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Cantoria de Pé de Parede: a atualização da

cantoria nordestina em Brasília

PATRÍCIA SILVA OSÓRIO

resumo Formada por um contingente mi- uma enorme invasão, resultado da destruição
gratório bastante signi�cativo, notamos na dinâmi- de antigos acampamentos era transferida para
ca urbana da cidade de Brasília a presença de grupos uma área nas proximidades de Taguatinga. As-
que atualizam manifestações culturais identi�cadas sim nasce a Ceilândia, conhecida na época pelas
com seus contextos de origem. Este artigo se ocu- siglas CEI, Centro de Erradicação de Invasões.
pa de um desses grupos, os cantadores nordestinos A CEI se transformou na residência de muitos
– também conhecidos como repentistas – e de um trabalhadores nordestinos da construção civil.
evento em particular, a Cantoria de Pé de Parede. A Ceilândia é o local apontado pelos can-
Analisando o cenário no qual a manifestação é atu- tadores como sendo um reduto da cantoria
alizada, as formas poéticas utilizadas, a importân- nordestina. Nos �nais dos anos sessenta (nas
cia da comensalidade e da idéia de conterrâneo, o imediações do que hoje é o centro comercial da
objetivo é indicar algumas facetas do modo como cidade), os encontros eram feitos no “Bar do
esses poetas populares constroem imagens acerca da Galego”. Após alguns anos de funcionamento,
cantoria, da tradição, de Brasília e do Nordeste. o estabelecimento mudou de proprietário e foi
palavras-chave Cantadores nordestinos. renomeado como o “Bar do Gouveia”, mas os
Performance. Tradição. Pertencimento. encontros não pararam. Atualmente, o ponto
de encontro da cantoria nordestina não é nos
Em 1957, quando a nova capital federal era bares. Foi construído um local especí�co para a
formada pelo Núcleo Bandeirantes e por qua- divulgação da cantoria: a Casa do Cantador.
torze acampamentos, foi realizado um primeiro Existem outras Casas do Cantador dis-
recenseamento que indicava a presença de qua- tribuídas pelo Brasil: Teresina, São José do
tro mil pessoas. O contingente populacional Egito, Campina Grande, Rio de Janeiro, etc.
compunha-se basicamente por trabalhadores Da mesma forma que a Casa do Cantador na
não quali�cados (cujas procedências eram pre- Ceilândia, elas surgiram com o objetivo de di-
dominantemente dos Estados de Goiás e Minas vulgar e manter manifestações culturais ligadas
Gerais) que vinham trabalhar na construção ci- à literatura de cordel e à cantoria nordestina.
vil (Sousa 1983: 34). Em 1958, chegaram cerca No entanto, a Casa do Cantador localizada no
de cinco mil nordestinos, impulsionados pela Distrito Federal apresenta uma particularidade
grande seca que assolava a região Nordeste. À frente às demais: ela é uma instituição pública.
medida que crescia a população, aumentava o Financeiramente, a Casa depende exclusiva-
estabelecimento de moradias por invasão. Vi- mente das verbas liberadas pela Secretária de
sando solucionar o problema habitacional da Cultura do Distrito Federal. Se por um lado tal
nova capital, surgem as cidades-satélites: em peculiaridade pode implicar no enfretamento
1958, Taguatinga; em 1959, Sobradinho; em de sérios problemas �nanceiros, vivenciados
1960, o Gama (Ribeiro 1982: 119). Em 1971, constantemente pela instituição, por outro

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lado, o fato de ser uma entidade pública signi- mesmo arquiteto que projetou Brasília. Foram
�ca muito para os cantadores nordestinos em os cantadores que, unidos e mobilizados, �ze-
Brasília. ram a reivindicação ao Governador do Distrito
O “mito” de fundação da Casa do Canta- Federal para a construção da Casa. A Casa do
dor na Ceilândia marca o ano de 1985 como Cantador é apreendida como uma conquista.
o pontapé inicial para a construção da entida- A ligação com o poder público assume um lu-
de. Em 1985, aconteceu um Festival de Re- gar importante na forma como os cantadores
pente em Brasília, organizado pela Associação constroem a instituição. O fato de ser uma
de Moradores da Ceilândia. Os cantadores instituição pública sugere um reconhecimento
do Nordeste se uniram aos que aqui estavam formal por parte das instâncias administrati-
e foram à residência do então Governador do vas e políticas. O relato de fundação da enti-
Distrito Federal, José Aparecido, reivindicar a dade faz parte de todo um contexto, acionado
construção da Casa do Cantador. A idéia era pelos cantadores, que pretende �xar jogos de
construir um espaço para hospedar cantadores intenções. O que denominamos “jogos de in-
nordestinos de passagem pela cidade, além de tenções” corresponde às expectativas desses mi-
ser um local para a realização de grandes festi- grantes; aos processos de autoconstrução de si
vais e festas ligadas ao cordel e ao repente. No mesmos como nordestinos e como artistas; aos
ano de 1986, a Casa do Cantador foi inaugu- signi�cados de estar em Brasília; às adaptações
rada pelo Governador e pelo Presidente da Re- e inovações que fazem no novo cenário; e ao
pública, José Sarney. que selecionam em seu repertório tradicional
As dependências do prédio são amplas. No para a exibição pública. Estas são as questões
térreo, an�teatro, cozinha, dois banheiros, salas que analisaremos nas próximas páginas.
para a diretoria, secretaria e biblioteca. No an-
dar superior estão localizados os quartos e ba- Cantoria de Pé de Parede: o cenário,
nheiros destinados aos cantadores em trânsito as formas poéticas e outros ingredien-
que se hospedam na Casa. O prédio da sede tes do rito
da Casa do Cantador segue os traços de Oscar
Niemeyer. Dentre as várias construções que le- Para a adaptação e inserção em novas situa-
vam sua assinatura na capital do país, a Casa ções, indivíduos ou grupos muitas vezes recor-
do Cantador é o único projeto do arquiteto rem à idéia de tradição cultural. Em contextos
situado numa cidade-satélite. Conhecida nos migratórios, manifestações tidas como tradi-
noticiários por ser um dos locais mais violen- cionais convertem-se num estoque de símbo-
tos do Distrito Federal, Ceilândia se orgulha da los necessários e e�cazes. Lúcia Morales (1993)
obra de Niemeyer. Frente aos graves problemas exempli�ca a argumentação ao analisar a Feira
sociais, altos índices de homicídio e roubos, a de São Cristóvão, localizada no Rio de Janeiro.
Casa do Cantador é indicada por muitos cei- A concretização do evento e a história da mi-
landeses como uma das melhores coisas que gração nordestina para o Rio de Janeiro estão
existem na cidade. imbricadas. A Feira é vista pela autora como um
O mito de fundação desse espaço reservado fator de organização e atualização de uma tradi-
à atualização da cantoria nordestina na capital ção através da qual identidades são negociadas.
federal nos coloca diante de algumas questões. É o espaço onde não apenas se comunica o que
A Casa foi inaugurada pelo Presidente da Re- é ser nordestino, mas principalmente onde a
pública. Foi fruto de um projeto assinado pelo experiência de ser migrante é apropriada para a

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a�rmação e legitimação de um lugar dentro da de uma nova imagem dessa manifestação cul-
cidade de destino (op. cit.: 64). tural e de seus promotores.
A Cantoria de Pé de Parede é o principal Por ser um evento especial, a Cantoria de
evento da Casa do Cantador consagrado à atu- Pé de Parede é caracterizada por uma forma es-
alização da cantoria nordestina na capital fe- pecí�ca. Ela é também um ato performático.
deral. Analisar esse evento nos direciona para Analisar uma performance é voltar a atenção
a re�exão de temas relativos à reconstrução ao poder simbólico da comunicação humana.
das idéias do migrante nordestino e da cantoria De acordo com Victor Turner (1982), a co-
nordestina, e para as estratégias de inserção dos municação simbólica não se limita às palavras.
cantadores e da cantoria nos grandes centros Cada cultura usa seu repertório sensorial para
urbanos. transmitir mensagens. Assim, gesticulações
Em todas as sociedades existem eventos que manuais, expressões faciais, posturas corporais,
podem ser reconhecidos como rituais por serem respirações, padrões de dança e movimentos
considerados especiais (cf. Tambiah 1985; Pei- sincronizados nos dizem muito sobre seus exe-
rano 2003). Atualmente, a antropologia argu- cutores. O que o autor denomina “Antropolo-
menta em prol de uma de�nição etnográ�ca de gia da Performance” tem como objetivo trazer
ritual, apreendida pelo pesquisador em campo, os dados/atos em sua plenitude, onde desejos
junto à realidade observada. Cabe ao pesqui- e moções, estratégias pessoais e coletivas, situ-
sador desenvolver a capacidade de apreender ações de vulnerabilidade, cansaço e erros são
o que os nativos estão indicando como sendo levados em conta (op. cit.: 13). Não pretendo
único, excepcional, crítico e diferente (Peirano trazer aqui essas idéias com o objetivo de em-
2003: 09). Na esfera da Casa do Cantador, o preender uma possível Antropologia da Per-
que me era indicado como sendo especial era a formance. Os estudos de performance não são
Cantoria de Pé de Parede. Sendo assim, tomo utilizados com o propósito de contribuir para
as noites de cantoria como o rito por excelência uma discussão teórica sobre o tema, mas ape-
da Casa do Cantador. nas como um instrumento metodológico que
Pensar a Cantoria de Pé de Parede como possibilite ao pesquisador dar especial atenção
um evento ritual é sublinhar alguns de seus à dimensão gestual, cenográ�ca e comunicativa
traços fundamentais. A Cantoria exerce o pa- dos eventos rituais.
pel de reunir e congregar pessoas. Além disso, Dito isso, a Cantoria de Pé de Parede é um
o evento desvela algo sobre seus praticantes. É ato que envolve o estranhamento do cotidiano,
um momento em que imagens são construí- ou seja, acontece em ocasiões especiais; pres-
das e comunicadas. Imagens que se referem às supõe responsabilidade para com uma audi-
a�rmações da identidade nordestina, mas que ência, competência comunicativa, preparação,
também nos permite perceber que idéias sobre organização, expectativas, reações da platéia e
a tradição e o cantador estão sendo reavaliadas interações (cf. Bauman 1986; Finnegan 1992;
e ganhando novas nuanças. O evento ritual é Langdon 1999). De que modo essas caracterís-
pensado enquanto uma forma de comunicação, ticas �uem na dinâmica do evento aqui anali-
expressando representações sociais, edi�cações sado?
de imagens, modos de inserção e a�rmação do As Cantorias de Pé de Parede são eventos
indivíduo no meio urbano. É o momento pri- em que se apresentam dois cantadores ento-
vilegiado para a exibição do modo de fazer a ando versos de improviso. As noites de canto-
cantoria, do ser cantador e para a consolidação ria têm início por volta das vinte ou vinte e

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uma horas. Terminam quando os ouvintes se deles se considera músico. Segundo Dulce La-
vão ou quando a dupla de cantadores se cansa. mas (1986), a relação entre melodia cantada
Normalmente, as cantorias não acontecem no e acompanhamento musical é relativa. O ins-
an�teatro da Casa, mas em um espaço impro- trumento, executado pelo próprio cantador,
visado próximo à cozinha. O local é preparado destaca-se tão somente na introdução e nos
de modo especial. Existe um cuidado recor- pequenos interlúdios entre os cantadores (op.
rente no que se refere à disposição das mesas cit.: 38). O acompanhamento musical funcio-
e cadeiras no ambiente. As cadeiras reservadas na como um acessório nas performances dos
aos cantadores �cam encostadas numa parede. cantadores. O que é mais importante nas apre-
As mesas destinadas ao público são distribuídas sentações é a voz do poeta e o cumprimento de
de modo que �quem ao lado dos cantadores. determinadas regras do jogo, envolvendo habi-
A impressão que temos é a de que o cenário é lidades especí�cas e o manejo de determinadas
organizado como se fosse um grande quadra- formas poéticas.
do: num dos lados, os cantadores; no lado a As formas poéticas utilizadas numa canto-
sua frente, um espaço vazio; e nos dois lados ria nordestina são várias. Os versos cantados
restantes, a platéia. são construídos na forma de diferentes estilos,
A disposição espacial do cenário é arranjada gêneros ou modalidades. São alguns desses es-
para que os cantadores �quem em evidência. tilos: 1) sextilhas – um dos gêneros mais prefe-
Mesmo sem o recurso do palco, eles estão em ridos e usados pelos cantadores. Geralmente é
destaque num dos cantos do salão. Na frente utilizado no início das cantorias. São estrofes
dos cantadores não é colocada nenhuma mesa, de seis versos (pés ou linhas) em que cada verso
o espaço �ca vazio. O público evita a circulação tem sete sílabas e as rimas ocorrem entre as li-
pelo centro do salão durante as apresentações. nhas pares; 2) martelo agalopado – ritmo mais
Apesar do barulho das conversas, a atenção da acelerado. Compõem-se de uma estrofe de dez
platéia está voltada aos cantadores. Porém, o versos em decassílabos, obedecendo a seguinte
cuidado maior com a organização da cena diz ordem de rima: abbaaccddc; 3) galope à bei-
respeito apenas ao arranjo espacial das mesas e ra mar – estrofe de dez versos, obedecendo à
cadeiras de modo a evidenciar os cantadores no rima abbaaccbba. O último verso deve termi-
momento das apresentações. Não existe uma nar com a frase “beira mar” ou “beira do mar”;
atenção especial com a decoração do ambiente. 4) mote – estrofe de dez versos que pode ser de
Não notamos o uso de bandeiras, quadros e ou- sete ou de dez sílabas. Entrega-se ao cantador o
tros objetos que pudessem nos remeter à canto- conjunto dos dois últimos versos que termina a
ria nordestina. Poucos ingredientes no cenário estrofe de dez linhas. Além dessas modalidades
fazem referência à cantoria ou ao Nordeste. aqui citadas foram catalogados por pesquisado-
No momento das apresentações, os canta- res do assunto mais de setenta estilos de canto-
dores fazem uso de microfones para uma me- ria. Entre eles estão a gemedeira, os quadrões,
lhor recepção da voz. As cantorias são feitas ao martelo alagoano, Brasil Caboclo, rebatido,
som de violas ou violões, cujas a�nações são mourão, etc. (cf. Mota 1987; Seraine 1983;
bastante agudas e o acompanhamento musical Ramos 1991).
é feito pelos próprios cantadores. Na Casa do As sextilhas, os martelos e os galopes fazem
Cantador, todos os cantadores aprenderam a referência a uma série de temas. Falar sobre
tocar seus instrumentos de forma autodidata esses temas é mencionar o próprio caráter da
por meio da observação e da prática. Nenhum cantoria. “Pois, trata-se de um tipo de música

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que se constitui na interação entre intérprete tema bastante comum é o próprio desa�o entre
e ouvintes, em ocasiões especí�cas” (Travassos os cantadores. O desa�o é o momento dos can-
1989: 116). As condições do evento condicio- tadores estabelecerem abertamente uma peleja
nam o conteúdo e o desenrolar da cantoria. De entre si, quando um pretende denegrir a ima-
acordo com as reações e respostas da platéia, gem do outro por meio dos versos.
os cantadores vão elaborando seus versos. Além Além das formas poéticas citadas acima, os
de dominar a confecção de versos em diferen- cantadores lançam mão de outros recursos em
tes modalidades ou estilos, os poetas precisam suas performances. Re�ro-me às declamações
estar aptos para abordar qualquer tema que seja de poemas. Nas noites de cantoria existem mo-
sugerido pelo público. mentos dedicados às poesias recitadas indivi-
Os cantadores gostam de enfatizar que o dualmente pelos poetas. A declamação é feita
“bom cantador” é aquele que canta temas atu- de uma forma especial. Os poemas são ditos/
ais: assuntos políticos, econômicos e sociais cantados no mesmo ritmo das estrofes feitas de
do Brasil e do mundo. Segundo eles, os can- improviso, só que sem o uso de instrumentos
tadores dos grandes centros urbanos não estão musicais. Nesses momentos, apenas a voz do
mais restritos aos “regionalismos”, ou seja, não poeta ecoa pelo salão. A rima é pronunciada de
cantam apenas os aspectos da vida no sertão modo cantado e bastante acentuada. Todas as
nordestino. Não foram somente os cantadores poesias recitadas são de autoria de poetas po-
que mudaram para as metrópoles brasileiras. O pulares nordestinos.
público que comparece às cantorias também é Nas apresentações, seja recitando uma poesia
outro. Mesmo constituída principalmente por ou fazendo um verso de improviso, os cantado-
nordestinos, a platéia da Casa do Cantador não res estão sujeitos aos erros: não conseguir fazer
quer que os cantadores mencionem (unicamen- a rima, não pronunciar as palavras de forma se-
te) assuntos regionais. Assim, é muito usual a gura, etc. Os acontecimentos são imprevisíveis.
construção de versos sobre personagens da his- Mesmo assim, a utilização de pausas, silêncios,
tória do Brasil ou personalidades em voga no repetições de palavras, não são recursos valo-
momento, como Sadam Hussen e Bin Laden. rizados na performance. Essas eventualidades,
Os cantadores cantam também eventos atuais quando acontecem, prejudicam a competência
da política nacional, como o Programa Fome comunicativa do poeta frente a uma platéia em
Zero e o caso Waldomiro Diniz. permanente estado de alerta.
No entanto, apesar dos cantadores desta- Durante a performance, o público interfere
carem que cantam principalmente assuntos da por meio de palmas, risos e silêncio. A platéia
atualidade, os conteúdos de suas composições avalia, discorda, corrige, aplaude e silencia de
são vários. As oposições entre o bem e o mal são acordo com suas expectativas. O horizonte des-
freqüentes nos versos de improviso. A oposição sas expectativas abarca uma avaliação em que
ganha diferentes roupagens, podendo assumir a são consideradas: a rima dos versos; a veloci-
forma dos seguintes pares de oposição: Deus e dade com que o cantador elabora sua estrofe;
o Diabo, o pobre e rico, o citadino e o matuto. a forma como o verso é cantado – visto que o
Existem também versos dedicados aos assuntos cantador não pode gaguejar ou repetir palavras;
religiosos. Quando os improvisos abordam tais a empatia e a identi�cação do público com o
temas, notamos a forte in�uência de uma mo- enredo da estrofe. A competência comunicati-
ral cristã. Valores como o perdão e a caridade va do cantador depende de todo esse arcabouço
aparecem constantemente nas estrofes. Outro de habilidades.

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Apesar das conversas, a platéia está atenta O negro é aquele mesmo


à performance. Nas noites de cantoria é inte- Que coloca o pé no chão
ressante notar o quanto o público direciona Se vive da escravidão
sua atenção ao enunciado dos cantadores. Esta Preto da cor de café
atenção pode ser convertida numa tensão para Zumbi dos Palmares é
o cantador, que a todo o momento se vê ava- Escravo da escravidão.
liado. O desempenho do poeta vai garantir a
avaliação positiva ou negativa das pessoas que O erro não somente persistiu como o canta-
o assistem. O cantador que melhor comunica dor fez uso de palavras repetidas e alguns versos
é aquele que tem rapidez na confecção das es- parecem não fazer muito sentido. Pelo salão,
trofes, que garante a continuidade temática dos algumas vaias puderam ser ouvidas. Na platéia,
versos e que pronuncia as palavras sem hesi- a agitação era grande: risadas e comentários
tação. Demonstro a questão com um exemplo jocosos denegrindo a imagem dos cantadores
vivenciado por mim, em campo. Numa noite que não conseguiam acertar o mote e nem fazer
de cantoria, foi dado aos cantadores o seguinte versos bem feitos.
mote: “Zumbi dos Palmares é símbolo da es- A atenção do público, voltada ao enunciado
cravidão”. O primeiro cantador apresentou a dos cantadores, é garantida pelo uso de micro-
sua primeira estrofe da seguinte forma: fones que abafam as conversas e também pelas
intervenções dialógicas feitas ao longo das per-
Vejo humilde escravizado formances. Os cantadores procuram estabelecer
Todos os familiares um diálogo com a platéia. O diálogo é estabele-
Sou Zumbi de Palmares cido de diferentes formas. Uma delas acontece
Para defender seu estado nos intervalos. Nesses momentos é fornecida
Veja ele contentado uma série de explicações sobre a cantoria nor-
Que andou na contra-mão destina. As explicações são dadas por alguém
Sofreu muito lá no chão especial, o diretor da Casa do Cantador, que
Passou fome, andou de pés �ca durante o rito como o principal responsá-
Zumbi dos Palmares é vel por essa tarefa. É ele também quem recebe
Escravo da escravidão. os presentes, assumindo a função de cicerone
do evento. Abaixo, fornecemos um exemplo:
Quando o primeiro cantador pronunciou
o mote solicitado de forma errada, trocando Sejam bem-vindos! Toda a sexta-feira a gente
“símbolo da escravidão” por “escravo da escra- tem um encontro daqueles que prestigiam a can-
vidão”, algumas pessoas da platéia repetiram o toria nordestina. Toda a sexta-feira a gente escala
“mote certo” a �m de que o cantador pudesse uma dupla. A dupla participa do início ao �m da
se corrigir na próxima estrofe, e para que se- cantoria (...). Muita gente não conhece as mo-
gundo cantador não cometesse a mesma gafe. dalidades da cantoria. Sempre se começa com
Mesmo assim, este emendou: as sextilhas que é um verso feito em seis linhas.
Agora, tem o galope à beira mar, tem o martelo
Eu quero seguir a esmo agalopado, uma canção, um poema, um soneto...
Já botei no meu papel E quem souber pedir: “Quero que o cara fale so-
Mas a Princesa Isabel bre determinado assunto...”, os poetas estão aqui
Que talvez seguiu a esmo à mercê de vocês para qualquer assunto.

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Outras formas de diálogo com o públi- É importante destacar que o diálogo não é
co podem ser observadas ao longo de todo o estabelecido somente durante os intervalos da
evento. Ao recitar um poema nos intervalos da cantoria, por ocasião da recitação de poesias
cantoria, o poeta procura chamar atenção do ou da narração de piadas. O auditório pode se
público, fazendo perguntas e dialogando aber- transformar no próprio assunto da conversa, ou
tamente com ele: “Vocês conhecem aquele po- melhor, das sextilhas. Numa dessas situações a
ema? Não?! Então, eu vou recitar”. O auditório própria pesquisadora foi colocada no centro do
também pode ser usado como testemunha de debate:
uma situação de diálogo. Por exemplo, os poe-
tas podem narrar uma piada como se tivessem Patrícia que é verdadeira
vivenciado a situação. É como se o fato acon- Veio aqui pra assistir
tecesse com o próprio contador da história. A Ouvir repente bem feito
idéia é a de compartilhar um enredo não anô- Pra depois que ela sair
nimo, propiciando certa autenticidade ao rela- Comunicar às colegas
to e ao mesmo tempo despertando o interesse Que faz gosto a gente ouvir
do público.
Patrícia que veio ouvir
Eu tava vindo agora lá do Nordeste e presenciei Para nos apreciar
o acontecido. Vou contar... Tem alguém de me- Não é Patrícia França
nor aí? [pergunta à platéia] Como tem muito Nem é Patrícia Pillar
cantador que ganha dinheiro, às vezes aparece Mas gosta de cantoria
até cantador gago. Ele não era diretamente um Por isso veio escutar
cantador. É que tinha um outro rapaz que um
dia falou para ele: “Vamos comprar duas violas Segundo Paul Zumthor (1993), as interven-
e sair cantando?”. O gago disse: “A... amos!”. Aí, ções dialógicas têm uma função pedagógica: é
compraram duas violas. Na primeira fazenda que uma maneira de ensinar o momento e de ad-
chegaram, o fazendeiro disse: “É cantador? Eu vertir o público (:224). Na Casa do Cantador,
gosto demais! Ave Maria! Gosto demais! Vamos elas são utilizadas como uma forma de chamar
fazer uma cantoria hoje à noite. Vou mandar a atenção do público para o que está sendo
matar o carneiro, ajeitar o ‘tundum’...”. Como enunciado pelos narradores. As intervenções
vocês sabem, tundum é o fígado do carneiro. dialógicas são apenas uma das várias estratégias
O que aconteceu, então? À tarde, todo mundo acionadas pelo cantador para garantir a sua
foi jogar baralho. Caiu uma chuva daquelas e competência comunicativa.
até molhou o baralho. Mais tarde, o dono da Uma das questões mais interessantes nas
fazenda: “Epa, já tá cozido o tundum. Vamos apresentações dos cantadores refere-se ao uso
comer? Mas antes vou pedir para os cantado- do corpo. O corpo não é um recurso muito
res fazerem um refrão”. Aí, o cantador que não utilizado nas performances. Durante todo o
era gago disse ao gaguinho: “O que eu disser momento em que estão cantando, eles per-
você repete. O verso vai ser o seguinte: À tarde manecem sentados, tocando suas violas. O
choveu e molhou o baralho, e daqui a pouco eu corpo �ca quase que imóvel nas cadeiras. Às
como tundum”. O gago cantou: “A...arde ô... vezes, quando uma estrofe faz referência a al-
ôveu e ô...olhou o a.... aralho e a...aqui a ...ouco guma pessoa da platéia, o cantador pode tro-
eu ...como o ...um”. car olhares com o endereçado dos versos. Mas

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este recurso nem sempre é posto em prática. O possível distinguir auditivamente o som da vo-
cantador está concentrado nos versos constru- gal ou das vogais em que a rima terminaria. Tal
ídos pelo poeta que está ao seu lado, forman- estratégia é uma forma de proporcionar uma
do a dupla. No entanto, eles também não se recepção auditiva semelhante ao que se espe-
olham. O olhar está voltado para frente (lem- rava. Assim, a palavra falta, mas a intenção da
brando que o cenário é organizado de modo rima permanece.
que o espaço situado na frente dos cantadores A habilidade de fazer versos com rapidez,
esteja livre) e algumas vezes para o alto, suge- pronunciar as palavras sem hesitação e abordar
rindo a busca por concentração e inspiração. temas que provoquem uma empatia com o pú-
A gestualidade expansiva não se faz presente blico; a organização do cenário, que coloca o
nas apresentações. Porém, a “imobilidade” dos cantador no centro do espetáculo; as estratégias
cantadores não é menos e�caz: ela direciona a de utilização da voz; o andamento melódico da
dinâmica da performance à voz e às qualida- cantoria e a imobilidade gestual que direciona
des do poeta. “Os gestos – ainda que contidos o foco da atenção para o poeta; são estratégias
– contribuem com a voz para �xar o sentido” que garantem a competência comunicativa do
(Zumthor 1993: 244). cantador. A combinação desses e outros ele-
Para Mário de Andrade (1984), a melodia mentos, que veremos a seguir, possibilitam a
da cantoria é algo fundamental nesta manifes- e�cácia do ritual.
tação cultural. A monotonia da linha melódica
facilita e torna mais clara a enunciação de textos A “tradição” da Bandeja
em que importa muito o entendimento da pa-
lavra (op. cit.: 383). A melodia executada com O público das Cantorias de Pé de Parede
poucas variações (assim como a gestualidade pode ser dividido em quatro categorias: 1)
“contida” dos cantadores) direciona a atenção curiosos que pela primeira vez freqüentam a
do público para o que o cantador canta. A voz é Casa. Normalmente, essas pessoas moram na
o fator constitutivo da performance. Podemos Ceilândia, Taguatinga e imediações, sendo em
ilustrar a questão com o momento da recitação. sua maioria nordestinas; 2) estudantes univer-
As poesias são decoradas e recitadas sem o auxí- sitários que em grupos ou sozinhos sentam nas
lio de livros. Se o poeta ou o intérprete lê num mesas com seus cadernos, anotando os versos
livro o que os ouvintes escutam, a autoridade dos cantadores; 3) cantadores que prestigiam
provém do livro, objeto visualmente percebido a cantoria de seus colegas; 4) e, �nalmente, os
no centro do espetáculo. Quando o poeta canta apologistas, nordestinos admiradores da canto-
ou recita, mesmo que o texto não seja impro- ria e que contribuem com os cantadores, de-
visado e sim memorizado, sua voz lhe confere positando na Bandeja notas ou cheques, cujos
autoridade (Zumthor 1993: 19). valores variam de vinte a cinqüenta reais.
A voz é utilizada pelo cantador de modo par- Para assistir às cantorias não é obrigatório pa-
ticular e em proveito de uma possível avaliação gar ingresso ou couvert. Porém, o diretor da Casa
positiva sobre o seu desempenho. As palavras carrega consigo um caderno, onde são feitas
são pronunciadas de forma estridente. As es- anotações de temas solicitados pelo público aos
trofes improvisadas são emitidas de modo claro cantadores, como também o registro dos presen-
e em alto volume quando a rima é acertada. tes para que sejam convidados a “comparecer”
Quando o poeta não consegue a rima, o som é no momento da Bandeja. Os presentes, convi-
feito de modo rápido quase imperceptível, só é dados nominalmente pelo diretor, levantam-se

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e depositam o dinheiro numa bandeja de palha uma esmola, a Bandeja é legitimada pela idéia
colocada ao lado dos cantadores. A Bandeja é de tradição. Não obstante, a “tradição” é pen-
explicada da seguinte forma para o público: sada pelos informantes não tanto a partir de
sua relação com o passado, ou seja, como algo
Quando a gente vai assistir a uma peça teatral, concretizado no tempo. A tradição não se si-
um �lme, en�m, um show, a gente costuma sem- tua na duração, e sim na obviedade. A tradição
pre pagar na entrada. Aqui é ao contrário: não é usual e comum. É tudo aquilo que fazemos
é na saída e nem na entrada, é no meio mesmo porque devemos fazer. A Bandeja é tradicional,
(...) Essa Bandeja é tradicional (...) Muita gente assim como é tradicional comprar um ingresso
que não entende a cantoria nem o formato dela, para ver um �lme no cinema; assim como é
chama a Bandeja de esmola, correr o chapéu. tradicional pagar a entrada de um show. A Ban-
Não! Essa Bandeja é tradicional (...) A gente faz deja não tem nada de infame ou vil: o pedido
uma lista aqui (...) para ter mais praticidade (...). de dinheiro manifesta-se numa relação entre
A gente sempre tem o Cristo, vamos dizer assim iguais1.
que começa (...) Eu vou chamar o Eron para ba- Algumas questões trazidas por Eric Ho-
tizar a Bandeja... bsbawn (1997) podem ser úteis para pensar-
mos a maneira como a “tradição” da Bandeja é
A explicação é uma das estratégias utilizadas acionada nas Cantorias de Pé de Parede. Para o
pelos cantadores para valorizar uma manifesta- autor, a característica da tradição2 é a invariabi-
ção cultural profundamente atrelada à idéia de lidade de um passado que impõe práticas �xas.
subalternidade. A cantoria é uma manifestação Já o costume tem a dupla função de motor e
pensada pelo senso comum e descrita por uma volante.
literatura especializada no assunto a partir da
sua identi�cação com o meio rural e com seto- Os estudiosos dos movimentos camponeses sa-
res subalternos da sociedade (cf. Andrade 1984; bem que quando numa aldeia se reivindicam
Barroso 1949; Campos 1973; Cascudo 2001; terras ou direitos comuns “com base em costu-
Maxado 1984; Mota 1987; Romero 1888). mes de tempos imemoriais” o que expressa não
Para alguns desses autores, muitos cantadores é um fato histórico, mas o equilíbrio de forças
utilizaram a cantoria como forma de renunciar na luta constante da aldeia contra os senhores da
à mendicância ou como uma possibilidade de terra ou contra outras aldeias (...). O “costume”
abandonar os trabalhos na roça e sobreviver não pode se dar ao luxo de ser invariável (...).
nos centros urbanos. No entanto, percebemos
que a todo o momento, seja nas conversas ou 1. Um exemplo dessa questão pode ser visto na análise
na dinâmica dos eventos da Casa do Cantador, de Paul Zumthor (1993) sobre os pedidos de dinhei-
os cantadores procuram construir uma nova ro feitos no momento do canto por trovadores me-
imagem da cantoria nordestina. O momento dievais na Europa (: 63).
de explicação sobre a Bandeja é um exemplo 2. Pensada no sentido de tradição inventada: “um con-
junto de práticas (...) de natureza ritual ou simbólica
dessa tentativa.
que visam inculcar certos valores e normas de com-
Os informantes evocam a idéia de tradição portamento através da repetição, o que implica (...)
para tornar ímpar o momento da Bandeja. Para uma continuidade com o passado (...). Elas são re-
os cantadores, “correr o chapéu” é esmolar ou, ações a situações novas que ou assumem a forma de
na melhor das hipóteses, uma espécie de gor- referência a situações anteriores, ou estabelecem seu
jeta. Diferente de uma simples gorjeta ou de próprio passado através da repetição quase obrigató-
ria” (Hobsbawn 1997: 09-10).

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O direito comum ou consuetudinário ainda exi- proposta. As transformações ocorridas com


be esta combinação de �exibilidade implícita e a cantoria, principalmente quando seus pra-
comprometimento formal com o passado. Nes- ticantes atingiram os centros urbanos, impli-
se aspecto, a diferença entre “tradição” e “costu- cou a apreensão de novos códigos típicos da
me” �ca bem clara. “Costume” é o que fazem os modernização e identi�cados com os setores
juízes; “tradição” (no caso, a tradição inventada) dominantes da sociedade nacional4. Os códi-
é a peruca (...) e outros acessórios e rituais que gos dessa aparência não são aqueles do típico
cercam a substância, que é a ação do magistrado vaqueiro do sertão nordestino, e sim de uma
(op. cit.: 10). sociedade urbanizada e muito diferente da re-
alidade rural. Apropriando-se de alguns desses
A Bandeja se refere ao que fazem os canta- códigos, os cantadores se vestem nas noites de
dores. Ela não é acionada como um acessório cantoria e acionam a “tradição” da Bandeja.
simbólico. O seu sentido não tem uma função A indumentária utilizada nas apresentações
simbólica precisa. O seu uso no ritual tem um e as explicações para o momento da Bandeja
objetivo prático. Com o tempo, o costume da re�etem a maneira como os cantadores tentam
Bandeja pode até ter sido transformado num se construir: eles são artistas. A autoconstrução
aspecto formalizado das Cantorias de Pé de Pa- do cantador-artista implica a elaboração de
rede. No entanto, sua função é técnica, prática uma série de noções e o compartilhamento de
e de direito: a Bandeja é um pagamento pelos códigos sociais. O cantador-artista precisa ter
serviços prestados pelos cantadores. uma preocupação excessiva com o uso correto
A indumentária utilizada pelos protago- da língua portuguesa e estar profundamente
nistas do ritual também pode ser citada como familiarizado com assuntos da atualidade po-
mais uma estratégia de construção de outras lítica, econômica e social do país e do mundo.
imagens acerca da cantoria e de seus execu- Pensar a cantoria enquanto arte é principal-
tores. Sendo identi�cados com o contexto de mente fazer menção a um determinado contex-
um Nordeste pastoril, poderíamos imaginar to: o urbano. Ao aproximar a cantoria da idéia
os cantadores usando em suas apresentações de arte, os cantadores se afastam da vincula-
roupas de couro e chapéu de vaqueiro. Mas, ção ao ambiente rural. A formulação da noção
em todas as performances na Casa do Can- de cantoria artística é uma forma de inserção
tador, os cantadores trajam calças sociais, numa nova realidade.
blusas de mangas compridas, cintos, sapatos
engraxados e alguns capricham no perfume. Conterrâneos e comensalidade
Ivanildo Vila Nova, um dos mais respeita-
dos cantadores da atualidade, numa entre- A Casa do Cantador pode ser pensada como
vista ao Jornal do Brasil, comenta indignado uma forma de lazer, de entretenimento e de
e alinhado em paletó e camisa social: “você diversão no contexto urbano. No entanto, ela
imagina que uma emissora de TV queria que é principalmente um local de encontro, cujo
a gente usasse chapéu de couro e peixeira?”3. motivo da reunião não é tanto o fato de que
Os cantadores residentes no Distrito Federal as pessoas ali presentes pertencerem ao mesmo
também se mostrariam indignados frente a tal
4. Eduardo Diatahy Menezes (1999) mostra essas trans-
3. Entrevista dada à jornalista Helena Aragão (Jornal do formações e apreensões de novos códigos nas narrati-
Brasil), realizada em 19/06/04 e disponível em www. vas populares de versos escritos, como a literatura de
nordesteweb.com/not04_0604/ne_not20040618b. cordel.

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bairro, mas de estarem identi�cadas com um Pra gente comer com cuscuz
tipo de manifestação cultural, a cantoria nor- Quem vai ao sertão e volta
destina. Vê a cara de Jesus
A identi�cação com a cantoria nordestina (Casa do Cantador – Francisco Nunes,
leva à identi�cação com um espaço, o Nor- 21/11/03).
deste. Conforme vimos, tal ligação não está
expressa na decoração do ambiente. Eles não A valorização não é só de objetos considera-
lançam mão de “objetos típicos” para compor dos típicos da região, mas também de seu povo.
o cenário das Noites de Cantoria. Os intérpre- O tipo social do nordestino é construído a partir
tes não usam uma indumentária especí�ca ca- das seguintes qualidades: honestidade, força de
paz de sugerir uma identi�cação com a região. vontade e capacidade de superar as adversidades:
Mecanismos desse processo de identi�cação
podem ser analisados a partir da idéia do con- O Nordeste não engana
terrâneo, da comensalidade e dos conteúdos de Que se parece um porvir
algumas composições dos cantadores. Honesto pai de família
Apesar de destacarem que não cantam ape- Vai o pão adquirir
nas assuntos regionais, os versos entoados pelos A mulher pegando o braço
cantadores que abordam o Nordeste têm um Pra ele também sorrir.
grande espaço nas Cantorias de Pé de Parede. (Casa do Cantador – Elias Ferreira, 21/11/03).
Nas estrofes, o Nordeste aparece de forma gené-
rica, ou seja, é uma categoria homogeneizante. A experiência dos migrantes na construção
A categoria iguala os vários Estados que com- de Brasília também é relatada de modo que su-
põem a região. Antes de serem paraibanos, per- blinhe as características positivas do povo nor-
nambucanos e cearenses, eles são nordestinos. destino. Nas comemorações do aniversário de
O Nordeste aparece também com a deno- Brasília, realizadas na Casa do Cantador, um
minação de sertão. Em grande parte dos ver- cantador improvisou:
sos, o Nordeste ou o Sertão é extremamente
valorizado. Os cantadores elaboram um rol das Essa data não é feia
melhores coisas que existem por lá. A lista en- Que eu estou de cabeça erguida
globa desde pratos típicos e festas populares até Parabenizo Brasília
o “caráter” do povo. A idéia é a de criar a ima- Por mais um ano de vida
gem positiva de um lugar e de sua gente, e de Por suor de nordestino
diferenciá-lo das demais regiões do Brasil. Brasília foi construída.
Os exemplos são inúmeros no que se refe- (Casa do Cantador – Francisco Nunes,
rem à retomada de traços considerados típicos 21/04/04).
da região. Os versos abaixo destacam a carne as-
sada e o cuscuz. Tais pratos são tão valorizados Na idealização e extrema valorização de coi-
no poema que a experiência de experimentá-los sas e de pessoas, a esperança da volta para o
“propicia um encontro com seres divinos”: sertão é outra constante (pelo menos no mo-
mento ritual):
Nosso sertão tem sossego
Que eu quero sol e luz Eu estou feliz porque
Tem carne assada na brasa Estou na localidade

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Mas do povo do Nordeste das apresentações, o diretor da Casa sempre


Desse eu sinto saudade apresenta os cantadores, fazendo referência aos
De voltar para casa um dia seus estados de origem e completando como
Eu tenho a maior vontade uma espécie de anexo ou apêndice, o fato de
(Casa do Cantador – Elias Ferreira, 21/11/03). viverem em Brasília.
Durante o rito, nas conversas com a platéia
O sertão é de valor ou com os cantadores, o “morar em Brasília”
É onde o povo me adora soa como algo que parece não dizer muita coi-
Eu tenho a maior certeza sa: “moro trinta anos aqui, mas sou de Recife”,
De quem só vive por fora “sou de Pernambuco, apesar de morar quinze
Pode não chorar com os outros anos em Brasília”. Quando as pessoas chegam
Mas chorar sozinho chora. para a cantoria, são imediatamente indagadas
(Casa do Cantador – Chico Oliveira de Acopia- a respeito da sua naturalidade, seja pelos can-
ra, 31/10/03). tadores ou pelo próprio público. A resposta à
indagação é na maioria das vezes uma cidade
Dentro do contexto da esperança da volta, nordestina, pelo menos essa é a resposta espe-
do saudosismo e da valorização do Nordeste, rada por todos.
para aqueles cantadores que aqui residem, can- O ser de algum lugar do Nordeste assume
tando para o público da Casa do Cantador, um papel de destaque nas Noites de Cantoria.
Brasília assume uma função quase que utilitá- As pessoas fazem menção a essa questão nas
ria. Seguindo o raciocínio dos poetas já citados conversas entrecortadas pelos sons das violas
anteriormente: dos cantadores. A resposta dada à pergunta:
“de onde você é?”, é, sem dúvida, uma porta de
Distante do pessoal entrada na Casa do Cantador.
Não sei se eu passei no teste Muitas pessoas são atraídas para a cantoria
De tanto sofrer saudade a �m de prestigiar e encontrar um conterrâ-
O meu compadre hoje investe neo cantador ou simplesmente para matar a
O dinheiro é em Brasília saudade do Nordeste. E quando essa situação
E o sossego é no Nordeste. não acontece, o espectador pode ser motivo de
(Casa do Cantador – Elias Ferreira, 21/11/03). espanto. Foi o que aconteceu comigo numa de
minhas primeiras visitas à Casa do Cantador.
As apresentações feitas na Casa do Canta- Reproduzo abaixo um trecho de meu diário de
dor podem ser de cantadores que moram em campo:
Brasília ou daqueles que estão de passagem pela
cidade. No entanto, todas as apresentações na Após sair da Rodoviária do Plano Piloto às de-
Casa do Cantador são de “cantadores do Nor- zenove horas, em um ônibus lotado, chego para
deste”. É feito um registro de todas as apresen- uma noite de cantoria por volta das vinte horas.
tações realizadas na Casa, onde são anotados os Cumprimento algumas pessoas no portão de
nomes das duplas e as siglas dos estados de ori- entrada. Lá dentro, avisto o diretor da Casa, me
gem de cada cantador. No registro, cantadores aproximo e pergunto: “Lembra de mim?” Ele
que aqui residem durante vinte anos não são prontamente me responde: “Claro, você está
catalogados pela sigla DF, mas sim pelas letras fazendo uma pesquisa, né? Olha, se você qui-
iniciais do estado em que nasceram. No início ser �car um tempinho na biblioteca esperando

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a cantoria, eu abro pra você”. Recuso, agrade- Para degustar a comida, os freqüentadores só
cida. Dou um giro pelas dependências. Leio a precisam acionar um objeto bastante signi-
placa de inauguração e observo a escultura de �cativo: um sino de boi. Tocado o sino, você
um cantador esculpido em pedra. E assim per- é prontamente atendido pela responsável por
maneço... andando pela Casa. Um senhor que preparar os pratos ou por uma de suas ajudan-
morava ali perto assistindo o DFTV [noticiário tes. É interessante perceber que nesta parte do
local] soube da cantoria, resolveu aparecer para ritual a utilização de um objeto que tem uma
conferir. Com muitas perguntas iniciou um di- profunda ligação simbólica com o Nordeste
álogo comigo: pastoril é vista positivamente. O sino de boi é
– Você gosta disso? usado como um modo de divertir os convivas,
– Gosto, é legal. que têm a possibilidade de fazer um pedido
– Será que tem que pagar alguma coisa? gastronômico de forma inusitada e particular.
– Não, acho que não. Diferentemente do uso de uma indumentária,
– Onde você mora? capaz de aproximar os cantadores dos vaquei-
– No Plano Piloto. ros ou dos cangaceiros do sertão, o sino de boi
– Você veio de carro? é convertido num ícone positivo, capaz de tor-
– Vim de ônibus. nar o ambiente típico e diferente.
– Onde você nasceu? Na Casa do Cantador não existe a idéia de
– No interior do Rio. restaurante. O “serviço” não recebe um nome
– Mas, os seus pais são nordestinos, né? especial do tipo: “Bar”, “Cantina” ou “Canti-
– Não, eles são do Rio também. nho da...”. Os “fregueses” não comem em mesas
Minha última resposta, o inquietou profunda- previamente preparadas para uma refeição com
mente. O senhor aos gritos chamou sua esposa saleiros, paliteiros, galheteiros e guardanapos.
e �lha, comentando perplexo: “Essa menina é No “Bar”, não é possível ver engradados ou co-
doida. Vem lá do Plano só para assistir cantoria pos sobre o balcão. O cardápio está resumido
e nem é nordestina”. Sua surpresa não se refe- a uma cartolina, a�xada numa parede, com as
ria tanto ao fato da “menina” ter vindo sozinha seguintes opções: buchada de bode, carne de
de noite e de ônibus para um lugar “tão longe”, sol, caldo de galinha, cerveja e refrigerante. Por
mas principalmente por ter feito tudo isso não um preço bastante acessível é possível saborear
sendo nordestina e nem ao menos tendo pais um farto “P.F.” (prato feito). É o que muitos
nordestinos. ouvintes e cantadores fazem por volta das vinte
e duas ou vinte e três horas da noite.
Além das conversas e dos versos cantados O que pretendo enfatizar é a relação entre
que ressaltam a importância do “ser do Nor- o que se faz e o que se come na Casa do Can-
deste”, está presente no ritual outro traço evo- tador. O ato de comer e cantar/ouvir estão
cativo das “coisas de lá”. O ser nordestino se imbricados na dinâmica do ritual. É como se
expressa através do idioma da comensalidade. você estivesse assistindo a cantoria e a comida
A culinária da Casa do Cantador é um fator de fosse trazida a sua mesa. Tudo é feito num tom
atração dos nordestinos residentes em Brasília de informalidade, simplicidade e familiarida-
e de curiosos. de. Muito mais que a noção de restaurante,
Durante as cantorias, os presentes podem a Casa cede espaço para a idéia de “cozinha”.
saborear pratos considerados típicos do Nor- A cozinha é o ambiente familiar e aconche-
deste, como a carne de sol e a buchada de bode. gante da casa, aqui com “C” maiúsculo. Vale

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destacar que esse espaço é dirigido por uma dida por um senhor que se prostrou na minha
mulher. A cozinha na Casa do Cantador é o frente com um prato de comida. A Casa estava
único espaço feminino num grupo eminente- vazia, no salão estavam apenas dois cantadores
mente masculino. ocupados em arrumar a aparelhagem de som
A sedução dos pratos servidos na Casa do e o diretor que corria de um lado para outro,
Cantador é a sensação de comer num ambien- ajeitando os últimos preparativos para apresen-
te descontraído e aconchegante. Uma sensação tação. O senhor, que eu já tinha visto algumas
que se aproxima do “comer em casa”. Outra vezes na Casa, disse: “será que eu posso sentar
imagem sedutora dos pratos é a da fartura. Não com você?”. E logo em seguida se explicou: “É
se privilegia a escolha de cerâmicas coloridas ou que eu não consigo jantar sozinho”. Sem espe-
talheres lustrosos. En�m, nada é chique, mas rar minha resposta, foi logo sentando e gritan-
tudo é farto. A visualidade dos pratos servidos do para a responsável pela cozinha: “traz mais
na forma de “P.F.” é a de uma “montanha” in- um prato aí”. O senhor preferiu rachar o seu
terminável de comida. As imagens de fartura e “P.F.” com uma quase “estranha” a ter que se
da “casa” ajudam a estabelecer a idéia positiva sentar numa mesa e comer sozinho.
do grupo. A suculenta buchada de bode, ser- Vários elementos que compõem uma noi-
vida sem grandes ostentações, mas com muita te de cantoria na Casa do Cantador nos per-
fartura e familiaridade, reforça a construção da mitem pensar as relações das pessoas que ali
boa imagem do grupo. estão com o Nordeste: a música; as letras das
A comida é um tempero fundamental das canções; as comidas que compõem o cardápio
relações estabelecidas nas noites de cantoria. a�xado numa das paredes do bar com carne de
Comer num lugar público, por mais perto da sol e buchada de bode; o sotaque das pessoas;
casa que ele esteja, requer o conhecimento de frases do tipo: “vim porque sou baiano” ou as
um idioma cultural. Isso implica o como co- falas do diretor, momentos antes dar início às
mer. Na Casa do Cantador, come-se em com- apresentações: “aqui é um espaço para reunir,
panhia de outras pessoas. A comensalidade é uma referência para os nossos conterrâneos...”.
um veículo privilegiado para o estabelecimento Rosani Rigamonte (1996) ao traçar alguns
de laços sociais. itinerários dos migrantes nordestinos na cida-
“Encher a barriga ou encher a pança é um de de São Paulo, aponta o forró como uma via
ato concreto destinado à saciedade do corpo, de acesso para mapear a presença cultural nor-
mas é também um modo de se referir a uma destina na capital. Segundo a autora, as festas
ação simbólica” (Da Matta 1994: 52). Em de- de forró podem ser realizadas em lugares im-
terminados eventos, a comida pode abrir uma provisados e pequenos, ou seja, são festas para
brecha no mundo diário, engendrando ocasi- encontrar amigos, para bater papo, divertir-
ões em que relações sociais devem ser saborea- se entre conhecidos e conterrâneos. A autora
das e prazerosamente desfrutadas (op. cit.: 54). aponta também para espaços cujos limites não
Na Casa do Cantador, fazer uma refeição não estão restritos a uma rede local, como o caso
é um ato desprovido de uma ação simbólica. do Centro de Tradições Nordestinas (CTN),
Não se come sozinho. O comer não é um ato que reúne cerca de vinte mil pessoas nos �nais
individual e sugere tentativas de aproximações de semana. Neste espaço, as pessoas, mesmo
entre as pessoas e o desfrute de relações afeti- não se conhecendo, se reconhecem enquanto
vas. Numa das noites na Casa do Cantador, um partícipes de uma tradição e de uma trajetória
pouco antes da cantoria começar, fui surpreen- comum (op. cit.: 251).

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Em seu estudo sobre a cantoria nordesti- Diferente das imagens que colocam os can-
na em São Paulo, Maria Ignez Ayalla (1988) tadores como espécies de ambulantes que fazem
a�rma que a atualização da manifestação em suas apresentações nas ruas, praças e praias, os
alguns bares no bairro do Brás permite o encon- cantadores nordestinos têm um local especial
tro entre conterrâneos e reforça a sua condição para as suas apresentações, a Casa do Canta-
de manifestação artística regional, consolidan- dor. Diferente das praias, das ruas e dos bares,
do os vínculos com a cultura nordestina (: 94). a Casa do Cantador é pensada como um centro
Na capital federal, o reconhecimento de uma cultural, um espaço construído para a valori-
tradição (nordestina) é um dos motivos para zação e atualização de uma dada manifestação
as reuniões na Casa do Cantador. A “tradição” cultural em Brasília, a cantoria nordestina.
é reconhecida pelo sotaque, pela música, pela Na percepção dos cantadores, a boa can-
dança e pelas comidas típicas. toria nordestina é aquela em que existe uma
Nesses encontros se reúnem não apenas preocupação com o uso de um português
nordestinos no Distrito Federal, mas também considerado gramaticalmente correto (os
não nordestinos que vivenciam os eventos, bons cantadores não são mais analfabetos,
avaliam, elaboram e comprovam imagens re- têm “estudo”); o bom cantador é aquele que
ferentes aos seus praticantes. As Cantorias de detém um arcabouço de informações sobre
Pé de Parede realizadas pela Casa do Cantador fatos importantes da humanidade no que se
são momentos privilegiados para a construção, refere às esferas políticas, econômicas e sociais
a�rmação e a possível comprovação de uma sé- (não estão mais presos aos “regionalismos”).
rie de representações. Além de imagens sobre o A própria indumentária utilizada nas apresen-
Nordeste, essas representações abarcam noções tações re�ete a maneira como esses cantado-
sobre a de�nição de uma manifestação cultural res tentam se construir. Eles não querem ser
especí�ca; sobre a idéia de cantador e a tentati- identi�cados com o vaqueiro típico do sertão
va de construí-lo como um artista. nordestino, mas com os códigos de uma so-
ciedade urbanizada e com os valores da classe
Conclusão média. Para os cantadores a ameaça à preser-
vação da cantoria parece ser a não “moderni-
Ao mencionar que eu estava fazendo uma zação” de seus promotores.
pesquisa sobre cantadores, muitas pessoas ma- O cenário, o domínio de formas poéticas
nifestavam reações de desagravo: “poxa! Como e de habilidades especí�cas, o conteúdo dos
você foi escolher esse tema? Repentista é muito versos, a comensalidade, a vestimenta, a uti-
chato!”. Para essas pessoas, os repentistas eram lização da idéia de tradição são ingredientes
aqueles que entoavam versos em troca de algum que compõem as noites de Cantoria de Pé
trocado, importunando turistas nas praias do de Parede e que ajudam a formar o mote das
Nordeste ou nos centros das grandes cidades. mensagens comunicadas pelos cantadores du-
Nesse contexto, a cantoria nordestina é vista rante a atualização da cantoria nordestina em
como uma manifestação banal e muito próxima Brasília. Analisar o manejo e a manipulação
do ato de mendicância. Os cantadores são vistos desses elementos nos remete às lutas pelo re-
como analfabetos e profundamente vinculados conhecimento de imagens, representações e
ao sertão nordestino. Bem, os cantadores que processos identitários. Promovendo uma dada
eu estudei procuram se construir de uma forma manifestação cultural, os cantadores objeti-
completamente contrária a essas versões. vam a inserção em novos espaços e lutam pelo

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autor Patrícia Silva Osório


Doutora em Antropologia Social / UnB

Recebido em 15/02/2006
Aceito para publicação em 21/06/2006

cadernos de campo, São Paulo, n. 14/15, p. 65-81, 2006

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