Sunteți pe pagina 1din 17

ISBN: 978-85-65957-08-3

Aimée Schneider
Alan Dutra Cardoso
Gabriel Gaspar
Julia Passos
Luaia Rodrigues
Maria Isabel Boselli
Vanessa Ferreira
(Orgs.)

Anais da 5ª Semana de História da

Universidade Federal Fluminense

Rio de Janeiro
Anpuh-Rio
2018
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

Ficha Catalográfica

900 Semana de História da Universidade


Federal Fluminense, 5: 2018: Niterói,
RJ.

Anais da 5ª Semana de História da Universidade Federal


Fluminense [livro eletrônico]. – Rio de Janeiro: Anpuh-
Rio, 2018.

1075 p.

ISBN: 978-85-65957-08-3

1. História - Congressos. I. Scneider,


Aimée. II. Cardoso, Alan Dutra. III.
Gaspar, Gabriel. IV. Título.

Os organizadores e autores se responsabilizam pelas ideias apresentadas na obra.


ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Reitor: Sidney Luiz de Matos Mello

Vice-reitor: Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Diretor do Instituto de História: Norberto Osvaldo Ferreras

Coordenadores do Programa de Pós-graduação em História: Gisele Martins Venâncio e


Alexandre Carneiro Cerqueira Lima

Chefe do Departamento de História: Edmar Checon de Freitas

Coordenadores do Curso de Graduação em História: Alexandre Santos de Moraes e Carolina


Coelho Fortes

Editoração e diagramação: Gabriel de Abreu Machado Gaspar e Maria Isabel Boselli

Revisão: Alan Dutra Cardoso


ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

A CONSTRUÇÃO DO CULTO À NOSSA SENHORA DE GUADALUPE


DO TEPEYAC

Ranay Nóbrega Teixeira de Lima1

INTRODUÇÃO
Após chegarem ao continente americano, espanhóis em 1492 e portugueses em 1500, as
Monarquias Ibéricas utilizaram a conversão das populações ameríndias para legitimar a
conquista do novo território. Para que houvesse o reconhecimento da legitimidade da presença
espanhola nos territórios recém descobertos, os Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de
Castela, contaram com a anuência do Papa Alexandre VI. Este permitiu que a monarquia
espanhola explorasse os novos territórios a fim de converter os indígenas ao cristianismo.2
No ano de 1519, Hernán Cortés, capitão da terceira expedição ao continente, encontrou o
Império Asteca, na região posteriormente denominada de Nova Espanha. Cortés, desde os
primeiros momentos do encontro com a população nativa, apresentou alguns fragmentos do
catolicismo. Segundo consta, antes de partir de Tenochtitlan – centro político e religioso Asteca
–, Cortés, com a autorização de Moctezuma, teria deixado algumas imagens de santos católicos
em um templo pagão, previamente limpo, em Tenochtitlan.3
Em 1524 se iniciou, de fato, a evangelização dos povos indígenas, com um grupo de 12
frades franciscanos. Para J. H. Elliott a conquista de uma população passa por duas esferas
distintas e complementares, isto é, a conquista bélica e a espiritual. Os soldados subjugavam as
populações e, depois, mantinham o controle utilizando a coerção bélica. A religião, por sua vez,
também impunha o controle dos grupos indígenas, uma vez que, paulatinamente, incorporava
conceitos europeus-cristãos e mudava a ordem vigente no universo indígena, introduzindo, a
partir da perspectiva católica, a persuasão, a disciplina e o exemplo.4

1
Licenciada em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
2
GONZÁLEZ, Everaldo Tadeu Quilici; LIMA, Gisele Laus da Silva Pereira. “Guerra Justa”: pretensão
civilizatória e os Direitos Humanos na ocupação da América Latina. In: ENCONTRO NACIONAL DO
CONPENDI, 21., 2012, Uberlândia. Anais eletrônicos... Uberlândia: UFU, 2010, p. 3-4.
3
RICARD, Robert. La conquista espiritual de México. México: Fondo de Cultura Económica, 2014, p. 64.
4
ELLIOTT, J. H. A Conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHELL, Leslie (org.). História da
América Latina: América Latina Colonial. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2004, p. 176-177.

376
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

Os franciscanos desenvolveram metodologias lúdicas para o trabalho de catequização


dos indígenas. Os padres utilizavam músicas, teatro, representações e, inclusive, faziam
associações entre deuses pagãos com santos católicos. Tudo para conseguir “traduzir” os
principais dogmas e todos os demais pormenores do arcabouço cristão.5
Durante a catequização indígena, o culto mariano, o conceito de Deus único e o culto a
Jesus Cristo foram muito trabalhados com os autóctones.6 A Virgem Maria encontrou uma
associação ameríndia na cultura nahuatl do Vale do México. Esta foi relacionada com a deusa
indígena Tonantzin. Inclusive, um importante templo dedicado à Tonantzin, localizado na
colina do Tepeyac, foi atribuído à Virgem de Guadalupe.7 Contudo, a prática de atribuir templos
pagãos a santos católicos já era realizada desde a época da Reconquista Espanhola.8
O culto à Nossa Senhora de Guadalupe mexicana desenvolveu-se e difundiu-se, pelo
menos em um primeiro momento, a partir da tradição oral. Contudo, em 1649, Lasso de La
Vega publicou um documento escrito em nahuatl9 que relata detalhadamente o desenrolar da
aparição guadalupana no monte Tepeyac até a construção da capela dedicada a referida santa.
Tendo como base o texto El Gran Acontecimiento... Historia de la Aparición de Ntra.
Sra. De Guadalupe (1649), de Lasso de La Vega, o presente trabalho tem como objetivo estudar
os aspectos textuais da referida fonte a fim de compreender como as tradições cristãs-europeias
e as tradições nahuas10 se interpolam na construção do relato escrito do mito guadalupano,
atentando-se para os aspectos necessários para o reconhecimento do culto, tanto pela Igreja
Católica quanto pelas elites indígenas.
Também nos propomos, a modo de obter uma análise mais sólida, estudar o contexto de
produção da fonte, o contexto no qual se passa o relato da aparição – observando algumas
possíveis incongruências nos fatos narrados – e, também, faremos alguns apontamentos acerca
do possível autor do primeiro relato escrito sobre a aparição guadalupana, tentando perceber
seus objetivos ao transformar uma tradição oral em relato escrito.

5
Ibidem, p. 142 e 179.
6
Ibidem, p. 105-108.
7
BRADING, David A. La Virgen de Guadalupe: imagen y tradición. México: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara,
S.A. de C.V., 2002, p. 193; NEBEl, Richard, Op. Cit., p. 131.
8
NEBEl, Richard. Op. Cit., p. 46.
9
O Nahuatl era o idioma mais falado na Mesoamérica no período pós-clássico.
10
Quando falamos de tradição nahuatl, nos referimos às características literárias típicas desse tronco linguístico,
que serão apropriadamente trabalhadas no capítulo III.

377
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

O CULTO À NOSSA SENHORA DE GUADALUPE


Os primeiros colonizadores que aportaram na Nova Espanha provinham da região
espanhola da Estremadura, onde já existia um culto consolidado a Nossa Senhora de Guadalupe.
Tanto os colonizadores quanto os missionários, sobretudo os franciscanos, contribuíram para a
consolidação do culto guadalupano, não só na Nova Espanha, mas em todo o Novo Mundo.11
O culto, atravessado o Atlântico, se difundiu, desenvolveu-se e acabou gerando outra tradição
mariana, porém, autônoma de sua matriz estremenha.
A aparição da Virgem de Guadalupe na Nova Espanha é narrada no texto Nican
Mopohua, que em português significa “aqui se narra pela primeira vez”. De acordo com a
narrativa do texto, a primeira aparição de Guadalupe teria ocorrido em 1531 na colina do
Tepeyac, México. Apesar do relato escrito, Beltramini enfatiza que a tradição oral foi o meio
principal de difusão do culto à Virgem de Guadalupe.12
Segundo o relato contido no Nican Mopohua, a primeira capela erguida em favor da
Virgem de Guadalupe foi construída a mando do bispo do México, Frei Juan de Zumárraga, na
colina do Tepeyac. Por ter sido construída em um antigo local de culto indígena, a capela
dedicada à Virgem de Guadalupe e o próprio culto à santa foram severamente ignorados e
atacados durante o século XVI. Beltramini é categórica ao afirmar que não há evidências de
franciscanos que tenham relatado o culto à santa no século XVI.13
Apesar do silêncio que paira nos escritos de cronistas e religiosos14, Francisco de La
Maza faz uma observação interessante sobre o culto a Guadalupe. O autor cita uma crítica a
supostos milagres – que arrebatavam fiéis em diferentes localidades – contida no livro Regla
Cristiana, editado em 1547.15 A crítica talvez não fosse tão importante se o referido livro não
tivesse sido aprovado pelo primeiro bispo do México, Frei Juan de Zumárraga, quem,
supostamente, teria presenciado o milagre da aparição da imagem de Guadalupe e, também,
quem teria sido o responsável pela construção da capela dedicada à Nossa Senhora de

11
Ibidem, p. 53-63 passim; 75-80 passim.
12
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. As Virgens Marias da Nova Espanha e do Arcebispado de Lima durante
os séculos XVI e XVII: entre a idolatria e a santidade. 2013. 121f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 39.
13 13
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. Op. Cit., p. 19.
14
De acordo com os documentos guadalupanos reunidos por Ernesto de la Torre Villar e Ramiro Navarro de Anda,
observamos que o culto à Guadalupe foi brevemente mencionado em cinco documentos, dos quais, três datam da
década de 70 do século XVI. No geral, os textos fazem pequenas menções sobre a existência de um culto
guadalupano no monte Tepeyac, não fornecendo mais informações acerca da tradição da aparição mariana no
local.
15
De LA MAZA, Francisco. El guadalupanismo mexicano. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 13.

378
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

Guadalupe no monte Tepeyac. Beltramini completa a observação feita por De La Maza ao


afirmar que o primeiro bispo do México jamais mencionou o culto a Guadalupe em seus
escritos, ou seja, nunca ratificou o mito ou o negou.16
Contudo, a partir de um sermão proferido pelo frade Francisco de Bustamante,
provavelmente no ano de 1556, é possível verificar que o culto a Guadalupe já havia atingido
proporções e importância suficientes para despertar as ácidas críticas aos seus devotos por parte
de religiosos incrédulos. No sermão, Bustamante critica o bispo (segundo do México) Dom Frei
Alonso de Montúfar por seu apoio ao culto guadalupano, que, para Bustamante, não havia sido
averiguado com minúcia suficiente para ser acatado como verdadeiro.17
Segundo De La Maza, o culto guadalupano se estendia pelos mais variados estratos
sociais da Nova Espanha, indo muito além do universo indígena. O autor cita, baseando-se nos
escritos de Martín Enríquez, que o culto já estava organizado em 1556, mas as informações
oficiais ainda eram desencontradas e confusas.18
No início do século XVII o silêncio dos religiosos e cronistas acerca do culto
guadalupano ainda se mantém. Porém, “(...) no final do século XVI e início do século XVII, se
processa uma mudança no discurso, que provavelmente esteve ligada à Contrarreforma e ao
Concílio de Trento. O culto a Guadalupe deixa de ser indígena e se torna novo-hispano”19. Ao
longo do século XVII verifica-se o início de uma reflexão teológica sobre a aparição, a fim de
ratificar o culto – uma vez que não havia mais como combatê-lo porque já estava bastante
enraizado na sociedade mexicana e já possuía um apelo religioso demasiado forte. No século
XVII se difundem as primeiras imagens da Guadalupe mexicana, bem como os primeiros
cânticos, poesias e sermões.

CONTEXTO DE PRODUÇÃO, AUTORIA E OUTROS DADOS


O Nican Mopohua narra a aparição da Virgem de Guadalupe ao pobre índio Juan Diego
e a seu tio, Juan Bernardino, que se encontrava moribundo. Segundo a tradição e o relato escrito,
o bispo mexicano Juan de Zumárraga solicita uma prova para que ele possa ter certeza do
ocorrido. Na sequência, o índio leva sua capa com flores à presença do bispo e, ao abrir o manto,
surge a imagem – morena – da Virgem de Guadalupe. De acordo com a fonte, o bispo, então,

16
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. Op. Cit., p. 21.
17
De La Maza, Francisco. Op. Cit. p. 14-16.
18
Ibidem. p. 26.
19
BELTRAMINI, Carolina de Oliveira. Op. Cit. p. 34.

379
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

acata o pedido da Virgem e constrói, em sua homenagem, uma capela no local indicado pela
santa, expondo, após um determinado período, a capa com a imagem aparecida.
Quanto à origem da fonte, ninguém foi capaz de atestar com precisão o autor da obra.
Contudo, a autoria do texto é atribuída ao índio Antonio Valeriano (1520?-1605).20 Valeriano
foi um homem extremamente importante em seu tempo. Ingressou nas primeiras turmas do
Imperial Colégio de Santa Cruz de Tlatelolco21, local onde conheceu e se tornou colaborador
do Frei Bernardino de Sahagún, importante cronista do século XVI. Além de uma excepcional
formação intelectual, tanto da cultura indígena quanto da cultura espanhola, Valeriano ocupou
importantes cargos políticos na administração colonial do México.22
Ao analisar a fonte, Nebel faz a seguinte afirmação: “(...) el relato de las apariciones y
de los milagros de la Virgen de Guadalupe revelan una visión del mundo de los mexicanos
antiguos (…)”23. Para o autor, o Nican Mopohua não poderia ter sido escrito por um indivíduo
que não estivesse profundamente familiarizado com a cultura indígena e sua forma de
compreensão do mundo. Logo, mais uma vez, o nome de Valeriano é a opção mais plausível e
aceita entre os estudiosos do tema.
Entretanto, a primeira publicação do Nican Mopohua24, datada de 1649, foi assinada por
Lasso de La Vega, que proclamava ser o autor do dito relato. Contudo, essa afirmativa é refutada
desde o século XVII, inclusive pelo próprio Nebel, pois o texto possui, claramente,
características que não poderiam proceder de alguém que não estivesse profundamente
incorporado à visão de mundo indígena.25 Ainda assim, quase todas as traduções existentes
provêm da obra em nahuatl de Lasso de La Vega.

20
Pode-se dizer que há um consenso entre os estudiosos do tema ao atribuírem a Antonio Valeriano a redação
original do mito de aparição de Nossa Senhora de Guadalupe no Tepeyac.
21
Em 1536 foi inaugurado o Colégio de Santa Cruz de Tlatelolco por instância do Bispo Juan de Zumárraga. O
colégio não foi o primeiro a ser implantado no México, mas foi, sem dúvida, o mais importante. O impacto dessa
instituição na sociedade mexicana colonial é imensurável. Vários indígenas egressos da escola assumiram cargos
civis notáveis em seus povoados, outros auxiliavam na formação de religiosos cujos conhecimentos eram
deficientes e vários estudantes auxiliaram o Frei Bernardino de Sahágun a escrever diversos manuscritos sobre a
história do México, a cultura e costumes indígenas.
22
ACHMATOWICZ, Jerzy. Antonio Valeriano ¿autor del Nican Mopohua? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
HISPANISTAS, 5., 2008, Minas Gerais. Anais eletrônicos... Minas Gerais: UFMG, 2008, p. 1148.
23
NEBEL, Richard. Op. Cit., p. 208.
24
Deve-se ressaltar que antes de Lasso de La Vega publicar sua obra, em 1649, Miguel Sánchez publicou, em
1648, o primeiro livro impresso sobre a Virgem de Guadalupe. Contudo, existe uma grande diferença entre os
relatos. Cf. De LA MAZA, Francisco. Op. Cit., p. 48-74; SÁNCHEZ, Pe. Miguel. Imagen de la Virgen María de
Dios de Guadalupe (1648). In: VILLAR, Ernesto de la Torre; ANDA, Ramiro Navarro de. Testimonios históricos
guadalupanos. México: Fondo de Cultura Económica, 2004, p. 152-281.
25
De LA MAZA, Francisco. Op. Cit., p. 48-74.

380
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

Luis Lasso de la Vega nasceu no início do século XVII no México e foi designado
capelão do santuário de Guadalupe, após sua ordenação. Em 1649 publicou um manuscrito em
nahuatl abordando a história da aparição da Virgem de Guadalupe. Sua obra foi parcialmente
reimpressa em Guadalajara, em 1877. Além disso, existem duas edições bilíngues, 1886 e 1895,
e um fac-símile de 1926 e 1931, traduzido por Primo Feliciano Velázquez.26
A obra publicada por Luis Lasso de la Vega está organizada em dois tópicos distintos,
nomeadamente Nican Mopohua e Nican Motecpana. O primeiro tópico narra a aparição da
Virgem de Guadalupe ao índio Juan Diego até a construção da capela no monte Tepeyac. A
segunda parte possui uma compilação dos milagres atribuídos à santa, a primeira oração
dedicada à Guadalupe e alguns dados biográficos de Juan Diego e Juan Bernardino.27
Nebel apresenta diferentes indícios para corroborar a teoria de que o texto publicado por
De La Vega seria uma cópia do manuscrito de Valeriano, com o qual, pode-se aventar, ele teria
entrado em contato durante o período que foi capelão do santuário de Guadalupe.
O texto Nican Mopohua pode ser classificado como uma obra intercultural, ou seja,
possui aspectos de origem indígena (tolteca-asteca) e cristã (europeu). Segundo Richard Nebel,
a característica multicultural contribui para a grande dificuldade de compreensão do texto nos
dias de hoje. De acordo com a interpretação do autor, o texto possui um conteúdo cristão que
se apoia no sistema de comunicação nahuatl para ser transmitido. Contudo, para que o conteúdo
cristão possuísse significado para os indígenas, fazia-se necessário que o cristianismo fosse, de
certa forma, “traduzido” para uma mentalidade bastante distinta. Consequentemente, as chances
de ocorrerem distorções e compreensões equivocadas dos dogmas eram potencializadas.28
O texto possui um estilo literário que lembra os clássicos nahuas e a linguagem dos
sábios indígenas. Além disso, mostra uma linguagem culta e mais rebuscada, o chamado
tecpilahtolli (“linguagem nobre”), cujas principais características são o uso de formas de
reverência e a utilização de metáforas.29

26
VILLAR, Ernesto de la Torre; ANDA, Ramiro Navarro de. Testimonios históricos guadalupanos. México:
Fondo de Cultura Económica, 2004, p. 282.
27
VILLAR, Ernesto de la Torre; ANDA, Ramiro Navarro de. Op. Cit., p. 282-308; NEBEL, Richard. Op. cit., p.
207-208.
28
NEBEL, Richard. Op. cit., p. 204; 218-219.
29
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. cit., 2014, p. 51.

381
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

Segundo Giuseppe Bellin, a poesia é o tronco mais importante da literatura nahuatl,30


apresentando características bem definidas como, por exemplo, o paralelismo31, o difrasismo32,
a versificação e emprego de palavras-broche33. Autores como Garibay e Bellin defendem que
na poesia nahuatl são empregadas expressões com mais de um significado.34 Tomando como
base essa afirmativa, torna-se mais compreensível que ocorram tantas divergências de tradução
entre os estudiosos que se propuseram a traduzir o Nican Mopohua.
Segundo Nebel, o relato Nican Mopohua é uma obra popular bem elaborada, não
devendo ser tomado como uma livre combinação de temas divergentes ou como uma redação
mecânica. Para o autor, o texto pode ser entendido como o produto final da unificação de
diversos pormenores tradicionais, isto é, narrativas, aspectos da tradição oral, provérbios, etc.
que, pelo menos inicialmente, alicerçou-se na transmissão oral.35
Apesar da redação do Nican Mopohua possuir características da literatura nahuatl36, ela
também apresenta características específicas das narrativas cristãs. Richard Nebel afirma que o
texto foi moldado a partir de uma temática cristã. Logo, a presença de elementos tipicamente
cristãos, como, por exemplo, elementos estilísticos, conceitos, expressões e imagens, são
esperados.
Embora o texto Nican Mopohua não seja uma hagiografia37, consideramos que existem
diversos elementos comuns nos dois tipos de redação. Os temas mais recorrentes das
hagiografias ibéricas medievais são: relatos de vida, translados de relíquias38 e o inventatio39.
O objetivo maior desses escritos hagiográficos era a preservação da memória e a propagação
do culto.40 Para Nebel, na narração da aparição da Virgem de Guadalupe é possível observar o

30
BELLIN, Giuseppe. Nueva historia de la literatura hispanoamericana. Madrid: Editorial Castala, 1997, p. 26 e
28.
31
O paralelismo consiste na repetição de ideias, ou seja, usando a mesma estrutura sintática, porém, com elementos
lexicais diferentes.
32
O difrasismo consiste em uma construção gramatical na qual um novo vocábulo é formado a partir da aglutinação
de palavras distintas, que, quando separadas, apresentam significados diferentes de quando estão combinadas.
33
Palavras destacadas no texto que podem ter significado simbólico.
34
BELLIN, Giuseppe. Op. Cit., p. 26 e 28.
35
NEBEL, Richard. Op. Cit., p. 225 e 227.
36
Tais características serão trabalhadas de forma mais detalhada no terceiro capítulo. Por hora não
desenvolveremos a fundo tais características.
37
Relato sobre a vida dos santos.
38
Transporte de objetos sagrados. Cf. CYMBALISTA, Renato. Relíquias sagradas e a construção do território
cristão na Idade Moderna. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 11-50,
2006.
39
Narrativa descritiva sobre a descoberta de uma determinada relíquia.
40
SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão (coord.). Hagiografia e História: Banco de dados das hagiografias
ibéricas (séculos XI ao XIII). Rio de Janeiro: Pem, 2009, p. 169.

382
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

desejo do autor em “unir indisolublemente el Evangelio al acontecimento guadalupano (...) y


desarrollarlo literária e historicamente como fundamento “mexicano” de la fe cristiana”.41
Outro aspecto importante das narrações marianas é o temperamento maternal, amável e
protetor característicos da santa. Segundo Tiago Pinto, a partir do século XII a devoção mariana
alarga-se substancialmente na Europa, tendo sido motivada pelas condições socioculturais da
época, isto é, fome, doenças e a própria estratificação social. A Virgem passa a ser exaltada a
partir de sua grandeza, dignidade, santidade e poder. Contudo, seus fiéis ainda relacionam-se
com a Santa de forma bastante próxima.42
O culto guadalupano, aparentemente, valeu-se do modus operandi descrito acima para
a disseminação e popularização da devoção à Virgem de Guadalupe. No geral, as aparições
marianas apresentam certas características comuns que, além das que foram supracitadas,
podem ser classificadas da seguinte maneira:
1. O interlocutor da divindade é de origem humilde;
2. O eleito deve dirigir-se ao representante eclesiástico a fim de informá-lo sobre
o acontecimento;
3. Faz-se necessária uma prova sobrenatural para que a mensagem seja credível,
uma vez que, majoritariamente, o interlocutor é de origem humilde;
4. O lugar da aparição converte-se em um local de culto;
5. As narrativas marianas convertem-se em acontecimentos renovadores da fé
cristã.43

O PROCESSO DE LEGITIMAÇÃO DO CULTO GUADALUPANO NO MÉXICO


Para que uma aparição seja ratificada pela Igreja Católica há de se cumprir alguns pré-
requisitos e protocolos estabelecidos pelo Vaticano. A primeira autoridade eclesiástica a
analisar os milagres e aparições é o bispo local, o qual está incumbido de elaborar o primeiro
parecer sobre as manifestações de um determinado santo(a) ou da própria Virgem Maria. Para
tal, o bispo deve estudar os relatos e provas apresentadas e, em seguida, autorizar44 ou rechaçar

41
NEBEL, Richard. Op. cit., p. 236.
42
PINTO, Tiago André Pacheco da Silva Ribeiro. Os títulos e invocações da Virgem Maria nos sermões marianos
de Bernardo de Claraval. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Faculdade de Teologia, Universidade Católica
Portuguesa, Lisboa, 2015, p. 5.
43
MATOS MOCTEZUMA, Eduardo. Sobre Miguel León-Portilla, Tonantzin Guadalupe: pensamiento náhuatl y
mensaje cristiano en el “Nican mopohua”. Reseña. Estudios de Cultura Náhuatl, v. 33, p. 368-374, 2002, p. 371;
NEBEL, Richard. Op. cit., p. 222-223.
44
Neste caso o termo autorização está mais próximo da ideia de tolerância do culto do que com a efetiva divulgação
e propagação do mesmo. Cf. SALES, Lilian Maria Pinto. Aparições de Nossa Senhora: mensagens e peregrinações
na contemporaneidade. 2008. 232f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 97.

383
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

o culto. Segundo Lilian Sales, o principal – e primeiro – ponto a ser avaliado é a ortodoxia da
mensagem, isto é, se o conteúdo da prédica está de acordo com a doutrina católica. O segundo
tópico a ser avaliado pelas autoridades episcopais é a autenticidade da mobilização dos fiéis
que aderem ao culto em questão.
A postura do vidente é o terceiro elemento a ser observado para a legitimação do culto
ao novo santo e/ou da aparição mariana.45 No caso guadalupano, na trajetória do vidente
indígena são exaltados atributos que confluem para o arquétipo de vida santificada. Tenacidade
nas orações, humildade, penitência e zelo pelo sacramento da Eucaristia são algumas qualidades
atribuídas ao interlocutor da Virgem de Guadalupe.46
Segundo David Brading, Lasso de La Vega (1649) engrandeceu a descrição de Juan
Diego, tendo acrescentado informações acerca de sua origem e seu devotamento à castidade.
Brading vai além ao afirmar que, para de La Vega, Juan Diego deveria ser tomado como um
exemplo de santidade cristã.47
O quarto aspecto a ser avaliado no caso de uma aparição são os milagres decorrentes
desta. Às autoridades cabe julgar se, de fato, ocorreu um milagre, isto é, desfecho extraordinário
que não pode ser explicado cientificamente ou que não possua uma causalidade “natural”.48
Contudo, a tese defendida por Sales está mais relacionada às aparições contemporâneas, sendo
assim, devemos sinalizar que nos séculos XVI e XVII havia uma limitação quanto à avaliação
dos milagres, porque a própria medicina e a ciência ainda se encontravam em um estágio quase
incipiente. Todavia, a Igreja Católica sempre buscou avaliar rigorosamente, dentro das
limitações próprias de cada época, os milagres atribuídos aos santos e aparições de Nossa
Senhora.
Após apresentarmos os aspectos que são considerados aquando do processo de avaliação
de uma aparição mariana, deteremo-nos um pouco mais no caso guadalupano. Neste caso,
consta que o indígena Juan Diego precisou dar uma prova ao bispo Juan de Zumárraga para que
este acreditasse na aparição e, por consequência, construísse a capelinha para sua honra.
Segundo o relato, após o milagre das flores, o bispo mexicano se deu por convencido, tendo
aceitado o culto e acatado o pedido da santa. Contudo, a documentação histórica acerca do
posicionamento do primeiro bispo do México sobre o culto guadalupano transmite uma outra
imagem.

45
SALES, Lilian Maria Pinto. Op. Cit., p. 99.
46
NEBEL, Richard. Op. Cit., p. 237; BRADING, David A. Op. cit., p. 145.
47
BRADING, David A. Op. cit., p. 145.
48
SALES, Lilian Maria Pinto. Op. Cit., p. 99.

384
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

Segundo Francisco de la Maza, o posicionamento de Juan de Zumárraga, observável no


livro Regla Cristiana de 1547, demonstra o desapreço do arcebispo mexicano para com os
muitos relatos de aparições e milagres imprudentemente difundidos entre os populares.
Zumárraga admoesta seus ouvintes para que não haja como Herodes, isto é, desejando
contemplar milagres e novidades, mas, antes de tudo, que creiam por fé. De la Maza atribui a
reticência do bispo para com os abundantes milagres à sua formação eclesiástica, uma vez que
era erasmita49. Dessa forma, é possível aventar a hipótese de o texto Nican Mopohua ter sido
escrito após a morte do bispo Zumárraga, datada de 1548, pois era preciso que o novo culto
fosse corroborado pelo prelado local.
Todavia, tais elementos comprovativos não são especificidades do mundo cristão-
católico-europeu. Isso também ocorria no mundo indígena. Para que um discurso fosse
legitimado pela elite indígena, este deveria possuir uma série de elementos específicos da lógica
autóctone. Caso uma história, seja ela oral ou escrita, não possuísse tais elementos, dificilmente
seria oficialmente aceita e perpetuada nas sociedades indígenas.
Rafael Tena, ao abordar algumas questões acerca da religião mexica, afirma que não
havia um culto único e homogêneo. Pelo contrário, haviam duas vertentes religiosas
divergentes, a oficial e a popular. A religião oficial era formulada pelos sacerdotes e seguidas
pelas lideranças autóctones. Enquanto que os populares poderiam professar ritos um pouco
distintos do culto oficial.50
Tendo em vista estas considerações, cabe a nós empreender uma breve análise acerca
dos elementos corroborativos do discurso nas sociedades autóctones do Centro do México.
Segundo Patrick K. Johansson, o principal atributo do discurso nahuatl é a retórica, ou seja, as
falas com conotação política, bélica ou religiosa deveriam não apenas transmitir uma
mensagem, mas, sobretudo, haviam de “ser performativa, conotativa, persuasiva, y la
estruturación del discurso debe provocar esta ‘com-moción’”51.52

49
O termo refere-se aqueles que eram seguidores de Erasmo de Roterdã. Erasmo foi um teólogo e humanista
neerlandês muito famoso no período moderno, tendo influenciado tanto o campo religioso (cristão-católico), como
também o campo pedagógico.
50
TENA, Rafael. La religión mexica. Arqueología Mexicana. México (DF), v. 2, n. 30, p. 6-22, 2009, p. 11.
51
JOHANSSON, Patrick K. Retórica náhuatl o la teatralidade del verbo. Bitácora de retórica. México (DF), n.
19, p. 57- 72, 2004, p. 61.
52
Ibidem, p. 61.

385
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

Esse estilo retórico de escrever53 e se pronunciar ficou conhecido como


huehuetlahtolli54, isto é, um gênero pré-hispânico que perdurou – com adaptações – durante o
período de colonização espanhola.55 Os huehuetlahtolli apresentam características estilísticas
marcantes. Iva Deylová defende que o gênero dos heuhuetlahtolli pode ser considerado uma
produção prosaica, apresentando narrativa com desenvolvimento linear, de modo que o leitor
somente compreenderá a narrativa à medida que avançar na leitura.56
No texto do Nican Mopohua é possível observar essa característica de desenvolvimento
linear. Nele, a narrativa acerca da aparição de Guadalupe se desenrola aos poucos. Segundo
León-Portilla, o Nican Mopohua pode ser dividido em quatro partes, que são: a primeira refere-
se ao encontro de Juan Diego com a Virgem de Guadalupe; a segunda trata do retorno de Juan
Diego ao monte Tepeyac, ou seja, o segundo encontro com a Virgem; a terceira discorre sobre
o segundo encontro de Juan Diego com o bispo, no qual a autoridade episcopal pede um sinal
ou milagre que ateste a fiabilidade da mensagem levada pelo índio; e por fim, temos a quarta
seção, quando se dá o milagre da aparição da imagem de Nossa Senhora de Guadalupe na manta
de Juan Diego na presença do bispo.57
Outra característica típica da literatura nahuatl seria as referências precisas acerca da
temporalidade e localidade onde se desenrolam os fatos narrados. Segundo León-Portilla, os
indígenas tinham por hábito fornecer informações toponímicas das localidades nas quais se
desenvolviam os fatos narrados, bem como também prezavam pela exatidão temporal,
fornecendo informações sobre o ano no qual o fato narrado teve lugar.58

Também pode-se citar como características dos huehuetlahtolli o difrasismo e o


paralelismo. O primeiro pode ser definido como “expresiones en las que la yuxtaposición de

53
Neste caso, o verbo escrever não está estritamente vinculado à escrita alfabética. Os astecas pré-hispânicos
utilizavam a escrita pictográfica, tendo seus textos reescritos em nahuatl, porém, empregando o alfabeto latino,
durante a colonização espanhola.
54
O interesse por esses textos começou com os religiosos espanhóis que se dedicavam à conversão dos indígenas
mexicanos. No geral, o estudo dessas composições pré-hispânicas visava conhecer a antiga cultura dos aborígenes.
Tais pesquisas estavam relacionadas com os intentos dos religiosos de se inteirarem sobre os assuntos indígenas a
fim de obter melhor controle das práticas religiosas pagãs, para, então, conseguirem extirpá-las. Um exemplo de
huehuetlahtolli bastante conhecido é o Códice Florentino, compilado por Sahagún e seus pupilos indígenas. Cf.
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Literaturas Indígenas de México. Madrid: Editorial MAPFRE, 1992, p. 192-195;
LEÓN-PORTILLA, Miguel. El Destino de la palabra. De la oralidad y los códices mesoamericanos a la escritura
alfabética. México (DF): Fondo de Cultura Económica. 1996, p. 296.
55
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1992, p. 201-202.
56
DEYLOVÁ, Iva. Huehuetlatolli. ‘Antigua palabra’ de los antiguos mexicanos. In: Premio Iberoamericano en la
República Checa, XIII., 2007, Praga. Anais electrónicos... Praga: Universidad Carolina, 2007, p. 9.
57
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 2014, p. 83.
58
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1996, p. 304.

386
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

los vocablos de contenido metafórico lleva a evocar un pensamiento que se desea destacar”59.60
Enquanto que o paralelismo pode ser definido como “la repetición de una estructura lingüística
en un punto subsiguiente del texto, de manera que las dos partes del sintagma se encuentran
alineadas”61. Tal recurso estilístico era empregado, muitas vezes, a fim de tornar a narração
mais vívida, facilitando, dessa forma, a memorização das histórias e tradições.62
As perguntas retóricas são outra característica estilística da literatura nahuatl
tradicional. Segundo Iva Deylová, as perguntas retóricas foram empregadas com a mesma
finalidade na Europa e na América pré-colombiana.63

CONCLUSÃO
Em meio ao longo e conturbado processo de catequização das populações indígenas,
surge o culto a Nossa Senhora de Guadalupe. Apesar das críticas contundentes que sofreu ao
longo dos séculos, o culto guadalupano do México foi um dos instrumentos mais poderosos e
eficazes da catequização indígena. A santa fora representada de maneira a criar uma
proximidade com os índios mais pobres, isto é, a parcela da colônia que mais sofria abusos e
violências. Além de sua representação física propícia (fenótipo semelhante ao dos indígenas),
a sua personalidade amável e preferência pelos pobres tornaram a Virgem de Guadalupe do
Tepeyac um dos maiores símbolos do México, possuindo um apelo religioso local muito
superior aos demais santos e santas católicos.
Defendemos, com base em algumas evidências históricas e documentais e o respaldo de
alguns especialistas, que o culto guadalupano do Tepeyac já existia antes de ser documentado
pelas autoridades coloniais no século XVII. Neste primeiro momento, o culto desenrolava-se
entre os indígenas populares, a partir da tradição oral, ficando, desta forma, restrito à adoração
marginal.
O Nican Mopohua é um relato multicultural, ou seja, possui características cristãs-
europeias ao mesmo tempo em que apresenta elementos tipicamente indígenas. Entre as
especificidades autóctones contidas no texto, podemos salientar o fato de ter sido escrito em
nahuatl (língua dos astecas e principal idioma da região central do México) e possuir
construções lexicais e gramaticais típicas da língua culta nahuatl.

59
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1996, p. 297.
60
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Op. Cit., 1996, p. 300.
61
VEGA, Mercedes Montes de Oca. Los difrasismos: un rasgo del lenguaje ritual. Estudios de Cultura Nahuatl.
México (DF), v. 1, n. 39, p. 225-238, 2008, p. 227.
62
DEYLOVÁ, Iva. Op. Cit., p. 13.
63
DEYLOVÁ, Iva. Op. Cit., p. 14.

387
ANAIS DA 5ª. SEMANA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
28 DE AGOSTO A 1º. DE SETEMBRO DE 2017

A partir dessa análise sucinta do texto Nican Mopohua, acreditamos ter embasado, de
maneira satisfatória, nosso posicionamento acerca de uma certa “herança” dos huehuetlahtolli
que o texto guadalupano apresenta. Tais elementos, segundo mencionamos no início deste
tópico, não nos parece terem sido incorporados ao relato de forma aleatória, pelo contrário, eles
são dispositivos da tradição autóctone que estão presentes no texto justamente para garantir a
legitimidade do mesmo junto à comunidade indígena, principalmente, entre os membros da
elite.

388

S-ar putea să vă placă și