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Michelangelo
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (Caprese, Michelangelo
6 de março de 1475 — Roma, 18 de fevereiro de 1564), mais
conhecido simplesmente como Michelangelo ou Miguel
Ângelo, foi um pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano,
considerado um dos maiores criadores da história da arte do
ocidente.
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Índice
Biografia
Primeiros anos
Juventude
Maturidade
Últimas décadas
Personalidade
Vida amorosa
Obra
Contexto, estilo e ideias sobre arte
Escultura
Pintura
Arquitetura
Desenho
Poesia
Correspondência
Legado e fortuna crítica
Na cultura
Ver também
Referências
Ligações externas
Biografia
Primeiros anos
Michelangelo foi o segundo filho de Lodovico di Lionardo Buonarroti Simoni e Francesca di Neri Buonarroti. Em sua
certidão de batismo seu nome consta de duas formas, Michelagnelo e Michelagnolo Buonaroti; aparece na biografia
de Vasari como Michelagnolo Bonarroti e na de Condivi como Michelagnolo Buonarroti;[1][2] quando jovem
assinava como Michelagniolo. [3] Essas primeiras biografias foram escritas quando ele ainda vivia e sua fama estava no
auge, e seus admiradores, não contentes em estabelecer uma alta estirpe para sua família — cuja genealogia aparece hoje
como duvidosa —, trataram de engrandecer eventos relacionados ao seu nascimento e infância, alegadamente proféticos de
sua futura glória. Por exemplo, dizia-se que sua mãe caíra de um cavalo enquanto o carregava nos braços mas teriam saído
ilesos do acidente; ainda bebê, dormindo no mesmo berço de um irmão, este contraiu grave doença contagiosa, da qual
faleceu, mas Michelangelo milagrosamente não foi contaminado. Também diziam que seu mapa astral preconizava um
futuro brilhante, por causa de uma conjunção de Vênus, Marte e Júpiter no Ascendente. [4] Condivi disse que sua família era
antiga e pertencia à nobreza, o que era aceito como um fato na época em que viveu. Seria descendente dos condes de
Canossa, da região de Reggio Emilia, tendo entre seus ancestrais a célebre Matilde de Canossa, e ligados pelo sangue a
imperadores. Um membro da família, Simone da Canossa, teria se radicado em Florença em 1250 e sido feito cidadão da
República, encarregado da administração de uma das seis divisões florentinas. Ali mais tarde mudara seu sobrenome de
Canossa para Buonarroti, em função do prestígio que vários indivíduos da família chamados Buonarroto adquiriram como
magistrados, passando este ramo da Casa de Canossa a ser conhecido como Casa de' Buonarroti Simoni. [5][6]
Lodovico na época do nascimento de Michelangelo era administrador das vilas de Caprese e Castello di Chiusi,
subordinadas a Florença. Um mês depois, contudo, expirando o seu mandato, a família se transferiu definitivamente para
Florença, mas o bebê, como era um hábito, foi entregue a uma ama para ser criado em Settignano, outra vila florentina,
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numa propriedade familiar. Com três anos voltou a viver na casa paterna, e
com seis perdeu a mãe. Teve como irmãos Lionardo, o primogênito, e mais
Buonarroto, Giovansimone e Gismondo. [6] O pai, mesmo possuindo algum
prestígio, não era rico. Sua família era numerosa e suas rendas, baseadas
principalmente na propriedade rural em Settignano, eram insuficientes para
manter um elevado padrão de vida. O salário que recebia da República era
baixo, 500 liras a cada seis meses, e ficava obrigado a pagar com ele mais
dois notários, três servos e um cavalariço. A antiga fortuna da família,
adquirida no comércio e no câmbio, começara a se dissipar com seu próprio
pai, que teve de prover dotes para suas filhas, pagar dívidas vultosas e não
obteve cargos lucrativos, e a situação piorou na geração seguinte, a ponto de
estarem perto de perder seu estatuto de patrícios e decair para a plebe. [7]
Mas é provável que esses relatos tenham sido muito magnificados — Vasari, na segunda versão de sua biografia, disse que
a obra de Condivi tinha muitas inverdades —, [9] pois considerando o reduzido tempo que permaneceu ali, e sabendo-se hoje
dos rigorosos hábitos disciplinares do aprendizado artístico da época, que iniciava com as tarefas mais humildes, ele
dificilmente teria tido condições de desenvolver tão cedo uma técnica capaz de produzir obras de qualidade tão alta como é
declarado. Ainda seria apenas um serviçal, como todos os principiantes, mantendo os materiais e ferramentas dos mestres
e dos discípulos mais graduados em ordem e em condições de uso, limpando o espaço, e ficando à disposição dos mestres
para atender quaisquer outras demandas para o bom funcionamento da oficina. No pouco tempo que lhes restava era-lhes
permitido exercitar o desenho através da cópia de modelos consagrados, mas isso nessa primeira fase era raro, pois além
do trabalho servil ser exaustivo o papel era caríssimo e não podia ser gasto à toa com alunos ainda despreparados. Somente
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quando os alunos dominavam essa parte instrumental e já conheciam em profundidade as propriedades dos materiais da
arte era-lhes dado acesso ao conhecimento dos rudimentos mais básicos da criação, servindo então como assistentes
diretos dos mestres, mas ainda apenas esticando as telas e preparando os painéis em madeira, dando-lhes as camadas de
base, pintando alguns detalhes menos importantes da composição e se aprofundando no estudo do desenho. Entretanto,
parece certo que quando ingressou na oficina de Ghirlandaio Michelangelo já havia praticado muito desenho, e assim é
difícil determinar com exatidão até onde vai a verdade das biografias primitivas, até porque elas constantemente tendem a
exaltar o seu sujeito, mesmo que seja reconhecido que seu talento foi precoce e seu desenvolvimento, muito rápido. [10]
Juventude
Michelangelo não terminou seu aprendizado com os Ghirlandaio. Um ano
depois deixou o atelier e entrou na proteção de Lourenço II de Médici. Os
autores divergem sobre as circunstâncias desse evento. Talvez por seu
temperamento rebelde ele tenha se tornado uma presença irritante para os
seus mestres, também ele aparentemente não apreciava tanto a pintura como a
escultura; Barbara Somervill disse que seu pai, confiando na força de um
parentesco distante com os Médici e na disposição de Lourenço em ajudar
seus familiares pobres, apelou para que ele o aceitasse como aprendiz;[11]
Vasari e Condivi alegam que foi por solicitação direta de Lourenço a
Lodovico. [12][13] Seja como for, com quinze anos de fato ele passou a viver no
palácio dos Medici. Lourenço era o chefe de sua ilustre família, então a mais
rica da Itália, governava de facto Florença embora não tivesse cargo oficial, e
Giorgio Vasari: Retrato póstumo de
reunira em torno de si uma brilhante corte de humanistas e artistas, sendo ele
Lourenço de Médici. Galleria degli
Uffizi, Florença próprio um poeta e intelectual. Foi uma circunstância afortunada para
Michelangelo, pois recebia o atraente salário de cinco ducados por semana, e
pôde desfrutar da amizade pessoal com o mecenas, comendo em sua mesa, e
da atmosfera erudita do seu círculo, do qual participavam Angelo Poliziano,
Pico della Mirandola e Marsilio Ficino, reforçando sua educação precária e
entrando em contato com o Neoplatonismo. Fez amigos também entre os
filhos da casa, que mais tarde se tornaram seus patronos, e mais importante
para sua carreira foi poder frequentar o célebre Jardim de Esculturas que
Lourenço organizara com uma importante coleção de fragmentos da
Antiguidade clássica, de cujo estudo retirou substancial informação para
desenvolver seu estilo pessoal na escultura. [14][15]
Pouco depois, em 8 de abril de 1492, Lourenço faleceu, deixando o governo para seu filho Pedro de Médici (Piero), de
apenas vinte e um anos de idade. Segundo Condivi, para Michelangelo a morte de seu patrono foi um grande choque, tendo
permanecido dias em funda tristeza, incapaz de qualquer ação. Retirou-se para a casa de seu pai, onde esculpiu um
Hércules de grandes dimensões, que foi vendido para Francisco I da França, mas do qual não se conhece o paradeiro.
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Sucedeu então que caísse uma grande nevasca sobre Florença, e então Pedro lembrou-se do amigo. Intimou que ele
acorresse ao seu palácio para fazer um boneco de neve, e renovou o convite para que o artista vivesse no palácio Medici a
fim de que as coisas continuassem da maneira que eram antes da morte de Lourenço. O convite foi aceito e Michelangelo
novamente se tornou um favorito, mas Pedro carecia de toda a sabedoria política de seu pai, era tirânico e completamente
inepto para a sua função. Tanto que atraiu a condenação de Savonarola e o descontentamento popular cresceu rápido.
Percebendo o rumo fatal que os acontecimentos tomavam, e por causa de sua íntima associação com Pedro, Michelangelo
fugiu secretamente primeiro para Bolonha, e depois seguindo para Veneza, poucas semanas antes de Florença ser invadida
por Carlos VIII de França e Pedro ser derrubado e expulso de lá junto com toda a sua família. [17][18]
Não conseguindo trabalho em Veneza, voltou para Bolonha, onde encontrou um novo patrono em Gianfrancesco
Aldovrandi, em cuja casa permaneceu por um ano. Por sua sugestão produziu figuras para a tumba inacabada de São
Domingos, um Anjo segurando um candelabro, um São Proclo e um São Petrônio, além de entreter seu mecenas com
leituras de Dante, Petrarca e Boccaccio, apreciadas por seu dialeto toscano ser o mesmo em que haviam sido
escritas. [19][20] Entretanto, conheceu obras classicistas de Jacopo della Quercia, que exerceram significativa influência em
seu estilo. [21] No inverno de 1495 voltou brevemente a Florença. Condivi e Vasari relataram que Michelangelo encontrou-se
com Lorenzo di Pierfrancesco de' Medici, que o encorajou a esculpir um São João, e depois um Cupido adormecido,
induzindo o artista a patiná-lo para que pudesse ser vendido como uma antiguidade por um bom preço no mercado romano.
Michelangelo o teria enviado para Roma em 1496 e sido adquirido pelo Cardeal Raffaele Riario, mas Clacment alega que a
história é muito duvidosa. [22]
Maturidade
De qualquer forma ele viajou para Roma em seguida e hospedou-se por
um ano com Riario, mas para ele aparentemente não produziu nada. Sua
obra seguinte, um Baco embriagado de grandes dimensões e traços
claramente clássicos, foi feita a pedido do banqueiro Jacopo Galli, que
solicitou ainda um Cupido em pé, e através de quem Michelangelo
conheceu o Cardeal Jean de la Grolaye de Villiers, embaixador da França
junto ao Papa, que encomendou a célebre Pietà, um tema raro na Itália
mas comum na França, que foi imediatamente aclamada como uma
obra-prima, alçando-o à fama. Logo recebeu outras comissões, incluindo
quinze estatuetas de santos para o Cardeal Francesco Piccolomini, mas
realizou destas apenas quatro, interrompendo o trabalho em 1501 para
atender um chamado da Catedral de Florença. [23][24]
A encomenda foi de um David, a ser instalado nos contrafortes da Michelangelo: Pietà, 1499. Basílica de
Catedral. Michelangelo escolheu para a obra um enorme bloco de São Pedro, Vaticano
mármore que havia sido trabalhado parcialmente por outros escultores
mas permanecia abandonado há quarenta anos, com mais de 5 metros
de altura. Talhar uma obra desse vulto ainda hoje é um desafio técnico enorme, e quando pronta em 1504 o resultado foi
considerado tão brilhante e magnificente que foi formada uma comissão de notáveis para decidir onde colocá-la, pois se
julgou merecer uma posição mais destacada do que a prevista anteriormente. Assim, foi instalada diante do Palácio dos
Priores, a sede administrativa da República, como um símbolo das virtudes cívicas florentinas. Durante esses anos
envolvido com o David, Michelangelo ainda achou tempo para criar várias Madonnas para patronos privados, uma em
forma de estátua, duas em relevo e uma pintura, esta sendo especialmente significativa como um exemplo precursor do
Maneirismo florentino. [25] Condivi mencionou mais duas obras, em bronze, um David e uma Madonna, que não são
conhecidas. [26] Depois do sucesso absoluto de seu David, Michelangelo foi atraído para projetos monumentais, mas
raramente aceitava ajudantes diretos, de forma que muitos deles não foram acabados. Foi o caso da outra empreitada com
que os magistrados florentinos o incumbiram, um grande afresco para a Sala do Conselho, representando a Batalha de
Cascina, um evento da guerra em que Florença conquistou Pisa. Leonardo da Vinci foi convidado no mesmo momento para
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fazer outra grande pintura na parede oposta da sala. Nem uma das duas foi terminada, e a de Michelangelo sequer saiu do
estudo preparatório. Em 1505, Michelangelo aceitou um pedido de doze grandes Apóstolos em mármore para a Catedral,
mas somente um, Mateus, foi começado, e mesmo este foi abandonado antes de acabar, pois o Papa Júlio II o chamara
para Roma. [25]
Assim que terminou o teto, Júlio mandou que ele voltasse a trabalhar em sua
tumba, que jamais foi acabada segundo o plano original. Júlio morreu em
1513 e o projeto então foi revisado várias vezes e sucessivamente reduzido
pelos outros papas, transformando-se em uma obra muito mais modesta do
que a pretendida. Das quarenta estátuas do plano o monumento atual possui
apenas sete, e destas somente o Moisés (1513–15) tem real valor, sendo uma
contrapartida escultórica das grandes figuras do teto da Sistina. Seis outras,
inacabadas mas também de grande interesse, representando escravos e
prisioneiros, originalmente pretendidas como parte do conjunto, foram
dispersas e estão hoje no Museu do Louvre em Paris e na Galleria
dell'Accademia de Florença. Outra peça importante do período foi um Cristo
Redentor nu para a Igreja de Santa Maria sobre Minerva. [25]
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Em 1527 Roma foi invadida e violentamente saqueada por tropas rebeldes de Carlos V, imperador do Sacro Império. O papa
fugiu, e Florença se revoltou novamente contra os Medici, banindo-os. Em seguida a cidade foi assediada, e nesse período
Michelangelo foi empregado pelo governo local em obras de engenharia, projetando fortificações. Esta década e a seguinte
foram especialmente difíceis para ele. Seu pai morrera em 1521 e em seguida seu irmão favorito. Michelangelo se
preocupava com o avanço dos anos e temia a morte, e ainda se envolveu em assuntos familiares para assegurar a
perpetuação do nome Buonarroti. Em sua vida afetiva se ligou fortemente a homens jovens, em especial a Tommaso dei
Cavalieri, trocando calorosa correspondência e escrevendo-lhes poesias de grande qualidade, tratando do tema do amor na
tradição de Petrarca e expressando ideias neoplatônicas. Essas ligações e esses testemunhos materiais têm sido
considerados por grande número de estudiosos como evidências de homossexualidade, mas para uma minoria influente, da
qual participa Gilbert Creighton, editor da Britannica, é provável que ele estivesse mais preocupado em encontrar um filho
adotivo e que seu transbordamento emocional não passasse de retórica literária. [25][28][29] Em 1530 os Medici
conseguiram impor definitivamente seu governo em Florença, Michelangelo voltou ao projeto das tumbas da família e
produziu duas esculturas, um Gênio da Vitória, que se tornou um protótipo para os escultores maneiristas, e um David, às
vezes identificado também como Apolo. Em 1534 deixou a cidade pela última vez, a chamado do novo papa, Paulo III,
passando a residir em Roma, embora tenha sempre alimentado a esperança de poder voltar e terminar seus projetos
inacabados. [25]
Últimas décadas
Nessa fase Michelangelo deixou um pouco de lado a escultura e se voltou
para a arquitetura, a poesia e a pintura. Paulo III o chamara para pintar
a cena do Juízo Final na parede atrás do altar da Capela Sistina. A
composição foi outra obra-prima, mas em um estilo muito diverso
daquele do teto, e reflete o impacto da Contra-Reforma na cultura da
época. A concepção é poderosa e as figuras ainda são grandiosas, mas
sua descrição anatômica é menos clara. Por outro lado, a intensidade
psicológica e dramática é muito mais impressionante. [25] Uma cena
prevista para a parede oposta, mostrando a Queda de Lúcifer, foi
desenhada em cartão mas não realizada. Entretanto, de acordo com
Vasari o desenho foi aproveitado por um artista menor na Catedral de
Todi, com uma execução pobre. [30] Imediatamente depois foi convocado
para pintar mais dois grandes painéis na Capela Paulina, ilustrando a
Crucificação de São Pedro e a Conversão de Saulo. Nesse período
desenvolveu uma profunda ligação afetiva com a patrícia romana Vittoria
Colonna, que perdurou até a morte dela em 1547, compartilhando um
interesse pela poesia e pela religião. Desenhou a remodelação da Praça Maria e Jesus, detalhe do Juízo Final,
do Capitólio, um dos projetos urbanísticos mais notáveis da cidade, e na 1534–41. Capela Sistina
sua condição de novo arquiteto de São Pedro, cargo aceito também com
grande relutância, elaborou os planos para a reforma de sua estrutura a partir das ideias deixadas por Bramante,
descartando acréscimos de outros colaboradores e revertendo a planta para cruz grega. Também desenhou a cúpula, uma
grande obra de arquitetura, embora construída somente depois que morreu, com ligeiras modificações. Enquanto
trabalhava em São Pedro se envolveu em projetos arquitetônicos menores, completando o inacabado Palácio Farnese,
dando aconselhamento nas obras da Villa Giulia, da Igreja de São Pedro em Montorio e do Belvedere do Vaticano, além de
fornecer um projeto, não utilizado, para a remodelação da Basílica de São João dos Florentinos. [25][31]
Em 1555 Paulo IV ascendeu o papado e de imediato abriu um conflito com o governo espanhol em Nápoles, ao mesmo
tempo em que intensificou os procedimentos da Contra-Reforma e apoiou a Inquisição. Cancelou a chancelaria de Rimini
que Paulo III havia outorgado a Michelangelo, uma boa fonte de renda para ele, e quis destruir o Juízo Final da Sistina,
considerado indecente, o que só não ocorreu graças à firme oposição de vários cardeais; mesmo assim vários nus foram
cobertos. O clima em Roma se tornou tenso, tropas francesas entraram nos Estados Papais e Michelangelo, em 1557,
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buscou refúgio temporário em um mosteiro em Spoleto, deixando as obras na Basílica a cargo de auxiliares. Voltando a
Roma pouco depois, passou a se dedicar ao projeto de um túmulo para si mesmo, nunca executado, mas para ele esculpiu a
Pietà de Florença, onde se acredita que ele tenha deixado seu auto-retrato na figura de José de Arimateia. Então voltou às
obras de São Pedro, mas suas decisões eram continuamente desacatadas pelos assistentes, criando uma situação
estressante. Em 1559 o papa morreu. Era tão odiado que o povo romano deu grandes manifestações de júbilo ao saber da
notícia, e Duppa diz que deve ter sido um alívio também para o artista. [32]
Pio IV manteve Michelangelo como arquiteto de São Pedro — desta época é o projeto da cúpula — e lhe restituiu parte das
rendas de Rimini. Desenhou um monumento em honra ao irmão do papa a ser instalado na Catedral de Milão, executado
por outros, construiu a Porta Pia, reformou as Termas de Diocleciano, transformando-as na Basílica de Santa Maria dos
Anjos e dos Mártires, e projetou uma capela na Basílica de Santa Maria Maior, terminada postumamente. A nomeação de
Michelangelo como arquiteto-chefe de São Pedro nunca agradara aos diretores da obra e aos arquitetos assistentes, as
pressões por fim acabaram por triunfar, e em 1562 ele foi removido do cargo. Mas logo a situação reverteu a seu favor, pois
Michelangelo solicitou uma entrevista com o papa e lhe expôs as intrigas que haviam levado à situação. O papa mandou
examinar o caso, confirmou as alegações de Michelangelo e o reconduziu à chefia das obras, e mais, ordenou que suas
diretrizes fossem seguidas à risca. [33]
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Personalidade
Quando adulto Michelangelo tinha uma estatura mediana e possuía ombros largos e braços fortes, resultado de suas
infindáveis horas trabalhando com a pedra. Seu cabelo era escuro e seus olhos pequenos e castanhos, usava a barba
dividida em duas, tinha os lábios finos, o nariz quebrado de uma luta na juventude com Pietro Torrigiano, e sua testa era
saliente. Não dava a mínima atenção à sua aparência física, vestia-se com roupas velhas, às vezes até esfarrapadas, que
estavam invariavelmente sujas. Mesmo assim não raro dormia com elas e com seus sapatos. Da mesma forma, era
indiferente quanto à comida, comia pouco e irregularmente, tinha má digestão; ficava tão satisfeito com um pedaço de
queijo como com uma refeição de vários pratos, como as que comia quando convidado pelos poderosos. Não fazia caso de
onde ia dormir e tinha um sono curto, sofria de dores de cabeça e com o avançar dos anos teve problemas de vesícula e
reumatismo nas pernas, mas em geral gozou de boa saúde até seu último ano de vida. Trabalhava incansavelmente, pôde
adquirir uma educação geral bastante larga mesmo sem instrução regular, e poucas coisas o interessavam além de sua
arte. [38][39] Entre elas, como se depreende de suas cartas, ele tinha preocupações quanto à perpetuação e dignificação do
nome familiar. Em várias, dirigidas a seu sobrinho Lionardo, urgiu que ele se casasse com uma jovem da nobreza, digna
dos Buonarroti, e encareceu que ele deixasse o campo e morasse em um palacete urbano, o sinal mais evidente do status de
um patrício. Em outras expressa sua ambição de "ressuscitar a sua Casa", e seu desejo de glória tanto pessoal como
familiar é documentado por outros testemunhos. [40]
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É muito difícil fazer uma ideia da evolução de sua riqueza pessoal. Herdou terras em Settignano e foi capaz de torná-las
bem mais produtivas do que no tempo de seu pai, e até expandiu sua área. Possuía uma casa-atelier em Roma, duas casas e
um atelier em Florença, e se diz que tinha terras em vários locais da Toscana. Suas maiores obras foram pagas regiamente,
mas muitas vezes os custos do material, que não eram baixos, estavam incluídos. Além disso, muitas vezes seus patronos
lhe pagaram irregularmente, em diversas ocasiões não recebeu o pagamento completo e obras como a tumba de Júlio II
representaram despesa e não ganho para ele. Por outro lado, com seus hábitos espartanos de vida fez uma boa economia, e
numa carta disse que Paulo III o cumulara de benefícios. Doou altas somas para caridade e sustentou seus familiares
quando pôde, e várias vezes ajudou artistas pobres, inclusive seus dois biógrafos. [44] Não confiava em bancos e guardava
seu dinheiro em um baú embaixo da cama. Quando morreu este baú continha dez mil ducados de ouro, uma quantia,
segundo Forcellino, suficiente para comprar o Palácio Pitti. [45]
Vida amorosa
Michelangelo nunca se casou e hoje é praticamente um consenso que tenha sido homossexual, a despeito da negação de
seus primeiros biógrafos. Tem sido aventado que o artista teve casos amorosos concretos com vários jovens, como
Cecchino dei Bracci, para quem desenhou o túmulo, e Giovanni da Pistoia, que conheceu enquanto trabalhava no teto da
Capela Sistina, e para quem escreveu alguns sonetos. [46] Mas nenhuma prova concludente se encontrou nessa direção, e é
bastante possível que o próprio Michelangelo, refreando seus sentimentos e necessidades, tenha fugido de uma
consumação carnal. Vários fatores podem ser considerados para tornar a hipótese plausível. Em sua juventude em
Florença ficara profundamente impressionado com a pregação de renúncia ao mundo de Girolamo Savonarola, e expressou
sua admiração por ele ao longo de toda a vida. Em segundo lugar se considere a influência da visão humanista-
neoplatônica de sua época sobre o amor, outro elemento relevante em seu universo pessoal, que falava do corpo como o
cárcere terreno, e ainda que aceitasse o amor entre homens e até o estimulasse, não aprovava o contato físico, lançando a
vivência do sentimento num plano espiritual. Além disso, a opinião pública sobre a homossexualidade no século XVI era
bastante negativa; em Florença os homossexuais podiam ser castrados ou condenados à morte. O que transparece
fortemente de suas poesias é o perene conflito entre o impulso ao amor terreno e ao amor divino, que, como ele mesmo
disse, "o mantinha dividido em duas metades", e segundo Harmon, pelo que se sabe sobre sua vida, não há como excluir
nenhum dos opostos no estudo de sua personalidade e de sua forma de amar. Ao mesmo tempo em que reiteradas vezes
falou do amor dirigido a pessoas como a força dinâmica que o capacitava à transcendência — "o amor nos urge e desperta,
dá penas às nossas asas, e a partir daquele primeiro estágio, com o qual a alma não se satisfaz, ela pode voar e subir ao
seu Criador" — em outros momentos declarava seu desejo de intimidade física, querendo "abraçar meu tão desejado, meu
tão doce senhor, com meus braços indignos", ou imaginando ser um bicho-da-seda para tecer uma túnica preciosa
"envolvendo seu belo peito com prazer". [29][47][48][49] Condivi registrou que "muitas vezes ouvi Michelangelo discursar a
respeito do amor, mas jamais o ouvi falar qualquer coisa diferente do amor platônico". [50] Dizem Ryan e Ellis, invocando
mais outros autores, que a maioria dos historiadores modernos reconhece a inclinação homoerótica de Michelangelo, mas
a questão de se isso o levou a uma vida sexualmente ativa permanece uma incógnita. [51][52]
Entre os homens quem ocupou o maior lugar em seus pensamentos foi Tommaso dei Cavalieri, um patrício amante das
artes. Na época Cavalieri era um jovem de 17 anos de idade, e Varchi, que também o conheceu, disse que ele que tinha um
temperamento calmo e despretensioso, uma fina inteligência e educação, e uma beleza incomparável, e por tais qualidades
merecia o amor de quantos o conhecessem. Logo após seu primeiro contato Michelangelo enviou-lhe duas breves
cartas. [53] Numa delas disse:
"Percebo agora que não posso esquecer vosso nome assim como não posso esquecer a comida com a
qual vivo — não! antes eu poderia esquecer a comida com que vivo, que infelizmente alimenta apenas o
corpo, mas não vosso nome, que nutre minha alma e meu corpo, enchendo ambos de tamanho deleite
que me torno imune à tristeza e ao medo da morte, isso enquanto vossa memória dura em mim.
Imaginai se o meu olho estivesse também fazendo sua parte (uma referência à distância física entre eles)
o estado em que eu me encontraria!". [53]
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S'un casto amor, s'una pietà superna Se um casto amor, se uma piedade sublime (tradução livre)
A outra figura de grande importância em sua vida pessoal foi Vittoria Colonna. Descendente de uma família nobre, foi uma
das mulheres mais notáveis da Itália quinhentista. Ainda jovem casou-se com Fernando de Ávalos, Marquês de Pescara.
Tornou-se autora de poesias louvadas como impecáveis, das mais importantes continuadoras da tradição de Petrarca em
sua geração, uma mediadora política, reformadora religiosa, e seus méritos próprios foram amplamente reconhecidos
ainda em sua vida, mas a historiografia posterior a retratou indevidamente mais como uma figura passiva, à sombra de
grandes homens que conheceu, entre eles Michelangelo. [61][62] É possível que tenham se encontrado em torno de 1537,
mas sua relação só se estreitou em torno de 1542 quando Michelangelo já era idoso e ela, viúva há dezessete anos.
Discutiam arte e religião. Para ela Michelangelo escreveu várias poesias e produziu desenhos, e ela por sua vez dedicou-lhe
também uma série de poemas. O afeto de Michelangelo tornou-se intenso, e em seus sonetos meditava se esta não seria
mais uma paixão infrutífera, talvez a mais infeliz de todas. Apesar de suas dúvidas, o tom geral de suas poesias sobre ela é
calmo e doce, e busca a sublimação de forma mais consistente através da fé. Walter Pater comparou a relação de ambos
com a de Dante e Beatriz. [63]
A fé em que Michelangelo se apoiou para enfrentar os dilemas de seus sentimentos foi a da Contra-Reforma, que depositava
a responsabilidade pela solução dos problemas espirituais mais na força interior de cada um do que em santos, padres,
indulgências e outros auxiliares externos comuns às gerações anteriores. Da parte de Vittoria, Abigail Brundin disse que as
poesias que ela dedicou ao seu amigo revelam o mesmo esforço de lidar com essa responsabilidade e de compartilhar os
frutos do labor no espírito de uma comunhão evangélica com alguém que passava pelas mesmas dúvidas e agitações de
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alma. [64] Michelangelo esteve presente em sua agonia, e ela faleceu em seus
braços, enquanto ele em lágrimas beijava suas mãos sem cessar. Mais tarde
arrependeu-se de não ter ousado beijar-lhe a testa e a face. Condivi registrou
que após a morte de Vittoria Michelangelo passou um período transtornado,
como se tivesse perdido a razão. Em um soneto expressou sua tristeza e
revolta, e disse que jamais a natureza fizera face tão bela. [65]
Obra
Michelangelo passou sua juventude em Florença quando ela estava no auge de seu prestígio político, econômico e
principalmente cultural, sendo uma referência não só para a Itália mas para boa parte da Europa. Pouco depois, em torno
de 1500, Roma tomou-lhe a dianteira em todos esses aspectos, onde os papas fortaleceram seu poder temporal
enfraquecido, invocaram para Roma a posição de cabeça do mundo e herdeira do Império Romano, e proclamaram a
universalidade de sua autoridade religiosa. Foi a fase chamada de Alta Renascença, quando as ideias artísticas clássicas a
respeito de harmonia, equilíbrio, moderação, dignidade, proporção e fidelidade à natureza se tornaram especialmente
influentes. Nesta mesma altura, Michelangelo atingia sua primeira maturidade artística e já trabalhava para os papas em
Roma, produzindo obras que espelham perfeitamente essas concepções. Entretanto, a Itália já estava sob a mira de
grandes potências estrangeiras, e começou a ser invadida em vários pontos. Em 1527 Florença foi posta sob sítio e Roma
foi vítima de um terrível saque por tropas do Sacro Império, enquanto na mesma época no norte da Europa os Protestantes
conseguiam a sua separação da Igreja romana com severas críticas à doutrina e aos abusos e corrupção do clero. A
autoridade papal sofreu sério abalo, o poder político italiano no panorama internacional caiu de imediato, e na Itália se
instaurou um clima sociocultural de incerteza, tensão e medo. A reação da Igreja foi lançar nos anos seguintes a Contra-
Reforma, estabelecendo uma nova formulação para a doutrina e novas regras para a arte sacra, onde se tornou uma praxe a
censura prévia com uma orientação claramente propagandística. [66][67][69][70] Como descreveu Argan, nesse período a
religião já não era uma revelação inconteste de verdades eternas, mas uma busca individual; a ciência já não se estabelecia
sobre a autoridade dos antigos, mas sobre a livre pesquisa; a política mudava sua base de uma noção de hierarquia
emanada de Deus para se lançar na procura de um equilíbrio sempre provisório entre forças contrastantes; a História,
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como experiência já vivida, perdera seu valor determinante, o que contava então era a experiência de cada um no presente,
e a arte deixava para trás os cânones abstratos e coletivos para mergulhar no mundo do julgamento individual, da
investigação do próprio processo criativo e da materialidade da obra. [71]
Apesar de sua inclinação para os modelos romanos e helenistas, Michelangelo aparece como um grande idealista, um
herdeiro direto do universalismo da arte do Alto Classicismo grego. O artista não estava mais interessado na observação da
natureza além do necessário para criar um protótipo de forma que ignorava o particular e era aplicável
indiscriminadamente para todos os sujeitos. Nada em sua arte é específico além da forma geral do corpo humano, e o
transformou em algo cuja potência vem causando admiração desde quando o plasmou em imagem. Na mesma tradição
alto-clássica, procurou expressar as virtudes heróicas da alma através de corpos poderosos cuja beleza é apoteótica e ideal,
e não humana, porém inevitavelmente filtrando o idealismo antigo através da sua eclética interpretação pelo Humanismo
renascentista, onde o trágico e o patético também tinham um lugar. Como observou Weinberger, não representou a sua
geração, mas uma geração de gigantes vivendo fora do tempo, e os edifícios que ergueu parecem ter-se destinado a esta
raça. Mesmo suas obras pequenas têm uma feição monumental. Não caracterizou trajes ou fisionomias de sua época, não
produziu retratos além de uns poucos desenhos, suas figuras não estão engajadas em atividades comuns, não aparecem
utensílios do cotidiano, nem móveis, nem arquiteturas da época; não parecem afetadas pelas estações, pela paisagem em
torno. Quando há alguma paisagem, é surpreendentemente desértica, é apenas um espaço convencional e abstrato onde
distribuiu seus personagens sobre-humanos. Não teve outros alicerces para sua arte senão o corpo humano, o amor pela
sua beleza e uma ideia de sublime magnificada ao extremo — certa vez buscando mármores em Carrara desejou transformar
uma montanha inteira em uma estátua de um gigante. [75][76][77][78]
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Até mesmo suas descrições de gênero sexual são ambíguas, em várias de suas
pinturas e esculturas as mulheres são quase tão musculosas quanto os seus
homens e a única diferença visível é a presença de seios e ausência de um
pênis. Por outro lado, algumas de suas figuras masculinas têm uma languidez
e afetação postural só encontradas na representação feminina de seu
tempo. [75] Mesmo que em várias imagens seja aparente um androginismo, é
amplamente reconhecida sua preferência pelo corpo masculino, especialmente
nu, que é fio condutor de toda a sua produção artística, e abunda mesmo em
suas composições sacras. O nu masculino aparece desde a sua primeira
escultura autenticada, a Centauromaquia, numa de suas primeiras pinturas, o
Tondo Doni, continua pela sua carreira afora, no Baco, no David, no Cristo
Redentor, nos Escravos e nos Cativos, no Gênio da Vitória, no Jovem
ajoelhado e várias outras esculturas, toma a vasta maioria de seus desenhos, é
tema de suas poesias e se multiplica nas pinturas A Batalha de Cascina, no
Michelangelo: A figura feminina da
teto e no Juízo Final da Sistina. Tal frequência desde aquele tempo tem Sibila Cumeia. Capela Sistina,
provocado reações negativas em setores da Igreja, a ponto de o Papa Paulo IV Vaticano
mandar cobrir as genitálias expostas de várias figuras nos afrescos da Sistina,
e o Cristo Redentor em mármore sofrer o mesmo destino, recebendo um
manto de bronze. [79][80]
Seu estilo e iconografia nos últimos dois séculos têm sido objeto do mais
acalorado debate entre os críticos e historiadores, a ponto de Barolsky ter dito
ironicamente que a copiosa bibliografia produzida sobre ele é ela mesma
"michelangelesca", [81] e embora Michelangelo seja em geral contado na mais
alta estima, pouco consenso sobre pontos específicos pôde ser conseguido.
Entretanto, em sua poesia ele deixou muitas pistas sobre suas ideias artísticas
e sobre a vida, e nela, conforme foi sugerido por escritores como Erwin
Panofsky e Carlo Argan, parece transpirar o Neoplatonismo como uma
influência preponderante, da forma como ele foi interpretado pelos
humanistas e poetas cristãos italianos como Marsilio Ficino, Pico della
Mirandola, Dante Alighieri e Petrarca. Martin Weinberger, de inclinação
formalista, rejeitou a explicação transcendental e assinalou que não se pode
atribuir com certeza a uma escola definida de pensamento ideias que
pertenciam à cultura renascentista como um todo e estiveram sujeitas a uma
multiplicidade de correntes. Também disse que Michelangelo dificilmente
teria colocado sua arte acima da natureza, e que sua obra requer um estudo
mais dentro do domínio da arte pura — seu tratamento dos materiais, a
evolução de suas formas e de sua linguagem plástica. É possível que uma
síntese de ambas as visões seja o caminho mais adequado para se
compreender melhor sua produção. De fato a interpretação de uma peça
específica muito dificilmente pode ser circunscrita a qualquer fonte individual,
mas em linhas gerais a explicação transcendental parece permanecer a
tendência mais forte entre a crítica para interpretar seu estilo e motivações
como um todo. Parece bastante claro que para Michelangelo a busca da
transcendência foi uma força propulsora em todo o seu trabalho, como foi
documentada de várias maneiras, mas estava firmemente inspirada na beleza Michelangelo: Escravo moribundo,
1513–1515. Museu do Louvre, Paris
que ele via no mundo físico, transformada pelo poder do Amor residente na
alma em algo, então sim, divino. [82][83] Num poema escreveu:
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Em outro, disse:
Por outro lado, não se pode atribuir um peso por demais determinante ao que ele disse de si mesmo e de sua arte, ainda que
seu testemunho jamais possa ser descartado. Como lembrou Barolsky, na cultura da época o artificialismo e a estilização
eram onipresentes. Mesmo a arte era considerada uma ilusão deliciosa, conforme disse Vasari, e estava sujeita a uma série
de convenções, de domínio público. Os textos do século XVI são carregados de recursos puramente retóricos, e o
relacionamento social em altas esferas era algo muito próximo de um teatro. Da mesma forma as biografias eram peças
laudatórias enganosas, e os escritos poéticos de Michelangelo devem ser analisados levando-se em conta o contexto desse
universo de convenções e artifícios, num processo de construção consciente da sua imagem pública e do seu próprio mito
que ele levou a um grau hiperbólico, modelando a si mesmo à feição de um colosso, assim como fazia com suas obras. Sua
correspondência tampouco é uma fonte exatamente fiel de informação sobre sua vida; em muitos momentos é evasiva,
ambígua, exagerada, contraditória e às vezes claramente mentirosa, o que não era, de resto, uma característica exclusiva
sua, mas espelhava um comportamento coletivo. Epitomizando esses costumes, em 1532 foi publicado O Príncipe, de
Machiavelli, cujas ideias tiveram larga difusão, sacramentando a necessidade do governante de usar o engano e a
dissimulação pelo bem da manutenção da ordem pública. [86][87]
Outro aspecto que tem intrigado os historiadores é o estado inacabado de muitas de suas obras. Frequentemente fatores
externos, que foram documentados, o levaram a isso, sendo constantemente chamado de um lado para outro pelos papas e
príncipes, mas em outros casos não houve qualquer imperativo conhecido que pudesse justificá-lo, e se especula hoje que as
tensões entre suas ideias grandiosas e a dificuldade prática de transportá-las satisfatoriamente para uma forma concreta e
limitada pela matéria física podem ter sido um elemento importante nesse fenômeno. [88][89]
A seguir são abordadas em mais detalhe as várias técnicas a que se dedicou, mas dada a quantidade de suas obras, apenas
as mais importantes serão citadas.
Escultura
Michelangelo via a si mesmo acima de tudo como um escultor. Participou do debate teórico da época sobre qual das artes
seria a mais nobre, a chamada questão do paragone, e se posicionou do lado dos escultores. Em uma carta escrita para
Benedetto Varchi disse:
"Creio que a pintura só atinge sua excelência na medida em que se aproxima dos efeitos do relevo,
enquanto que um relevo é considerado pobre quando se aproxima do caráter da pintura. Costumo
pensar que a escultura é o farol da pintura, e que entre ambas existe a mesma diferença que há entre o
sol e a lua. Contudo, também considero ambas em essência a mesma coisa, na medida em que ambas
procedem da mesma faculdade, e daí que é fácil estabelecer entre elas a harmonia e encerrar as
disputas, que gastam mais de nosso tempo do que produzir as figuras em si. Sobre aquele homem
(Leonardo da Vinci) que escreveu dizendo que a pintura é mais nobre que a escultura, acho que minha
empregada sabe mais do que ele. [72]
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A tumba de Júlio II deveria ter sido sua maior obra de escultura, uma grande estrutura livre dentro da Basílica de São Pedro
no estilo de um mausoléu, com 10 x 15m de área e adornado com 40 estátuas em tamanho natural representando profetas e
personificações das artes liberais, com uma grande estátua de Júlio de 3 metros de altura coroando o conjunto.
Michelangelo deveria receber pela obra um salário anual de 1 200 ducados — dez vezes mais do que outro artista receberia
— e mais um pagamento final de 10 mil ducados, uma quantia bastante expressiva. O mármore foi trazido de Carrara e
ocupou noventa carros. Para que o mausoléu pudesse ser instalado na Basílica, esta teve de ser reformada, destruindo-se a
veneranda construção anterior erguida por Constantino I entre 326 e 333, ampliando-se sua planta consideravelmente, e
desviando a maior parte dos recursos de Júlio para lá. Desta forma, as obras da tumba se paralisaram, Michelangelo teve
de pagar o transporte do mármore por conta própria, reclamou com o papa e foi expulso do Vaticano. Ultrajado, partiu para
Florença. O papa mandou cavaleiros em sua perseguição mas só o alcançaram perto de Florença. A despeito das ameaças,
recusou-se a voltar e enviou ao papa uma carta protestando contra os maus tratos. [95] Alguns meses depois ocorreu a
reconciliação em Roma, e Júlio solicitou que ele esculpisse uma enorme estátua sua em bronze para a cidade de Bolonha, e
para lá foi enviado, morando em alojamento precário, tendo de dividir a cama com mais dois ajudantes, que além disso ele
considerava incompetentes. A primeira fundição da estátua falhou, e teve de ser refundida, agora com sucesso. Tinha 4
metros de altura e pesava 4,5 toneladas, uma das maiores obras em bronze desde a Antiguidade, sendo instalada em 1508.
Quando Bolonha readquiriu sua independência a estátua foi destruída. [96]
Com a morte de Júlio em 1513 a sua tumba se tornou mais do que nunca uma necessidade, mas seus herdeiros não se
dispunham a prosseguir na escala que ele pretendera. Um dos primeiros esboços de Michelangelo foi revivido e o
monumento foi muito reduzido, a câmara mortuária foi substituída por um simples sarcófago e o monumento deslocado
para junto de uma parede lateral, mas ainda haveria diversas estátuas e relevos. Apesar da dedicação com que
Michelangelo se voltou para o trabalho, nos três anos seguintes só três estátuas haviam sido iniciadas, o Moisés, e duas
outras, de escravos, mas permaneciam inconclusas. [97] Entre 1519 e 1520 fez um belo Cristo Redentor inteiramente nu
para a Igreja de Santa Maria sobre Minerva, inspirado no modelo do nu heroico da Antiguidade clássica. [98] Havia sido
encomendado em 1514 pelo patrício romano Metello Vari, e o trabalho iniciara em seguida, mas a meio caminho
Michelangelo descobriu um veio negro no mármore e abandonou a peça. Uma segunda versão foi criada rapidamente para
cumprir o contrato, e o polimento final foi entregue a seus discípulos. Anos depois sua nudez foi oculta. [99]
Quando iniciou o pontificado de Leão X o artista foi requisitado para trabalhar em Florença. Lá, entre vários projetos
arquitetônicos, esculpiu a partir de 1521 um importante par de tumbas para dois duques Medici na Sacristia Nova. Como já
se tornava uma experiência comum para ele, houve várias interrupções e não pôde terminá-las, foi chamado para Roma em
1526. As estátuas dos mortos são belas e nobres, os retratam idealizadamente vestidos como antigos generais romanos,
mas são especialmente notáveis as que se reclinam sobre os sarcófagos. Na tumba de Juliano, as alegorias do Dia e da
Noite, e na de Lorenzo, a Aurora e o Ocaso, com uma possante descrição anatômica e intenso pathos. Deveriam ter sido
esculpidas ainda quatro estátuas de deidades fluviais, mas não foram sequer iniciadas. Quando Michelangelo partiu os
monumentos ainda não estavam montados, e sua forma final se deveu ao concurso de alguns de seus discípulos, que
finalmente arranjaram as tumbas no ano de 1545, na forma como se as vê hoje. [97]
Provavelmente Michelangelo voltou a trabalhar na tumba de Júlio em 1526, produzindo quatro Cativos, maiores do que os
dois Escravos, que também não foram acabados mas modernamente são muito apreciados por sua concepção poderosa e
por parecerem estar lutando em desespero para se libertar da prisão da matéria amorfa que os rodeia, e Hartt chegou a dizer
que dificilmente seu impacto emocional poderia ser mais forte se tivessem sido finalizados. Um quarto projeto para a tumba
de Júlio II foi desenhado em 1532, e formalizado em contrato com a família, em dimensões ainda menores, e toda a
iconografia foi revista. Criou nesta época mais uma estátua, o Gênio da Vitória, uma das mais originais composições de
Michelangelo com sua figura fortemente contorcida, a subjugar um prisioneiro, embora não seja garantido que se
destinasse ao túmulo. Também esta não foi finalizada. O trabalho só foi terminado em 1545 após o papa intervir para
liberar o artista das obrigações com a família de Júlio. E em vez de se localizar na Basílica, foi montado na Basílica de São
Pedro Acorrentado. O Moisés, a única peça que ele completou inteiramente, e que deveria ser apenas uma figura secundária
no projeto original, foi instalado no centro da composição, rodeado de estátuas muito menos expressivas esculpidas às
pressas e completadas por escultores menores, junto com mais duas, obra integral de outros artistas. [100] De interesse
ainda restam suas obras finais, duas pietàs. A primeira ele iniciou antes de 1555 como parte de um projeto para uma tumba
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Pintura
A primeira pintura que se pode atribuir com segurança a Michelangelo é o
Tondo Doni (c. 1504), uma imagem da Sagrada Família. Seu tratamento de
espaços e volumes é claramente escultórico, com linhas exatas a delimitar as Pietà de Florença, c. 1550. Museo
dell'Opera del Duomo
formas, e sua iconografia foi interpretada por Charles de Tolnay como um
sumário da evolução da fé. A Virgem e São José pertencem ao mundo do
Antigo Testamento, regido pela Lei; Cristo é a Boa Nova, o mundo da Graça;
São João Batista é a ponte de ligação entre ambos, e a galeria de nus ao fundo
representaria o mundo pagão. O grupo é organizado a partir da forma da
pirâmide combinada à espiral, a figura serpentinata que se tornou tão cara
aos maneiristas, e o tratamento dos planos cromáticos estabelece limites
nítidos entre eles, sem sfumato. Sua obra seguinte de importância teria sido a
jamais realizada Batalha de Cascina, mas da qual sobrevive uma cópia do
desenho preparatório. A cena escolhida para representação foi a do aviso da
chegada das forças pisanas, colhendo os florentinos de surpresa.
Michelangelo usou novamente um pretexto temático para realizar um notável
estudo de anatomia de corpos humanos, colocando um grande grupo de
soldados a se aprontarem para a batalha numa multiplicidade de Michelangelo: Tondo Doni, c. 1504.
posições. [102] Galleria degli Uffizi
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complexidade simbólica das cenas parece estar além de sua capacidade de conceituação. Hartt disse que tem sido sugerido
que ele teve um conselheiro teológico na elaboração do programa temático do teto na pessoa de Marco Vigerio della Rovere,
um franciscano parente do papa. As cenas são compostas sem relação espacial umas com as outras ou com as figuras
laterais, e o painel não pode ser observado a partir de um único ponto de vista. [105]
É interessante também porque permanece como um documento da evolução do autor na pintura de afresco em escala
monumental, técnica com a qual ele estava pouco familiarizado no início da obra. Ele partiu da figura de Noé sobre a
entrada, e foi seguindo em direção ao altar. As primeiras figuras revelam sua inexperiência e usam modelos formais mais
ou menos padronizados e pouco dinâmicos, e as cenas guardam uma escala relativamente modesta. Mas em pouco tempo,
como é visível, adquiriu confiança e desenvoltura, e estudos recentes têm afirmado que à medida que o trabalho avançava
prescindia mais e mais de esboços preparatórios na escala definitiva, até descartá-los por completo, pintando diretamente.
A mesma confiança fica patente no tratamento cada vez mais livre das pinceladas e no crescente dinamismo e
expressividade das figuras, chegando a dimensões de tragédia em alguns personagens, o que ilustra com clareza a
passagem do equilíbrio clássico do Alto Renascimento para o mundo agitado do Maneirismo. O trabalho foi interrompido
na metade por cerca de um ano, quando não houve fundos para pagá-lo, e quando foi retomado, curiosamente o mesmo
processo evolutivo se observa da segunda metade, na cena da criação de Adão, para o final na figura de Jonas. Existe
porém um diferencial na segunda metade, enfatizando as atmosferas reflexivas antes do que as anatomias vitais e
exuberantes. [25]
Recentemente uma restauração patrocinada por uma companhia de televisão japonesa e levada a cabo por uma grande
equipe de especialistas removeu camadas de fuligem de velas, sujeiras diversas e possíveis restauros anteriores. A opção do
responsável pelo trabalho foi remover tudo o que havia acima da camada realizada em buon fresco, o afresco puro, pintado
quando a camada de base ainda está úmida, fazendo com que ao secar as cores se fixem permanentemente incorporadas ao
reboco. O resultado foi surpreendente, mostrando uma paleta de cores brilhante e variada, muito diferente daquela que por
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Suas últimas pinturas dignas de nota foram dois grandes afrescos na Capela
Paulina do Vaticano. Depois da grande liberdade mostrada no Juízo, ambos
foram concebidos com mais rigor e menos dinamismo, ainda que estejam
entre suas obras mais expressivas pela poderosa compactação dos grupos e Michelangelo: A conversão de Saulo,
pela intensidade dramática da caracterização dos personagens. O primeiro Capela Paulina
representa a Conversão de Saulo, realizado entre 1542 e 1545, organizado em
torno da eficiente diagonal entre Cristo no céu e Saulo arrojado ao solo, cego pela luz divina, com uma grande figura de
cavalo ao centro funcionando como o eixo estrutural que equilibra toda a cena. O segundo afresco retrata a Crucificação de
Pedro, e foi terminado em 1550, a mais compacta de todas as pinturas de Michelangelo, organizada também sobre a
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diagonal formada pela cruz sendo erguida. Todo o senso de perspectiva foi ignorado e Michelangelo reverteu ao uso
medieval de representar o que está mais longe numa posição superior, com pouca distinção de proporções entre o primeiro
plano e os planos em recuo. A cena é essencialmente estática, com pouca ação, mas possui uma pungente qualidade
ritualística. [113]
Arquitetura
Vasari disse que os arquitetos do século XV haviam levado a arquitetura a um alto nível, mas careciam de um elemento que
os impediu de atingirem a perfeição — a liberdade. Descrevendo a arquitetura como um sistema de regras definidas,
declarou que os edifícios novos deviam seguir o exemplo dos antigos mestres clássicos, mantendo o conjunto em boa ordem
e evitando mistura de elementos díspares. Nessa linha de ideias, ele acrescentou que a liberdade criativa, apesar de cair
fora de algumas regras, não era incompatível com a ordem e a correção, e tinha a vantagem de ser guiada pelo juízo do
próprio criador. Michelangelo foi considerado por Vasari o único dos mestres da sua geração a conquistar essa desejada
liberdade, e cujo engajamento pessoal e individualista em todas as suas atividades, incomum numa época em que o
trabalho coletivo era a regra, abriu caminho para outros arquitetos produzirem obras cada vez mais personalistas,
buscando solucionar os problemas da construção dentro da esfera da própria arquitetura sem a antiga tutela dos literatos,
dos tratadistas e dos intelectuais, e com um novo senso de profissionalismo. Isso não impediu, contudo, que elementos
clássicos continuassem a ser empregados, mas numa abordagem eclética e experimental, e se adequando a novos conceitos
de habitabilidade, função e conforto. [114]
Seu primeiro trabalho arquitetônico foi o desenho de uma nova fachada para a
Basílica de São Lourenço, em Florença, executado a pedido de Leão X em
1515. O plano possui dois pisos de igual importância, estruturados em dois
blocos laterais dispostos simetricamente em torno de um bloco central
coroado por um frontão, dentro do esquema clássico. O projeto foi
abandonado sem ser realizado. Seu projeto seguinte foi a Sacristia Nova da
Basílica, concebida na tradição de Brunelleschi, instalando uma cúpula
apoiada em cúpula pendentes sobre um volume cúbico, com paredes revestidas
de estuque intercalado com seções em pedra. A decoração interna também foi
Michelangelo: Detalhe do vestíbulo
sua, criando tumbas para dois Medici de feição arquitetural nas laterais e
da Biblioteca Laurenciana
aplicando elementos arquiteturais simplesmente decorativos que subvertem as
suas funções primitivas, como tabernáculos vazios sobre as portas, janelas
cegas e pilastras sem capitéis. A Biblioteca Laurenciana, também anexa à
Basílica, é da mesma forma inovadora, especialmente o espaço do vestíbulo,
cuja verticalidade é de todo incomum. Também faz uso de elementos
arquiteturais desvinculados de sua função, como as janelas cegas e pilastras
sem base, apoiadas apenas sobre consoles, além de agrupar os elementos de
forma muito compacta. A peça mas notável no vestíbulo é a escadaria, tratada
de maneira escultórica como um volume de grande independência em relação
Michelangelo: Projeto da praça do à estrutura do edifício. As salas para a guarda dos livros e para a leitura são
Capitólio, Roma
convencionais, amplas e espaçosas na tradição das bibliotecas conventuais
medievais, demonstrando um entendimento das necessidades funcionais do
espaço. [115]
Em 1534, com esses projetos ainda em andamento, Michelangelo mudou-se para Roma. Ali seu primeiro projeto foi a
remodelação da praça na colina do Capitólio, que desde o Saque de Roma em 1527 estava em ruínas. O papa Paulo III havia
recentemente instalado no centro da praça uma importante relíquia romana, a estátua equestre de Marco Aurélio, e
Michelangelo foi incumbido de prover um cenário urbanístico para ela, numa obra que tinha grande importância cívica.
Michelangelo encontrou a área já ocupada por dois palácios arruinados dispostos em um ângulo arbitrário, com um outro
no fundo da praça. Aproveitou a disposição original dos palácios e criou um espaço intermédio trapezoidal, em cujo centro
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Desenho
A maior parte dos desenhos de Michelangelo que sobrevivem são esboços
preparatórios para suas obras em escultura e pintura. Não obstante, possuem
qualidades que os tornam obras de arte por si mesmos, e demonstram uma
habilidade consumada no tratamento da forma, nos efeitos de luz e na
descrição da anatomia e do movimento. Era capaz de obter efeitos de volume
muitas vezes com o simples controle da espessura do traço. O estudo dos seus
desenhos lança luzes valiosas sobre o seu processo criativo e sobre as
mudanças na concepção de uma obra, e existem vários deles que jamais foram
transportados para outros formatos, permanecendo como testemunhos únicos
Michelangelo: Estudo para o Adão
de uma dada ideia. Mas nem todos foram concebidos como estudos, da Capela Sistina, c. 1510. Museu
presenteou seus amigos várias vezes com obras acabadas, e realizou alguns Britânico, Londres
retratos, o que indica que ele considerava esta técnica como um território
autônomo da arte. Dava-lhes grande valor, e os guardava ciosamente. O domínio do desenho era enfatizado quando
ensinou seus poucos alunos, recomendando que eles o praticassem sem cessar, muitas vezes provendo desenhos seus para
que copiassem. O desenho também lhe serviu como meio de divulgação de suas ideias, e após 1550 realizou vários para
serem transportados para a pintura por outros artistas. [118]
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Poesia
Na opinião de Alma Altizer, Michelangelo foi um poeta extraordinário, e em seus melhores momentos foi capaz de
expressar uma poderosa unidade de visão que os torna ao mesmo tempo rústicos e sofisticados, arcaicos e contemporâneos,
obscuros e cristalinamente claros. Buscava com eles poder expressar "os movimentos internos de sua alma". Para a
pesquisadora sua força deriva de sua capacidade de condensar nos poucos versos de suas formas favoritas, o soneto e o
madrigal, uma vasta gama de significados e uma rica pletora de imagens poéticas, penetrando fundo na dialética inerente à
vida humana. Nos cerca de trezentos poemas e fragmentos que chegaram aos dias de hoje é recorrente a exploração de
antíteses — imaginação e realidade, criação e destruição, sujeito o objeto, espírito e matéria, amante e amado, dor e prazer,
vida interior e exterior, beleza e feiura, vida e morte. Suas primeiras obras são muitas vezes inacabadas, convencionais e
derivativas de Dante Alighieri e Petrarca, e também da filosofia escolástica em sua maneira de lidar com os paradoxos
morais e religiosos, mas com o passar dos anos desenvolveu uma técnica sintética original que lhe possibilitou manejar as
antíteses em vários planos simultâneos. Girardi apontou como outras características de sua poesia uma tendência a
abstrair e interiorizar as imagens e expressões formais que herdou de seus modelos, uma recusa a usar conceitos de
maneira simplesmente ornamental como um fim em si mesmos, e uma capacidade de evitar circunlóquios e ir diretamente
ao ponto desejado, o que lhes empresta uma grande força persuasiva e os anima como imagens de uma experiência
verdadeira. [120] A seguir um madrigal composto para Vittoria Colonna:
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Para Altizer este poema exemplifica o melhor da produção de Michelangelo. O uso de palavras em sua forma toscana
arcaica, como fora, foco, volta, opra, fratta, tragge, reforça a atemporalidade do conceito de que o amor é uma força ao
mesmo tempo criativa e destrutiva, e que a produção de uma obra de arte de prata ou ouro, significando sua alta qualidade,
muitas vezes exige o sacrifício do artista, que se rompe em pedaços para trazê-la à luz. Também condensa em poucas
linhas a relação da arte com o amor e o desejo insaciável pela beleza infinita, e a noção de que a alma do artista é
incompleta sem a presença da sua musa. Essa condensação é possível graças ao uso de formas sintáticas compactas,
invertidas ou interpoladas e pela escolha de poucas palavras-chave que por si trazem junto uma série de conceitos
associados. [120] Apesar de suas altas qualidades, a maior parte de sua obra poética não foi escrita senão para ele mesmo e
para um reduzido círculo de amigos. Vários poemas foram registrados em fragmentos de papel, ou em meio a outros
escritos, como se fossem pensamentos paralelos que ele captou de passagem. Uma vez pensou em publicar cerca de uma
centena deles, mas seu editor faleceu antes de terminar o trabalho e ele não retornou ao projeto, mas alguns apareceram a
público sem seu consentimento, e foram considerados obras preciosas. [122] Berni o elogiou com um terzetto onde dizia:
Benedetto Varchi nas homenagens fúnebres a Michelangelo igualou sua poesia às suas realizações nos outros campos da
arte. Mesmo assim, essa apreciação não era generalizada, e somente em 1623 surgiu uma coletânea, obra de seu sobrinho-
neto Michelangelo, o Jovem, mas largamente corrigida, atualizando a linguagem e expurgando-a de alusões homoeróticas
e de declarações consideradas inaceitáveis para a moral e a religião. Esta edição foi a única disponível até o século XIX,
quando as adulterações do editor foram em boa parte removidas e as poesias restauradas a uma forma bastante próxima da
original. O interesse nesse momento era já significativo, mas sua tradução para outras línguas era considerada
extremamente difícil. Uma edição completa só foi conseguida por Cesare Guasti em 1863, mas padecia de problemas
editoriais sérios. Em 1897 Carl Frey ofereceu o primeiro trabalho realmente erudito de edição, catapultando a produção
poética de Michelangelo para um patamar muito mais elevado de atenção do público, tornando-se canônico por cerca de
sessenta anos, embora ainda apresentasse algumas deficiências. Em 1960 Enzo Girardi publicou outra edição completa,
muito superior, oferecendo uma versão em italiano moderno ao lado de uma versão restaurada que se tornou referencial, e
provendo uma ordenação cronológica baseado na evolução da caligrafia de Michelangelo, o que possibilitou estudar o tema
em relação à sua evolução artística como um todo e com os acontecimentos de sua vida pessoal. O quadro formado a partir
disso é que ele só começou a escrever depois de 1503, produzindo quatorze poemas até 1520. Desta data até 1531, mais
trinta ou quarenta, e entre 1532 e 1547, cerca de duzentos, divididos em três grupos: o primeiro dirigido a Tommaso dei
Cavalieri, expressando uma intensidade de amor que tornava seu destinatário o epítome de tudo o que de bom poderia haver
no mundo, unindo de maneira sem igual a beleza do corpo e do espírito; o segundo, dirigido a Vittoria Colonna, igualmente
intenso afetivamente mas mais inclinado à religiosidade; e um grupo para uma destinatária desconhecida, a dama bela e
cruel, possivelmente uma figura simbólica e não uma pessoa real, tratando de temas variados não relacionados ao amor. A
última fase é a mais eclética, e só pode ser agrupada pela cronologia, mas um tema comum é a religião, expressando seu
desejo de paz e perdão por seus pecados. Depois da contribuição de Girardi as edições e traduções se multiplicaram, e até o
fim do século XX somente em inglês apareceram cinco edições completas. Entretanto, na própria Itália ele está longe de ser
uma unanimidade entre os críticos, e nomes importantes como Benedetto Croce e Giuseppe Toffanin consideraram sua
poesia pobre, pouco original e seriamente defeituosa. [123] Curiosamente o próprio autor escreveu comentários ao lado de
vários poemas denegrindo seu mérito, mas ele não estendia essa opinião ao conjunto de sua obra poética, e escreveu a
Jacob Arcadelt agradecendo-lhe ter musicado um deles, e a Varchi por uma palestra altamente laudatória que proferira em
Florença sobre esta faceta de sua carreira; além disso, como se disse antes, ele pelo menos uma vez tencionou publicar uma
coletânea substancial. [124] Seus poemas foram musicados várias vezes ao longo da história, por compositores como
Costanzo Festa, Bartolomeo Tromboncino, Jacob Arcadelt[125] Dmitri Shostakovitch, Hugo Wolf, Richard Strauss, Luigi
Dallapiccola e Benjamin Britten. [126][127]
Correspondência
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Michelangelo era um assíduo correspondente; sobrevivem quase quinhentas das incontáveis cartas que escreveu para os
mais diferentes destinatários, embora estes tenham sido principalmente seus familiares, amigos, agentes e patronos. Elas
são uma fonte da maior relevância para se formar uma ideia mais completa de sua vida, personalidade e obra. Em várias
delas se encontram exemplos de sua poesia, e em sua prosa exibem, segundo George Bull, um dialeto toscano robusto e
fluente, capaz de transitar entre uma linguagem rica e florida e asserções diretas e objetivas, muitas vezes de dura crítica,
expressando uma imaginação viva e complexa, uma posição ambivalente sobre várias coisas e uma sensibilidade refinada
e passional, muitas vezes coloridas por um fino senso de humor, mas que às vezes chegava ao grotesco. Não raro abordou
temas centrais da vida humana — a morte, a religião, o amor e a ambição. Usava muitas metáforas de grande vivacidade e
sua habilidade com os jogos de palavras era grande. [128] Segue uma carta dirigida a Tommaso dei Cavalieri em dezembro
de 1532:
"Lionardo, me escreves que vens a Roma neste setembro com o Guicciardino. Digo-te que não é uma
boa hora, pois não farias senão aumentar as minhas preocupações, além das que já tenho. E digo isso
também para Michele, porque estou tão ocupado que não tenho tempo a perder convosco, e todas as
outras coisinhas me aborrecem demais: só por isso te escrevo. É preciso preparar a quaresma, te
mandarei dinheiro para que te ajeites bem, para que não chegues aqui como uma besta. Escrevi também
a Michele, e aconselha-o que também ele se apronte para fazer uma boa quaresma, pois ficarei aliviado;
mas talvez haja qualquer coisa que ele precise fazer em Roma em setembro. Isso não sei, mas se não for
o caso, de novo aconselho que não venham antes desta quaresma, porque em setembro não terei tempo
de qualquer forma para falar convosco, ainda mais que o Urbino que está comigo vai em setembro a
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Urbino e me deixa aqui sozinho com tanto a fazer. Mas não me faltará alguém que me providencie a
comida! Lê esta carta para Michele e pede-lhe que se prepare para esta quaresma como eu disse. E anda
a treinar a escrita!, que me parece que tu pioras a cada dia."[130]
Michelangelo foi o primeiro artista ocidental a reivindicar consistentemente sua independência criativa, e o prestígio de
que desfrutou em vida, tornando-o um iluminado, um ser tocado pelo divino, desencadeou um processo de inversão das
hierarquias do sistema de produção e consumo de arte que culminou na visão romântica do artista como um gênio isolado,
incompreendido, semilouco, preocupado apenas com a expressão de si mesmo, atormentado por anelos insatisfeitos pelo
infinito, à frente de seu tempo, perseguido por filisteus insensíveis e absolutamente livre de obrigações sociais ou morais
para com seu público. [135]
As primeiras análises substanciais da obra de Michelangelo apareceram nas duas biografias que foram escritas sobre ele
enquanto ainda estava vivo, embora não se possa a rigor dizer que fossem críticas; são antes elogios efusivos ao seu talento
e caráter pessoal. A primeira foi incluída no compêndio biográfico de Giorgio Vasari, As vidas dos mais excelentes
pintores, escultores e arquitetos (1550). O texto inicia dizendo que "o benigno Regente dos Céus, vendo quão
infrutiferamente os artistas se esforçavam para aperfeiçoar a arte, decidiu enviar à Terra um gênio capaz de, sozinho,
levá-las todas à perfeição consumada". Mesmo com todo o elogio, Michelangelo, ao ler o trabalho, não ficou inteiramente
satisfeito. Assim, seu discípulo Ascanio Condivi em 1553 escreveu sua Vida de Michelangelo Buonarroti, que contém dados
fornecidos pelo próprio artista, mas mesmo esta versão de sua história não foi considerada de todo fiel, e contém muitos
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erros factuais importantes. Mas o tom da narrativa é o mesmo de Vasari. Por exemplo, ao descrever os afrescos da Capela
Sistina, disse que ali estava tudo o que era possível fazer com a forma humana. Por outro lado, possui muita informação
valiosa, e foi usada como uma das fontes de Vasari para sua segunda edição das Vidas, de 1568, que se tornou um texto
canônico sobre ele, mas não deixou de criticar vários aspectos do trabalho de seu colega. Esses estudos se esforçaram por
criar uma imagem pública de Michelangelo sob uma perspectiva heroica, divinizada e exemplar, apagam defeitos de caráter
que eram notórios para os outros contemporâneos do artista, e inclusive negam peremptoriamente os boatos que diziam ele
ser homossexual; Condivi chegou ao ponto de assegurar que ele era tão casto quanto um monge. [136] Os elogios a ele em
seu tempo foram incontáveis, e além do que Vasari e Condivi disseram, acrescentem-se mais alguns a título de ilustração:
Benedetto Varchi disse que seu talento incomparável seria reconhecido até entre os bárbaros; Perino del Vaga o chamou de
o deus do desenho; Ariosto disse que ele estava além dos mortais, e até Rafael Sanzio, que fora seu rival, falou que dava
graças a Deus por ter nascido no tempo de Michelangelo. [137]
Expressões semelhantes foram encontradas amiúde nos séculos seguintes. Goethe, depois de ver a Capela Sistina, disse
que já não tinha prazer em observar a natureza, pois não mais encontrava nela a grandeza com que Michelangelo a
retratara;[138] foi uma influência sobre Winckelmann na sua conceitualização do Neoclassicismo, considerando-o um dos
poucos artistas modernos a igualarem as realizações dos antigos gregos;[139] foi um paradigma para todos os artistas
românticos pelo caráter autobiográfico de sua obra, pela sua paixão e ambição;[140] Yeats louvou a sua capacidade de
imitar a natureza e viu sua obra como uma confirmação de suas próprias inclinações a valorizar a vida física;[141] Freud
disse que nenhuma outra obra de arte o impressionara tanto como o Moisés, deu uma interpretação psicológica para ele
relacionando-o a figuras de autoridade e à força da justa indignação, e viu em seu idealismo patriarcal uma expressão
concreta da mais alta conquista intelectual possível para a humanidade. [142] Foi admirado até por artistas das vanguardas
iconoclastas do século XX, como Henry Moore, que o chamou de sobre-humano. [143]
A despeito da tendência moderna de se estudar a arte dentro de uma óptica acadêmica que tem muito do racionalismo e
objetividade da ciência, ainda em tempos recentes são comuns expressões bombásticas para descrever sua vida e obra.
Como exemplo, Sir Kenneth Clark disse que Michelangelo foi um dos maiores eventos na história do homem ocidental, e
André Malraux o chamou de o inventor do Herói. [144] Antonio Paolucci considerou esse fenômeno como virtualmente
impossível de ser evitado, dada a enorme pressão nesse sentido exercida pela reiteração continuada de um processo de
deificação acrítica e incondicional ao longo de séculos, em uma dimensão tal que nenhum outro artista experimentou. [145]
De uma forma bastante clara, ele foi o primeiro grande artista moderno, e permanece como o protótipo do conceito de gênio
até os dias de hoje. [146]
Na cultura
Michelangelo foi um dos poucos artistas do mundo erudito que puderam penetrar na cultura popular e criar um folclore a
seu respeito. Ele deu o nome a uma quantidade de pessoas, estabelecimentos de ensino, empresas e produtos comerciais de
vários tipos, incluindo uma mão biônica. [147] É nome de um vírus de computador, [148] de um grande transatlântico, [149] de
um asteroide, [150] de uma cratera no planeta Mercúrio, [151] de uma das Tartarugas Ninjas, [152] e sua figura foi retratada no
cinema, sendo considerado um clássico o filme The Agony and the Ecstasy (1965), dirigido por Carol Reed e com Charlton
Heston no papel do artista. [153]
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Ver também
Pintura do Renascimento
História da pintura
História da escultura
Trattato della Pittura
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Database
Ligações externas
Casa Buonarroti (http://www.casabuonarroti.it/english/e-home.htm). Página oficial
Michelangelo (http://www.pitoresco.com.br/universal/michel/michel.htm) - Pitoresco.com
Saiba mais sobre Michelangelo, o "Divino" (http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69910.shtml). Folha
Ilustrada, 1 de abril de 2007
The Digital Michelangelo Project (http://www-graphics.stanford.edu/projects/mich/). Stanford Computer Graphics
Laboratory
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