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Um estudo acerca da dança a partir do referencial teórico da psicanálise

Fabíola Vieira Bertotti, graduação em psicologia pela Universidade Regional do Noroeste do


Estado do Rio Grande do Sul (2007); pós-graduação em Saúde Mental-Dependência Química
(2009) e em Docência do Ensino Superior (2013); mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília. fabiola.bertotti@hotmail.com
Daniela Scheinkman Chatelard, graduação em psicologia Universidade Santa Úrsula (1991);
mestrado em psicanálise - Universite de Paris VIII (1994) e doutorado em filosofia - Universite
de Paris VIII (1999); professora adjunta do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília.

O presente estudo aborda a dança a partir do repertório teórico estabelecido por Sigmund
Freud e Jacques Lacan. O interesse nesse estudo estabelece-se há algum tempo e avança ao ritmo
de encontros com a psicanálise. A dança, a do puro gesto corporal, está desde um tempo anterior,
primordial. Especificamente, determinadas constatações de Alain Didier-Weill suportam os
questionamentos envolvendo esse estudo. Segundo esse autor, o corpo que dança tornar-se-ia
imaterial e comemoraria o dito tempo primordial, não contando mais com as leis da gravidade
nos seus passos.
Considerando as formulações teóricas dos autores, discute-se conceitualmente a
constituição do olhar, enfatizando o que resta como invisível, aos passos da dançarina Pina
Bausch. A concepção de das Ding, o fenômeno do Unheimliche e o conceito de angústia
conduzem esse estudo a alçar uma aproximação teórica com o gozo Outro, dito feminino. A
dança, ao comemorar o tempo primordial, destaca das Ding num encontro marcado pelo real. O
corpo que dança não elidiria esse real angustiante, mas sustentá-lo-ia com a Outra cena na forma
da criação. Na medida da sua ascensão no real, esse corpo que está todo na cena, mas não-todo na
linguagem, sustentaria-se num alhures, num gozo Outro.

O percurso freudiano na construção de uma ética destaca o corpo como questão


fundamental para a psicanálise. Com a escuta da histérica no seu sintoma corporal, a conversão,
Freud indaga o que se passa com esse corpo, com isso que se faz presente e, ao mesmo tempo,
ausente, invisível aos exames médicos, ao olhar com o qual pode contar a medicina. Endereçando

1
um outro olhar ao contorcionismo histérico, Freud inaugura um outro corpo numa outra cena
(Freud, 1893-5/2007, p.43-44). Um olhar atento ao espanto provocado por esse corpo no discurso
científico que, desalojado da cena médica, passa a contar com a cena do inconsciente (Freud,
1896/2007, p.311)1.
Para a psicanálise, o campo visual não se reduz à visão protagonizada por um órgão, o
olho. Esse órgão nada serve para olhar o imperceptível a olho nu. Segundo Freud, principalmente
em 1905 nos seus Tres ensayos, o olho constitui uma zona erógena, indica um investimento
pulsional que encontra apoio em um órgão, em traços anatômicos do corpo. Além desse texto, o
Concepto psicoanalítico de las perurbaciones psicogenas de la vision (1910) acentua tal zona
erógena.
El placer sexual no se enlaza exclusivamente con la función de los genitales. (...) los ojos no
perciben tan sólo las modificaciones del mundo exterior, sino también aquellas cualidades de
los objetos que los elevan a la categoría de objetos de la elección erótica, o sea sus
‘encantos’. (Freud, 1910/2007, p.1633)

O olhar freudiano funda um novo corpo nomeado de modo outro que não a partir do repertório
médico. Corpo pulsional, erógeno, que se faz olhar. Desse fazer-se olhar, advém um novo sujeito,
que espera pelo olhar de um outro para constituir um lugar.
“O olhar (...) é o segredo da jubilação do especular: é a causa do gozo da imagem, da
satisfação da bela forma, dos belos corpos, da bela paisagem, do belo quadro” (Quinet prefácio à
Scheinkman, 1995, p.16). Freud circunda esse segredo ao longo de toda a sua obra ao versar
acerca do corpo da mulher e do processo artístico pela sublimação. Geralmente requisitada em
estudos que se propõem a debater arte e psicanálise, a sublimação em Freud apresenta uma
maneira particular de satisfação pulsional – desviada de um alvo sexual e dirigida a fins culturais.
O presente estudo opta pelo termo “dança” (e não “arte da dança”) apostando numa certa
controvérsia acerca da sua dimensão artística.
Quanto ao corpo pulsional, com as formulações freudianas conceituando a pulsão no
limite entre psíquico e somático, Lacan (1962-1963/2005) ressalta um corpo simbólico
designando um vaivém em torno do objeto. Há uma montagem pulsional no que Freud introduz
como destinos da pulsão. Com o par de opostos voyeurismo-exibicionismo Freud situa a pulsão
escópica – a meta ativa, olhar, é substituída por uma passiva, ser olhado. Num primeiro

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Embora faça alusão desde os seus primeiros escritos, Freud nomeia o inconsciente como uma outra cena (eine
anderer Schauplatz) na Interpretação dos sonhos (1900).

2
momento, olhar, como atividade dirigida a um objeto estranho; depois, o objeto é abandonado,
ocorre a reversão da pulsão de olhar para uma parte do próprio corpo e, com isso, ao mesmo
tempo, a inversão em passividade e a instauração de um novo alvo: ser olhado. E, num terceiro
momento, a introdução de um novo sujeito a quem o sujeito se mostra para ser olhado.
Nas palavras de Scheinkman, há “um percurso na relação sujeito/objeto nesse processo de
inversão, e, ao mesmo tempo, uma esquize que se instaura a partir do que Lacan retoma de Freud:
o ‘novo sujeito’” (Scheinkman, 1995, p.32-33). Lacan (1964/2008, p.74) faz do olhar um objeto
pulsional contornado pelo circuito da pulsão, tornando-o partícipe de uma estrutura na qual
sujeito e objeto estão entrelaçados. O vaivém pulsional enfatiza a circularidade da pulsão, estando
a satisfação no retorno do trajeto, quando a linguagem entra em cena e instala-se a incompletude
própria do campo linguageiro. “A pulsão é precisamente essa montagem pela qual a sexualidade
participa da vida psíquica, de uma maneira que se deve conformar com a estrutura de hiância que
é a do inconsciente” (Lacan, 1964/2008, p.173).
Lacan enfatiza a “outra cena” (Lacan, 1962/2005, p.42) com a satisfação da pulsão num
terceiro tempo, só depois, quando aquele que é olhado se torna sujeito por haver um sujeito que o
olha. Ou seja, o alvo da pulsão remete ao retorno em circuito, no qual se distingue “do que
aparece – mas também por não aparecer – num terceiro tempo. (...) O que se olha é aquilo que
não se pode ver” (Lacan, 1964/2008, p.175,179). Há uma lacuna imprescindível para o devir do
sujeito. Procura-se o que não se pode ver, a saber, o olhar enquanto objeto perdido, ausência,
sombra do que se perdeu.
O júbilo diante da imagem especular atesta justamente o momento em que o humano
assume essa imagem graças à falta que a sustenta. A assunção jubilatória atesta o ‘entre’, o que
não se pode ver, diz-se o resto não especularizável. É no vazio da não significação impregnado na
imagem que o “humano” (Lacan, 1949/1998, p.97) pode antecipar a sua imagem própria e fazer-
se ver como um, um corpo, um sujeito. Alguma coisa não é vista e daí se pode olhar.
A imagem especular denuncia uma dessemelhança, uma diferença, um não encaixe. Ao
deparar-se com a falta inscrita por um significante que entrecorta a carne, marca-a, “(...) a relação
especular vem a tomar seu lugar e a depender do fato de que o sujeito se constitui no lugar do
Outro, e de que sua marca se constitui na relação com o significante” (Lacan, 1962-1963/2005,
p.41). Lacan estabelece a noção de sujeito do inconsciente, sujeito representado por um
significante a outro significante, conforme o seu texto Subversão do sujeito e dialética do desejo

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no inconsciente freudiano (1960/1998, p.833). Em 1955, introduz o Outro, com letra maiúscula,
em seu seminário dedicado ao eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise, para diferenciá-
lo do outro enquanto semelhante. “O Outro, é dele que se trata na função da fala” (Lacan, 1954-
1955/2010, p.320), o Outro como campo da linguagem.
Ao testemunhar e nomear o que se vê no que não se pode ver, a falta de significação
concede suporte ao sujeito frente ao Outro enquanto uma miragem. Trata-se de uma imagem
alienante que ratifica o lugar fundamental de uma perda na constituição do corpo próprio. Perde-
se, só depois, com o corte linguageiro, uma certa totalidade suposta antes. Lacan (1962-
1963/2005) evidencia o corte como originário, constituinte do sujeito, por meio do qual se aparta
um resto, uma alteridade que se desprende para que a unidade possa se constituir.
O referido corte permite Lacan atribuir uma significação essencial à assertiva freudiana de
que “o destino é a anatomia”. Essa assertiva
(...) se torna verdadeira se atribuirmos ao termo ‘anatomia’ seu sentido estrito e, digamos,
etimológico, que valoriza a ana-tomi, a função de corte. Tudo que sabemos de anatomia está
ligado, de fato, à dissecação. O destino, isso é, a relação do homem com essa função chamada
desejo, só adquire toda a sua animação na medida em que é concebível o despedaçamento do
próprio corpo, esse corte que é o lugar dos momentos de eleição de seu funcionamento.
(Lacan,1962-1963/2005, p.258)

Nota-se a função desse corte ao evidenciar o ponto vazio, resistente à significação, à completude
da imagem e de onde pode advir o sujeito. Nesse advir, elege-se como se buscará a unidade
miticamente perdida, sempre resultando em defasagem entre o que se busca e o que se encontra,
marcando um desencontro que impulsiona um retorno, uma repetição. O vazio assinala a
correspondência impossível entre sujeito e alteridade, imagem corporal e corpo.
Ao presente estudo interessa o corpo enquanto ‘aparente’ suporte da dança. Esta encena
passos e fornece passagens que parecem partir nunca das pernas, mas de algum lugar outro. Pina
Baush encena um corpo envolto em sua própria forma, criação feita diretamente sobre o próprio
corpo. Não há qualquer distância entre o objeto modelado e o seu criador. Esse ‘entre’ é
encenado na própria dança. A obra da Pina mostra um corpo despedaçado, não vangloriando a
beleza da boa forma (Fernandes, 2007). Suas criações são tentativas de transpor limitações
linguageiras conhecidas pelo próprio corpo numa encenação da passagem para algum alhures,
além do recobrimento imagético, da significação capaz de capturar o corpo e, ao mesmo tempo,
para aquém, para uma espécie de reedição de um tempo anterior à delimitação da linguagem.

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A dança estaria a serviço daquela outra cena, nomeada por Lacan de Outra cena. Um
corpo que dança contornaria o limite da sua própria contiguidade e deixaria um espaço aberto,
um nada, um intervalo entre isso e aquilo. ‘Entre’ que aponta o vazio justo da Coisa (Lacan,
1960/2008), destacando o que “não engana” (Lacan, 1962-1963/2005, p.88), nomeada de
angústia desde Freud, algo real.
Essa possibilidade de ‘um mais além’ pode ser acompanhada desde os primeiros esboços
da obra freudiana até a gradual radicalidade no contexto privilegiado de Mas allá del principio
del placer (1920), com o conceito de pulsão de morte. Conceito que recorta um excesso, uma
porção irredutível à homeostase e que Lacan (1959-1960/2008), nomeando-a gozo, conceitua um
modo de satisfação estreitamente relacionado ao real do corpo.
Para Lacan, em especial a partir do seminário sobre a ética da psicanálise, a possibilidade
sublimatória revela a essência pulsional atrelada à das Ding. A sublimação “(...) eleva um objeto
à dignidade da Coisa” (Lacan, 1959-1960/2008 p.140). Dignidade porque não elide o vazio, mas
o sustenta, permitindo que o real ganhe forma na criação. Sendo assim, Lacan propõe o problema
da sublimação como “anterior à organização do eu” (Lacan, 1959-1960/2008, p.195),
independente de seu comando. A sublimação diz respeito ao modo de operar com a pulsão
concernente à Coisa, a uma satisfação que, embora circunscrita, adentra o mais além do princípio
do prazer, o gozo.
No Entwurf (1895), o vazio marcado pela Coisa freudiana é inalterável, atrelado a uma
condição psíquica primordial. Uma ordenação mítica coloca das Ding como o objeto perdido por
excelência. A constituição psíquica parte dessa perda e o humano bordeja incessantemente em
torno desse furo, a cada vez, tecendo uma rede linguageira que jamais significará essa Coisa. Esta
está por sua ausência no próprio bordejamento.
O “retorno involuntario a un mismo lugar. (...) cuando se vuelve varias veces al mismo
lugar caracterizado por un aspecto determinado. (...) la repetición involuntaria es el que nos hace
parecer sinistro lo que en otras circuntancias sería inocente” (Freud, 1919/2007, p.2495). Nesse
texto, intitulado das Unheimlich (1919), Freud situa um encontro espantoso com Unheimlich que
desarranja o humano. Os aparentes acasos começam a compor um certo encadeamento, um
trilhamento pelo olhar construído por ele à medida que se vê sendo olhado.
Esse Unheimlich, Freud certifica-se, não é novo, mas bem conhecido e familiar, remete à
angústia. “(...) todo afecto de um impulso, cualquiera que sea su naturaleza, es convertido por la

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represión en angustia (...), lo angustioso es algo reprimido que retorna. Esta forma de la angustia
sería precisamente lo siniestro” (Freud, 1919/2007, p.2498). Refere-se ao tempo primordial, em
que das Ding imprime a inscrição do primeiro esboço de alteridade. Diante de uma invasão
primordial radical, o grito faz surgir um primeiro estranho que, nesse mesmo tempo, é um
primeiro próximo, um primeiro familiar.
Renovando as formulações freudianas, Lacan, no seu seminário acerca da angústia,
corrobora-a enquanto afeto irredutível à significação, real e vai mais longe (Lacan, 1962-
1963/2008, p.30-31). Disso que vai longe, Lacan especifica, anterior à linguagem quando a
própria linguagem é instituída. Segundo Lacan, das Ding ex-siste às leis dessa linguagem à
medida que só está na sua ausência, sendo estrangeira e, paradoxalmente, o que há de mais
íntimo. Ex-sistindo alhures, das Ding aponta uma movimentação pulsional além do princípio de
prazer, pois estabelece a criação a partir do nada, circunscrevendo o ponto não especularizável, a
porção não recoberta pela linguagem. Contornando e recortando o vazio, a sublimação vale-se de
das Ding numa produção que vela e, concomitantemente, indica o furo que a sustenta.
Isso que fica como um certo resto, Lacan nomeia “pivô” da dialética entre sujeito e Outro,
com uma função de “falo” (Lacan, 1962-1963/2005, p.49). O falo é “cortado” da imagem, não é
representado, ele resta à medida que não lhe cabe qualquer significação, demarcando então um
limite. A partir desse limite demarcado, na imagem do corpo o falo aparece a menos, como uma
lacuna, uma falha, uma imagem real. Nesse ponto as questões que impulsionam o presente estudo
começam a se estabelecer.
Elevando um objeto à dignidade da Coisa, o humano se vê livre, temporariamente, da
medida ditada pela linguagem, pelo Outro. Ele aí se ampara na sublimação, sustentado pela
radicalidade da incompletude. A justeza2 da falta garante a ele contar com a angústia para se virar
em cena, na Outra cena, com a obra artística, o que garante o seu não aprisionamento ao gozo do
Outro. Deste modo, a sublimação o permitiria jogar com a sua própria medida fálica?
À época de Freud, era fato corriqueiro atrelar sexualidade à símbolo fálico e, por uma
espécie de consequência, gozo fálico à satisfação humana geral. Acontece que Freud se depara
com o limite dessas asserções quando estuda a sexualidade feminina, a especificidade de um gozo
próprio da mulher. Nessa direção, ao longo da sua investigação, Lacan nomeia essa diferença de
gozo suplementar ou gozo Outro. No tempo de constituição psíquica, diante do gozo do Outro, o

2
Justiça, justo com o próprio sujeito, em falta.

6
sujeito se inscreve no circuito do gozo fálico (gozo sexual, gozo do sintoma, gozo da fala) ou
numa outra modalidade de gozo, o gozo suplementar/gozo Outro (gozo feminino, sublimação,
gozo místico).
Didier-Weill (1995), esclarece o seguinte. “O dom do artista, que lhe permite nos dar essa
chave (a de nos libertar da onipresença e onipotência do Outro), nos chama a um dever ético (...)
na medida em que o artista nos demonstra que ele é aquele que soube responder à questão da
dívida simbólica” (Didier-Weill, 1997, p.199). A dança joga com as leis da linguagem,
especificamente com as da gravidade3, tornando o corpo imaterial no passo justo revelador do
suporte invisível desse corpo. “Justo” no tocante à justeza, à justiça com o olhar que o precedeu.
Lá onde foi olhado, esse corpo dá-se a olhar, suspenso no ar por um/num passo, de dança.
Comemora-se a pista do Outro e, assim, recria-se um “recomeço de um começo, ao
mesmo tempo esquecido e inesquecível” (Didier-Weill, 1997, p.22). Suspendendo a continuidade
temporal e viabilizando o acesso ao “tempo a-histórico” (Didier-Weill, 1997, p.22), acede-se de
novo ao ilimitado, à falta de significação4, por isso a possibilidade de inauguração, de
lançamento, de lançar algo novo. A dança reata com esse tempo primordial na mostração de um
puro gesto.
Em outras palavras, aquiescendo ao não-saber proposto pelo significante, a dançarina
deixa-se ultrapassar, “depondo as armas” ante uma amplitude ilimitada para, daí, sobrevir a
“capacidade estética” (Didier-Weill, 1997, p.299). Ela lembra a Coisa em exílio, permitindo que
seja olhada ainda que sempre exilada. Por admitir o ilimitado e honrá-lo, num passo, a dançarina
“voa”, escapa ao determinismo da lei da gravidade, do sentido e, durante um lapso de tempo,
restitui o esquecimento da fixidez do corpo humano, cessando de estar sob o olhar onipresente e
onipotente do Outro. E “(...) tudo se torna de novo possível (...)” (Didier-Weill, 1997, p.301).
O savoir-faire do artista torna transmissível o inaudito, o invisível e o imaterial
pertencentes ao real. No caso da dançarina, ela “(...) nomeia o real.” (Didier-Weill, 1997, p.233)
com o bem-dizer do seu passo, mostrando a imaterialidade corporal à medida que cessa de estar
limitada pelas leis gravitacionais. Desse modo, ela “não cairá no momento em que seu pé tornar a

3
Palavra ambígua - gravidade corporal, da física, faz os corpos pesarem e estarem caminhando rente ao chão; e
gravidade pelo um corpo, faz os corpos pesarem porque indica uma dívida impagável.
4
Ao pacto originário de entrada na linguagem.

7
cair no chão, pois não há mal-entendido com o ritmo, o qual assegura um encontro bem-sucedido
com o Outro” (Didier-Weill, 1997, p.262).
A proposição do presente estudo é pensar, justamente, a dança enquanto possibilidade de
aceder ao referido encontro marcado pelo real numa Outra cena. Guardando a opacidade de das
Ding, a dança expõe o vazio a partir do corpo todo. Não há destacamento de um objeto.
(...) no futebol, o menino não cessa de se separar de uma bola que ele chuta, enquanto que,
pulando corda, a menina não se separa dela mesma, mas do chão. (...) pulando corda, a
menina não joga, como o menino, um objeto a para fora dela mesma, pois é seu corpo, é ela
mesma que ela joga para o ar. (...) É por ela não brincar de fort da com uma bobina, mas com
seu próprio corpo, que, a meu ver, a nostalgia mais profunda que toda mulher traz consigo é a
de não ter consagrado sua vida à dança. Se a mulher sabe que ela era feita para dançar, se ela
teria podido saltar como essa menina de quem já falamos, é, parece-nos, porque,
contrariamente ao homem, ela não está ‘toda ela’ na posição fálica: ela sabe que, se ao cair no
chão, ela salta sem esforço muscular, é que o chão é para ela detentor de uma outra energia,
elástica, subtraindo-a, como por mágica, de sua materialidade que pesa. (...) ela põe em cena
não o objeto que o sujeito tem, mas o objeto que o sujeito é. (Didier-Weill, 1997, p.318-319)

A dança comemora o real do corpo não como terrível mostração da falta, mas como possibilidade
de arrancar-se de onde se está e não ser só o que se é, jogando com um alhures. Daí o gozo dito
suplementar, o gozo Outro.
Seja pela forma sintomática do contorcionismo histérico, seja pela forma performática do
gesto do corpo dançando/dançado, há uma insistência em recobrir o real. Como bem diz Pina “Na
forma em que trabalho e faço as peças, sempre surge alguma diferença. É isso, minha maneira de
trabalhar faz com que as coisas saiam diferentes sempre” (Bausch citada por Durán, 1994). Seus
passos de dança são repetidos incessantemente até passarem a nada, a pura coisa se movendo,
sem nome, ou seja, até algo subitamente novo espantar a própria dançarina, que, então, cessaria
sua dança para, depois, dançar novamente.

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