E publicar no seu instagram!
PEDRO- Boa! Com a hashtag “Best secret party ever”!
JULIA (rindo)- Poxa, que bela obra abstrata que a gente construiu, hein? Mas eu topo!

JULIA saca o celular do bolso e tira uma selfie com os dois.

JULIA – Pronto! Reputação modernete- destruída! Reputação bagaceira- in process! Uma pena
não ter os brigadeiros e beijinhos ainda pra por na foto também!
ALAN- Os brigadeiros eu não sei. Mas pros beijinhos eu tenho uma solução!

ALAN se aproxima de JULIA e a beija. PEDRO fica pasmo e puxa um aplauso. Ao finalmente
escutar o som dos aplausos ALAN fica muito animado.

ALAN- Aplausos! Eu falei! Eu falei! Chupa voz do além! Receba mais aplausos!

ALAN corre em direção a Pedro e lhe dá um selinho engraçado. Se a platéia estiver


aplaudindo, ALAN deve ir até o Proscênio, agradecer e retornar à cena.

JULIA- Dom Juan de pileque, falta o seu!

ALAN busca o pacote do chão, o encara por alguns instantes e guarda no bolso.

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PEDRO- Nada disso, agora que todo mundo já se expôs o suficiente você vai mostrar qual é o
seu presente, sim senhor!
ALAN- Eu só não sei se eu quero... Esse presente vai provavelmente dizer alguma coisa
importante sobre o meu papel nessa peç... no mundo. Acho que o meu melhor presente é o
presente mesmo! O agora! Isso que a gente ta vivendo aqui. As coisas tão dando certo agora
que eu desencanei de saber qual meu papel... e ficar tentando me encaixar entre vilão,
mocinha, herói....

Enquanto Alan esta dizendo isso, JULIA ironiza o seu discurso pelas suas costas e rouba o
pacote do bolso dele. Ele percebe e tenta recuperá-lo. JULIA arremessa o pacote para PEDRO e
PEDRO para JULIA algumas vezes até o momento em que os três conseguem pegar o pacote
ao mesmo tempo. A luz do solilóquio se acende nos três reunidos. Eles desamarram o pacote
entusiasmados, bem lentamente. Quando estão prestes a abrir o pacote escutam uma buzina
frenética do lado de fora. Pedro fecha o pacote rápido!

PEDRO- Meu pai! É agora!

Blackout. A musica da dança volta a tocar.

FIM.

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