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SILVA, Franklin Leopoldo e. DESCARTES a metafísica da modernidade. 2ª Ed. São Paulo : Moderna, 2005.
A radicalização da dúvida
A passagem da representação subjetiva à existência exterior só acontece com a garantia de total
objetividade que só pode ser dada por uma representação indubitável. E o processo para encontrá-la
é a extensão da dúvida a todas as representações, inclusive as matemáticas.
dúvida natural: recusa do fundamento sensível do conhecimento, tudo que se relacione com
o conhecimento sensível é falso. Toda e qualquer representação relacionada com à
percepção de coisas exteriores são objetos de dúvida. Excluindo elementos últimos do
sensível como o tempo, o espaço, o número, a relação e outros do mesmo gênero, que
Descartes denomina: “coisas matemáticas”.
dúvida metafísica: dúvida provisória, “a possibilidade de um deus enganador”. Hipóteses?
DESCARTES E O CETISCISMO
Descartes pratica a dúvida para se desembaraçar das certezas adquiridas sem o exercício metódico
da razão, por isso é comparado, por muitos teóricos, com os céticos. O que o levou à esta prática foi
a observação da variabilidade das opiniões e a constatação da fragilidade do conhecimento sensível.
Os céticos helenistas pregavam a suspensão do juízo sobre todas as coisas como forma de encontrar
o equilíbrio e a serenidade, num estado de desinteresse teórico motivado pela impossibilidade de se
atingir a verdade acerca de qualquer coisa. Nem por isso deixaram de combater aqueles que
propunham concepções do universo como conjunto de certezas.
No século II a.C. “Carnéade apresenta argumentos que se aproximam de uma perspectiva teórica:
Não há critério interno para diferenciar a percepção falsa da verdadeira, pois o que temos acesso
imediatamente são os objetos tais como os sentidos os representam. Este caráter subjetivo da
representação nos impede de tomar, em igualdade de condições, os dois termos que seriam
necessários para avaliar a adequação: a representação no sujeito e a própria coisa. Não há, com
efeito, maneira de nos relacionarmos com as coisas fora da representação. O máximo que podemos
obter é a probabilidade, por meio da força e da constância de nossas representações, o que pode nos
persuadir de que o que percebemos corresponde às coisas.”
Esta persuasão nos leva a ter uma certeza relativa aos fenômenos, coisas tais como nos aparecem, já
que o critério é interno ao sujeito. O que há são opiniões, talvez umas mais prováveis que outras,
mas separadas do ideal de verdade absoluta.
O CETICISMO DE MONTAIGNE
Montaigne, que no sec. XVI uma crítica de caráter cético em relação ao conhecimento, à moral, à
política e à própria racionalidade, baseada na instabilidade e na variabilidade das opiniões humanas,
exerceu forte influência também no pensamento de Descartes.
Montaigne utiliza para suas reflexões o procedimento cético de mostrar a relatividade dos produtos
da razão: a impossibilidade de certeza definitiva em vários campos, inclusive da filosofia: a
interferência constante das paixões comprometendo uma postura que se pretende puramente
racional. Montaigne tem uma profunda consciência da interpenetração entre intelecto e
sensibilidade, razão e paixões, que faz do homem uma criatura mista e, inexplicável. Daí a
dificuldade em aceitar uma objetividade total do conhecimento.
E o ponto entre os dois é que é o eu que consta a relatividade, mas a consciência não encontra
repouso nestas diferentes formas da existência do homem, nem como certeza científica nem mesmo
como princípio filosófico nem morais. A aspiração da universalidade se choca com a variabilidade
dos costumes, crenças e opiniões, então não há como buscar a certeza em qualquer das afirmações
humanas.
Como solução resta à subjetividade percorrer todas as certezas estabelecidas pelo homem mas sem
se estabelecer em nenhuma delas. O eu tem o privilégios da reflexão, porém não tem a firmeza do
fundamento.
EM BUSCA DA CERTEZA
Descartes busca a consistência do fundamento, e se distingue dos céticos acadêmicos na medida em
que não julga que a certeza seja impossível de atingir, já que a dúvida é um exercício para realizar
seu projeto de reconstrução do saber. A dúvida é um método que leva à verdade.
Para Descartes a dúvida não é para abalar as certezas como em Montaigne, é para destruí-las para
recomeçar, assim como invalida o fundamento sensível do conhecimento, a certeza das certezas
materiais. É preciso descrer radicalmente do conhecimento adquirido sem método para aceitar
inteiramente o novo processo metódico de construção da ciência.
3. A CONSTRUÇÃO DA FILOSOFIA
Crítica do aristotelismo tomista: física e metafísica
O sentido da crítica
O trabalho filosófico de Descartes repousa sobre a refutação de certos conceitos da tradição
aristotélico-tomista, ou seja, da síntese elaborada principalmente por São Tomás de Aquino, no
século XIII, entre a filosofia de Aristóteles e a doutrina cristã, e que era muito viva ainda em sua
época. Esta refutação cartesiana é mais uma substituição de conceitos pelas suas idéias, que veio
introduzir profundas modificações nos fundamentos da ciência.
O conceito de forma substancial, um dos alicerces da filosofia tomista, foi refutado desde os
primeiro escritos de Descartes.
O objeto da crítica
Em Aristóteles Forma/Matéria e Ato/Potencia são dois pares de noções estratégicas. A matéria se
determina ao receber uma forma, a potência é a possibilidade que se realiza concretamente pela
determinação de um ato. Uma substância é então potência atualizada, ou matéria que ganha uma
determinada forma, um algo. Toda substância compõe-se de forma e matéria, e a forma é o ato que
faz com a substância exista de maneira determinada. Conhecer uma substância é conhecer aquilo
que a identifica como ela mesma e não outra: é conhecer sua forma substancial.
Para Aristóteles então a física é um conjunto de leis da natureza válidas para todos os fenômenos,
independente da essência de cada um. Estudar a natureza será principalmente considerar o
movimento ou a mudança. Por movimentos entende não só as várias passagens de um estado a
outro, como também a geração de algo que não exista, o nascimento, que vai ser compreendidos
enquanto mudança de qualidade ou movimento de um lugar para o outro. Entende que o nascimento
ou geração é a mudança mais relevante que ocorre no mundo físico, por isso é o movimento que de
alguma maneira recobre e explica os outros.
Toda mudança, então para Aristóteles, é a geração de um efeito por uma causa, concepção foi
tomada como muito importante para a física, pois aí está o estudo do movimento em termos de
causas e efeitos, que caracteriza sua física como biológica: sendo o movimento concebido por
analogia com o nascimento, ele só poderá ser estudado por meio da identificação de suas causas ou
princípios nos diversos seres existentes. A natureza de uma coisa é a sua forma. Quando essa coisa é
uma substância, a natureza é a forma substancial como seu princípio de vida. E este princípio de
vida é a alma.
Descartes julgava tudo isso inaceitável, assim como Galileu, que abandona a noção de forma
substancial, uma vez que despreza a consideração das essências qualitativas no estudo dos
fenômenos naturais. A compreensão das essências é substituída pela visão das relações matemáticas
que os fenômenos mantêm entre si. Mas a crítica de Descartes tem um alcance metafísico mais
amplo.
O Alcance da crítica
Em seu tratado Do Mundo, obra de juventude, já surge a crítica da noção de forma substancial.
Recusa a compreensão do fenômeno físico por meio de noções como forma, qualidade, ação e
outras assemelhadas. O que deve interessar na análise do fenômeno físico extensão e movimento. E
deve haver separação entre físico e psíquico.
A analogia aristotélica entre alma e natureza física é totalmente contrariada pela distinção radical
entre substância extensa e substância pensante que Descartes propõe, princípio fundador da física
moderna
A separação das substâncias impõe a escolha do ponto inicial da construção da filosofia. A
substância pensante, sujeito e fundamento do conhecimento, será esse ponto de partida.
O Alcance da subjetividade
Da dúvida à certeza
A subjetividade em Descartes é um o ponto fixo e seguro e por isso deverá revestir-se das
características de princípio e substancialidade
Para Descartes, o limite da dúvida é a descoberta do pensamento. O exercício da dúvida leva à
constatação da existência de um resíduo indubitável suposto no próprio ato de duvidar: o
pensamento, e a radicalidade da dúvida faz com que o pensamento seja descoberto na sua
singularidade absoluta. Penso, logo existo.
O Encontro do Pensamento
O pensamento é o conjunto dos conteúdos da consciência. Toda consciência interna é pensamento, e
o pensamento recobre toda e qualquer representação. As representaçãoes são valores de conteúdos
de consciência, que é o campo inicial onde se exercerá o método por meio de uma inspeção do
espírito.
Não é preciso fazer distinção entre o pensamento e o sentimento, a representação implicada no
sentimento faz com que sentir seja pensar, então o pensamento é condição da representação do
sensível. Do ponto de vista da representação, posso abstrair o julgamento acerca da verdade ou
falsidade do que é veiculado pela imagem: nem por isso a representação enquanto tal deixará de
existir pois ela é a verdade do pensamento. Apesar de que no sentimento e na sensação, o corpo e os
sentidos desempenhem algum papel, o que interessa a Descartes e é encontrar nesse estado
primeiramente a consciência do sentimento, o que equivale a pensamento.
O pensamento e a existência do pensamento são indissociáveis que significa a descoberta de si
mesmo como ser pensante. E ser pensante requer uma atualidade do pensamento, ou seja: Penso,
logo existo significa também existo enquanto penso.
IDÈIA E REALIDADE
O alcance do fundamento subjetivo
A subjetividade ganha os contornos de um incondicionado que responderia às exigências de um
ponto fixo e seguro, verdadeiro alicerce, que se estava procurando.
Sendo o “eu pensante o ponto de apoio e fundamento da ciência; a cadeia de razões que a partir dele
se constrói metodicamente se beneficia de sua verdade. Mas ele também é atual: só vale no ato de
pensar-se. Sendo assim, a clareza e a distinção como regra subjetiva geral, quando não beneficiadas
pelo pensamento atual, deixam de valer como regra geral, uma vez que as representações claras e
distintas ficam com sua evidência comprometida pela possível existência do Deus Enganador. A
ciência, dessa forma, não somente seria apenas subjetiva, como careceria de duração e necessidade
no tempo, pois estaria subordinada à instantaneidade da consciência do Eu pensante. Seria subjetiva
no sentido restritivo, o sentido em que subjetivo se opõe a objetivo.”