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CAOERNOS DE L1NGOISTICA E TEOR IA

OA LI T ERAT URA

FACULD ADE DE LETRAS DA UF MG


DEPART AMENT O OE L1NGOfST ICA
E T EORIA DA LIT ERATURA
ROSA MARIA ASSIS VEADO
~,~A"UE:L ~LVARENGA

Ensaios de Lingüística
Cadernos de Lingüística e Teoria da Literatura

ISSN - 0101 - 3548

FACULDADE DE LETRAS DA UFMG


DEPARTAMENTO DE L1NGOISTICA E TEORIA DA LITERATURA
Ano IV - Número 7 - Dezembro de 1982
Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
«Com Carl Regera, eu acho que eu diria que o único apren-
dizado que faz sentido para mim é o que realmente modifica
a vida de alguém, não este tipo de aprendizado que se pode
medir com testes 01,.1 fazendo perguntas».

John Robert Ross


(UFMG/82)

A· Mária Beatriz Nascimento Decat, chefe do Depar-


tamentc de Lihgüísticáe· "reórtétda Literatura, a
quemvdevernos, em grande parte, a continuidade
dessas, publicações;
Esta revista está aberta a contribuições - Prazo: 30 de junho

Endereço para correspondência:

Departamento de Lingüística e Teoria da Literatura

FACULDADE DE LETRAS DA UFMG


Rua Carangola 288 -- 79 andar - sala 729
SUMARIO

PREFACIO 7

Conversa com Ha] Ross


Maria Cristina Magro (UfMG) 9

A Classificação do Tapirapé na Família Tupi-Guarani


Yonne de Freitas Leite (UFRJ - Museu Nacional) 25

Sobre a interpretação dos fatos do desenvolvimento fonológico


Eleonora Albano da Mott. Maia (PUC-SP) 33

Dois fenômenos de supressão em limite em palavra


Mônica G. R. Alkimin e Cristina A. Gomes (UFMG 43

Alçamento de vogais pretônicas


Maria do Carmo Viegas e Rosa Maria Assis Veado (UFMG) 53

Sobre os reflexos sociais da mudança em progresso


Marco Antônio de Oliveira (UFMG) 71

A ordem VS em Português
Euhice:Souza Lima Pontes (U FMG) 90

Anacoluthon and «Double Subject» Sentences


Eunice Pontes (UFMG) 138

Discussion of the Anatomy, Physiology and Pathology involved in


Dysarlhria and Apraxia
Dilza· Dantas RodrigLJesAntühes 147

Cognitive Psychology and Applied Linguistics: a timely


rapprochement
Richard Jackson Harris (Kansas State UniversityjUFMG) 153

Conceitos de Estilistica
Anna Maria Viegas (UFMG) 165
MARIA CRISTINA MAGRO
Universidade Federal de Minas Gerais

Conversa com Haj Ross


Depois de algumas semanas que Haj Ross estava em Belo
Horizonte dando um curso em nossa Faculdade, pensei em fazer uma
entrevista com ele, uma forma de passar para mais gente uma série
de coisas interessantes e muito pouco convencionais que falava em
suas aulas. Haj aceitou logo. Acabamos fazendo uma gravação de
três horas, trabalho de dois dias, que, pena, não pudemos publicar
integralmente. Tive de reduzir tudo, e com isto mceio ter perdido
muita coisa, muita correlação, muita dica importante a respeito de
uma visão integral do mundo e da vida.
Rosália Dutra participou de parte da conversa. Perini ouviu
outra. Mas o que é básico é que esta foi uma conversa para todo
mundo e, por isso a pedido dele, sai aqui em português - para todo
mundo poder ler - e num português muito coloquial . . .
John Robert Ross ou Haj, como quer ser chamado, é um dos
lingüistas do M. I. T. que mais se sobressaiu na década de 1970 com
seus trabalhos na linha gerativo-transformacional. Hoje ele tem
uma postura crítica diante da Lingüistica Formal, da nossa visão
compartimentada do conhecimento.

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a: Todo mundo que te viu aí pela Faculdade sabe que você
faz malabarismo na sala e carrega bolas nesta sacola. Por que
você faz malabarismos e por que ensina isto pra gente?
H: No ano passado, de março até maio, eu estive em Berkeley,
onde encontrei uma estudante de Lingüística que era também mala-
barista profissional, Nancy Levidow. Uma forma muito pouco elucl-
dativa de falar sobre o que aconteceu seria dizer que eu aprendi a
fazer malabarísmos. Eu descobri que era um malabarista, ou seja,
foi quase uma experiência de 'déjà vu', Então, o que o malabarismo
tem a ver com a minha vida? Por que ele estava dormindo dentro
de mim por tanto tempo? A mesma sensação de 'reconhecimento'
eu tive quando, em 1956, fiz meu primeiro curso de l.lngüística. Li no
catálogo de graduação da Vale sobre o único curso de Lingüística
quaotereclam, .onde a. estrutura da linguagem seria pesquisada e, no
segundo semestre, uma lingua. desconhecida pelos alunos seria
estudada. Fascinante! Decidi, depoís deste curso que fiz com Bernard
Block.. um professor fabuloso, ser lingüista. Mas. na Yal~ não. havía
graduação em. Llngüistlca, entãp. eu tive. que. cursar. Matemátic~,
pen~ando em fazer. pós-graduação .•. ~mLingüís~ica. Fui um •• péssimo
estudante naYale, . rnas.rn~divertiat~,jogando pôquer, . futebol...
(rislls).J::u . tí.nha•• urna8ert~ .h.~l)lIid~<:Iéforrnal, ..mas. não o.. suficiente
para ser um maternático'l\t~q\j~euir0<:l~l em Matemática, e fui
pr~por ao Bernard~I()ckf~zerUnlPrOgramaespecial em Lingüística
para mim. Fuí o prímeiroe único Iingüísta da Vale, porque durante
deianosélesriãOsêarriscarallláteróutros alunos como eu (risos).

a: Eu sirdo q~e o mesm,o tipo de coisa que te fez fraca;;s.a.r


na Matemática te levou a abandonar a Lingüistica Formal, tá certo?
H: Está. certo por um lado. No inicio, quando eu pensava em
ser um linguista, eu pensava em estudar Lingüístlca e mais nada,
sem. ligar pra Química, ou História, •. ou Arte Grega, como era. o
pensamento de todo mundo na época. Conheci a Síntaxe através de
Zellig Harrls, depois no M.I.T. sob uma forte influência de Chomsky
e Morris Halle e outros, como Ed Klima e Paul Postal. Nesta época
eu estava sendo um lingüista, vivendo numa torre de marfim, como
se a Lingüística nada tivesse a ver com as outras áreas acadêmicas
ou mesmo com a vida real. Mas quando eu estava termínando o
curso do M.I.T. eu tinha 29 anos. Havia uma crise geral na minha
vida particular e na história da América. Com exceção do genocídio

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que praticamos contra os índios, o genocídio que estávamos praticando
contra o povo do Vietnam era o pior que já tínhamos feito. Nesta
época também começava uma controvérsia no campo da Gramática
Gerativa. Minha visão bastante simplista de ciência, segundo a qual
há uma só verdade que todos lutamos juntos para descobrir, começou
a ser substituída por uma visão pluralista do trabalho científico, onde
duas teorias são duas maneiras de se ver o mundo, podendo ambas
ser corretas, e além disto necessárias. Eu nunca tinha pensado nisto
até esta controvérsia que ocorreu na Lingülstica.

Logo que acabei minha tese, Chomsky estava dando uns cursos
no M.I.T. sobre o que ele chama hoje de lexicalismo ou teoria de X,
apresentando um artigo chamado «Remarks on Nominalizations». Nestes
cursos eu discuti com ele passional mente, desesperadamente, porque
eu via um homem genial, magnifico, que me ensinou a pensar, e
a quem psicólogos e filósofos devem rnultísslrno, uma pessoa qlleeu
reverenciava e tentava transformar em meu pai intelectual, falando
coisas que para mim eram terrivelmente erradas, pouco intultivas.
O que eu hoje diria é que Chomsky tem um senso de estéticadifer~~te,
que ele vê a beleza com olhos de um matemático, de um filósofo
formal, de um lógico. Sua formação foi toda técnica, analítica. Um
de seus professores foi, Nelson Goodman, um homem brilhante, extre-
mamente lógico, preciso; ele sofreu, também influências, de Carnap,
Bar-Hillel.r.todos eles pessoas que trabalharam prlrnordlalmente com
linguagens formais como a Aritmética ou a Lógica Formal. Nestas
linguagens faz sentido separar claramente a Sintaxe da' Semântica e
da Pragmática. Muitos de nós, hoje, não achamos que tem tanto
sentido assim fazer esta separação com línguas naturais, onde estes
slstemas estão lntrlnsecarnente-ccneétadós.

c: Mas a sua tese afuda foi' feita no espírito formalista


de Chomsky!
H: Vista por um lado.veúdlrla ataque ela é uma contribuição
para a l.ingülstica Formal,ürnaexpansâo do seu livro até então
inédito TheLogicaIStructureof'. Linguistic Theory, que estudava
propriedades de regras. Oficialmente, minha tese era sobre a formação
das relativas em quaisquer línguas do mundo. É uma contribuição ao
estudo das transformações, vistas como entidades abstratas. Mas se

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você olhar bem, vai achar nos pés- de-página montes de digressões,
coisas de quem entrou numa área pouco conhecida e ficou fascinado,
como um naturalista jogado nas Galápagos que fica fascinado com os
novos tipos de borboletas, aves ou cobras que encontra lá. Tinha
mais. ou menos um interesse 'botânico' pela Sintaxe. Uma amiga
minha, uma das pessoas mais geniais que trabalham no campo do
que. podemos chamar de 'a estética da Llngülstlca', ou a psicologia
profunda do campo da Lingüística, Anneliese Krarner, me chamou a
atenção para algo muito interessante a respeito da minha tese. Quando
tento definir áreas da estrutura sintática que resistem à mudança
de elementos de dentro dela para fora e vice-versa, chamo estas
áreas de ilhas, e não de domínios, ou qualquer coisa assim. Porque
eu uso esta metáfora? Ela sugeriu que o que eu gosto mesmo de
fazer é estar numa ilha, longe do resto do mundo, como se estivesse
descobrindo um novo planeta ou Galápagos. Eu gosto de quebrar o
que eu vejo como 'paredes' das pesquisas acadêmicas anteriores.
Eu sou um péssimo estudante do trabalho dos outros. Eu detesto ter
que ler as pilhas de livros e artigos que os outros escrevem, mas
gosto de caminhar por mim mesmo, de tentar encontrar, em seus
próprios termos, este ser magnifico que eu adoro profundamente, a
linguagem.
a: Você uma vez falou que a linguagem era uma mulher.
H: É... talvez isto esteja relacionado com um livro que estive
lendo chamado Wornan and Nature, de Susan Griffin.Em duas palavras,
a tese central do livro éo que se passou na mente de Descartes que,
corna ajuda de Galileu e Bacon e outras pessoas, estabeleceu o
curso da ciência moderna.. por volta de 1600. Para Descartes, o
universo em si seria dividido em duas partes, essencialmente corpo
e. mente-- 'res-cogítans', a coisa pensante, agressiva, macho, centro-
ladora, exploradora, e 'res-extensa', a extensão, que é a natureza,
meio passiva, receptiva, e fêmea. Não é à toa que falamos em
Mãe-Natureza. Susan Griffin levanta neste livro uma série de metáforas
usadas pelos primeiros cientistas como Bacon, por exemplo, que usou
a palavra tortura falando sobre a relação entre o cientista e a natureza.
Ele dizia que a Natureza deveria ser posta num cavalete e torturada
para nos revelar. seus segredos. Vemos hoje, como conseqüência deste
tipo de pensamento sobre o desenvolvimento da tecnologia e ciência, o
desequilíbrio em. que se encontra o mundo atual. Carolyn Merchant
chama atenção para o mesmo fato em seu livro .The, Death of Nature,

- 12-.
citado por Fritjof Capra no incrlvel The Turning Point. De qualquer
forma, seja lá, por que razões, vejo a linguagem como uma mulher,e
para mim ela tem sido uma professora, um ser, depois' que eu
passei pelo que chamo de 'rituais de purificação', submetido a uma
disciplina intelectual rigorosa, tendo que aprender a Gramática de
Montague, a Gramática Gerativa, ou Fonologia, por exemplO,'· que
não são coisas fáceis de se manejar de maneira criativa. Esta não é
uma tarefa fácil que se tem exigido dos lingüistas.

a: Você acha então que o que os lingüistas do M.I. T. fizeram


foi torturar a linguagem, construindo gramáticas tão formais e
abstratas que não permitiram que ela desabrochasse, por assim dizer?
H: É... Eu não gosto de jogar pedras, não gosto de criticarias
pessoas porque isto traz em geral efeitos negativos. Acho que osenso
de beleza e elegância que está presente nos trabalhos de Chomsky e
Halle é um tipo de beleza dos sistemas matemáticos abstratos etormaís,
uma beleza multo rigida. Mas obviamente existem tipos de Matemática
menos rígidos. Tem uma pessoa em Berkeley, no Departamento de
Ciências da Computação, chamada Lotfi Zadeh, que desenvolveu a
teoria que ele chama de 'fuzzy-set theory'. As entidades básicas. desta
teoria são conjuntos onde a função de seus membros não ébinária,
onde há portanto graus de. pertinência, graus de verdade etc.. .vê-se
então que é possível desenvolver sistemas matemáticos alJsolut~rnente
formais que não. sejam do tipo binário sim/não, aosquaís esta.rnos
acostumados pelo estudo. do Cálculo do Predicado. ou da Lingülstica
Formal. O espírito de Chomsky, e acho também que o de Halle,
ressoa mais com o tipo de sistemas rlgidos, de contornos definidos,
discretos, como o do Cálculo do Predicado e dos tipos mais convencionais
da M~ternática.!\~sirn,. ele~olp~m.99me~te típ9<deóculos,. com este
aparato .Çog~ltiyo,a .'ing~~?Yrn'iepelalJusCarnelernentos. 9u. aspectos
que fazem umcerto senti99~oserElrn an.alisados de maneira discreta,
formal. Os fatosquerny'lig~rn'i natlnguagern .são distintos dos que
'ligam' Chomsky e Halle. Para rnim. as coisas se parecem mais com
um arco-iris, são mais graduais. Em 1960 ou 1961, quando eu não
sabia nada sobre Gramática Gerativa, eu flz urna palestra em Bonn,
na Alemanha, a primeira da minha vida, sobre propriedades não
discretas.

a: Você também desenha, pinta. E esta ausência de contornos


definidos você também imprime no seu trabalho artístico . . .

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H: Eu não vejo meu trabalho em arte desconectado do. meu
trabalho em Lingüística. Meu trabalho em Sintaxe é uma manifestação
de minha 'necessidade' artística de criar coisas bonitas. Tem uns
dez anos que eu tenho sido um artista de contornos muito pouco
definidos, graduais. Não é à toa que gosto dos impressionistas, muito
mais do que dos pintores realistas do século XVIII que os precederam.
Acho que poderíamos dizer que eu sou um sintaticista impressionista.
Voltando à minha tese, ela é uma mistura engraçada de Lingüística
Formal, teórica, técnica, de contornos definidos, e subjacente a ela
está uma sintaxe gradual, selvagem, anárquica, incontrolável, irnpresslo-
nlsta e botânica. E muito profética. Acho que ela é mais importante
pelas questões que coloca após uma vivência disciplinar rígida do
que por seus próprios resultados. O último capítulo termina com a
citação de uma introdução ao livro de poemas de e. e. cummings:

«Always a more beautiful answer who asks the more beautiful


question».

c: Como e por que você começou a trabalhar com poemas?


H: Quando escrevi minha tese, eu tinha tido a oportunidade
de assistir um curso do Roman Jakobson no M.I.T., um curso sobre
poética, chamado «Crucial problems ln linguistics: poetics» (e pronuncia
o título com sotaque russo; rimos). Este curso mudou para sempre
minha visão de linguagem. Eu me lembro de ter perguntado a ele,
depoís de uma exposição de mais de três horas sobre a estrutura de
um poema de Blake, «Infant Sorrow»:

«Olha, como Blake põde fazer para que as quebras das sílabas
resultassem numa série de substantivos, em número idêntico ao
de verbos, de 'fs' aqui e de 'ns' e 'ds'? .. Como ele conseguiu
manter todas estas bolas no ar - para usar a metáfora dó
malabarismo--?»

A resposta de Jakobson foi ótlrna:

«Blake não fez isto conscientemente, da mesma forma que não


pensamos em que preposrçao vai fechar uma cláusula relativa
quando falamos uma sentença em inglês».

- 14.-
G: É interessante você ter mencionado isto porque nossos
alunos, ou às vezes colegas, costumam dizer: "por que fazer isto com
um poema? Você acha que o poeta fez isto mesmo?" As pessoas
criticam muito o trabalho dos críticos sobre os poemas.
H:. Hoje eu tenho um sentimento bem mais radical a esse respeito
do que tinha naquela época. Minha visão é ade que a arte ~ão é
criada conscientemente pelo artista. Vejo isto pelo meu próprio trabalho
em pintura, música e poesia, amador como ele é. É necessário.entr~r
num estado mistico de consciência, de que os poetas falam usando. a
metáfora das Musas que são invocadas. Até onde eu posso ver, o espaço
necessário para se fazer qualquer criação artistica é o mesmo espaço
que se tenta atingir com práticas de meditação no Budismo, Ta~ísmo,
Hinduísmo, onde a gente deixa de se enxergar como sendo separado e
distinto do universo..É um espaço onde o tempo não é mais .uma
seqüência linear. de momentos, onde as oposições e polaridades .são
transcendidas. É. um espaço onde. a diferença entre res-cogitans. e
rés-extensa de Descartes deixa de existir. Aí o Universo fala através
do arti~ta. O Universo, eu acho, é o verdadeiro autor, o verdadeiro
artista, é uma inteligência vasta e inacreditável da qual nossa cons-
ciência limitada pode às vezes apenas experimentar um cantinho.
Como cientistas, eu acho, usamos nossa ciência como um veículo,
como uma forma de sermos levados para dentro deste esp~ço_É
nossa maneira de contactarmos Musas, e quando estamos lá é que a
Ciência nasce. De fato, muitos cientistas foram bastante explícitos ao
falar de suas 'peak experiences', no dizer de Abraham Maslow.. Falam
de ter trabalhado corn um problema por muito, muito tempo, sem
suces~o nenhum, até que a. solução. da equação é vista, num instante
atemPoral, c~rn}bsolutaGlareza_ Mozart.contater visto uma sinfonía
inteiran.yrrt dEl~t~srn?rn~ntos, algo .co uma .:estrutura abstrata,
l11o
uma. escu'tura,umaf~rl11~ gElométri?a~tud(). o que el.e fez foi. passar
para o papel. Estas s~o~xperiên?i~sqye todos buscamos. Pena que
não possamos permanecer reste espaço de 'satori', no espaço de
'nirvana' .-
•.- para usar os termos. budistas - porque temos que dar
continuidade a esta disciplina da gramática de Montague, da Fonêmica
Estruturalista, ou qualquer outro aspecto do nosso papel na ciência.

G: Você vê este trabalho com poemas, ou sinfonias, ou pin-


turas, como uma conversa com o artista? O que significa para você
trabalhar um poema?

- 15-
H: Bom, poesia é uma transação muito engraçada. Em geral
acredita-se queo poeta rabisca uns traços na folha de papel e o que o
leitor ou o crítico fazem é retirar destes rabiscos o que o poeta pôs
neles. Esta idéia está bem de acordo com o pensamento descrito num
artigo incrível de Michael Reddy chamado «The. Conduit Metaphor»,
que. está num livro organizado por Andrew Ortony, Metáphor and
Thought. Ele mostra que usamos, em inglês, frases como 'That woman
packs a lot of meaning into her words', ou 'why don't you put this
thought earlier in the paragraph?'. Segundo esta metáfora, idéias
seriam 'coisas' como balas de goma, por exemplo, e comunicar-se
seria mover as balas de goma de um lado a outro de um tubo.
Assim poderíamos dizer que um poema é uma. representação física
ou visual de idéias do poeta. Mas eu não acredito que seja isto
mesmo; porque cada um de nós vem para o poema com uma história
completamente diferente e única. Uma imagem que funciona para
uma pessoa não funciona para outra. Por isto eu penso que a relação
entre poeta, poema .B leitor é triádica e que, num certo sentido, o
poema surge porque o poeta trabalhou seu contato com a Musa.
Para penetrar nesse espaço atemporal de criação, o espaço-fonte dos
'lnsights', o leitor tem que praticar um certo tipo de disciplina. Há
certas coisas nos poemas que se repetem, como. a distribuição dos
versos e rimas, há certos tiposde estruturaque você provavelmente
já terá visto antes. Por outrolad.o, haxerá c?isas que você ~unca
encontrou. ou encontrará .emqualqueroutro poema, uma. estrutura
própria queirásend.ocorystruícjaà medida. que ele avança. Então,
se você aborda ~111 poe assímcornuma visão pesada, prescritivista,
l11a
controladora sobre ? q~~.o po~ma pode te mostrar, tudo o que ele
irá te mostrar será? que você tem em seus próprios olhos. Acredito
que você tem que chegar até um poema com o máximo de conheci-
mento possível sopr~ .a .teoria da rima, do ritmo, de figuras como
metáfora, metonímia,. sinédoque etc, mas também e principalmente,
você deve chegar co a determinação de abandonar tudo isto e deixar
I11
que o poema se mostre a você como uma flor nova numa ilha que
um naturalista esteja explorando, algo que nunca existiu antes.

a: Você uma vez me falou que a lilnguagem é também para


você um poema, e argumentamos em favor de sua afirmação falando,
por exemplo, da sonoridade da linguagem. Pensando agora em
linguagem e comunicação, para você o usuário da lingua deveria
interagir com os outros da mesma forma que o leitor com o poema?

-16-
H: Exatamente. Corretíssimo. É por isto que eu acho que não
podemos superestimar a idéia de Reddy do.. artigo« The Conduit
Metaphor», apesar de ela casar bem com o sem-número de expressões
do inglês sobre comunicação. Segundo esta visão, comunicação é bem
fácil. É facílimo eu pegar uma caixa, enchê-Ia de balas de goma,
entregar-lhe esta caixa e você retirar dela as balas. Isto não exige
nenhum esforço. Há, por outro lado, uma analogia interessantíssima
feita por Peter Elbow no apêndice do livro Writing without Teachers,
chamado «The Doubting Game and the Believing Game - An Analysis
of the Intellectual Enterprise». Ele compara a comunicação com a
transferência de um filme: na cabeça do emissor há imagens de um
filme e uma trilha sonora. O que o emissor transfere para o receptor
é só a trilha sonora. O que o receptor tem que fazer é imaginar que
imagens estariam na cabeça do emissor correspondendo à trilha sonora
recebida. Seria construir um filme tão rapidamente quanto possível
a partir dos dados que temos, Pensa quanta imaginação e ingenuidade
seriam necessárias neste processo! Imagine se te dessem a trilha
sonora do 2001 e você tivesse que construir todas aquelas imagens
fantástícas! Seria uma aventura criativa, imperfeita, corajosa e cheía
de riscos. A metáfora de Reddy só é válida para certos tipos de
comunicação, triviais, desinteressantes. A analogia de Elbow, no entan-
to,parece válida para todos os tipos, porque além do conteúdo
denotativo de, por exemplo, uma informação que você dê sobre como
ir ao Correio da Savassi, há todo tipo de informações paralingüísticas
na velocidade de sua fala, na melodia de sua voz, nos seus gestos,
nas suas atitudes, se, por exemplo, você está próximo ou não da
pessoa com quem fala. Todas estas coisas comunicam demais! Se
eu estou dando informações objetivas ou escrevendo um poema, tudo
estará mecomunic~ndo da forma mais profunda possível. A Lingüística
tem centrado seu. interesse na parte da mensagem que diz 'primeira
rua à direita, segunda rua à esquerda e depois cinquenta metros à
direita. está o correio'çique a. meu ver é a porção maís trivial e
desinteressante.

O: Você saiu da LingüisticaFormal para a Lingüistica 'Natural'


ou 'Humanistica", e, da mesmaiormavâe um trabalho a que se poderia
chamar 'Oritica. Literária', vamos dizer, para a Poética 'Natural',
certo? Depois disto tudo qual a sua. visão de ciência? O que> seria
esta 'visão pluralista de ciência'?

- 17
H: Vários fatos foram cruciais neste processo. Primeiro, como
falei antes, as controvérsias em torno da Lingülstica Gerativa: além
disto, as dificuldades inerentes à passagem dos 30 anos _. quando
você se vê frente à sua própria mortalidade - e ainda algumas
leituras que fiz sobre Zen, os livros de Castaüeda, todo tipo de coisas
sobre pensamento não-ocidental: Taoísmo, Filosofia, Budismo, Hinduís-
mo etc. É Impressionante como todos estes ensinamentos possuem
uma certa constância. Eles dizem que o mundo em que vivemos tem
um certo tipo de realidade, que é essencialmente a realidade que
sonhamos: se você chuta uma pedra no sonho. seu pé dói. Mas está
também disponível para nós um outro tipo de percepção da realidade:
quando você acorda, você descobre que a pedra que você chutou
era apenas criação da sua mente. Todos estes ensinamentos concordam
com que haja uma maneira de se acordar. O que nós tomamos como
sendo o mundo real possui uma realidade condicional em si mesmo,
e você pode se perder nesta empreitada. A grande questão da vida
seria acordar. Comecei a pensar no que significaria acordar e me
dediquei a aprender um pouco de yoga, meditação, e outras coisas.
Todos estes ensinamentos nos mostram que quando estamos acor-
dados nós não vemos o mundo todo repartido, separado, sendo Haj
diferente de Cristina e de Perini. É uma ilusão considerar-me diferente.
Da mesma forma, meu trabalho em Lingüistica deveria ser: uma
tentativa de entender a estrutura do universo: Medicina, Arte Grega,
tudo como sendo a mesma coisa.
A ciência atual vê o mundo corno uma maquina. Há uma certa
percepção do. universô. côrrt0úmrnonte de p~rtículà~. independentes
uma das outras e do próprio observador. Esta visão nos permite
falar de dois elétrons,. pensar • em.súasihterâC;Õesem· termos de
atração magnética, gravitação. A Física Moderna, no entanto, nos
mostra que esta perspectiva é falsa, . ou seja,· que nossa decisão
sobre que propriedade do elétron· decidimos medir •influehcia esta
propriedade, ou seja, ele não tem certasproprledadés pôr si mesmo,
independente do observador. O elétron e o observador constituem,
juntos, um sistema. Isto foi descoberto na Alemanha há 50 anos
atrás. O sucesso obtido pela possibilidade de se reduzir fenômenos
complexos em termos de unidades menores levou-nos a encarar como
sendo objetlvo, completamente neutro, este procedimento. Por Isto
achamos que é étimo poder partir qualquer fenômeno complexo, estudar
suas partes isoladamente e que um dia conseguiremos juntar nova-

18 -
mente estas partes. Há, no entanto, muitos casos que nos mostram
que este procedimento não funciona. Acho que é o caso da água
do mar, por exemplo, que pode ser quimicamente decomposta e
analisada em detalhe, mas quando tentarmos sintetizá-Ia ajuntando
todos os seus ingredientes, e pusermos dentro dela um peixe, ele
não viverá. Há muitos casos no estudo do mundo em que o todo é
mais do que a soma de suas partes, assim como, eu diria, um poema
não é a soma de seus versos... Se olharmos a estrutura atual das
universidades, achamos inteiramente plausível termos universidades
que separam a ciência das humanidades, e que separam as ciências
sociais das exatas etc. Impede-se assim que os estudantes tenham
uma visão global do universo.
Em Lingüística, o que seria necessário seria juntar prosa e poesia,
vê-Ias como o mesmo tipo de coisa, provavelmente vista sob duas
perspectivas distintas. Juntar ai o que chamamos de para-lingüística.
Transcender as fronteiras entre Filosofia e Psicologia, Filosofia e
Flsica, ver um trabalho que eu tenha feito sobre um poema como sendo
idêntico ao trabalho de Einstein etc, etc. O próprio Fritjof Capra fala
no The Turning Point que o mundo está em total desequilíbrio. Nós
idolatramos a ciência a ponto de acharmos que a ciência é o único
caminho válido para o conhecimento, e ainda nós jogamos fora tudo o
que seria o 'espirita' - valores espirituais, religiosos, morais e éticos,
que poderiam refrear, por assim dizer, a ciência.

a: É. o que temos feito vida afora é partir estruturas em


pedaços e perder o sentido do todo. Parece-me ser muito mais
difícil agora pôr tudo junto, do que se especializar em algo muito
particular, não aoha?
H: Acho sim. Nós temos duas alternativas hoje: saber nada
sobre tudo, que é a atitude do generalista, e saber tudo sobre nada,
que éocaso, limitante, do especialista. Kenneth Pike falou, num
encontro aque esteve presente em Arlington, Texas, março passado,
que ele tem tentado, com seu trabalho, perfurar fundo, mas irrigar
bem amplamente. É assim que eu acho que não faz mal a gente
estudar, saber-tudo o que se pode sobre a aquisição de cláusulas
relativas em turco por crianças de dois anos de idade, contanto
que se tenha em mente que isto é somente uma pequena parte do
todo, que isto é parte do universo, de uma estrutura única que
estamos iluminando com este estudo.

-19 -
R: Você falou uma vez que não consegue mais fazer Sintaxe
como antes. Você acha que ao fazer Sintaxe - se voltar a
fazê-lo ~ seria possível quebrar com esta distância entre Lingüística
e Química, por exemplo, ou. .. talvez no seu trabalho com poemas
isto seria mais fâcil . . .
H: Quando eu trabalhava com Sintaxe, eu estava fazendo 'ciência'.
Eu estava partindo o mundo em pedaços e eu queria parar de fazer
isto, porque comecei a acreditar, a ter opinião de que isto era ruim,
e não queria contribuir mais com esta visão de ciência. Uma vez uma
amiga, Ellen Zweig, que é uma poetisa incrível, disse que eu tinha uma
compreensão muito limitada da arte. Acho que ela estava certa. Primeiro,
porque não conheço muitas formas de arte. Segundo, porque na verdade
eu devia ver meu trabalho em Sintaxe como uma manifestação artística.
Aárte não precisa se parecer com pintura, escultura, uma sinfonia
ou algo assim. Acho também que as pessoas valorizaram meu trabalho
em. Sintaxe porque ele era divertido, 'insíghttut', bastante criativo.
Mas oque eu detesto mesmo é ficar díscutindo com os outros, entrar
em polêmicas como as que costumam ocorrer entre 'cientistas'.
R: BJ você tem que se ver envolvido em polémicas se. você
faz Sintaxe?
H: A primeira coisa que eu acho é que a gente não precisa
ficar atacando o trabalhados outros -- •• se. ele te parece pouco criativo,
nãÓprecísa dizer.. ~uponh~entãoq~e eu escreva um artigo em
Sintaxe.e usedia~~arJl~s~rnáry?re.ouuse nódulos como SN ou O.
qrJl~utreinarJle~to~que.seráo~Yído,eentão as pessoas que sempre
foram excluídas da Gramática Geratíva, que se opuseram a ela e foram
criticadas por ela, vão cair de pau em cima de mim. Eles acham que
só por eu> ter. usado O, ou setas, outer mencionado a palavra trans-
formação,ewas estou atacando diretamente. Hoje você tem que ler
tudo o que escreveram sobre determinado assunto na semana passada,
mesmo sem. entendernada, Todo mundo é fascinado com a linguagem,
mas acaba desencantado pela Lingüística. É quase que um milagre
termos os três aqui sobrevivido ao incrível monte de coisas aborrecidas
que. tivemos que. estudar sobre a linguagem. O que eu adoraria
fazer é escrever algo sobre a estrutura da linguagem que todo mundo
pudesse ler.
R: Você sempre fala de sua preocupação em desanimar. pes-
soas com um certo tipo de Sintaxe. Mas eu tenho certeza que você

- 20-
também está desagradando muita gente com o trabalho que está
fazendo agora. Fica parecendo que você está arranjando desculpa
para não fazer Sintaxe.
H: Uma vez eu escrevi um artigo sobre performativos, isto foi
em 1968. Foi publicado em centenas de cópias que circularam por aí, e
gerou este tipo de indústria de gente que é a favor da análise de
performativos, ou contra a análise. Quilos e quilos e quilos de papel
e livros foram escritos. O que me incomoda é que eu gastaria a minha
vida criativa inteira pra saber, disto tudo, o que há de verdadeiro a
favor ou contra a análise. Se eu tivesse que fazer isto me acharia
preso, sem liberdade. É por isto também que a Siritaxe foi interessante
para mim e pode ser por isto que ela não é mais. Eu detesto ter que
ficar lendo milhares de páginas, anotando coisas. Talvez seja isto a
ciência, séria, real - percorrer milhares de páginas e fazer este tipo
de trabalho. Neste sentido, eu duvido então que eu seja um cien-
tista sério.

a: Como que se poderia trabalhar em Lingüística para não


se perder a noção do todo?
H: Eu acho que, onde quer que se veja uma distinção em
Lingüística, a gente deve se perguntar se não é possível transcendê-Ia.
Uma fácil é a distinção feita na universidade entre Lingüística - a
ciência - e Literatura -- o estudo da arte, Vamos abolir esta distinção.
O que eu, quero dizer com isto não é que ninguém mais pode trabalhar
em Sintaxe ou em Literatura, mas que não se treine o estudante só em
Sintaxe. É preciso mantê-lo o mais possível no estado de malabarista,
ajudá-lo a ter tanto entendimento sobre Poesia, quanto sobre Sintaxe.
E isto não significa que ele deva ser um mero consumidor da poética,
ler uma quantldadeInfinitada.análises de poemas, de gêneros literá-
rios, história-da, literatura>d~p0rtugal e do Brasil ou coisa assirn.
O estudante precisa. ser ul11"poet~, ~ã? interessa se seus poemas
são átimos ou não.,~I~ j)recisa,o~virpoetas lendo seus próprios
poemas, precisa ele próprio ler poemas seus e dos outros, e assim
entender como um poemaré-umardança da voz. Suponhamos, no
entanto, que alguém queira sér<lJmsihtaticista. Como treiná-lo-para
isto? O que eu acho é que agentenãodeve ter por objstivo fabricar
gramáticos gerativos, por exemplo. É preciso tratar a Gramática Gerativa
como um tipo particular de metalinguagem, uma forma de falar da
linguagem. Assim como eu acho que seria bom para todorhlJrido

-21-
ser um cidadão do mundo, saber quantas línguas fosse possível e
conhecer quantas culturas houvesse para transcender a estreiteza de
sermos cidadãos de um único país, seria bom que um Iíngüista teórico
fosse versado em várias metalínguagens. Quando se é cidadão de um
só pais, a gente tem a impressão de que nosso país é melhor do que
todos os outros. Se a gente tem a habilidade de um malabarista, de
manter uma série de bolas no ar, de manter uma série de bolas
teóricas no ar, isto não previne você contra se sentir mais em casa
numa perspectiva teórica que noutra. A gente tem que lutar contra o
não Se sentir em casa em todas as teorias exceto uma. Esta é a
dlcotomização inimiga. O que eu gostaria é de ter todo um conjunto de
perspectivas teóricas dentre as quais eu escolhesse uma e que qualquer
uma delas me ajudasse a iluminar e enriquecer um conjunto de dados
lingüisticos. Nós não temos que ver cada perspectiva como compe-
tindo com outra, de forma a termos então só uma correta. Suponhamos
-- vamos deixar serem todas corretas. Vamos deixam serem todas
parciais, cada uma delas nos dizer um pouco, o que puder, sobre o
objeto. Podemos fazer um paralelo entre o que acabo de dizer e o
trabalho de Lakoff and Johnson, Metaphors We Live By. Eles mostram
que o sistema metafórico de uma língua tem também um certo tipo
de pluralismo, ou são mais ou menos como fatos poli-culturais. Ou
seja, se você fala de uma coisa em termos de uma outra coisa - que
é o que chamamos de metãfora ---- você está tentando ganhar algum
entendimento sobre umaidéla abstrata, Usando vocabulário apropriado
a áreas mais concretas do conhecimento. Não há, neste sentido, uma
só metáfora correta. Elas serão sempre parciais, ressaltando algumas
das características de um conceito e abafando outras. Assim, se
tivermos uma variedade de metáforas disponíveis sobre um mesmo
conceito, este conceito terá uma riqueza incrivel, impossível de ser
atingida de outra forma. O mesmo acontecerá com um trabalho
em que se possam considerar várias perspectivas teóricas.
O: Vocête'llt dito que é importante para você.fazer'lltalaba-
,.isrnos. Por que você acha que isto é importante pros ouiros também?
H: Eu acho que o malabarismo é a minha dança. Se alguma
coisa é categorizada. como sendo arte, ela amedronta. Muita gente
diz: eu não sou artista, eu não sei cantar, eu não sei dançar, eu não
sei ler poesia. Para mim, o malabarismo é uma forma não convencional
de arte, que não é categorizada como arte. Então eu estou tentando
ensinar pessoas que 'não são artistas', que se acham 'não artistas',

- 22-
que não podem cantar, ler poesia, dançar, pintar e coisas assim,
esta forma particular de arte. Outra coisa boa sobre o malabarismo
é o equilíbrio que a gente precisa ter, precisa restaurar no mundo em
que vivemos. Além disto, o malabarismo nos envolve sempre em
'acidentes', e você tem que improvisar, tem que jogar com seus
próprios meios. Ser um malabarista, para mim, está diretamente
relacionado com uma atitude frente à vida, a de ser um malabarista
real, sem pensar que você é o maior. É não pensar que existam
acidentes. É saber que qualquer coisa que te acontecer você precisa
conviver com ela, manter as coisas indo da melhor maneira possível.
Eu acho que fazer malabarismos é uma metáfora excelente tanto para
aprender quanto para viver.

a: E qual o sentido de ensino e aprendizado para você, se você


disse antes que não era muito correto dizermos que você aprendeu
a fazer malabarismo?
H: Pois é... Com Carl Rogers, eu acho que eu diria que o único
aprendizado que faz sentido para mim é o que realmente modifica a
vida de alguém, não este tipo de aprendizado que se pode medir
com testes ou fazendo perguntas. Mesmo o tipo de coisa que fazemos
na universidade pode provocar diferenças na vida de alguém, como,
eu acho, aconteceu comigo. Eu fico satisfeito de ter tido este treina-
mento, mas de alguma forma me pergunto se tudo isto não é
conseqüência de eu ter hoje 44 anos e sentir que meu tempo no
mundo está se acabando.

a: A gente tem percebido que você trabalha com coisas que


não são standard. Você tem trazido para nós poemas, formas de arte
e coisa& assim que estõo na fronteira das formas convencionais. Por
que oocê trdbdlha com estas OoisaS?yocê. achaque esta parte da
produção human,a,s(i é qu,e a gente pode falar assim, é mais criativa?
H: Eu acho que a resposta para está pergunta é saber de quem
é esta fronteira.· Num certóséritldovocê poderia dizer que é uma visão
radical e fronteiriça dizer que ?univ~rs? éum todo e recusar a vê-lo
de maneira fragmentada, compartimentada. Nos termos em que o
conhecimento é visto no mundo ocidental está certo dizer que tudo
isto está 'na fronteira'. O que acho é que, basicamente, crescemos
acreditando que tudo o que está na fronteira tem pouca importância,
não é central, não merece respeito, atenção, estas coisas.• Eu estou

- 23
chegando a um novo mapa do mundo e da vida, no qual elas não são
fronteiriças mas centrais, e aquelas com as quais gastamos todo nosso
tempo não só estão nas fronteiras como ainda estas fronteiras são
muito perigosas. Elas nos levam aos muitos problemas a que Capra...
se refere no The Turning Point como sendo problemas sistêmicos: a
poluição, a inflação, a superprodução etc. Talvez ele esteja certo em
pensar que estes problemas derivam do velho paradigma do pensa-
mento, e que só ficaremos livres deles se desenharmos nossos mapas
outra vez, de outro jeito. Este trabalho amedrontador, a gente fica
é

sozinho nele, é difícil viver nas fronteiras e ainda ser ridicularizado


ou visto como senil, doido ou algo assim. Mas esta a única na
é

qual, eu acho, eu consigo viver. Tem uma citação belíssima do Martin


Luther que diz:

«Here I stand
I can do nothing else
God help rne,»

Sempre achei que Haj gostava destes finais grandiosos. Aplaudi.


Rimos muito.
Abaixo estão as referências bibliográficas que colhi durante
esta conversa:

1. CAPRA; Fritjof __ .TheT~rnjngpoí~t. NewYork,Sí01onandSchuster, 1982.


2. CHOMSKY; Noem. «Remarks on Nomtnalizatlcnevlnc JACOSS & ROSEMBAUM
(eds.) Readil'lgs· in TrartsforrnatioTlalGrarnrnar,Waltharn, mass.. Blaisdell,
1968.
3. -----;Thé·LógitélIStrütturéofLiilguistieTheory~·
New York, Plenum
Press, 1975"
4. ELBOW;PE!:ter«TheDoubtingGameand the Believing àame An Analysis
c-.

of>thE!:•. ln.teHefW~IE~terprise». ln - - , Writing Without Teachers.


New York, Oxford Nn., 1973.
5. GRIFFIN, Susan. wcrnen and Nature - The Roaring Inside Her. New York,
Harper and Row, 1978.
6 LAKOFF, George and JOHNSON, Mark - Metaphors We Live 8y. Chicago, Uno
of Chicago, 1980.
7. MASLOW, Abraham ~ The Farther Reaches of Human Nature. Harmonds-
worthv Penguín, 1971.
8. MERCHANT, Oarofyn -TheDeathof Nature. NewYork, Harper and Row,
1980.
9. REDDY, Michael":":";' «TheCallduit Metaphor». ln: ORTONI, Andrew (ed.)
Metaphor and Thought. Cambridge un.,
1979.

- 24-
YONNE DE FREITAS LEITE (2)
Museu Nacional CU. F. R. .L)

A Classificação do Tapiraté na Família


Tupi - Guarani (1)
AB5TRACT

Thispaper is asttidyaboiJtvowelchanges, specialty of the vowel "a


{introducinq the notlon of cronoloqlc ordering of these chances). in
the classittcatton of Taplrapé ln the Tupl-Guarani group.

-25-
Entre as linguas Indrqenas faladas no Brasil, as do grupo Tupi têm, sem
dúvida alguma, merecido maior atenção por parte dos estudiosos brasileiros.
Do ponto de vista classlftcatórlo conta este grupo com os trabalhos de A.D.
Rodrigues e M. Lemle. O trabalho de Rodrigues é o mais extensivo em termos das
línguas consideradas e de nível das relações estabelecidas, chegando ao tronco
Tupi composto pelas seguintes Iarnrlias: Tupi-Guarani, Juruna, Arikém, Tupari,
Hamarama, Mondé e Puruborá. O método adotado é o da léxico-estatística, sendo
a relação entre as lfnguas, famrllas e dialetos determinada pela percentagem de
cognatos do vocabulário básico retida pelas l(nguas examinadas. Lemle detém-se
na subclasslficaçâo da família Tupi-Guarani, adotando o método comparativo.
Segundo esse método a hipótese para o agrupamento é a de que uma inovação
compartilhada por um grupo de hnquas implica numa separação e desenvolvirnen-
to comum das !fnguas, cuja história passa a ser independente da das lfnguas em
que aquela mudança não ocorreu. Lemle considera o Tupinambá (Tp), Guarani
(Gn), Guarayo (Gy), Sirionó (Si), Kokama (Ko}, Parintintin (Pt}, Urubu (Ub),
l<amayurá (Km), Asurini (As) e Guajajara (Gj}, e chega à seguinte classificação:

Proto Tupi-Guarani

py > c
*c >~

v> v *c >r/J
~.,

As Gj Pt Km Ub
~
Gn Gy Si Ko Tb

Segundo Rodrigues, o Tapirapé é uma il'ngua da subtamü!a Tupi-Guarani,


subfamüla essa que juntamente com as subtarnüías Kokama, Maué, Munduruku e
Sirlonó (com certa reserva) constituem o tronco Tupi. Lemle, embora não inclua
o Tapirapé em sua classificação, faz a seguinte observação: "O Tapirapé (dados de
Yonne Leite) tem muito em comum com o Asurini, incluindo a perda do contras-
te entre li e b, a fusão de algumas vogais com "1i e a manifestação fonética do
IyI como [y] em posição final de sílaba e com [~] em outros ambientes (3). Entre-
tanto sua inclusão na mesma seção do diagrama junto ao Asurini é difícil porque
a nasalização das vogais continua como um traço fonêmico do Taptrapé, mas não
do Asurini e do Guaiajara".

-26-
Nenhuma das duas classificações, pois, põe em dúvida que o Tapirapé é uma
Iíngua da família Tupi-Guarani. O problema reside em seu grau de relacionamento
com as demais lrnquas dessa famrlla. O método léxico-estatístico é de pouca utili-
dade para resolver casos como esse, uma vez que a relação lI'ngua-famnia é deter-
minada pelo percentual de cognatos retidos, que será, portanto, o mesmo (cerca
de 80%) para todas as Iínguas componentes da tarmlla. E a dificuldade de Lemle
em incluir o Tapirapé, embora sua maior relação com o Asurini pareça evidente,
mostra a inadequação também do mecanismo de classificação genética por diagra-
ma em árvore. Por esse mecanismo cada inovação significa uma história em
comum das h'nquas que a compartilham e a ruptura de relacionamento entre
aquele grupo e as demais I(nquas em que 'l mudança não ocorreu. Assim pelo dia-
grama em árvore apresentado acima a primeira subdivisão que separa o Asurini, o
Guajajara, o Parintintin, o Kamayurá e o Urubu do Guarani, Guarayo, Sirlonó,
Kokama e Tupinambá são as mudanças idênticas ocorridas nas Iínguas do primeiro
grupo em relação à proto-seqüência ÍJy e ao proto-tonerna ~. Enquanto que nas
línguas do segundo grupo encontramos a seqüência Ipyl e o fonema lcl, nas
Hnquas do primeiro grupo, à seqüência "pv corresponde uma africada ou fricativa
e ao preto-fonema *c corresponde Ihl ou cp. O Tapirapé (Tap) compartilha das
mudanças do primeiro grupo. Deste modo temos as correspondências *py : c e
"c : h ~.

Ex.: epvak:* As. e~a!J' Gj e Km e~ak, Ub usak, Tap e~ãk, enquanto que
Tp epyak, Gy epia e Si ea.

vact: As. Gj. Pa. Ub. yah+, Km. yai- e Tap. yah+ ou vai-, enquanto
que Ko. GY. vaeí-. Gn, ya~+, Si. ~as+ e Tp. vasto

O que constitui, portanto, problema para a classificação do Tapirapé é a


mudança da prato-vogal "a, da qual o Tapirapé participa, e a desnasalização das
vogais, da qual o Tapirapé não participa.
Neste trabalho estuda-se a mudança da vogal "a e de outras vogais, introdu-
zindo a noção de ordenamento cronológico das mudanças ocorridas. Parece-nos
que o estudo da mudança vocálica é central para o Asurini, Tapirapé e Guajajara.
pois essas línguas da famt'lia Tupi-Guarani têm um sistema vocálico (excluindo-
se a série nasal) de seis voqais, a saber, /i/, /e/, /a/, /+/, /u/, /0/, o Tapirapé e o
Asurini têm um sistema comcinco voqais > Iii, leI, lal, 1+-1,101 - e o Guajajara.
um sistema com sete, a saber, /i/, /e/, /a/, /a/, /+/, /u/, /0/.
O ponto de partida serão as correlações estabelecidas por Lemle para o
Asurtnt e Guajajara. Serão acrescentados os dados do Taoiraoé (4). A seguir será
estabelecida uma ordem temporal na ocorrência de cada mudança. Essa ordem
temporal é relativa, uma vez que, se tratando de línguas ágrafas, não há docu-
mentação histórica pela qual se possa inferir a época de introdução e penudo de
atuação da mudança. O método será, pois, o corrente na fonologia gerativa, só
que a noção de ordenamento é utilizada para fins diacrônicos. Cada mudança é
assim encarada como o acréscimo de uma regra à gramática da(s) h'nquals}. Pela
particlpaçâo maior ou menor da Iíngua na regra em questão pode-se determinar
o maior ou menor grau de relacionamento das línguas.

-27 -
MUDANÇAS NO SISTEMA VOCÁLICO

As mudanças ocorridas no sistema vocálico, segundo as correspondências


estabelecidas por Lemle (pp. 113-115), foram as seguintes:

a) O preto-fonema 'a quando seguido de consoante nasal final passou a j.+/ em


Asurini e Tapirapé e a /a/ em Guajajara, Em Tapirapé, nos demais ambientes.,
"a nasaliza-se.
bl O prato-fonema *ã passa a /0/ em Asurini (exceto quando precedido de Cw), a
1+/ em Tapirapé e a /a/ em Guajajara.
c) Oproto-fonema *0 passa a /a/ em todos os ambientes em Tapirapé, e em Asu-
rini apenas quando em sílaba final ou em penúltima srlaba precedendo uma sf-
taba final com *0. Passa a lul em Guajajara, exceto no ambiente estipulado
para oAsurini.
d] Os preto-fonemas 'u.b. Il, "5 fundiram-se em /0/ em Asurini e ettv lo], lõ/ res-
pectivamente em Tapirapé.
e) Oproto~fonema '*ã passa a ii em Tapirapé.
f) As demais vogais nasalizadas desnasalizam-se em Asurini e Guajajara.

Os diagramas abaixo permitem visualizar as mudanças ocorridas. As linhas


pontilhadas indicam que as mudanças não ocorreram em todos os ambientes.

ASURINI TAPIRAPÉ

GUAJAJARA

[;J
e .
[~. [?J
a . o.

A GRADUALlDADE DAS MUDANÇAS

o estabetecimento da uma 'ordemnasmudanças ocorridas parte do pressu-


posto de que essas mudanças foram paulatinas e graduais. Assim sendo, as rnudan-

-28-
ças podem, em primeiro lugar, ser formuladas como regras adicionadas às gramáti-
cas dessas Iínguas e não às gramáticas das demais. Em segundo lugar a gradualidade
da mudança nos permite supor que a passaqem de "a para /+1 em Asurini e Tapira-
pé se deu em etapas, isto é, "a > a >+. Do mesmo modo na evolução do ;ã para
101 teríamos as seguintes passagens gradativas: ã > ã õ > >
o (5r.

o ORDENAMENTO DAS REGRAS


Assim sendo, podemos estabelecer o seguinte ordenamento que exprime 'as
mudanças ocorridas:
REGRA 1

v
+ rec
+ baixa ~
_ _ _- - - l. . [- baixa] _I_ r C] I em As.Tap.Gj.
arr Lnas
nas

Ê passa a ª em Asurini, Tapirapé e Guajajara


REGRA 2
v
+ rec
+ baixa _---e-Slr [ - baixa] I em As., Tap., Gj.
arr
+ nas
ã passa a a em Asurini, Tapirapé e Guajajara.

REGRA 3
v
+ rec
alta ---~~ ~ alta] I em Gj. exceto no ambiente - (Co).
baixa
nas
passa a .y em Guajajara exceto quando em sílaba final
Q
ou em penúltima sílaba precedento sílaba com o.

REGRA 4
v
+ rec
alta
baixa ---I~~[+ alta] I em As. e Tap.
arr
nas

!! passa a ± em Asurini e Tapirapé.

-29-
REGRA 5

V
+ ree
alta
baixa ~
{ [+
r- arr J
alta]
I em As. }
I em Tap.
arr
+ nas

ã passa a õ em Asurini e a':;:' em Tapirapé.

REGRA 6

[
+ rec
V
+ baixa
- arr
J~ [ - baixal
+ nas J
I em Tap.

a passaa ã em Tapirapé.

REGRA 7

V
+ rec
alta ~[+ baixJ I - - (Ca) em As.
baixa - arr J - - em Tap.
+ arr
nas

Q passa para a f! em todos os ambientes em Tapirapé e


em Asurini somente quando em srlaba final ou em penúltima silaba precedendo
srlaba com Q.

REGRA 8

[: :!~a ] _ . [- alta] I em As. e Tap.

y. passa a Q e g a § em Asurini e Taplrapé.

REGRA 9

[+ nV
as ]_.[-nas] I em As. e G].

As vogais se desnasalizam em Asurinie Guajajara,

-30-
JUSTIFICATIVA DO ORDENAMENTO

Com relação ao Guajajara que só participa das regras 1,2,3 e 9 não há rnoti-
vação para o ordenamento das regras 1, 2 e 9. A regra 3 porém tem que preceder
a regra 9 senão Q passaria aJ!o Já com relação ao Tapirapé e Asurini o ordenamen-
to é imprescindível. A regra 1 tem que preceder a regra 4, a regra 2 a regra 5, a
regra 1 a regra 6, porque estão numa relação de "teedinq". A regra 6 tem que pre-
ceder a regra 7, caso contrário todos os-ª. se nasalizariam em Taplrepé. A regra 7
tem que preceder a regra 8 e 9; caso contrário todos os 2. passariam a 2.. Pelo
mesmo motivo a regra 5 tem que preceder a regra 9.

o diagrama abaixo, em que se focaliza apenas o Tapirepé. serve para


demonstrar a validade do ordenamento proposto. Esse ordenamento evidencia
uma mudança em cadeia, em que a fusão de um fonema com outro deixa um
vazio no sistema, acarretando outra mudança para preencher a lacuna aberta.

-i- u

'\
)/"
,a
J
8

e ar • 7 o

6
i + o
"'Zã 8

ãY J
õ

As regras 1 e 2 não criam uma lacuna no sistema. A primeira regra ocasiona


apenas uma alofonia e a segunda modifica a qualidade fonética da voga1. O
sistema, porém, permanece o mesmo. O mesmo ocorre com a regra 4. Apenas um
alofone é deslocado de um fonema para outro. Já a regra 5 abre uma lacuna no
sistema, lacuna essa que é preenchida pela regra 6, a qual, por sua vez, abre outra
lacuna no sistema que é preenchida pela regra 7. Essa por sua vez abre uma lacuna
no sistema que é preenchida pela regra R

CONCLUSÃO

A metodologia adotada permite demonstrar uma maior correlação entre o


Tapirapé e o Asurini. Essas duas Ifnquas participam de um maior número de regras
conjuntamente. As mudanças em Guajajara prescindem de um ordenamento com
relação às regras 1,2,3 e 1,2, 9. A nasalização que é a última regra em Asurini
pode, pois, ter-se dado independentemente em Guajajara. uma vez que ela pode
ter ocorrido antes das regras 1 e 2. Julgamos oportuno frisar que para um melhor
entendimento da questão seria conveniente estudar como e porque as vogais se
desnasalizaram em Asuriní e Guajajara.

~31 -
NOTAS

(1) Comunicação apresentada na X Reunião Brasileira de Antropologia, realizada


em Salvador, Bahia, de 22 a 25 de fevereiro de 1978.
(2) Pesquisador-bolsista do CNPq.
(3) A mesma distribuição se verifica para a Guajajara para o fonema !y / que tem
um alofone [z]. O Guajajara tem, porém, um fonema le/.
(4) As observações referentes ao Tapirapé se baseiam em dados colhidos durante
4 penedos de campo, totalizando 19 semanas durante os anos de 1967, 1968,
1969 e 1975. O trabalho de campo contou com o financiamento do Conselho
de Ensino para Graduados (CEPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
(5) Essa passagem gradual parece encontrar certa evidência concreta, uma vez que
Lemle (p. 113) assinala reflexos do "a como /0/ em Asurini, Não conseguimos,
porém, determinar os ambiente destas ocorrências.

BIBLIOGRAFIA CITADA

LEMLE, M. "Internal Classification of the Tupl-Guarani Linçuistic Famllv". ln:


D. Bendor·Samuel (ed). Tupi Studies I: Norman, Oklahoma, Summer lnstl-
tute of Llnquistics, 1971.
RODRIGUES, A.D. "A Classificação do Tronco Linçürstico Tupi." ln: -r--. Revista
de Antropologia. Junho e dezembro de 1964, vais. 12, nPs 1-2.

-32-
ELEONORA ALBANO DA MOTTA MAIA (2)
PUC - SP

Sobre a Interpretação dos Fatos do


Desenvolvimento Fonológico (1)
ABSTRACT

This pap~risanatternpt at showlnq the dIfficulty of interpretation of


~a~~.~f ·. phonologicaldeyel()Prnent out of the.communicate contexto
Furtherrnore~ tt points out some wevs to contrast child phonology and
adult phcnoloqy.

--33 -
A literatura sobre naturalidade fonológica contém referências abundantes
à pronúncia infantil. Elas ocorrem quase sempre em argumentos sobre a simplici-
dade relativa de distinções ou de processos fonológicos. No primeiro caso, o
exemplo clássico é a previsão de Jakobson (1968 [1941]) de que as labiais e as
dentais devem contrastar entre si antes de contrastar com as velares. No segundo
caso, são representativas as afirmações de Stampe (1969) sobre o caráter inato
de fenômenos tais como ensurdecimento das obstruentes finais ou a redução de
ditongos, em contradistinção com o caráter aprendido das alternâncias encontra-
das em pares do tipo elétrico/eletricidade,
Os argumentos fonológicos que envolvem recurso à ontogénese tipicamente
utilizam a ordem de emergência na infância para justificar escalas de complexi-
dade ou naturalidade pertinentes à medida de avaliação de uma determinada teoria
fonológica. Embora aparentemente razoável, esse procedimento assenta-se sobre
um pressuposto falso que, segundo o meu conhecimento, nunca foi discutido ou
explicitado na literatura. Trata-se da suposição de que os fatos do desenvolvimen-
to fonológico podem ser isolados da totalidade do desenvolvimento comunicativo,
ou seja, de que são interpretáveis sem o concurso de informações sobre o
desenvolvimento Iingül'stico como um todo.
Tal pressuposto não se origina apenas na leitura seletiva da bibliografia do
desenvolvimento por teóricos da fonologia. Ele subjaz também à literatura especi'-
fica da fonologia infantil, que tem, até agora, resistido às fortes tendências intra-
getoras manifestadas nos demais setores do estudo do desenvolvimento da lingua-
gem. Embora seja hoje inconcebível investigar a aquisição de recursos sintéticos
sem considerar os seus correlatas cognitivos e o seu uso na interaçâo social, os
estudos fonológicos permanecem preocupados em descrever a evolução interna
dos sistemas sonoros, só se referindo a parâmetros-externos ocasionalmente.
Um avançorec~n!e érepresentadopel?strabalh?s de Davidlngram (1974,
1976), Lise Menn (1976, 1977) edogrupo liderado por Ferguson (Ferguson
e Farwell 1975, _Ferguson~~arnka19?~).De~tre as contribuições desses autores
destacam-se: (f l a consldéraçâoríoseteltos de parâmetros lexicais sobre a ordem
de aquisição; (2) a discussão das motivações subjacentes às restrições fonotáticas
que operam na fala infantil; e (3) a descoberta de que há importantes diferenças
individuais na ordeme no modo de aquisição de contrastes fonológicos. Tem-se,
assim, uma visão atenta à singularidade da criança e, portanto, menos propensa a
extrapolar do sistema adulto que a da tradição jakobsoniana, Tal visão inegavel-
mente abre um espaço para a discussão da questão das relações entre a competên-
cia fonológica e a competência comunicativa geral. Não obstante, um tratamento
sistemático dessa questão ainda está por surgir na literatura.
Meu objetivo neste artigo é demonstrar a dificuldade de interpretar os dados
do desenvolvimento fonológico fora do contexto do desenvolvimento comunicati-
vo e, a partir daí, apontar maneiras mais frutíferas de conceber a relação entre
fonologia infantil e fonologia adulta. Meu foco de ataque será o pressuposto,
aceito pela maioria dos fonólogos, de que a pronúncia da criança nos primeiros
estágios reflete tendências universais à simplificação fonética. Tentarei demons-
trar que a noção de simplificação como um fenômeno funcionalmente unitário,
irnpl (cita nesse pressuposto, torna-se incompatível com os dados ontogenéticos
quando se examinam as interdependências entre desenvolvimento fonológico e
desenvolvimento comunicativo.

~34-
Minha tese é de que há uma tipologia funcional de processos fonológicos
na infância que envolve uma interação complexa entre o desenvolvimento per-
cepto-rnotor e o desenvolvimento cognitivo e social. Processos diferentes iniciam-
se, caracteristicamente, em etapas diferentes do desenvolvimento comunicativo,
embora possam, subseqüentemente, coexistir por muito tempo. Um exame da
evidência a favor dessa tipologia deixará claro que o emprego do termo simplifi-
cação nos argumentos ontogenéticos em fonologia é vazio, pois obscurece dife-
renças importantes do ponto de vista do desenvolvimento.
Em primeiro lugar, é preciso definir algumas noções que servirão de base à
argumentação que se segue. Entende-se por processo uma estratégia de conversão
de uma representação perceptual em uma representação que sirva de entrada a um
programa motor. Nos primeiros estágios da aquisição, a tarefa de realizar essa con-
versão impõe uma sobrecarga ao mecanismo de processamento, uma vez que
envolve a reconstrução de esquemas articulatórios ao nível simbólico (no sentido
aproximado de Piaget 1954). A esse respeito, cabe lembrar que a construção do
vocabulário exige a representação fonológica se associe estavelmente a uma repre-
sentação sintático-semântica e pragmática. É, pois, razoável supor que os elemen-
tos fonológicos da expressão vocabular, isto é, a representação perceptual e a
representação pré-motora tendam a ser extremamente conservadores e econâmicos
nessa fase. Assim, espera-se que a criança encaixe as suas primeiras palavras nos
programas articulatórios mais automáticos e repetitivos que já possui. Essa previ-
são parece confirmada pelo fato, bastante conhecido, de que o período final do
balbucio é articulatoriamente mais rico (i.e., apresenta maior variedade de sons)
do que o das primeiras palavras (Oller 1981). Pelo mesmo raclocmio, espera-se
que a representação fonológica seja, ao mesmo tempo, suficientemente informati-
va para veicular distinções lexicais importantes e suficientemente simples para
facilitar tanto a sua utilização em operações simbólicas como a sua conversão em
programas motores relativamente automáticos.
Essa perspectiva opõe-se à visão, adotada por muitos fonólogos (e.g., Stampe
1973, Kiparsky e Menn1977) de que a representação fonológica da criança é idên-
tica à representação fonética do adulto. Contra tal visão, é possível apontar, pelo
menos, três argumentos. O primeiro recapitula as objeções de Bloom (1973) e
Dare (1975) contra a interpretação holofréstica do estágio de uma só palavra.
Especificamente; parece um contra-senso que o crescimento acarrete na diminui-
ção (e nãonoaurnento) da complexidade das derivações - sejam elas sintéticas ou
fonológicas.,A.ssifTl,paraderivara forma infantil da forma adulta é preciso um
grande númerode pro~essos de supressão, que, mesmo se inatos, como que
Stampe {1973),impUcari~n1.nun1aenormecomplexidade da derivação total. O
segundo argumentodeve-se.a Waterson (1971), que, através de um estudo minu-
cioso do vocabuláriodeu fTlacriançade18meses, demonstrou que a relação entre
as formas infantis e as formas adultas correspondentes é melhor capturada supon-
do-se que a criança depreende os traços comuns mais proeminentes de grupos
de palavras adultas semelhanteseos rearranJesegundo os seus próprios padrões
silábicos e acentuais. O segundo argumento provêm de estudos meus (Maia 1981),
que demonstram que a acuidade da pronúncia da criança é inversamente propor-
cionaI à complexidade do contextosemântico·pragmático, sendo os contextos
simples e familiares proprcios à realização da pronúncia intentada. Assim, oacom-
panhamento longitudinal de tais aproximações da pronúncia intentada revela

-35-
mudanças significativas que dificilmente se poderiam explicar sob a hipótese de
que a representação fonológica seja, desde início, idêntica à realização fonética
adulta.
No que concerne à forma da representação fonológica, adotarei aqui a
posição de McCarthy (1979). tomando certas liberdades no sentido de lhe atri-
buir realidade psicológica. De acordo com essa visão, a representação fcnolóqlca
é constitu (da de uma ou mais camadas auto-segmentais de traços fonéticos > no
sentido de Goldsmith (1976) - e de um esqueleto rítmico, que codifica informa-
ções tais como a divisão silábica e o padrão acentual. Essa aparente pluralidade
resolve-se através de processos associativos que estabelecem elos sistemáticos entre
as camadas autosegmentais e o esqueleto rítmico. Veja-se, por exemplo, a seguinte
representação da reduplicação 'papa', onde o esqueleto rítmico está incompleta-
mente especificado devido às limitações da representação no plano:

(1) Camada consonantal


Esqueleto r ítrn ico
Camada vocálica

Do ponto de vista ontoqenético, esse tipo de representação apresenta, pelo


menos, duas vantagens. Em primeiro lugar, ela possibilita a expressão de relações
não lineares tão comuns nas primeiras palavras. Em segundo lugar, ela permite
capturar o fato, bem conhecido, de que as crianças inicialmente manifestam pre-
ferências rígidas por certos padrões rítmicos implementáveis por esquemas moto-
res relativamente automáticos. Assim, formalizando a proposta de Waterson
(1971 L é possível encarar os primeiros processos fonológicos como mecanismos
para associar camadas autoseqmentals compostas de traços salientes do modelo
adulto a"esqueletos rrtrnicosuornpatfveis tom programas 'rnótoresdlsponfveis a
nível simbólico. O resultado final dessá àssociação constituiria a representação
fonética ou - como prefirocharná-Iá--arepresentação pré-motora;
À luz dessas Gonsider~ções;éiPossível prever a existência de três tipos de
processos fonológicos~rd~nad()s ontogeneticamente e com funções distintas e,às
vezes, competitivas na implementação da representação pré-motora. O primeiro
grupo tende a maximizaro uso dacomunicação oral, em detrimento da irlteligibi-
lidade, Ele subsume todos-os casosem que o esqueleto rítmico está sujeito a
restrições externas quanto à automaticidade do programa motor associado. É
óbvio que a forma desses processos muda radicalmente no curso do desenvolvi-
mento; refletindo avanços cognitivos e motores. O segundo tipo déprocessot por
sua vez, tende a maximizar a inteligibilidade, implementando e reforçando.dlstin-
ções entre entradas lexicais. Seu surgimento coincide com uma redução maciça
da homonúnia e exige uma ampliação da capacidade de armazenar traços do
modelo adulto e de atentar para as próprias produções, Finalmente, o terceiro
tipo de processo surge bem mais tarde e caracteriza-se por refletir a detecção- de
regularidades locais dependentes de contexto na pronúncia adulta. O ponto termi-
nai do seu desenvolvimento é a aquisição dos detalhes fonéticos-da língua de
exposição.
Conforme foi adiantado acima, minha posição é de que esses três tipos de
processos constituem marcos do desenvolvimento fonológico ese relacionam
significativamente a marcos do desenvolvimento cognitivo e social, não podendo

-36-
ser entendidos fora desse contexto. Examinemos agora a evidência a favor dessa
afirmação.
Nosso ponto de partida será o primeiro grupo de processos, que compreende
muitos dos fenômenos típicos da linguagem infantil, tais como a reduplicação, a
harmonia consonantal e vocálica e as chamadas "conspirações fonotáticas" Ii.e.,
reduções a estruturas canônicas silábicas oU acentuais). Descrever tais processos
como meras manifestações de tendências inatas à simplificação, além de ser vago,
implica na perda de generalizações importantes sobre a continuidade entre o
balbucio e a fala propriamente dita. Já foi mencionado acima que as primeiras
palavras fazem uso simbólico de esquemas motores já exercitados durante o
balbucio. Além disso, há entre o balbucio e a fala referencial um período transicio-
nal em que vocalizações mais ou menos reconhecrveis se associam a intenções,
gestos ou ações, Tais vocalizações também se encaixam em esquemas motores
bem automatizados, mas diferem das primeiras palavras por não serem rigorosa-
mente referenciais e por apresentarem maior variação na ordem linear dos seus
componentes fonéticos (e.g., [s'e bwJ e [bugw], usado por Nigel Halliday (O; 10)
para pedir talco; V. Halliday 1975, pp. 148-149). Sob a visão aqui defendida, a
principal conquista fonológica do estágio das primeiras palavras seria o agrupa-
mento dos traços fonéticos da representação perceptual em camadas auto-seçrnen-
tais com uma organização interna linear. Em outras palavras, a representação
fonológica já consistiria de um esqueleto ntmlco e de um conjunto de, traços foné-
ticos, mas esses últimos se associariam ao primeiro somente de acordo com as res-
trições impostas pelos programas motores disponfveis. Posteriormente, princípios
inerentes à organização do próprio sistema fonológico teriam um papel cada vez
maior em determinar essa associação, sendo responsáveis pela crescente estabili-
dade do vocabulário a partir do infcio da fala referencial.
Cabe, neste ponto, observar que a suposição de que, para fins de armazena-
gem lexical, a criança filtre os traços mais salientes da forma fonética adulta é
inteiramente companvet com os resultados recentes da área dapercepçãoda fala,
que demonstram que o, recém-nascido já é capaz de realizar certas discriminações
categóricas (Eimas et aI. 1971). Assim, o fato de que o sistema auditivo-percen-
tual impõe divisões discretas a contfnuos ffsicos tais como o ponto de articulação
e o VOT (3) facilita enormemente a extração de traços fonéticos da entrada lin-
gül'stica, mas não implica-de m.aneira nenhuma, a computaçâo. a nível simbólico,
de todos ostraços detectáveis.nessa entrada.
Retomell1os<sg()réiadiscussãodas vantagens. de uma representação. fonoló-
gica seletiva e cepazde.crescimentovComofoi sugerido acima, a associação de um
traço ou conjunto de traços amais de uma posição no esqueleto n'tmico é um
recurso amplamente empreqado novocabulário inicial. Se atribuirmos à criança,
nessa fase, a capacidade de representar todos os traços de forma fonética adulta
ausentes na SUa própria pronúncia, não teremos como explicar uma interessante
evolução que se observa na aplicação dos processos reduplicativos e harmônicos.
Num determinado ponto do desenvolvimento, certas crianças praticamente aban-
donam o uso desses processos na formação de palavras e passam a aplicá-l asa
unidades maiores do que a palavra, apresentando, assim, uma diferença marcada
entre a pronúncia num contexto sintético. Por exemplo, aos dezenove meses,
Verônica,a criança estudada por Maia (1975), já apresentava realizações isoladas
de 'quer' como ['k€], 'sentar' como [sê'ta.] e aqui como la'ki]. Entretanto,

-37-
numa sessão desse período, combinou essas palavras da seguinte maneira:

(2) (a)J e 't f€ t f e't f a 't fi


'neném quer sentar aqui'

Ibl vo seta 't fi


'vou sentar aqui'

É óbvio que, no princfpio enunciado, Verônica reuniu no alvo fonético


automatizado [t f ] os traços descontínuo, coronal, estridente e alto, slntaqrnatlca-
mente dispersos na forma intentada "nê' qué sentá aqui"; Isso facilita enormemen-
te a inserção do enunciado num esquema motor lonqo, pois o comprimento é
compensado pela repetítivldade, Parece que, para Verônica, esse tipo de manobra
se faz necessária sempre que o contexto sintático-semântico-pragmático se torna
excessivamente complexo. ~ interessante a diferença entre o primeiro enunciado
e o segundo, que constitui uma repetição com fim de reparo (Sacks, Sehegloff e
Jefferson 1974), desencadeado por uma manifestação de espanto por parte do
interlocutor adulto. Note-se que, no primeiro caso, a criança está iniciando um
episódio e tentando assegurar a atenção do adulto, enquanto, no segundo; ela já
atingiu esse objetivo, Observe-se, além disso; que, embora ambos os enunciados
sejam consideravelmente mais longos que a média da criança nesse estágio
(MLU = 2.2), o segundo constitui uma redução em relação ao primeiro.
Supor que, desde O início, hajaprocessos que suprimam traços e segmeritos
da representação fonológica rieqliqenciar O fato de que tais supressões surgem,
é

mais tarde, como estratégias" pará" reduzir a·cargátotaldeprocessamento' na


emissão de um enunciado. Além disso. a trârisferênciadôsproc:essOsreiterativos
don ívellexical para.'o n (vel dafónOI{)gjafrasalpare~e~8inci~ir~OfTloaumento
maciço,,' ao nível, le~ical, dos~g~~t? ti9~:~~_pr{)~ess{)<m~~ci{)nado acima, ou
seja, aqueles que visal1l à irnplel1le~t~?~()cada~e:ZrTlais redun?antede distinções
lexicais. Parece, pois, quea~tili:z~:?~gci~supre~sõespermiteque 'acriança, tendo
recentemente,. e~pandi?{)ar~pr~s~~t~'(ã?le~ic~l;faça""uso novo' dos, velhos
processos, reitera~iv()s',afill1.?~.T~s()lversobrecargas "temporárias de processa-
mento devidas"em,parte,a.tale){pansão~
Bates (1977) sugeriu que há mudanças maturacionais muito gerais na. rnemó-
ria e n~ atençã09uepropiciall1} emergência da fala. Segundo essa autora, tais
mUdançasenvolvemacap~cjdad~ de' interromper uma meta e retê.lanarnerTl.ória
enquanto. se "selecio~arnll"leios" para a' sua execução.• E~sa~ip?t~separece se
adequar sobremaneiraà~resente visão das, relações entre as repres~nJaçõesfon?IÓ~
gicas e os programas motores. Um processo fonológic?é~tnrTlei?decol1verter
uma' representação fonológica' numa entrada aceitável para umproqrama motor.
Inicialmente, tais meios são tão simples e diretos comoa associaçâodecamadas
auto-segmentais a esqueletos r rtrnicos, Mais tarde, eles se tornafTl comolexos.en-
volvendo' etapas' intermediárias' tais como supressões e substituições. ~, oportuno
observar que, segundo a presente perspectiva, o desenvólvimentótem o efaitode
dilatar a diferença entre a representação fonética e a representação fonológica.
Como foi observado acima, aposição oposta é implicada pela hlpótese de que a
representação fonológica da criança seja idêntica à representação fonética >do
adulto.

-38-
Estendendo o raclocmlo de Bates, é possrvel levantar hipóteses sobre os
correlatas cognitivos do segundo tipo de processo mencionado acima. Trata-se
da utilização sistemática de certos segmentos onde ocorrem outros na fala
adulta. Tais segmentos podem funcionar como marcadores de posição, como cos-
tuma ocorrer com as semivogais (e.g., ['boje] 'bola' ['awa] 'água') ou podem ter
uma relação mais estreita com o segmento adulto correspondente (e.g, [z] por
[~] em [bezu] 'beijo' l'zãnte] 'janta'), Para realizar tais substituições é preciso
que a criança seja capaz de computar o esqueleto rítmlco das formas adultas,
ao invés de tomé-lo de empréstimo ao seu próprio repertório. Além disso, para
realizar substituições foneticamente relacionadas ao modelo adulto é preciso
ser capaz de isolar partes da representação fonológica e operar sobre elas. Assim,
a criança não só opera separadamente sobre as duas partes da representação
fonológica - o esqueleto rr'tmico e aís) camadats) auto-seqmentalíaisl - como
também depreende relações de fiqura-e-fundo nelas. Há aqui um paralelo fasci-
nante com o desenvolvimento sintático e morfológico. A capacidade de operar
sobre dois objetos ou sobre parte e todo também subjaz à emergência da sintaxe
e da morfologia. Isso torna ainda mais interessante a observação acima mencio-
nada de que a emergência de processos efetivamente substltutivos coincide com
um aumento da estabilidade fonológica do léxico, concomitante a uma recapitu-
lação de padrões prévios da instabilidade fonológica em combinações de palavras.
Consideremos agora os desenvolvimentos sociais concomitantes aos dois
tipos de processos até agora examinados. No estágio de uma só palavra, em que a
criança reinventa o vocabulário adulto através de processos do primeiro tipo, há
inúmeros lndrcios de preocupação em usar a palavra para reinventar o diálogo,
já exercitado através do gesto e da vocalização. É notório o número de repetições
do turno do interlocutor, que, conforme aponta Lemos (1981), parecem marcar
o reconhecimento e a interiorização do papel daquele. Em contrapartida, após a
emergência da sintaxe, observa-se uma mudança gradativa no padrão de repeti-
ção. A criança passa a repetir mais a si própria e a produzir reparos cada vez mais
freqüentes, indicando uma capacidade nascente de atentar para o próprio turno
e operar sobre ele. Não é, pois, surpreendente que as substituições fonológicas e a
redução gradativa da homonímia, que exigem operações sobre a representação
fonológica, surjam aproximadamente no mesmo perrodo. A todos esses desenvol-
virnentos-subjaz uma capacidade geral de atentar para a própria linguagem e de
reconheceracóopera.tivid~d~c:omo constitutiva do diáloqo.
A discussãoacírnapréparouQiterre~O para o exame do terceiro e último
tipo .de.processoaser~~nsideradoaqui.Se·~sÚltimos marcos do desenvolvimento
comunicativo. acil11aexarni~~~?s~bed~elTla?.imperativo 'atentar para si para
cooperar', os que consideraremos a seguir também podem ser descritos como
manifestações de outro ifTlpératiVÚÓntogeneticamente mais tardio, mais igualmen-
te importante, a saberr tatentar.pareooutro para se identificar'. Muitos investi-
gadores, notavelmente Susan Ervln-Trtpp (1974) e Catherine Garvey (19751,
observaram que, por volta dos34ahos{acriança começa a evidenciar uma pro-
gressiva capacidade computara perspectiva do outro, através do uso cada vez
mais adequado de rotinas sociais e fórmulas de polidez. Bates (1976) notou
também que o crescimento de tal capacidade coincide com o aparecimento dos
atos da fala indiretos e dos condicionais contrafactuais. Na fonologia, o correlato
mais claro desse desenvolvimento é o surgimento de controle sobre detalhes

-39-
fonéticos da lfnqua de exposição, bem como de suas variações socioletais e diale-
tais.~ importante notar que a fala da criança, muitas vezes, já apresenta tais
detalhes sob forma idiomatizada (no sentido de Moskowitz 1970). A novidade
desse período consiste na sua sistematização e incorporação ao sistema São exem-
pios típicos de tentativas de sistematização a supergeneralização do contexto de
regras fonológicas e a exageração de variações fonéticas sutís observadas no mode-
lo adulto. Uma ilustração do primeiro caso é oferecida por uma criança de 3 anos
edois meses, que tive ocasião de observar recentemente. Depois de ter apresenta-
do. formas tais como [kü'eli] 'com ele' e (kü'isu] 'com isso', ela passou a dizer
[küj'eli] e. [küj'isu], respectivamente. Provavelmente, essas inovações refle-
tema tentativa de dar conta da regra de inserção do [n aqui generalizada para
ambientes onde uma vogal nasal qualquer é seguida de vogal anterior. O segundo
Caso é ilustrado por uma criança de quatro anos que freqüentemente, mesmo em
situações em que a velocidade de fala é normal, pronuncia ['bowwa] por ['bowa],
'boa'; com geminação clara da semivogal. Parece que, aqui, há uma tentativa de
incorporar ao sistema a regra de inserção do [w], embora essa última seja quase
sempre muito breve na pronúncia adulta.
Dando continuidade às nossas especulações sobre as relações entre o desen-
volvimento fonológico e o desenvolvimento cognitivo e social, podemos dizer que
oque caracteriza o período em discussão é a capacidade de notar e levantarhipó-
teses sobre regularidades locais do ambiente físico e social. Inicialmente, tal
capacidade dá lugar a muitas das perguntas embaraçosas das crianças de 3-4 anos,
taiscornorPor que a sua cara tem bolinha?' (Janaína, 3;2). 'Pra que tem que
d9"Tlir de noite?' (Augusto 4;3). A longo prazo, porém, ela é exercitada e mode-
ladana interaçâo com o adulto e com o grupo etário, permitindo que a criança
desenvolva uma sensibilidade social e se. identifique com os vários grupos a que
pertence;
Se o ponto de vista acima exposto é correto, ainda que haja muitos erros de
d~talhe,pode-se afirmar que não é válido nem instrutivo estudar os fatos do desen-
vqlyill1entofonológico em isolamento. Os abusos da evidência ontogenética em
fO;l"l()logiatêmdado lugar a absurdos tais como a derivação proposta por Stampe
(1973) para a realização [kaêj] da palavra 'candy', por seu filho de dois anos.
I;ssa~l1vollJe .•. . nada menos que seis processos ; nasalização, assimilação, degemina-
ção,fq\ll1açãode flape, supressão de flape e semlvccalizaçâo. Segundo Stampe,
t()~9~qspr()cessos fonológicos seriam inatos e o papel do desenvolvimento residi-
rj~7rllil1ibir~maboa parte deles. Deve ter ficado claro, pelo acima exposto, que
essapo~iç~oenVolve pressupostos falsos sobre a natureza do desenvolvimento em
gera" < •
Espero ter conseguido justificar convincentemente o. meu cetlcismo sobre
ouso:cied~d9s<dacriança para sustentar teorias sobre a h'ngua adulta; Como pro-
c~reiHustraracillla;.~. .·•·.contribuição dos estudos do desenvolvimento à . fonologia
podeedeve'virded~ntro.~. possível testar a utilidade de construtos fonológicos
para a descrição de Jenômenos do desenvolvimento. ~.,poss(vel também clarificar
as·relaç?es entre.fonética e fonologia, rastreando as interdependências entre. desen-
volvirnento fonético e fonológico. Conforme demonstrou Menn (1976);·.anecessi-
dade de alcançar .controle. fonético sobre certas articulações muitas vezes leva a
criança a criar processos fonológicos que acabam por afetar todo o padrão de con-
trastes subjacentes. Épossl'vel que a observação de tais processos venha, num

~40-
futuro próximo, a reverter a ênfase das discussões fonológicas centradas sobre o
desenvolvimento. Ao invés de se falar em critérios puramente fonéticos e naturali-
dade, falar-se-é cada vez mais em critérios fonológicos para a solução de problemas
fonéticos.
A teoria do desenvolvimento fonológico ainda está por construir; Não obs-
tanta, já há suficientes pistas e sugestões de outras áreas de estudo para encorajar
esforços integradores. Seguindo o exemplo de Slobin (1980). tenho esperança de
que, num futuro próximo, também os estudiosos dessa área estejam em condições
de saldar maisesse débito da Psicoltnçürstlca para com a Lingü(stica.

NOTAS

(1) Trabalho apresentado no Encontro sobre Naturalidade e Fonologia, promovido


pelo Instituto de Estudos da Linguagem, UNI CAMP, 19 de novembro de 1981.
(2) Pesquisadora do CNPq, processo nP 30.0909/81 - CH-07.
(3) Voice onset time - tempo de infcio da sonorização - é o parâmetro fonético
mais freqüentemente usado na descrição do contraste de sonoridade.
Refere-se ao tempo decorrido entre o relaxamento de uma obstrução e o in ício
da vibração das cordas vocaís,

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-42-
MÔNICA G. R. ALKMIM
CHRISTINA A. GOMES
Universidade Federal de Minas Gerais

Dois Fenômenos de Supressão de Segmentos


em Limite de Palavra
ABSTRACT

Thia work presenta an analysis of two phonologícal phencmena. of


portuguese, connected wlth the disappearance of segments at the end
of words: vowel .deletion between consonants at the ao? ~fthe wprd,
as insaudade$~pronounced [sew'daqs ];and .the. deletlon- of some
svllables ln word boundary as ln 'script' phonetically }leYJi'kokuJ
Hera we intend to qlve a contributlon to the studv cf IIVotdboundary
phenomena, a subject no! well known ln portuguesa phonology.

-43-
1. INTRODUÇÃO

o objetlvo deste artigo é apresentar a análise de dois fenômenos fonológicos


do Português. ligados ambos ao desaparecimento de segmentos em final de pala-
vra: a supressão de vogal entre consoantes em final de frase, como em saudades;
pronunciado [saw'dads] antes de pausa; e a supressão de certas süabas em limite
de palavra, como em leite de coco, foneticamente ['Ieyji'koku]. Pretendemos
aqui dar uma contribuição ao estudo dos fenômenos de limite de palavra, área
pouco explorada da fonologia portuguesa, em que pese a sua importância como
ingrediente do que se pode chamar, Impresslonlstícarnente, o "sotaque brasfleiro".
O trabalho não se pode considerar completo: dois fatores importantes dei-
Xaram de ser levados em conta, muito embora afetem a aplicação das regras pro-
postas: por um lado, a velocidade de elocução (largo, andante, allegretto, presto,
proposto por Harris, 1969); e, por outro lado, o papel funcional da palavra - isto
é, o seu "status" de tópico ou não-tópico de dada ou nova, que causa variações
I

entonacionais mesmo dentro de um mesmo estilo. Acreditamos Que esses fatores


podem condicionar a extensão das regras discutidas adiante no artigo; não obstan-
te, as formulações aqui propostas são, na nossa opinião, basicamente corretas e
essenciaiscomo primeiro passo para um estudo cabal do fenômeno (1).

2. SUPRESSÃO DE VOGAL ENTRE CONSOANTES ANTES DE PAUSA

2.1. O fenômeno

Será abordado primeiramente o fenômeno da queda da vogal Iii no ambien-


te C_C# antes de pausa, freqüente no português brasileiro, por exemplo em sau-
dades, [saw'dacls], procurando verificar em que ambientes, exatamente, ocorre
essa·supressão.. ·.·......> .•.·•.·.·•.·•..•.•.· >i.·•.•..•...••.•..•.•.•.....•....•..•.•....•...•..•..... . .. .
Ó . Ó •••

Mostraremos que a primeira consoante do ambiente C_C# pode ser


qualquer oclusiva ou fricativa (isto é, qualquer obstruinte) exceto Isl ou Iz/; e
que a segunda consoante é sempre Is/.
VererYl~starYlb~01que há, i ediatamellte após a queda da vogal, um ensur-
01
decimento da consoante precedente. Por outro lado, observa-se ainda o impedi-
mento da aplicação da regra de palatalização de Itl e Idl (Liberato. 1978), por
efeito de queda prévia da vogal Iii. A partir dessas observações, argumentaremos
em favor de uma ordenação das regras.

2.2. Argun\entação a favor da presença da vogal na forma subjacente

Observem..e os seguintes dados:

[saw'dads] 'saudades'
[vari'íi ts] 'variantes'
['b3~s] 'bobes'
['grips] ,gripes'

Para estabelecer a forma subjacente destas palavras são propostas duas hipó-
teses:

-44-
HIPÓTESE A: A vogal está presente na forma subjacente,
ex.: I saw'dadis/.
Nessecaso, a mesmaseriaeliminada por processos fonológicos.

HIPÓTESE B: A vogal não está presente na forma subjacente,


ex.: I saw'dads I.

Isso significa que a vogal seria inserida por processos fonológicos.


v
Considerando-se a palavra 'saudades' na sua forma singular [saw'daji] 'sau-
dade', fica clara a presença da vogal Iii na forma subjacente. Caso contrário, seria
encontrada a forma agramatical *]saw'dad], sem palatalização, já que no Portu-
guês, como aponta Liberato (1978),/t1 e Idl quando seguidos de Iii e Iv] se pala-
talizarn; sendo esta uma regra obrigatória. Trata-se de uma evidência em favor da
hipótese A.
O mesmo fato ocorre em [vari'ilts], cujo singular é [varrii!!i]. Para ['b~l?s]
e L'grips] as formas de singular são respectivamente ['bcbi] e ['gripi]. Nestes
casos, o Iii final é sempre pronunciado, às vezes sonoro, e às vezes ensurdecido.
Por conseguinte, a forma subjacente das palavras acima deve conter um Iii
entre as duas últimas consoantes: Isaw'dadisl etc.

2.3. Especificação da vogal

Tem-se lul, lal e Iii como ocorrências prováveis de vogais átonas em final
de palavra ou frase no ambiente C_C#-
Dados:

[Tatus] 'fatos'
['kazas] 'casas'
L'I€kis] 'leques'
L'Kegis] 'chegues' (verbo chegar)

Porém, não ocorre a supressão de todas as vogais finais, conforme os dados


abaixo:
* ['fats]
* ['kazs]
['I€ks]
Ue~s]
Como esses dados são tfpicos, conclui-se então que a queda da vogal só ocor-
re quando se trata de IiI.
2.4. Caracterização do ambiente

o fenômeno não ocorre em C_# em final de frase.


Dados:

45-
[saw'd~iJ "[saw'dad]
[vari'í\ci) "[vari'Kt)

Verlficou-se que o lugar de ocorrência é em C_C em final de frase, como


confirmam os dados:
['bofs) 'bofes'
['Ievs] 'leves'
[ga';~~s] 'garages'
['peyss] 'peixes'

2.4.1; Caracterizaçl!'o da C_C na palavra

Segundo todos os dados levados em conslderação até o momento, a sflaba


estruturada em CVC ocorre no final de palavra, em final de frase. Mas não se trata
da única possibilidade dentro da língua.
Ofenõrneno pode ocorrer em meio de palavras como em 'acontecido'
[a~éít'sidu]e também em início de palavra co'J'o em 'distribuição' [ç1striblJys ii",].
~ntretanto, pode não ocorrer em 'distinção' U;strs Ãw], problemas estes que não
serão discutidos no presente trabalho.

2.5. Caracterização do ambiente consonantal

De posse de um certo número de dados do Português, observou-se que


't()~asasoclusivase fricativas, exceto /s/e /z/, podem ocorrer como primeira con-
so~~teno ambiente determinado. Além disso, concluiu-se da impossibilidade de
Ifquldaou nasal como primeira consoante, como mostram os dados:

L'laris] 'lares' "['Iars]


['tenis) 'tênis' "['tens)
['fumi,) 'fumes' "['fums]
[pa' rãtezis] 'parênteses' "[oa'rêrezs]
Lakõ't e sls] 'aconteces' *[akõ'tess)

Com base nos mesmos dados, observou-se ainda que comosegundá consoan-
te ocorre apenas o/s/.

2.6. Formalização da regra

Para darcontadesse fenômeno, propõe-se a seguinte regra:

Y·. C

[.;p~I:J·.---- iJI ~ ~~~~~e 1


+ alta {- cont}
- ant.
:- cor.
J [:t] II
-46-
Esta apresentação esquemática traduz a supressão da vogal Iii entre qualquer
consoante oclusiva e fricativa, exceto Isl e Iz/, e a consoante Isl em final de
frase (2).

2.6.1. O problema do ensurdecimento

Em todos os dados levantados verificou-se que, quando a primeira consoante


do ambiente delimitado (C_C#) é uma sonora, ocorre após a queda da vogal o
seu ensurdecimento:

[rbo bt] [b obs]


['I evi) ['I eys)

Ossegmentos [q), [g), [g). JV), [~), apesar de ensurdecidos, não se toro
nam idênticos a [pI, [t), [k), [f1, [sI. Os elementos do segundo grupo. além de
[- son.], são ainda [+ tensos). enquanto os do primeiro grupo são [- ten.]. A opo-
sição de .tensão se mantémlTlesmoqUandó8stes·segmentos são ensurdecidos
(Pontes, 1972,págs. 16'17).
Para descrever o fenômeno sugere-se a seguinte regra:

(2) C
[- soante) o l- son] / __ l- son.]

2.6.2. Ordenação das regras

As duas regras até aqui apresentadas, regra (1) de supressão da vogal átona
e regra (2) de ensurdecimento; terão que ser ordenadas. Em primeiro lugar apli-
car-se-á a de supressão e, posteriormente, a de ensurdecimento. Uma não obediên-
cia a tal ordenação resultaria em uma dificuldade para explicar o ensurdecimento
de uma consoante precedendo uma vogal.
Torna-se aqui necessária a abordagem de uma questão importante: a palata-
Iização obrigatória do Itl e Idl seguidos de Ii/, anteriormente mencionada. No
caso de:
v
[saw'daji)
[vari'ii~i)

com a queda da vogal IiI no ambiente C_C #, fica impedida a ocorrência do fenô-
meno mencionado e tem-se então:

[saw'dac;ls)
[vari'iits)

Assim sendo, uma nova proposta de ordenação para es regras torna-se neces-
sária, a saber:

1P - supressão da vogal IiI;

-47-
2P - palatalização do /t/ e/d/;
3P - ensurdecimento.

3. HAPLOLOGIA EM LIMITE DE PALAVRA

3.1. Introduça'o

Passemos a considerar agora o segundo fenômeno mencionado acima, ou


seja. a supressão de sílaba em final de palavra.
Interessa-nos em particular a supressão de sílaba causada por haplologia,
onde há a supressão da sílaba final de uma palavra quando seguida por outra
foneticamente semelhante.
O fenômeno será estudado no seguinte contexto: sílaba CV em final de
palavra, seguida por sílaba C(C)V~ Analisaremos os fatores que propiciam a
supressão, observando-se as vogais e consoantes envolvidas no processo.
Verificamos que alguns casos, aparentementeproblemáticos, que poderiam
constituir um empecilho para a.forrnallzação de uma regra de supressão; na reali-
dade fazern parte de outros processos distintos. A análise detalhada destes foge
aos objetivos do presente estudo.
Finalmente, apresentaremos uma regra que procura dar conta dos casos
considerados como haplologia.

3.2. Supressão da sflaba CV em limite de palavra

Observem-se os seguintes dados:

(1) [li'milipa'lavra] 'limite de palavra'


['Ieyli'koku] 'leite de coco'
['leytepe'radU] 'leite temperado'
[fakuw'daYi'letras] 'faculdade de letras'
['kawYi'kiína] 'caldo de cana'
['k\IViítra'baÀu] 'quanto trabalho'
[Si'dada' Xina ] 'cidade da China'

TelTlw~l!,nos. exempl-os acima, a supressão da última sílaba da primeira


lJalav~a,dl!c:()rrente de uma situação de cantata com uma súaba semelhante na
palavra seguinte.
,ô,s~press~~da~í1aba parece ser a regra geral, exceto em estilos muito cuida-
dósos(largp),oyelTlsituação de realce (contraste). Só assim .ocorrern realizações
como as seguintes:

(2) [li'mi~iiipa'lavra ]
['leyMi'koku]
['Iey~itepe'radu]
[fakuw'dalili'letras]
['kawduYi'kiína]
['kwiítutra'ba Àu]
[si'dalida'~ina ]

-48-
3.3. Especificação das consoantes

Comparem-se agora os dados em (1) com os a seguir:


(3) *['kodaba'ia] 'coco da Bahia'
*['p1Ji'lev~i] 'pingo de leite'
*['ka'bav~u] 'cabo baixo'

Vê-se que a haplologia levou a resultados agramaticais. Nos dados anterío-


res (v. (1)), em que o apagamento é gramatical e o mais corrente,asconsoantes
envolvidas no processo possuem o mesmo ponto de articulação na forma subja-
cente:

(4) /fakuw'dadi #di #'Ietras/


/,kawdu #di #'kana/
/si'dadi #da #'~ina/

3.3.1.0bserve-se o que ocorre nos dados abaixo, cujas consoantes possuem


o mesmo ponto de articulação, caso haja haplologla:

(5) ['sabibev'1a] 'sabe beijar'


['ki\pupiri'gozu] 'campo perigoso'
I'kazuzonv' adu] 'caso zoneado'
['ki\nu'novu] 'cano novo'
[a'falilimi'to] 'A FALE LIMITOU..:
['osusu'miw] 'asso sumiu'
[u'mãquqo'Ivo] 'O mengo goleou...'

o que se tem não é propriamente:


(6) *['sabev'~a]
*['ki\piri'gozu]
*[, kazo' nvadu]
*['ki\hovu]
*[a'falimi'to/
*['osu'miw]
*[u'm~go'lvo]

mas antes:

(7) ['sab : e v'1a]


['ki\p: lri'qozu]
['kaz : o'nvadu]
['ki\n : ovu]
[a'fal : lrnl'to]
['os: u'miw]
[u'mê'g : o'lvo]

o que ocorre em (7) é a supressão de uma vogal final de palavra, acarretando

-49-
sílaba em limite de palavra, nos casos considerados como haploloqia:

~or. J [+a~o c~r.~ ([+- conto


s~a. ] ) [- a~. ]
(12)

conto -acento
11+#[+- conto
nasal J - nasal - nasal

2 3 4 5

r/Jr/J ##3(4)5

A supressão de súaba irá ocorrer com as dentais, exceto a nasal, quando


as sílabas envolvidas no processo forem ambas átonas e a primeira vogal tiver o
traço [+ alto 1.

NOTAS

(1) Sobre a extensão da regra por influência do "status''''funcional da palavra,


ver Perini (em preparação).

(2) Usou-se" II" como símbolo de "final de frase' ou 'pausa'.

BIBLIOGRAFIA

HARRIS, James W_ Spanish Phonoloqy, Cambridge, MIT Press, 1969.

L1BERATO, Vara Goulart. "Alterações Vocálicas em Final de Palavra e a Regra


de Palatalização': ln: - Ensaios de Lingut'stica - I, Cadernos de Lingüísti-
ca e Teoria da Literatura - UFMG, Belo Horizonte, 1978. pág. 80 e 95.

PERINI, Mário A. (em preparação), "Nota sobre o uso das velocidades de enun-
ciação na descrição de fenômenos fonolôçicos'"

PONTES, Eunice. Estrutura do Verbo no Português Coloquial; Petrópolis, R.J.•


Ed. Vozes, 1972.

-51 -
MARIA DO CARMO VIEGAS
E
ROSA MARIA ASSIS VEADO
UniversIdade Federal de Minas Gerais

Alçamento de Vogais Pretônicas


ABSTRACT: This paper discusses tre pretonic vowels [e] I"'-'
[i] and [o] r-I [u] alternation in the coloquial register of the
Belo Horizonte metropolita" reglon. tt. argues that:
a) Theabove mentlcnedvaltematlons have the status of
Iínguistic variable and 50 can not be described by categorial
morfo-fonological rules;

b) thestructuralenvironment Isn't the sarne in the variable


(1) and (u) conditioning, making clear that for each variable
there is a rule with particular ceractertsucs.

- 53-
1. INTRODUÇAO

Lemle (1974) postula uma regra morfo-fonológica responsável


pelas alternâncias [e] ,-' [i] e [o] ,-' Cu] do registro coloquial do
dialeto carioca e as condições que regem a sua aplicabilidade. A saber:

(a) V - .... + alto/# X - - - Q V Y

[ :retraído
arredondado ] [ ++ acento
alto
'J

oe retraído ]
Condições: (1) todas as vogais contidas em Q são [ d d d
ex: arre on a o

(2) Q não contém limite de morfema derivador de adjetívo.

Analisando a mesma questão em dados de fala de região metro-


politana de Belo Horizonte, pudemos observar que as alternâncias [e] ,-'
[i] e [o] ,-' Cu] têm status de variáveis Iingüísticas, não podendo ser
capturadas adequadamente por uma regra categoriaI, conforme propõe
Lemle. Primeiro, os ambientes que propiciam o levantamento das
vogais /e/ e /0/ não são exatamente coincidentes e, em termos de
freqUência da aplicação da regra, as diferenças são significativas. Em
termos estruturais, são variáveis que têm que ser descritas separa-
damente; cada alternância uma regra e cada regra com suas caracte-
rísticas próprias.

Segundo, além dos fatores estruturais, há fatores não-estruturais,


como classe social, idade, sexo e estilo de fala, que estão correla-
cionados ao alçamento de /e/ e /0/. E, desta forma, tais fatores
sociais devem fazer parte do corpo das regras responsáveis pela
elevação do traço de altura.Çl)

Nas seções deste artigo, trataremos apenas da questão estrutural,


deixando a parte não-estrutural para estudos posteriores.

- 54-
2. FATORES ESTRUTURAIS

2.1 Ambientes fonológicos

Na proposta de LEMLE (1974), a elevação das vogais /e,o/ é


condicionada pela presença de uma vogal alta, /i/ ou fui, na sílaba
tônica. Nos nossos dados de fala, entretanto, observamos que a
presença da vogal alta acentuada é fator que influencia favoravelmente
o alçamento, mas não o determina. Na verdade, a regra proposta por
Lemle é variável como pode ser visto nos exemplos que se seguem:

(1) ninhum ,..... (5) nenhum


- -
(2) p~ciso ,..... (6) pr~ciso

(3) p~firo ,..... (7) pr~firo

(4) midicina ,..... (8) medicina


-
(9) Gurduras ,..... (13) Gorduras
- -
(10) d,:mingo ,..... (14) domingo

(11) turci ,..... (15) torci


-
(12) bunito ,..... (16) bonito.
-
Como evidência em favor do ambiente condicionante restrlnglr-se
a /i,u/acentuados, Lemle cita algumas palavras que, segundo ela,
não podem ser alçadas. Entre elas:

(17) brevidade

(18) deteriorar

(19) pr~p~sital

(20) ~p~sição

- 55-
Entretanto, podemos afirmar que a elevação da vogal não se
restringe à influência do traço [+ acento]; há ocorrências alçadas
em nossos dados contendo uma vogal alta não-acentuada:

(21) Ifigênia (23) c~mplicar


(22) ~special (24) cumunidade

Uma outra condição imposta na regra de Lemle é a de não


aparecer [e] na seqüência entre a vogal alta do contexto e a vogal a
ser alçada. Apesar de poucos dados, acreditamos que tal ambiente
possa influenciar desfavoravelmente o alçamento, mas nunca bloqueá-lo.
Encontramos poucas ocorrências alçadas, mas que podem servir de
contra-exemplos para a regra proposta por Lemle:

(25) ~stadista
(26) incaminha
(27) ~xpandiu.

Temos, ainda, ocorrências alçadas no referido ambiente, porém


sem o traço [+ acento] na vogal alta:

(28) tumati
(29) d~staqui

De· qualquer maneira, os : dados coletados comprovam que a


presença por si só do segmento lal tônico em posição imediatamente
[ío~terióràv()gal a ser alçada é fator que atua de modo desfavorável
aoalçal11.~nto,embora não o bloqueie (sobre esta questão falaremos
mais adiante).
A· regrá de Lemle fica também comprometida na medida em que
os dados demonstram que a elevação das vogais le,o! não se restringe
evclusívamente à presença da vogal alta. Há ocorrências alçadas como:

(30) lnlouquéceram
(31) discarregar
(32) cunversa,
=

- 56-
onde a vogal alta não está presente, o que comprova a necessidade
de se expandir a regra de Lemle, se se quiser dar conta dos ambientes
que influenciam favoravelmente o alçamento.
Concomitantemente, os dados demonstram que não é apenas a
presença da vogal lal que atua no sentido de desfavorecer o alça-
mento. Há ocorrências não-alçadas como:

(33) venceu

(34) pergunto

(35) comodismo

(36) grosseiro,

onde a vogal lal não está presente. Assim, da mesma maneira que há
necessidade de se expandir os ambientes que atuam favoravelmente,
há necessidade de se expandir aqueles que atuam no sentido inverso,
ou seja, desfavorecendo o alçamento.
Outra questão problemática na regra de Lemle é a obrigatoriedade
de aplicação da regra em todas as vogais médias pré-tónicas dentro
de um mesmo item léxico. Desta forma, a regra só pode gerar
ocorrências do tipo:

(37) dimulido

(38) vilucípede

(39) iguísta

(40) dirituria,

o que contraria nossos dados que têm, na maioria das vezes, uma só
das vogais pretônicas alçadas. quando co-ocorrern no mesmo item
léxico:
(41) demulidó

(42) direturia

(43) eguista

- 57-
Com os dados de (1) a (43), já fica evidenciado que o alçamento
é uma questão complexa e não se fecha numa regra fonológica
categorial. Das duas condições estabelecidas por Lemle, ou seja:

(a) uma condicionando o alçamento à presença da vogal alta acentuada;


(b) outra condicionando o não-alçamento à presença da vogal /a/,
endossamos que (a) seja um ambiente altamente propiciador (em
termos quantitativos) e (b) exerça influência negativa ao alçamento,
embora não bloqueadora.
Tomando dados de fala coloquial de oito informantes da região
metropolitana de Belo Horizonte, estabelecemos uma amostra contendo
745 ocorrências da variável (e) e 333 da variável (o), em condições
de alçamento, ou seja, em posição pré-tônica. Nesta amostragem,
encontramos os seguintes ambientes fonológicos que parecem influen-
ciar (às vezes mais, às vezes menos, em termos percentuais) a elevação
das vogais médias /e,o/ do português:

I. A VARIAVEL /e/

(1) (e) em início de palavra: (2) 245/270 90.7%

Exemplos:

Alçados Não·Alçados

(44) lntão (48) ,:>xemplo

(45) lxatamente (49) ,:>xperiência

(46) !scócia (50) ,:>rrado

(47) lnganado (51) estrutura

(2) (e) seguido de sílaba contendo vogal alta acentuada:


102/153=66.6%

- 58-
Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(52) sirviço (56) retiro

(53) sinti (57) negativo

(54) ninhum (58) Jaqueline


e-

(55) minimo (59) pesquisa


_.

(3) (e) em sílaba inicial DE e DES": 30/47 = 63.8%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(60) d~mais (64) decisão

(61) d!sgosto (65) dezena

(62) d!pois (66) delícia


-
(63) d!sligado (67) deserto
-

(4) (e)segllido de sílaba contendo vogal baixa acentuada:


95/246=38.6%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(68) m!lhor (71) n~gócio

(69) !scola (72) interessa

(70) d!saparece (73) medalha

-59 -
Na verdade, parece-nos que este ambiente pode ser removido
da lista dos am?ientes que atuam favoravelmente ao alçamento, já
que, com exceção de 'milhar', todos os demais casos alçados podem
ser explicados por possuírem outros ambientes já mencionados como
altamente propiciadores (em termos percentuais) da elevação da vogal
lei, ou seja:

(a) inicio de palavra: (69) iscola

(74) !spero etc.

(b) sílaba inicial DE, DES: (70) d!saparece etc.

(5) (e) seguido de sílaba contendo fel: 45/156=28.8%

Exemplos:

Alçados Não·Alçados

(75) piqueno (78) segredo

(76) impregada (79) veteranos

(77) dispensa

Neste ambiente também, observamos que todos os casos alçados,


com excecãoide 'piqueno', podem ser explicados por ambiente já
mencionados como propiciadores da elevação de (e) para (i). No caso,

(a) início de palavra: (76) impregada

(80) !stejam etc.

(b) sílaba inicial DE/DES: (77) d!spensa

(81) dispesa

(c) seguldordevoga! alta acentuada: (82) pr!f~iu.

- 60-
Se isolarmos os ambientes descritos em (a), (b) e (c) e o item
léxico 'piqueno', encontramos um resultado de 0/114~O% de alça-
mento quando o (e) pré-tônico é seguido de sílaba contendo outra
vogal lei. Parece-nos que, mais uma vez, estamos diante de um
ambiente que pode ser desconsiderado do rol dos ambientes que
influenciam favoravelmente o alçamento.

(6) (e) seguido de sílaba contendo /a/ acentuado: 55/154~35.7%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(83) inxada (87) tentava


-
(84) istamos (88) pegava

(85) dirnais (89) pedaços


-
(86) d1st aque (90) sentado

Nos dados registrados, se isolarmos os ambientes:

(a) inicio de palavra;


(b) sílaba inicial DE/DES,

Vamos obter um resultado de 0% de alçamento. Assim, podemos,


também neste caso, eliminar o ambiente descrito em (6) da lista dos
ambientes que atuam favoravelmente no alçamento.

(7) (e) não inicial, em sílaba travada 34/103 ~ 33.0%

Exemplos:
Alçados Não-Alçados

(91) sirviço (94) verdura

(92) pJrdido (95) p_ernil

(93) sirvir (96) p_ermitir

-.61 -
Neste ambiente, todas as ocorrências alçadas contém vogal alta

acentuada. Isolando, pois, o ambiente [ V J ' obtemos um resul-


+ alto
+ acento
tado de 0% de alçamento, o que é evidência para não considerar a
sílaba travada, por si só, como propiciadora do levantamento de e > i.

(8) (e) alternando-se com uma realização tônica com timbre aberto
/E/, sendo que esta oposição não implica em valor distintivo
(Mattoso, 1971: 22): 55/170 = 32.3%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(97) visti (_ veste) (100) divertir (_ di~erte)

(98) cr!sci (_ cresce) (101) int~grar (_ integra)

(99) conslgui (_. consegue) (102) apar:cendo (_ aparece)

Das 55 ocorrências alçadas, todas contém uma vogal alta acen-


tuada. E, se isolarmos o referido ambiente, encontramos um resultado
de O% de alçamento no contexto onde há alternância. Desta forma,
fica descartado o ambiente alternante dos propiciadores do alçamento.

(9) (e) em sílaba CCV: 15/158 9.4%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(103) pr!firo (105) probl!lminha

(104) pr!cisa (106) tremer

-62 -
Isolando o ambiente favorecedor [ V
+ alta
1 i o resultado passa

+ acento
a ser 0% de alçamento. Justifica-se, portanto, a eliminação do
ambiente CCV da lista dos que atuam favoravelmente no alçamento,

já que o ambiente
[++ V ]
alta
acento
é que favorece os casos alçados.

Pelos dados até agora investigados, observamos um outro ponto


não mencionado por Lemle (1974), mas que se delinea como relevante.
E a questão da hierarquia dos fatores estruturais que atuam no sentido
favorável ou desfavorável ao alçamento. Note-se o seguinte: se por
um lado, a presença da vogal baixa /a/ acentuada é fator que atua
num sentido desfavorável, tal ambiente perde sua supremacia, digamos
assim, quanto o (e) a ser alçado encontra-se em posição inicial:

(107) istalo
=
(108) intalado
=
(109) inrolado
=
Enfim, os ambientes descritos de (1) a (3) parecem atuar de
modo favorável ao alçamento e os descritos de (4) a (9) parecem
oferecer dificuldade na elevação da vogal pré-tõníca /ej.

II. A VARIAVEL /0/


Os ambientes fonológicos encontrados na amostra foram os se-
guintes:

(1) (o) seguido de vogal alta acentuada: 36/69 = 52.1 %


Exemplos:
Alçados Não·Alçados

(110) durningo (113) s9ci~~ogia

(111) bunito (114) cortiço

(112) custume (115) comodismo


-
- 63-
(2) (o) seguido de nasal; 61/150 40.6%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(116) cunhecer (120) tomava

(117) cumeçando (121) construção

(118) buneca (122) conforme

19) cunversa (123) concurso


-
(3) (o) seguido de vogal baixa acentuada 61/181 = 33.7%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(124) i'!gamos (127) contato

cunversa (128) completa

mulecada (129) conforme

Neste-cóntexto, com exceção das ocorrências em <<JUGAMOS,

JUGAVA, JUGANDO», as demais podem ser explicadas ambiente


nasal, ora em posição posterior ao (o) como em (125) cunversa,
ora em posição anterior ao (o) como em (126) mulecada. Desconsi-
deramos, pois, o ambiente [+ b~ixa ] da lista dos ambientes que

parecem propiciar o alçamento de (o).

- 64-
(4) (o) seguido de /a/ acentuado: 19/106 = 17.9%.

Exemplos:

Alçados Nâo-Alçados

(130) tumate (132) apr~lVaram

(131) jugava (133) t~mara

(132) mulecada (134) imp~rtante

As realizações alçadas (130) tumate e (126) mulecada podem


ser explicadas pela presença de um ambiente condicionador forte
que é a nasal. Assim, podemos desconsiderar o ambiente /a/ acentuado
do rol dos propiciadores do alçamento,

(5) (o) alternando-se com uma realização tônica com timbre aberto:
16/98 = 16.3%

Exemplos:

Não·Alçados

(135) morariam (,..., mora)

(136) par~quial (,..., paróquia)

(137) gostei (,..., gosta)

Com exceção de 'JUGAVA, JUGAMOS, JUGANDO' qua alternam


com 'JOGA', os demais casos alçados contêm um ambiente favorecedor,
que é a presença da vogal alta acentuada:

(138) p~dia (,..., pode)

(139) d~rmindo (,..., dorme)

(140) t~rci (,..., torce)

(141) muvia (,..., move)

- 65-
(6) (o) em sílabaCCV: ·1/60 = 1.6%

Exemplos:

Não-Alçados

(142) pr~mover

(143) pr~blema

(144) pr~posta

Só foi registrada uma ocorrência alçada: (145) apruveita, o que


evidencia que este é um ambiente que pode ser descartado da lista
dos ambientes que influenciam favoravelmente o alçamento.

(7) (o) em sílaba travada: 7/31 = 22.5%

Exemplos:

Alçados Não-Alçados

(146) g~rdura (150) formado

(147) t!!,'"cida (151) c~rtiço

(148) durmindo (152) orfanatos.

(149) durmia

Conforme pode ser observado, a elevação só ocorreu quando o


(o) é seguido de urna vogal alta acentuada. Sé isolarmos da contagem
o ambienté[.. <. VJ ' a silaba travada passa a atuar de modo
+ alta
+ acento
negativo ao alçamento (0%).

- 66-
(8) (o) seguido de outra sílaba contendo /0/: 0/12 = 0%

Das 12 ocorrências, nenhuma foi alçada, mesmo quando está


presente a vogal alta acentuada que, conforme já dissemos, é um
ambiente altamente propiciador ao alçamento:

(153) economia
(154) horrorizada
(155) comodismo

Os ambientes descritos (1) e (2) parecem atuar de modo favo-


rável e os ambientes (3) a (8) parecem oferecer dificuldades na
elevação de (O).

2. 2 Ambientes Morfológicos:

LEMLE postula uma condição morfológica limitando os ambientes


de aplicação da regra: «Q não contém limite de morfema derivador
de adjetivo». Entretanto, observamos que não podemos restringir a
elevação das vogais /e/ e /0/ aos sufixos com vogal alta que formam
nomes e verbos. Existem casos de alçamento tanto com sufixos que
formam adbjetivos, quanto ocorrências não alçadas com sufixos com
vogal alta acentuada que formam nomes e verbos:

(a) Exemplos alçados contendo sufixos formadores de adjetivo,


que Lemle considera bloqueadores do alçamento:

(156) bunitinho
-
(157) pi.9ui~ininho

(158) qui..ridíssimo

(159) pi_qui~ino

(160) piludo

(161) ispecialista

(162) ispecífíco

-67 -
(b) Exemplos de. nomes e verbos não alçados em ambiente com
vogal alta acentuada, que a regra de Lemle só prevê alçados:

(163) Sociologla
(164) economia
(165) comodísmo
(166) verdura
(167) atenderia
(168) teria
(169) opina

Portanto, o condicionamento da elevação das vogais /e/ e /0/,


em termos morfológicos, não é tão regular como propõe Lemle.

Ainda no âmbito morfológico, Lemledtz que «a regra se genera-


liz<j perdendo a restrição [+ acento] da vogal do contexto, em palavras
com vogal alta não tónica que: possuem em seu paradigma uma
palavraem que a regra é aplicável em sua forma primitiva» (regra (a);
Noêhtal1to i encontramos em nossos dados palavras que não têm uma
vogal alta acentuada, nem «parentes» com vogal alta acentuada e,
mesmoassim, houve o alçamento.

(170) Cumeçamos

(171) d~scarregar

(172) pess~al

(173) compriJnsão

E temos 'experiência', que é «parente» de 'ixperiencio' e nem


assim houve o alçamento.

A questão dos «parentes» com vogal alta acentuada proposta


por Lemle está pou~o explicita. Será que alguns «parentes» exerceriam
influência diferente de outros «parentes» «<parentes próximos» x «pa-
rentes distantes» )?parecê que os «parentes» com vogal alta acentuada
influenciam de maneira favorável o alçamento. Mas, muito a respeito
dessa «herança» preclsaatnda ser investigado.

- 68-
III. CONCLUSÃO

Analisando a proposta de LEMLE (1974) em dados de fala


casual da região de Belo Horizonte, concluímos que:

.. as alternâncias [e] ~ [i] e [o] ~ lu] têm status de vanaveis lin-


güisticas e, por isso, não podem ser explicitadas por regras
categoriais;

.. os ambientes não são exatamente coincidentes no condicionamento


de cada variável;

.. morfologicamente, não se pode restringir o alçamento aos sufixos


com vogal alta acentuada que formam nomes e verbos;

.. quando vogais /e/ e /0/ co-ocorrem num mesmo item léxico, a


regra não se aplica obrigatoriamente tantas vezes quantas houver
condições;

.. há uma escala hierárquica de influência quando ambientes que


atuam favorável ou desfavoravelmente co-ocorrem num mesmo item
léxico.

* Agradecemos ao professor Marco António de Oliveira, pelas valiosas


sugestões e pelo acompanhamento do trabalho.

NOTAS

1. Numa amostragem inicial com oito informantes de diferentes classes


sociais. sexos e idades, observamos que a elevação das vogais /e/ e /0/
não se realiza homogeneamente. Há diferenças significativas que evidenciam
que tais fatores nãc-estruturats urrftuenctam, distintamente, na freqüência das
variáveis (i) e (u).

2. Quando o /e/ em início de palavra vem seguido de nasal na mesma


sílaba, tivemos um resultado de 100% de alçamento. Não sabemos se estamos
diante de uma questão morfológica, onde o EN/EM é interpretado como
morfema inicial ou se a questão é apenas fonética e, neste caso, a nasal,
por ser mais alta, pode estar favorecendo o alçamento, conforme venosa
observação do professor César Augusto Reis.

3. Os ambientes DE/DES podem ser considerados morfológicos, já que


em muitos casos são prefixos e, em outros, podem ser interpretados como
tal pelos falantes.

- 69-
BIBLIOGRAFIA

LEMLE, M. «Analogia na morfologia: um estudo de um caso». ln: ---o


Revista Brasileira de Lingüística, Petrópolis, Vozes, 1974. v. 1: 16·21.

MATTOSD CAMARA JR., J. Problemas de lingüística descritiva. Petrópolis, Vozes,


1967.

-70 -
MARCO ANTÔNIO DE
Universidade Federal de Minas Gerais

Sobre os Reflexos Sociais da Mudança


em Progresso

ABSTRACT: This papar Is a díscusslon of the social rettexes


of linguistic change ln progresso ln particular, it deals with
the general validity of the evidence provided by the curvlllnear
pattem of social distribution, age differences, and the rôle
of the women for the detection of Iinguistic change ln progresso
It is argued hera that: a) Jack cf curvilinear pattem is not ao
indlcatíon of lack of change in progress; b) the rôle of the women
ln Iinguistic change depends on their rôle ln society,and
c) tlew changes can beoriginated in the lowest stratum ln
soclety,

-71-
1. INTRODUÇAO

Durante mais de quinze anos de estudos sobre a linguagem no


contexto social, uma série de resultados interessantes puderam ser
conseguidos. Hoje em dia sabemos muito mais sobre a linguagem do
que antes. Através destes estudos pudemos avançar nosso conheci-
mento em várias direções. Por exemplo, foi possível lançar alguma luz
sobre questões fundamentais, como a do condicionamento estrutural
das mudanças lingüistícas. Foi possível também conhecermos um pouco
mais sobre a correlação entre variação Iingüística e variação social. ~
deste segundo aspecto que pretendo tratar neste artigo.
Nos vários estudos realizados, em várias comunidades diferentes,
alguns padrões sociais da variação lingüística acabaram por se repetir.
Estas repetições se manifestaram basicamente em três aspectos: classe
social, faixa etária e sexo.
Com relação a classe social encontramos dois padrões. Nos
casos. onde a variação lingülstica representa também uma mudança em
progresso, encontramos o chamado 'padrão curvilíneo'. Neste padrão
a inovação ocorre com mais freqüência nos grupos centrais da escala
social, e não nos grupos periféricos. O padrão curvilíneo apresenta uma
distribuição nos moldes da Figura 1.

10a

--- - <,
-

o CLASSE SOCIAL
~ ~
BAIXA . . . . . . . • . . . . . • . . . • . . • . . . . . . • • ALTA

FIGURA 1
FIGURA 1: Padrão Curvilíneo
Já 110 caso das variáveis estáveis
mudança em progresso), uma variante nâo-urestielosa
freqüências de ocorrência nas classes mais oarxas, dred'f";,~Âi1
classes mais altas, numa distribuição nos moldes

o CLASSE SOCIAL
* •••••••• "
BAIXA *
•••••••••••...••.•. ALTA

FIGURA 2

FIGURA 2: Padrão distribucional de variável estável

Ambos os padrões foram encontrados em vários estudos como,


por exemplo:

a - Padrão Curvilíneo: Mudança em Progresso


(ch) - Cedergren, 1973.
(oh) = Labov, 1966.
(e) - .Trudgill, 1971.
b -- Padrão de Variável Estável
(th) - Labov, 1972.
(s) .....:: Cedergren, 1973.
(r) Cedergren, 1973.
(lng) - Labov, 1972.
(lng) - Trudgill, 1971.
A partir dai os casos de mudança em progresso - que são
determinados por outros meios, como veremos - passaram a ter
uma excelente indicação adicional para sua detecção: havendo padrão
curvilineo, temos mudança em progresso.
Com relação a faixa etária podemos observar o seguinte:. nos
casos de mudança em progresso as freqüências mais altas de reallzações
de uma inovação estão numa relação inversa a idade, i.e., os falantes
mais jovens a realizam com mais freqüência que os mais velhos.
Este tipo de evidência é conhecido como evidência do tempo aparente
e, aliado à evidência do tempo real, é tido como a condição «sine
qua non» para que um determinado caso de variação seja caracterizado
como mudança em progresso. Em outras palavras, somente uma
distribuição etária nos moldes acima caracterizados pode comprovar
que uma determinada inovação está se propagando numa comunidade
de fala. As variáveis estáveis, por outro lado, não implicam numa
distribuição etária deste tipo. Elas podem apresentar, por exemplo,
uma distribuição que pode ser representada por uma linha com
vários picos, como na figura 3.

100

o '-....",!-....,!--,.--i--+........,.....-I-.,....--!---,--,! IDADE

JOVENS . . . . . • . . • ••••••••••• ,VELHOS

FIGURA 3
o que indicaria que não há nenhuma relação entre faixa etária e a
variável em questão.

Com relação a sexo é necessário distinguir-se dois aspectos. Em


primeiro lugar, as mulheres parecem ser mais sensíveis do que OS
homens no que se refere a formas de prestígio. E isso parece ser
uma tendência universal. O fato é que as mulheres usam menos
formas estigmatizadas do que os homens, no estilo de fala cuidada,
sendo mais alertas ao padrão de prestigio. Esta tendência recebe
confirmação de uma série de estudos independentes como, por exemplo,
Fisher (1958), Levine & Crockett (1966), Anshen (1969), Trudgill
(1971), entre outros. Contudo, há um segundo aspecto, que é o das
mudanças em progresso. Netes casos o comportamento das mulheres
não tem sido o mesmo. No estudo de algumas variáveis lingüisticasem
Charrney, Suiça, realizado por Gauchat (1905), encontramos as mulhe-
res liderando todos os casos de mudança em progresso. O mesmo
resultado aparece no estudo de Labov (1966), em Nova Iorque, para
as variáveis (eh) e (oh), e em Shuy, Wo fram & Riley (1967), para
Detroit, para as variáveis (ae) e (a). No entanto, nem sempre as
mulheres lideram as mudanças em progresso. Em casos como o da
centralização de (ay) e (aw) na ilha de Martha's Vineyard (Cf. Labov,
1972: 42), são os homens que lideram o processo. O mesmo acontece
no estudo de Trudgill (1971). Em função disso Labov (1972: 303)
conclui que:

The correct generalization then is not that women lead in linguistic


change, but rather that the sexual differentiation of speech often
plays a major role in the mechanism of Iinguistic evolution. ( ... )
We are dealing with some positive factor here, operating upon a
subtle set of conventional social values. ( ... ) The sexual diffe-
rentiation of speakers is... an expressive posture which is socially
more appropriate for one sex or the other.

Mesmo assim há uma tendência a se associar o sexo feminino a


mudanças em progresso. Num trabalho recente Labov (1980: 260),
discorrendo sobre o alçamento e a anteriorização de (ay9) , que é um
caso de mudança em progresso, escreve:

lt is worth noting that this is also the only change (em Filadélfia)
where men are in the lead, For most of the Iinguistic changes

-75 -
that have been traced so far, we find that women are about one
generation ahead of men - at least in the early stages of the
processo This is true in Philadelphia as well, except in the case
of (ayv). There may be a connection between the normal curvilinear
class pattern and the dominance of women in the advacement of
sound change, but this direction of inquiry would carry us beyond
the scope of the present reporto

Em minha opinião a abordagem encontrada em Labov (1972) é


mais judiciosa que a encontrada em Labov (1980). Ela reconhece o
fato de que o comportamento das mulheres nestes casos não é sempre
o mesmo, e evita qualquer generalização apressada. Além disso ela
sugere alguns caminhos para se explicar este fato. É exatamente nesta
direção que pretendo abordar a questão da relação entre sexo e
mudança Iingüística.

UM CASO DE MUDANÇA EM PROGRESSO EM PORTUGUES: (r)

Num trabalho anterior (Oliveira, 1981) procurei mostrar que é


necessário fazer-se uma distinção entre (r) .tinal em formas verbais e
outros casos de (r) «r) final em nominais e (r) interno) no que se
refere à sua realização como 0 (i.e., r's não realizados foneticamente).
Em resumo, procurei mostrar que realizações como cantô por cantor,
elevadô por elevador e mofologia por morfologia são resultantes de
Uma mesma regra de cancelamento, representada aqui, em suas linhas
gerais, por (1).

(1) (r) -> <0> / , # # }


1 C

enquanto que realizações como vendê por vender, cantá por cantar e
qué por quer não são resultantes de uma regra de canceiamento. A
evidência para esta separação foi dada em termos estruturais e estilís-
ticos. As· questões a que me proponho agora são:

l' - A regra variável (1) representa ou não mudança em progresso?

2' - Qual o comportamento. desta regra, no português de Belo


Horizonte, em termos de classe social, sexo e faixa etária?

-76 -
As freqüências de cancelamento do (r), em termos de idade,
sexo e classe social podem ser vistas na Tabela 1, para o (r) final
em nominais, e na Tabela 2, para o (r) interno. Os resultados proba-
bilísticos para os dois casos podem ser vistos na Tabela 3.

TABELA 1

Cancelamento de (r) em posição final de palavra em nominais.


Fatores externos.

FATORES N{> APLlC. NO? TOKENS % APLIC.


Idade - 20 210 531 38
21 - 30 181 565 32
31 - 40 67 276 24
41 - 95 255 37
Sexo Masculino 368 907 40
Feminino 185 720 25
Classe Baixa 133 309 43
Trabalhadora 227 552 41
Média Baixa 129 458 28
Média Alta 64 308 20

553 1.627

TABELA 2

Cancelamento de (r) em ·posição .interna.


Fatores externos.

FATORES NO? APLlC. NO(> TOKENS % APLlC.


Idade - 20 161 1459 11
21 - 30 254 2218 11
31 .- 40 88 1014 8
41 - 143 713 20
Sexo Masculino 473 3168 14
Feminjnc 173 2236 7
Classe Baixa 141 812 17
Trabalhadora 249 1742 14
M~diaBajxa 148 1467 10
Média Alta 109 1383 7

646 5404

77 -
TABELA 3

Resultados probabilísticos para os fatores das Tabelas 1 e 2.

FATORES P (r) INTERNO . P (r) FINAL

Idade - 20 46 60
21 - 30 50 53
31 - 40 43 42
41 ~ 60 46
Sexo Masculino 58 55
Feminino 42 45
Classe Baixa 56 65
Trabalhadora 51 55
Média Baixa 51 46
Média Alta 42 35

Trata-se de um caso de mudança em progresso ou não? Para


responder-mos a esta pergunta teremos que examinar as evidências
dos tempos real e aparente. Um exame da literatura sobre o problema
(ChOliveira, 1981) nos fornece as seguintes informações no que se
refere ao tempo real:

a) Nas primeiras décadas do século XIX já havia alguma indicação


de cancelamento de (r) em posição final dos nominais.
b) Nos meados. do século XIX o cancelamento de (r) final em
nornlnals já era um processo bastante saliente, fato este que é
confirmado em alguns trabalhos do início do século XX.
c) Somente em trabalhos do final da década de 30 e IniCIO da
década de 40, no século XX, é que encontramos indícios de cancela-
mento de (r) em posição interna (Vide também Votre, 1979).

Assim sendo, pode-se dizer que a regra de cancelamento se


propagou de uma posição final para uma posição interna, onde ela é
apenas incipiente. Considere-se agora a Tabela 3. No caso de cance-
lamento de (r) final-em nominais temos também a evidência do tempo
aparente para se falar de mudança em progresso: os informantes
mais jovens, com-menos de 30 anos de idade favorecem o cancela-
mento, enquanto que os mais Velhos o desfavorecem. Por outro lado,

-78 -
no caso do cancelamento do (r) interno não temos a
tempo aparente para falarmos de mudança em progresso. Neste
probabilidade mais alta de cancelamento não está associada
informantes mais jovens, e sim aos mais velhos (41 anos ou mais).
Note-se também que em nenhum dos dois casos de cancelamento,
final ou interno, encontramos o padrão curvilíneo no que se refere às
classes sociais. O que encontramos é o padrão usualmente associado
às variáveis estáveis, com as probabilidades mais altas de aplicação
de regra associadas aos grupos sociais mais baixos, e vlce-versa,
Seriam estes resultados uma evidência contrária à caracterização do
cancelamento de (r) como um caso de mudança em progresso? Penso
que não. Considere-se, por exemplo, o trabalho de Labov (1972: 42-69)
sobre a variável (r) em Nova Iorque. Em Nova Iorque há uma variação
entre (r)'s não realizados foneticamente, ou (r-0), e (r)'s realizados
foneticamente, ou (r-1). Numa comunidade que era caracteristicamente
'r-Iess', como Nova Iorque, (r-1) se constitui numa inovação. O trabalho
de Labov mostra que na fala casual somente os falantes da classe
média alta apresentam uma proporção substancial de (r-1). Mas seu
trabalho mostra também que a grande maioria de (r-I r's nesta classe
social é fornecida pelos informantes mais jovens, com menos de 40
anos de idade. Os falantes mais velhos (+ de 40 anos), de qualquer
classe, apresentam um comportamento bastante semelhante. A situação
é basicamente a mesma na fala cuidada, muito embora haja aqui um
aumento significativo de íreqüências de (r-1) entre irlformantesentre
40 e 49 anos de idade, especialmente nos dois grupos mais altos da
escala social. Em outras palavras, no trabalho de Labov, somente
na classe média alta é que se pode encontrar evidência segura, em
termos de tempo aparente, para se falar de mudança em progresso.
O caso da variável (r) em Belo Horizonte ebastante semelhante ao
caso da variável (r) em Nova Iorque. Considerem-se as Figuras 4 e 5.

o Na Figura 4, para o cancelamento do (r) em posição final em


nominais, pode-se ver que além do fato de os informantes com menos
de 30 anos favorecerem mais o cancelamento do que aqueles com mais
de 30 anos, eles apresentam também uma estratificação social bastante
acentuada. Por outro lado, as diferenças de classe entre os informantes
com mais de 30 anos, com exceção daqueles da classe baixa, são
muito pequenas. Na Figura 5 encontramos, novamente, a mesma
estratificação social entre os informantes mais jovens, e a mesma

-79 -
100

90
Linha solida: 30 anos ou menos
Linha quebrada: 31 anos ou mais

MEDIA MÉDIA 'fRABA-


ALTA BAIXA lHAO.QRA

FIGURA 4

Mêdia Média Traba- Baixa: Classe social


Alta Baixa lhadora

FIGURA 4: Canceh:imenfude ú'")finalem nominaíspor' idade e classe social;

- 80-
Linha sólida: 30 anos ou menos.
Linha quebrada: 31 anos ou mais.

%
20
19

"
17
"
. /
16-
15 / //
-:
14
13,
12
-=--
.h,,,,,,/'"
/ --- -----
11
10


---
7' ,
.
,.
.i->
,
C

4
3.
2
1

, I , I 1 , I
:ClASSE SOCIAL.

MEDIA MEDIA TRABA- BAIXA


ALTA BAIXA LHADORA

FIGURA 5

Médià Média Traba- Baixa: Classe Social


Alta Baixa lhadora

FIGURA 5: Cancelamento de (r) em posição interna por idade e classe social,

- 81-
aproximação de freqüências entre os informantes mais velhos (exce-
tuando-se novamente aqueles da classe baixa). Ou seja, como no caso
de Nova Iorque, somente os informantes mais jovens apresentam uma
estratificação social acentuada. Eu proporia então que, em vez de se
considerar apenas a evidência do tempo aparente, consideremos também
a estratificação social entre os informantes mais jovens como fator
decisivo para se caracterizar um fenômeno lingülstico variável como
um caso de mudança em progresso. A razão para isto é a seguinte:
vamos supor que temos em mãos um caso para o qual, por algum
motivo, não haja evidência de tempo real para mudança em progresso,
mas somente diferenças etárias. Evidentemente isto não nos garante
que tenhamos um caso de mudança em progresso. Mas caso seja
mudança em progresso podemos esperar que certas caracteristicas
ocorram. Consideremos o mecanismo da mudança sonora proposto
por Labov (1972: 178-80): a mudança tem sua origem num subgrupo
da comunidade de fala, espalhando-se a todos os membros deste
subgrupo. Neste estágio somente o subgrupo onde a mudança se
originou irá apresentar um número significante de ocorrências da
inovação. Posteriormente a inovação irá atingir outros subgrupos da
comunidade de fala, sendo levada adiante por gerações sucessivas de
falantes. Somente neste ponto é que podemos observar a estratificação
social, Além disso. os falantes mais velhos, excetuando-se aqueles do
subgrupo que originou a mudança, podem não apresentar nenhuma
estratificação significativa, simplesmente porque já estão velhos demais
para incorporar uma nova regra variável - que somente agora faz
parte das normas de fala da comunidade como um todo - em seus
hábitos de fala. Na Figura 4 temos o seguinte: os informantes mais
velhos,exceto aqueles da classe social mais baixa, estão muito próximos
uns. dos. outros, mas os informantes mais jovens apresentam uma
estratificação social acentuada. Isto quer dizer que, exceto pelo grupo
mais alto, os informantes mais jovens levaram a mudança adiante,
além do modelo estabelecido por seus pais. Na. Figura 5, onde encon-
trames as freqüências para o aspecto mais recente do cancelamento
de (r), a situação é muito parecida com a da Figura 4, a não ser pelo
fato de Os informantes mais jovens das duas classes mais altas estarem
aquém dos informantes mais velhos. Assim sendo, a aproximação das
freqüências para os informantes mais velhos em ambas as figuras
indica que houve um ponto no qual o cancelamento de (r) não era
socialmente estratificado na comunidade de fala de Belo Horizonte.

- 82-
Além disso, o comportamento diferencial, em ambas as
informantes da classe baixa não é um problema, e sim uma p.viirlÂ,nr.i~
forte para se mostrar que o subgrupo que adotou o cancelamento
de (r) como um indicador, que depois se propagou para outros grupos
sociais, foi o grupo social mais baixo. Ou seja, as Figuras 4 e 5
sustentam a idéia de que as mudanças podem se originar nos grupos
mais baixos da sociedade, i.e., a falta de um padrão éurvilineo, quando
todos os informantes são considerados conjuntamente, não Indica
ausência de mudança em progresso. Voltarei a este ponto na seção 2.

Resta-nos examinar ainda a seguinte questão: se o cancelamento


de (r) é um caso de mudança em progresso, qual é o comportamento
dos homens e das mulheres em relação a este processo? Estariam as
mulheres liderando mais este caso de mudança? Homens e mulheres
de classes sociais diferentes têm o mesmo comportamento? Conside-
remos, em primeiro lugar, o cancelamento do (r) interno. De um
total de 5.404 casos de (r) interno, 646 foram cancelados (Cf. Tabela
2). Na Tabela 4 estão combinados sexo e classe social para o (r) interno.

TABELA 4

Cancelamento do (r) em posição interna por sexo e classe social.

CLASSE

~
BAIXA TRABALHADORA M. BAIXA M. ALTA

109/630 224/1364 83/428 57/746


Masculino
17.<1% .4% 19.4% 7.6%

32/182 25/378 64/1039 52/637


Feminino
17.6% 6.6% 6.1% 8.1%
I . I
Na tabela 4 podemos observar um grande distanciamento entre
as treqüências de cancelamento de (r) de homens e mulheres nas
classes trabalhadora e média baixa. Considere-se agora a Tabela 5,
para o cancelamento de (r) final em nominais.

- 83-
TABELA 5

Cancelamento de (r) em posição final em nominais por


sexo.e classe social

CLASSE

~
BAIXA TRABALHADORA M. BAIXA M. ALTA

89/197 165/405 81/167 33/138


Masculino
45.1% 40.7% 48.5% 23.9%

44/112 62/147 48/291 31/170

1···········Feminino 39.3% 42.1% 16.5% 18.2%

Na Tabela 5 temos, novamente, o mesmo distanciamento de


freqüênclas entre homens e mulheres da classe média baixa. Para
testar a significância das diferenças entre homens e mulheres nas
duas Tabelas (4 e 5), apliquei um teste Qui-quadrado em todos os
pares. E somente em três pontos as diferenças são significantes:

Tabela 4: Classe Trabalhadora X2 = 28.72, nivel .001, 191


Tabela 4: Classe Média Baixa X2 ~ 50.55, nivel .001, 191
Tabela 5: Classe Média Baixa X2 57.40, nivel .001, 191

8?1110 interpretar~stas duas Tabelas? Em primeiro lugar, parece


clar(Jq~e os homens estão liderando o cancelamento de (r), e não as
mUI~~rSs.:t ~Iémdiss()as Tabelas. 4 e 5 sugerem também que o
canc~Iamento de(r»s~ originou nos grupos mais baixos. Considere-se,
em primeiro lugar, a Tabela 5. Nesta Tabela as percentagens mais
baixas pará (JS hC>T11€JnS são encontradas na Classe Média Alta. Portanto,
este grupo pode ser deixado de lado como sendo o grupo onde o
processo-se originou.vNos outros três grupos os homens apresentam
freqüências semelhantes, e nos dois grupos mais baixos as mulheres
estão muito próximas dos homens em suas freqüências. Esta situação
sugere uma das duas possibilidades:

- 84
A) A mudança se originou nos grupos centrais, de onde se propagou
para os grupos mais baixos. As mulheres da classe média baixa,
por sua vez, apresentam hipercorreção, sendo este o motivo do
grande distanciamento de freqüências entre homens e mulheres
neste grupo social.

B) A mudança se originou no grupo mais baixo, com os homens na


liderança. As mulheres, por sua vez, adotaram a mudança, come-
çando nos grupos mais baixos, sem atingir nas classe médias as
mesmas proporções que os homens.

Tanto em (A) quanto em (B) os falantes da classe média alta,


homens e mulheres, são os últimos a serem atingidos pela mudança.
Se considerarmos somente a Tabela 5, não há como se decidir entre
A e B. Mas se considerarmos a Tabela 4, somente B é viável. A Tabela
4 mostra que o aspecto mais novo do cancelamento de (r), em posição
interna, atingiu igualmente os falantes do sexo masculino, excetuando-se
os da classe média alta. Contudo, somente as mulheres da classe
baixa apresentam freqüências de cancelamento de (r) semelhantes às
dos homens. Ou seja, a Tabela 4 corrobora o que já foi dito antes, i.e.,
o cancelamento de (r) é um caso de mudança com origens nos grupos
mais baixos da escala social. A questão agora é a seguinte: como é
que estes fatos se coadunam com as propostas recentes sobre os
correlatos sociais da mudança em progresso? Examinarei esta questão
na seção seguinte.

3. O PAPEL DAS VARIAVEIS SEXO E CLASSE SOCIAL NA MUDANÇA


EM PROGRESSO

Pelo que foi visto nas seções anteriores, o cancelamento de (r)


é, em Belo Horizonte, um ~aso demudançaem progresso que contraria
duas expectativas: as mulheres. não lideram esta mudança, e nem
encontramos o padrão curvilíneo na distribuição social.
Consideremos, em primeiro lugar, a questão do papel das mulheres
na mudança lingüística em progresso. Como já vimos antes, as mu-
lheres lideram a grande maioria das mudanças em progresso. encon-
tradas na literatura. Labov (1980:261-2) caracteriza os falantes mais
avançados numa mudança sonora da seguinte maneira:

the persons with the largest number of local contactswithin


the neighborhood, yet who have at the same time the hlghest

- 85-
proportion of their acquaintances outside the neighborhood. Thus
we have a portrait of individuais with the highest local prestige
who are responsive to a somewhat broader form of prestige at
the next larger levei of social communication.

Na sociedade brasileira são os homens, e não as mulheres, que


desfrutam de uma mobilidade maior, tanto dentro quanto fora de sua
vizinhança imediata. Assim sendo, o fato de os homens, e não as
mulheres, estarem liderando no cancelamento de (r) pode ser encarado
como uma conseqüência de sua maior mobilidade. Mas, se isto é assim,
pode-se dizer que o papel das mulheres nas mudanças lingüísticas
depende de seu papel na sociedade. É bem verdade que as mulheres
são mais atentas ao prestigio do que os homens. Mas isto se aplica
a todos os tipos de prestígio, e não somente ao prestígio lingüístico.
Assim, caso uma mudança produza formas não prestigiosas, como é o
caso com o cancelamento de (r), e na hipótese da caracterização
feita por Labov dos falantes mais avançados estar correta, então não
há nada de mistico a respeito do papel das mulheres, per se, na mudança
lingüistica. Tudo dependerá de seu papel na sociedade. E em nossa
sociedade as tendências ainda não são estabelecidas pelas mulheres.

Consideremos agora a questão da estratificação social. O caso do


cancelamento do (r) fornece alguns fatos interessantes que podem ser
confrontados com as teorias existentes sobre a estratificação social
da linguagem. Segundo Labov (1972: 295), as mudanças fonológicas
c0rtlHns (<<change trom below») não se originam na camada mais alta
da sociedade. Ele sugere também que as mudanças que são eventual-
mente introduzidas pelos grupos mais altos são inovações «mais ou
menos conscientes», emprestadas de outros dialetos:

Innoyation by the highest-status group isnormaily a form of


borrowing from outside sources, more. orless conscious; with
some exceptions these wiil be prestige forms (290).

Assim, as. inovações de prestigio teriam seu pico nos grupos mais
altos da sociedade, enquanto que as mudanças comuns, que são as
que nos interessam aqui, terão seu pico noutro ponto da escala social.
O que se deve. notar aqui é que as explicações de Labov se
apóiam, basicamente, na noção de prestígio, i.e., independentemente
do ponto na sociedade onde uma mudança se origina, ela será assirni-

- 86-
lada por falantes que consideram o grupo que incorpora a mudança
como seu modelo social. Kroch (1978) propõe uma explicação alter-
nativa para as mudanças fonológicas comuns, baseada na noção de
ideologia. Na abordagem de Kroch, as mudanças fonológicas comuns,
que são processos foneticamente motivados, surgem no sistema como
um todo. A estratificação social irá surgir porque o grupo de elite

. .. characteristically resists normal processes of phonetic condi-


tioning (both articulatory and perceptual) that the speech of
non-elita strata regularly undergo (18).

Segundo Kroch, os falantes dos grupos de elite procuram, então,


se diferenciar dos falantes de outros grupos. Contudo, há um fato
que é um problema para ambas as teorias. Kroch escreve

His (Labov's) theory still gives one no reason to expect the speech
of the common people to be more open to phonetic conditioning
than that of the elite. ln fact, his pluralistic conception of prestige
leads one to expect change to originate equally at ali social leveis
and social dialect variation to be, therefore, Iinguistically random
(23).

Mas o fato é que as mudanças lingüísticas comuns não se


originam em qualquer ponto da sociedade. Assim, Labov escreve

whenever age distributions and earlier reports indicate that


there may be sound change ln progress the highest social c1ass
lags behind. Furthermore, it also appeared that the lowest social
group was less advanced, a finding not •antecipated ln Kroch's
argumento ln each case ofsound change in progress located, the
variables display a curvilinear pattern of social distribution, where
the innovating groups are located centrally in that hierarchy: the
upper working class or lower middle class (1980: 254).

o problema é o seguinte: nem todas as possibilidades permitidas


porcada uma das duas teorias são corroboradas pelos estudos socio-
lirrgülstlcos. O caso do cancelamento do (r) não se encaixa em
nenhuma das duas teorias. O cancelamento do (r) interno, por exemplo,
dificilmente seria um processo contra o qual os grupos de elite reagiriam,

- 87-
uma vez que este é um processo do qual a rnarona das pessoas não
está consciente. Por outro lado, não encontramos o padrão curvilíneo
em nenhum dos dois aspectos do cancelamento do (r). A questão
é a seguinte: são realmente necessárias as noções de prestigio e/ou
ideologia para se explicar a estratificação social do cancelamento do
(r)? Penso que não, e proponho o seguinte: a estratificação social é
um resultado direto da maneira pela qual a sociedade se organiza.
Uma vez que sociedades diferentes se estruturam de modos diferentes,
é de se esperar que diferentes padrões de estratificação social da
linguagem sejam encontrados. As novas mudanças serão levadas
adiante, nos centros urbanos, por aqueles grupos cujas características
sociais determinam as caracteristicas sociais gerais da comunidade.
o padrão curvilineo foi encontrado em centros industrializados no
hemisfério norte, como Nova Iorque (Labov, 1966), Norwich (Trudgíll,
1974) e Filadélfia (Labov, 1980). Foi encontrado também na cidade do
Panamá (Cedergren, 1973). O impacto das classes trabalhadoras, por
exemplo, não é o mesmo em paises industrializados e não industriali·
zados. Nos Estados Unidos e Grã-Bretanha a maior parte da população
não/se localiza nem nos grupos mais altos nem nos mais baixos da
sociedade. Estes países têm uma classe trabalhadora e uma classe
média bastante populosas, com suas subdivisões internas. Nos países
não industrializados, ou naqueles onde o processo de industrialização
é recente, estes grupos intermediários não constituem o grosso da
população. Desconheço a situação do Panamá, mas o Brasil foi, até
aS~~unda Guerra Mundial, um país essencialmente agrícola, com uma
economia baseada no café. Evidentemente havia uma classe trabalha-
dorá.iMas esta era pequena e não influente. Com a migração em
massadas áreas rurais para os centros urbanos a classe baixa cresceu
numericamente, enquanto que a classe trabalhadora está surgindo como
classe de peso com a industrialização do pais. O fato é que nos
centros/urbanos brasileiros o. espectro social pode ser representado
por uma pirâmide, com o grupo mais alto situado em seu vértice.
Assim, o padrão da estratificação social do cancelamento do (r) não
é nada mais que um reflexo direto da estruturação da sociedade na
cidade de Belo Horizonte.
Evidentemente serão necessárias pesquisas adicionais em contexto
sociais semelhantes ao de Belo Horizonte, dentro e fora do Brasil,
para que possamos. refinar e entender melhor os aspectos sociais
da mudança llngüística. O caso apresentado aqui não irá, é claro,

88 -
jogar por terra as hipóteses interessantes que já foram levantadas
até agora. E nem é essa a intenção do artigo. Antes, ele pretende
sugerir um reexame do assunto.

NOTAS

1. Um caso semelhante, onde os homens lideram urna mudança, é


registrado por Modaressi (1976: 130-1) no persa moderno, para o cancelamento
de oclusivas em clusters consonantais em posição final de palavra.

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89-
EUNICE PONTES
Universidade Federal de Minas Gerais

A Ordem VS em Português

ABSTRACT:This··paper. lnvestlgatea.fnevstatus of VS arder in


Portuguese. The rules of subject puspoelng found ln traditional
grammars are listed, then some . . data ot. written and oral
language are examlned, inorder to seeifthose rutes are euve
ln c:()~temp(Jrli7Ia[lguagl;!~T~efrequency Df.VS order Jn both
varietiesis compared and it is ccncluded thatVS arder is a
rnark~d?rder'l1()r veryfrequent ln written .language and .• less
in .cralfanguage. Finally, some functional explanatlón of the
phenornenon is given.

- 90-
Se considerarmos preferentemente as
rativas com verbo transitivo, diremos que em
normal, não-marcada, dos elementos da oração é SVO
objeto). Assim, a seguinte é uma sentença típica do

«o leão devorou o menino».

Sabemos que esta ordem tem valor sintático porque, se mudarmos


a seqüência dos elementos, o significado muda. A seguinte S não
significa o mesmo que a anterior, pelo contrário:

«o menino devorou o leão».

Esta é a regra que vigora para as sentenças com verbo transitivo


e sua. função, nitidamente, é assegurar o significado. Se colocarmos o
sejeito de uma oração transitiva depois do verbo, surge o perigo da
ambigüidade, como se vê na sentença que segue:

«Devorou o menino o leão».

Neste caso, não se pode dizer se foi o menino que devorou o


leão ou se foi o contrário que aconteceu.
A posposição do sujeito em orações transitivas é possível desde
que o contexto assegure a interpretação correta, ou em casos (humor,
por exemplo) em que se busque propositalmente a ambigüidade. Na
literatura, por exemplo, encontram-se inversões do tipo acima. Meu
propósito aqui, porém, não é estudar estes casos de inversão que
parecem mais comuns na língua literária. Quero apenas ressaltar .911"
o. uso da língua é SeI11J)@ um_us(Linteligen:tê..e_não~m.e~ªnicn, Clamodo
que~quani:lc; rlã'ü'h'á perigo de confusão é possível a inversão, mesmo
no caso t1e-oraçõestransitivas. O que reafirma a finalidade da ordem
que se ob)erVa na la. S: ela existe para assegurar a comunicação.
Drummond pôde inverter a ordem no exemplo a seguir, colocando
o verbo no princípio, em seguida o sujeito e depois o objeto (VSO)
porque a distinção animado/inanimado entre os dois SNs faz com
que sóo primeiro SN seja possível como sujeito:

«Debatem os lazaristas
O grave dilema» (C.D.A. 22)

- 91
Já a anteposição do objeto indireto é possivel nesta outra S
porque a preposição o distingue do sujeito (ambos são animados):

«fala ao padre lazarista


o emissário paulista- (C.D.A. 19)

No exemplo seguinte, a ordem SOV é possível por causa do


pronome, porque o verbo esperar supõe sujeito animado:

«As crianças tudo esperam» (M. Y. 38).

Estas afirmações parecem óbvias, mas durante algumas décadas


essa «inteligência» do falante no LISO da língua não foi levada em
conta, com a hegemonia dos lingüistas mecanicistas, que acreditavam
que a gramática era um mecanismo de regras automáticas. Atualmente
já é possível escapar deste dogmatismo e admitir que as regras sintáticas
têm uma finalídade, que é assegurar a comunicação e que não se
aplicam cegamente. A diferença está em que o falante não é um
autõmato, ele usa as regras na medida em que elas são necessárias.
Quando é possivel violá- las sem prejuízo da clareza para conseguir
algum efeito extra (como na literatura tanto se vê) elas são víoladas.

Os lingüistas gerativistas, por exemplo, ao analísar a ordem das


palavras, como faziam com outros fatos da língua, queriam estabelecer
regras que específicassem de maneira mecânica quando a inversão
era possível. A discussão sobre Ordem de palavras na gramática
gerativa se centrou no problema de qual ordem era a básica, a que
devia figurar na estrutura profunda. Assim, Mc Cawley (1970) quis
provar que o inglês era uma língua basicamente VSO, e Perlmutter,
segundo Berman (1974) quis fazer o mesmo em relação ao português.
AdisCllssãodos gramáticos gerativos, porém, a meu ver, estava
equivocada, inclusive porque desconhecia a diferença fundamental .»de
comportamento entre as orações transitivas e as intransitivas. Arlene
Berman, por exemplo (1974), que refuta Mc Cawley e Perlmutter,
usa argumentos quase todos de orações transitivas para mostrar que
estas línguas são SVO, Já Perlmutter (1976) em seu trabalho sobre o
português usa quase exclusivamente orações intransitivas. ° fato é
que, se olharmos somente orações transitivas, encontraremos uma
predominância massiva de SVO. Já se olharmos orações intransitivas,

- 92-
esta estatística é diferente: a ocorrência de VS é mais significativa.
Mattoso Câmara Jr observou que a inversão do sujeito se dá «quando
não há um objeto direto para opor, pela colocação, ao sujeíto ou
quando mesmo com objeto direto, o mecanismo da concordância pode
entrar em ação. Dai, a freqüente posposição do sujeito - a) com
verbos intransitivos, b) com verbos transitivos desde que o sujeito e o
objeto direto são de número nominal diferente. Ex.: Chegaram os
viajantes; Viram os meninos um lobo». Ainda observa a ocorrência
de VS «desde que a compreensão geral do contexto o indica implici-
tamente: Comeu o lobo o menino» (1976: 253).

Vanda Bittencourt (1979) que estudou a posposição do sujeito


na perspectiva da Gramática Transformacionai, declara que esta regra
«se aplica a estruturas com verbos intransitivos» (p. 80) «deixando
de atuar em estruturas com verbos transitivos» (p. 84) ressalvando o
caso das orações passivas.

Na verdade, a marona esmagadora dos casos de ordem VS se


encontra com verbos intransitivos, como veremos a seguir. Mas é
posslvel com transitivos, desde que a compreensão o permita. Há
até casos em que se encontra o verbo seguido de dois SNs e apenas a
ordem distingue o que é sujeito do objeto. Neste caso, que é raro, o
que vem l' é o sujeito (ordem VSO). Encontrei casualmente estes
exempios em Silveira Bueno (1958):

«Nas orações gerundiais fixará a língua clássica a ordem: verbo


sujeito, ( ... i»~ (p. 225).

«Nas orações intercaladas fixou também a língua a ordem: pre-


dicado sujeito (id.).

Nestes exemplos, parece que a ordem está nos indicando o que é


sujeit?e o que é objeto, pois o l' SN é que é o sujeito. Mas é
possível que seja o sentido da S que nos dá a indicação, de modo
que não vou arriscar nenhuma hipótese com dados tão rarefeitos.

NO presente trabalho, pretendo verificar a extensão do fenômeno


da ordem VS em Português, sua ocorrência em língua escrita e oral,
sua freqüência, e procurar uma explanação com base na Análíse
do Discurso.

- 93-
o PROBLEMA DA COLOCAÇAO DO SUJEITO NAS GRAMÁTICAS

Nossos gramáticos não deram a devida atenção ainda ao fenômeno


da ordem das palavras em Português. Contreras (1976), que estuda
esse fenômeno em espanhol, assinala que esse descaso é geral: nem os
gramáticos indus, nem gregos, nem romanos, nem mesmo os de Port
Royal estudaram com grande interesse o problema da ordem. Dos
gramáticos lógicos herdaram os nossos a concepção de que a ordem
SVO refletia uma ordem «natural» do pensamento. Ver por exemplo
Celso Cunha: «Em português, como nas demais línguas românicas,
predomina a ordem direta, isto é, os termos da oração se dispõem
préferentemente na seqüência: sujeito + verbo + objeto direto +
objeto indireto ou sujeito + verbo + predicativo» (1976: 168).

Greenberg (1978) veio mostrar que as línguas do mundo tanto


usam a ordem SVO, como VSO, SOVe outras, o que indica que não
existe uma ordem «natural» para as palavras na frase.

Conforme assinala Contreras, «a única escola estruturalista que


devotou alguma atenção à ordem das palavras é a escola de Praga,
particularmente Mathesius (1928) e mais recentemente Firbas (1964,
1966) e Danes (1967), entre outros» (1976: 15).

AS GRAMÁTICAS DO PORTUGUES

Apesar de tudo, encontramos em Epiphanio Dias (1969) uma


descrição sistematizada dos casos em que o verbo ocorre antes do
sujeito em Português. Observa ele que se pospôe o sujeito ao verbo
nos seguintes casos:

a) «Nas oro principaes que designam o discurso de outrem,


quando se intercalam no discurso ou vão no fim d'elle vae o sujeito
depois do verbo: «Não me enfada nada - redarguiu este».
b) «Quando uma oro interrogativa direta começa pela expressão
interrogativa e esta não encerra o sujeito, pospõe-se o sujeito ao verbo».

c) «Quando osujeito é um nome não precedido de artigo definido,


pospõe-se não havendo emphase:

1) Aos verbos existir, apparecer, occorrer e aos de significação


semelhante;

- 94-
2) Aos verbos de sentido passivo» (p. 310).

d)«Quando os pron. isto, isso, aquillo, o mesmo,


o mesmo (com os seus substantivos) sendo complementos
se transportam emphaticamente para o onncioro (principalI)
sujeito pospõe-se ao verbo:

«Isto fazem os principes alheos de soberba» (p. 311).

e) «Quando o n. predicativo se colloca emphaticamente antes


do verbo, o sujeito vae usualmente depois do verbo: Impio é ellel».

f) «O sujeito de uma oro infinitiva não precedida de prepos. (exceto


a prepos, a, em sentido temporal) pospõe-se normalmente ao infinitivo
de verbos intransitivos ou passivos (nos tempos compostos pode ir
depois do auxiliar).»

g) Nos particípios absolutos, o sujeito colloca-se depois do parti-


cípio (em tempo composto, depois do auxiliar, ou depois de todo o
particípio) ( ...); «Acabada a solennídade daquelle acto...» (p, 312).

e
Segundo Epiphanio, esta regra do Português moderno; «anterior-
mente o sujeito antepunha-se ou pospunha-se indiferentemente».

h) «Quando aos verbos deixar, fazer, mandar, ouvir, sentir, ver


se liga um infinitivo referido ao compl. directo d'estes verbos, o compl.
directo não sendo pron. pessoal, ou relativo, ou interrogativo pode
ir depois do infinitivo». (p. 312).

Sousa da Silveira (1960) apresenta regras iguais às de Epiphanio


mas quanto ao caso f) lembra que se o infinitivo tiver «objeto, predica-
tivo ou complemento circunstancial, a ordem direta é preterível e
algumas vezes até se impõe:

«vira Alvaro falar a Cecília»;

«ouvindo as aves piarem nas ramas» (p. 251).

Ou. seja, a ordem VS é encontrável com verbos intransitivos de


preferência. Com verbos transitivos ela será restrita, a fim de assegurar
a perfeita comunicação.

Acrescenta ainda um outro caso, o das orações optativas:

«Pudera eu dilatar-lhe a vida!» (id.).

-95 -
Sousa da Silveira é mais preciso quanto às ar. interrogativas:
«Idem nas orações interrogativas em que a interrogação é feita pelos
pronomes, adjetivos ou advérbios que, qual, quem, quanto, como,
quando, porque, onde etc.: Que caraminhola é essa? Quanto tinha
ele?» (251).

Também é mais esclarecedor quanto aos «verbos reflexos de


sentido passivo»: «Encomendaram-se às madres da Ajuda as compotas
e marmeladas: lavaram-se, atearam-se, puliram-se as salas, escadas,
castiçais, arandelas, as vastas mangas de vidro, todos os aparelhos do
luxo clássico». (M. de Assis, Brás Cubas, 39).
Silveira Bueno (1968) acrescenta ainda aos casos de Epiphanio
e Souza da Silveira:

a) no estilo narrativo: «... Foi um homem ao mato...»


b) nas orações exclamativas: «Como é tão belo o soll»,

c) nas orações imperativas: «Não suba o sapateiro além da


chinela»

d) nas orações com verbo impessoal, cujo sujeito é a frase


imediata: «Convém que se diga a verdade».

Cunha (1976), como vimos atrás, considera SVO como a «ordem


direta» e a que predomina em nossa língua. Mas. acrescenta: «Esta
~referência pela ordem direta é mais sensível nas orações enunciativas
Ou declarativas (afirmativas ou negativas)>>. E exemplifica com quatro
or~9ges,todas transitivas. Ressalta, em seguida, que nossa língua
permite as inversões com mais facilidade do que outras línguas, sendo
que algumas inversões até «se tornaram para nós uma exigência
gramaticai». Para ele, as inversões de natureza estilística têm por fim
realçar o sujeito. Considera eie que enquanto a maneira de realçar
o sujeito é pospô-lo ao verbo, realça-se o predicativo antepondo-o ao
verbo. E oferece os seguintes exemplos, sendo o 19 de realce do
sujeito e o 29 'de realce do predicativo (p. 168-69), segundo ele:

«Sublime és lu, bradei eu, lançando-lhe os braços ao pescoço»


(M. deAsis,OC, I, 547).
«Curta foi a visita de Rubião» (M. de Assis, OC, I, 611).

-·96-
Não é possível deixar de notar que, embora seja bastante atraente
a teoria de que as inversões tenham por finalidade realçar o elemento
deslocado, ela se torna bastante implausivel no momento em que se
verifica que na mesma frase, ao mesmo tempo que o sujeito foi
posposto, o predicativo foi anteposto, como acontece nos dois exemplos
acima. Parece-me que, se a finalidade é realçar um elemento, não se
pode realçar o outro também ao mesmo tempo. E como decidir,
nesses casos, qual foi o elemento realçado? Cunha arbitrariamente
considera o 1Q exemplo como de realce de sujeito e o 2' como realce
do predicativo. Mas poderíamos trocá-los, pois os exemplos são idên-
ticos. Não vejo como sustentar, portanto, esta idéia, aliás muito vaga,
de realce.
Há ainda um outro problema com o l ' exemplo de Cunha: é
que ele sublinhou a frase intercalada bradei eu, lavando-nos a pensar
que esta é uma inversão estilistica. No entanto, mais adiante ele cita
as orações intercaladas entre os casos de inversão gramatical. Parece-
me um pequeno lapso. No mais, Cunha apresenta' um resumo das
regras que Epiphanío e outros já haviam estabelecido. Apenas uma é
novidade, em relação à que já examinamos: «nas orações subordinadas
adverbiais condicionais construídas sem conjunção: Aprendêssemos nós
essa mensagem...» (p. 171).

~ digna de nota, também, a observação que ele faz de que «nas


orações que se iniciam pelo predicativo, pelo objeto (direto ou indireto)
ou por um adjunto adverbial» se dá geralmente a VS.

Epiphanio já notara a VS quando se antepõe objeto e predicativo


(ver regra c e d). A novidade aqui' é em relação ao adjunto adverbial
que não havia sido ressaltado pelos outros gramáticos.

Os exemplos de Cunha mostram a VS ocorrendo junto com a


anteposição desses outros elementos da S (p. 172):

«Este é o mistério do meu coração» (M. de Assis, OC, II, 257).


«Essa justiça vulgar, porém, não me soube fazer o velho mestre»
(R. Barbosa, R, 86).

«Ás advertências do velho Campos sucederam as desconfianças


de D. GIÓria»(J. L. do Rego, E, 250).

- 97-
«Na casa de Aristarco reinava o maior silêncio» (R. Pornpéla,
A, 266).

Pergunta-se também, a respeito destes exemplos, como no caso


do predicativo: a que elemento se quis realçar, o anteposto ou o
posposto? E por que esses exemplos são considerados de natureza
gramatical mas os primeiros de natureza estilística?

O americano Earl Thomas fez observações interessantes sobre o


português falado no Brasil. Ele abre seu livro com um capitulo
intitulado: Ordem das sentenças declarativas. Este é seu primeiro
parágrafo (tradução minha): «Ordem standard»: A ordem usual de
uma sentença declarativa é sujeito, verbo e objeto direto ou comple-
menta nominal, com o objeto indireto variando de posição em relação
ao objeto direto. Há, contudo, uma liberdade considerável na variação
dessa. ordem, embora menos em Português do que em Espanhol e
meros em brasileiro falado do que na língua literária. As mesmas
práticas são seguidas nas orações subordinadas e nas principais, com
as. exceções notadas no § 3b abaixo» (p. 3). Em seguida ele trata
das. mudanças de posição do sujeito. Afirma que a VS é usada para
enfatizar o sujeito, repete alguns casos que outros gramáticos já
"haviam assinalado, mas observa também a VS (p. 3·6):

a) em sentenças muito curtas, com mais ênfase no sujeito:


«Aqui estou eu». «Lá vêm eles».

b) com o verbo ser: «Quem esteve aqui? Fomos nós».

para evitar abrir uma S com um nome sujeito não modificado:


«De vez em quando apareciam casas ao longo da estrada».
Mas nota que também se encontra: «Mulheres passavam na
estrada».

d) com ao e infinito pessoal: «Ao chegarmos João e eu...».

é) com infinitivo perfeito: «Foi ótirno ter seu filho ganho uma
bolsa».

f) com certos verbos: «Alguns verbos são quase sempre segui-


dos por seus sujeitos. Em alguns casos o verbo recebe mais
ênfase do que o sujeito; em outros a situação é revertida.

- 98-
A maiona dos verbos expressa uma afirmação ou
de existência: existir, faltar, sobrar, ficar (restar),
surgir, sumir» (p. 5).

Em relação às orações exclamativas, ele acha que o sujeito


tende a seguir o verbo se aquele é mais longo: «Que caras estão as
casas!». «Como é bonita aquela moça!».

Em relação às interrogativas, esclarece que a ordem varia


conforme o tipo de pergunta: sem uma palavra interrogativa, a ordem
é igual à declarativa. A ordem muda quando a palavra interrogativa
não é sujeito (como diz Epiphanio). Mas ele vai mais além: se o
sujeito é um pronome, ele pode preceder ou não o verbo «desde
que não haja possibilidade de confusão»: Que acha você? «O que
você acha?». Se tanto o sujeito quanto o objeto são pessoas, o
sujeito deve preceder o verbo; «Quem você viu?».

Xveja.se a relação destas regras de Thomas com o que afirmei


no principio: desde que não haja possibilidade de confusão, a ordem
é mais livre.

No l' exemplo de Thomas (Que acha você?), um pronome é +


animado, o outro -animado, logo não há possibilidade de confusão.
Já se ambos forem pessoas, tem que haver ordem, porque não será
possível distinguir sujeito de objeto. Isto porque de modo geral, os
sujeitos, principalmente de verbos transitivos, .são agentes e portanto
animados, enquanto osobjetos são pacientes e, portanto, quase sempre
inanimados. Assim, com um verboativo, como fazer, se há um Sf\i
animado e outro inanimado, nosso conhecimento do mundo nos leva
a identificar o animado como sujeito e o inanimado como paciente.
Já no 2' exemplo, o verbo 6 ver e o objeto pode ser +animaclo,
então «Quem viu você?» é diferente de «Quem você viu?».

Vê-se aia intervenção, no uso da língua, do conhecimento


semântico e pragmático.

- 99-
Outra observação interessante, de Thomas a respeito das inter-
rogativas: «~ mais provável o sujeito seguir o verbo se ele é um
nome, especialmente se é modificado: Quantos comprou o tarrna-
cêutico?» (p. 309).
Com um advérbio interrogativo ele acha que há «de algum
modo maior probabilidade de colocar o sujeito depois do verbo:
«Para onde vai você?» (id.).

Por outro lado, para ênfase do sujeito, ele pode ser colocado
antes da palavra interrogativa: «Você o .que acha?».

Quando se põe «é que», segundo Thomas a ordem da oração


interrogativa é a mesma da declarativa: «De quem é que você está
fàlandoõ (p, 310).

Thomas diz que não observou tendência de colocar o sujeito


em orações interrogativas depois dos complementos do predicado,
mesmo quando existe a VS, e que perguntas como <<É bonita a
moça?» indicam um «afterthought» (pensamento ulterior).

Em tempos compostos, diz que «o sujeito quase sempre precede


o verbo» e que no «brasileiro falado» não se coloca o sujeito nem
depois do auxiliar nem depois do sintagma verbal: <<Você já tinha
feito a barba?».

OBRIGATORIEDADE DA ORDEM VS

Os gramáticos nem sempre são explicitos a respeito da obriga-


toriedade ou não da ordem VS.

Para. Epíphanio Dias a ordem SVO é a «mais simples (quero


dizer, sem emphase)», E dá como exemplo de ordem enfática: «A
vaidada te o<orgulho que são, senão duas espécies de um gênero
únicode fraquezasb (p, 310).

Note-sequee~te exemplo é semelhante ao de Thomas «<Você


o que faz?»). Trata-se de topicalização.

Nas trêsvprtrnelras regras (a-c) sua formulação parece mais


taxativa, já que' na4a. regra ele usa o advérbio «usualmente», o
que indica que esta é optativa. Na 5a. ele usa «normalmente».

- 100-
No entanto, sabemos que verbos como existir podem vir com
sujeito anteposto. Talvez ele queira dizer que no caso de sujeito
anteposto a verbos como existir haveria ênfase, pois ele afirma que
com estes verbos pospõe-se «não havendo emphase». É uma hipótese
interessante, pois então ele estaria considerando normal a ordem
posposta neste caso.

Das primeiras palavras de Epiphanio poder-se-la deduzir que as


inversões são enfáticas. Mas logo adiante ele diz que o sujeito pospõe-se
a verbos como existir sem ênfase. Logo, há inversões que não são
enfáticas. Não fica muito claro, portanto, o que ele acha da função
da ordem VS.

Cunha (1976), ao analisar «inversões de natureza gramatical»


diz que vai examinar «as condições que aconselham a alteração da
ordem normal do verbo relativamente ao sujeito e ao predicativo»
(p. 169).

Suas regras não diferem essencialmente das acima levantadas.


Sua conclusão é importante: «Ern princípio os verbos Intransitivos
podem vir sempre antepostos ao seu sujeito» e «embora nos casos
mencionados a tendência da língua seja manifestamente pela inversão
verbo-sujeito, em quase todos eles é possível - e perfeitamente
correta - a construção sujeito + verbo».

o que se pode deduzir, então, a respeito da ordem VS nesses


casos? Se é uma exigência gramatical não devia ser «perfeitamente
correta» a outra ordem. Parece que o sentido desta exigência
gramatical.. portanto, não/deve ser entendido como. sendo obrigato-
riedade .• P~ramim,essa\«do~trina»i gramatical .• não ficou clara.
Gladstone Chaves de>Melo (1976) faz essa mesma crítica a Cunha
e afirma que «é hoje obrigatória a posposição do sujeito ao verbo
nas orações explicativas, intercaladas ou finais do. tipo: «Não digo
mais nada, acudiu o cocheiro». Obrigatória também, segundo ele, a
posposição nas interrogações iniciadas por palavra interrogativa (res-
salvadas as interrogativas com é que). E nas imperativas e optativas
«também costuma haver inversão, principalmente na língua literária»
(p. 205). Nos casos de voz passiva, analítica ou pronominal, «também
se costuma preferir a posposição do sujeito» (p.206).

- 101-
DADOS DE líNGUA ESCRITA CONTEMPORÂNEA

Fiz um levantamento da ocorrência de sujeito posposto em Galo


das Trevas, de Pedro Nava (1981), Discurso de Primavera e Algumas
Sombras, de Carlos Drummond de Andrade (1978) e na revista
Isto É (10-3-82), a fim de verificar se no uso da língua escrita se
confirmavam as regras encontradas nos gramáticos citados. O resul·
tado foi, o que se segue.

Quanto à regra a) de Epiphanio Dias, que diz que em orações


«principaes que designam o discurso de outrem» (às vezes chamadas
orações intercaladas, embora venham no fim de período): confirmada.
Todos .os exemplos encontrados de orações deste tipo apresentavam
o sujeito posposto. Vejam-se alguns dos exemplos:

«Não desejo cumprir o final do meu mandato com um conjunto


de derrotados», desafiou Figueiredo» (I.E, 14).

«E me dói a cabeça, diz alguém». (C.D.A. 8).

<<A' Constituinte, sonha o deputado Ulísses Guimarães. Ou a


eleição direta do Presidente da República, imagina ao lado o
Senador Tancredo Neves» (I.E. 14).

Quanto à regra b) também encontrei confirmação, pois todas as


Orações' interrogativas encontradas apresentavam a ordem VS. Eis
algumas:

«Quem seria a segunda esposa de Pedro I?» (I. É 20).


«Onde estão? meus convivas e as flores d'antanho, onde estão?»
(PN 37).

«Que vale ter Ataíde?» (C.D.A. 13).

Mesmo vexemplos de" interrogativa (colhidos' em poesia) sem


pronome interrogativo apresentavam VS, como este:

«Terão endoidecido esses meus santos e a dolorida mãe de


Deus?» (C.D.A. 13).

-102 -
Parece-me que este tipo de interrogativa em que o futuro composto
exprime dúvida, tem mais probabilidade de desencadear a VS. Esse
evidentemente não é um caso de «interrogativa sim ou não», ou
seja, não é uma pergunta comum. Equivale às interrogativas iniciadas
por «será que», muito comuns na língua coloquial.

Outras interrogativas (também em poesia):

<<Veleja o poeta em mar desconhecido?

Bebe de novo em invisivel fonte?» (C.D.A. 34).

«Dói muito o seu dodói de alma?» (C.D.A. 15).

Houve duas interrogativas em que a VS pode ser devida a outros


fatores: uma é uma S truncada e a outra tem verbo reflexivo:

«Ou foi em nome deles que pastores


deixam de pastorear para faturar?» (C.D.A. 13).

«Dissolve-se a seresta no sereno?» (C.D.A. 14).

Houve ainda uma interrogativa em que a inversão foi da S


inteira:

«Que negócio é esse de ansiedade?» (C.D.A. 14).

Quanto à regra c) confirmou-se porque a maioria de exemplos


encontrados com verbos de existência (ou falta dela) ocorreu com VS:

«Pensando bem, acontece alguma coisa em tais ocasiões, entre


vendedor e comprador?» (I Iõ 11).

«Falta alguma coisa no BrasiL.» (C.D.A. 39).


«. .. foram-se velhos quarteirões e em seu lugar ficou uma
esplanada sem lógica...» (PN 10).
«Sobra-lhe, ainda, o reconhecimento de ter sido um dos melhores
governadores...» (I Iõ 17).

»E ainda assim restaria a delicada questão...» (I Iõ 18).

·-··103 -
«Depois da morte da escritora em BH, surgem ( ... ) poemas e
crõnicas ...» (I É 10).
«. .. próximo existe pequeno belvedere» (PN 16).
«e some o México, somem seus amantes, suas cores» (PN 39).

A maioria dos sujeitos pospostos a estes verbos é também


indefinida, como notou Epiphanio Dias.! Mas encontramos dois exem-
plos com SN definido:

«Falta aquele homem no escritório » (C.D.A. 37).

«Falta o casal passeando no trigal » (C.D.A. 37).

Embora a maioria dos exemplos encontrados com estes verbos


seja com VS, encontram-se também alguns exemplos em que o sujeito
não está posposto:

... Casas que vão morrer e que em breve não existirão mais
(PN 25).
Os doces mineiros que teimam em existir no caos e no tráfico»
(C.D.A. 20).
«A questão é que ele existiu e...» (PN 10).

«Se um responsável existe, ele habita em algum gabinete pala-


ciano» (I É 13).

«Seus bem amados dlsclpulos... sumindo» (C.D.A. 20).

«onde nenhum caboclo d'água,


nenhum minhocão ou cachoeirinha d'água,
cativados a nacos de fumo forte,
restam para semente
de contos fabulosos e assustados» (C.D.A. 5).

Devo notar a respeito destas orações em que o sujeito vem


antes, que as duas primeiras são orações relativas em que o sujeito
éum pronome relativo que, obrigatoriamente, tem que vir no principio
da oração: é igual ao caso da oração interrogativa em que o sujeito
é um pronome interrogativo. Por esse motivo, elas não desmentem
a regra.

- 104-
Quanto à terceira oração com existir, parece me que o fator
que intervém aí é o pronome ele como sujeito. Quando o sujeito é
pronome, é mais difícil ele vir posposto. Isto já foi constatado para
o Português por Vanda Bittencourt (1979: 80) e para o Hebreu por
Givón (1977: 211).

Já o quarto exemplo me parece que é uma violação da regra


para conseguir um efeito estilistico (seja enfatizar ou topicalizar o
sujeito), porque o normal seria a posposição nesse caso. Creio que
essa mesma é a explicação para os dois últimos exemplos. Epiphanio
Dias afirma que a posposição do sujeito com estes verbos se dá sem
ênfase. Sabemos que quando queremos enfatizar um elemento, tira-
mo-lo do lugar habitual. Como o lugar habitual do sujeito com estes
verbos é no fim, colocá-lo no início é enfatizá-lo? No caso do último
exemplo, veja-se que o autor repete a palavra nenhum (e a repetição
é um processo de ênfase) e coloca os sujeitos no início da S, separados
por uma oração inteira, o que concorre, na verdade, para toplcallzá-los.

Quanto à 2a. parte da regra c) também encontramos confirmação:

«E entre os atuais ministros do STF encontram-se alguns ex-cola-


boradores de Buzaid» (I É 20).

«Iniciava-se também o processo de punição exemplar. ..» (I É 23).

«As quintas instala-se na nossa calçada e sobe Conde de Laje a


feira semanal. ..» (PN 22).

«Já se viam dois partidos


entre os padres pressionados» (C.D.A. 21).

«Desfaz-se com o ministério,


uma antiga aliança, um rito da cidade» (C.D.A. 13).

Em poesia encontrou-se também um sujeito anteposto com verbo


reflexivo:

enquanto vida
ou memória de vida se consente
neste planeta enfermo» (C.D.A. 10).

- 105-
Quanto à regra d) de Epiphanio: não encontrei nenhum exemplo
com pronome anteposto. Mas o fenômeno a que ele se refere nesta
regra é o de uma topicalização (do objeto). E tenho observado que a
inversão do sujeito é muito freqüente em orações topicalizadas, Isto
pode ser verificado nas orações que alisto como exemplos de VS:
há cc-ocorrência de sujeito posposto com a anteposição (topicalizacão)
de outros elementos da oração: adjuntos adverbiais de lugar, de
procedência, objetos indiretos, e até orações inteiras.
Parece bastante claro também que não se trata de simples
posposição do sujeito ao verbo, mas sim de colocação do sujeito na
posição final da oração. Este fato é importante de ressaltar. São
dois fatos simultâneos: um é a topicalização de um ou mais elementos
da oração e outro é a colocação do sujeito no fim da oração. Segundo
a Escola de Praga, a posição final da oração é a mais importante
do ponto de vista da informação, porque é onde se encontra a tntor-
mação nova. Mattoso Câmara Jr. (1972) endossa essa posição,
ensinando que «nos padrões frasais portugueses, é o último termo
da oração que dá em princípio, a informação nova da comunicação
feita» (p. 145).
A regra e) também se refere a topicalizacão: do predicativo.
Exemplos encontrados:

«Marcadas ficarão
as casas coloniais da praça da Matriz» (C.D.A. 9).

«Envenenada morre a flor de outubro» (C.D.A. 9).


«se pecado é viver entre rios sem peixe» (C.D.A. 9).

A regra f) também é confirmada pelos exemplos:

«... deixa cair de seu manto estas sugestões que me aniqui-


Iam...» (PN 42).

«íazem secar é morrer


a flor de água de um rio» (C.DA 7).
«que num instante faz passar nas retinas a sucessão prodigiosa
dos contrafortes... » (PN 24).

«quando vi surgir das lajes ( ... ) a figura do Conselheiro


Rodrigues Alves» (PN 37).

«vi crescer sua igreja à sombra do Padre Artur» (C.D.A. 12).

- 106-
Encontrei também este exemplo em Pedro
comum no Português do Brasil( mas ocorre em Portugal):

«sempre se esquecia de fazer encher aos fregueses sua


de inscrição» (PN 23).

Este outro exemplo apresenta a VS com gerúndio:

«... em que vi passeando a pé, na Praça da Liberdade, o Presi·


dente...» (PN 43).

Quanto à regra g), sobre particípios absolutos, também se confirma


pelos exemplos:

«o mercado acaba ao meio-dia e carregadas as bancas - surge


o batalhão terrível dos mendigos...» (PN 22).
«... computada a inflação» (I É 22).
«Encurralados todos,/ a serra do curral, os moradores ./ cá
embaixo...» (C.D.A. 13).

Encontrei apenas um exemplo de anteposição com PP (mas é


nitidamente menos comum:

«Era duma franqueza extraordinária e, ocasião apresentada, não


teve nenhuma hesitação...» (PN 35).

Thomas (op. cit.) assinala VS com verbo ser. Encontrei alguns


casos curiosos de verbo ser em inicio de S:

«São doze standards, músicas muito conhecidas e...» (I É 8).


«São mulheres, crianças, velhos. Não são gatos nem cães. São
seres humanos» (PN22).
«Era gente querendo saber...» (I É 23).
«É gente que vai murchando» (C.D.A. 6).

o verbo ser nestes exemplos parecer equivaler a: «Trata-sede...»

- 107-
Há outros exemplos como esses em que parece que houve
omissão de um pronome anafórico que se referiria a fatos narrados
no discurso antecedente. Só que não houve nenhum pronome antes,
mas a S se refere ao discurso anterior:

Era, sem dúvida, um progresso. (I I': 23).

E foi (isso) exatamente o que o presidente J.F. começou a


fazer. (I I': 20).

(estas) São manifestações encorajadoras (I É 20).

«I': bom negócio» (C.D.A. 21).

«I': um fato do passado» (I I': 20).

«Foi um periodo histórico em que o governo...» (I É 20).

«Não é muito, certamente. Mas é mais do que muitos espera-


vam» (I É 18).

«Foi o caso do deputado M.P. ...» «Foi o caso também do


ex-prefeito de S.P.». (I I': 16).

Em todos estes casos, para se entender a que se referem as


orações iniciadas pelo verbo ser, é necessário se reportar às sentenças
ou parágrafos anteriores. E não há nenhum substantivo ou pronome
explícito que possa ser considerado como tendo sido elidido. É difícil,
portanto, falar-se em elipse do sujeito, pelo menos do ponto de vista
sintático. Esses são casos em que se vê a impossibilidade de separar
a sintaxe do discurso. A interpretação das Ss é condicionada nitida-
mente pelo contexto pragmático (do discurso) não só semântica como
sintaticamente."

Exemplos de sujeitos oracionais encontrados:

«Sabe-se que essa divergência entre parlamentares...» (I t: 19).

«Para isso não basta estar a seu lado a contar vitória ...» (I I': 20).
«é impossível criticar a inclusão de » (I I': 8).
«é bem verdade que, antes GI. R » (I É 9).

«Antes de mais nada, cabe ressaltar que...» (I I': 11).

- 108-
«Seria conveniente que as imagens de T. e V.
1 É 13).
«Mas convém atentar para os riscos incrustados em
ção» (I É 13).

«Mas já no final da semana, começava a ficar evidente que...»


(I É 16).

«Pode ser, mas é difícil acreditar que o governo...» (I É 18).

Outros casos encontrados foram os das orações imperativas e


optativas, que são raras no corpus observado:

<<Vai Luís, pelos espaços, incendiando os astros». (PN 33).

«Que me livre o céu


da praga dinamite» (C.D.A. 25).

Casos de sujeito entre o aux. e o particípio passado (cf. Cunha:


orações subo adverbiais condicionais construídas sem conjunção. p. 171).

«É sempre fácil discordar de antologias, sejam elas apresentadas


em páginas de livro ou faixa de disco» (I É 8) (aqui é passiva
e subj.).

«Tivesse ele acrescentado que o regime...» (I É 18).

Este é um caso em que o sujeito não vai para o fim da oração.


Os casos seguintes não foram alistados pelos gramáticos examinados.

Em orações passivas sem o agente explícito:

«Desde que foi desencadeado o processo de incorporação...»


(I É 16).
«NãOfoi. possível apoiá-Ia, pois o «distritão» - conforme ficou
conhecido o sistema eleitoral proposto na emenda...» (I É 15).

«Esperemos apenas dentro de nossa precárias rotinas, que nos


seja dadó conhecer outras preciosidades ...» (I É 11).
«quando será escolhido o sucessor de Figueiredo» (I É 20).

- 109-
Interessantes esses exs., porque o sujeito posposto na verdade é
o objeto direto da oração ativa correspondente. São orações passivas
sem agente expresso. Ora, o efeito normal da passiva sobre a ativa
é antepor o objeto e pospor o agente (que corresponde ao sujeito
da ativa). Vamos explicar melhor: a frase ativa correspondente à
primeira oração seria a seguinte:

"(Alguém) desencadeou o processo de incorporação".

E a passiva completa seria:

"O processo de incorporação foi desencadeado (por alguém)".

Ou seja, o objeto direto passaria a sujeito, e o sujeito passaria


a agente da passiva.

Nas orações acima, no entanto, o sujeito da passiva está na


posição final da sentença. Que ele é um sujetio posposto demonstra-se
pela possibilidade da concordância:

«Desde que foram desencadeados os processos...».

E verdade que também se encontra muito o particípio sem


concordar, como se vê na 3a. oração acima (<<que nos seja dado
conhecer outras preciosidades») ese encontra a todo momento em
tabuletas:

. «[proibido a entrada».

«Permitido carga e descarga» (eB Merci, Pampulha, BH)


Esteéum fenômeno freqüente na língua oral e na escrita menos
policiada.

Glvón (1979) afirma que a passiva é usada prlnclpalrnente para


escamotear o agente. Nestas orações acima não se encontra agente,
ele é indeterminado•• Não estando presentes os dois argumentos que
acompanham o verbo transitivo, a oração se torna semelhante às de
verbo intransitivo, e a VS ocorre.

- 110-
Note-se que na Passiva completa, o agente se' distingue
paciente não apenas pela posição final quanto pela preposição: por.
Então, a ordem pode ser mudada, porque se assegura a comunicação
pela prep. Sem o agente, o objeto fica na sua posição final e não se
sabe mais se ele é sujeito ou objeto (a não ser pela concordância,
mas esta é violada freqüentemente na fala e na escrita).
Um caso que nâo foi apontado por nenhum dos gramáticos
citados, mas que impressiona pela freqüência é o das orações subor-
dinadas iniciadas por onde, que, em (entre) cujos, por que (relativas):
altíssima freqüência, uma vez que só encontrei uma oração iniciada
por onde com ordem SVO -- mas esta era com verbo transitivo.
Pode-se dizer que a freqüência foi absoluta nesse caso.

«Mais para cá o pedaço urbano onde foi a Taberna da Glória»


(PN 54).
«... onde se não estão, pelo menos estiveram, em maior quanti-
dade, os testemunhos de nossa melhor qualidade arquitetônica»
(PN 24).

«onde repousam as cinzas dos grandes do segundo reinado»


(PN 8).
«E justamente assim que acaba esse lance de via pública em cujo
ângulo fronteiro fica a moradia...» (PN 16).

«Mais lances de paredões de pedra que o tempo foi desconjuntando


e entre cujas frestas irrompem árvores» (PN 15).
«.;.' a cujos passos logo crepitava de leve a areia das aléias»
(PN 39).

«." transtormacõesnutrrucas e geológicas por que passa nosso


corpo no seu caminho para a morte» (PN 54).

«no desgaste que lhe inflige


o dente roaz do tempo ( ... )
em sua faina cruel?» (C.D.A. 20).

«... em que, à tarde, ressoa


a melodia dos poemas
de Henriqueta Lisboa» (C.D.A. 21).

- 111-
Encontrou-se VS até com verbo transitivo:
«de onde, na escuridão, desfere o pássaro
- surpresa -
melodia jamais ouvida antes» (C,D,A. 29).

Note-se que em quase todos estes casos, houve a topicalização de


um constituinte, um S Prep. para a la. posição na sentença,
Outros exemplos de inversão foram encontrados com quando e
como, que também representam topicalizações:
«... quando se vizinhou o bolo confeitado do Palácio Tiradentes»
(pN 10).

«Há pouco tempo quando se anunciou a vinda do Presidente


da República» (PN 21).

«Como soa o soniL.» (C DA 15),

Outro caso de posposição do sujeito não arrolado pelos gramáticos


citados é J das chamadas, em Gramática Gerativa, «sentenças trun-
cadas» e «pseudo-truncadas».

«Foi o ministro P. G. quem apresentou o voto mais substancioso...»


(1·~15).

«Mas foi exatamente porque o Governo não soube acatar uma


decisão do Legislativo que o pacote de novembro foi editado»
(I ~ 18).

eram muitos, muitlssimos, os que esperavam uma retaliação


imediata» (I ~ 18).

«Fjüstarnente assim que acaba esse lancedé vida pública ...»


(PN 16).
Com outros verbos (que não os de existência) também foi encon-
trado sujeito posposto:

«Em frente, sem placa de numeração (mas entre o 32 é' o 36)


ressalta um dos mais lindos chalés do bairro» (PN 15).

«Pensando nisto durante as caladas da noite de insónia assalta-me


o desejo de rne estudar também» (PN 55).

- 112-
«Agora já não me obseda a morta»
«Aqui outrora retumbaram hinos" (PN
«Nas lajes desse adro pisaram ( ... ) os personagens
de M.A.» (PN 23).

«Vão melhorando os sinais físicos do outro estado» (PN 28).

«Cai neve em Parnaiba» (C.D.A. 8).

«Correm todos a ver a neve santa» (C.D.A. 8).

«Sai Glauber, entra ...» (I I': 9).

Com o verbo vir:

«Vêm depois, do lado par, sobradões de portas e janelas com


cercadura de granito» (PN 15).

«Num raio branco vem o fantasma de João Alphonsus» (PN 54).

«Também das mãos da amiga me vieram mais livro das bibliotecas


do seu pai e do seu avô...» (PN 36).

Com o verbo estar:

«Lá está a representação das caveiras e esqueletos sentados...»


(PN 42).

«Neste Ilusões do Mundo estão crônicas escritas por C.U.»


(I I': 10).

«Está de pé, irredutivelmente de pé, o compromisso democrático


que...» (I I': 19).

Com estes verbos ou verbos semelhantes foram encontrados


também exemplos de ordem SV:

«A pele frontal caiu sobre os olhos...» (PN 56).


«e percebe se é dia, noite e se vulto passa à sua frente» (PN 51).

«Se a televisão continua assim...» (I I': 13).

«A sessão, com efeito, começa de forma favorável à oposição...»


(I 1':15).

- 113-
«Numa noite apenas,
o verdor perece,
já no chão vencido
a vagem fenece» (C.D.A. 25).

Em orações negativas também se encontrou VS:


«entre os mais próximos e diletos
não estou eu» (C.D.A. 37).
«Não vem resposta de Chico,
e vai sumindo seu rastro ...» (C.D.A. 6).
«Para o moderado Tancredo Neves, portanto, não passaria
despercebido o tom com que, na 2a. feira, ( ... »> (I É 20).
«até hoje, passados cinco anos do crime e da condenação,
não aconteceu rigorosamente nada ao delagado» (I É 13).
«não existia nada de oficial» (I É 22).

Note-se que, como em outros casos, há negativas com VS obriga-


tória (como quando se começa a S com não e o sujeito é um pronome
indefinido) e outras negativas com VS optativa.
Encontramos também casos em que o verbo vem iniciando a
oração, mas o SN que o segue não costuma ser caracterizado como
sujeito. e a oração é considerada sem sujeito.
Incluem-se aí os casos de verbos impessoais como chover e fazer
indicando tempo ou fenômenos atmosféricos: «Faz calor», «Faz um
ano que-não vou lá».

«é adverte que é hora de preparar o partido (. .. »> (I É 18).


«seera para chegarmos a isso,. melhor não ter havido o pacote»
(I É 18).

«havia um clima de crioulo doido...» (I É 22).

«Para ele, não houve presidente, na história da República, que


tivesse sua imagem mais preservada pelas oposições que F.»
(I É 20).

Estes casos colocàm o problema dos critérios para classificar


um SN como sujeito ou não. No caso do verbo haver, por exemplo,

- 114-
que é tão semelhante a existir semântica e sintaticamente, a dúvida
se instala: o que distingue o SN que vem depois de existir do que
vem depois de haver?
Por que considerar o SN de haver como objeto e o de existir como
sujeito? Parece-me que a justificativa sintática para dizer que o SN
de existir é sujeito é o fato de ele poder ocorrer anteposto, como
acontece com os SNs que acompanham outros verbos intranstivos
(cair. subir, etc). Já com o verbo haver isto não acontece. A outra
justificativa é a concordância: o verbo existir vai para o plural se o
SN for plural, mas o verbo haver não. No mais, parece-me que os
SNs que seguem ambos os verbos têm caracteristicas semelhantes:
não-agentes, com tendência a serem indefinidos e inanimados. Há
uma tendência para os SNs pospostos a existir, como a outros verbos,
serem indefinidos e inanimados.
As características prototipicas principais do sujeito em Português
(aqueles casos claros, de oração transitiva com verbo de ação) são:
ser agente, vír antes do verbo e este com ele concordar. Quando
se pospõe o SN, e ele não é animado (os agentes costumam ser
animados) resta a concordância, Para a língua escrita, a concordância
pode ser usada como critério, mas este critério, como se sabe,é
bastante fluido. Escritores menos cultos, ou revisores menos tensos
podem deixar passar, e o deixam cada vez mais freqüentemente,
orações em que o verbo haver vem no plural, como se pode constatar
em jornais e revistas conceituadas.
Tanto se encontra haver com SN plural como existir com SN
singular. Ouvi em aula de concurso para professor na FALE:

«Haveriam lels;; existem hipóteses...»

Encontrei em provas de alunos da FALE (graduação):


«Esta é urna questão que até hoje existe controvérsias a respeito»

«Nâo existe duas línguas exatamente iguais. Existe algumas


expressões iguais».
«e nâo existe novas combinações de palavras»

Como se sabe, pesquisas sociolingüísticas já demonstraram a


baixa ocorrência da concordância com sujeito posposto na língua
oral," Fenômeno semelhante ao de haver ocorre com fazer indicando
tempo, pois vê-se comumente:

115 -
«Fazem muitos anos...»
E COITI ter na língua oral se ouve: «Vieram doze. mas já tinham
dezessete pessoas lá».

ASsim. o que sobra? Para manter a classificação gramatical


tradicional que distingue o SN posposto a haver do de existir, sobra
apenas a consciência de que com existir é possivel antepor o sujeito
e com haver não. Toma-se então, como básica. a posição anteposta e
considera-se que o SN posposto a existir é um sujeito posposto e o SN
posposto a haver é um objeto direto (embora nunca se possa ter
passivá com este objeto).
Muita coisa ainda poderia ser examinada com respeito ao caso
de haver (que corresponde a ter na língua oral). mas seria um outro
trabalha.
Uma maneira de evitar tratar diferentemente os SNs pospostos a
verbos seria estudá-los sob a denominação de casos em que o verbo
ver anteposto. ou em que o verbo é inicial.
Partindo da denominação (VS) que adotei aqui, o fenômeno é
tfatá~o com uma restrição que talvez, muito provavelmente. não se
jU.Ftifique. Adotei o ponto de partida de ordem VS porque esta é a
.rn~gyir~ adotada pelos estudiosos de. Tipologia Lingüistica até agora.
P(}rexemplo, Bernard Comri e (1980) continua considerando como
sujeitos os SNs que têm alguma(s) das caracteristicas prototipicas
apontadas-por Keenan (1976) e continua adotando as nomenclaturas
SVO,VSO. etc.. para classificar as línguas. Mas a idéia de partir
dá nomenclatura V inicial também tem sido adotada e o estudo de
Ruth Berman (1980) para o Hebraico nos induz a acreditar que o
fenômeno pode ser o mesmo num àrnbltovque transcende o do
PorW~u~s, ~uth Berman estudou as construçôesimpessoais em He-
braico. que são semelhantes às nossas, pois o Hebraico não tem
sujeito ..•«dumrny».

Ela arrola como orações sem sujeito •.em Hebraicov todas as orações
existenciais (enquanto apenas as com haver são assim consideradas
em nossas gramáticas), as relativas a fenômenos atmosféricos e
comentários relativos .• ao clima. as com predicados afetivos (tipo
é óbvio que ..•) as com predicados modais (é possível que.... é neces-
sário que...) as passivas impessoais (é sabido que...) e oraçôes

- 116-
impessoais de 3a. pessoa plural que podem funcionar no lugar de
passivas sem agente, além de orações possessivas e experienciais
(que não existem em português).

Estas construções são consideradas em nossas gramáticas como


de posposição do sujeito (com exceção das de comentários sobre o
clima). No entanto, me parece que as construções são semelhantes
nas duas línguas, porque começam sempre com o predicado, e não
apresentam sujeito «postiço», como em inglês ou francês (ecit ls
possible», «ii est possible», etc.).

Se considerarmos todas estas construções como do mesmo tipo,


ou seja, V inicial, será possivel talvez alcançar uma generalização
maior. Para Berman há uma correlação tipológica entre estas cons-
truções e as construções VS. «Assim o Hebreu, enquanto basicamente
SVO, faz largo uso de construções com verbo-inicial» (p. 759). O
Hebreu é, para Berman, uma língua (S) VO que «tem uma extensa
gama de tipos de orações em que falta um sujeito gramatical
expresso».

Outras correlações tipológicas que ela aponta para línguas que


têm orações sem sujeito são: a língua não ter proemínência· de
sujeito (no sentido de Li e Thompson, 1976) e tolerar numerosas
operações de topicalização, Quanto ao fenômeno da não-proeminência
do sujeito em Português e das operações de toplcallzação já tratei
em artigos anteriores (1980, 1981a, 1981b, 1981c). Parece-me que
as observações de Berman se aplicam ao Português, que é uma
língua sem nenhum parentesco com o Hebreu.

Para ver a-semelhança entre construções tradicionalmente consi-


deradas como deposposição do sujeito, pode-se comparar uma sentença
com o verbo faltar e uma com haver:

«Tá faltando uma fita aqui embaixo»


«Havia uma fita aqui embaixo»

Assim como antepor «uma fita» a. haver é estranho, também o


é com faltar (a não ser que se trate de topicalização contrastiva):

?«Uma fita tá faltando aqui embaixo»


?«Uma fita havia aqui embaixo»

- 117
LINGUAGEM COLOQUIAL

Para comparar com os dados da língua escrita, examinei dados


colhidos por 5 alunos do Mestrado em l.ingülstlca, e por mim mesma.
As 5 gravacões tiveram de 15 a 30 minutos. Todos foram diálogos
informais, feitos com pessoas de Belo Horizonte, de nível universitário.
Além dos dados colhidos de gravações, há outros exemplos anotados
por mim à medida que ouvia alguém usar uma frase com VS: estão
marcados como avulsos (av.),s
Intercaladas - Há orações na linguagem oral que se parecem
com as intercaladas da escrita, por exercerem a mesma função, mas
costumam vir no inicio do período. Apresentam a ordem VS:

«Diz o médico que não tem nada a ver uma coisa com a outra».
(av.).
«Disse ela que o Carlos André guardou a nota». (av.).
São tipicas do estilo narrativo.
Interrogativas - Apresentam VS mesmo com é que:

«Cumé que chama isso, é um... microfone».


«Aquele domingo não ficou gente aqui em casa?».
«Mas de minha parte num tá saindo muito ... impropérios grama-
ticais, não?».
«Vai sair o que que ocê falou?»
«Onde fica o correio?» (av.).
«Veio alguma noticia sobre a bOlsa?» (av.).
«Então, cumé que foi tudo lá no forum?» (TV Globo, novela das 6).
«Por' que naquele lugar não nasce mato?» (av.).
«Como é que foi o almoço lá domingo?»
«Corno é que tava a festa lá do...?»
«Onde está aquela gramática?» seguido de: «Aquela gramática
onde está?» (topicalízação) (av.),
«Você sabe que sumiu a caneta daqui, né?» (av.),
«E qual é a vantagem disso?» (av.).
«Será que passa algum ônibus lá?» (av.).
«Passaram algumas meninas por aqui?» (av.).

- 118-
Interrogativas com palavras gramaticais ou sem elas. (perguntas
sim/não) ocorrem com ordem VS em Português. Contrariamente ao
que diz Thomas, mesmo com é que ocorreu a ordem VS. Todos os
exemplos encontrados são intransitivos.

Verbos existenciais

«Tinha umas três ou quatro escovas aí, só sobrou uma» (av.),

«Não, mas (se) tá faltando um, tem que jogar».

«Fica muita coisa».

«Existe aquele artigo que foi chamado atenção pela comissão».


(av.).

«Aqui nunca falta água». (av.),

«Existe um certo tipo de robô, se você perguntar prá ele...».

«Tá faltando uma fita aqui embaixo».

«Aqui tá faltando uma fita» (av.),

«... porque sumiu a minha escova!» (av.).

Exemplos de existir com SN anteposto (em TV Globo novela das 7):

«Nós já sabemos que dois desses cupidos existem».

«Quem garante que esses quatro cupidos existem?»

«Alguma coisa me diz que esses dólares existem»

Note-se que estes exemplos de SNs antepostos são todos definidos


e podem ser considerados como tópicos (dentro da linha de Givón, 79).

Verbos reflexos de sentido passivo

Na língua oral, como já foi assinalado por outros pesquisadores


(Veado, 1980; Dutra, 1981) o «se» está desaparecendo e em seu
lugar está-se usando simplesmente o verbo na 3a. pessoa do singular,
para indicar indeterminação do agente. Eis alguns exemplos em que
o verbo ocorre sem o «se» e o agente não é expresso:

- 119-
«Tritura (se) o vidro e mistura (se) com pó de pedra.., porque
o vidro triturado é prá dar brilho».

«Precisa disso ser considerado uma linha de pesquisa ou pode-


ria (se) colocar como duas teses à parte?»,

«Mas tira (se) coisa daqui».


«Não, com o vento não (se) aproveita nada, a voz vai toda embora».

«Era bom um dia que (se) pudesse reunir as familias».

Estas frases, dentro do contexto, têm o mesmo sentido que na


lingua escrita têm as construções com «se». Coloquei o «se» entre
parênteses, embora não tenha sido falado, porque as frases fora do
contexto dão margem a outras interpretações, ficam ambiguas. Na
verdade, elas não são propriamente casos de posposição do sujeito,
uma vez que o sujeito não está expresso. Mas são casos semelhantes
aos da língua escrita com «se», que os gramáticos têm considerado
como de posposição do sujeito, por isso vão aqui arrolados.

Topicalizaçâo do objeto (um só exemplo)


«Isso fica fácil lavar depois»

Tópicalízação de predicativo

«interessante esse bairro aqui» (av.).


«Muito bonita aquela região» (av.).

Sujeito de oração infinitiva (pouco freqüente; não encontrada nas


gravações).

«o sal faz parar o sangue» (av.).

Passivá (o particípio aboluto não foi encontrado nas gravações;


os exemplos de passiva foram de aula de concurso na Faculdade):

«Sempre é usado, como forma de ensinar essa brincadeira, uma


fórmLJla ...»,

«Deve ser inserido... uma frase»


Com gerúndio:

«Entrando todo mundo a gente dá conta».

- 120-
Com verbos diversos:
«Acumula muita água, vem a ferrugem e aí também costuma
sempre ficar um pouco de mosquito, sabe disso?»

«Cresceu as trepadeiras» (av.).

«Está começando o Jornal das Sete» (TV Globo).


«Agora tá escurecendo as folhas» (falava-se de avenca).

«Agora diminui o movimento, né?» (av. ouvido numa loja iniciando


conversa).
«Passava esses mesmos filmes que passa aqui».

«Vai morrer o filho dela» (novela de TV).

«Tá ali na sacola, ali, acho que é torresmo com pão».


«Tá tudo aqui, ó!»,

«Tava lá minha tia».


«Ó, fechou aquela banca ali» (av.).
«Chegou duas cartas pr'ocê» (av.).

Subordinadas em geral:

«Vou preparar esta galinha desta maneira, como fazia minha


mãe» (Thomas, 245).

«Vamos a Vassouras, de onde vem um bom queijo» (id. 245).


«Não pode subir na árvore, que cai as flores» (av.).

«Agora dá, porque não vem carro». (av.).

«Acho que deu rato aí debaixo de sua camisa, viu?» (av.).


«Toda a polícia de Minas procura o fiat no qual fugiram os
assaltantes» (noticiário de TV).

«... porque queimou o termostato do fogão» (av.).


Em orações principais, com verbos de movimento:

. «... e pode entrar aqui também o seguinte: é...


essa tese daSuely, sabe? que é sobre adjetlvos».

- 121-
«Caiu terra aqui» (av.).
«Veio uma bola mais de dois palmos do nosso lado».
«Cai o preço do petróleo no O.M.» (TV Globo, Jornal Nacional,
23-2-82).
«Todo dia caia uma garota na minha sopa. Agora não: todo dia
caem duas» (TV Globo: 26-3-82).
«Já deve ter descido muita terra aí» (av.),

Exclamativas:
«lh, vai cair uma chuva!» (av.),
«o, germinou alguma coisa aqui na areia!» (av.),

Sentenças truncadas e pseudo-truncadas:


« o Cristo fui eu».
«Pos é, mas é isso que eu quero saber».
«... quem cai é a T».

Em resposta com verbo ser:


«Sabe o que era?» «Era um frango à espanhola».

Em «afterthought»:
«Começou a fazer efeito mesmo, os remédios» (av.),
Oração subjetiva:
«porque parece que vi em quadros, em peças...».

Optativa:
«Tomara que faça bom tempo amanhã» (av.).

Alisto, em seguida, alguns exemplos em que o sujeito vem antes


do verbo, embora os verbos sejam os mesmos que ocorrem com
VS. São interessantes para mostrar que a posposição não é obrigatória.
A maioria dos sujeitos é de pronomes. Há dois casos que me parecem
topicalizações (um com gerúndio e o outro com aparecer).

- 122
«o preço da gasolina baixou nos Estados Unidos» (estava-se
falando do carro a álcool no Brasil - Fantástico, 14·3·82 -
TV Globo).
«Com vara cê fica só no barranco»
«Cês num foram aquele dia à noite, pescar, não?»
«... prá que lado que nós vamos, e, no final do passeio, onde
é que nós vamos almoçar».
«Aonde é que nós vamos?»
«Aí, ocê ficando com o dedo aí, quando a bala entra, a agulha
funciona».
«Camarada aparece lá... daqui que desembrulhe tudo...».
«E como é que tem esses acidentes que a arma caiu e disparou?».
«Em vez da bala cair quem cai é a T...».

Ocorreram vários casos de V inicial, em que ou não se segue


um SN ou o SN que segue não costuma ser considerado sujeito,
tradicionalmente. Optei por não os considerar como de ordem VS,
mas sim de V inicial, sem discutir se a tradição está sempre correta.
Costumam ser considerados impessoais, tanto os comentários sobre
o tempo, como os outros:

«Eu cheguei já era nove horas da noite. Tava muito tarde».


«Foi domingo, foi dia dezessete, né?».
«Pois é, só, deu azar que eles responderam agora, né?».
«Se ocê fechar tudo aí dá até uma gravação boa...».
«Pois é prá ela ir lá todo dia ...»,
«Tanto que dá muito marimbondo lá...»,
«Eles tão arrumando, é nego que num paga, eles pega e às
vezes tão tirando... É uma parada!».

Com o verbo dar acontece a mesma coisa que com faltar e outros:
é possível ocorrer um SN a ele anteposto, mas neste caso o SN tem
uma conotação contrastiva, o que indica uma topicalização:
«Marlmbondo dá muito lá» (= o que dá muito lá é marimbondo).

- 123-
o que se observa a respeito da língua oral é que há uma
incidência de certos verbos que ocorrem mais em posição inicial. Em
todos os tipos de oração, tanto afirmativas, como negativas, como
exclamativas, etc., os verbos que aparecem são daqueles que Ephiphanio
Dias coloca na regra c): existir, ocorrer, aparecer e seus sinónimos.
Contreras (1976) diz que verbos que denotam começo, surgimento,
existência, etc., parecem ter a função apresentacional e Givón (1979)
chama-os de «exístenctals-apresentatívos»: «be, exist, stand-sit-lie down,
Iive, appear, often remain, be left and sometimes verbs ofentrance
into the scene such as come ar enter» (p. 28). Segundo Givón, esta
tendência para estes verbos aparecerem em posição inicial é universal
nas línguas SVO. No Português oral coloquial, os casosdeVã mais
íreqüentes são, de longe, aqueles em que um verbo deste tipo aparece:
vir, entrar, chegar, passar, estar, existir, aparecer, sumir, sobrar, faltar,
cair, são verbos que ocorrem a todo momento, em todo tipo de frase.
Pode-se dizer que, do ponto de vista da freqüência de ocorrência, os
casos de VS em Português coloquial mais significativos se resumem
àqueles em que um destes verbos ocorre.

FREQOENCIA EM TEXTO DA ORDEM VS

Partindo das regras das gramáticas, tem-se a impressão de que


a ordem VS é mais significativa do que a ordem SVO, em Português,
uma vez que são tantas as situações em que ela ocorre, e nos mais
diversos tipos de oração. For esse/nativo, é interessante verifLcar, no
discurso, qual é a freqüência de ocorrência dessa ordem. Examinei,
para este fim, as primeiras 100 estruturas em que ocorria algum
verbo na revist~lsto É (10-3-82), a fim de verificar quantas vezes
ocorria verbo seguido de sujeito. Encontrei, contando com a capa,
os seguintes casos:

«Como ficam as eleições» (capa).


« é uma extravagância haver duas cinematografias» (p. 3).
« onde fica a cama da prostituta Penélope» (p. 4).
« é fácil prever o final» (p. 4).
«Imprevisível, porém, é a graça, a agilidade e a musicalidade
do filme» (p. 4).
«É tudo' muito grandioso ...»· (p .. 4).
«Ali se passam grandes cenas eróticas ...» (p. 4).

- 124-
o resultado, portanto, foi de 7 para 100 .. Não incluí nestas 100
frases contadas casos de oração sem verbo, evidentemente .• Houve
um caso duvidoso, que se for incluido como de ordem VS, aumenta
para 8 os. exemplos deste tipo:

«Outras, mais solitárias, explodiram e desapareceram por falta


de seguidores, como foi o caso de Luiz Sérgio Person em S.
Paulo S/A...»,

Exclui da contagem este exemplo, porque pode ser considerado


de elipse do sujeito (pragmática), uma vez que é passivei ter-se:
«Este foi o caso de L.S.P.».
Para ter certeza de que esta contagem não é aleatória, contei
mais 100 estruturas em seguida (na mesma revista p. 4-9) em que
algum verbo aparecia (exclui orações sem verbo) e encontrei nova-
mente 8 Casos de ordem VS em 100. Excluí orações como as seguintes,
em que o sujeito elítico se refere ao discurso anterior (pragmático):
«São doze standards...» (p, 8).
<~É o início de minha fase internacional...» (p. 8).

Os exemplos contados foram oito:

«Faltava a ele a fluidez e a Cintura...» (p. 7).

«É sempre fácil discordar de antologias, sejam elas apresentadas


em páginas de livros ou faixas de disco» (p. 8).

«... é possível criticar a inclusão de...» (p, 8).


«Sai Gláuber, entra ...» (p. 9).

«É bem verdade que, antes, Gláuber Rocha chegou a procurar


Callado...» (p. 9).

«... o grande sucesso que vem fazendo sua peça...» (p. 9).
«onde o esperam dois meses de seminários na Universidade
de Vale...» (p, 9).

Note-se que o último exemplo tem verbo transitivo e o objeto


direto é um pronome oblíquo, ou seja, que não pode ser sujeito:
o . caso aí indica o objeto, de modo que a inversão não interfere na
identificação do sujeito e do objeto.

- 125-
Vê-se que a proporção é praticamente a mesma, nas duas
amostras examinadas. Esta estatística demonstra a percentagem de
ocorrência de VS nas estruturas com verbo expresso.
Para se ter uma idéia mais completa do quadro em que se
inserem estes exemplos, é interessante notar que se encontrou uma
alta percentagem, em texto escrito, de verbos sem sujeito expresso,
por causa da possibilidade de elidir o sujeito quando ele é cc-referente.
Encontrei nas primeiras 100 estruturas estudadas, 39 casos de elipse
do sujeito, em que o verbo estava na 3a. pessoa, concordando com.
o sujeito expresso em outra oração.
Segundo Givón (1981) este é o caso mais alto numa escala
de estratégias para manter a continuidade do tópico no discurso..
Em seguida, vêm os pronomes anafóricos, que neste texto são 3
pronomes pessoais de 3a. pessoa e 6 pronomes chamados indefinidos
em nossa gramática (todos e outros). Este texto também apresenta.
urna alta percentagem de pronomes relativos sujeitos: 13. Todos
contribuem para a coesão do texto e para manter a continuidade do
discurso, uma vez que são anafóricos. Sintagmas nominais definidos
também, segundo Givón (1981) contribuem para a continuidade dO\
tópico. Neste texto, há 29 SNs plenos, todos ou definidos e anafóricos
ou nomes próprios, todos referentes aos titulas de filme, personagens,
atares, alguns repetidos mais de uma vez. Todos também contrl-
buindo para a continuidade do discurso, uma vez que o tópico aí
é cinema, crítica de filmes. Não há nem um sujeito anteposto com
SN indefinido. Há ainda dois casos de elipse pragmática (já exernpll-
ficados) e um verbo considerado impessoal: haver. O quadro do
resultado é o seguinte:

VS 7
Sujeito SNs dei. 29
expres- rei. 13
50 SV
51
Pro. anafo
(22) { peso
outros
3
6
Sujeito
não-ex-
I Elipse pragrn. 2
Elipse p/concordo 39.
presso
Verbo impes. 1
42

Total
I 100

Quadro de freqüência: VS na escrita.

- 126
Por este resultado, vê-se como predominam, no texto, as estra-
tégias que favorecem a continuidade do discurso: são 93 casos de
continuidade. Sobraram 7 exemplos que, segundo Givón (1979-1981),
são estratégias de descontinuidade: construções~~ ordem VS e ~!.s­
tenciais. Examinando esses exemplos, vemos ~ que eles se destacam
d=tros por não serem anafóricos, e portanto apresentarem alguma
coisa pela primeira vez no texto, ou seja, são «novos» de algum
modo. Assim são «as eleições», que ocorre na capa, e portanto pela
la. vez na revista, assim também com «haver duas cinematografias»,
«a cama da prostituta Penélope», «grandes cenas eróticas», «a graça,
etc.». Nenhum desses SNs havia ocorrido antes no texto, todos são
novos. O único que foge a essa classificação é o pronome tudo, que é
anafórico e ocorre na posição pós-verbal. Dependeria de uma análise
estilística discutir esse exemplo, o que eu deixo para outra ocasião.
Parece-me que a afirmação de Givón, de que a ordem VS é uma
estratégia de descontinuidade, se evidencia nesse texto, contrastada
Com o pano de fundo das estratégias de continuidade (93 versus 7).
Vê-se também o caráter marcado da ordem VS, que aparece em
minoria no discurso.
Em virtude da alta incidência de orações sem sujeito explícito,
por causa da anáfora. por elipse, não se tem uma idéia, por essas
estatísticas, da relação existente entre ordem VS e SV, uma vez
que quando o sujeito está elitico, não podemos saber se ele viria
antes ou depois de V_ Para ter idéia desta correlação é necessário
contar os casos de sujeito expresso e ver a percentagem de ocorrência
de sujeito antes e depois do verbo. Por esse motivo, contei 100
estruturas em que overbo aparecia com sujeito expresso e encontrei
o seguinte resultado: 85 sujeitúsantepostos para 15. pospostos. (I.E.
10-3-82, p. 3-9). Acho que isso conJ1IJJJJLa..superioridade de anteposição
do sujeito sobreã posposição e o caráter não-marcado da primeira
em relaçãO ã-se~---~~·_·_--

L1NGUA ORAL

Para comparar a língua escrita com a oral, examinei primeiro


100 frases em que ocorria algum verbo, num diálogo informal entre
duas pessoas jovens, de Belo Horizonte, de nível universitário.

- 127-
Encontrei apenas dois casos claros de VS:

«Não, mas tá faltando um, tem que jogar».

«E o Cristo fui eu».

Outros casos me deixaram na dúvida, porque o verbo pode


ser interpretado como impessoal: 7

«Engraçado ... num devia dar um barulhinho aqui?».

«Sé ocê fechar tudo ai, dá até uma gravação boa...».

Outros podem ser considerados de elipse pragmática:

«J, falou é traíra e tal, né?».


«Tá ali na sacola, ali, acho que é torresmo com pão».

Há ainda os casos em que a 3a. pessoa do singular indica sujeito


indeterminado (sem o se):

«Ah, já é outro departamento, porque (se) enxerga a minhoca,


(se) enxerga o anzol».

A percentagem de VS na língua oral é bastante reduzida, portanto.


Isso foi confirmado por um estudo de outro diálogo, também de dois
jovens de nivel universitário, de Belo Horizonte, em que não se
encontrou nenhum caso de VS em 100 estruturas em que apareceu
verbo.
Esta diferença entre língua escrita e oral é explicável, se consi-
derarrnos que vários dos casos que a gramática arrola como de VS
sãoestruturas típicas de língua escrita:participio absoluto, construções
com se, construções com infinitivo, orações subjetivas. Se também,
corno vou discutir adiante, a construção com VS é mais conservadora,
amenorfreqüência no diálogo é explicável, pois sabemos que a língua
escritafende a ser mais conservadora do que.a oral.
Nesté texto também se cOl1fir~m!J~ teo~~deGlYºJuc:er"ada
escala das estraféglãs de 'continuidade no' discurso. Há, porém, uma
diferença entre a língua oral e a escrita. No diálogo, há maior
freqüência de ocorrência de pronomes pessoais em detrimento da elipse
por concordância. Há uma alta incidência de pronomes de la. e 2a.
pessoa, característicos do diálogo. Esta não é uma diferença significa-
tiva em termos de díscurso.. pois o pronome pessoal é também

- 128-
considerado como uma estratégia de continuidade.. Em Português
muitas vezes o pronome pessoal é redundante, porque a. flexão do
verbo já indica o sujeito. Esta é a razão porque na língua escrita
ele não ocorre. Sua alta freqüência no discurso oral deve ser devida
às condições de ruido típicas da conversação, em que a redundâncía
é necessária, provavelmente, para assegurar a comunicaçâo (um fator
pode ser que o fim das palavras costuma ser surdo em Português, e a
terminação dos verbos fica pouco audível). Outro fato diferente na
língua oral é a ocorrência de elipses pragmáticas da la., 2a. e 3a.
pessoas do tipo:

«Tónico, come um».


«Comí banana».
«É uma delícia».

O resultado geral do primeiro diálogo examinado revelou uma


predominância maciça do pronome pessoal de la. pessoa do singular,
(23 exemplos) seguido dos de 2a. (6 exemplos) e 3a. p.s, (7 exemplos),
o que confirma uma afirmação de Givón, de que na conversação diária
a la. e a 2a. p.s. são os tópicos predominantes. Ocorreram também
cinco exemplos de 2a. p.s. indetermínada, como se vê abaixo:

«Molinete, que ai e mais... principalmente em lagoa, cê joga lá


no meio, ai cê...» (...)

«- Mas com o molinete cê pode, na lagoa cê joga no meio.


Exato.

Com vara cê fica no barranco, é só peixinho que cê vê ali, né?».

Nota-se que a 2a. p.s, é indeterminada, ai, pelo contexto, sobre-


tudo pelo adjunto adverbial «na. lagoa», que dá à oração um sentido
mais geral do que aquele das outras orações do texto.
Ocorreram no texto 47 pronomes pessoais antepostos.

Pronome relativo ocorreu só uma vez, antecedido de pronome


demonstrativo o:

«Não,. deixa aberto, o que puder aproveitar, aproveita».


Esta frase exemplifica, também, o uso do verbo na 3a. pessoa
do singular simplesmente, sem sujeito expresso, o que corresponde à

- 129-
construção impessoal com (se) na língua escrita. Ocorreram 9 casos
como esse, de 3a. p. sing, sem sujeito expresso. Na língua oral,
quando não se quer determinar o sujeito, basta colocar o verbo
na 3a. p.s. e não colocar sujeito nenhum. Isso acontece tanto com
verbo transitivo como intranstivo:

«Toda. hora tem que jogar».

Acredito que esta construção é smoruma da construção com «a


gente», que ocorreu apenas duas vezes no texto. Se colocássemos
«a gente» na sentença acima, o sentido seria o mesmo:

«Toda hora a gente tem que jogar».

Com relação a sujeito indeterminado, ou processos de escamo-


teaçãodo agente, notam-se os seguintes recursos neste texto:

- uso da Sa. p.s. sem sujeito expresso - 9 casos


- uso do pronome pessoal da 2a. p.s. _.- 5 casos
3 0 e 40 - uso de «a gente» e da 3a. pessoa do plural - 2
casos cada.

Exemplo de 3a. p. pI.:

é, descobrir(am) um lugarzinho assim bem na lagoa, mas


lá atrás assim».

pnquartto que a ocorrência de pronome pessoal anteposto é bem


alta nalingua oral, a anáfora ou elipse por concordância deu apenas
oito exemPlos, o que mostra uma boa diferença em relação à língua
escrita. Ser~doci~armos estritamente do pontodevista da sintaxe,
esta. parece um.a diferença significativa para a nossa pesquisa, porque
com.o proryol11e expresso tem-se ordem SV e sem o pronome, tem-se
o verbo iniciando a oração. Mas se analisarmos os dados segundo o
ponto de yist~dpDi~9urso, vemos. que tanto um como outro são o
mesmo processo de manutenção do tópico. São ambos processos
anafóricas, seja ànáforapragrnática ou de texto. A diferença entre o oral
e oescrlto está,a meu ver,em que na língua escrita é possível eliminar

- 130-
o pronome, porque se vê a terminação do verbo e também se pode
voltar atrás, sempre que necessário, para procurar o referente. Além
disso, faz parte do processo de educação da língua escrita aprender
a eliminar os pronomes quando considerados redundantes. Quem já
ensinou crianças a escrever sabe que elas têm tendência a escrever
os pronomes que usam na língua oral e a professora tem que insistir
durante muito tempo para que elas aprendam a evitá-los nas redações.
No Brasil, é considerado elegante suprimir os pronomes na escrita,
dai não ser surpreendente que eles não apareçam no texto escrito.
A elipse que ocorre na língua oral mais vezes é a pragmática:
14 casos foram contados neste texto, sendo os mais freqüentes os
casos de imperativo e de la. p.s. do presente do indicativo, em que a
flexão do verbo já indica sujeito (já exemplificado).

Outra freqüência que me pareceu significativa foi a de verbos


impessoais: 6 ocorrências. Segundo Givón (1981) os verbos existenciais,
alguns dos quais são classificados em nossa gramática como lrnpes-
soais, têm a mesma função no discurso que a ordem VS: discontinuidade
do tópico. Sua função é apresentativa: apresentam algum elemento
novo à consciência do ouvinte. Se isso é verdade, então a baixa
percentagem de ordem VS no discurso oral é contrabalançada pela
ocorrência dos verbos impessoais..

Veja-se, em resumo, o quadro geral que a língua oral apresentou:

Sujo
VS
I 2
I 2

expresso
SV
Pro. Peso 47 I 59
I SNs 12
I
Sujo elítiCO./ Elípse prag. 14 22
(anafórico) ~lípse por concordo a I
Sem V.···impes. 6
sujeito 3a.l'.s.ind. 9 17
3a. p. pl. indo 2

Total
I I 100

Quadro de freqüência: VS em língua oral.

- 131-
Os SNs antepostos (12) foram, em sua maioria, nomes
r
próprios, às vezes repetidos.

Podemos notar, a respeito deste quadro, que há uma quantidade


significativa, também na oral, de orações começando com verbo:
para 59 casos de sujeito expresso antecedendo o verbo, 41 casos de
orações com V inicial, dos quais 2 são VS, e 39 têm apenas V, que
pode ser seguido de um SN (como «dá marimbondo lá») ou não. Se
a oposição for posta em termos de SV versus V - , há um balanço
em Português entre as duas possibilidades. Vários falantes rnanífes-
taram a intuição de que quando o verbo vem antes, a ação é consi-
derada de algum modo o foco da atenção. Isto se sente particularmente
em exemplos como os seguintes:

«Olha, germinou alguma coisa aqui».

«ó, fechou aquela banca ali».


<<Ú, desce gente aqui».

Quando falei estas frases eu estava considerando importante


comunicar o que aconteceu, não a quem aconteceu. As duas primeiras
foram observações em contexto, não se ligando a nada que fora dito
antes. A última foi dita a propósito de um lugar em que eu não
sabia que o ônibus parava. O que importava era o fato de descer, quem
descia era secundário, dai ter sido usada a palavra «gente», que
equivale a uma indeterminação do sujeito. Os SNs destas frases não
são agentes, são pacientes, semanticamente.

Nota-se, . enfim, por este resultado, que para 59 exemplos de


sujeito anteposto, tivemos apenas 2 de sujeito posposto.

Para verificar a freqüência relativa SV versus VSde maneira mais


clara" contei 100 estruturas em que havia sujeito expresso clara-
mente. Eliminei, portanto, verbos impessoais, e . os casos de sujeito
indeterminado indicados pelo verbo na 3a. pessoa (sg, ou pl.), além
das elipses de sujeito.
Encontrei em ·100, além dos dois exemplos de VS já exemplifi·
cados, mais os seguintes:

-132 -
«Veio uma bola mais de dois palmos do nosso lado».

«Num foi só eu, não, eu fui um dos que falou, né?».

«Quando é ontem à noite ele chegou, tava A., E. e eu lá».

Deu, portanto, uma proporção de 5 VS para 95 SV, o que


demonstra o caráter marcado, em termos de freqüência, da ordem VS.
A ordem normal, não-marcada, é SV.8 Confirma-se também a diferença
entre oral e a escrita, em que encontrei 15 exemplos de VS em 100,
em estruturas com sujeito expresso. Na língua oral informal, em
relação à escrita formal, os casos de VS são ainda mais marcados,
mais inusitados e a ordem SV é a norma.

Concorrem para a maior ocorrência de VS na língua escrita a


maior freqüência de certos tipos de oração que são mais raros na
língua oral: particípio absoluto, reduzidas de gerúndio, intercaladas,
orações com infinitivos, relativas, ou seja, as subordinadas de modo
geral, são mais freqüêntes na língua escríta.

Como é exatamente nelas que ocorre a ordem VS, forçosamente


haverá uma redução desta na oral. É interessante observar que encon-
tramos exemplo de oração reduzida de gerúndio e de infinitivo nos
diálogos examinados, mas o sujeito estava topicalizado:

«Mas ocê pegar e cortar a trajetória da bola com a rede isso


também já é demais».

«Eu convidando o L. prá gente ir lá pegar pocã, serra d'água,


ameixa, uma pá de (...) e era dele».
podendo evitar a anestesia... seria o ideal, porque ...».

NOTAS

I': Observei também que há uma maioria de SNs inanimados na posição


pós·verbal-;:::::-~stG- se constata
nos exemplos citados neste trabalhe e também
nóteirioa Inflnltos pospostos dos exemplos que Maurer Jr. (1968) alista em sua
obra.rAcredlto que na VS existe uma escamoteação do agente. O assim
ccnsfderadooesuíetto posposto» se identifica mais com o paciente do que
como agente não só na posição como no fato de ser inanimado e não haver
concoroãnctarna maioria dos casos (ver Décat 1981 para desenvolvimento

_. 133-
deste ponto). Em trabalho anterior (1973) observei que com o infinitivo
dependente de verbos ceusatívos o sujeito de verbos intransitivos vem posposto
quando é inanimado ou quando não é agente: «Manda vir a cerveja», «Faz entrar
o cliente». Os argumentos que Perlmutter (1976) alista em favor da tese de
«sujeito rebaixado» são todos válidos para considerar os SNs objetos.

2. Veja-se o que digo, mais no final deste trabalho, sobre o verbo existir.
Acredito que a posição não-marcada com este verbo é aquela em que SNs
indefinidos aparecem pospostos. Parece-me que Q autor colocou um responsável
antes de existir porque, neste caso, não se trata de indefinido. Se ele tivesse
escrito: «Se existe um responsável ...) o SN seria indefinido, e poderia haver
ou não algum responsável. Colocando antes, ele parece estar se referindo a uma
pessoa determinada. É a diferença que existe, a meu ver, entre: Ele acredita
que Papai Noel existe x Ele acredita que existe Papai Noel, No 19 caso, é
um Papai Noel determinado, no segundo não.

3. Mais adiante, esclareço que não vou considerar esses casos como
de posposição, mas sim de V inicial.

4. Não posso dizer que as negativas condicionem VS. Os exemplos


encontrados, excetuando os iniciados por não e seguidos de Pronome Indefinido,
vêm com verbos do tipo existencial-apresentativos, que discuto mais adiante.

5. Ver Lemle, 1978. Anotei também os seguintes casos de não-concor-


dância: «Eu vi pouco apontado os caminhos da autonomia» «É muito espalhado
hoje em dia as idéias de Althusser». «Tá justificado a inclusão de mais
alguém». Todos estes exemplos são de linguagem oral formal, pois foram
falados em um simpósio de professores universitários.

6. A transcrição que faço da linguagem oral segue a ortografia oficial,


a não ser em alguns detalhes que não atetam em nada a compreensão. É
õbvlo uue o (r) do infinitivo em final de palavra não tem realização fonética e
que o morfema de gerúndio de modo geral é pronunciado -nu, em vez de
-ndo.• Para uma descrição do verbo no . Português Coloquial, ver Pontes
(1972), em que as razões para uma escrita morfofcnêmlca são apresentadas.

7. O Prof. Marco Antônio de Oliveira, a quem agradeço diversas sugestões,


me sugeriu considerar como casos claros apenas . aqueles em que fosse
possível também a anteposição. Mas é difícil decidir de antemão o que é
possível e o que não é. Por exemplo, a anteposição é possível com o verbo
existir (mas o significado muda, a meu ver). Com o verbo ter é considerada
impossível, mas encontrei em um diálogo um exemplo em que existir e ter
são comutados:

A - Ardósia, só existe preta, ou existe rosa também?

B EU só conheço preta, né? Ardósia!

A Ardósia só tem preta? Hein, J.?

- 134-
Trata-se de tcpicallzação, mas nem sempre é possível distinguir sujeito de
outro elemento topicalizado, como discuto em outra parte (casos como «o
relógio estragou o ponteiro» ver Pontes, 1982).

8. A conclusão deste trabalho. por questão de espaço, teve de ser


publicada em outra parte. Deve sair nos Anais do VII Encontro Nacional de
Lingüistica (Pontes, 1982). Lá, eu apresento uma tentativa de explanação da
ordem VS em português, ao nível do discurso.

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- 137-
EUNICE PONTES
Universidade Federal de Minas Gerais

Anacoluthon and· "Double Subject" .Sentences

ABSTRACT: This papar examines constructions that portu-


guese gramrnartans have studred under the label «anacoluthon».
It is argued that they are similar to sentences Li & Thompson
call «double subject sentences». They differ from Ross's
(1968) topicalizations because it is not possible to say that the
SN to the left was raised trom any polnt of the 5 to the
rlght, They difter also trom left dislocated S5 because there
is no copy pronoun ln the S to the right. 1t is concluded that
anacoluthon can be tnterpreted by rutss of discourse.

- 138-
Li & Thompson (1976), describing topic-cornment sentences in
topic-praminent languages, refer to «double subject» constructions
as «the c1earest cases of topic-cornrnent structures». They say that
«ali Tp languages have sentences of this type, while no pure Sp
languages do as far as we know» (p. 468).

An example of Japanese was:

(1) Gakkoo-wa buku-ga isogasi-kat-ta «School, I was busy».

I want to show, in this paper, that what is called «double subject»


sentences in so-called Tp languages is also found in Portuguese,
under the label of «anacoluthon». Consider the following example
frorn oral Portuguese:

(2) And the lunch, 1'11 come back earlier. «E o almoço, eu volto
mais cedo».

As in other languages, this construction is formed by an initial


NP-the topic-followed by a comment S containing subject and predicate.
II is not possible to say that the initial NP 'Nas moved from any point
of the comment S, since ít is complete. There is no element missing in
it, as in topicalized Ss, nor any copy pranoun left behlnd, as in left
dislocated Ss. Anacoluthons are perfect examples of Ss which depart
fram syntax. They are discourse-dependent and consequently, an interes-
ting case for pragmatic study.

ln order to interpret a construction Iike (2), we need to know


what was said before in the discourse as well as the context of sítuatíon.
S(2) was said in the following context: the housekeeper was giving
instructions to her maid. She said:

(3) pode botar a louça na máquina. E o almoço. eu volto


mais cedo.

Tina. you may put the china in the dishwasher. And the lunch,
I'lr come back earlier.

Shêrnêant that, as for the lunch, she would come back earller
trornwork and she would prepare it. Out of context, S (2) could bê
uriderstoodras: if the speaker was coming back to havê her lunch

-139 -
aarlier. But, in the context of situation this does not make sense, and
the maid understood it as it should be. This shows how a S has to be
understood in the context of situation as well as of the discourse.

I think S (2) illustrates well Grice's (1975) maxim: «be brief


(avoid unnecessary prolixity)», ln a very economic way, speaker and
hearer understand tharnselves, not saying what can be supplled by
the whole of the discourse and the contex of situation.

From the syntactic point of view, these constructions are different


from Sp sentences. There is an intonational break between the initial
NPand the following S, which is complete. The relation between the
initia! NP and the following S is a discourse relation, since the following
S is always a comrnent about the initial NP which is the toplc, It is the
juxtaposition of the NP with the S which creates the semantic link
between them.

Keenan·Schieffelin (1976) studied constructions similar to (2) in


English under the label of left-dislocation. They describe them as
having «the following format: Referent + Proposition. That is, some
referent is specified initiallyand then followed bya proposition relevant
in some way to this referent» (p. 240). Although many Ilnguists,
folloWil1g Ross (1967), define lett-deslocation as constructions which
contam a coreferential pronoun, for Keenan-Schieffelin such constructions
maynot have a coreferential pronoun, as can be seen in the following
exampls (p. 240):

(4) «The mo-the modern art the twentieth century art, there's about
eight bcoks».

am reserving here the label «anacoluthon» to those constructions


which are similar to LD constructions, but do not have a coreferential
pronoun, like (3) and (4).

Keenan-Schieffelin (1976) and others (e.g. Prince, 1980) state


that LD. constructions are typical of spontaneous, or informal, or
unplanned discourse. This may be true of English or even Italian, but
surely is not true of French, Portuguese, or Classical Greek as attested
by traditional grammarians, who study LD under the label of «Pleonasm»
and Anacoluthon (see Pontes, 1981, for more intorrnation on LDin
written Portuguese, French, Spanish). Anacoluthon is described by

- 140-
Portuguese Grammarians as «putting in the beginning 01 a elause,
without a grammatieal link to the rest 01 the sentenee, the objeet's
name alter whieh an assertion follows».

Portuguese grámmarians give exarnples of anacoluthon found in


the besf wrlters of our language, from archaic to contemporary Portu-
guese. I will give here only one example, quoted by Câmara Jr. (1968),
from a brazilian modern poet:

(5) «Estas estradas, quando novo Eliseu as percorria/as crianças


These roads, when as another Eliseu I crossed therri/the children
lançaram-me pedradas».
threW stones at me.

As for the function of Anacoluthon in discourse, Keenan-Schieffelin


say that constructions like that intrOduce a new topie or reintroduce
topies. They say that LOconstructions«appear most offen ln (...) an
environment in which the referent does not appear ln the irnrnediately
prior discourse». Its function is to introduce discourse-new referents.
They state further, that «Typically, the initial relerent is some entity
known to or knowable by the hearer from the non-verbal context of the
utterance from some prior background experience» (p. 240).

Examples (2-3) tell us that Keenan-Schlfflin are right in one


respect: the word «almoço» 'Iunch' is introdueed by this constructlon,
Sut I don't think it constitutes a new topic.1 think there is, in the
conversation, a main topic, which is «kltchen work». The householder
and the maid were talking about the work to be done in the kitchen.
One wasto wash the china, the other 'Nas to prepare lunch, Washing
thechina and preparing luncharo both-sub-topics related to the main
toplc, which is «kitchen work». If one speaks of a 'new' topic ln discourse
one might be giving the impresslon that speakers are changing topies
entirely as the eonversation goeson.

It might be more aeeurate to speak of a main topie, the dlscourse-


topie, a text-topic and of sub-topícs, or sub-text topies. Prince (1980)
seems.tobo thinking along theso lines, when she says, about LO, that
«Upon hearing a LO sentenee, with NPi ln leftmosl position, infer that
the. speakér isabout to begin a (sub-) text in which some entity is
salient and which is judged to be ofa certain «bigness» (p.21).

- 141-
lt is interesting to notice that, although the Anacoluthon is also
found in written language, it is not well accepted in formal wriUen
language. ln this register, what corresponde to Anacoluthon is a
construction exactly equal to (2), but beginning with an expression as
«quanto 8», «in relation to», as far as X is concerned», etc. If we
want to transform (2) in a construction well accepted in wriUen formal
languaga, it is sufficient to add «quanto a», before 2:

(6) «Quanto ao almoço, eu volto mais cedo»


As for the lunch, 1'11 come back earlier
This expression, «quanto a», is used, in wriUen formal language,
to begin paragraphs, and has the sarne function, I think, that «anaco-
luthons» have in other registers. We use «quanto a» in order to call
attention to another sub-topic, This sub-toplc, usually, is related to
some antecedent in the text as a sub-part of a rnain topic, the text-topic,
Prince (1980) noted that 23% of LD ocurrences in a corpus
were transcribed as paragraph-initial. Based in McKeon (1980) she
observes that a «text-piece meets two criteria: (A) it must be (expected
to be) a coherent (sub) text, and (B) it must be big» (p. 17). These
twocriteria are used by Prince to define LD structures, as can be
seen from the quote I mentioned earlier on. I suspect that there is a
relation between Anacoluthons and paragraphs. This suspicion is
corroborated by an early research a student of mine is doing on
connectives. She is fiding a correlation between some connectives which
wesuspect are paragraph-introducers and the occurence of LDs.
Anacoluthons occur in Portuguese as topic-reintro ducers:
(7) A. Não, realmente, João, acho que eu te falei, eu pretendo
Not, really, John, I think that I told you, I intend to
fazer acupuntura em Odontologia. É só aparecer e eu vou...
do acupuncture ln Odontology. When ítcomes up, l'm going
enfiar a cara prá ver se a gente faz um curso diferente.
to ... work hard so that we may have a different course.
Um .curso de especialização, né? A gente clini... fazer
A specialization course, ok? We clini to do
clínica geral é muito bom, a gente (a) prende muito
general practice is very good, we... learn a lot
ganha muito, né? O conhecimento não fica muito limitado...
earn a Iot, uh? Knowledge ins't very Iímited ...

- 142-
B. Humrn-hum,
A. enquanto que especialidade, a gente limita muito o
while in specialization, we narrow down knowledge too much.
conhecimento.

ln this example, we see that the speaker began speaking of


«specialization», then changed to «general clinic», contrasting the
two fields of work in Odonthology. After, that, he returned to the first
sub-topic: «specialization».
We see a similarity belween this example and (2): there is a main
topic, more general (kitchen work, odonthology) and two sub-topics,
two «alternatives», following Keenan·Schiffelin.
I have another instance which also exemplifies well this process:

(7) B. Não fica toda vida? a metralhadora atirando?


Does'nt it stay indefinitely? the machine gun, firing?
A. Não! Não fica toda vida não. Esse negócio de ficar toda
No! It does not stay indefinitely. This business of firing
vida é conversa fiada! Toda vida só arma automática. Se
indefinitly is rubbish. Indefinitely only automatic gun. If
ocê ficar com o dedo ali, se ficar com o dedo ali ela vai
you keep your finger there, if you maintaih your finger
e volta e... pá! Vai e volta e... pá!...
there (thegun) it goes and comes back... pá! It goes and comes
back...
B. Feito metralhadora?
Like a machine gun?
A. E. Feito metralhadora. Porque a arma automática quando a
Ves. Like a machine gun. Because the automatic gun when
gente dá um tiro, o cano abre...
we fire it, the... barrei opens up.
The speaker was talking about «automatic gun», The Iistener
interrupted with a question, in which a new word appeared: «machine
gun». When the speaker returns to «automatic guns», he uses an
Anacoluthon.

- 143-
Keenan-Schieffelin (1976-246) considered that referents like
«speaker» or «hearer» «are less likely to be foregrounded or «tópica-
lized» through constructions like LD. We found some exarnples of ana-
coluthon with «speaker» foregrounded:

(8) Eu agora, cabô desculpa de concurso, né?


Me now, no more excuses about exarns, he?

(9) Cê fuma também? Eu, graças a Deus, é só café.


Do you smoke too? Me, thank God, ít's only coffee.

(10) Eu, Brasília. não era a primeira vez.


Me, Brasília it wasn't the first time.

These were examples found in sparse dialogues. But in traditiona1


grammars of Portuguese, examples of Anacoluthon withforegrounding
of the speaker are very frequently found. ln these cases the anacoluthon
occurs when the speaker wants to call attention to himself, while
contrasting at the same time his person with another (or others),

To sum up, Anacoluthon differs syntactically frorn LD and Topica·


llzation because it does not have a resurnptive pronoun, neither is it
possible to say that some part ofthe comment-sentence was transfor-
mationally transposed to the beginning of the sentence. It is. similar to
topicalized and LD sentences in the fact that it begins with a referent
followed by a cornrnent-sentence. The comment-sentence, ás it happens
with theso called «double subject sentences»in Chinese or .Japanese,
is complete, with subject and predicate. The relation between the
referent-topic and the comment-sentence, which are. juxtaposed, is one
of discourse: we establish a link betweenthem based on what Grice
describes as maxims of conversation: «Be relevant» and «Be briets
(p, 46).

As Keenan-Schieffelin noted, we link referent and the propo-


sition «because they follow one anbther. in real speeChtime and
because we assume that speakers normally make their utterances
relevant to prior talk.. and because it makes sense to Iink them (given
their content andour knowledge of the world» (p. 255). I agree with
these authors in thesense that there is a continnum between syntax
and discourse.

- 144-
The distinction Morgan (1982:200) shows between: «Peter burned
the look because he didn't like it x Peter burned the look. He didn't
like it» - does not hold lor anacoluthons. Morgan says that in the
lirst there is a syntactic relation, in the second a discourse relation,
since these are independent sentences. But in Anacoluthons there are
no independent sentences, and, nevertheless, the relation is one of
díscourse. As in the second case, the mechanism involved is «our
ability to make common sense inlerence» and «it can be cancelled
by contextuai lactors, in the manner 01 Grice's (1975) conversational
implicatures» (Morgan, 1982: 200).

What Prince says about the lunction 01 Topicalization (1981)


an.d. Lp (1980) apply also to Anacoluthon, although it differs Iram
them • syntactically. This construction illustrates well what Green &
Morgan (1980: 177) say about the way we interpret language: we use
ali our world knowledge and we recriate ín order lor itto rnake sense,

This construction, we see, is not lound only in topic-prominent


languages as Li & Thompson believed. Portuguese, as can be seen
Irom studies on frequency 01 occurrence in texts (see Pontes 1982)
is a subject-pramínent language, and it has «double-subject» sentences.
They are less Irequent than subject-predicate sentences, they are
«marked», in the sense 01 Givón (1979). I think it is quite natural
that a marked construction líke that be used lor callíng attention to a
particular relerent, or to mark a change 01 sub-topic ln dlscourse,

I also think Anacoluthons have a role in the text, in.the organization


01 the sub-topics in relation to the main, generaftoplc, They perlorm,
therelore, the same task expressions like «quanto a» perlom in written
lormal discourse. They occur in oral tanguagaaswel! in some less
lormalr.egisters 01 written language. LD constructions are also found
in modern poetry, (see Pontes, 1981) whlchconfirms Tannen's asser-
tion: «ieatures which have been identified as characterizing oral discourse
arnlsQlound in written discourse» (1982):1) and «Iiterary discourse,
rather than being most dillerent Iram ordínary conversations, is, in
fact, most similar to ib (p. 2).

* Comunicação apresentada ao XIII Congresso Internacional de Linguistas,


realizado em Tóquio, Japão, de 29/8 a 4/9 de 1982. Agradeço ao CNPq o
auxílio que me permitiu participar deste Congresso.

- 145-
REFERENCES

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- 146-
DILZA DANT AS RODRIGUES ANTUNES
(Fono audióloga)

Discussion of the Anatomy, Physiology and


Pathology involved in Dysarthria and Apraxia

ABSTRACT: The articulation af the speech sounds depends


on the coordination and the movements of the articulator's
muscles, the oral sensation and the overall sensory information
(feedback mechanism) about the articulator's performance.
When something is wrong with one or more parts of those units,
phoneme misarticulations rnay accur.

Dysarthria and apraxia are disorders of .speech dUe to


lesian that affect the coordination and the movements af the
articulator's muscles. We are golng to discuss the anatomy,
physiologyandpathology ínvolved in those MO kinds of
speech dtscrders.

-147-
A DYSARlHRIA:

Articulation of the speech sounds is the result of the bilateral


muscle movement of the articulators. This process involves the motor
system, the coordination centers, some cranial nerves, some cortico-
spinal nerves and a great numbre of muscles.
lhe motor system is formed by the pyramidal and extra pyramidal
tracts. lhe nerve fibers come from the precentral gyrus, in both
hemispheres, travei downward by the pyramidal tracts, and alter decus-
sation of the axons of the pyramidal tract in the medulla, those axons
concerned in articulation by the way ot some cranial nerves,such as
lhe trigerninal (V), the facial nerve (VII) an the hypoglossol (XII)
innervate the muscles responsible forthe rnovements of some artlcu-
lators such as: the lips, the tongue, the velum, the larynx.
lhe process of speech utilizes the respiration process and the
cortico-spinal nerves that are concerned in the movements of the
thoracla cage, lhe respiration process is ímportant to phonatíon, reso-
nation and articulation.
lhe. cerebellum, .whose white matter includes three bundle of
projectlon fibers connecting it to other parts of the braln, and the
basal ganglia in the diencephalon are the centers for coordination and
rsgulatlon of the processes involved ln speech such as the articulation
thesounds.
JDemuscles involved ln speech production and, mainly, those
responsible for the movements 01 the articulators are related to
dysarthria: muscles of phonation, of the pharynx, the velum, the tongue
and sarne facial muscles.
When some of these structures are darnaged, dysarthria may
occur.The varieties of dysarthria depend on the darnage 01' darnages
to a structure, but ít may also occur a combination of dysarthrias,
related to lesions in more than on structure. lhe lesions are related
to pre-natalor para-natal 01' post-natal periods, lhe causes of brain
demages are varlous, There are some lesions that the child is born
with, the congenltal ones. Others occur during the birth process-para-
natal lesions. Most of these lesions are due to anoxia. A child that is
normal at birth, but by some diseases ar accidents has brain demage
and an adult that contracts sclerosis 01' muscular distrophy are
examples of natal lesions.

- 148·-
The bilateral lesion of the precentral gyms or the mn'~n,irl~1
or the basal ganglia cause dysarthria. As articulation depends
side movements, when there is an unilateral lesion, dysarthria
accur, lent it is not as sereve as in case of bilateral dysarthria.
case of bilateral pyramidal lesions related to articulatory muscles,
the tongue may appear firmer and shorter than the normal, the palatal
and pharyngeal reflexes are exagerated, the articulation of the censo-
nants, especially the labiais and dentais are affected.
Lesion of the extra-pyramidal tract may cause muscular rigldity,
immobílity of lips and tongue and intelfigibility. The pitch of the voice
may be rnonotonous.
When the cerebellum or the basal ganglia are damaged, the
speech is explosive, with separate syllables, irregular pitch (excessively
low or high) and incoordinated respiratory movements may occur.
Lesion of the cranial or the cartico-spinal nerves or af the muscles
cause weakness of the muscles of the articulators, affecting the move-
ment of the lips (labial sounds), of the tongue (affecting dentais and
gutturals), of the velum or /and the pharynx (bringing nasality) or of
the larynx,
Lehiste (1965) described ali speech deviations observed ln dy-
sarthria individuais and divided them in different features which
characterize the speech of these individuais. He classified those features
into three parts:
- Dysarthric deviations due «to lack of control over the activity
ofthe velurn», such as denasalization of initial or/ano final consonants,
nasalization of the syllabe nuclei or of non nasal consonants;
Dysarthric deviations due to misartlculations such as, pala-
talization.: retroflexion of no retroflex sounds, or vice-versa, devoicing
ofInítlàlplostves, misplacernents, distortions ln manner of articulation,
dlstortionsInsyllability and others;
<i Rysa~hric deviations due to insufficient control of activity
6ft~ev~~~lfolds; such as laryngealization of consonants or syllable
nucl.ei,b~eat~ys~gments, voiceless transitions, devoicing of initial
or/an? • fi.~.~.lreson~nts.
Those deviations mal' be due to one or more lesions.

B. APRAXIA:

Apraxiáis anihability\tC) perforrn certain voluntary actions with


conservatian Ofthepowerof movement.
Apraxia was first described by Hughlings Jackson in 1866
(Brown, 1972):
«A patlent will be unable to put out his tongue when we ask
him, although he will use it well in semi-in-voluntary actlons-tor example,
eating and swallowing. He will not make the particular grimace he is told
to do, even when we make one for him to imitate. There is power
in his muscles and in the centers for coordination of muscular groups,
but he - the whole man, the «will» - cannot set them agoig».
(Lord Brain, 1965 p. 160).
This disorder was called differently «phonetic desintegration» by
Alapouanine et aI. (1939), «cortical dysarthria», (Bay, 1962) and
«apraxia dysarthria» (Nathan, 1947), (Schuellis, 1975).
Apraxia is not related to automatic movements and is «not a
separate entity related only incidentally through anatomical connections,
but • is the result of the interference in the genesis of voluntary
movements». (Brown, 1972). This movement involves connections
between the conceptual and motoric forms, as well as the sensory
system. The development of an voluntary actíon, generally involves
idea, kinaesthetic factors and sensation, which are largely unconscious
processes, depend on the act, are organized in space and time and
each-new stage starts alter the preceding one has been completed.
ln other words, each of those components of the voluntary movement
shares constant correspondence between «the deep and surface mecho
anisrr» (Brown, 1972), whose correspondence gives the sequence
of the acto The voluntary act, generally, involves visual and auditory
sensatlons, It does not mean that both haveto be present in ali the
action.Sorne acts may envolve vision, other audition, other both, and it
mayhappen that other senses may be present in the acts. The process
of speech, for example, involves an idea, motor movements, audltory
sensations and sometimes, visual sensations.. The«conceptual» language
area is located in the parietal lobe at the levei of the cerebral cortex.
The Liepman's localization of the voluntary movement extended region
is also located ln the parietal cortex plus the precentral gyrus of the
frontal lobe and is related to the language's area.
Apraxia is a disturbance of these areas: conceptual area of language
that underlyes the voluntary movement area in the cerebrum, that
affects the «Iowest levei (...) of a motor pattern which regulates the
selection of appropriate muscles» (Lord Brain, 1965) for speech,

- 150-
Apraxia is also related to.lesion. órlesions ín
Difterent types of apraxia exlst, according to the location lesion.

The threemajor types were proposed by Liepmann ln 1920


(Brown, 1972). They are:
-- Limb - kinetic apraxia, which involves the lowest levei of the
• motor system, causing a clurnsiness of movement. This disorder is

j always lirnited to one side of the body or one limb and may occur in
case of precentral lesions;
- Ideational apraxia is a result of lesion of the parietal lobe
of the dominant hemisphere. The individual can not perform a cornplex
movement because he does not have an «ldea of the body parts to be
used, the speed, rythm and sequence of movements». (Brown, 1972);
- ldearnotor apraxla, the individual can not organize the move-
ments in space and time. He may perform automatic acts but not the
voluntary ones, This type of apraxia may be present on both sides of
the body, on the right side only or on the left side only. This type may
occur when the parietal lobe of the dominant hemisphere is damaged,
«If the lesion is somewhat further forward lt may produce ipsilateral
apraxia and contralateral hemiplegia» (Lord Brain, 1965).

If the lesion is of the corpus colossum other types of apraxia


may occur or a combination of lesions of thls part and of the cortex
may also occur.

This is also a Liepman's classification: The «sympathetic dyspra-


xlax may occur in case of cortical and subcortical lesion of the left
frontal part of the corpus colossum. It may occur with lesions of the
right frontal cortex. lt consists of apraxia of left arm and leg ln
patient with right hemiparesis. The corpus colossum lesion occur
with left apraxia, and the subcortical lesion of the right side of the
corpus colossum may bring the left side apraxia. (Brown, 1972). The
Liepman's divisions were the basis for other studies and more specific
types of apraxia are found and generally their names indicate its
16cal.ization or its function. They are: facial apraxla, trunk apraxia;
apraxia for dressing and constructional apraxia.

* This.8rticle was made up during the course af Speech


Alldiology ~ Oownson State University, Maryland, USA - during the Fali of

-151 -
REFERENCES

BRAIN, Lord. Aphasia, Apra'xiaand Agnosia. Speech Disorders. 2nd editlon,


Washington, Butterworths, 1965.

BROWN,Jason W~ Aphasia, Apraxia and Agnosia. Springfield, Charles C. Thomas,


1972.

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Phonetica. # 2, 1965.

SCHUELL'S, Hildred. Aphasia in Adults. 2nd edition, Hagerstown, Harper and


Row, 1975.

- 152-
RICHARD -JACKSON HARRIS
Universidade Federal de Minas Gerais
e Kansas State University

(ognitiVe Psychology and Applied Linguistics


a timely rapprochement

ABSTRACT: This paper revíews several central theoretical


cónstructsqn contern-porary cognitive psychology and argues
thatsuchknowledge can be useful for the applied Iinguist.An
example af such a useis then otscussed: the study ofthe
way consumers draw inferences about products from adver-
tisements and then remember those lnferences asfacts.A
second exarnple of the lnfluence ot the wording of a question
cn-eyewttness : memory is also . . examinado

- 153-
1. INTRODUCTION

ln recent years it is becoming more difficult totally to separate


Iinguistics and psycholinguistics, or, more generally, Iinguistics and
cognitive psychology. To truly understand how language works requires
the consideration 01 psychological factors, such as the intention 01 the
speaker, the context 01 the utterance, and the knowledge in the mind 01
the hearer. This knowledge and its effects on comprehension and
memory are the subject 01 this article. I will argue that applied Iinguists
can benelit Irom some knowledge 01 some current research in cognitive
psychology, First, some concepts Irom current psycholingulstic research
will be brlefly discussed. Next, I will demonstrate the application 01
these constructs in studies 01 two issues in applied Iinguistics, namely,
thé/~~e~tions 01 the effects 01 language in deceptive advertising and
eyewitness rnernory,

2. SOME RELEVANT CONCEPTS FROM COGNITIVE PSYCHOLOGY

2. 1 The Source 01 Meaning

The most commoncurrent theoretical positíon in cognitiva psycho-


logyand psycholinguistlcs can be described as «interactionisl», that is,
netther'.ernplriclst Iike the Behaviorists nor nativist like Chomsky. The
mind ls:active in the pracessing 01 inlormation Irom the world. The
méanipg /01 this inlormation emerges Irom ttie interaction 01 the
inl'?rrn~tion and the active mind interpreting that inlormation. Thers-
tore, the meaning is neither a property 01 the words that contain the
stimulus nor 01 the mind that cornprehends them. Rather, it exists
only alter the Iinguistic stimulus and the activities 01 the mind interact
with each other. The meaning then emerges Iram this interaction
and becomes the basis 01 the construction 01 the memory represen-
tation 01 that new linguistic inlormation.

2. 2 lhe Constructive Nature 01 Memory

Basic research in cognitive psychology in recent years has shown


that the nature 01 memory is constructive (e.g., Spira, 1980). Our
memories do not record everything verbatim Iike a tape recorder or
cornputer that stores inlormation literally and later retrieves it in the

- 154-
same formo On the contrary, memory interprets everything, constructing
representations of these interpretations in order to store them in
permanent memory. It is these stored interpretations that we remember.
This phenomenon has been demonstrated to be very general across a
wide variety of tasks with both Iinguistic and nonlinguistic materiais
(see Harris, 1981, and Harris & Monaco, 1978, for detailed discussions
of these issues).

2 .3 lhe Schema as a Knowledge Structure

Another important theoretical notion coming out of the last five


years or so of research in cognitive psychology is the schema. First
introduced by computer scientists studying questions of natural language
processing and artificial intelligence, the construct has become very
important ln cognitive psychology (see Rumelhart, 1980, for a detailed
discussion of the schema).

Rather informally, a scherna may be defined as «a unit of organized


knowledge about events, situations, or objects» (Moates & Schumacher,
1980, p. 33). As such, schemas guide the acceptance of new informa-
tion entering from the senses. Schemas also guide the retrieval ot
old information stored in permanent memory.
For example, suppose that you have a schema of Portuguese
people, that is, a body of knowledge about people from that particular
country. Your schema could include factual information, particular
personal experiences, stereotypical biases, etc. When someone says to
you «That new professor is from Portugal», your knowledge schema
about Portuguese people is retrieved from memory to help understand
this new information. This schema guides the acceptance of new íntor-
mation; for example, if your schema about Portuguese people includes
the beliefs that they are stupid and lazy, you probably will be more
llkely, to .attend to and remember details about the new professor
which are consistent with that schema (e.g., he arrives late) and more
Ii~elynot to notice or disregard information about him that is lnconsls-
tent with the schema (e.g., he has writlen 25 books).
As well as guiding acceptance of new information, your schema
will guide the retrieval of old information from permanent memory,
i.e.,youwill be more Iikely to retrieve information compatible with
your schema, tor example, remembering two stupid Portuguese people

- 155-
youhave known and forgetting the smart ones, because they do not
fit the scherna as wel!. This example is, or course, greatly oversimplified
ter explanatory purposes, but it serves to illustrate the principies.

ln this way schemas gulde the construction of inferences by the


person hearing or reading language. lhe specific nature of these
inferences is different depending on the particular schemas in our
memory. lhe inferences that are constructed are thus a product in
part of the knowledge schemas in the memory of the person doing the
inferring. They are also, of course, ln part a product of the language
of the stimulus itself.

2.4 Linguistic Influences in the Construction of Inferences

Psychollnguistics research in the last ten years has shown that


even very small changes in the wording of an utterance can greatly
affect the way the information it contains is remembered. For example,
many people that hear (1) remember that they had heard (2). This
happens not because they they did not understand.

(1) lhe prisoner was able to escape from jai!.

(2) lhe prisoner escaped from jai!.

(1) correctly but rather, because, upon hearing, (1) they inter-
preted it according to their schemas about prisons and prisoners that
had been retrieved to aid ln comprehension. lhe final memory repre-
sentation of this sentence is thus a constructed interpretation, which
often includes the inference that, since the prisoner was able to escape
from jail, he must have done soo Although this consequence may be
highly llkey, depending on the context, it is no! certain; it is possible,
fórexample, thot the prisoner did not know that he had the opportunity
to escape or that he was too stupid to take advantage of it,

This type of inference is called a pragmatic inference, because


it involves more than was present linguistically ln the utterance.
Whether or not a given inference is actually made will depend on the
context ot the utterance and the knowledge in the memory of the
hearer or reader (see above), instead ot merely being a product of
the linguistic-properties of the utterance.

- 156-
Our laboratory, and obthers as well, havêshólllhthàtpêóplérriake
such inferences in a wide variety ot situationswithà widevarlety of
linguistic materiais (Harris, 1981). Moreover, theyrem~~bêrthatthese
inferences had been directly stated as facts inthe original utterance
(Brewer, 1977). They often seem to have no realization that this
Information was constructed by themselves, not spoken by the speaker
Dr written by the writer. This ability to construct inferences is typically
very useful and necessary in normal language comprehension. There
are times, however, when it becomes important to distinguish informa-
tion that was stated directly from that which was constructed upon
hearing Dr reading the language. Some such cases involve important
questions ot linguistics. We will now examine two examples ot research
using the concepts and methods ot cognitive psychology to study
such problems ot applied linguistics.

3. THE PROBLEM OF MISLEADlNG ADV-ERTISING

One such issue is the processing of advertisements by the consumer


prior to making a purchase. If consumers ln fact infer infer more than
an ad claims directly, it is thus possible that an advertiser could imply
that the product is better than it really is - without Iying, because it is
the consumer who is concluding the false information, not the advertiser
who is stating it, There are many ways that an ad can imply something
that is not necessarily true without stating it directly. (See Preston,
1975, for a more thorough examination ot these issues).
Before looking at examples of such claims, it is worth mentioning
oneImportant point about the relationship of truth and comprehension.
That.is,literal truth is not the opposite ot deception, Dr misleadingness.
Anadcan be false without being misleading, as in the case of a
humorous ad that state something ridiculous with no intention that
anyonewould believe it, e.g., (3). Literally (3) is false,

(3) These jeans will make you fly off into the sunset into the
arms of your sweetheart.

butifiseerns>unlikely that anyone would be terribly suprised Dr dlsap-


pointedwhen theirjeans did not lift them off the ground.

-157 -
On the other hand, an ad can mislead without being literally
false; it is this type of ad that is discussed below. Although truth
may be a linguistic, and sometimes legal, question, misleadingness, or
deception, is a psychological question, specifically one dealing with
the processing of the information in the ad, because what is important
is the interpretation constructed by the consumer, regardless of the
semantic and syntactic properties of the language of the ad itself.

3.1 How to. Mislead without Lying

One way of implying something without stating it directly is by


the useof hedge words. These are words which seriously weaken the
literal truth of a claim but may still leave a strong implication, e.g., (4)
does not insure that the toothpaste will defeat or prevent cavities, only
that it will fight them. Similarly,

(4) Our toothpaste fights cavities.

(5) This beer could be the best you've ever tasted.

(5) does not say that the beer is the tastiest, only that it may be.

A second type of true-but-potentlally-mlsleading claim is the case


where cornparatlve adjectives or adverbs are used without glvlng the
subject of the deleted deep-structure sentence, e.g., (6) would

(6) Ogo Detergent will make your clothes cleaner.

not be false if the deleted c1ause were «than washing with coai dust
will» or «than washing with no detergent will». Whenthe hearer hears
a cornparatíve adjective or adverb with no baslaotcomparlson given,
ha/she uses relevant knowledge schemas to lnfer à' probable basis
(e.g., «than using any other brand») and uses that ínferred information
to understand the ado

Two imperatives may be juxtaposed so as' to imply dubious a


causal relationship between the two actions, e.g., (7) does not assure

(7) Don't catch colds this winter. Takeour pills.

that the pills will prevent colds. It is merely two imperatives spoken
sequentially. Our minds infer the causal relationship.

.- 158-
A negative question can imply an affirmative response, which
may or may not be true, e.g., (8).

(8) lsn't fine quality leather important for your family's shoes?

The inappropriate, incomplete, or inadequate reporting of statistical


resuits of surveys and scientific studies may easily mislead the con-
sumer. For example, giving only the number of people responding in a
given manner, without reporting the sample size or percentage, or
vice versa, presents only a portion of the picture. Thus (9) would
stlll be true even

(9) 75% of the doctors recommend our brando

if only-tour people were questioned and ali Were related to the manu-
facturer!
ln our psychological laboratory at Kansas State University (USA)
we have studied such advertisements, in order to determine if they
areln fact misleading, and also to develop ways of teaching people to
avold making unwarranted inferences beyond what is directly stated.

Research on Inference Drawn from Ads

Method

To best explain this research, the procedure of a typical experiment


will be described. Twenty-four short ads roughly comparable in length
to the 30-second spots on television were written. Although they des-
cribed fictitious products, they were of the type advertised daily on
radio and television in the United States, Brazil, and many other
countries.
Each ad had two versions, identical except that in one a criticai
claim was directly asserted, while in the other the sarne claim was
only implied. ln addition, two test sentences were written. One was a
paraphrase of the criticai information that was either asserted or implied
in the ad. The other sentence was a control item, which was of either
false (12 items) or indeterminate (12 items) in truth vaiue. These items
were included to avoid the appearance to the subject of to many true
items. A .sample set of materiais appears below (10-13).

- 159-
(la) Asserted-claim Version: Aren't you tired of the sniffles and runny
noses ai winter1 Tlred of always feeling less then your best1
Taking Eradicold Pills as directed wiil get you through a whole
winter wíthout colds.

(11) lrnplied-clairn Version: Aren't you tired of the sniffles and runny
noses ali winter1 Tired of always feeling less then your best1
Get through a whole winter colds. Take Eradicold Pills as
directed.

(12) Test Sentence (Criticai): If you take Eradicold Pills as directed,


you will not have any coids this winter.

(13) Test Sentence (Control-lndeterminate): Eradicold Pills have been


proven more effective in laboratory tests than Anacin ar Bayer.

There were thus twolists of 24 stimulus ads each, with 12 claims


directly asserted and 12 pragmatically implied in each list, An ad that
àppeared in its asserted version in one Iist appeared in its implied
torrn in the other. There was one listof 48 test sentences, 24 over
information either asserted or implied in the criticai c1aims and 24
over the contrai iterns. The subjects were North Arnerican university
students enrolled in Introductory Psychology classes; they received
extra course points for participating. Alter beingvtold this was an
experiment on the comprehension and evaluation of. commercials, they
he~rd one of the. two tape-recorded lists of 24 ads. After hearing the
ads,. they received a list of the 48 test sentences and .evaiuated each
of them on a flve-polnt scale (1 = false, 2==probably false, 3 =
indeterminate, 4 = probably true, 5 = true), according to their memory
for the ads.

3. 2 . 2 Results and Conclusions

The fírst result of these studies was that subjects índeed made
the expected inferences trom the lrnplied claims in the ads and
subsequently remembered these inferences as facts (Harris, 1977).
Frequently they were not able to discriminate whether they had heard
the claim implied ordirectly asserted. This it is possible to imply
some information about a product without stating it directly and

- 160-
produce the same ellect on the consumer's perception that would
have occurred ii the inlormation had been asserted as a facto

ln further examining this issue, we tired to develop somernethóds


of teaching people to avoid making possibly unwarrantsd inferences
fram ads. ln these studies of such training (e.g., Bruno & Harris, 1980),
subjects received a short instruction session, which taught them some
specific linguistic constructions (discussed above) which could invite
unwarranted inferences. The subjects practiced identifying such lnter-
ences in sample ads similar to the stimulus ads they were to hear later.
Theexperimenter insured that each person in the group responded
alo~dtoatleast one item. This point of the subjects actively responding
in the training was very important. This type of training did afect the
ansyv~r~ made later to the memory task described above; subjects
re~ponses indicated that they could discriminate asserted and implied
clairns better than a contrai grup that also received an interactive
training session but one that did not relate at ali to the topic of
Inferences.: This discrimination showed some tendency of becoming
eversharper over a tend-day period with repeated testing. ln conditions
whéresubiects heard or read only a set of instructions about avoiding
the pitfalls of unwarranted lnference-drawing, responses on the memory
taskdld not differ from those made by a control group that received
no training or instructions at ali.

Ihfsresearchproject was continued in examining different types


of rllemory measures and using real commercials in real television
prol5rafll~viewed in the home (Harris, et ai, 1980). This type of
researFhh~s some clear application and usefulness for people designing
consufllElreducation materiais. See Harris, Dubitsky, & Bruno (1982)
tor.arevíewot the entire project in more detaii.

4. THEPROBLEM OF LANGUAGE AND EYEWITNEE MEMORY

A secondexample, described in less detail, 01 applied linguistic


résearF.h.that uses the theory and method of cognitive psychology is
the""ork()fElizabeth Loltus and her colleagues at the University
ofWashi~gton.They have conducted an active research prograrn over
thelasti/qllcade studying the problem of eyewitness memory. ln a
typicale)(perifllent, subjects see a short film of some event like an auto
accidentand laterrespond to questions about it. Loltus has demons-

- 161-
trated that even very small changes in the wording of the questíon
can influence the slJbject's memory for the evento For example, uslng
a definite article (15) rather than an indefinite article (14) caused more
subjects to respond that they saw a broken headlight, even .though
in fact

(14) Did you see a broken headlight?

(15) Did you see the broken headlight?

none had existed in the film. ln this case they retrievedsome knowledge
scherTlas about automobile accidents; a broken headlight is very com-
patible with such a schema. For this reason, and because the use of
the definite article generally presupposes the existence of a particular
referent readily know to speaker and hearer, the. hearer inferred,
without realizing the error, that there was a broken headlight.

Loltus also demonstrated that the wording of such questions


canhave a longer-term effect. For exarnple, Loltus and Palmer (1974)
found that subjects questioned with (16), compared to those questioned
with(l7), both gave a faster average speed for the car questionéd
shortly alter and were more likely

(16) About how fast was the car going when it smashed into the
other car?

(17) About how fast was the car going when it hlt the other car?

to falsely rernernber one week later thatfhere was broken glass (in
fact there was none). Thus the schematic knowledge brought to bear
in comprehension of the question differed somewhat in the «smashed»
and «hit» cases and thus altered the mernory representation being
constructed and stored in a way that affected information retrieved
one week later,

That fact trat eyewitness memory is so subject to distortion by


the wording 01 questíons asked in the courtroom or in pretrial question-
ing has tmportant.irarrufications both for the legal process and the
study of memory andIanguage. See Loftus' (1979) book for a more
detailed discussionofherresearch program and these issues in general.

-162 -
5. FINAL COMMENTS

Obviously there are many more actual and potential applications


of cognitive psychology to applied linguistics than the two described
here. They serve only to illustrate some specific ways of implementing
this promising, if still fragile and tentative, coming together of the
two disciplines.

NOTES

This article was written while the.. author was a Vísiting Lecturer in the
Departamento de Lingüistica e Teoria da Literatura da Universidade Federal
de Minas Gerais. Support af the Comissão Fulbrlght and CAPES is gratefully
acknowledged; Ccrrespondence should be sent to the authar at the Department
ot-Psychclogy, Bluemont Hall, Kansas State uníversty, Manhattan, KS 66506 USA.

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-164-
ANNA MARIA VIEGAS
Univérsldade Federal de Minas Gerais

Conceitos de Estilística

RÉSUMÊ: La présent article eet'essenttenement un travai! de


réflexion. II erwlsage la falt linguistique du style d'une perspec-
tive à la tois critique et poétlque, ce qui met en question
la définition même destylistique.Nous voyons, en conséquence,
que la stylistiquen'est pas matiêre à das généralisations
ardues, encore molns à une synthêse définitive. Las re-formula-
tions successives de la théorie scientifique du langage naus
amênent à une mlse-au-polnt das discussions développées autour
de l'expérlence Iínguistique,entant· quefait d'expresslon.
Oomment les hornmes font-ils du sens avec tes mots, et ccm-
ment tcnt-He des mots avec leu r pensée et leurs sentlments;
vaià un prcblême d'ordre sémantique et qui touche égalernent
le domaine poétique et uttératre. Naus sommes, pourtant, devant
la question du rôle de la stylistique et de ses rapports eusst
avec la sclence du langage.

- 165-
Pluralizando a palavra conceito, o tema da reflexão poderia
talvez sugerir uma temática de controvérsia. Mas não é este o nosso
objetlvo, menos ainda a nossa proposta. Não pretendemos também
esgotar nenhum inventário de opiniões ou de esforços. Se parece
realmente dificil delimitar o papel da Estilistica, nosso trabalho é um
estudo. E, como todo estudo, confinado a possibilidades circunstanciais
de observação, anotação e questionamento.

Um denominador comum, entretanto, aparece nas tentativas reali-


zadas nesse sentido: denunciar a manifestação de uma individualidade
falante, em toda expressão tida como expressão de estilo. Dessa
forma, já podemos desde logo depreender a necessidade de um
posicionamento da Estilistica, de um lado em relação à competência
(ou língua saussuriana), de outro lado em relação ao desempenho
(ou realização de fala).

Isso nos leva a indagar sobre os limites e implicações do sentido


de estilo. Trata-se de indagação milenar. Se muitos se contentaram
em repousar na fluidez de certo «não sei quê» peculiar ao escritor ou
falante, ao tratar de estilo, antes de Cristo encontramos também uma
polesis platônica e uma mimesis aristotélica, como tipo de esforço
para precisar aquele significado. Bem verdade, nenhum dos dois
filósofos se restringiu ao campo das manifestações lingüistlcas. Mas
ambos nos levam aos efeitos da criatividade e, conseqüentemente, a
fatos de enunciação versus enunciado na elaboração estética .


•*
Até certo ponto longe das idiossincrasias estilisticas, Platão nos
propicia a idéia da Beleza. Sendo tudo e cada coisa uma idéia, será
bela essa idéia, como «íabricaçãox de reflexo da Idéia, Beleza imutável,
absoluta e eterna. O estilista seria um artesão, inclusive de si próprio,
e também o artesão seria estilista, tanto quanto o escritor ou o poeta.
«Suas criações se dariam em conseqüência, não do saber, mas de
um dom natural, inspiração divina semelhante à dos profetas e dos
magos». Também estes criam beleza, «só que não têm ciência
do que fazem». (1)

1. PLATON, Apologie de Socrate, 22 b-e, texte établi par A. WILLEM, H.


Dessain tdrteur à Liége, 1951.

-166 -
Como então explicar o mau estilo nesse gênero de artesanato
poético? - Para Platão, o autor do «mal» se identifica nesse ponto
como o autor do «feio». É aquele que voluntariamente vai optar pela
ignorância. Se assim acontece, o «feio» também existe, e seu artesão,
respondendo pela própria ignorância, será um artesão culpado.

Como vemos, aqui já nos achamos bem mais no campo de uma


metafísica, que se sobrepõe ao estilo de fazer ou ser, e essa metafísica
também incorporando a noção de Estilística em Platão. Uma ética ai
se denuncia. Veremos então a poiesis platónica associar-se à retórica
aristotélica. Esta arte, ou técnica, para Aristóteles, não corresponde à
decantada «técnica de pesuadlr»: pela especulação, desvenda meios e
instrumentos adequados ao procedimento da mimesis. Platão a definiria
como técnica de «guiar as almas por meio do logos» (psicagogia, no
dizer de Sócrates), executada no e pelo discurso, mas não necessaria-
mente orientada apenas para a expressão lingüística ou Iiterária.(2)
Aristóteles já evade o genérico domínio do Belo: sua Poética (3) analisa
obras literárias e sua «retórica» se mergulha preferentemente no estudo
da tragédia.(4) Aí, sem dúvida, criar-se um estilo é, em última instância,
um trabalho de mimesis. Mas: onde teremos nós a Estilística? estaria
ela na atividade retórica, ou deveria ser buscada no processo da
própria mimese literária?

*
* *
Só muito recentemente teremos atitudes mais explícitas no que
se refere tanto ao conceito de estilo como ao papel da Estilística.

Bally nos aparece para colocar a sugestiva hipótese das «três


estilisticas». Discípulo de Saussure, apresenta-nos o conjunto homo-
g~negdf linguagem como incogniscível. Não podemos, portanto, res·
P9n~nf.t()da.s as questões que o problema da expressão nos propõe
8()l1)iLJl1)f.definição genérica de estilo. Poderíamos, sim, determinar
um campo.de trabalho para o estudo dos meios de expressão.

2. PLATON, Phêdre, 261, texte établi et traduit par Léon ROBIN, Les

Belle~.Le~S'A:~~~ÓT~~~~, Poética; trad. de Eudoro de SOUZA, Edição da


CoI. Os Pel1~~<l~r~~'§~lJP~~I~rAbrilGultural, 1979.
4. Ver BOTELHO, Pero de, Tratado da Mente Grega, Belo Horizonte, Ed.
da Revista candeia, 1949, pp. 65-75.

- 167
Estes meios de expressão, traduziriam eles as «tendências
universais do espirita humano, tais como se refletem na linguagem
articulada»? Seriam meios específicos, fornecidos por um idioma deter-
minado? Ou, por outro lado, traduziriam os traços de uma persona-
lidade, deixados no falar característico de cada um dos individuas? (6)
Atender às três interrogativas equivaleria, para Bally a hipótese inviável:
uma estilística geral do procedimento da expressão humana; outra
estilística voltada para o estudo do grupo Iingüístico; e uma terceira
que se ocupasse apenas da expressão individual. Individual, por sua
vez, carece de delimitação. Pode rsterir-se, tanto ao falante do
cotidiano, como ao falante da obra literária.

Quando um indivíduo se encontra nas mesmas condições que os


outros membros de seu grupo, podemos admitir a existência de uma
norma que o oriente e também determine seu comportamento na fala.
No caso do escritor, já temos um emprego consciente da língua, além
disso com deliberada intenção estética. Essa intenção é o que vai
criar a distância imensa entre o falante do cotidiano e o falante
artista;

Bally escolhe o falante do cotidiano. ti;) Diante da relatividade


dos fatos de expressão, admite a possibilidade do levantamento, por
abstração, de alguns «tipos fundamentais» de virtualidades expressivas,
correspondentes às categorias do pensamento e sobretudo do senti-
menta. Dessa forma, atribui à Estilística contraditoriamente a pesada
tarefa do estudo dos fatos de linguagem, mas linguagem oral e orga-
nizad~'9rganizada, ainda, do ponto de vista de seu conteúdo afetivo.(7)
O estilo corresponderia à expressão dos fatos da sensibilidade por
meio dá linguagem oral. Só que não nos parece muito fácil precisar,
e sobretudo sistematizar, a noção daquele «conteúdo afetivo».

Talv~z seja aí. que Bally se positione.emr~láçãb à competência


lingülstica. Apesar disso, não faz da estilística uma ciência autõnorna.
Coloca-a na situação de «ramo de lingülstlca», cuja tarefa consistiria
em inventariar, não fatos de língua, mas potencialidades individuais
(efeitos de fala), à disposição de qualquer usuário. O estilo seria

5. BAlLY,Charles,<Traité de Stilistique Française, Geneve/Paris, Georgl


Klincksíeck, 1951, p. 17.
6, Idem, pp. 19 e 55,
7. Idem, p. 16.

- 168-
caracterizado pela escolha individual. Haveria, então, para Sally.
também uma «competência estilística». muito embora não a mencione
ou defina nesses termos. Sugere, sim. a noção de d e s v i o. explicitada
por Cressot em termos mais fortes. pensamos. na medida em que o
«desvio» é provocado pelo sentimento do indivíduo perante a língua
e definido como «deformação» suscitada pelo eu da expressão. Estilís-
tica, assim considerada. acaba por tornar-se verdadeira p a t o I o g i a
da linguagem articulada.

Cressot.'") ao lado de Marouzeau.(9) enfatiza a importância da


escolha individual feita pelos usuários da língua nos seus comporta-
mentos de fala. Distingue-se pela primazia atribuída em sua obra à
fala literária. Se para Sally aquele que escreve se acha em desvantagem.
despojado de todos os recursos adicionais que a situação na fala oral
lhe oferece circunstanciadamente. (10) para Cressot o encantamento
estético e a clareza do enunciado escrito provocam no leitor. com
maior eficacidade, a a d e são. objetivo fundamental da comunicação
humana.(l1) A escolha da expressão adequada levaria o falante ao
d e s v i o estilístico. e - o mais importante - desvio deliberado e
consciente, atendendo ao apelo do interlocutor. de maneira mais direta
e persuasiva.

Essa consciência voluntária o aproxima de Riffaterre:«a mensagem


exprime; o estilo sublinha».(1.2) Ao mesmo tempo, nos leva à controvérsia
guillaumiana: «não é a linguagem que é inteligente; sim, o uso que
dela fazemos». (13) E os extremos se tocam. Pois, tanto para Riffaterre
como para Gulllaume, os efeitos da escolha individual se valorizam.
Esses efeitos. sobre a e na expressão, também se organizariam em
estrutura peculiar que define estilo. À Estilística desvendar essa estru-
fura. Guillaume nos traria certa ajuda através daquilo que preferiu

~\<SR~s.s()T~>Marcel, Le style et ses techniques, Paris, Presses Unlversl-


tairês de Franca, 1947.
9. MAROUZEAU, Jules, Aspects du Français, Paris, Massan et Cle., 1950.
10. BALLY. Charles. op. cit., pp. 21-22.
11. CRESSOT. Marcel, op. cit., p. 2.
l*...":Pg~i[?~'~ºI~.>JeanJ. e outros, Dicionário de Lingüística, São Paulo,
Cllltrix.··.197~,"~rbet~estil~.
13. :~glhSAlJME,.~ustave,. ·.«PSyCho.SystématjqUe et Psycho-sémlologte».
ln: Langáge etSciencedu Langage; ParisfQuebec, Nizet/Laval, 1964.

169-
chamar de psico-semiologia, em correlação à psíco-sistemátlca. da
linguagem. A lei da psico-sistemática é a regirosa lei da «coerência»;
a lei da psico-semiologia é a flexível lei da «conveniência expressiva».(14)
Perspectiva saussuriana? Sim, mas apenas tanto quanto a noção
de «desvio» nos propõe referência imediata à norma. O estudo dos
efeitos de estilo, em contraposição à virtualidade da norma (e, para
Riffaterre, a obra, ou o texto inteiro, é efeito), seria a função proprla-
mente estilistica. Em Guillaume, esse etudo levaria em consideração,
além do mais, os pressupostos da chamada «conveniência expressiva».
Por original que seja o enfoque de cada uma dessas concepções,
duas tônicas vêm sendo sempre aqui reforçadas: o primeiro deno-
minador comum da «individualidade» (já, pelo menos parcialmente,
questionada por Sally), e o fator «escolha», como fundamento de
realizações estilísticas.

• •
Nãopretendfarnos cair no idealismo alemão. O fator e s c o I h a,
entretanto, nos leva a questionar também o objeto concreto dessa
escolha. A impressão é de que permaneceria de pé ainda Sally, na
eleição da linguagem oral. Quando muito, Cressot se lhe interpõe.
Estamos, contudo, nos defrontando agora com o texto chamado. «lite-
rárlo», quer para Spitzer ou para Vossler, para os Alonso, Hatzfeld
ou Kayser.
Croce, voluntária ou involuntariamente a alma desse idealismo,
se eleva contra o positivismo da época. (16)
Sally teria sido mais saussuriano que Saussure? Na sua engenhosa
e laboriosa proposta estilística, sincronia assume tamanha relevância,
queadi~ot~rnia saussuriana praticamente desaparece. Teremos entâo
a acronia da linguagem escrita, em oposição à pancronia da linguagem
oral (tida como vulgar), mas existente «a serviço da Vida» e como
«função blológlca e social».11')

14. Idem, p, 242.


15. CROCE,Benedetto, Breviario di Estetica, Bari, ülus. Laterza & Figli,
1954.
16. SALLY, Charles, EI Lenguaje y la Vida, trad. de Amado ALONSO,
Buenos Aires, Editorial Lesada S/A, 1957, pp. 17·18.

- 170-
A negativa é o que se supõe da equipe idealista. A linguagem
humana se caracteriza essencialmente pela sua intencionalidade. E
só a fala literária realiza explicitamente esse ato voluntário. Só o texto
literário poderá ser então objeto da Estilística. No dizer de Spitzer,
associando-se a Hatzfeld, Vossler e Kayser, é esse texto que sugere
«a unidade essencial entre lingüistica e história literária» (17).

Algumas discrepâncias: Spitzer admite a existência do étimo


espiritual do autor na obra literária, este autor identificado, através
do texto, na sua própria personalidade histórica; Vossler já acha que o
étimo espiritual denuncia a personalidade, sim, do autor, mas persona-
lidade antropológica, produto do homem-escritor; Kayser e Hatzfeld
se voltam para. o homem-escritor em relação ao estilo de época, ou
como personalidade sociológica; quanto aos Alonso, preferem considerar
estilo como «fato lingüístico», sugerindo, entretanto, as delímitações
necessárias entre estilo individual e estilo literário, o que nos devolve
a Kayser.
Quase um retorno à intuição polêmica e laboriosa das «três
estilísticas» imaginadas por Sally. Só que Dámaso Alonso vai rejeítar
o tator e s c o I h a (18). Ou melhor: a e s c o I h a se daria apenas
com referência ao código lingüístico, podendo haver conveniência
expressiva até mesmo na exclusividade de uma única expressão possível,
o termo próprio.


• •
Sem diferente a posição de Jakobson que, sem minimizar a
il1Ípo~ância desse esforço de estruturação epistemológica, vai preo-
9~p~r-se com o estatuto científico daquele estudo. Mostrará a neces-
sldàdàde delimitação do objeto da Estilística (tornando-a desse modo
autõnornacomo disciplina), mas levantará também problemas teóricos
dácaráter' intrinsecamente metodológicos.(lll) Aspecto interessante da

17: SPITZER, leo. Lingüística e História Literaria, trad. de José Perez


RIESCO, Madrid, Gredos, 1955, p. 7. Veja-se também VOSSLER I SPITZER I
H~T~~EF~~>ll1t~d~~ción a la Estilística Romance, trad. de Amado ALONSO e
Raimundo LIDA, Madrid, Ed. Coni, 1942.
18. AL()NS:O,Dámasoi Poesia Espafiola, Madrid, Gredos,·· ·1950.
19.,>JA:K()I3S0N,Roman. Essais de Linguistique Générale, trad, de Nicolas
RUWET, Paris, Minuit, 1963, cap. Poétique, pp. 207-248.

- 171-
perspectiva jakobsoniana é a preocupação com a leitura (o que aparece
igualmente em Kristeva) dos caracteres estilísticos, atribuindo à estio
Iística, de um lado a definição de uma função poética, de outro a
identificação das reações do leitor atingido pelos efeitos daquela função.
Em outras palavras, a Estilística teria a tarefa de analisar uma poiesis,
mas também o feed-back produzido por essa mesma poiesis sobre o
real (20).

Perguntamos nós: não seria igualmente tarefa estilística o estudo


de um novo tipo de feed-back, o feed-back produzido pelos «efeitos
de estilo» sobre os fundamentos da própria língua? Outra questão, de
caráter sobretudo metodológico, seria a fronteira (já nem mais entre
Lingüístíca e Estilística), sim, entre Estilística e Teoria Literária. A
obra, pensamos, cria referências. E mais as cria do que delas parte.
Cria modelos e procedimentos, padrões e motivos permanentemente
renovados. Talvez isso explique a existência dos estilos de grupo e de
época. Essas referências, no entanto, seriam objeto da Estilística ou da
Teoria Literária? O que depreendemos até agora é que a Estilística
vem repetidamente se propondo como «ciência auxiliar» ou da l.in-
güistica ou da Teoria Literária. Assim, com uma delas se confundiria
(lembremos Kayser), c i n c i a vinculada a outra ciência.
ê

Paralelamente Hjelmslev sente a problemática. Mas também apre-


senta o texto como objeto da pesquisa estilística. Esse texto se sujeitaria
a dois lances de análise: uma análise «Iingüística», antes de tudo, e
com referência ao código; outra análise, esta «estilística», com refe-
rência à mensagem. (:21)

SaussurianafTlente, e mergulhando na teoria do valor Iingüístico,


seria nosso flíofTlento de inquirir sobre o como dessa bipolarização
epistemológica.iA justificativa talvez se encontre na própria dicotomia
langue / parole. pe ufTllado, operaríamos ao nível das exclusividades,
apelando par~~s>().po~ições do código; de outro, teríamos recurso aos
contrastes, nivel das simultaneidades no corpo da mensagem. As

20. Sobrer a-vfunção do imaginário no processo da significação, ver


BARTHES, Roland; «Atividade Estruturalista». ln: O Método Estruturalista;Zahar
Ed., Rio, 1967, pp. 57·63. Ver também nosso trabalho O Método Estruturalista,
Suplemento Literário do MINAS GERAIS, n. 594, 18-02-78.
21 HJELMSLEV.> Louis; ProlégomEmes à une théorie du langage, trad.
de Una CANGER, Paris, Minuit, 1971. cap. 22, pp. 149-150.

- 172-
unidades de língua, institucionalizadas sob a forma de oposições, seriam
referência de observação prévia; as unidades de fala, nível dos contras-
tes, caminhariam na mensagem para o lance do estudo estilístico.
Essas unidades do texto (tomadas como unidades de conteúdo, nas
palavras do próprio Hjelmslev), diferentemente dos sinais, se caracte
rizariam por sua natureza de conotações.(22)
Ao distinguir os níveis de estudo para a abordagem das unidades
de conteúdo, Hjelmslev vai-se colocar diante de pelo menos três
perspectivas semiológicas distintas: a da meta-semiótica; a da semiótica
denotativa e a da semiótica conotativa. A primeira se definiria como
ciência semiótica propriamente dita, cujas semióticas-objeto se con-
fundiriam com as diversas serniologias, no sentido saussuriano da
expressão. A segunda seria a própria teoria lingüistica, no estudo
da linguagem natural como produto de organização sistematizável.
Restam-nos agora os aspectos conotativos da mensagem, conseqüsn-
temente a cargo da terceira semiótica.
Em outros termos, e como já vimos, terminada a análise semiótica
denotativa, a semiótica conotativa iniciaria sua tarefa, para isso
utilizando-se do mesmo tipo de procedimento metodológico. Necessário,
portanto, distinguir primeiro um «sistema», para em seguida se chegar
ao. delineamento de um «uso» semiótico. Embora atuando no plano
da expressão, Hjelmslev aqui se empenha em frisar o objeto desta
semiótica conotativa, desvencilhando-a de qualquer preocupação de
carát~rsocial, como «dialeto», «língua comum», «forma vernácula»
e até certo conceito de «estilo» (2.'). Se a primeira etapa de estudo
se propõe a esquematização dos fatos expressivos do ponto de vista
de.seus indicadores unívocos, ou sinais, a segunda etapa abordará os
indicadores equívocos, ou conotações.
Novo embaraço: de um lado, a equivocídade agora do próprio
termoconotação; de outro, e conseqüentemente, a delimitação episte-
molôgica dOi campo de trabalho estilístico, em Hjelmslev, e do campo
de trabalho semântico.
SE\~~n~~ção se opõe a denotação, caberia ao estudo lingüístico
e~t~seg~gdo.campo,.c~ncentrando.se o estudo estilístico nos aspectos
conotativos da linguagem? Trabalhando na esfera das «unidades de

22. Idem, p. 147.


23. Idem, p, 150.

- 173-
conteúdo», não acabamos por finalmente delinear, e bem longe da
Estilística, uma astuciosa especulação semântica, ao encontro de
verdadeira teoria da significação?


• •
De acordo com um dos mais importantes postulados da lingüística
moderna, aquelas unidades, como qualquer outro fato Iingüístico, só
poderiam ser examinadas e delimitadas a partir de sua natureza de
r e I a ç ã o, e no interior do sistema de r e I a ç õ e s em que se
inserem. Manifestam uma «categoria nova do objeto», traduzindo
assim nem «o real» nem «o racional», mas o funcional, como produto
de atividade essencialmente poética. (:14) Nesse sentido, a oposição
denotação I conotação acaba por perder sua operecionalldade.

Tornando o clássico exemplo do jogo de xadrez, na imagem


saussuriana, jamais encontramos denotação ou conotação, seja para
as' peças, seja para os lances de jogada. O jogo é só o que nos
poderá indicar a definição de cada elemento em contexto determinado.
Distlnguém-se, é claro, a definição da peça na «gramática do jogo»
e a definição que ela assume em cada um dos lances executados. A
«gramática» me dará a competência de jogar; o lance traduzirá meu
«desempenho gramatical» no momento considerado. Inútil, portanto,
dessa perspectiva, querer sistematizar indicações e indicadores nas
unidades de conteúdo, unidades estas concebidas em cada uma das n
variantes do emprego de um termo em contextos diversos.

Exemplificando:

Comi um peixão.
Ele pescou um peixão.
Ele é um peixão.
Consegui um peixão.

Só a isotopia do enunciado, e até da situação, poderá determinar


qual é o significado (conceito que se associa a uma imagem acústica
significante) da palavra ali quatro vezes repetida. Essa palavra, conse-

24. BARTHES, Roland, op. ctt., p. 62.

- 174-
qüentemente, será cada vez traduzida por unidades de conteúdo dife-
rentes, o que nos leva a admitir a hipótese de quatro palavras, ou
quatro valor e s Iingüísticos nos enunciados distintos.

Seria então o valor uma nova denominação para a conhecida


significação Iingüística?

Nossa tendência é admitir para significação a referência ao


processo de estabelecimento do próprio significado. Mas, apesar disso,
a questão prevalece. Saussure constata, dentro e fora do domínio
lingüístico, o princípio paradoxal que rege a constituição do valor.
Seria esse valor estabelecido:

1) «pelo dissemelhante susceptível de ser trocado por aquilo


cujo valor se deseja determina!"»;

2) «pelos similares que se podem comparar com aquilo cujo


valor se acha em causa».

«Esses dois' fatores são necessários para a existência de um


valor. Dessa forma, para determinar quanto vale uma moeda
de cinco francos, é preciso saber: 19 que podemos trocá-Ia por
certa quantidade de coisa diferente, por exemplo certa quantidade
de pão; 29 que podemos compará-Ia com um valor semelhante
do mesmo sistema, por exemplo uma moeda de um franco, ou
moeda de outro sistema (um dólar, etc.)». (:>5)

Aiprópria palavra moeda, aqui traduzida do texto de Saussure,


já se constitui em objeto de análise. Em português, ela tanto se emprega
para.rdestgnar o objeto de metal valorizado na escala do cruzeiro,
por<El~ernplo. como também o denominador comum dos valores em
deterrTIinada escala económica de trocas. É essa a distinção que aparece
entrEli«rrl?eda de um franco» e «moeda de outro sistema», no texto
cít~.d?'N9original francês, já teríamos piêce para o primeiro enunciado,
a?).~d?\.dElll1onnaie no final da citação. Saussure observa a palavra
fr?~cEls'lll1()uton.,que tanto se pode aplicar ao carneiro servido à
mesa, como ao carneiro encontrado nas pastagens. No inglês, escoo

?Q'.i'9f-Sj\USSU REi Ferdinand ..de. Curso de Lingüística Geral, trad. de


CHELlNI/PAES/BLlKSTEIN, São Paulo, Cultrix, 9a. ed., pp. 132-139.

- 175-
Iheríamos mutton no primeiro caso, ao lado de sheep na segunda
enunciação. A diferença de valor entre piêce (francês) e moeda (por-
tuguês), bem como entre sheep (inglês) e mouton (francês), deve-se
ao fato de terem os primeiros termos das duas comparações a
possibilidade de se afirmarem cada um deles como significado, por
oposição, e oposição esta inexistente no caso dos outros termos
moeda e mouton.

O fato r e s c o I h a se viabiliza mais evidentemente no primeiro


caso, embora também prevaleça no segundo, Nesta última possibili-
dade não há limitação reciproca de valores. Em qualquer das hipóteses,
entretanto, verificamos escolha determinada no cerne da própria língua,
embora admitida como fato estilístico na visão de Dámaso Alonso.
Reafirma-se a dimensão funcional do valor Iíngüistico, como postuiado
da saussuriana expressão poética através da linguagem.

Examinemos contudo as expressões:

Vejo um homem carregando uma panela na cabeça.


Vejo um homem que carrega uma panela na cabeça.
Vejo um homem com uma panela na cabeça.
Vejo um homem e, na sua cabeça, uma panela.

Nenhuma dúvida de que, pelo menos para Barthes, estaríamos


diante de quatro enunciados «poéticos», ou quatro operações diferentes
na habitual análise lingülstica da realídade. Utilizar um desses enun-
ciadosnum só contexto vai exigir, como vemos, a exclusão dos três
outros enunciados. A preferência, nesse caso, será determinada aqui
também pelo fato r e s c o I h a. Essa escolha, entretanto, já não
mais se acha pré-estabelecida no cerne da língua, em razão do sistema
de oposições paradigmáticas, É uma prerrogativa de fala.

Na .situaçãoarterior,. se. escolha havia, era ela «obrigatória»:


opção condicionada pela mensagem, sim, mas nada-mais nada-menos
que uma imp?~ição. do sistema. Da perspectiva da «gramática tradi-
cional» pod~riaaté redundar no conceito de' correção idiomática, donde
acepções muito estritas de «paradigma», «regra» ou «norma». Era
escolha sistemática e sistematizável. Agora já estamos diante da
intencionalídade da expressão humana, aspecto individual da linguagem.
E não seria este último tipo de escolha aquilo que interessa propriamente

- 176-
à . Estilística? - É, no entanto, uma questão de natureza também
semãntica.


* *

É possível que a gramática gerativa nos retire desse impasse.


Para ela, o texto é ainda objeto de estudo estilístico. Mas cada texto
reflete um dialeto particular, onde notaremos as manifestações de
estilo. A tarefa lingüística será estabelecer os modelos de competência
e de desempenho, sem necessidade portanto de recursos auxilíares. O
estilo, por sua vez, se caracteriza como «maneira de exibir o próprio
aparelho transformacional de uma língua». Nessa exibição, a criativi-
dade gerativa é uma atividade poética, e a poesia é uma maneira de
viver a língua. O exercício da linguagem manifesta assím «escalas
de poeticidade» na medida em que se concretiza.P" Abre, além disso,
possibilidades infinitas de expressão do pensamento e do sentímento,
da observação e do raciocínio, sem também se restringir ao mero
objetivo da comunicação. Para Chomsky, a faculdade criadora da
linguagem humana tem como propriedade fundamental o fato de não
se prender a nenhum estímulo imediato, nem se orientar por nenhuma
finalidade de ordem prática. (27 ) É nesse ponto que Chomsky se distan-
cia não só de Bloomfield, como de outros Iíngüistas modernos (inclusive
Saussure), para quem o aspecto criador da utilização da linguagem
se deve principalmente ao fato r de a n a lo g i a, ou até a questões
de «hábito», «generalização» ou «condicionamento».
Kristeva mostra a importância da leitura no estudo estilístico.
Essa leitura, como na psicanálise, ao mesmo tempo reconstrói o
genotexto (estrutura profunda) e descobre ou recria o fenotexto
(estrutura manifesta).

«O significado poético remete a outros significados discursivos,


de modo a serem legíveis, no enunciado poético, vários outros
discursos» (28).

26. DUSDIS, Jean, e outros, op. clt., verbetes estilística e estilo.


27. CHOMSKY, Noam, La Iinguistique cartéslenne, trad. de E. DELANNOE
e D. SPERBER, Paris, Ed. du Seuil, 1969. Veja-se especialmente o capítulo
L'aspect créateur de I'utilisation du langage, pp. 18·59.
KRISTEVA, Júlia, Introduçáôà Semanálise, trad. de Lúcia Helena
FRANÇA' SãO Paulo, Ed. Perspectiva, 1974, pp, 174 e 55.

- 177-
Não se refere, portanto, a um só código. É «ponto de cruzamento»
de vários códigos inter-relacionados e em oposição, num «espaço
textual» múltiplo. Dessa forma, a percepção estilística supõe verdadeiro
diálogo entre discursos na reconstrução do texto poético, podendo
então ser aqui entendida como espécie de «estilistica comparada».
Tal comparação nos leva ao conceito de tradução, neste Caso intra-lin-
güística, sem excluir a possibilidade de extrapolar-se para o nivel
inter-semiótico.

Enfim:

Como vemos, e como todo esforço de criação, estilo pode ser


igualmente entendido como resultado de um trabalho. Trabalhar a língua
nesse caso, «irnplica remontar ao próprio germe onde despontam o
sentido e o seu sujeito» (29). No dizer de Granger, esse despontar é
gênese: «põe em relação, suscitando-os, a forma e o conteúdo do
campo explorado» (30). Caberia à Estilística solucionar as dificuldades
inerentes àquele trabalho, na surpresa permanente da re-descoberta
de sua própria criação.

29. Idem, p. 10.


30. GRANGER, aues uaston, Conteúdo, Forma e Prática. ln: Filosofia
do Estilo, trad. de sceruet.zerbetto MARTON, São Paulo, Ed-, Perspectiva; 1974.

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