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(DES)CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS EM MONGÓLIA, DE BERNARDO


CARVALHO.

IDENTITY (DE)CONSTRUCTIONS IN MONGÓLIA, BY BERNARDO CARVALHO.

Aluna Jaqueline Mendes Santana (UEMS) 1


Prof. Ms. Rony Márcio Cardoso Ferreira (UnB/UEMS) 2

Resumo: Este artigo propõe uma análise das (des)construções identitárias no romance
Mongólia (2003), de Bernardo Carvalho. Tendo por base o conceito de entre-lugar,
desenvolvido pelo indiano Homi K. Bhabha em O local da cultura (1998), em diálogo com os
postulados presentes em: Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente (1978), de
Edward W. Said; Da diáspora: identidades e mediações culturais (2003), e A identidade
cultural na pós-modernidade (1992), de Stuart Hall. Em Mongólia, Bernardo Carvalho nos
apresenta personagens brasileiras migrantes, que, sem nomes próprios, são tratados em toda a
obra por epítetos, seus discursos – revelados por meio de diários – são os responsáveis por criar
a imagem desses sujeitos deslocados, sempre em construção devido ao contato com o outro, a
partir do qual a tensão e o não pertencimento ao lugar de destino se fazem palpáveis. Dessa
forma, o objetivo central do trabalho é entender a relação de oposição destes sujeitos dentro da
obra literária e explorar como acontecem os processos de construção da identidade do ‘eu’
ocidental e as desconstruções da visão estereotipada deste ‘outro’ oriental.
Palavras-chave: desconstrução; entre-lugar; identidade; Bernardo Carvalho.

Abstract: The purpose of this essay is an analysis of the (de)constructions in the novel
Mongólia (2003), by Bernardo Carvalho. Based on the concept of in-between, developed by
the hindo Homi K. Bhabha in The location of culture (1998), in dialogue with the postulates
presented in: Orientalism: Western conceptions of the Orient (1978), by Edward W. Said; Da
diáspora: identidades e mediações culturais (2003), and The question of cultural identity (1992),
by Stuart Hall. In Mongólia, Bernardo Carvalho presents us Brazilians migrants characters,
that, without given names are threaten by epithets throughout the narrative, their speeches –
unveiled up through their diaries – are the responsible to create an image of these displaced
people, always in construction due to the contact with the others from which the tension and
discomfort about the place of destination are tangible. The central object of this work is
understanding the oppositional relation of these individuals in the literary book and explore
how the process of identity construction of the Western ‘self’ and the deconstruction of this
Eastern ‘other’ happens.
Key-words: deconstruction; in-between; identity; Bernardo Carvalho.

1
Jaqueline Mendes Santana, Graduanda. Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidade
Universitária de Campo Grande – UUCG. jaqmendes87@gmail.com
2
Rony Márcio Cardoso Ferreira, Prof. Ms. Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidade
Universitária de Campo Grande – UUCG. cardoso_rony@hotmail.com
2

Todas as coisas estão ligadas. E por isso é preciso


transcender a ilusão do eu e do outro.
CARVALHO. Mongólia, p. 99.

Rio de Janeiro – Pequim – Ulaanbaatar: uma introdução

Este artigo propõe uma análise das (des)construções identitárias dos personagens de
Mongólia (2003), do romancista e jornalista carioca Bernardo Carvalho que, em 2002, recebeu
uma bolsa da editora portuguesa Livros Cotovia em parceria com a Fundação do Oriente3 para
realizar uma viagem à Mongólia. Essa viagem resultou na publicação da obra em 2003, que
ganhou o Prêmio Jabuti na categoria romance, em 2004.
O romance, grosso modo, apresenta a história de um cônsul do Brasil que fora enviado
recentemente para China e é incumbido de procurar um jovem brasileiro desaparecido nos
montes Altai um ano antes da chegada do cônsul em Pequim. Os acontecimentos narrativos
giram em torno dessa busca. A narrativa se constrói pela costura de fragmentos de seus diários
que traçam os caminhos percorridos pelas personagens durante as viagens e o contato com o
mundo oriental em sua diversidade: desde os centros urbanos como Pequim e Ulaanbaatar,
passando pelo deserto de Gobi que está em uma região fronteiriça com a China até as estepes
que fazem fronteira com a Rússia.
O escritor nos apresenta personagens brasileiras migrantes, que, sem nomes próprios,
são tratados em toda a obra por epítetos. Os discursos dos sujeitos brasileiros deslocados são os
responsáveis por criar uma imagem parcial sempre em construção devido ao contato com o
outro, a partir do qual a tensão e o não pertencimento ao lugar de destino se fazem palpáveis.
Vale salientar que o objetivo central do trabalho é propor uma possível abordagem da obra
Mongólia visando explorar, sem esgotar as possibilidades de leitura, como se dão os processos
de construção da identidade do “eu” ocidental e as desconstruções da visão estereotipada do
“outro” oriental.
Nossa metodologia volta-se à revisão bibliográfica específica, procurando elaborar uma
discussão relevante em estudos culturais frente aos estudos literários. Em busca de uma análise

3
A Fundação do Oriente é um órgão privado sem fins lucrativos, instituída em Portugal pela Sociedade de Turismo
e Diversões de Macau (STDM). Em 2002, o escritor brasileiro Bernardo Carvalho foi contemplado com uma bolsa
de curta duração, que concede ao bolsista uma viagem à um país escolhido do extremo oriente com a condição de
que resultados concretos sejam realizados, no caso em questão, foi publicada a obra Mongólia em parceria a editora
Livros Cotovia.
3

das (des)construções identitárias dos personagens do romance, parte-se da ideia de entre-lugar


desenvolvida por Homi K. Bhabha, que se trata do local intersticial em que ocorrem
negociações culturais, e os sujeitos perdem o caráter fixo de sua identidade, tornando-se
desestabilizados. Para melhor compreensão de tais (des)construções percebeu-se a necessidade
de dialogar a teoria de Bhabha com as obras Orientalismo: o Oriente como invenção do
Ocidente (1978), de Edward W. Said; Da diáspora: identidades e mediações culturais (2003) e
A identidade cultural na pós-modernidade (1992), de Stuart Hall.

1. O local da identidade, considerações teóricas

Os estudos culturais, segundo Cevasco (2003, p. 62), nasceram em 1950 na Inglaterra,


primeiramente em um âmbito marginal, sem conexão com as disciplinas acadêmicas,
defendendo uma educação democrática, fato que direcionou as posições teóricas para o
pensamento da arte e da sociedade em conjunto. Dessa maneira, passando a:

Compreender, nas sociedades (...) e em suas inter-relações de poder, a atuação da


cultura nas mais diversas áreas temáticas: gênero, feminismo, identidades nacionais e
culturais, políticas de identidade, pós-colonialismo, cultura popular, discurso, textos
e textualidades, meios de comunicação de massa, pós-modernidade,
multiculturalismo e globalização, entre outros (RIBEIRO; MORESCO, 2015, p. 4).

Tais estudos têm como objetivo a análise da cultura pelo seu caráter heterogêneo,
sempre remoldando conceitos e ideias da organização da sociedade e do indivíduo nela inserido,
quebrando o pressuposto de tradição e trazendo à tona a necessidade de se revisitar cânones,
inclusive o literário, o que em primeiro momento provocou temor entre os críticos, mas também
possibilitou a “expansão [d]os campos de análise dos estudos literários para abraçar formas
correntes de significação” (CEVASCO, 2003, p. 142). Dentro dessa área de conhecimento,
pode-se elaborar uma série de pesquisas em busca da compreensão de identidades e inscrições
presentes nas obras literárias, analisando-as por um viés teórico pensado a partir da vertente
culturalista.
Nessa perspectiva, podemos destacar o trabalho de Homi K. Bhabha, crítico pós-
colonial nascido na Índia e deslocado para um grande centro (Inglaterra), que refletindo a sua
própria posição de dupla inscrição cultural, se interessou pelo sujeito migrante e escreveu sobre
os indivíduos plurais, fora do lugar, em diversos textos sobre pós-colonialismo, pós-
modernidade e identidade cultural. Para o indiano, o entre-lugar é o não-espaço, no qual as
diferenças entre os indivíduos emergem a partir do contato com o outro. Estar no entre-lugar é
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estar deslocado, migrante, não se encaixar em binarismos pré-existentes, estar entre as clássicas
designações de identidade. Segundo Bhabha,

Esses “entre-lugares” fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de


subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e
postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de
sociedade (BHABHA, 1998, p. 20).

Estando esses indivíduos em situação de estranheza/diáspora o crítico hindo-britânico


questiona: “De que modo se formam os sujeitos dos ‘entre-lugares’, nos excedentes da soma
das ‘partes’ da diferença (geralmente expressas como raça/classe/gênero etc.)? ” (BHABHA,
1998, p. 20). Esse questionamento de Bhabha também nos leva ao seguinte questionamento:
como se formam as identidades destes indivíduos migrantes? De acordo com Bhabha (1998, p),
os sujeitos situados nos entre-lugares são apreensíveis “somente na passagem entre
contar/contato, entre ‘aqui’ e ‘algum outro lugar”. Eles não têm as identidades formadas, com
aplicação do vocábulo como algo acabado, mas estão em formação, sempre em um constante
processo, a partir da articulação das diferenças culturais.
Esses sujeitos deslocados são em boa medida sujeitos diaspóricos. Nesse sentido, Stuart
Hall, crítico cultural jamaicano que, aos 19 anos, foi estudar na Inglaterra e produziu uma teoria
que, de certa forma, se entrelaça a suas experiências intelectuais, buscou frequentemente
abordar a identidade descentralizada do sujeito pós-moderno em seus ensaios. Enquanto Da
diáspora: identidades e mediações culturais (2003) trata-se de uma coletânea de conferências
realizadas acerca do processo de migração em diversos contextos e da reflexão da construção
da identidade desses sujeitos migrantes, A identidade cultural na pós-modernidade (2006),
discute de forma concisa os estágios de construção e desconstrução identitárias, com ênfase na
ruptura e deslocamentos dos indivíduos.
Durante muito tempo, o vocábulo diáspora foi relacionado ao texto sagrado e a situação
de Israel. Por isso Hall afirma que "(...) esse projeto diaspórico, de ‘limpeza étnica’ não era
defensável" (HALL, 2003 p. 417). Mas a metáfora do estar “distante de casa”, fora do lugar,
relacionada ao termo, cabe a sua noção de sujeito diaspórico, alguém com experiência de estar
“dentro e fora” em situação que “é impossível ‘voltar para casa’ de novo” (HALL, 2003 p. 416),
já que a identidade cultural é formada através do preenchimento das lacunas existentes em cada
indivíduo. Para Hall,

Em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de


identificação e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto
da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma
falta de inteireza que é 'preenchida' a partir do nosso exterior, pelas formas através
das quais nós imaginamos ser vistos por outros (HALL, 2006, p. 39, grifo nosso).
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A noção de identidade utilizada para compreensão das personagens de Mongólia neste


artigo é aquela que a considera enquanto processo em formação, assim como desenvolvidas por
Bhabha e Hall. Nas palavras deste, a identidade “torna-se uma ‘celebração móvel’” (2006, p.
13), sempre em processo infindo de construção devido aos sistemas sociais que os interpelam,
promovendo desestabilização de antigas convicções.

2. Entre o Brasil e a Mongólia: identidade e representação

Mongólia, por mais que pareça, não é um simples relato de viagem com exaltações da
cultura oriental ou uma apresentação do desconhecido aos leitores, embora o enredo centre-se
na questão investigativa em que um cônsul brasileiro busca por um fotógrafo, também brasileiro,
na Mongólia, Bernardo Carvalho explora a tensão do contato entre o “eu” e o “outro”, a qual
se vê refletida na oposição Ocidente/Oriente em uma constante construção das identidades dos
sujeitos ficcionais que são diaspóricos por excelência.
Ao explorar essas construções, o escritor se utiliza de vários artifícios, a saber: o uso de
transcrições de diários, para revelar o íntimo dos sujeitos e as relações entre eles, bem como a
ausência de seus nomes próprios, para sugerir uma identidade descentrada, em construção,
enfim, não totalizadora.

2.1 A ruptura da identidade

De acordo com Érik Porge, psicanalista francês4, “(...) o nome próprio não é (...) um
significante qualquer, no mesmo plano que qualquer outro, pois ele serve para designar também
o próprio do nome em que se enraíza a identificação íntima do sujeito” (PORGE, apud RIECK,
2011, p. 58). O nome próprio carrega em si uma das principais características que compõem a
formação identitária do sujeito, uma identidade dada por outrem que passa a servir de referência.
Segundo Lacan, “cada vez que falamos de algo que se chama sujeito, dele fazemos um. Ora, o
que se trata justamente de conceber é justamente isso, que o nome do sujeito é isto: falta o um
para designá-lo” (LACAN, apud RIECK, 2011, p. 40, grifo do autor). Nesse sentido, o

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Érik Porge além de psicanalista em atividade na França, foi membro da École Freudienne de Paris (EFP) até sua
dissolução e escreveu diversos livros sobre psicanálise, alguns deles publicados no Brasil, como: Psicanálise e
tempo - tempo lógico de Lacan, Jacques Lacan, um psicanalista, Transmitir a clínica psicanalítica: Freud, Lacan,
hoje, entre outros.
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constante processo de repetição do nome, torna o sujeito uno, marcando também aquilo que o
falta por não ser o “outro”.
Em Mongólia, a primeira quebra da identidade dos sujeitos pode ser afirmada pela não
nomeação dos personagens brasileiros que compõem a narrativa. A diferença no contato com o
outro e a ruptura são expostas na primeira sentença do romance. Ao apresentar a primeira
personagem (o cônsul), o narrador afirma: “foi chamado de Ocidental por nômades que não
conseguiam dizer o seu nome quando viajou pelos confins da Mongólia” (CARVALHO, 2003,
p. 9). Embora o nome próprio em contato com outra língua seja um substantivo que não se
traduz, a dificuldade, na comunicação trazida por ele, resultou na atribuição de outra identidade
ao indivíduo, que passa a ser Ocidental, com letra maiúscula, com valor de nome próprio, o que
o coloca em posição de confronto com o Oriente. Vale ressaltar que, durante toda a narrativa,
o fotógrafo é apenas fotógrafo, desaparecido ou ainda desajustado – como foi apelidado pelo
motorista e pelos guias mongóis. Segundo o narrador, Buruu nomtom, em mongol, trata-se de
uma correspondência para “aquele que não segue os costumes e não cumpre as regras, o que
vocês chamam de desajustado no Ocidente” (CARVALHO, 2003, p. 61). Os epítetos são então
designados pelos outros (mongóis) e a construção de suas imagens se dá de forma parcial por
meio de seus diários que são revelados através de outros discursos.
Segundo Cornejo Polar, em situação migrante tal qual a que as personagens da obra se
encontram, “tanto o sujeito quanto seu discurso são plurais, oscilantes ‘no limiar de dois
mundos’” (POLAR, apud ORTIZ, 2010, p. 152). Não há apresentação de imagens fixas desses
sujeitos na narrativa, estar no limiar de duas realidades distintas faz com que os discursos sejam
sempre transpassados por novas experiências, pois eles não são sujeitos falantes do Brasil, nem
da Mongólia, mas do entre-lugar.
No romance, há três níveis de construção de sentido: 1) A leitura do mundo feita pelo
fotógrafo desaparecido por meio de seu diário de viagem; 2) A partir de uma carta nunca
entregue do cônsul para sua esposa e que o narrador acredita ter sido na verdade direcionada a
ele, na intensão de revelar o contato do cônsul com os países asiáticos que visita e a leitura de
trechos do diário do fotógrafo; 3) A partir da leitura final do narrador, um diplomata aposentado,
que conheceu apenas um dos sujeitos (o cônsul), realiza a seleção dos trechos a serem
mesclados na narrativa.
Todos os discursos são interpelados a partir do contexto em que seu enunciador está
inserido, somado às suas convicções. Segundo Homi K. Bhabha, os processos de significação
são estabelecidos dentro de “determinados sistemas e instituições de representação –
ideológicos, históricos, estéticos, políticos” (BHABHA, apud MIZAN, 2015, p. 271). Sob essa
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perspectiva, podemos dizer que, em Mongólia, cada um dos diários apresentados revelam as
ideologias daqueles que o escrevem, e também estão sujeitos a um contexto de recepção, em
que o locus do receptor interfere no processo de significação e na formação de imagens parciais
de tais personagens pelos leitores, imagens que Bhabha (1998) afirma ser “apenas e sempre um
acessório da autoridade e da identidade; ela[s] não deve[m] nunca ser lida[s] mimeticamente
como a aparência de uma realidade” (BHABHA, 1998, p.94).
A partir da ruptura ocasionada pela não nomeação de ambas as personagens e a situação
diaspórica em que se encontram, Bernardo Carvalho explora as situações de contato e tensão
que influem nos processos de construção e desconstrução das imagens identitárias das
personagens, na intenção de problematizar um entrave cultural entre Oriente e Ocidente.

2.2 Oriente, palco de representações ocidentais

Stuart Hall afirma que: “[N]a situação da diáspora, as identidades se tornam múltiplas”
(HALL, 2003, p. 27). O termo identidades é utilizado no plural, pois a partir do contato com a
alteridade não há como o sujeito se manter inalterado, há uma constante formação, processos
de reafirmação e situações contraditórias pelas quais esses sujeitos situados sem morada passam.
Por motivações distintas, os dois personagens brasileiros da obra de Bernardo Carvalho se
tornam sujeitos diaspóricos. Essas motivações, acrescidas das ideologias de cada um,
interferem seus discursos e nas formas por meio das quais veem o mundo oriental com o qual
estão em contato.
O Ocidental é um cônsul, sua profissão exige que este esteja sempre em países
estrangeiros representando seu país de “origem”, nem “lá” nem “cá”, “(...) no espaço liminar,
situado no meio das designações de identidade” (BHABHA, 1998, p. 23). A narrativa, apresenta
dois momentos de seu deslocamento: o fato deste se encontrar na China e a ida para Mongólia
devido a uma missão extraoficial. Suas primeiras impressões no diário referem-se a Pequim,
refletindo sua posição conflituosa. Conforme o narrador, o cônsul “sofria de irrealidade”
(CARVALHO, 2003, p. 16), pois a China era, na verdade, um reflexo do que ele trazia da
sociedade brasileira representada por Brasília, a “capital do poder”.
Em A identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall afirma que os indivíduos
submetidos à diáspora:

(...) retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a
ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas
em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder
completamente suas identidades. Elas carregam traços das culturas, das tradições, das
linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que
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elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são,
irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem
a uma e, ao mesmo tempo, a várias “casas” (e não a uma “casa” particular) (HALL,
2006, p. 88-89, grifo do autor).

O cônsul, nesse constante deslocamento, está sempre em processo de reafirmação de


sua posição como ocidental e superior, ao reproduzir a imagem estereotipada do outro. O
Ocidental está reafirmando sua posição, em uma “confortadora narrativa’ do eu” (HALL, 2006,
p. 13), em uma constante dependência de atribuir a si uma fixidez na construção identitária,
uma fantasia de unicidade para propiciar comodidade frente a situação desconfortável que é
estar no entre-lugar, já que “(...) o desconforto o levava a assumir com naturalidade o papel
adversário” (CARVALHO, 2003, p. 50), e, assumindo esse papel passa a fazer comentários
sobre a sociedade oriental e a apropriação realizada por essa dos costumes e produções
ocidentais, como pode ser observado no fragmento a seguir: “Há quem prefira fazer tai chi ao
som de música chinesa. Mas o mais incrível é ver como os velhos se apropriam da música pop
ocidental” (CARVALHO, 2003, p. 21) 5, e em seguida faz comparações diretas entre Brasil e
China:

A beleza de um país como o Brasil é que, mesmo na miséria, e a despeito dela, floresce
uma arte popular que não é simples artesanato ou folclore, na música sobretudo.
Tenho a impressão (...) de que, na China, a ideia da arte contemporânea é, no máximo,
um conceito ocidental reapropriado por uma elite minoritária que faz dela um
pastiche (CARVALHO, 2003, p. 22, grifo nosso).6

A visão do cônsul está sempre repleta de paradoxos, realiza críticas a uma


ocidentalização da China e ao mesmo tempo julga as produções ali realizadas tendo como base
uma visão ocidental e etnocêntrica, como fica claro no fragmento a seguir:

Daí que a prosa literária moderna não pode ser uma expressão natural. É fruto do
esforço de uns poucos e de uma ocidentalização que resultou também em poucas
obras relevantes (...) O ideograma, que nos fascina à distância, é também o que os
impede de escrever como nós. Só uma transformação da língua visual em auditiva
permitiria o nascimento da prosa literária e da própria noção de literatura moderna
como a conhecemos no Ocidente. (CARVALHO, 2003, p. 25, grifo nosso)

Observa-se nesse trecho a comparação da literatura chinesa com a literatura ocidental


tendo sempre em mente esta como um modelo, ao invés de uma avaliação daquela por si mesma.
Said (2007) afirma que “o Oriente e o oriental, (...) tornaram-se pseudoencarnações repetitivas
de algum grande original (...) que deviam estar imitando ” (p. 102), um “grande original” tido
como superior, o Ocidente, em uma incansável tentativa de exaltar a cultura da qual faz parte

5
As diferentes tipografias serão mantidas assim como as citações dos diários que compõem a edição brasileira de
Mongólia, devido à importância de tal diferenciação para obra.
6
Faz-se necessário explicitar que, nas passagens do romance em que a tipografia se encontra em itálico, nossos
grifos serão identificados por meio dos trechos sublinhados.
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sem levar em conta as diferenças que envolvem as produções dos dois produtos comparados.
Segundo Bhabha (1998, p. 133), tal estereótipo acerca do outro é uma força múltipla que
reconhece a diferença ao mesmo tempo que a recusa e a mascara em discursos que encenam
uma identidade colonial, tendo em mente as fantasias de originalidade e origem.
A construção da identidade das personagens é híbrida, o confronto entre a identidade
ocidental e oriental cria uma posição de desconforto que constituem esse sujeito sempre em
negociação devido à “diferença cultural [que] cria uma tensão permanente” (CARVALHO,
2003, p. 141), tensão que, no caso do cônsul provoca uma constante negação. Sobre a atividade
negadora, Bhabha afirma que:

É, de fato, a intervenção do “além” que estabelece uma fronteira: uma ponte onde o
“fazer-se presente” começa porque capta algo do espírito de distanciamento que
acompanha a re-locação do lar e do mundo – o estranhamento [unhomeliness] – que
é a condição das iniciações extraterritoriais e interculturais (BHABHA, 1998, p. 31,
grifo do autor).

Essa condição de re-locação afirmada por Bhabha é o cenário que leva os indivíduos a
adotarem posições identitárias e não uma identidade fixa frente a situações de estranhamento.
Segundo Hall (2000, p. 112), “as identidades são posições que o sujeito é obrigado a assumir,
embora ‘sabendo’, sempre, que elas são representações, que a representação é sempre
construída ao longo de uma ‘falta’”, ou seja, posições que são assumidas a partir daquilo que
provoca incomodo no indivíduo.
No romance de Bernardo Carvalho, o cônsul adota uma posição de resistência frente ao
desconhecido pela necessidade da reafirmação de sua condição de ocidental, como resultado
desse incomodo gerado pela diferença e pelo estranhamento. E de maneira contrária a essa
posição, o fotógrafo a quem estava procurando passa por um processo de rompimento de suas
convicções e da identidade que adotava para os mongóis durante seu período em diáspora.

2.3 O outro em desconstrução

Edward W. Said, nascido em Jerusalém, educado no Cairo e sujeito migrante em Nova


Iorque, em sua obra Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente, centra-se no
Orientalismo que “(...) representa e se afasta do Oriente: o fato de o Orientalismo fazer sentido
depende mais do Ocidente que do Oriente, e esse sentido tem uma dívida direta com várias
técnicas ocidentais de representação que tornam o Oriente visível” (SAID, 1998, p. 52). Nesse
sentido o orientalismo é mais uma criação das constantes representações ocidentais daquilo que
os interessava do que o Oriente em si. Embora destaque o Oriente Médio, a noção de Said é
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evidente em diversos trechos de Mongólia; Essas visões estereotipadas abordadas por ele
podem ser aplicadas à obra de Bernardo Carvalho, que se volta à narrativa na Ásia Oriental –
China e Mongólia.
Realizando a leitura dos diários reproduzidos na obra, fica claro que distintas
motivações levaram as personagens a analisar o mundo em sua volta diferentemente, e distante
do que seria a realidade em contato, de ver o outro como realmente é. Em diversos trechos o
narrador afirma não saber até que ponto poderia confiar nos escritos do cônsul já que: “ele
mesmo (...) não confiava nas próprias palavras. Seus olhos distorciam a realidade. Eu já sabia
o que ele tinha visto na China, que não correspondia ao que eu via ” (CARVALHO, 2003, p.
34). Seu discurso era produzido em um constante confronto entre a realidade e a imagem já
criada pelo Ocidente que continuava a projetar.
O cônsul “debatia-se com o mundo” (CARVALHO, 2003, p. 50) e criava a imagem do
outro pela reprodução de postulados ocidentais, julgando as informações com as quais estava
em contato com olhos de estrangeiro, como pode ser observado neste fragmento do diário sobre
a cultura mongol e questões religiosas:

A suástica de Narkhajid (...) desenha uma estrela-de-davi, formada por dois triângulos
invertidos e superpostos, e crava uma suástica na ponta direita superior. Não sei para
os asiáticos mas para mim a combinação dos dois símbolos não pode ser mais
perturbadora. Estou convencido de que a deusa tem a ver com o mal. (...) Li já não sei
onde sobre as práticas de magia negra do budismo. Não estranharia se Narkhajid fosse
uma entidade dessa via. (...) tudo que sei é de ouvir falar. (...) Clichês ocidentais.
(CARVALHO, 2003, p. 79, grifo nosso)

Como nota-se no grifo acima, existe uma assimilação das imagens que constroem o
discurso religioso de forma negativa, mesmo estas estando em contexto diferente da
representação ocidental da suástica, mas ele continua a buscar a possibilidade de comparação
com algo familiar, afirmando saber apenas “clichês ocidentais”.
Em contraponto, o desaparecido é descrito pelo embaixador aposentado como ingênuo
e otimista, que tentava tratar o mundo como aliado. Estava na Mongólia por ter sido contratado
por uma revista de turismo e a partir desse posicionamento podemos analisar os escritos de seu
diário como opiniões mais abertas e compreensíveis na relação com os mongóis. Nos trechos
de seu diário, a desconstrução dessa alegoria oriental acontece a partir do contato com o “real”,
os nativos passam a ser expostos não como um grupo homogêneo que corresponde ou não às
expectativas da visão ocidental, mas como heterogêneos.
Cabe abrir um parêntesis para explicitar que a terminologia desconstrução aqui utilizada
se refere a noção presente na obra de Jacques Derrida, não como uma crítica puramente
antagônica, mas um “diálogo crítico, que usa os exemplos dos casos particulares (...) como
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sintomas de uma configuração ou uma estrutura mais geral” (JHONSON, 2001, p. 47).
Bernardo Carvalho problematiza os falsos pressupostos que se perpetuam a respeito do povo
mongol mostrando por meio da visão do fotógrafo as diferenças e divisões existentes no país
em virtude da fronteira com a China e a Rússia, assim como os nômades que se encontram no
entre-lugar dentro de seu próprio país, deslocando valores antes tidos como verdades para o
desaparecido, e abrindo espaço para questionamentos, o “outro” oriental só é desconstruído a
partir da desconstrução das ideias que condicionam o próprio “eu” ocidental.
O fotógrafo admite ter criado uma visão estereotipada dos nativos que passa a
ser desconstruída:

Para quem sempre idealizou o nomadismo como um modo de vida alternativo


e libertário, o confronto com a realidade tem pelo menos um lado saudável.
Os nômades não são abstrações filosóficas. Levam uma vida fixa e repetitiva
(CARVALHO, 2003, p. 43, grifo nosso).7

Há uma quebra da expectativa que o fotógrafo tinha da vida nômade, sua fala não tem
conotação negativa, há, no entanto, um tom de decepção, os trechos de seu diário dão a entender
que aceita com mais facilidade a diferença presente no outro enquanto ele é um estranho naquele
local, diferentemente do cônsul, mesmo estando em situação de estranheza não há um processo
de reafirmação da própria identidade ou tentativa de postular uma superioridade
ocidental/brasileira, mas uma desconstrução do que “conhecia” do outro, dando lugar às
imagens vívidas do povo com o qual teve contato.
Hall afirma que “a ideia de que esses lugares [países orientais] são ‘fechados’ –
etnicamente puros, culturalmente tradicionais e intocados até ontem pelas rupturas da
modernidade – é uma fantasia ocidental sobre a ‘alteridade’” (2006, p. 79 - 80). Nesse processo
de negociata cultural, o desaparecido retrata em seu diário a quebra dessa visão fantasiosa sobre
os lamas budistas ao falar abertamente sobre a imagem construída pelo Ocidente: “Os lamas
budistas não eram os santos homens que o Ocidente imagina. Não suportavam a diferença
(...). Por que seriam diferentes do resto dos homens? ” (CARVALHO, 2003, p. 58, grifo nosso).
É a partir do contato na constante viagem pelo deserto, onde “o interessante não é o
sistema e os costumes [dos nômades] (...). São as pessoas ”, que a imagem de “bom selvagem”
construída pelo ocidente passa a ser desconstruída na visão do fotógrafo. Os mongóis, que
deviam “estar cheios dos estrangeiros curiosos que vêm vê-los como se fossem animais em
vias de extinção” (CARVALHO, 2003, p. 43), também olhavam para o ocidental, como se este

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As diferentes tipografias serão mantidas assim como as citações dos diários que compõem a edição brasileira de
Mongólia, devido à importância de tal diferenciação para obra.
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fosse um extraterrestre: “Os estrangeiros também parecem incomodar os jovens mongóis. (...)
O olhar direto e persistente nem sempre é de curiosidade como gostariam os que ainda
acreditam no mito do bom selvagem” (CARVALHO, 2003, p. 43).
Por essas razões percebemos a existência de uma tensão em ambos os lados devido à
perturbadora distância presente entre os sujeitos, que não se constituem um sem o outro.
Bernardo Carvalho explora as divergentes construções realizadas pelos dois brasileiros que,
frente ao mesmo espaço, criam diferentes imagens do oriental, na esteira de Bhabha, podemos
dizer que há uma rearticulação de conhecimentos que não retornarão a ser os mesmos, mas que
produzem novos espaços de significação devido ao processo performático de contato. Nessa
rearticulação o fotógrafo possibilita o abalo de antigos conhecimentos e novos processos de
compreensão dos nativos ao mesmo tempo que a narrativa nos apresenta a perspectiva
etnocêntrica do Ocidental.

Brasil – China – Mongólia: Considerações finais

Por meio deste artigo, buscamos apresentar uma leitura do romance Mongólia, de
Bernardo Carvalho, a partir do viés dos Estudos Culturais Pós-coloniais. Tal leitura nos
permitiu uma reflexão sobre a questão da formação identitária do sujeito contemporâneo em
cenário de constantes migrações. Isso posto, observamos que Mongólia problematiza vários
processos de (des)construções das identidades e, simultaneamente, abala as ilusórias certezas
que as personagens nutrem tanto sobre suas “origens”, quanto sobre suas percepções.
Estando a própria narrativa situada em um entre-lugar, entre a possível realidade de um
relato de viagem e a uma construção ficcional, Bernardo Carvalho busca mais do que uma
reprodução mimética das paisagens culturais, focando no íntimo da relação entre os indivíduos
e mostrando a tensão existente no contato com o outro em virtude da reprodução de estereótipos
e das oposições entre Ocidente e Oriente, abordando a partir desse processo de estranhamento
os meios a partir dos quais acontecem os atos performáticos de construções identitárias.

REFERÊNCIAS:

BHABHA, Homi K. O local da cultura. 2ª ed. Tradução de Miriam Ávila, Eliana Lourenço e
Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
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CARVALHO, Bernardo. Mongólia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. 1ª ed. São Paulo: Boitempo
editorial, 2003.

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Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Claudia Alvares et al. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2003.

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e Guacira Lopes. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

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Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis,
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Editora UNESP, 2001.

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culturais britânicos e latino-americanos: um resgate teórico. In. ANIMUS: Revista
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literatura e cultura. 2ª ed. Niterói: EdUFF; Juiz de Fora: EdUFJF, 2010. p. 465-488.

RIECK, Maira Brum. O sujeito não sabe o nome do que ele é: enigmas do nome próprio. 2011,
133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRS). Porto Alegre, 2011.

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