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Aimée Schneider
Alan Dutra Cardoso
Gabriel Gaspar
Julia Passos
Luaia Rodrigues
Maria Isabel Boselli
Vanessa Ferreira
(Orgs.)
Rio de Janeiro
Anpuh-Rio
2018
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017
Ficha Catalográfica
1075 p.
ISBN: 978-85-65957-08-3
INTRODUÇÃO
Após chegarem ao continente americano, espanhóis em 1492 e portugueses em 1500, as
Monarquias Ibéricas utilizaram a conversão das populações ameríndias para legitimar a
conquista do novo território. Para que houvesse o reconhecimento da legitimidade da presença
espanhola nos territórios recém descobertos, os Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de
Castela, contaram com a anuência do Papa Alexandre VI. Este permitiu que a monarquia
espanhola explorasse os novos territórios a fim de converter os indígenas ao cristianismo.2
No ano de 1519, Hernán Cortés, capitão da terceira expedição ao continente, encontrou o
Império Asteca, na região posteriormente denominada de Nova Espanha. Cortés, desde os
primeiros momentos do encontro com a população nativa, apresentou alguns fragmentos do
catolicismo. Segundo consta, antes de partir de Tenochtitlan – centro político e religioso Asteca
–, Cortés, com a autorização de Moctezuma, teria deixado algumas imagens de santos católicos
em um templo pagão, previamente limpo, em Tenochtitlan.3
Em 1524 se iniciou, de fato, a evangelização dos povos indígenas, com um grupo de 12
frades franciscanos. Para J. H. Elliott a conquista de uma população passa por duas esferas
distintas e complementares, isto é, a conquista bélica e a espiritual. Os soldados subjugavam as
populações e, depois, mantinham o controle utilizando a coerção bélica. A religião, por sua vez,
também impunha o controle dos grupos indígenas, uma vez que, paulatinamente, incorporava
conceitos europeus-cristãos e mudava a ordem vigente no universo indígena, introduzindo, a
partir da perspectiva católica, a persuasão, a disciplina e o exemplo.4
1
Licenciada em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
2
GONZÁLEZ, Everaldo Tadeu Quilici; LIMA, Gisele Laus da Silva Pereira. “Guerra Justa”: pretensão
civilizatória e os Direitos Humanos na ocupação da América Latina. In: ENCONTRO NACIONAL DO
CONPENDI, 21., 2012, Uberlândia. Anais eletrônicos... Uberlândia: UFU, 2010, p. 3-4.
3
RICARD, Robert. La conquista espiritual de México. México: Fondo de Cultura Económica, 2014, p. 64.
4
ELLIOTT, J. H. A Conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHELL, Leslie (org.). História da
América Latina: América Latina Colonial. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2004, p. 176-177.
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5
Ibidem, p. 142 e 179.
6
Ibidem, p. 105-108.
7
BRADING, David A. La Virgen de Guadalupe: imagen y tradición. México: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara,
S.A. de C.V., 2002, p. 193; NEBEl, Richard, Op. Cit., p. 131.
8
NEBEl, Richard. Op. Cit., p. 46.
9
O Nahuatl era o idioma mais falado na Mesoamérica no período pós-clássico.
10
Quando falamos de tradição nahuatl, nos referimos às características literárias típicas desse tronco linguístico,
que serão apropriadamente trabalhadas no capítulo III.
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11
Ibidem, p. 53-63 passim; 75-80 passim.
12
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. As Virgens Marias da Nova Espanha e do Arcebispado de Lima durante
os séculos XVI e XVII: entre a idolatria e a santidade. 2013. 121f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 39.
13 13
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. Op. Cit., p. 19.
14
De acordo com os documentos guadalupanos reunidos por Ernesto de la Torre Villar e Ramiro Navarro de Anda,
observamos que o culto à Guadalupe foi brevemente mencionado em cinco documentos, dos quais, três datam da
década de 70 do século XVI. No geral, os textos fazem pequenas menções sobre a existência de um culto
guadalupano no monte Tepeyac, não fornecendo mais informações acerca da tradição da aparição mariana no
local.
15
De LA MAZA, Francisco. El guadalupanismo mexicano. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 13.
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16
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. Op. Cit., p. 21.
17
De La Maza, Francisco. Op. Cit. p. 14-16.
18
Ibidem. p. 26.
19
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. Op. Cit. p. 34.
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acata o pedido da Virgem e constrói, em sua homenagem, uma capela no local indicado pela
santa, expondo, após um determinado período, a capa com a imagem aparecida.
Quanto à origem da fonte, ninguém foi capaz de atestar com precisão o autor da obra.
Contudo, a autoria do texto é atribuída ao índio Antonio Valeriano (1520?-1605).20 Valeriano
foi um homem extremamente importante em seu tempo. Ingressou nas primeiras turmas do
Imperial Colégio de Santa Cruz de Tlatelolco21, local onde conheceu e se tornou colaborador
do Frei Bernardino de Sahagún, importante cronista do século XVI. Além de uma excepcional
formação intelectual, tanto da cultura indígena quanto da cultura espanhola, Valeriano ocupou
importantes cargos políticos na administração colonial do México.22
Ao analisar a fonte, Nebel faz a seguinte afirmação: “(...) el relato de las apariciones y
de los milagros de la Virgen de Guadalupe revelan una visión del mundo de los mexicanos
antiguos (…)”23. Para o autor, o Nican Mopohua não poderia ter sido escrito por um indivíduo
que não estivesse profundamente familiarizado com a cultura indígena e sua forma de
compreensão do mundo. Logo, mais uma vez, o nome de Valeriano é a opção mais plausível e
aceita entre os estudiosos do tema.
Entretanto, a primeira publicação do Nican Mopohua24, datada de 1649, foi assinada por
Lasso de La Vega, que proclamava ser o autor do dito relato. Contudo, essa afirmativa é refutada
desde o século XVII, inclusive pelo próprio Nebel, pois o texto possui, claramente,
características que não poderiam proceder de alguém que não estivesse profundamente
incorporado à visão de mundo indígena.25 Ainda assim, quase todas as traduções existentes
provêm da obra em nahuatl de Lasso de La Vega.
20
Pode-se dizer que há um consenso entre os estudiosos do tema ao atribuírem a Antonio Valeriano a redação
original do mito de aparição de Nossa Senhora de Guadalupe no Tepeyac.
21
Em 1536 foi inaugurado o Colégio de Santa Cruz de Tlatelolco por instância do Bispo Juan de Zumárraga. O
colégio não foi o primeiro a ser implantado no México, mas foi, sem dúvida, o mais importante. O impacto dessa
instituição na sociedade mexicana colonial é imensurável. Vários indígenas egressos da escola assumiram cargos
civis notáveis em seus povoados, outros auxiliavam na formação de religiosos cujos conhecimentos eram
deficientes e vários estudantes auxiliaram o Frei Bernardino de Sahágun a escrever diversos manuscritos sobre a
história do México, a cultura e costumes indígenas.
22
ACHMATOWICZ, Jerzy. Antonio Valeriano ¿autor del Nican Mopohua? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
HISPANISTAS, 5., 2008, Minas Gerais. Anais eletrônicos... Minas Gerais: UFMG, 2008, p. 1148.
23
NEBEL, Richard. Op. Cit., p. 208.
24
Deve-se ressaltar que antes de Lasso de La Vega publicar sua obra, em 1649, Miguel Sánchez publicou, em
1648, o primeiro livro impresso sobre a Virgem de Guadalupe. Contudo, existe uma grande diferença entre os
relatos. Cf. De LA MAZA, Francisco. Op. Cit., p. 48-74; SÁNCHEZ, Pe. Miguel. Imagen de la Virgen María de
Dios de Guadalupe (1648). In: VILLAR, Ernesto de la Torre; ANDA, Ramiro Navarro de. Testimonios históricos
guadalupanos. México: Fondo de Cultura Económica, 2004, p. 152-281.
25
De LA MAZA, Francisco. Op. Cit., p. 48-74.
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Luis Lasso de la Vega nasceu no início do século XVII no México e foi designado
capelão do santuário de Guadalupe, após sua ordenação. Em 1649 publicou um manuscrito em
nahuatl abordando a história da aparição da Virgem de Guadalupe. Sua obra foi parcialmente
reimpressa em Guadalajara, em 1877. Além disso, existem duas edições bilíngues, 1886 e 1895,
e um fac-símile de 1926 e 1931, traduzido por Primo Feliciano Velázquez.26
A obra publicada por Luis Lasso de la Vega está organizada em dois tópicos distintos,
nomeadamente Nican Mopohua e Nican Motecpana. O primeiro tópico narra a aparição da
Virgem de Guadalupe ao índio Juan Diego até a construção da capela no monte Tepeyac. A
segunda parte possui uma compilação dos milagres atribuídos à santa, a primeira oração
dedicada à Guadalupe e alguns dados biográficos de Juan Diego e Juan Bernardino.27
Nebel apresenta diferentes indícios para corroborar a teoria de que o texto publicado por
De La Vega seria uma cópia do manuscrito de Valeriano, com o qual, pode-se aventar, ele teria
entrado em contato durante o período que foi capelão do santuário de Guadalupe.
O texto Nican Mopohua pode ser classificado como uma obra intercultural, ou seja,
possui aspectos de origem indígena (tolteca-asteca) e cristã (europeu). Segundo Richard Nebel,
a característica multicultural contribui para a grande dificuldade de compreensão do texto nos
dias de hoje. De acordo com a interpretação do autor, o texto possui um conteúdo cristão que
se apoia no sistema de comunicação nahuatl para ser transmitido. Contudo, para que o conteúdo
cristão possuísse significado para os indígenas, fazia-se necessário que o cristianismo fosse, de
certa forma, “traduzido” para uma mentalidade bastante distinta. Consequentemente, as chances
de ocorrerem distorções e compreensões equivocadas dos dogmas eram potencializadas.28
O texto possui um estilo literário que lembra os clássicos nahuas e a linguagem dos
sábios indígenas. Além disso, mostra uma linguagem culta e mais rebuscada, o chamado
tecpilahtolli (“linguagem nobre”), cujas principais características são o uso de formas de
reverência e a utilização de metáforas.29
26
VILLAR, Ernesto de la Torre; ANDA, Ramiro Navarro de. Testimonios históricos guadalupanos. México:
Fondo de Cultura Económica, 2004, p. 282.
27
VILLAR, Ernesto de la Torre; ANDA, Ramiro Navarro de. Op. Cit., p. 282-308; NEBEL, Richard. Op. cit., p.
207-208.
28
NEBEL, Richard. Op. cit., p. 204; 218-219.
29
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. cit., 2014, p. 51.
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30
BELLIN, Giuseppe. Nueva historia de la literatura hispanoamericana. Madrid: Editorial Castala, 1997, p. 26 e
28.
31
O paralelismo consiste na repetição de ideias, ou seja, usando a mesma estrutura sintática, porém, com elementos
lexicais diferentes.
32
O difrasismo consiste em uma construção gramatical na qual um novo vocábulo é formado a partir da aglutinação
de palavras distintas, que, quando separadas, apresentam significados diferentes de quando estão combinadas.
33
Palavras destacadas no texto que podem ter significado simbólico.
34
BELLIN, Giuseppe. Op. Cit., p. 26 e 28.
35
NEBEL, Richard. Op. Cit., p. 225 e 227.
36
Tais características serão trabalhadas de forma mais detalhada no terceiro capítulo. Por hora não
desenvolveremos a fundo tais características.
37
Relato sobre a vida dos santos.
38
Transporte de objetos sagrados. Cf. CYMBALISTA, Renato. Relíquias sagradas e a construção do território
cristão na Idade Moderna. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 11-50,
2006.
39
Narrativa descritiva sobre a descoberta de uma determinada relíquia.
40
SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão (coord.). Hagiografia e História: Banco de dados das hagiografias
ibéricas (séculos XI ao XIII). Rio de Janeiro: Pem, 2009, p. 169.
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41
NEBEL, Richard. Op. cit., p. 236.
42
PINTO, Tiago André Pacheco da Silva Ribeiro. Os títulos e invocações da Virgem Maria nos sermões marianos
de Bernardo de Claraval. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Faculdade de Teologia, Universidade Católica
Portuguesa, Lisboa, 2015, p. 5.
43
MATOS MOCTEZUMA, Eduardo. Sobre Miguel León-Portilla, Tonantzin Guadalupe: pensamiento náhuatl y
mensaje cristiano en el “Nican mopohua”. Reseña. Estudios de Cultura Náhuatl, v. 33, p. 368-374, 2002, p. 371;
NEBEL, Richard. Op. cit., p. 222-223.
44
Neste caso o termo autorização está mais próximo da ideia de tolerância do culto do que com a efetiva divulgação
e propagação do mesmo. Cf. SALES, Lilian Maria Pinto. Aparições de Nossa Senhora: mensagens e peregrinações
na contemporaneidade. 2008. 232f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 97.
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o culto. Segundo Lilian Sales, o principal – e primeiro – ponto a ser avaliado é a ortodoxia da
mensagem, isto é, se o conteúdo da prédica está de acordo com a doutrina católica. O segundo
tópico a ser avaliado pelas autoridades episcopais é a autenticidade da mobilização dos fiéis
que aderem ao culto em questão.
A postura do vidente é o terceiro elemento a ser observado para a legitimação do culto
ao novo santo e/ou da aparição mariana.45 No caso guadalupano, na trajetória do vidente
indígena são exaltados atributos que confluem para o arquétipo de vida santificada. Tenacidade
nas orações, humildade, penitência e zelo pelo sacramento da Eucaristia são algumas qualidades
atribuídas ao interlocutor da Virgem de Guadalupe.46
Segundo David Brading, Lasso de La Vega (1649) engrandeceu a descrição de Juan
Diego, tendo acrescentado informações acerca de sua origem e seu devotamento à castidade.
Brading vai além ao afirmar que, para de La Vega, Juan Diego deveria ser tomado como um
exemplo de santidade cristã.47
O quarto aspecto a ser avaliado no caso de uma aparição são os milagres decorrentes
desta. Às autoridades cabe julgar se, de fato, ocorreu um milagre, isto é, desfecho extraordinário
que não pode ser explicado cientificamente ou que não possua uma causalidade “natural”.48
Contudo, a tese defendida por Sales está mais relacionada às aparições contemporâneas, sendo
assim, devemos sinalizar que nos séculos XVI e XVII havia uma limitação quanto à avaliação
dos milagres, porque a própria medicina e a ciência ainda se encontravam em um estágio quase
incipiente. Todavia, a Igreja Católica sempre buscou avaliar rigorosamente, dentro das
limitações próprias de cada época, os milagres atribuídos aos santos e aparições de Nossa
Senhora.
Após apresentarmos os aspectos que são considerados aquando do processo de avaliação
de uma aparição mariana, deteremo-nos um pouco mais no caso guadalupano. Neste caso,
consta que o indígena Juan Diego precisou dar uma prova ao bispo Juan de Zumárraga para que
este acreditasse na aparição e, por consequência, construísse a capelinha para sua honra.
Segundo o relato, após o milagre das flores, o bispo mexicano se deu por convencido, tendo
aceitado o culto e acatado o pedido da santa. Contudo, a documentação histórica acerca do
posicionamento do primeiro bispo do México sobre o culto guadalupano transmite uma outra
imagem.
45
SALES, Lilian Maria Pinto. Op. Cit., p. 99.
46
NEBEL, Richard. Op. Cit., p. 237; BRADING, David A. Op. cit., p. 145.
47
BRADING, David A. Op. cit., p. 145.
48
SALES, Lilian Maria Pinto. Op. Cit., p. 99.
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49
O termo refere-se aqueles que eram seguidores de Erasmo de Roterdã. Erasmo foi um teólogo e humanista
neerlandês muito famoso no período moderno, tendo influenciado tanto o campo religioso (cristão-católico), como
também o campo pedagógico.
50
TENA, Rafael. La religión mexica. Arqueología Mexicana. México (DF), v. 2, n. 30, p. 6-22, 2009, p. 11.
51
JOHANSSON, Patrick K. Retórica náhuatl o la teatralidade del verbo. Bitácora de retórica. México (DF), n.
19, p. 57- 72, 2004, p. 61.
52
Ibidem, p. 61.
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53
Neste caso, o verbo escrever não está estritamente vinculado à escrita alfabética. Os astecas pré-hispânicos
utilizavam a escrita pictográfica, tendo seus textos reescritos em nahuatl, porém, empregando o alfabeto latino,
durante a colonização espanhola.
54
O interesse por esses textos começou com os religiosos espanhóis que se dedicavam à conversão dos indígenas
mexicanos. No geral, o estudo dessas composições pré-hispânicas visava conhecer a antiga cultura dos aborígenes.
Tais pesquisas estavam relacionadas com os intentos dos religiosos de se inteirarem sobre os assuntos indígenas a
fim de obter melhor controle das práticas religiosas pagãs, para, então, conseguirem extirpá-las. Um exemplo de
huehuetlahtolli bastante conhecido é o Códice Florentino, compilado por Sahagún e seus pupilos indígenas. Cf.
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Literaturas Indígenas de México. Madrid: Editorial MAPFRE, 1992, p. 192-195;
LEÓN-PORTILLA, Miguel. El Destino de la palabra. De la oralidad y los códices mesoamericanos a la escritura
alfabética. México (DF): Fondo de Cultura Económica. 1996, p. 296.
55
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1992, p. 201-202.
56
DEYLOVÁ, Iva. Huehuetlatolli. ‘Antigua palabra’ de los antiguos mexicanos. In: Premio Iberoamericano en la
República Checa, XIII., 2007, Praga. Anais electrónicos... Praga: Universidad Carolina, 2007, p. 9.
57
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 2014, p. 83.
58
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1996, p. 304.
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los vocablos de contenido metafórico lleva a evocar un pensamiento que se desea destacar”59.60
Enquanto que o paralelismo pode ser definido como “la repetición de una estructura lingüística
en un punto subsiguiente del texto, de manera que las dos partes del sintagma se encuentran
alineadas”61. Tal recurso estilístico era empregado, muitas vezes, a fim de tornar a narração
mais vívida, facilitando, dessa forma, a memorização das histórias e tradições.62
As perguntas retóricas são outra característica estilística da literatura nahuatl
tradicional. Segundo Iva Deylová, as perguntas retóricas foram empregadas com a mesma
finalidade na Europa e na América pré-colombiana.63
CONCLUSÃO
Em meio ao longo e conturbado processo de catequização das populações indígenas,
surge o culto a Nossa Senhora de Guadalupe. Apesar das críticas contundentes que sofreu ao
longo dos séculos, o culto guadalupano do México foi um dos instrumentos mais poderosos e
eficazes da catequização indígena. A santa fora representada de maneira a criar uma
proximidade com os índios mais pobres, isto é, a parcela da colônia que mais sofria abusos e
violências. Além de sua representação física propícia (fenótipo semelhante ao dos indígenas),
a sua personalidade amável e preferência pelos pobres tornaram a Virgem de Guadalupe do
Tepeyac um dos maiores símbolos do México, possuindo um apelo religioso local muito
superior aos demais santos e santas católicos.
Defendemos, com base em algumas evidências históricas e documentais e o respaldo de
alguns especialistas, que o culto guadalupano do Tepeyac já existia antes de ser documentado
pelas autoridades coloniais no século XVII. Neste primeiro momento, o culto desenrolava-se
entre os indígenas populares, a partir da tradição oral, ficando, desta forma, restrito à adoração
marginal.
O Nican Mopohua é um relato multicultural, ou seja, possui características cristãs-
europeias ao mesmo tempo em que apresenta elementos tipicamente indígenas. Entre as
especificidades autóctones contidas no texto, podemos salientar o fato de ter sido escrito em
nahuatl (língua dos astecas e principal idioma da região central do México) e possuir
construções lexicais e gramaticais típicas da língua culta nahuatl.
59
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1996, p. 297.
60
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1996, p. 300.
61
VEGA, Mercedes Montes de Oca. Los difrasismos: un rasgo del lenguaje ritual. Estudios de Cultura Nahuatl.
México (DF), v. 1, n. 39, p. 225-238, 2008, p. 227.
62
DEYLOVÁ, Iva. Op. Cit., p. 13.
63
DEYLOVÁ, Iva. Op. Cit., p. 14.
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A partir dessa análise sucinta do texto Nican Mopohua, acreditamos ter embasado, de
maneira satisfatória, nosso posicionamento acerca de uma certa “herança” dos huehuetlahtolli
que o texto guadalupano apresenta. Tais elementos, segundo mencionamos no início deste
tópico, não nos parece terem sido incorporados ao relato de forma aleatória, pelo contrário, eles
são dispositivos da tradição autóctone que estão presentes no texto justamente para garantir a
legitimidade do mesmo junto à comunidade indígena, principalmente, entre os membros da
elite.
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