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De maneira geral, é possível dizer que sua poesia se não é mais trabalhada,
é, pelo menos, mais "atemporal" do que a de nosso poeta anterior, Lúcio de
Mendonça. Embora também tenha escrito ainda jovem, o livro de nosso poeta
aborda temas que são mais passíveis de encontrar eco em nosso tempo do que
aquele de Lúcio de Mendonça1. Claro que, ao sabor dos dias de outrora, os
sentimentos anti-monárquicos e anti-clericais também aparecem aqui e ali em seu
livro, mas não em profusão como no livro de Lúcio. Se pode ser visto como
"atemporal", o mesmo não se pode dizer de uma "universalidade" em todos os seus
poemas, tendo em vista que, pelo menos na primeira parte de seu livro, os temas
abordados são os pampas, o gaúcho, os modos de ser do sul, os heróis do sul, etc.
Não que isto seja algum problema em sua poética, pois talvez seja o inverso, isto é,
talvez seja aquilo que o torna mais "original"2 dentre seus contemporâneos da
geração de 1870.
Dentre seus poemas líricos, naqueles que versam sobre as mulheres estas
não são pintadas exatamente como aquelas do romantismo, ou seja, mulheres
pálidas, sem vida, ingênuas, etc, o que dá mostras de uma modificação no "gosto",
se não do público, pelo menos do(s) poeta(s). No entanto, há alguns poemas que,
pelo estilo, nos lembram tanto as piores como as melhores páginas do romantismo,
e nestas reverberam ecos dos versos de Byron e Álvares de Azevedo, tais como se
vê em alguns poemas da terceira3 e da quarta parte4.
1
No entanto, é preciso dizer que nos poemas de Múcio ainda encontramos versos bastante
românticos.
2
Original vai entre aspas porque outros poetas já haviam cantado suas terras, desta forma, sua
originalidade consiste em cantar as paisagens do Rio Grande do Sul.
3
Especificamente o "I" e o "III - Nostalgia… Ideal".
4
O "XIV - A lenda dos amores" e o "XVI - Quando eu morrer".
Em relação a sua técnica versificatória, o poeta mostra-se bastante versátil,
utilizando versos alexandrinos, hendecassílabos, decassílabos (heróicos e sáficos),
redondilhas maiores e quebrados de heróicos. Sua estrofação não segue um padrão
específico, não dando primazia a nenhuma "forma pronta", embora possamos
encontrar sonetos aqui e ali (inclusive em versos redondilhos, o que não é muito
comum). Neste sentido, pelo uso de várias "estrofações", pelo uso de diversas
métricas e pela não primazia de nenhuma "forma pronta", sua técnica versificatória
parece ter se alimentado de forma vigorosa no "leite romântico".
Outro aspecto que o faz estar ligado ao romantismo (e, neste caso, em
algumas de suas melhores páginas) é o uso de várias menções aos poetas antigos,
isto é, à tradição: Homero, Virgílio, Ovídio, Dante, Tasso, Shakespeare, Byron,
Álvares de Azevedo, Castro Alves, etc.
[...]
Mas eu, além de ser um sonhador,
Os modelos que achei por toda parte
Foram abortos típicos, sem arte,
Corpos sem sangue e almas sem amor.
5
Talvez seja possível que eles soem um pouco melhor na prosódia gaúcha, pois a “frouxidão” dos
versos parece lembrar aquele jeito de falar bastante típico do Rio Grande do Sul.
Assim pois preferi soltar as asas
Da minha fantasia - pelo ar…
E (sem ofensa à escola realista)
Em vez de ser apenas um copista
Tentei ser um Colombo noutro mar.
Portanto, vale dizer que não podemos “encaixotá-lo” plenamente em
nenhuma das duas escolas; em outras palavras, nem “mero” epígono do
romantismo, nem especificamente realista. Desta forma, embora em alguns
momentos ele caia em pieguices ou em lamúrias, percebe-se que temos um poeta
bastante cônscio de suas origens e dos rumos que queria trilhar (apesar de que
nem sempre tenha conseguido).
Em minha humilde opinião, embora ele seja um bom poeta, não se pode
dizer que ele possui condições de disputar em pé de igualdade com outros de
nossos poetas românticos que vieram antes, como Álvares de Azevedo, Fagundes
Varella, Castro Alves, ou logo depois, como Teófilo Dias6, Olavo Bilac, Cruz e
Souza, etc. Falo isso sem intenção de desmerecê-lo, mas, ao que parece (a partir
daquilo que se tem neste livro específico), suas condições de disputa se dão
somente com seus pares da geração de 1870, na qual, ao que me parece, ele até
que se mostra superior7. Mas, conforme vai dito, contra outros poetas, ele parece
não ter vez.
* *
6
Embora praticamente contemporâneos, Teófilo Dias parece ter mais sensibilidade no trato de seus
versos, maior musicalidade, além de imagens/metáforas melhor elaboradas que as de Múcio.
7
Também vale mencionar que Alfredo Bosi, em seu História Concisa da Literatura Brasileira (2015,
p. 244), passa praticamente ao largo de Múcio Teixeira, mencionando o poeta - em menos de uma
linha - como um mero epígono do parnasianismo e cuja contribuição teria sido, junto com outro
conterrâneo seu, a de suas paráfrases de Baudelaire.
Na primeira parte de seu livro, intitulada Flores do Pampa, o poeta aborda a
terra, a gente e os costumes do Rio Grande do Sul. No entanto, é possível ler este
título em uma via de mão dupla, indicando não só que o que se vai cantar são as
flores do pampa, isto é, temas do Rio Grande do Sul, mas também como as próprias
poesias que nele estão sendo essas “flores do pampa”, ou seja, seriam os versos
que brotam desta terra.
O poema que abre a parte e o livro também chama-se Flores do Pampa. Ele
é interessante pois aqui o poeta traça as mudanças na imagem de sua própria
Musa. Nele é possível ler a Musa como as variações da própria poesia, saindo do
romantismo e entrando já no realismo, embora isso não se firme pelo livro todo. É
curioso notar que a Bromélia representa "Inspiração, excentricidade e resistência", o
que indica e também acentua a mudança que o poeta almeja para o rumo de sua
versificação.
8
Segundo o dicionário Priberam online:
vi·van·dei·ra
substantivo feminino
1. Mulher que vendia aos soldados, que acompanhava em marcha, comestíveis, bebidas.
2. Mulher que vende mantimentos nas feiras.
9
Que também alude ao/joga com o costume de não se falar mal dos mortos.