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UNIVERSO MÍTICO-RELIGIOSO KIMBUNDU E

TRÂNSITOS CULTURAIS EM UANHENGA XITU

Washington Santos Nascimento


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rio de Janeiro – RJ, Brasil. E-mail: washingtonprof@gmail.com

DOI: 10.17666/329514/2017

Introdução AkwaKimbundu é como se autodenominam os


povos que atualmente habitam as regiões de Luanda,
Este artigo promove uma discussão sobre o Bengo, Cuanza Norte, Cuanza Sul e Malanje. Em
universo mítico-religioso do interior angolano de kimbundu, Akwa quer dizer “os”, “os de”, “os per-
finais do século XIX até meados do século XX, a tencentes a”, e que, junto à palavra kimbundu, quer
partir da análise da obra Vozes na sanzala (Kahitu), dizer “os falantes do Kimbundu”, “os do Kimbundu”
publicada em 1976 pelo escritor angolano Wanyen- ou ainda “os pertencentes ao Kimbundu”. Assim,
ga Xitu (Uanhenga Xitu na versão aportuguesada), neste artigo, usaremos AkwaKimbundu para nos re-
também conhecido pelo nome português de Agos- ferir a povo e Kimbundu quando nos referirmos ao
tinho André Mendes de Carvalho. Importa-nos complexo povo-língua-universo cultural.1
analisar de que forma aspectos mítico-religiosos Vozes na sanzala pode ser entendido como
desse universo banto (sobretudo AkwaKimbundu), uma memória social dos AkwaKimbundu, trans-
como os “gênios da natureza” (kiandas e kitutas) mitido por um de seus “mais velhos”, pois, como
e os sacerdotes (kimbandas e kilambas), transitam Xitu salienta, “cada um de nós, ‘os mais velhos’ que
no cotidiano e imaginário social daquele espaço em na nossa terra existem, resume em si a memória de
transformação, por conta da chegada dos portugue- centenas de anos. Cada dia mais rica, porque vi-
ses e de novas matrizes socioculturais cristãs. vemos hoje mais tempo do que viviam os nossos
avós” (Xitu, 2014 [1998], p. 18).
Artigo recebido em 09/12/2015 Sua história central é clássica nos estudos an-
Aprovado em 25/05/2017 tropológicos e diz respeito à não observância de
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práticas rituais tradicionais (Akwakimbundu, ban- personagens são marcados pela “construção sim-
to) em um contexto de mudança cultural (presença ples”, “ritmada e sincopada das frases”, sem estar
dos portugueses e de missões religiosas estrangeiras) “enclausuradas” na rigidez da semântica e da gra-
e a consequente punição por esse ato (Kahitu nas- mática portuguesa. Entretanto, ele diz que nunca
cera paralítico). foi seu objetivo “angolanizar” a língua portuguesa
Assim, através dessa obra, podemos discutir de e que apenas escrevia o que achava que deveria ser
que maneira os AkwaKimbundu travaram o debate escrito (Xitu, 1984b).
sobre a manutenção de categorias existentes an- Xitu pode ser percebido como um intelectual
tes da chegada dos europeus, em um contexto de em constante trânsito (tanto cultural como espacial),
transformações sociais e culturais, questionamen- produzindo nos entrelugares da situação colonial.
to e redefinição da própria pertença. Entendemos Ele dialogou com a tradição e a oralidade em seus
que, mesmo em situação de grande contato, tal escritos, objetivando trazer maior conhecimento e
qual a Angola colonial de finais do século XIX até problematização da história de seu país, e teve um
meados do XX, onde os portugueses dominavam papel importante na resistência ao colonialismo
os demais grupos existentes, havia alguns espaços português em Angola, na construção do Estado pós-
de pertencimento dos grupos locais, sobretudo nos -independência e no processo de descolonização do
setores de atividade religiosa e doméstica.2 conhecimento, mesmo utilizando a escrita europeia
Wanyenga a Xitu nasceu em 29 de agosto de para isso. Como intelectual, Xitu teve a capacidade
1924, em Calomboloca, região de Icolo-Bengo, in- de dar corpo a uma mensagem para (e também por)
terior de Angola, e faleceu com 90 anos, em 2014. A um público específico, aqueles de origem Kimbun-
ida para as missões e a necessidade de ter um nome du. Da mesma forma, através de suas obras literárias,
português o fez ser renomeado como Agostinho An- ele foi um mediador cultural entre os universos Kim-
dré Mendes de Carvalho. Sua região de origem é de bundu, citadino luandense e o europeu. Ao longo
povos falantes do Kimbundu. Como escritor, adotou do tempo, transitou entre o papel de “mais velho”,
sempre o Uanhenga Xitu, uma variação em portu- escritor, cientista social e político, perfazendo para
guês de seu nome em Kimbundu, Wanyenga a Xitu. tanto um jogo de exclusões (um escritor que não se
Xitu significa “carne”, já Wanyenga “pendurar, levar dizia político) e complementaridades (um “mais ve-
a carne”, e a somatória das palavras quer dizer “an- lho” que é também um escritor).
dar com a carne pendurada”. Em entrevista dada em
2004, ele explica que usou essa alegoria para repre-
sentar a maneira pela qual os dirigentes de uma al- Vozes na sanzala: tempo e escrita
deia ou de um país, por despertarem ódio ou inveja,
sempre têm de andar com policiais, guarda-costas, Vozes na sanzala se passa em dois momen-
carros etc. (a “carne pendurada”), e que, por essa ra- tos distintos, finais do século XIX e os anos de
zão, seria odiado; daí que, segundo ele, Wanyenga a 1930 e 1940, no século XX, e conta a história de
Xitu significaria “o poder é odiado” (Xitu, 2004b). Kahitu, que nascera paralítico em uma povoação
Como escritor, produziu uma vasta obra literá- do interior angolano, área predominantemen-
ria: O meu discurso (1974), Mestre Tamoda (1974); te AkwaKimbundu. Sua paralisia era associada a
Bola com feitiço (1974), Manana (1974), Vozes na uma punição da kituta (um “gênio da natureza”)
sanzala (Kahitu) (1976), Maka na sanzala (1979), para com seus pais (Mukita e Mbombo), por es-
Sobreviventes da máquina colonial depõem (1980), tes não terem feito uma obrigação devida pela avó
Os discursos do Mestre Tamoda (1984), O ministro dele (Kaualende) desde o século XIX. Kahitu es-
(1990) e Cultos especiais (1997). Isso o tornou res- tudara com os mestres tradicionalistas locais (mais
ponsável por contribuir para um processo de “an- propriamente o ferreiro) e um pouco nas escolas
golanização” da literatura angolana, com a incorpo- das missões cristãs, por isso sabia ler e escrever
ração de elementos do Kimbundu falado na região cartas em português como ninguém na sua povoa-
de Icolo-Bengo. Por essa razão, os diálogos de seus ção rural de origem (a sanzala).
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Conhecido como “filho da kituta”, vivia no os- grupo de origem, uma “urgência do recordar” para
tracismo, só sendo reconhecido pelas crianças como superar a “inevitabilidade do esquecer” em um pe-
um mestre das brincadeiras infantis e pelas mulhe- ríodo de forte contato e mudança decorrente da
res jovens a quem dava alguns conselhos sobre na- presença portuguesa (Fonseca, 2010).
moros e casamentos. É por uma dessas jovens que Enquanto memória social dos AkwaKimbundu,
ele se apaixona, a bela Saki, passando a cortejá-la, Vozes na sanzala pode ser entendido como uma ora-
mesmo sendo ele considerado um inválido (“aleija- tura (literatura oral), ou seja, produto de um acervo
do”) pelo seu grupo social. Após ter relação sexual de histórias trazidas da tradição oral e registradas sob
com Saki, a engravida, conseguindo dessa forma a forma da escrita. Kahitu fazia parte das histórias
provar a sua virilidade perante o grupo. Entretanto, que se “contavam no antigamente”, como uma for-
tal fato também causa um grande estranhamento ma de enaltecer uma divindade, em um contexto no
e revolta em seus pares: ele é então chamado pe- qual as “imposições das igrejas” já faziam parte do
los sobas (chefes tradicionais) locais para ser julga- cenário, afinal era preciso saber “de onde nós viemos
do pelo acontecido. Como um ato de resistência a antes da igreja e da luta entre a igreja e a nossa popu-
essa convocação, Kahitu se suicida com veneno de lação” (Xitu, 2004b, p. 217). Trata-se, dessa forma,
gafanhoto. Após sua morte, uma chuva torrencial de uma maka, ou seja, uma história verdadeira (ou
com muitos raios e trovões se abate sobre a sanza- reputada como tal), porém com um final instrutivo e
la, e permanecerá por anos. Esse suposto castigo da útil (Macedo e Chaves, 2007).
kituta sobre os moradores locais, por terem provo-
cado a morte de “seu filho”, atingirá Saki e o feto,
também mortos por raios. Espaço e geografia literária de Vozes na
Akiz Neto (2010) levanta a hipótese de que, sanzala
por ter sido enfermeiro, Xitu ouvira muitas histó-
rias contadas por mães de crianças acometidas por Sanzala, como já dissemos, é o nome dado em
poliomielite, razão por que desenvolviam certas Kimbundu a uma povoação rural angolana, como
deficiências físicas. Algumas dessas mães acredita- uma aldeia, por exemplo. Nas obras de Xitu, quase
vam que essas deficiências seriam uma punição da sempre ela está situada na região de Icolo-Bengo, às
“kituta/sereia” aos seus familiares. Teria sido este margens do rio Cuanza ou Bengo, ou, mais especi-
então o mote a partir do qual Xitu teria desenvol- ficamente, “ali nas sanzalas de Madimu, de Cajú,
vido a história de Kahitu. Jinganga, Cassenda, Quilende, Quizenza, Ngala,
Essa obra foi escrita quando o autor estava Cabiri e Funda” (Xitu, 2004c, p. 65), espaços pri-
preso. Segundo Xitu (2004b, p. 65), o livro, “foi vilegiados de sua geografia literária, entretanto pró-
uma das amigas íntimas e fiéis do meu longo cati- ximos e sob a influência cultural de Luanda. Toda
veiro [...] constituíram, para mim, a base íntima, essa região que vai de Malanje até Luanda era habi-
pessoal, dando-me forças para resistir, resistir até tada pelos AkwaKimbundu, que, desde pelo menos
a liberdade”. Assim, voltar ao passado, às brinca- o século XVI, viviam da agricultura e se organiza-
deiras infantis, ao contato com a natureza (física e vam em aldeias.
mítica), e, por fim, ao mundo tradicional e às suas A presença portuguesa na região data de
raízes era uma forma de manter a sanidade naque- 1492, quando Diogo Cão desembarcou na foz do
le contexto extremamente difícil. rio Zaire. Da segunda metade do século XIX até
Em um depoimento, Xitu (2014 [1998], p. o início do século XX, segundo Jill Dias (1994),
18) diz que, durante o período em que passou na ela já estava profundamente consolidada, levando
cadeia, “começava a pensar nos tempos da minha à mudança na composição étnica da população lo-
terra. Naquilo que eu tinha vivido e naquilo que cal, provocada pelo influxo de cativos de variadas
eu tinha escutado da boca dos meus ‘mais ve- zonas do interior angolano e da miscigenação dos
lhos’”. Sua fala assume, assim, a dimensão de uma autóctones com os portugueses e com a cultura
memória social (Fentress e Wickham, 1992) de seu europeia.
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Figura 1 ensinaram ofícios como os de gráfico, alfaiate, pe-


Grupos Étnicos de Angola (1970) dreiro e carpinteiro, e promoveram o comércio, a
Banto Outros
alfabetização e o ensino do tipo ocidental. Assim,
suas ações tiveram efeito duradouro sobre a popula-
ção local, ocasionando modificações na organização
comunitária, nos processos de escolarização, forma-
ção para o trabalho, comportamentos e expectati-
vas pessoais; além disso, estabeleceram novas redes
de contato inter-regionais e mesmo internacionais
(Conceição Neto, 2003).
Esses trânsitos propiciados pela chegada dos
portugueses e das missões religiosas estrangeiras fo-
ram provocados (e acentuados ao longo dos anos)
pela existência de um corredor, desde o século XIX,
por onde os produtos oriundos de regiões a leste
(Moxico, Lundas etc.), tais como a cera, o marfim
e a borracha, chegavam aos mercados coloniais do
litoral (Luanda e Ambriz). Já no século XX, a linha
de ferro de Benguela conectava parte dessas regiões.
Aliás, as estradas férreas foram um elemento fun-
damental de colonização e penetração econômica
portuguesa no interior, que permitiu o desenvolvi-
Fonte: Pélissier (1978). mento tanto das quatro cidades do planalto – Ma-
lange, Nova Lisboa (atual Huambo), Silva Porto
(atual Cuíto) e Sá da Bandeira (Lubango) – como
de dois dos principais portos angolanos: Lobito e
No início do século XX, as novas exigências Moçamedes (Dias, 1994).
do comércio ultramarino português, a expansão Assim, podemos entender esse espaço como
colonial e também demográfica, com o aumento o de um lugar de trânsitos e passagens. O próprio
da comunidade de comerciantes brancos na região, Xitu ressalta, em Vozes da sanzala, que, no início do
transformaram profundamente a organização social, século XX, os contemporâneos de Kahitu faziam
política e econômica Akwakimbundu, com a disso- da sanzala um lugar de transição, de onde partiam
lução das formas tradicionais de autoridade e a perda para trabalhar ou estudar fora de seus domínios, à
de autonomia social e econômica, fazendo com que, exceção do protagonista, que sempre permanecera
entre os anos de 1875 e 1920, o controle político das no local. Trata-se, assim, de uma zona de contato,
relações de produção passasse das mãos dos chefes ou seja, um espaço social onde “culturas díspares se
locais (antigos sobas) para fazendeiros, negociantes e encontram uma com a outra, frequentemente em
oficiais coloniais portugueses (Dias, 1994). relações extremamente assimétricas de dominação e
Além dos portugueses, a região também foi subordinação – como o colonialismo, o escravismo,
marcada pela presença de missionários metodistas ou seus sucedâneos” (Pratt, 1999, p. 31).
estrangeiros (sobretudo estadunidenses), que se ins- Kahitu, tal qual Xitu, transitava entre o universo
talaram entre Luanda e Malanje (de língua Kim- AkwaKimbundu e o português, estava nos “entreluga-
bundu), desde 1885. O impacto das missões não se res” da relação entre os nativos e os europeus, ora sen-
limitou apenas à construção de igrejas, conversão do educado nos moldes tradicionais (o ferreiro), ora
da população ou mesmo à tradução da bíblia para nas escolas missionárias. Mas, por nunca ter saído da
as línguas africanas, foi além. As missões experi- sanzala, se tornara um tradicionalista e genealogista,
mentaram o cultivo de novos produtos agrícolas, conhecendo as raízes das famílias e seus segredos.
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Figura 2 sim, a construção de um espaço complexo e múl-


Mapa de Angola com Destaque para as Regiões tiplo, onde o encantado e o terreno, o visível e in-
Kimbundu Descritas por Xitu em Vozes na sanzala visível, interagem e se complementam. Na fonte,
logo que acabou de encher o pote, quando ia le-
vantar a panda (tecido usado para se proteger, mas
também para fixar o pote), um vozeirão atrás de
Kaualende diz:

– Eme Kasadi ka-ngi-telami kalaji.


[Eu sou a sereia de Kasadi; para mim, não admi-
to intrusas de madrugada.]
– Em seguida, um som especial de sinos come-
çou a ecoar, melodiosamente.
Assustada, Kaualende virou-se e deparou com
um vulto humano, alvo como a neve. De cabe-
los compridos que lhe caíam até as costas. Ela
caiu (Xitu, 2004c, p. 76).

Kiandas e kitutas são gênios da natureza, per-


tencem ao imaginário Kimbundu e não podem ser
confundidas com as sereias, mito ocidental criado
Fonte: Coelho (2010).
a partir da tradição greco-romana. Entretanto, per-
cebe-se que, em sua obra, Xitu incorpora a deno-
Kitutas, kimbandas e kilambas no final do minação sereia como um sinônimo de kituta, de-
século XIX monstrando um entrelaçamento entre os universos
locais e europeus, e a incorporação, por parte dos
O livro começa relatando o nascimento de primeiros, de denominações (imaginários e valo-
Kahitu, quarto filho de Mukita e Mbombo. Kahitu res) do colonizador europeu, trazidos, sobretudo,
nascera paralítico e seus pais estavam preocupados, pelos missionários cristãos. De acordo com Peter
procurando kimbandas de todas as localidades para Geschiere (2006), em suas análises sobre feitiçaria
encontrar a cura, e nada, até aquele momento, ti- e modernidade nos Camarões, os novos imaginá-
nha dado certo. Para tentar explicar o que de fato rios ligados a feitiçaria não expressam apenas algum
aconteceu, o narrador se volta para a história da avó tipo de saudade por um passado dito tradicional.
materna de Kahitu, Kaualende, que se passa em Pelo contrário, sua própria ambiguidade, que ex-
finais do século XIX e nos oferece elementos im- pressa ao mesmo tempo o “horror” e a “fascinação”
portantes para entendermos aspectos do universo pelas novas oportunidades que surgiam, ressalta o
mítico-religioso Akwakimbundu. esforço despendido para lidar com as mudanças mo-
Kaualende, avó de Kahitu, grávida, foi à fonte dernas. Por essa razão, esse discurso se torna elástico,
de água Kasadi em uma madrugada (horário não buscando dessa forma capturar elementos novos in-
usual), invadindo, dessa forma, um espaço sacrali- troduzidos de fora (Geschiere, 2006, pp. 28-29), o
zado e sob o domínio de um “gênio da natureza”. que, a nosso ver, ocorre com a ideia das sereias.
No caminho, ouvira o canto do kabirindjindu, um Além disso, por ser uma obra literária, escri-
pássaro lendário. Depois encontrou outro, o kin- ta em português e para um público leitor em sua
gunguaxitu (grande pássaro do mato), que cantava grande maioria não AkwaKimbundu, fazia-se ne-
pressagiando que algo ruim estava por vir. São eles cessário usar um símbolo que pudesse ser compre-
que vão marcando os passos da avó de Kahitu até endido por esse público mais amplo. As populações
o encontro com o ser encantado, evidenciando, as- locais associarem kituta (mas também as kiandas e
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kiximbis) às sereias era uma forma de traduzir um Xitu diz, então, que, quando a kituta aparecia,
símbolo local para um universo ocidental, e assim tudo se movimentava, todos os seres do universo
ter êxito na intenção inicial de disseminar (entre os vegetal e animal, todos a respeitavam, porque se-
de origem europeia) o respeito por esse “gênio da não ela secava a água do manancial. Percebe-se um
natureza”. mundo complexo e interligado, onde diferentes di-
Kianda (plural ianda) era a nomenclatura do mensões do visível e do invisível se entrelaçam e se
gênio existente na região do rio Cuanza, que ba- complementam. Achada desacordada, Kaualende é
nha a cidade de Luanda. À medida que o rio entra levada para casa, onde passa a ser tratada por uma
no interior de Angola, ela recebe a denominação série de kimbandas.
de kituta e kiximbi, este último um termo mais O kimbanda (ou quimbanda, em português)
antigo e pouco usual no século XX. A leitura de era o responsável pelos processos de cura, conhe-
Vozes na sanzala nos sugere a existência dessa dis- cendo para tanto as propriedades e aplicações das
tinção, que não é só uma questão de nomenclatu- plantas. Como se acreditava que os males tinham
ra, mas sim de tipos de organização social: de um sempre causas sobrenaturais, tais como enfeitiça-
lado, uma sociedade de pescadores (às voltas com mento, vingança, contrariedade etc., o kimbanda
o mar e kiandas), e, de outro, agricultores (com os fazia uso da adivinhação como parte de seu diag-
rios, lagos e kitutas). nóstico. Por outro lado, tinha um caráter duplo,
A descrição física da kituta feita por Xitu não podendo, em alguns casos, assumir um papel de
se afasta de outras representações de sereia no con- feiticeiro e, assim, fazer uso do feitiço para matar
tinente africano, e mesmo no espaço diaspórico, ou mesmo atrapalhar a vida de uma pessoa.
onde ela recebe nomes como Yemanjá, Janaína, Não há, em Vozes na sanzala, uma descrição
mãe-d’água etc., e nos sugere que, em meados do mais pormenorizada do kimbanda. Entretanto,
século XX, a influência das representações euro- ele é um personagem central em diferentes obras
peias (no caso específico, uma sereia) já tinha sido de Xitu, destacadamente em Maka na sanzala, de
incorporada e tomada para si como pertencente 1979. Construído a partir das suas memórias e ex-
também do imaginário dos Kimbundu, ou seja, periências pessoais, mesmo sob estruturação e con-
aquilo que em um primeiro momento era uma venções próprias de uma obra literária, oferece-nos
forma de tradução, torna-se, então, um elemento um rico painel dos procedimentos de duas quim-
novo e local. bandas no auxílio a um parto difícil. A primeira,
O contato de Kaualende com a kituta, sob a denominada apenas como “velha quimbanda”, ao
forma de sereia, provocou uma reação com o espa- encontrar-se com a mulher em trabalho de parto:
ço natural, evidenciando a interação entre a dimen-
são visível e invisível do mundo: Fazia das suas mãos kixakatu. Os dedos da mão
direita passava-os na palma da mão esquerda,
Os fetos frondosos e exuberantes que enchiam como quem estivesse a afiar uma navalha. Des-
quase toda a baixa, com mais de um quilôme- lizava-os com uma destreza de impressionar.
tro de comprimento, faziam acenar as folhas. Dessa sua perícia mágica saíam uns estalidos
O mesmo imitavam os esguios coqueiros e pal- singulares. De vez em quando tirava de uma
meiras, as goiabeiras, as mafumeiras, as bana- pasta de couro uns pós brancos que atirava para
neiras e as mais diversas árvores e plantas. Os trás e para a frente de si, ao mesmo tempo que
macacos guinchavam e faziam pulos acrobáti- monologava umas preces (Xitu, 2004c, p. 21).
cos, nunca antes vistos por qualquer homem.
Próximo do corpo da Kaualende, levantavam- Chega, então, outra quimbanda (Kasexi), a
-se três compridas palmeiras, sobre as quais mais importante da região – e a única que, ao tocar
andava um felpudo esquilo, muito irrequieto. seus guizos, fazia os moribundos abrirem os olhos
“Cantava”, mas um “cantar” estridente (Xitu, ou mexerem os lábios –, para terminar de auxiliar
2004c, p. 76). no parto. Xitu assim descreve as ações de Kasexi:
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De repente a velha quimbanda, num movi- No apêndice de Vozes, Xitu define o kilamba
mento diabólico, urrou e buibuilou, mexendo- como sendo ligado às “sereias”, responsáveis por
-se convulsivamente, ao mesmo tempo que tratar e curar as doenças relacionadas com elas, bem
sacudia os sinos que lhe pendiam dos paramen- como, eventualmente, pela consagração dos sobas
tos. E esteve neste delírio por longos minutos em suas cerimônias de coroação. Eles já nasciam
[...] Nada mais aconselhou senão tirar uns pós predestinados, trazendo do ventre da mãe um sinal
mágicos da sua bolsa. E deitou uma pitada de característico que só os entendidos sabem reconhe-
pós na língua da Mulemba. Da mesma forma cer nos primeiros dias de vida. Além disso, era con-
“sacou” um boião de onde tirou uns pós e fez sagrado (“feito”) de forma diferente dos kimban-
uns riscos cabalísticos em volta da cabeça e da das, tendo ritos próprios.
cintura do bebê (Xitu, 2004c, p. 35). A origem dos kilambas é associada ao poder
dos antigos Ngola. Beatriz Heintze (1998) conta
Nas duas descrições, destaca-se o uso de pós que o Ngola que reinava em 1575 no Estado do
brancos no trabalho de parto. Mariana Fonseca Ndongo – que cobriu parte significativa dos terri-
(2015) registra que, desde o século XVII, os po- tórios Kimbundu –, afirmava ser um kilamba, por-
vos dessa região usavam a pemba, um pó branco tanto senhor do sol e da chuva, estando dessa forma
sagrado, feito de argila, em rituais que visavam ligado à fertilidade da terra e ao bem-estar de seus
garantir a fertilidade feminina e a reprodução do governados. Mais recentemente, o primeiro pre-
grupo, e utilizavam também a takula, pó feito da sidente de Angola pós-independência, Agostinho
árvore de mesmo nome, nos rituais masculinos. Neto, designava-se, desde a luta colonial, como
Em seu dicionário de termos angolanos, Oscar Ri- kilamba, uma forma de se fazer entender entre as
bas diz que a pemba era um “calcário margoso”, comunidades tradicionais como um chefe e/ou pre-
um caulim (espécie de gesso), que possuía largo sidente (Coelho, 2010).
emprego na umbanda, “servindo, juntamente Oscar Ribas (2002, p. 66) acrescenta que esses
com o ucusso, para as caracterizações que, obriga- sacerdotes eram os responsáveis por cuidar da cóle-
toriamente, se executam nos lugares concernentes ra da sereia “quer embravecendo o mar ou qualquer
à liturgia, a fim de se abrirem os caminhos, ou outro curso de água, bem ainda as infestações de
seja, para atrair a graça dos espíritos” (Ribas, 2009 feras e a estiagem”. Como as sereias, os kilambas
[1969], p. 317-318). podiam ficar embaixo da água até um mês. Tal qual
Como dissemos, o kimbanda poderia assumir Xitu, Ribas (2002) diz ainda que normalmente um
o papel de feiticeiro, apenas o trabalho era diferen- kilamba tinha alguma deformação física, mas que
te. Na obra de Xitu, Os discursos do Mestre Tamo- somente um kimbanda poderia revelar a essa pessoa
da, de 1984, a portuguesa Dona Amélia gostaria se ela seria ou não um kilamba. Assim, podemos
de separar sua filha do “preto” Marajá, por isso ao menos supor que Kahitu um dia poderia ter-se
pede a seu cozinheiro para procurar um kimban- tornado um kilamba.
da. Depois de voltar do primeiro contato com este, Na conversa do kilamba com o pai de Kaua-
perguntou o funcionário à sua senhora: se era para lende, estabelece-se um debate entre as antigas tra-
“virar o coração da menina” ou “matar o rapaz no dições Kimbundu (e banto) e os novos elementos
feitiço” (Xitu, 1984a, p. 132). religiosos (e culturais) trazidos pelos europeus na-
Voltando a Vozes na sanzala..., se conclui que quele contexto:
somente outro tipo de sacerdote, um kilamba, po-
deria ajudar Kaualende. O kilamba era o intérprete – Há muito venho despertando a essa gente de
das kitutas, o único que podia conversar com elas, que era tempo de se oferecer um banquete ao
tratar das enfermidades ocasionadas por esses gê- Kasadi. Mas... A água está a diminuir, já não
nios da natureza, usando, para isso, também a adi- chega lá ao fundo, na lavra do Kingolo; os des-
vinhação como diagnóstico. Foi a kituta ou não? Se déns já não tem o mesmo gosto e nem produ-
foi a kituta, por que foi? zem o óleo como antigamente; há dias, uma
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cobra preta e cheia de cabelos correu atrás de do por alguma “anomalia”, como a infertilidade de
mulheres que iam buscar água, escapando ma- uma mulher ou o nascimento de gêmeos. No caso
tar o filho de Kinguadi, e não falemos na jiboia em questão, a “anomalia” era o fato de Kaualende
que engoliu o cão de Kaiambi, agora surge este ter invadido um espaço sagrado em uma hora im-
caso da tua filha! Não teríamos evitado tudo própria sem a permissão da kituta.
isso se o povo ouvisse os meus conselhos?... José Redinha (1975 registra que, em Luanda,
– Ah, meseneKilamba – interrompeu um dos região próxima à descrita por Xitu, organizavam-
velhos presentes, hoje é escusado, os nossos -se suntuosos banquetes para os gênios da natureza
filhos não ligam a essas coisas. Vieram os ho- (as sereias, na sua descrição), com louças, vinhos
mens da Missão... doces, pentes e iguarias africanas junto com outras
– E que desrespeito, cantam e assobiam atrevi- europeias. Segundo ele, dispunha-se esses objetos
damente os hinos da Missão, mesmo quando em esteiras, na praia, após o que toques de tambor
estão a tomar banho nas águas do NganaKasa- anunciavam à sereia que o banquete seria servido.
di! – disse um outro velho, num tom de muito Ao acordar, Kaualende dá mais detalhes do
aborrecido. (Xitu, 2004c, p. 74) encontro com a kituta, revelando, assim, a circu-
laridade da história, um recurso da maka, a forma
O Kasadi era o nome da fonte (uma espécie de tradicional que Xitu escolheu para escrever a sua
lago), onde a “sereia” aparecia. Tratava-se de entida- obra literária, distante, assim, da linearidade mais
des encantadas que tinham o poder da metamorfo- comum nos contos europeus.
se, transformando-se em cobras, por exemplo. Essa
era também uma forma de provar, naquele contexto Pelo caminho encontrei-me com um kingungu-
mais racional, a presença física das antigas tradições. xitu muito grande! Fez-me assustar. O coração
Xitu também revela os impactos das missões pesou-me, mas resolvi ir até a nascente. Posta lá,
cristãs na região, responsáveis por novos ordena- ouvi cantar outro kingungu, parecia persuadir-
mentos religiosos e culturais. Se, por um lado, as -me para não avançar. Mas como a interpretação
igrejas protestantes (e mesmo católicas) podiam ser do cantar daquele pássaro é considerado como
uma resposta às grandes inquietações do encontro brincadeira de crianças, embora seja envolvida
e desencontro colonial, podiam ser também razão a muitas lendas, não liguei... Quando enchi a
de inquietação, pois, apesar de suas diferenças, que sanga, comecei a ouvir um som de guizos. Pen-
vão desde a relação com o poder metropolitano até sei que fosse uma pessoa vestida de mandungela
o ethos religioso, católicos e protestantes comparti- (sinetas, guizos) e que ia a um xingidi (xinguila-
lhavam a mesma visão de que o africano deveria ser dor “médium”). Logo que endireitei a disanga já
salvo pelos cristãos e de que o que havia antes da cheia ouvi alguém a dizer: Eme kasadi ngitelami
chegada dos europeus não passava de crendices ou kalaji (Eu sou a sereia de Kasadi, não admito in-
selvageria (Paredes, 2010). trusas na madrugada) (Xitu, 2004c, p. 83).
Voltando a Vozes na sanzala, a situação se re-
solve após o pai de Kaualende realizar o mais pom- Kaualende segue detalhando o encontro com a
poso banquete que um kilamba já tinha preparado kituta, descrita por ela como “branca como o fubá
até então para uma kituta. Victor Turner (2005), de kindele (milho)”, e que só a vira sob a forma de
em seus estudos sobre os Ndembu, povos do no- sereia, da cabeça à cintura, “estava ajoelhada na
roeste da Zâmbia (país vizinho a Angola), diz que água, e tinha-me dado as costas. O cabelo com-
a escolha por realizar determinados rituais que não prido e molhado, colava-se-lhe às costas” (Xitu,
estavam diretamente ligados ao calendário geral do 2004c, p. 84). Em uma perspectiva ampla para os
grupo social ocorria em momentos de crise daque- povos da região Congo-Angola, o mundo estava
la comunidade, servindo, dessa forma, como uma dividido em duas esferas, a dos vivos/terrenos e a
tentativa de retorno ao equilíbrio espiritual de um dos mortos/encantados; estes últimos tinham a cor
indivíduo ou mesmo do grupo que foi perturba- branca e eram os ancestrais daqueles que fundaram
UNIVERSO MÍTICO-RELIGIOSO KIMBUNDU E …  9

as aldeias e organizações políticas (Costa e Silva, ferreiro, ajudando-o na confecção de facas, machados,
1998). No livro Os discursos do Mestre Tamoda, de catanas, agulhas, arpões, chuços e enxadas. Compe-
1984, Xitu relata a história de José Maquita, “preto, tia a Kahitu manejar o fole, tocando batuque com o
beçula” que morava em Portugal desde pequeno e, uso desse instrumento, fazendo da oficina não só um
ao voltar para Angola, trouxe a sua esposa e a apre- espaço de confecção de materiais, mas também um
sentou aos pais no interior. Assustados com a cor espaço de música e dança: a itonda e o kalembe, uma
da mulher, seus progenitores fugiram, dizendo que dança regional exclusiva das mulheres.
o filho lhes havia trazido uma kianda. Diferentemente de seus contemporâneos,
Depois da fala de Kaualende, um novo ritual foi Kahitu permanecera na sanzala desde que nascera
feito, não só pelo kilamba, mas também pelos kim- e, por essa razão, se tornara um grande genealogis-
bandas que estavam no local, com o oferecimento de ta, ou seja, quem quisesse saber dos ascendentes de
bebidas ritualizadas, toque de guizos e danças. A par- determinada família, recorria a seus conhecimen-
tir daquele encontro (e da primeira obrigação feita), tos. Frequentava a igreja, fazendo parte das repre-
Kaualende e toda a sua geração serviriam à kituta, ou sentações teatrais da época na pele do “coxo” que
seja, em toda festa ou invocação a ela, deveria fazer- seguia os apóstolos João e Pedro, e sabia recitar de
-se presente a família de Kaualende e seus descen- memória alguns capítulos da bíblia.
dentes. Além disso, em toda gravidez se faria uma A descrição de Kahitu feita por Xitu revela
obrigação para a “sereia”, pois senão o filho nasceria um sujeito construído a partir dos encontros e
com alguma deformação. desencontros coloniais, que maneja os diferentes
Assim, Mbombo, filha de Kaualende e mãe de saberes a seu favor, ou seja, ao mesmo tempo que
Kahitu, nascera saudável e já sabendo das obriga- era um “mestre” ferreiro e tradicionalista – fun-
ções que tinha para com a “sereia”. Ao se casar com ções vitais nas antigas sociedades Kimbundu –,
Mukita, cumprira, dedicadamente, esse seu com- sabia ler e escrever o português e era um “bom
promisso com os quatro primeiros filhos, menos cristão”, dois novos elementos de distinção social
com o último, Kahitu. E, talvez por essa razão, este trazidos pelo colonizador.
nascera com uma deficiência física. Dessa forma, Kahitu era um mediador cultu-
Depois disso a história dá um salto para os ral, um passeurs culturels (Bénat-Tachot e Gruzinski,
anos de 1930-1940. 2001), sujeito entre dois mundos, capaz de produ-
zir leituras, interpretações e sínteses no movimento
de mão dupla no qual circulam elementos ou frag-
O filho da Kituta e a vingança do gênio da mentos das culturas em contato (Castro Gomes e
natureza (século XX, anos de 1930-1940) Hansen, 2016; Gruzinski, 2001, 2003). Ele articu-
la o local (mestres de oficio e os genealogistas) com
Na continuação da história, nos anos de 1930- o global (uma língua e uma religião de abrangência
1940, Kahitu está com 15 a 16 anos. Deficiente mundial), aproximando hábitos, práticas, conheci-
que era, arrastava-se pela sanzala, tinha uma grande mentos, muitas vezes misturando-os, fazendo com
vontade de aprender a ler e a escrever e era muito que os mesmos assumam novos significados e novas
afamado com as crianças mais novas, sendo o “mes- funções. A alegoria que Xitu usa para enfatizar esse
tre” das brincadeiras. Apesar de um pouco crescido, papel de tradutor cultural assumido por Kahitu é
continuava na sanzala, já que sua deficiência o li- dizer que ele, como um escritor de cartas da comu-
mitava para ir tanto à escola da missão, nas aldeias nidade local, ouvia as histórias em quimbundo e as
vizinhas, quanto ao trabalho braçal. escrevia em português, ou ainda a expressão “kituta
Quando um professor chegou à sanzala, Kahitu de Deus”, usada para denominar Kahitu, eviden-
já sabia ler em português, autodidata que era, sendo ciando o surgimento de um novo personagem, hí-
por isso o seu melhor aluno. Mas a turma logo seria brido, fruto das relações coloniais.
desmontada e ele ficaria mais uma vez sem escola, de- Xitu continua analisando Kahitu, dizendo que,
dicando-se, então, a fazer parte da oficina de um velho mesmo paralítico, ele queria ter um lar, desposar
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uma mulher e ver se era ou não viril. Saki, a mais ainda no século XVIII, o então governador Fran-
independente das mulheres da aldeia, tornou-se cisco Inocêncio de Sousa Coutinho (1764-1772)
para ele também a mais atraente e a única a quem dizia que Angola era para aqueles que conseguissem
conseguiria contar os seus desejos. Depois de várias resistir às doenças causadas pelo clima da região e
investidas, viu os seios de Saki e, finalmente, tem para quem soubesse resistir aos cantos das cigarras,
com ela uma relação sexual, engravidando-a. De- as “sereias desses mares” (Pantoja, 1997).
pois disso, firmemente pressionada (com surras do Insone, Kahitu põe-se a questionar se o tri-
pai e conselhos de uma amiga), Saki resolve contar bunal de sobas formado tinha alguma autoridade
toda a verdade, de que teve uma relação sexual com moral para denunciá-lo, sobretudo porque ele, anos
Kahitu e a certeza de que estava esperando um fi- antes, tinha se interposto contra um velho que que-
lho dele e que esse filho seria consagrado à kituta. ria se casar com uma moça mais jovem e também
“O primeiro homem que conheci é o Kahitu, mas porque só viam nele alguma utilidade quando ne-
o fruto do meu ventre é de kituta, assim penso” cessitavam de um leitor ou escritor de cartas: “devo
(Xitu, 2004c, p. 136). ser julgado num Tribunal composto por feiticei-
O caos se instala dentro da sanzala, o feitiço ros, gatunos, velhacos, interesseiros, ingratos. Não,
surge, então, como um eixo que poderia explicar o não vou, ainda que tenha de ser arrastado” (Xitu,
porquê daquilo ter acontecido, pois poderia ser que 2004c, p.143). Para ele, se fosse julgado por um
não se tratasse de um “simples paralítico”, mas de chefe do posto, talvez assim aceitasse, mas, como
um “camuflado feiticeiro perigoso”, que usaria do tinha dificuldade de se locomover, não iria até essas
mbanze (uma espécie de amuleto usado no proces- autoridades coloniais “pedir justiça”. Assim, Kahitu
so de conquista) para seduzir as jovens da aldeia. O evidencia um contexto no qual não só os universos
feiticeiro era visto como o “terror da população”, religiosos estavam em confronto, mas também os
pois ele praticava sobretudo o “mal”, escondido e poderes administrativos estabelecidos, sabendo ma-
quase sempre à noite. Poderia se transformar em nejá-los de acordo com seus interesses e revelando
bicho, em coisa ou vegetal. Tornava-se feiticeiro seus diferentes pertencimentos:
através de uma ação extrema, ou seja, cometer in-
cesto, mesmo com a mãe, matar por feitiço um pa- Se de facto sou uma dos enviados da Kituta de
rente próximo etc. Tinha um coração de tamanho Kasadi, como dizia minha mãe, porra, alguma
grande, ou mesmo dois corações para assim poder vez na vida esta Kituta me ajudará. Lembro-me
caber neles o “quanto existe de pior”. Em Ilundo: quando novo e frequentava a Igreja e na cena
divindades e ritos angolanos, Ribas (1958) diz que as dos textos bíblicos que se referiam ao paralítico
ciências do kimbandeiro e do feiticeiro eram dife- eu gritava: “Jesus, filho de David, tenha mise-
rentes e não podiam ser todas elas designadas pelo ricórdia de mim!”. Houve momentos que sen-
nome de feitiço. Diz ainda que, enquanto o kim- tia a impressão de que os pés estavam a querer
banda praticava a umbanda, que significa a “arte de mexer-se. Mas fiquei desiludido, não obstante
curar” ou ainda “cerimônia ou prática ritual efetua- a fé, a fé que o mano Pedro, fanático, recomen-
da pelo quimbanda”, o feiticeiro praticava a uanga, dava. Textos de um passado e de um povo que
vista como “malefício”, “veneno ou droga nociva” a história registrou. Se tu és Kituta mesmo, ao
feito por um “ocultista”. menos que tenha pena de mim... (Xitu, 2004c,
Outra hipótese era de que Saki teria engravida- p. 144).
do de um “aleijado” como obra de um feitiço feito
pelos pretendentes rejeitados por ela. Para alguns No momento de grande angústia e confusão
membros da sanzala, a kituta viria defender Kahitu, mental, os repertórios em alcance são acionados (o
o que poderia ser provado pela existência de grande Kimbundu e o cristão), mas o que sobressai é o seu
número de cigarras, que, como “sereias estriden- pertencimento ao mundo tradicional. Nessa situa-
tes”, enchiam as árvores naquela manhã. A associa- ção confusa, ainda mais com as ofensas do pai de
ção das cigarras com sereias era comum em Angola; Saki, Kahitu pega debaixo de sua cama uma lati-
UNIVERSO MÍTICO-RELIGIOSO KIMBUNDU E …  11

nha com veneno de matar gafanhotos, visto existir Considerações finais


naquele momento uma praga, toma o seu conteú-
do, contorce-se de dor, e, mesmo depois de alguns Através da análise de Vozes na sanzala (Kahi-
vomitórios, não resiste e morre. Previsto para ser tu), percebemos que a articulação social da dife-
enterrado no mesmo dia, isso não ocorre devido a rença Kimbundu/português foi uma negociação
uma forte chuva que começara. complexa, em andamento, que procurou conferir
autoridade aos hibridismos culturais que emergi-
As árvores são sacudidas impiedosamente, os ram naquele momento de transformação histórica,
cabritos e ovelhas, do pasto, correm entre ber- ocasionada pela maior presença missionária e euro-
ros para os currais. Algumas casas de colmo peia, sendo tais hibridismos uma forma pela qual as
cobertas a capim são estapadas [?] e o capim pessoas daquele contexto lidaram com as mudanças
levado em reboliço nas alturas. Então, desaba modernas, muitas das quais traumáticas.
um aguaceiro forte acompanhado de vento e Na sanzala descrita por Xitu, conciliar visões
trovoadas aterradoras (Xitu, 2004c, p. 147). de mundo conflitantes, e até mesmo antagônicas,
fazia parte do processo geral de acomodação em
A chuva continuou, ameaçadora, com raios um contexto no qual os povos Kimbundu e por-
caindo e provocando incêndios em várias cabanas. tuguês se ligaram uns aos outros pela imposição
“As baixas transbordavam de água de forma tal que da situação colonial. Assim, podemos entender
nunca foi vista na sanzala”, além disso, “os raios de- as costuras e articulações da sanzala e do universo
senhavam figuras sinistras na noite profundamente mítico-religioso descrito por Xitu como um amplo
escura”, “a terra cheirava a pólvora” (Xitu, 2004c, processo de misturas e mestiçagens onde a manu-
p. 148). Estaria a kituta punindo a população local tenção de determinados elementos da cultura tradi-
pela morte do seu filho? “Seria o Kahitu ou a vin- cional Kimbundu funcionava como uma reação de
gança de Kahitu? Cochichavam aqueles que ainda sobrevivência e resistência a uma situação instável
tinham coragem de o fazer” (p. 148). Mas antes, e imprevisível devido à presença missionária e ao
pelos lados do Madimu e de Zenca do Golungo, o questionamento, mas também reafirmação, das an-
céu já estava carregado de grandes nuvens brancas, tigas tradições locais.
um prenúncio de que choveria fortemente dentro Ao fazer uso dos saberes tradicionais (o ferreiro)
de alguns dias. Como explicar aquelas chuvas? Vin- e do novo/moderno (a escola), Kahitu revela-se ca-
gança da kituta ou uma precipitação natural? São paz de entender os mecanismos detentores de força e
essas as questões postas pelo narrador/Xitu. valor presentes naquele novo universo social, saben-
Naquela situação, os maiores kimbandas da do fazer o uso correto deles; por essa razão, naquela
região se reuniram para uma sessão de magia. Vi- situação desigual com maior poder dos saberes oci-
sando atrair os raios, fizeram encantamentos, pre- dentais, a escola era mais atraente do que a profissão
ces, cantos, espalharam grãos de milho ao chão. de ferreiro.
Os raios diminuíram, mas a chuva continuou tor- Por outro lado, a cultura Kimbundu, em situ-
rencial. E, nesse cenário, a “vingança da kituta” fez ações de contato (e de subordinação) com o uni-
uma vítima, Saki, justamente aquela com quem verso europeu, não se perdeu, mas adquiriu uma
Kahitu tivera a relação, que perde o filho; “o maior nova função, a de acentuar o pertencimento e a
estrondo do tempo que ensurdece, reboa, reboa, re- identidade dos membros da aldeia. Assim, se o cul-
boa; fulminou casas, passou pelo quarto da Saki, to aos gênios da natureza, as crenças nos kilambas e
que é atirada à distância da cama, jazendo ao chão kimbandas e a leitura do mundo visível e invisível
com uma abundante hemorragia vaginal” (Xitu, como integrados se tornaram algo residual, e sujei-
2004c, p. 148). Mais três pessoas também foram tos a um amplo processo de hibridismo, mistura e
atingidas pelos raios, e só no terceiro dia é que mestiçagem, mantiveram-se, por outro lado, irre-
Kahitu foi enterrado. dutíveis, inegociáveis dentro da sanzala.
A sanzala sofreu por anos os efeitos da chuva.
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Notas CARVALHO, Ruy Duarte de. (1989), Ana e Man-


da os filhos da rede – identidade coletiva, cria-
1 Desde, pelo menos, o século XVI, os povos vizinhos tividade social e produção da diferença cultural:
do Kongo, que mantiveram uma relação de conflito um caso muxiluanda. Lisboa, IICT.
e dominação sobre os Kimbundu, designavam esse _____. (2008), “Para a definição de uma área só-
povo de ambundo (ambundu ou mbundu), que sig- cio-cultural Ambundu”, in _____, A câmara, a
nificava “negro”, “escravo” e/ou “selvagem”. A junção
escrita e a coisa dita..., Lisboa, Cotovia.
ambundo-quimbundo, feita também pelos portu-
gueses, ainda muito usual na historiografia brasileira
CASTRO GOMES, Angela de & HANSEN, Pa-
sobre o tema, significa “negro/escravo/selvagem que trícia Santos. (2016), Intelectuais mediadores:
falam quimbundo”. Em grande parte, essa definição já práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro,
presente em documentos do século XVI, foi reiterada Civilização Brasileira.
e amplamente divulgada pelo etnólogo José Redinha COELHO, Virgílio. (2010), Os túmúndòngò, os
(1975), que, com sua extensa produção sobre os gru- “gênios” da natureza e o kilámba: estudos sobre
pos étnicos angolanos, serve até hoje como a principal a sociedade e a cultura quimbundo. Luanda, Ki-
referência para denominar, a nosso ver erroneamente, lombelombe.
os povos dessa região. Essas informações se baseiam _____. “Imagens, símbolos e representações –
em Ruy Carvalho (2008). Preferimos seguir as suges-
quiandas, quitutas, sereias!: imaginários locais,
tões dadas por Virgílio Coelho (2010) e por Maria da
Conceição Neto (2003), que utilizam em seus textos
identidades regionais e alteridades: reflexões
sempre a expressão falantes de Kimbundu. sobre o quotidiano urbano luandense na pu-
blicidade e no universo do marketing”. NGO-
2 De acordo com Manuela Carneiro da Cunha, “a cul-
tura original de um grupo étnico, na diáspora ou em LA – Revista de Estudos Sociais (ASA). 1 (1):
situações de intenso contato, não se perde ou se funde 127-192.
simplesmente, mas adquire uma nova função, essen- CONCEIÇÃO, Simone Ribeiro. (2010), “Mis-
cial e que se acresce às outras, enquanto se torna cul- sossos e makas: o inventário dos costumes an-
tura de contraste: este novo princípio que a subtende, golanos na escrita de Óscar Ribas e Uanhenga
a do contraste, determina vários processos” (Carneiro Xitu”, in A. Vieira et al., África: passado e pre-
da Cunha, 1986, p. 99). Assim sendo, essa cultura sente. Niterói, EdUFF.
original se acentua, se torna mais visível, mas também CONCEIÇÃO NETO, Maria. (2003), “Breve intro-
mais simples e rígida.
dução histórica”, in M. C. Medina, Processos polí-
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UNIVERSO MÍTICO-RELIGIOSO KIMBUNDU MYTHICAL- L’UNIVERS MYTHIQUE-


KIMBUNDU E TRÂNSITOS RELIGIOUS UNIVERSE AND RELIGIEUX KIMBUNDU ET LES
CULTURAIS EM UANHENGA CULTURAL TRANSITIONS IN ÉCHANGES CULTURELS DE
XITU UANHENGA XITU WANYENGA XITU

Washington Santos Nascimento Washington Santos Nascimento Washington Santos Nascimento

Palavras-chave: Kimbundu; Universo Keywords: Kimbundu; Mythical-reli- Mots-clés: Kimbundu; Univers


mítico-religioso; Uanhenga Xitu; Memó- gious universe; Uanhenga Xitu; Memo- mythique-religieux; Uanhenga Xitu;
ria; Literatura. ry; Literature. Mémoire; Littérature.

Este artigo tem por propósito fazer uma This article aims to make a discussion of Cet article propose une discussion sur
discussão sobre o universo mítico-religio- Kimbundu mythical-religious universe l’univers mythique et religieux Kim-
so Kimbundu (sobretudo os gênios da (especially the expert of nature and the bundu (en particulier les esprits de la
natureza e sacerdotes), de fins do século priests), from the late nineteenth to mid- nature et les prêtres), de la fin du XIXe
XIX até meados do século XX. Para tan- twentieth century. I will make this dis- siècle jusqu’au milieu du XXe siècle. Pour
to, analisaremos a obra Vozes na sanzala: cussion through the analysis of the work cela, nous examinerons l’œuvre Vozes na
Kahitu, do escritor angolano Wanyenga Voices in sanzala: Kahitu by the Angolan sanzala: Kahitu de l’écrivain angolien
Xitu (Uanhenga Xitu, na versão apor- writer Wanyenga Xitu (Uanhenga Xitu Wanyenga Xitu (Uanhenga Xitu, suivant
tuguesada), entendida enquanto uma in Portuguese) that is understood as a la version portugaise), comprise comme
memória social dos AkwaKimbundu, social memory of AkwaKimbundu, thus une mémoire sociale des AkwaKimbun-
procurando, desta forma, discutir os pro- seeking to discuss the processes of mix- du, qui se propose de discuter les proces-
cessos de misturas, mestiçagens e perten- tures, miscegenation and belongings. sus de mélanges, de métissages et d’ap-
cimentos. partenance.

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