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Carnaval de cinzas: a festa avessa

Georges Bataille, numa leitura sobre Maurice Blanchot, afirma que pela ambiguidade, pelo
jogo em que a escrita literária substitui o trabalho, por essa sorte de “hormigueo de los insectos”
com que ela substitui a estabilidade do mundo “real”, a literatura consagrou o escritor – e o leitor
com ele – em algo muito diferente deste mundo real. Mundo autossuficiente, em que a obra
produzida não é acabada nem inacabada, apenas é. Quem subsidia esse espaço literário é a
ambiguidade e nesse território toda segurança que a palavra possa ter no mundo dito “real” cai por
terra, a palavra separa-se do referente, entrega-se ao vazio, ao nada, ao abismo do não-saber. Dessa
forma, surge uma espécie de reformulação da morte em impossibilidade de morrer e nessa
impossibilidade cria-se o espaço da literatura, esse lugar-outro.
A literatura não age, não é explicação nem compreensão, pois se apresenta como uma
espécie de receptáculo para o inexplicável, ela expressa sem expressar. Por isso, o escritor que
escreve uma obra se suprime nessa obra e se afirma nela. A relação do escritor com a obra se torna
paradoxal, desterritorializada, incapaz de se fixar em algo, pois se ele escreveu para se desfazer de
si, a obra lhe exige comprometimento e lhe faz chamamentos diversos. Por outro lado, se o escritor
escreveu para se manifestar, para viver na obra, tudo o que ele tem é nada, “que a maior obra não
vale o ato mais insignificante”, vaticina Maurice Blanchot. Além disso, Blanchot diz que a obra
condena o escritor a uma existência que não é a sua e a uma vida que não é vida. Há também a
relação com a morte, a impossibilidade da morte: o escrever ocorreu porque se ouviu o trabalho da
morte preparando os seres para a verdade de seus nomes, porém a escrita e o escritor são trabalhos
para o nada. Quando o vazio é realizado a obra nasce, fiel à morte e incapaz de morrer.
Voltemos a George Bataille que também diz que o escritor está instalado como uma verdade
entre os vivos e os mortos e, por vezes, ele abre a via para a fascinação da morte. Bataille resume,
de maneira exemplar, a relação entre literatura e morte proposta por Blanchot: a literatura é parecida
à chama da vela: o que a chama consome é a vida, porém a chama é vida na medida em que é
morte, na medida em que justamente morre, como a chama esgota a vida ao arder. Somente a nossa
morte definitiva põe fim a esta morte incessante, pela qual somos arrancados do ser da experiência e
reenviados à ficção informe do todo. O que temos nesse Carnaval de cinzas, de Marco Vasques, é a
reunião de 39 contos fazendo com que a literatura seja, mais uma vez, a chama da vela que ilumina
ao se consumir, mais uma vez Marco Vasques se suprime e se afirma em suas histórias, em suas
crias tristes e reflexivas. São vidas que assomam na escrita concisa do autor, que fazem revelar
silêncios, escuridões, nomes e mais nomes de homens e mulheres que aparecem nesse carnaval para
se expor e exporem as vicissitudes de todos. Eis a literatura fazendo a reviravolta radical pois
escrever é buscar a sorte. E é isso que fazem essas narrativas e esses personagens de Vasques, eles
se reviravoltam radicalmente atrás de alguma luz, de alguma esperança, e enquanto buscam vão se
consumindo em si mesmos, e vão iluminando quem os lê. Iluminando pelos contrários. A certa
altura Vasques escreve: “o escuro, por certo, serviria para ensinar que a cegueira pode ser um
método de visão”. Esse é o ensinamento que tais vozes carnavalizantes nos ensinam: elas nos cegam
para que possamos ver melhor, mais que ver no escuro, ver o escuro, em sua amplidão humana e
inumana. Ao mesmo tempo, estamos também em contato com a linguagem de Marco Vasques, uma
linguagem que vai se pontuando como aquela “pedra lançada no fundo do poço” que nos fala
Clarice Lispector ao tentar conceituar o que é o escrever. A escrita imerge no fundo do poço para
fazer emergir uma série de personagens que se propõe, cada um a sua maneira a olhar o abismo com
suas retinas de abismo - (para se apropriar de uma das inúmeras imagens poéticas presentes nos
contos).
Carnaval de cinzas também poderia ser um carnaval das cinzas, pois elas estão espalhadas
em todo o livro, elas refletem aquela quarta-feira triste e culposa que inventamos depois das festas.
É nesse tempo que se dá a vida dos personagens e a escrita de Marco Vasques, pois o escrever ainda
pode expor a busca da sorte e a impossibilidade de morrer, ou aquele colocar a certeza entre
parênteses de que fala Blanchot. Assim, ao colocar a certeza entre parênteses, coloca-se também a
certeza de si mesmo como sujeito do escrever, algo que conduz de maneira lenta e imediata a um
vazio. E é nesse parêntese, nesse pas au-delà, nesse lugar ou entre-lugar que a escrita de Marco
Vasques se solidifica para dar vazão a suas personas: é como Maria, do conto “Maria com Maria”,
que “olha para dentro da xícara de café” e “fica alguns minutos se procurando dentro da
negritude matinal”. Assim, nessa dança que a escrita e a leitura, percebemos que o ato de escrever e
de ler é um acontecimento envolto nas névoas da suspeita, da indecidibilidade, que faz com que o
escritor e o leitor se deparem com o escuro do poço, com o vazio, com o fato de não saber de onde
vem a escrita, para onde vai a leitura, de não saber que armas usar na luta constante da escrita e da
leitura com a morte. Vamos adentrando esse mundo de linguagem, de personagens, de vozes que
aparecem e vamos, nós os leitores, também reescrevendo cada uma dessas histórias, cada um de
nós, junto com o autor e suas criaturas, vamos todos nos procurando dentro da negritude matinal.
Uma das palavras mais repetidas nesses contos é “escuridão”, dessa forma, somos nós, os leitores,
também a vela que ilumina e se ilumina enquanto morre. Estamos dando corpo e presença ao
Carnaval de cinzas, esta festa avessa, para a qual fomos convidados por Marco Vasques.
Aproveitemos as ausências, as reviravoltas, os encantamentos, o carnaval e as cinzas que ficarão
por muito tempo presentes na memória.

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