Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
A rtístico N acional
d o século XV III ao XXI
e
P atrimônio H istórico
de elo social, está hoje em toda parte, da recentemente fez recrudescer o sentimento
mobilização dos corpos políticos à instituição de urgência que sempre acompanhou e nutriu
cultural.1 Paralelamente, a realidade do a consciência patrimonial.
turismo internacional, tendo em vista a
importância de suas repercussões econômicas,
torna a interpretação do patrimônio, ou
mesmo sua simulação, um instrumento quase
do
sempre decisivo para o desenvolvimento local
R evista
(Greffe, 2003). O imperativo de conservação
da herança material e, de agora em diante, da
imaterial, impõe-se, portanto, sem discussão
nos países desenvolvidos, bem como no resto
do mundo. A cada dia adquire um caráter mais
geral e de obrigatoriedade, manifestando-
se por meio de dispositivos legais e de 27
regulamentação, cujo âmbito de aplicação se
amplia cada vez mais. Além disso, a realidade
das destruições (iconoclasmos religiosos ou
ideológicos, danos colaterais de conflitos ou
“domicídios” concertados),2 que, sem dúvida,
se tendeu a subestimar ou a considerar
Buda de 55 metros de altura no Vale Bamiyan, Afeganistão
Foto: F. Rivière, Unesco. Acervo: Wikimedia Foundation/Wikicommons
(http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tall-Buddha-Bamiyan_F.Riviere.jpg)
Mais que isso, essas preocupações, outrora deve prestar contas. Não raro, ela espelha
estreitamente profissionais, passaram a as partilhas entre disciplinas e histórias
ocupar amplamente o espaço público, especializadas, que resultam em um diálogo
ensejando numerosos colóquios, oficinas ou de surdos, ou mesmo em conflitos implícitos
entrevistas, onde são debatidos os meios e (Poirrier e Vadelorge, 2003). Tanto que,
D om in iqu e Pou lot
A rtístico N acional
Convém apreender a história dos da própria evidência patrimonial, a um só
patrimônios como conjuntos materiais e, de tempo imaginário e instituição.10
modo indissolúvel, como saberes, valores O patrimônio é como o princípio
e regimes do sentido.7 Dessa forma, será subterrâneo e a manifestação autoproclamada
preservado da teleologia manifestada, por de um trabalho social e intelectual: querer
e
P atrimônio H istórico
de episódios tidos a posteriori como história social e cultural é pensar nos recortes
“patrimoniais” e que, presumidamente, e nos “enquadramentos” aos quais ele se
desembocam na legislação contemporânea.8 consagra em uma relação sempre complexa
Evitar-se-á, ainda, a tentação de estabelecer com o que o organiza. A temporalidade
topografias dos patrimônios sob a forma material – segundo a expressão usada por
de inventários de “outro país” sem maiores Bernard Lepetit (1995) para evocar a paisagem
implicações para nós. Ou repertórios que urbana do tempo solidificado – aí adquire
do
enunciam os comportamentos em relação valor em nome de vínculos, de convicções,
R evista
ao passado material segundo uma escala mas também de racionalizações eruditas e
de julgamentos – morais e profissionais de condutas políticas. A relação íntima ou
–, do desprendimento científico ao zelo secreta de um proprietário, de usufrutuários
partidário, de modo a expor falsificações a títulos diversos, de especialistas ou de
e manipulações, desconsiderando a iniciados em determinados objetos, lugares
complexidade do investimento em todo ou monumentos, torna-se pública, quando
processo de patrimonialização.9 Trata-se esses são patrimonializados. Inversamente, 29
menos de distinguir entre o que é de fato como exposto por Simmel, aspectos outrora
públicos da herança partilhada ficam,
certamente, sob a garantia do segredo.11
7. Ver, além dos estudos clássicos de David Freedberg, Ann
Kibbey (1986).
8. Ao assumir a parte de anacronismo que reveste um
intitulado de história do patrimônio para os séculos que 10. Esse breve panorama dos pontos de vista a propósito do
precederam ao nosso, meu projeto se exporia senão à patrimônio, que me disponho a desenvolver ulteriormente,
reprovação de identificar uma “essência” do patrimônio ao remete aos mesmos sistemas de partilha observados em
longo dos séculos. O fenômeno é particularmente evidente outros campos quando se trata de “discutir o indiscutível”,
em uma tradição de compilações legislativas frequente na conforme a demonstração de Alain Desrosières,
Itália por motivos evidentes: Leggi, bandi e provvedimenti per la particularmente na razão estatística e no debate social. A
tutela dei beni artistici e culturali negli antichi stati italiani, 1571- oposição passa, por um lado, entre a descrição e a prescrição
1860, editado por Andrea Emiliani (1996). Sobre os usos do e, por outro lado, na própria linguagem da ciência, entre
anacronismo, ver as reflexões de Nicole Loraux (1993) e G. “posição realista” que fala da “fiabilidade da medida” e o
Didi-Huberman (2000). esforço da história social ou da sociologia construtivista do
9. David Lowenthal propôs, sucessivamente, esses dois conhecimento para examinar os laços entre taxionomia e
tipos de abordagens em duas obras enciclopédicas, The sociedade. Ver Alain Desrosières (1993).
past is foreign country (1985) e em The heritage crusade and 11. Sobre este texto de Simmel, ver Pierre Nora (1976).
the spoils of history (1998), que respondiam a um programa Daniel Fabre desenvolveu a problemática do “viver no
resumido anteriormente em David Lowenthal & Marcus patrimônio” no presente em Domestiquer l’histoire – Ethnologie
Binney (1981). des monuments historiques (2000).
A razão pat r i moni al na Europa. . .
O patrimônio encarna, em suma, um de objetos e culturas; e, por fim, que engaja
“crescendo em generalidade” de obras e narrativas de acesso, de (re)apropriação, de
objetos singulares, concebido de forma útil fruição, que constroem diversas convenções
A rtístico N acional
enuncia nos discursos contemporâneos sob hermenêutica própria à história da arte; nem
forma de uma “razão” específica; que ela estabelecer, paralelamente ao seu interesse
mobiliza sociedades e procedimentos diante artístico, documental, ilustrativo ou erudito,
seu valor de comunicação em nome de
12. O patrimônio pertence em grande parte ao domínio do
“paradigma indiciário” de Carlo Ginzburg, mas, desdobrado,
eventuais disciplinas – museologia, heritologia
se assim se pode dizer, já que a inclusão de um monumento no (Pickstone, 1994). Não se trata, tampouco,
patrimônio remete, por um lado, à sua época histórica e, por
30 outro lado, ao trabalho dos serviços que assim o definiram: ele
de traçar a progressiva elaboração de uma
é, dito de outra forma, o indício e o ícone de duas épocas. Que consciência coletiva, desde os balbucios
as representações escamoteiam as práticas que as organizam é
uma das lições de Michel de Certeau na sua reflexão sobre a dos primeiros arautos até seu coroamento
heterologia e a história. sob uma administração esclarecida; nem
13. “Regime de historicidade” – “[...] podia ser entendido de
duas formas. Em uma acepção restrita, como uma sociedade de escrever a crônica de progressivos
trata seu passado e o utiliza. Em uma acepção ampla, na qual enriquecimentos, no crescendo da proteção
o regime de historicidade serviria para designar a modalidade
de consciência de si de uma comunidade humana” (François aos monumentos e na multiplicação dos
Hartog, 2003:19). Cf. os trabalhos de Gérard Lenclud (1992)
e de J. Revel (1995). Ver também J. Revel e F. Hartog (2001).
museus. A perspectiva é, ao contrário, de
Um ponto de vista sociológico que se interessa pela relação desconstruir as representações de identidade
com a temporalidade é o de Andrew Abbott (2001 e 2003).
14. A sociologia da legitimidade cultural deveria ser convencionadas de um “patrimônio”
integralmente citada aqui. Sobre a história intelectual da para insistir sobre as novas configurações
exemplaridade, assim como a das obras-primas que atravessam
a do patrimônio sem recobri-la exatamente, ver Walter Cahn de seu estatuto, sobre suas incessantes
(1979) e Michel Jeanneret (1998). recontextualizações, sobre as desvalorizações
15. A literatura sobre o conjunto desses assuntos é vastíssima,
mas os escritos mais úteis parecem-me ser Moses I. Finley e as deslegitimizações que o permeiam.
(1990), Arnaldo Momigliano (1998), Peter Burke (1969),
Donald R. Kelley (1997) e seu comentário crítico por Jean-
O discurso patrimonial foi inicialmente
Pierre Cavaillé, George Huppert (1973) e Paul Ricoeur (2003). uma categoria de celebração própria à
A razão pat r i moni al na Europa. . .
A rtístico N acional
D om in iqu e Pou lot
e
P atrimônio H istórico
do
R evista
Exemplo de vandalismo ideológico na França: Abadia de Cluny, demolida entre 1798 e 1823, e reconstruída posteriormente. Foto: Patrick Giraud
Acervo: Wikimedia Foundation/Wikicommons. (http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Cluny_Tours_et_Clochers.jpg)
dita “preventiva” definida de forma estrita, O estudo da “vida social dos objetos”
R evista
18. Ver Yan Thomas (1980:425 e 1998) e o trabalho em 20. Ao lado das disputas já antigas sobre restituições de
andamento do Garae sobre a vertente antropológica. obras, Moira G. Simpson (1996) forneceu um quadro dos
19. Dois exemplos muito significativos: John Hutchinson debates atuais sobre a restituição de objetos sacros e de restos
(2001) e J. F. Gossiaux (1995). humanos. Para uma análise exemplar ver Yves Le Fur (1999).
Bem restaurado pós-vandalismo na França, século XIX. Detalhe da fachada da Catedral de Notre-Dame, Paris. Foto: Glória Torrico, 2008
Bem restaurado pós-vandalismo na França, século XIX. Detalhe da fachada da Catedral de Notre-Dame, Paris. Foto: Glória Torrico, 2008
A razão pat r i moni al na Europa. . .
estética no Renascimento (Barkan, 1999).21 de suas práticas e fruições.26 Gostaria de
Outros estudos procuram relacionar mostrar como são relatados os “achados”,
os objetos, as práticas e os discursos por meio dos inventários, dos percursos
A rtístico N acional
A rtístico N acional
uma população, de uma memória religiosa de fazer passa a operar. Modos de fazer que
(os Vaudois de Alexis Muston, saudado por devem ser questionados do ponto de vista
Michelet) ou de uma cidade. notadamente do tipo de escrita comum
Os “amigos” dos objetos patrimoniais, encontrada em apontamentos de laboratório,
amadores ou profissionais, polígrafos ou em anotações de pesquisa, cuja riqueza a
e
P atrimônio H istórico
constituídos em comunidades de do patrimônio em campo, distinguindo-se do
interpretação, erigem-se em porta-vozes ou homem comum, deve referenciar o objeto
em advogados das inovações, apropriações com suas coordenadas – temporais, espaciais
e atribuições.28 Algumas dessas figuras – o –, para situá-lo em suas ambições, explicá-lo,
antiquário e sua ruína, o conservador e interpretá-lo.31 Esse percurso é sempre mais
seu museu, o folclorista e seu campo – ou menos uma autodidaxia, como, desde o
tornaram-se aos poucos estereótipos quase século XVIII, se afirmava do connoisseurship,
do
antropológicos.29 Observá-los permite tido como um saber apreendido à força
R evista
questionar as identidades construídas pela de “andanças”, ou seja, de viagens e de
reciclagem de imagens, objetos e práticas intercâmbios. Daí em diante, o leque de
deserdadas e simultaneamente “dadas” em curiosidades se abriu, ensejando a coleta
herança. Dir-se-ia que os objetos patrimoniais de grande número de detalhes, de recursos
permitem localizar diferentes configurações complementares ou intermediários, com ares
de um social que se desdobra por meio de furtivos.32 Toda uma economia da arqueologia
suas partilhas e recusas. Esses dependem e esboça-se, por exemplo, das descobertas 35
se conservam a partir de procedimentos, fortuitas no cultivo da terra até sua invenção
de convenções discursivas, de exigências por antiquários locais e seu reconhecimento
materiais ou técnicas. Os guias de estudo
ou os manuais pedagógicos, os documentos 30. Daniel Fabre (1993), Martin de La Sourdière e Claudie
oficiais, e as atas das sociedades eruditas Voisenat (1997) e em outro plano, para figuras de escrita
expostas, sendo algumas patrimonializadas, ver Armando
– e, mais amplamente, os romances Petrucci (1993) e Béatrice Fraenkel (2002).
31. Bonnie Smith (1998) examina a questão de gênero no
familiares dos patrimonializadores e toda trabalho de arquivo e o seminário – particularmente a relação do
a literatura dos apegos aos monumentos trabalho original e da vulgarização, do amador e do profissional
– de uma forma que poderia ser útil aqui para pensar o lugar do
pertinentes – alimentam especulações sobre feminino na elaboração de um corpus patrimonial e sua validação.
as nomenclaturas e interrogações sobre Ver de forma mais geral o dossiê reunido por Luisa Passerini e
Polymeris Voglis, Gender in the production of History.
32. Tomo este termo emprestado à clássica análise de Michel de
28. Os estudos de microssociedades e trocas informais em seu Certeau (1980:36). A uma produção racionalizada, expansionista,
seio multiplicam-se hoje em história moderna e contemporânea. tanto quanto centralizada, ruidosa e espetacular, corresponde uma
Algumas observações bastante sugestivas de Miguel Tamen (2001) outra produção, qualificada de “consumo”: essa é astuta, dispersa, mas
podem, desse ponto de vista, servir de base metodológica. se insinua por toda parte, silenciosa e quase invisível, já que não se
29. Stephen Bann (1984), Donald Preziosi (2003) e minha nota faz notar com produtos próprios, mas pelas maneiras de empregar os
crítica na Revue de l’Art, setembro de 2004. produtos impostos por uma ordem econômica dominante.
A razão pat r i moni al na Europa. . .
no seio da erudição nacional, economia de dedicar um interesse particular aos princípios
longa duração desde o Antigo Regime até de construção de um corpus, à estratégia do
as redes mais densas da poligrafia do século trabalho em comissão – forma de resposta
A rtístico N acional
patrimônios, que tece laços complexos com hierarquia a ser enumerada. A documentação
e
P atrimônio H istórico
A rtístico N acional
Por fim, o jornalismo patrimonial, se assim se depois do Louvre, no final do século XVIII,
pode chamá-lo, que periodicamente noticia que acompanharam seus objetos ao longo
“invenções” e descobertas, opera regularmente das ocupações e das revoluções – oferecem
para os ajustes entre os sentidos de um a possibilidade de articular singularidade
passado e a consciência do presente.37 Com de comprometimentos particulares e
e
P atrimônio H istórico
normalizar as diferenças como para colocar em
destaque a singularidade de um monumento 3. A
ciência moral do
ou de uma peça para a inteligência da história e patrimônio
o orgulho coletivo.
Para além de uma geografia, essencial para A fruição do patrimônio, que gerou
a configuração patrimonial, as atividades dos uma abundante literatura, sendo algumas
amigos de objetos delineiam uma economia obras-primas, nutriu-se, sobretudo, de
do
do faro e do acaso, a de serendipity,38 que está argumentos e de convenções, ou mesmo
R evista
na origem de achados bem-apresentados de um legendário, moral e historiográfico.
e, por meio desses, de uma hierarquia Esse alimenta os questionamentos sobre os
dos “patrimonializadores”. Esses últimos estágios da história e as especulações sobre
estabelecem um diálogo complexo com os as primeiras mitologias, mas também as
colecionadores, com os “acumuladores” de afirmações sobre os modelos e os depósitos
objetos “selvagens” ligados ao imaginário de valores. O imaginário social da genealogia
arqueológico ou, ainda, com os atores de marcou profundamente, durante o Antigo 37
folclorismos mais ou menos ligados a uma Regime, a ideia de transmissão. As noções
“performatividade” comemorativa e presentista de boa economia de uma família se unem
(Kirshenblatt-Gimblett, 1989; Myrone & a essas exigências quando a Encyclopédie
Peltz, 1999). Donde a questão do sucesso ou de Diderot e d’Alembert sublinha que
do fracasso dos antiquários, dos colecionadores o curioso desestabiliza a sua fortuna, na
evérgetas ou dos conservadores de museus tradição dos moralistas do Grand Siècle.
eruditos, quando seus conhecimentos ou suas Mas, às vésperas de 1789, o Watelet faz o
paixões são pouco ou malcompartilhados ou, elogio dos gabinetes patrióticos, supondo
ao contrário, quando saudados por um coro um novo ideal do colecionismo basculado
de elogios são objeto de um reconhecimento sobre o presente de uma modernidade
francesa, da qual se começa a vislumbrar as
37. Ver a contribuição de Daniel Woolf a Brendan Dooley e perspectivas.39 Na sequência, a descrição,
Sabrina Baron (2002).
38. Ver sobre esse termo criado por Horace Walpole, em
1754, e seus recursos para uma sociologia e uma antropologia 39. Nesse campo marcado por Colin Bailey (2002), aguarda-
históricas do trabalho erudito Robert K. Merton e Elinor G. se a tese de Charlotte Guichard sobre o amador (EHESS, sob
Barber (1992). minha orientação).
A razão pat r i moni al na Europa. . .
por vezes paródica, das imperfeições e dos regionais. Sem se submeter à geografia
ridículos do colecionador, opostos à moral do artística nesse assunto, a historiografia
museu, marca os dicionários e as fisiologias inglesa está também fortemente ancorada
A rtístico N acional
da primeira metade do século XIX.40 O Grand na sua relação com os colecionadores, por
Dictionnaire Universel de Pierre Larousse, no motivos complexos ligados tanto a uma
final da década de 1860, renuncia a “passar em argumentação patrimonial, quanto ao
revista todas as variedades, todas as audácias, elogio da inteligência da mercadoria, no seu
todas as singularidades da coleciomania”.41 Ele circuito do marchand ao proprietário. Na
D om in iqu e Pou lot
mostra, como Clément de Ris em La curiosité França da segunda metade do século XIX,
e
P atrimônio H istórico
A rtístico N acional
cada vez mais visível às vicissitudes dos apenas assinalar aqui.
estereótipos nacionais, à construção de Agrupando esses três eixos sob uma
narrativas identitárias e à massificação perspectiva de investigação unificada pela
dos públicos, notadamente por meio das atenção dedicada aos mundos do patrimônio –
mutações da cenografia histórica ou da para retomar uma fórmula doravante clássica
e
P atrimônio H istórico
Ao menos, a abertura de museus públicos para a análise histórica de um fenômeno social
enseja novas tomadas de posição diante e de uma instituição, de categorias de saber
de potenciais objetos afetivos, quer sejam e de gosto, enfim de práticas e recepções.
nacionais ou exóticos, a contrapelo de uma Pretendo dar continuidade, a propósito
instrumentalização unívoca (Preziosi, 2003; desse objeto, ao diálogo entre a história e
Plato, 2001; Baker e Richardson, 1997; as ciências sociais engajado, desde os meus
Conn, 1998; Thomas, 1991). A proliferação primeiros trabalhos, e aprofundado com a
do
de objetos patrimonializados que se usufruem vinculação a um novo laboratório colocado
R evista
e para os quais se luta – ou não – põe sob a influência do trabalho antropológico. O
novamente em questão a adesão dos cidadãos meu engajamento na equipe do Laboratoire
a um depósito de valores, a um common interest d’Anthropologie et d’Histoire de l’Institution
da imaginação e da arte, mas que é também de la Culture (Lahic) me proporcionou não
uma figura da alteridade.46 Tudo isso compõe tanto os “recursos” que a antropologia oferece
o que se poderia chamar de “moralidade” à história, mas sim a crítica que a antropologia
do patrimônio nas representações coletivas, faz a certa tendência da história de tratar 39
moralidade que pode tomar a forma ora de exaustivamente as fontes ou de necessitar
um programa de emancipação, até mesmo de que as mesmas expressem as ideias ou
subversão, ora o partido de um conformismo representações de um grupo social significativo
e não somente de indivíduos isolados.
45. Para o espaço alemão de autorrepresentação dispõe-se Resta considerar, em seguida, as
de Bénédicte Savoy (2003), que permite compreender sua
construção em torno de 1800 “graças” ao deslocamento construções patrimoniais como outros
francês. Susan A. Crane (2000) defende a tese da perda das
capacidades individuais da experiência histórica à medida
tantos “modos apropriados” de tratar o
que se fundem os interesses pessoais de colecionadores e passado, como outros tantos estilos – o
de amadores de história no seio de um movimento coletivo
dedicado ao “patrimônio” e à história alemães. Em outro plano, estilo encarnando uma “noção de perspectiva
H. Glenn Penny (2001) esboça um quadro bastante semelhante histórica” (Guinzburg, 1998:120), segundo
dos efeitos da publicidade museal sobre a natureza dos objetos
colecionados e sobre os discursos que lhes dão vida. Para um a formulação luminosa de Carlo Ginzburg.
estudo de caso, ver Alon Confino (1997). Exposições recentes consagradas, ora a atores
46. Remeto às análises sobre as bibliotecas, os livros e
os leitores conduzidas por Roger Chartier como outros da patrimonialização monumental – para
tantos modelos a serem testados para tal abordagem das
representações de patrimônios, de suas implicações políticas
além dos grandes iniciadores Mérimée e
e apropriações. Viollet-le-Duc, que são casos de escola –,
A razão pat r i moni al na Europa. . .
ora a fundadores de museus, ora, por fim, a Boym, Svetlana. The future of nostalgia. Nova York: Basic
Books, 2001.
inventores de sítios arqueológicos, mostram
Brian, Eric. “Calepin. Repérage en vue d’une histoire
o quanto esses episódios foram outros tantos
A rtístico N acional
Chicago Press, 2001. Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano. (1ª ed.
R evista
______. “La description face à la temporalité”. Enquête, 1980). Rio de Janeiro: Vozes.
6:41-53, 2003. Champfleury. “L’homme aux figures de cire”. Les
Anderson, Benedict. “Census, map, museum”. Em Excentriques, 1855. Reedição – Paris: Gallimard, 2004.
Imagined communities: reflections on the origin and spread of Choay, Françoise. L’allégorie du patrimoine. Paris:
nationalism. Nova York-Londres: Verso, 1991, p. 163-186. Seuil, 1996.
Appadurai, Arjun (ed.). The social life of things: Clifford, James. “Museums as contact zones”.
commodities in cultural perspective. Nova York: Cambridge Em Routes: travel and translation in the late 20th Century.
University Press, 1986. Cambridge: Harvard UP, 1997, p. 188-219.
Argan, Carlo Argan. Il revival. Milão: Mazzotta, 1974. Confino, Alon. The nation as a local metaphor:
40 Württemberg, Imperial Germany and national memory,
Bailey, Colin. Patriotic taste.Yale University Press, 2002.
Baker, Malcolm & Richardson, Brenda (eds.). A grand 1871-1918. Chapel Hill: University of North Carolina
design: the art of theVictoria and Albert Museum (catalogue). Press, 1997.
Baltimore Museum of Art, 1997. Conn, Stephen. Museums and american intellectual life,
Bann, Stephen. The clothing of Clio: a study of the 1876-1926. University of Chicago Press, 1998.
representation of history in nineteenth-century Britain and Cooke, Lynne & WOLLEN, Peter (eds.). Visual
France. Cambridge University Press, 1984. display. Culture beyond appearances. Dia Center for the
Barkan, Leonard. Unearthing the past: archaeology Arts, 1995. Nova York: New Press, 1998.
and aesthetics in the making of Renaissance sculpture. New Coombes, Annie. “Museums and the formation of
Haven:Yale University Press, 1999. national and cultural identities”. The Oxford Art Journal,
Becker, Peter & CLARK, William (eds.). Little tools 11(2):58-68, 1988.
of knowledge. Historical essays on academic and bureaucratic Crane, Susan A. Collecting and historical consciousness
practices, Ann Arbor: Michigan University Press, 2001. in early nineteenth-century Germany. Cornell University
Beghaim, Patrice. Le patrimoine: culture et lien social. Press, 2000.
Paris: Presses Fondation Sciences Politiques, 1998. DENSLANGEN, Wim. Architectural restoration in
Bessy, C. & CHATEAURAYNAUD F. Experts et Western Europe: controversy and continuity. Amsterdam:
faussaires. Pour une sociologie de la perception. Paris: Architectura & Natura Press, 1994.
Métailié, 1995. Desrosières, Alain. La politique des grands nombres.
Boutier, Jean Boutier; FABIANI Jean-Louis; Paris: La Découverte, 1993.
SARDAN, Jean-Pierre Olivier de. Corpus, sources et Didi-Huberman, G. Devant le temps. Histoire de l’art et
archives. Actes des Journées de Tunis 1999, IRMC, 2001. anachronisme des images. Paris: Minuit, 2000.
A razão pat r i moni al na Europa. . .
Dooley, Brenda & BARON, Sabrina. The politics Herzfeld, Michael. Cultural intimacy: social poetics in the
of information in early modern Europe. Londres: nation-state. Londres-Nova York: Routledge, 1997, p. 27.
Routledge, 2002. Hill, Rosemary. “Cockney connoisseurship: Keats and
A rtístico N acional
Duncan, Carol. Civilizing rituals: inside public art the Grecian Urn”. Things, 6, 1997.
museums. Londres: Routledge, 1995. Huppert, George. L’idée de l’histoire parfaite. Paris:
Emiliani, Andrea. Leggi, bandi e provvedimenti per la Flammarion, 1973.
tutela dei beni artistici e culturali negli antichi stati italiani, Hutchinson, John. “Archaeology and the Irish
1571-1860. Bolonha: Nuova Alfa, 1996. rediscovery of the Celtic past”. Nations and Nationalism,
Fabiani, Jean-Louis. “Controverses scientifiques, 7(4):505-519, 2001.
controverses philosophiques. Figures, trajets, positions”. Jeanneret, Michel. “The vagaries of exemplarity:
Enquête, 5:11-34, 1997. Distortion or dismissal?” Journal of the History of Ideas,
e
monuments historiques. Paris: Éditions de la Maison des Jokilehto, Jukka. A history of architectural conservation.
P atrimônio H istórico
Sciences de l’Homme, 2000. Oxford: Butterworth-Iccrom, 1999.
______. (ed.). Écritures ordinaires. Paris: Centre Jordanova, Ludmilla. “Objects of knowledge: a
Georges Pompidou-P.O.L., 1993. FINLEY, Moses I. historical perspective on museums”. Em VERGO, Peter
Mythe, mémoire, histoire. Paris: Flammarion, 1990. (ed.). The museology. Londres: Reaktion Books, 1989, p.
Fraenkel, Béatrice. Les écrits de septembre. NewYork, 22-40.
2001. Paris: Textuel, 2002. Kalb, Don; MARKS, Hans & TAK, Herman.
Garber, Marjorie. Quotation marks. Nova York: “Historical anthropology and anthropological history:
Routledge, 2003. two distinct programs”. Focaal, 26/27:5-13, 1996.
Geertz, Clifford. “The way we think now: toward an Kaufmann, Thomas DaCosta. Toward a geography of
do
ethnography of modern thought”. Em Local knowledge: art. University of Chicago Press, 2004.
R evista
further essays in interpretative anthropology. Nova York: Kelley, Donald R. (ed.). History and the disciplines.The
Basic Books, 1983, p. 147-166. reclassification of knowledge in early modern Europe. Rochester:
Ginzburg, Carlo. “Style. Inclusion et exclusion”. A University of Rochester Press, 1997.
distance. Neuf essais sur le point de vue en histoire. Paris: Kibbey, Ann. The interpretation of material shapes in
Gallimard, 1998. puritanism. A study of rhetoric, prejudice and violence.
Goldgar, Ann. Impolite learning. New Haven:Yale Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
University Press, 1995. Kirshenblatt-Gimblett, Barbara. “Objects of
Gossiaux, J. F. “La production de la tradition, un exemple memory: material culture as life review”. Em ORING,
Breton”. Ethnologie Française, 25(2):248-256, 1995. Elliot (ed.). Folk groups and folklore genres: a reader. Logan:
41
Gossman, Lionel. “Unwilling moderns: the Nazarene Utah State University Press, 1989.
painters of the nineteenth century”. Nineteenth-Century Larousse, Pierre. Grand Dictionnaire Universel du XIXe
ArtWorldwide, 2(3), 2003. Siècle. Paris: Larousse, 1867-1890.
Greenblatt, Stephen. “Resonance and Wonder”. Em Leask, N. Curiosity and the aesthetics of the travel writing,
COLLIER, Peter (ed.) & GEYER-RYAN, Helga. Literary 1770-1840. From an antique land. Oxford: Oxford
theory today. Cambridge: Polity Press, 1990, p. 74-90. University Press, 2002.
Greffe, Xavier. La valorisation économique du patrimoine. Le Fur,Yves. “Europe chasseuse de têtes en Océanie,
Paris: La Documentation Française, 2003. XVIIIè-XIXè siècles”. Em La mort n’en saura rien. Reliques
GROUPE-CONSEIL sur la Politique du Patrimoine d’Europe et d’Océanie. Paris: RMN, 1999, p. 59-67.
Culturel du Québec. Notre patrimoine, un présent du Lenclud, Gérard. “Le grand partage ou la tentation
passé. Proposition à madame le ministre de la Culture sous la ethnologique”. Em ALTHABE, G.; FABRE, D.; LENCLUD
présidence de Roland Arpin. Quebec, novembre 2000. G. Vers une ethnologie du présent. Paris: MSH, 1992.
Hamon, Françoise. “Collections. Ce que disent les Lepetit, Bernard. “Le présent de l’histoire”. Em Les
dictionnaires”. Romantisme, 112:55-70, 2001-2. formes de l’expérience. Une autre histoire sociale. Paris: Albin
Hartog, François. Regimes d’historicité. Présentismes et Michel, 1995, p. 187-225.
expériences du temps. Paris: Seuil, 2003. Loraux, Nicole. “Éloge de l’anachronisme en
Haskell, Francis. History and its images. Art and the histoire”. Le genre humain, n. 27, 1993.
interpretation of the past.Yale University Press, 1993. Louichon, Brigitte. “Champfleury: du bric-à-brac à
______. & PENNY, Nicholas. Taste and the antique: the la collection”. Em CABANÈS, Jean Louis & SAÏDAH,
lure of classical sculpture, 1500-1900. New Haven:Yale Jean-Pierre. La Fantaisie post-romantique. Toulouse:
University Press, 1981. Presses Universitaires du Mirail, 2003, p. 293-314.
A razão pat r i moni al na Europa. . .
Lowenthal, David. The past is foreign country. Pomian, Krzysztof. Collectionneurs, amateurs, curieux:
Cambridge University Press, 1985. Paris-Venise, XVIe – XVIIIe siècles. Paris: Gallimard, 1987.
______. The heritage crusade and the spoils of history. ______. Des Saintes reliques à l’art moderne.Venise-Chicago,
A rtístico N acional
Merton, Robert K. & BARBER, Elinor G. The travels historique”. Enquête 1:43-70, 1995 .
e
and adventures of serendipity. A study in historical semantics and ______. & HARTOG, F. (dir.). “Les usages politiques
P atrimônio H istórico
the sociology of science. Princeton University Press, 1992. du passé”. Enquête, 2001.
Miller, Daniel. “Why some things matter”. Em Ricoeur, Paul. La mémoire, l’histoire et l’oubli. Paris:
MILLER D. (ed.). Material cultures, Chicago: Chicago Seuil, 2003 (col. Points).
University Press, 1998, p. 3-21. Rossi, Paolo. Clavis universalis: arts de la mémoire,
Momigliano, Arnaldo. Problèmes d’historiographie logique combinatoire et langue universelle de Lulle à Leibniz.
ancienne et moderne. Paris: Gallimard, 1998. Grenoble: Jérôme Millon, 1993.
Mondenard, Anne. La mission héliographique: cinq Savoy, Bénédicte. Patrimoine annexé. Les saisies de biens
photographes parcourent la France en 1851. Paris: Monum, culturels pratiqués par la France en Allemagne autour de
Editions du Patrimoine, 2002. 1800. Paris: Éditions de la Maison des Sciences de
do