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de Brecht
A ALMA BOA DE SETSUAN
peça em dois atos
ou 3 fôlegos...
ENTRA WANG.
WANG - /PARA O PÚBLICO/ Boa noite, senhores, senhoras, o nome desta cidade é Setsuan, e eu sou o
aguadeiro, profissão dura, como aliás qualquer outra:
se a água é abundante, ninguém quer comprá-la; se o tempo é de seca, vai ser preciso buscá-la longe...
Mas tudo isso agora vai mudar. Segundo informações seguras, que recebi de um andarilho louco com
quem cruzei numa longa estrada cheia de vento,
Estão para chegar aqui - Senhores! Senhoras! OS DEUSES! Não aguentando mais tanta lamentação.
Decidiram finalmente visitar a terra,começando por Setsuan.
/ENTRAM OS DEUSES/ SÃO 3 E VÊM MUITO BEM VESTIDOS, DOURADOS COMO O SOL/
WANG - /VOLTANDO-SE/ Ora essa! O Sr. Fu saiu um momento e os empregados dele não quiseram
atender. Ficaram com medo de ser um assaltante, perdão, diviníssimos - já volto - ali é a casa da viúva
Su... /VAI/
VAI.
PORTA BATE, MAIS FORTE AINDA.
WANG - /LÍVIDO/ Sr. Cheng pediu para explicar que está com a casa cheia de gente de família, que veio
visitar e que ele não aguenta mais, que nem ele está cabendo lá dentro. Impressionante. /PARA O
PÚBLICO/ Essa gente, só porque tem arroz todo dia na mesa, não tem mêdo de dizer não nem pros
deuses. Que faço agora? /PARA OS DEUSES/ Diviníssimos, vou bater em outras portas! Todos os
outros certamente chorarão de alegria por poder vos abrigar...
Eu é que dei azar. /SAI/
DEUS 3 - (DESESPERADO) Azar em Kuan, depois em Chun, depois em Tobun, agora em Setsuan! Não
há quem queira abrigar ninguém, nem a nós que viemos do céu. O mundo está perdido , nossa missão
fracassou! Impossível negar as evidências, mesmo sendo um Deus.
DEUS 2 - Mas nossa missão não pode fracassar, sabemos disso muito bem. É preciso procurar mais...
DEUS 3 - Não encontraremos...
DEUS 1 - /REVELANDO A MISSÃO, PARA O PÚBLICO/ ...uma alma boa! Segundo nossas instruções
superiores! “O mundo somente continuará sendo o mundo se pudermos encontrar duas ou três almas
boas, gente que leve uma existência bela e digna”.
DEUS 3 - Talvez esse aguadeiro seja uma.
DEUS 2 - Fundo falso no copo. Olhem o copo em que eles nos deu água. Fundo falso para encher com
menos água, é apenas mais um desonesto.
DEUS 3 - Tinha cara de alma boa.
WANG - ...Senhor, perdão de estar lhe dirigindo assim a palavra, sou um reles aguadeiro, mas é que
chegaram a Setsuan 3 Deuses, que são esperados por aqui há milênios e eles precisam de hospedagem -
olhe para mim, estou falando com o senhor...
PASSANTE 1 - Hoje em dia a gente não sabe quem bota em casa.
WANG - Basta olhar, são deuses! Olhe! Porque não olha?! Aproveite, talvez nunca mais lhe volte essa
oportunidade...
O PASSANTE PASSA.
CRUZA OUTRO PASSANTE , WANG VAI ATRÁS
WANG - ... Senhor, seja o primeiro a acolhê-los, caso contrário outros o farão e só Deus sabe com que
recompensa. Eu por mim não quero comissão, temo apenas o castigo...
PASSANTE 2 - /PARANDO/ ... caro concidadão, eu gostaria de ajudar, mas não posso. Quando se
hospeda, se gasta dinheiro, e ando atualmente sem nenhum, não vê?
E VAI EMBORA.
WANG - Não me faça repetir a história e acredite se quiser. Os deuses estão ali na esquina, perto do
monte de lixo. E querem pousada e ninguém quer dar, cada um com sua preocupação, não conseguem
nem reconhecê-los, nem ver sua luz!E os deuses andaram muito, têm os pés cansados, não estão
habituados a andar como eu com este peso nas costas.Enfim, querem pousada por esta noite, posso
oferecer-lhes seu quarto?
CHEN TÊ - Que devo fazer para merecer tanto? Diga: o que for preciso, faço. Darei tudo que tenho
para ver os deuses de perto.
WANG – Primeiro, tenha calma. Que no momento teus desejos são bem fáceis de satisfazer. Vou buscá-
los.
CHEN TÊ - Eu tinha encontro com um freguês, que não quero perder, pois nem eles andam fáceis hoje
em dia.Mas me escondo, finjo que não estou, ou melhor, deixo um bilhete dizendo que tive de viajar. E
ainda bem que foi hoje, porque amanhã, se eu não pagar o aluguel, vão me botar para fora do quarto, e
dinheiro amanhã não vou ter mesmo, agora então...
SAI AO ENCONTRO DOS DEUSES.
LUZES SE APAGAM PARA LOGO ACENDER
DEUSES - Virtuosa CHEN TÊ, obrigado pela acolhida. Não esqueceremos que foi você quem nos deu
seu quarto.
CHEN TÊ - Não sou virtuosa. Confesso que tive dúvidas quando o aguadeiro me chamou.
DEUSES - Dúvidas fazem parte de uma decisão acertada. Você nos deu mais que um lugar de descanso.
Deu-nos a certeza de uma coisa que já tem muito Deus duvida: a existência de uma alma boa. Continue
assim, e até a próxima!
VOLTAM-SE PARA SAIR
CHEN TÊ - Divinos! Não sei se minha alma é boa! Eu gostaria que fosse,mas como eu faria para pagar
o aluguel do quarto?Assim é que me vendo, para poder viver, e assim mesmo não consigo pagar meu
sustento, porque há outras como eu, aqui mesmo em Setsuan, vendendo a mesma coisa.
Estou sempre disposta a qualquer esforço ou sacrifício, mas nesses tempos que correm quem não está?
Eu gostaria - oh, como gostaria - de honrar os mais velhos, não ter inveja de ninguém por mais rico que
seja, sempre dizer a verdade, proteger e jamais tirar nada de ninguém que precisasse... Mas como fazer
tudo isso e ao mesmo tempo continuar viva?
DEUSES - São dúvidas típicas de uma alma boa pensante. Não se preocupe com elas.
VOLTAM -SE PARA SAIR.
DEUSES - E mais que tudo e sempre, seja boa, sempre boa!
CHEN TE - /BARRANDO-LHES A SAÍDA/ Mas como posso ser boa no preço que estão as coisas?
OS DEUSES HESITAM UM INSTANTE, DEPOIS TENTAM SAIR PELO OUTRO LADO.
CHEN TE - Altíssimos! Ajudai-me...
OS DEUSES CONFABULAM.
DEUS 1 - Se ela tivesse um pouco mais de dinheiro, talvez pudesse mudar de vida um pouco mais cedo.
DEUS 2 - Mas que podemos fazer? O céu não dá gorjetas.
DEUS 3 - Por que não?
DEUS 1 - /INDO A CHEN TÊ/ Queremos recompensá-la, minha filha. E nem a nossa divina inteligência
consegue imaginar um outro modo de fazer isso, nesta pobre cidade.
CADA DEUS TIRA DO BOLSO UMA NOTA E DÁ PARA CHEN TÊ.
DEUSES - Faça bom uso... e adeus!
FIM DO PRÓLOGO
CHEN TÊ - /PARA A PLATÉIA/ Faz três dias que partiram os deuses e quando olhei para a palma da
minha mão lá estavam... 1.500 dólares. Três notas novinhas de 500, com as quais comprei esta tabacaria,
onde pretendo ganhar a vida como comerciante e fazer o bem a muita gente!Por exemplo, para a
senhora Chin, que justamente era a proprietária anterior desta loja e que ontem me pediu uma tigela de
arroz para as crianças.
ENTRA A SENHORA CHIN, COM A TIGELA VAZIA.
RETIRA-SE INDIGNADA
2.
ENTRAM O VELHO,
A VELHA
E O SOBRINHO
VELHA - Boa Chen Tê! Veja o que é a sorte: tão humilde e agora uma mulher de negócios.
Enquanto nós nos tornamo-nos mendigos... Percebendo isso, tivemos o atrevimento de perguntar se não
podemos passar aqui pelo menos esta noite: o sobrinho veio também, não desgruda de nós.
CHEN TÊ - Podem. Podem! /INDO AO PÚBLICO/ Quando cheguei da terra onde nasci, estes foram
meus primeiros senhorios! No momento em que acabou o pouco dinheiro que eu trouxe, me botaram no
olho da rua. Depois ficaram pobres, por isso estão nervosos, com medo que eu faça o mesmo que me
fizeram. Mas não farei! A sorte já os castigou! /PARA ELES/ Podem ficar aqui, o prazer é meu, tenho um
quartinho pequeno nos fundos...
SOBRINHO - Um quartinho pequeno para nós chega, não somos muitos.
VELHA - /ENQUANTO CHEN TÊ TRAZ UM CHÁ/ Nos fundos é melhor, atrapalha menos.
Você comprou esta tabacaria por que? Para lembrar daquela primeira bela casa em que esteve?
VELHO-Podemos lhe dar bons conselhos, minha filha, foi também por isso que viemos cá.
CHEN TÊ - Eu espero que também venham os fregueses.
3.
ENTRA UM DESEMPREGADO,
CHEN TÊ JULGA QUE É UM FREGUÊS.
CHEN TÊ - /COLOCADO-SE POR TRÁS DO BALCÃO/ Pois não o que deseja?
DESEMPREGADO - /EM TOM DE CONFIDÊNCIA/ Me desculpe, não vim comprar: estou
desempregado. E como ouvi falar que a senhorita abre a loja amanhã, pensei que talvez no abrir dos
embrulhos de mercadoria, pudesse ter algum fumo estragado, um cigarrinho, assim, sobrando - não?
VELHA - Pedir cigarros como quem pede pão - essa é boa!
DESEMPREGADO - Pão é mais caro. E os cigarros me passam a fome. Estou desempregado.
CHEN TÊ - /DANDO CIGARROS/ O importante é sentir-se bem. Tome, com o senhor inauguro minha
loja, vou ter sorte assim.
O DESEMPREGADO ACENDE RÁPIDO E SAI TOSSINDO.
O SOBRINHO RI
VELHA - Querida, você acha que agiu certo?
VELHO - Assim a loja não vai adiante. Se tivesse cobrado algum, mesmo baratinho, tinha recebido. Esse
adora fumar e aposto como ainda tinha algum no bolso.
CHEN TÊ - Não, não tinha!
VELHA - Ela não gosta de dizer “não”. Vai ter de aprender, se quiser ficar com a loja.
CHEN TÊ - Mas como negar a quem necessita tanto?
VELHO - É embaraçoso, sem dúvida. Mas você sempre pode dizer que a loja não é sua.
CHEN TÊ - Como assim?
SOBRINHO - Que é de um primo, pronto, de um primo a quem há que prestar contas..
4.
ENTRA O CARPINTEIRO,
FURIOSO, APONTANDO COM O DEDO.
CARPINTEIRO - Pronto, encontrei! É você a nova dona da tabacaria, aí com as prateleiras cheias? Pois
bem, não são suas, as prateleiras. A menos que me pague o serviço que aquela vagabunda que estava
aqui não pagou. Sou o carpinteiro.
CHEN TÊ - Perdão, eu não sabia. A senhora Chin me vendeu tudo...
CARPINTEIRO - Soubesse! Eu é que daqui não saio sem meus cem dólares de prata, preço do serviço,
ou não me chamo Lin to!
CHEN TÊ - Não tenho mais dinheiro.
CARPINTEIRO - Tivesse! Ou paga ou vai tudo a leilão!
VELHO - /RINDO, PARA CHEN TÊ/ O primo...
SOBRINHO RI
CHEN TÊ - Talvez no mês que vem...
CARPINTEIRO - Já o leilão /TIRANDO UMA PRATELEIRA/ Ou senão levo meu material. Pobre por
pobre também sou e minhas despesas não esperam um mês.
VELHO - O primo!
VELHA - Um momento, meu senhor, a senhorita não pode lhe pagar porque não é ela que trata dos
pagamentos e sim seu primo. Apresente por escrito uma nota dos serviços e ele lhe pagará.
CARPINTEIRO - Como posso ter certeza disso?
VELHO - Conheço o primo da senhorita Chen Tê. Tem posses e é muito sério. Mas faça as contas direito
que ele examina tudo!
CARPINTEIRO - Farei. Pelo menos é uma chance de receber. /COMEÇA A FAZER A CONTA/.
5.
ENTRA UM HOMEM CAPENGA E UMA MULHER GRÁVIDA:
IRMÃO E CUNHADA.
CHEN TÊ - /VENDO SUA APARÊNCIA ESFARRAPADA/ Sejam bem vindos!
VELHA - /ENCABULADA/ Minha cunhada e meu irmão Wung. A cunhada está no quinto mês.
IRMÃO - Que boa família esta, hem? Vêm pro bem bom e nos deixam em pé feito estátuas na poeira da
estrada!
VELHA - Cala esta boca suja e sentem aí no canto que é pra não incomodar nossa velha amiga nobre
Chen Tê! Há cobertores ali no fundo e obrigado por receber os dois, querida. Não tinham mesmo para
onde ir.
CHEN TÊ - Um momento, eu não disse que podiam ficar.
6.
ENTRA SENHORA MI TSU, PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL, COM UM DOCUMENTO NA MÃO.
MI TSU - Cidadã Chen Tê, sou a senhora Mi Tsu, proprietária deste imóvel. Espero que não sejam
criadas dificuldades maiores do que já foram, posto que aqui está o contrato da locação, devidamente
assinado pela locatária anterior, que, diga-se em todas as palavras, não tinha o direito de sublocar! Mas
enfim, como são sempre bem vindos novos empreendimentos comerciais a nossa cidadezinha, devendo
ser respeitada a iniciativa privada, a senhorita ou senhora - não sei nem me interessa - poderá ficar se
apresentar referências idôneas.
CHEN TÊ - Não sabia nem que era uma loja alugada, não entendo ainda de negócios.
MI TSU - Isto é mal.
CHEN TÊ - Quanto às referências... é mesmo necessário?
MI TSU - Ora, minha senhora, eu não lhe conheço!
VELHO - Podemos nos oferecer como fiadores. É nossa conhecida desde que chegou à cidade.
MI TSU - Quem é o senhor?
VELHO - Ma Fu, negociante de fumo.
MI TSU - Onde fica sua loja?
VELHO - Foi à falência.
MI TSU - /A CHEN TÊ/ E a senhorita não conhece mais ninguém que possa se responsabilizar. Sem
fiadores, não há contrato.
VELHA - /SEGREDANDO/ O primo, o primo...
CHEN TÊ - Responsabilizar-se por que?
MI TSU - Esta é uma casa de muito respeito, queridinha, como aliás todos os meus imóveis. Sem alguém
respeitável por trás do negócio, terei de botar-lhe na rua com toda a mercadoria, que aliás é pouca.
CHEN TÊ - /SEM SAÍDA,NUM IMPULSO FIRME/ O primo! Meu primo! Eu tenho um primo!
7.
A SENHORA MI TSU CRUZA COM
O AVÔ, HOMEM DE BARBAS LONGAS,
QUE VEM ACOMPANHADO E GUIADO PELO SOBRINHO.
CHEN TÊ SAI
VELHA- Já está tudo organizado: durante o dia os jovens saem pra ver o que a sorte oferece, e ficamos
somente o avô, que não está mais para andanças, a cunhada grávida e eu. Se quiserem vir visitar-nos
durante o dia é somente uma vez ou duas . /PARA A FAMÍLIA/ Agora acendam o lampião e estejam à
vontade.
1.
2.
ENTRA O CARPINTEIRO, DISPOSTO A RESOLVER SEU ASSUNTO
CARPINTEIRO - Estou vendo que o senhor é caprichoso na arrumação dos pertences de sua prima.
Então deve ter visto a conta que lhe deixei, que já está atrasadíssima: é só cem.
CHUI TA - Cem o quê?
CARPINTEIRO - Cem dólares de prata, não sabe ler?
CHUI TA - Poderia fazer a fineza de repetir esta quantia em alto e bom som?
CARPINTEIRO - Cem dólares de prata!!!!
CHUI TA - Esta é a quantia que o senhor está cobrando? É muito.
CARPINTEIRO - Não posso fazer por menos. Tenho mulher e filhos.
CHUI TA - Quantos filhos?
CARPINTEIRO - Quatro.
CHUI TA - Vinte dólares eu pago.
O VELHO RI
CARPINTEIRO - O senhor ficou maluco, ou está zombando de mim. São prateleiras de carvalho.
VELHA - Assim é divertido!
CARPINTEIRO - Quero voltar a tratar com a senhorita, Chen Tê, que evidentemente é uma pessoa mais
razoável que o senhor.
CHUI TA - Com certeza: foi à falência... Pode ficar com suas prateleiras.
CARPINTEIRO - Como assim?
CHUI TA - São boas demais para mim. Leve de volta suas prateleiras de carvalho, por favor...
CARPINTEIRO - /LEVANDO UMA PRATELEIRA, FURIOSO/ E o fumo fica amontoado no chão, é meu
direito.
CHUI TA - Sem dúvida! /PARA O VELHO E A VELHA/ Ajudem aqui...
E COMEÇAM A ESVAZIAR AS PRATELEIRAS
CARPINTEIRO - Seu miserável! E minha família, vai comer o quê?
CHUI TA - Mais uma vez, eu lhe ofereço vinte dólares, que é para não ficar com mercadoria no chão,
nem prejudicar seus filhos.
CARPINTEIRO - Cem dólares!
CHUI TA - /COM UM SORRISO/ Vinte, no máximo.
O VELHO ALEGREMENTE ESTÁ PONDO AS PRATELEIRAS PARA FORA.
CARPINTEIRO - Pare com isso! Onde é que vou botar esse troço? As tábuas estão cortadas, só cabem
aí!
VELHA SE DIVERTE MUITO.
CARPINTEIRO - Já estou falando o que não devia... o senhor fica com as prateleiras e o paga o que
puder pagar. Qual é o máximo que o senhor pode oferecer, eu aceito!
CHUI TA - Vinte dólares de prata. /JOGA MOEDAS SOBRE A MESA/
CARPINTEIRO - /DEPOIS DE UM MOMENTO PEGA AS MOEDAS/ Que seja, tão tenho escolha.
Talvez dê para comprar uma garrafa... /SAI/.
3.
VELHO - Bravo, senhor Chui Ta, assim é que se fala com essa gentinha, ele estava explorando a pobre
Chen Tê...
CHUI TA - Ladrões e parasitas.
VELHO - Como?
CHUI TA - Refiro-me a vocês. Saiam daqui depressa, enquanto podem sair! /ESTALA O CHICOTE/
FORA!!
VELHO - Melhor ir mesmo, que de barriga vazia não se reclama, eu só queria saber cadê o sobrinho
com os pastéis...
CHUI TA - Não se preocupe, quando chegar também boto pra fora, não quero objetos roubados na
minha loja. Ah, não querem sair. Como preferirem. /FALANDO PARA FORA/ Meu caro senhor, desde
que a loja abriu esperava a honra de sua visita /REVERÊNCIA/
CHUI TA - Creio que tenho diante de mim ninguém mais, ninguém menos, que o guarda deste bairro.
Muito prazer: Chui Ta, comerciante de fumo, sempre disposto a colaborar com as autoridades. Aceita
um charuto?
VELHA - /PARA O VELHO/ Se o menino chega agora, estamos perdidos
GUARDA - /VENDO OS VELHOS/ Esses quem são?
CHUI TA - Hóspedes. Em fim de estadia.
VELHA - Já estávamos mesmo nos despedindo.
SÚBITO, VOZES DE FORA: “LADRÃO! LADRÃO! PEGA LADRÃO! PEGA!”
GUARDA - Que significa isso, posso saber? /PEGANDO OS PÃES/ Roubo, sem dúvida. Quem é esse
menino?
MENINO - Sou neto deles!
GUARDA - Ah, é? Então todo mundo para o xadrez.
CHUI TA - Muito bem dito. Estou indignado, ladrões dentro da minha loja! /CHIBATEIA O MENINO/ E
esses que entraram pedindo uma tigela de arroz...
GUARDA - Hoje em dia não se deixa entrar ninguém em casa sem antes pedir os documentos, escute bem
isso, o senhor que é novo no bairro.
CHUI TA - Aprendi para sempre.
GUARDA - O senhor entende que é meu dever levar esta gentinha presa.
CHUI TA - Nem poderia ser de outro modo. Outro charuto, por favor, para a viagem.
GUARDA - /PARA OS OUTROS/ Na minha frente, em fila, com as mãos atrás da nuca. /PARA CHUI TA/
E obrigado pela eficiente colaboração.
CHUI TA - Bom dia!
SAEM TODOS, MENOS CHUI TA.
1.
ENTRA A SENHOR A MI TSU.
MI TSU - Então chegou o famoso primo! E já começaram as confusões, roubos dentro da minha casa. O
que não é de admirar, sendo sua prima, como direi, uma mulher que não é digna de todos os respeitos,
uma senhora que...
CHUI TA - Por obséquio, senhora proprietária, nada de meios termos, o tempo não é para perder. Minha
prima é uma prostituta, mas não deve ser mal sucedida como profissional, caso contrário não teria tido
dinheiro para comprar o estabelecimento, não é verdade?
MI TSU - Isto é bem observado.
CHUI TA - /TIRANDO UM CONTRATO DE UMA MESA/ Pelo que vejo neste contrato, o aluguel é
bastante caro. A senhora pretende receber mensalmente...
MI TSU - Não no caso da sua prima. Se quiser ficar, tem de por na minha mão seis meses adiantados,
nem menos um tostão. Não sou tolerante, mas tenho de levar certos fatores em consideração: duzentos
dólares de prata ou rua.
CHUI TA - /EMPALIDECENDO COMO CHEN TÊ/ Duzentos? Mas isso é um absurdo, é demais uma
extorsão, mais caro que a mercadoria e a instalação - onde vou arranjar tanto dinheiro?
/CONTROLANDO-SE/ Senhora Mi Tsu, raciocine comigo. Não é possível fazer negócios milionários
neste lado de Setsuan. Os melhores fregueses serão, no máximo, as mulheres que costuram os sacos na
fábrica de cimento, que segundo consta, fumam muito para se distrair do trabalho árduo. Mas elas
ganham pouco!
MI TSU - Pensasse nisto antes.
CHUI TA - E minha prima tem vantagens como inquilina.
MI TSU - Quais?
CHUI TA - Sendo uma mulher da vida, conhece o lado mais negro das coisas, a lama, digamos assim.
Portanto vai fazer tudo que for preciso para lhe pagar o aluguel pontualmente e não ter de voltar para
lá. Se for preciso trabalhará muitas noites sem dormir, ficará com as mãos doídas e as pernas quebradas
para manter o aluguel em dia! Por outro lado, conhecendo a lama, saberá ser sempre humilde e
submissa, como sabem ser os de lá. Olhe, uma inquilina assim vale... ouro!
MI TSU - Isto é bem observado.
CHUI TA - E então?
MI TSU - Duzentos dólares de prata ou rua.
SAI.
2.
ENTRA PELO OUTRO LADO O GUARDA.
GUARDA - Senhor Chui Ta, tenho pena de ver um homem como o senhor envolvido em dificuldades de
aluguel, conheço os proprietários, também moro em casa alugada. Deviam ser todos presos, são uns
exploradores. Nós, da autoridade pública, sabemos reconhecer num relance gente boa como o senhor,
com quem se pode contar. Aliás, passei de novo por aqui. Em nome da Polícia, para apresentar nossos
agradecimentos.
CHUI TA - Sou eu que agradeço. O senhor fuma?
CHUI TA - Constato mais uma vez que nesta dura vida tudo que um homem precisa é de bons amigos.
Confesso que estava no fundo das minhas forças, com todas as preocupações que este mundo moderno
nos impõe. Pois um homem cava a solução para seu problema até tirar sangue das mãos. Chegam
amigos, dão um conselho e resolvem tudo: um marido é o que me faltava.
.
(falta um trecho da descrição aqui)
MI TSU-
SEGUNDA PARTE!
Amor,amor, amor!
Uma vez definido perfeitamente o perfil socioeconômico da prostituta,um dado novo tão antigo
quanto difícil de equacionar- O AMOR, OAMOR, OAMOR!-complica ainda mais sua luta pela virtude.
Então vejamos.
SOBRINHA – É, que tipo esquisito! Não quer vir pra moita comigo, ô bonitão?
SUN - Podia até ser, senhoras... se vocês me comprassem alguma coisa pra comer.
PROSTITUTA - Vamos embora, que desse daí não sai nada: é um aviador desempregado.
SOBRINHA - Hoje não tem mais freguês na rua, vai cair uma chuva...
PROSTITUTA - Vamos tentar.
TROVEJA
SAEM
SUN - Putas!
CHEN TÊ - Mas porque odiá-las assim? /VÊ A CORDA QUE SUN JOGOU POR CIMA DE UM GALHO
DA ÁRVORE/ Oh!
SUN - Você fica engraçada quando se espanta!
CHEN TÊ - Pra que essa corda?
SUN - Vá ciscando, junto com as outras! Dinheiro não tenho pra lhe dar, nem uma moeda. Se tivesse não
dava, comprava um copo d’água.
TROVEJA
CHEN TÊ - Pra que essa corda?
SUN - Não é da sua conta! Fora!
CHEN TÊ - Vai chover muito.
SUN - E não pense que vai ficar debaixo da minha árvore.
CHEN TÊ - /DE LONGE/ Não, fico aqui.
SUN - Irmãzinha, que houve? Foi com a minha cara? Não adianta que não vai conseguir nada. Hoje não
estou pra essas coisas e sim para outras.
TROVEJA
CHEN TÊ - Pra que essa corda?
SUN - Eu sou um aviador, sabe o que é isso?
CHEN TÊ - Já vi alguns, na casa de chá.
SUN - Voce nunca viu viu nenhum aviador. Talvez uns imbecis com capacete de couro, sem ouvido para
motores. Só conseguem voar se pagarem o gerente do hangar. Diga a qualquer um deles: “Rapaz. deixa
o avião mergulhar, a dois mil metros de altura, depois sai da queda com um golpe no manchão”!
Eles vão dizer que não faz parte do contrato. Não são aviadores.Um aviador quando pousa seu avião, é
como se botasse a própria bunda no chão! Mas eu também sou um imbecil, como eles: na escola de
Pequim, li todos os manuais de aviação, mas pulei uma página, aquela que diz que eles não precisam
mais de aviadores... Fiquei sendo um aviador sem avião... mas tudo isso é complicado para você
entender...E pare de chorar!
CHEN TÊ - Desculpa
SUN -. Se você acha que eu vou deixar de me matar, porque você está aí me olhando calada, engana-se.
CHEN TÊ - Não tenho nada pra dizer.
SUN - Então, companheira, faz favor, vai embora. .
TROVÃO E RELÂMPAGO.SUN PENDURA A CORDA E EXPERIMENTA A FIRMEZA.
CHEN TÊ - /INDO AO PÚBLICO/ Horror! Deve estar assim por causa do temporal que vem aí.
Em Setsuan não deveria haver raios no céu, nem rios, nem pontes sobre os rios, nem hora do entardecer,
nem frio, nem calor... tudo isso é muito perigoso! Quando um homem vive na miséria, por qualquer
coisinha desiste e se amarra pelo pescoço.
CHEN - Apesar da pobreza, ainda existe em Setsuan muita gente boa. Quando eu era menina e
carregava um feixe de lenha maior que eu, um dia levei um tombo. Um velho me levantou e ainda me deu
uma moeda. Ele era pobre também.
TROVÃO
CHEN-Às vezes... as pessoas gostam de ser boas, se pudessem, eram boas o tempo todo. A maldade é um
defeito, uma pobreza. Quando alguém faz alguma coisa de útil... canta uma canção, planta arroz ou
conserta um motor... está sendo bom...
SUN - Irmãzinha, você me agrada, de tão boba. É que há dois dias que eu não como e há um que não
bebo água. Senão fazia amor com você.
.
O CENÁRIO É AGORA A PRAÇA EM FRENTE À TABACARIA.
EM CENA: A CUNHADA ,O AVÔ, A SENHORA CHIN E O SOBRINHO.
SAI DA BARBEARIA WANG, O AGUADEIRO, SENDO AMEAÇADO PELO SENHOR CHU FU, O
GORDO BARBEIRO DE SETSUAN.
CHU FU - Já te disse dez vezes para não incomodar meus fregueses com essa tua água suja!
WANG - Eu só estava tentando vender...
CHU FU - Um homem não consegue mais impedir que sua loja seja invadida pelos vagabundos...
WANG - Sou um trabalhador: me devolva meu caneco!
CHU FU - Toma, para aprender! Agora pega teu caneco! /JOGA/ ENTRA PARA A BARBEARIA/.
SOBRINHO- /PEGANDO NO CHÃO O CANECO/ Bateu com maldade esse filho da puta. Se fosse você,
eu chamava a polícia...
WANG - /COM MUITA DOR/ Acho que quebrou algum osso. /MOSTRANDO/ Dói muito e não mexe...
SENHORA CHIN - Quebrada. Eu te garanto. Coitado. Põe água, que pelo menos não te custa nada.
CHEN TÊ- Verde, azul, anil, amarelo, rosa, carmim e vermelho.Violeta, branco e azul.
Estas foram as cores que vim vendo pela estrada neste amanhecer magnífico.
Vi também pessoas, que acordaram cedo e caminhavam em direção ao trabalho.
Aqui e ali havia sorrisos em seus rostos. Deus meu, como a vida é bela!
E quando alguém se apaixona, percebe isso com tanta clareza!
Foi assim que vim pensando e sentindo durante todo o caminho que me trouxe da casa de Sun, meu
amado Sun, até aqui, a esta praça!
NA PORTA DA BARBEARIA SURGE CHU FU, QUE SEM DESPERCEBIDO, OLHAVA A CENA.
AO MESMO TEMPO, NA PORTA DA TAPEÇARIA, SURGEM O TAPECEIRO E A TAPECEIRA,UM
CASAL IDOSO. TRAZEM SEU BALCÃO.
CHU FU - /APAIXONADO/ Como é simpática esta senhorita Chen Tê! Tão bonita! Vejam, me faz até
esquecer os aborrecimentos! Hoje, então.../PARA A PLATEIA/ Bom dia, bom dia, senhores, senhoras, dia
bom!
CHEN TÊ - Bom dia, senhor Chu Fu. Não sou bonita. É que hoje eu queria ser. Vim até pensando em
comprar um xale. / PARA OS TAPECEIROS, APONTANDO UM XALE/ Fico bem com essa cor?
TAPECEIRO VELHO - Oh! Oh! Esta é uma pergunta para se fazer a um homem, senhorita...
CHEN TÊ - Então! Pergunto ao senhor.
TAPECEIRO VELHO - Fica-lhe muito ,muito bem.
CHEN TÊ PAGA.
TAPECEIRA - Tem dinheiro para o xale, mas para o aluguel não terá.
CHEN TÊ - Como a senhora sabe?
TAPECEIRA - Amanhã começa o mês... eu e meu marido conversamos sobre isso. Preocupamo-nos com
a senhorita, queremos ter gente boa na vizinhança.
CHEN TÊ - Agradeço muito. mas que se há de fazer? São duzentos dólares de prata!Tenho de vender a
loja!
TAPECEIRA - Não quer tomar emprestado?
CHEN TÊ - Como?
TAPECEIRA - Eu e meu marido, quando vimos seu anúncio no jornal, oferecendo-se em casamento,
compreendemos a extensão de sua dificuldade... e decidimos ajudá-la. Temos um dinheirinho guardado e
achamos que um belo modo de usá-lo seria ajudar uma pessoa boa como a senhorita. Querendo, pode
nos dar como garantia seu estoque de fumo, mas não é preciso. Sabemos em quem podemos confiar e
confiamos.
CHEN TÊ - Não posso nem acreditar. Os senhores seriam capazes de emprestar dinheiro... a mim?
TAPECEIRA - Se fosse para seu primo, que é estúpido e violento,eu e meu marido jamais
emprestaríamos. Mas para a senhorita, sim.
TAPECEIRO - Aceita?
CHEN TÊ - Aceito. E gostaria que os Deuses estivessem aqui, presenciando esta cena, senhora Deng.
Assim eles teriam certeza de que é possível o mundo continuar.
TAPECEIRO - Tome.
ENTREGAM O DINHEIRO. FAZEM UMA REVERÊNCIA E SAEM LEVANDO O BALCÃO.
SOBRINHO- Malandra. Foi avisar ao barbeiro da tramoia, pra ver se ele dá uma gorjeta.
CHEN TÊ - São todos iguais. Desapareçam da minha frente! /AGARRANDO O DINHEIRO/ Ainda bem
que consegui o aluguel da loja, alguém tem de continuar lutando! Desapareçam!
CHEN TÊ - Estes não são mais humanos,são bestas que se devoram , enlouqueceram de fome!.
SENHORA YANG - Senhorita Chen Tê? Sou a senhora Yang. Sou a mãe de Sun.
CHEN TÊ - A mãe dele?
SENHORA YANG - Não sei se fiz mal em procurá-la, mas como sei que gosta de meu filho, é preciso que
saiba que ele agora pode arranjar um emprego. Chegou esta manhã uma carta de Pequim: há finalmente
uma vaga de aviador nos correios aéreos.
CHEN TÊ - Então ele vai poder voar outra vez. Isso é maravilhoso!
SENHORA - O emprego custa muito dinheiro, que ele não tem como arranjar.
CHEN TÊ - Quanto?
SENHORA YANG - Quinhentos dólares de prata.
CHEN TÊ - Tome! São duzentos! /ENTREGA O DINHEIRO/ Não me pertencem de verdade, vieram de
um milagre, para pagar o aluguel e manter a loja. Mas nessas coisas terei de pensar depois. Leve, leve o
dinheiro. Entregue a Sun. Diga a ele que voe, que é preciso que alguem voe por cima da nossa miséria.
CHEN TÊ - Estou perdida, eu não poderia ter feito isso! Por duzentos dólares eu ia perdendo a loja!
Por duzentos dólares, da bondade alheia, recuperei a loja. Por paixão, perdi duzentos dólares e a loja,
prejudicando a mim e a todos os outros. Minha paixão me perde, minha bondade me mata
A ele devo recorrer, a ele que odeio, a ele, que jurei nunca mais ver. Ele é o único que pode me salvar.
Tanques e canhões!
Hoje em dia
para comer no almoço
Um homem tem de ter mais força
que um fundador de impérios...
Tanques e canhões !
Derrubar uma dúzia pelo menos
a cada metro do caminho... essa é a vida hoje em dia
tanques e canhões!
por que os deuses não os têm?
Por que não protegem os bons contra os maus
com tanques e canhões?
Será que não compreenderam
que chegou há muito a hora
de gritar fogo
e pensar depois?
Tanques e canhões!
SUN ENTRA.
OLHAM-SE
MI TSU - Bom dia, senhor Chui Ta. O contrato vence amanhã, então vim saber do senhor como posso
receber meus duzentos dólares dos alugueis.
CHUI TA - Creio que não vai ser preciso alugar loja alguma, senhora Mi Tsu. A vida de minha prima
mudou de rumo. Ela prefere não manter a loja, posto que vai casar-se- talvez- com o senhor Yang Sun
aqui presente. Se me oferecerem um bom preço pelo estoque de fumo, vendo tudo e acabou-se.
MI TSU - Compreendo. E quanto o senhor acha que vale o estoque?
PAUSA
SUN - Trezentos dólares é negócio fechado.
CHUI TA - Não, não é! Com que direito o senhor negocia?Perdão, senhora Mi Tsu: quinhentos dólares
de prata! Minha prima comprou o negócio por mil e quinhentos dólares de prata e a desvalorição não
foi tanta...
MI TSU - Foi passada para trás claro, imagine, mil e quinhentos . Dou trezentos ,como disse o rapaz,
para não me aborrecer, se me entregarem a loja amanhã.
SUN - Está bem assim.
CHUI TA - Não , não está ! Com que direito o senhor negocia?? É pouco.
SUN - Mas basta, é só trezentos que preciso!
CHUI TA - Permita, senhora Mi Tsu, que eu explique em particular ao noivo, certos detalhes que ele
desconhece. /PUXA SUN NUM CANTO/ Este negócio não é seu de modo que o senhor desconhece certos
detalhes administrativos.
/ENTREDENTES/A mercadoria do estoque está penhorada ao casal de tapeceiros por 200 dólares. De
prata! Que são os mesmos que minha prima lhe deu, entende agora?Precisam ser devolvidos: duzentos
mais trezentos, quinhentos!
SUN - Esta penhora com os tapeceiros... foi assinada em juízo?
CHUI TA - Não, em confiança
MI TSU- Confiança ?
SUN - /PARA MI TSU/ Aceitamos os trezentos dólares...
MI TSU -Vejo que estão de comum acordo. Pagarei de bom grado os trezentos, para ajudar o início de
vida de um casal apaixonado. Até amanhã.
SAI.
CHUI TA - /TRÊMULO/ E o dinheiro para as despesas de viagem e para os primeiros dias em Pequim?
SUN - Nisso eu penso depois.
CHUI TA - Não é pouco? Afinal, são duas pessoas.
SUN - Vou sozinho. No início, levar alguém comigo seria um peso.
PAUSA
CHUI TA - E minha prima, como vai viver?
SUN - Como sempre viveu.
CHUI TA - Senhor Yang Sun, não me parecem boas suas intenções. Talvez... eu me oponha totalmente a
este casamento! E, por consequência, a toda a transação que o envolve!
SUN - E o senhor acha que vai adiantar alguma coisa se opor? Falemos de homem razoável para homem
razoável, senhor Chui Ta! Não gosto de revelar segredos íntimos, mas o senhor sabe como são essas
coisas do amor...A mulher é louca por mim. E o que eu disser, ela faz!
SAI
SENHORA CHIN - Que homem antipático! Eu vou e chamar o barbeiro, pro senhor conhecer! Com ele
sim é que Chen Tê tem de casar!!!.É um homem de posses e respeito, cai de amores por ela.Uma pessoa
severa como o senhor sabe que não se despreza assim um bom partido, principalmente quando se quer
manter uma loja de fumo.Vou chamar...
SAI.
MAS NEM PRECISA, POSTO QUE ENTRA O BARBEIRO CHU FU, OFEGANTE.
CHU FU- Senhor Chui Ta...
CHUI TA - Que acha da minha prima, senhor barbeiro Chu Fu?
CHU FU - /MUITO NERVOSO/ Bem, o senhor compreende, já não sou criança e... tenho
responsabilidades, mas... Estou completamente apaixonado pela senhora sua prima, a doce senhorita
Chen Tê! Não sei como isso foi me acontecer, mas pelos deuses que assim é!
CHUI TA - Mas o que lhe agrada tanto numa moça tão modesta?
CHU FU - Seu coração e seus bons sentimentos, senhor Chui Ta. Ela é um anjo. “O Anjo do Subúrbio”,
assim andam chamando. Fazer o bem é a vocação de sua prima. Todos os dias de manhã fico vendo a
alegria com que ela dá arroz aos necessitados que lhe batem na porta!
CHUI TA - Muito bem ,comovente, direi a ela, passar bem.
CHU FU - Então diga também que pensei numa coisa. Uma coisa que talvez lhe agrade especialmente.É
que muitos deles - esses pobres que ela gosta - não têm onde dormir e que eu, humilde eu, lembrei que
tenho um enorme galpão vazio atrás do matadouro, que comprei por uma ninharia.Pelo menos os pobres
terão um teto, ja é alguma coisa.
CHUI TA- (LOUCO COM AQUELA POSSIBILIDADE INESPERADA, MAS SEM DAR A
PERCEBER)Sem dúvida, é muito. Barbeiro Chu Fu. esta sua hipótese...
CHUFU- Diga à sua prima que o galpão está à disposição dela. Para abrigar quem achar que precisa.
Ela vai gostar disso, não?
CHUI TA - Talvez até fique comovida.
CHU FU - À disposição dela e dos pobres do bairro! Diga também que não peço nada em troca. Talvez
apenas uma ceia, num pequeno restaurante, decente, para falarmos e conversarmos sobre uma
possibildade de matrimônio, sem que nada lhe seja pedido ou exigido! Acha que sua prima aceitará o
convite?
CHUI TA - Provavelmente. Não será melhor para todos?
SEGUNDO ATO
CENA 1
CHEN TÊ E A SENHORA CHIN TIRAM ROUPAS DE UM VARAL.
SENHORA CHIN - Voce está errada! Tinha de sacrificar tudo, qualquer coisa, e ficar com a loja! Uma
loja é uma loja, e mesmo quando vai mal...
CHEN TÊ - Sem discussão, senhora Chin, nem mais uma palavra a respeito.Não posso pagar o aluguel,
tenho de devolver o dinheiro dos tapeceiros. E não posso recusar o galpão. A tapeceira me procurou,
logo depois que o barbeiro Chu Fu saiu da loja de fumo.Veio chorando. Eles precisam dos 2oo dólares
de volta, senão perdem a tapeçaria.Tinham uma dívida que ignoravam, bateu lá um fiscal de impostos,
homem severo, incorruptível por menos de duzentos dólares. Seu marido, Senhor Mong o tapeceiro, não
dorme mais às noites, e ficou doente de tanta precocupação, está até com muita febre.
São situações, Senhora Ching, em que é melhor morrer que suportar, há situações na vida assim,
senhora Chin.
SRA.CHIN- Chama o primo...
CHEN TÊ- Foi viajar ! Não sei quando volta ! Tem os negócios dele para tratar, eu tenho os meus.
Senhora Chin, repito que estou decidida: vendo o estoque pelos 3oo combinados com a Senhora MiTsu,
pago 2oo aos tapeceiros. E ainda fico com cem para os dias de chuva e frio, quando os fregueses são
raros. Sem falar no Galpão que o barbeiro ofereceu...Talvez eu case com ele, é um bom homem. Apesar
de ter sido ele quem quebrou a mão do aguadeiro. Não me esqueço, a vida é complicada.
SENHORA - Mas Yang Sun, o seu amado ? Aquele da rua Amarela? Concordou de bom grado com toda
esssa benfeitoria?
CHEN TÊ- Não. Quis convencer meu primo a vender o estoque e lhe dar trezentos dólares. Eu não quis,
ou não pude, e Sun resolveu não casar mais comigo. Que seja. Há situações na vida que é melhor morrer
que suportar. Entrego a Loja, basta.
SENHORA CHIN - Então é o fim de tudo./ACHANDO/ Como é que veio parar aqui a calça do senhor
Chui Ta? Você não disse que ele foi embora para sempre? Foi sem calças?
CHU FU - Não minta para mim, senhorita: sei de tudo, a cidade é pequena. A senhorita mais uma vez se
sacrifica, trocando o grande amor de sua vida, e a loja, para poder honrar uma dívida com os
tapeceiros: “anjo do subúrbio”, “anjo”! Mas eu não consigo dormir, rolo na cama a noite inteira,
pensando que a senhorita vai embora, e portanto a bondade vai embora de SetSuan!
Olha aqui, olhe! /MOSTRA UM CHEQUE/ Um cheque em branco, assinado por mim, para a senhorita
sacar quanto for preciso! Em branco! Assim age Chu Fu quando ama!
CHEN TÊ - Meu Deus! Estou grávida! Há um homenzinho crescendo dentro de mim! Meu Deus! Meu
Deus! Outro milagre! /E SE APROXIMANDO DA PLATÉIA/ O mundo inteiro espera por ele, em
segredo. Creiam, aí vem um com quem vai se poder contar!
ENTRA WANG
WANG - Chen Tê, sei que tudo vai mal, muito mal, mas encontrei ali, perto do monte de lixo, lembra
aquele do qual ficaram perto os deuses... Pois bem , eu ia passando por ali quando vejo quatro meninos
por ali, ciscando no lixo para ver se arranjavam alguma coisa para comer.
CHEN TÊ- Horror !
WANG- Ai reconheci os meninos, eram os filho do marceneiro Lin To, lembra, aquele das prateleiras?
O carpinteiro perdeu a oficina faz algumas semanas, e desde então não parou de beber. De modo que
seus filhos estão com fome e soltos na rua ...(TERMINA O FÔLEGO) Chen Tê, desculpe perguntar, mas
o que podemos fazer?
CHEN TÊ - /DEPOIS DE UM MOMENTO/ Vá buscá-los imediatamente, Wang! Tire-os de lá e limpe
suas boquinhas, todas. /PARA A PLATÉIA/ Alguém aí pode abrigá-los?Alimentá-los ?Eu posso, no
galpão do senhor Chu Fu! Wang, também eu estou esperando um filho.
WANG- Um filho !
CHEN TÊ- E com certeza também logo precisarei do galpão. Procure tanbem o carpinteiro, diga-
lhe para vir unir-se aos seus.
WANG - Obrigado. Uma alma boa sempre arranja solução para qualquer coisa..
CHEN TÊ - E perdoe não ter testemunhado a seu favor no caso de sua mão. Meu primo não deixou ,o
barbeiro tem um galpão...
WANG -Bobagem, já nem sinto falta da mão. Veja como faço agora. /MANOBRA A ÁGUA COM UMA
MÃO SÓ E SAI/
ENTRA CHUI TA
CHUI TA - Alguem disse meu nome? Pronto, aqui estou. E vocês, onde é que pensam que estão?
DESEMPREGADO - Senhor Chui Ta!
WANG - A senhorita Chen Tê arranjou pousada para todos nós... No galpão do barbeiro.
CHUI TA - O galpão do Senhor Chu Fu não é albergue!
VELHA - Não podemos mais ir para lá?
CHUI TA - Senhorita Chen Tê mudou de ideia. Resolveu viajar por muitos meses, não tem data de volta.
Mas deixou um recado. Que não é do feitio dela deixar ninguém ao relento, mas que agora haverá uma
troca de benefícios. Fica proibido, por exemplo, a distribuição de comida sem a correspondente
prestação de serviços. Aqueles que desejarem ir para o galpão do senhor Chu Fu poderão fazê-lo, desde
que trabalhem para mim.
CHUI TA - Não há nada que um homem inteligente não saiba resolver.Vamos montar uma indústria
nesta insignificante cidade. Tornei-me sócio do honorabilíssimo barbeiro Chu Fu. É chegado o tempo de
industrializar Setsuan..
AVÓ - / À PARTE/ Ja tivemos negócio nosso, sabemos como funciona. Se é para trabalhar é melhor por
conta própria.
CHUI TA- Para o Galpão,seu bando de cães! Ou preferem que eu chame a polícia?
TODOS - /CADA UM NO SEU TEMPO/ Não.
CHUI TA - Então ao trabalho, seus indolentes. Ao trabalho, estou mandando,antes que seja tarde!
MI TSU - Senhor Chui Ta, vim para comprar o estoque. Aqui estão seus trezentos dólares, conforme o
combinado.
CHUI TA - E aqui estão dez mil, em cheque assinado pelo rico barbeiro Chu Fu.
MI TSU - O que é isso?
CHUI TA - Capital inicial para compra de maquinário.
MI TSU- Como ?
CHUI TA - Minha prima mudou de ideía. Não vende mais a loja, paga o aluguel. Assim que eu trocar o
cheque lhe mando a pequena quantia - quanto é mesmo? Ah, sim, duzentos. Vou precisar da loja para
escoar a produção de nossa pequena indústria.
MI TSU - Industrua ? Espírito prático ?Não entendo nada. E o dinheiro para o aviador?
CHUI TA - Nada de aviadores, pés no chão.
SENHORA YANG - Permitam-me, abastados senhores, que eu lhes conte agora como meu filho Sun,
graças a sabedoria do senhor Chui Ta...
TODOS REPETEM - Chui Ta.
SENHORA YANG - ...deixou de ser um cafetão mentiroso e passou a ser um cidadão útil. Como todos
sabem, Chui Ta...
TODOS REPETEM - Chui Ta.
SENHORA YANG - ...abriu uma pequena fábrica de fumo, perto do matadouro e agora em pleno
progresso. Faz três meses, fui procurá-lo!
SENHORA YANG- Nas primeiras semanas foi duro para Sun, trabalhar na fábrica. Orgulhoso como ele
é, e sempre com a maldita mania de ser aviador. Até que no vigésimo terceiro dia, o ex-carpinteiro Lin
To e ele foram chamados para carregar uns pacotes especialmente pesados...
CARPINTEIRO - /CARREGANDO/ Não aguento nem mais um passo. Sou um homem doente, meu
coração vai explodir!
SUN - Me dê isso, seu merda! Chui Ta aparece sempre a essa hora! Ai de nós se o trabalho não estiver
feito. /CARREGA O FARDO DO OUTRO/
CHUI TA ENTRA E VÊ
CHUI TA - Calma lá! Que é isso? /PARA O CARPINTEIRO/ Por que está levando um pacote só?
CARPINTEIRO - Estou me sentindo um pouco doente hoje e o senhor Yang...
CHUI TA - Não quero troca de favores aqui dentro! Volte ao depósito e venha de lá com três pacotes, se
não quiser ser despedido.
SUN - /RECUSANDO/ Isso não. O que eu quero é uma oportunidade de mostrar meu valor. Faça uma
semana de experiência comigo, Senhor Chui Ta, na posição de gerente e verá o que esta firma pode
render. Sou bom capataz.
CHUI TA - Se eu soubesse lhes diria, mas não tenho a menor ideia de quando ela vai voltar.
TAPECEIRA - Recebemos pelo correio um envelope fechado, em branco. Quando abrimos, eram os
duzentos dólares de prata que ela nos devia. Gostaríamos de agradecer...
/RETIRAM-SE/.
SENHORA CHIN - Recuperam o dinheiro tarde demais, perderam a loja por não pagar os impostos...
CHUI TA - No início eu não podia desviar nenhum, caso contrário não montava a fábrica.
/ENTONTECE/ Que tonteira, quase caí...
SENHORA CHIN - /AGARRANDO-A E PONDO-A SENTADA/ Sétimo mês, é assim mesmo. Eu cuido de
você . E não digo nada a ninguém.
CHEN TÊ/CHUI TA- Então a senhora sabe?
SENHORA CHIN- Todo o tempo aqui, fazendo o serviço...(E ENTUSIASMADA) Muito bem pensada
essa história do primo ! Tão bem pensada que mesmo eu me confundo. Não sei se foi o primo que virou
prima ou vice versa./
CHUI TA - Então posso contar com a senhora, senhora Chin?...
SENHORA CHIN - Sou boa parteira. Vai lhe custar dinheiro, naturalmente...
CHUI TA - Nada é de graça. O que me preocupa é o tamanho da barriga: não é possível que todos
tambem não reparem...
SENHORA CHIN - Claro que reparam. Mas pensam que é prosperidade. A fábrica não está dando
lucro? Então?É natural que o senhor engorde um pouco.
ENTRA SUN
WANG - Comprem água!Um gole que seja, para eu ter o que comer.
SUN - Maldito aguadeiro! A voz dele me irrita! Quer que mande calar?
WANG - /VAGANDO ENLOUQUECIDO OU BÊBADO/ Então não há mais nenhuma alma boa nesta
cidade? Onde estará aquela que mesmo num temporal era capaz de me comprar um copo, com seu
último tostão? Onde está Chen Tê? Ninguém viu? Ninguém sabe onde está?
/ENTRANDO EM CENA/ Senhor Chui Ta, quando Chen Tê volta? Fazem seis meses que partiu e sinto
saudades... Além das preocupações. Que é um mundo feroz esse nosso. Quem sabe alguém não fez mal a
Chen Tê?Seus amigos precisam saber que fim ela levou...
CHUI TA - Não tenho tempo para esses assuntos: volte na semana que vem!
WANG - Não é tão simples, excelentíssimo. Como, por exemplo, explicar o mistério do arroz?
SUN - Que mistério?
WANG - A tigela de arroz que Chen Tê sempre deu aos necessitados! De uns tempos para cá voltou a
aparecer na porta da loja, toda manhã!
CHUI TA - Mentira! O que o senhor quer dizer com isso?
WANG - Que talvez ela não esteja viajando.
CHUI TA - Então eu vou lhe dar sua resposta para o senhor não perguntar mais! Se é amigo de Chen Tê,
esqueça dela.
WANG - Isso não posso fazer, senhor Chui Ta. A menina antes de desaparecer me disse que estava
grávida! Pobrezinha...
SUN- (PARA A PLATÉIA) Então me fizeram de idiota. Porque se o filho nasce, é o herdeiro do negócio,
ou seja, o negócio é meu! Não sou empregado, sou patrão! E ainda fico contente com um chapéu coco!
Chui Ta filho da puta! Chui Ta trapaceiro! /TENDO A IDÉIA/ Agora eu entendi tudi ! Ele deu um sumiço
em Chen Te para não ter de dividir o patrimônio! Coitadinha ! Também, nunca soube se defender ! Chui
Ta ladrão! Assassino!Mas o arroz na porta? Será que Chen Tê ainda está por aqui? Ou nunca saiu
daqui?Portanto está presa, sequestrada! Chui Ta sequestrador! E que ruído é este que ouço agora por
trás da porta do depósito? Conheço estes estalos interrompidos, são soluços de uma mulher que chora!
/BATENDO/ Chen Tê! Abre! /E SAINDO DE CENA/ Polícia!!!
WANG - Santíssimos, enfim estais de volta! Aconteceram coisas horrÍveis na tabacaria de Chen Tê!
Um primo apareceu e tomou conta do negócio, que diga-se de passagem vai muito bem.
Acontece que o primo é violento e mau e ao que parece assassinou a nossa amiguinha.... Para ficar com
a loja, é o que tudo leva a crer. A polícia bateu lá e descobriu bem escondidas as roupas de CHEN TÊ. O
capataz Yang Sun tinha ouvido uma mulher chorar dentro do depósito. E o primo recusa-se a dar
qualquer informação! De Chen Tê, nenhum rastro! Tudo foi revirado! Ou seja, o primo matou a pequena
e sumiu com o corpo: tragédia em Setsuan!
DEUS 1 - Tudo está perdido, pobre Universo! Em nosso caminho encontramos pouquíssimas almas boas,
que logo depois deixavam de sê-lo. Nossa esperança resumia-se a Chen Tê !
DEUS 2 - A raça humana não presta.
DEUS 3-São monstros que se devoram.
ENTRA CHUI TA
POLICIAL - /DANDO UM PASSO A FRENTE/ A senhorita CHEN TÊ era uma mulher que gostava de
agradar a todos, os senhores entendem o que quero dizer. Por outro lado, o senhor Chui Ta é um homem
de bem, industrial respeitado e cumpridor de seus deveres. Meritíssimo: uma vez ele me ajudou a prender
um bando de ladrões que a prima tinha posto em casa, e outra vez impediu que a senhorita CHEN TÊ
jurasse em falso! É um defensor da lei.
CHU FU - O senhor Chui Ta é hoje um dos homens de negócios mais bem sucedidos de Setsuan. Além
de meu sócio, é vice-presidente da Câmara de Comércio, é candidato a juiz da paz do bairro onde mora!
CHEN TÊ desapareceu, é verdade, e as lágrimas me vêm aos olhos quando penso nela... mas não
acredito que o senhor Chui Ta seja um assassino /CHORA/.
SENNHORA MI TSU - Como diretora do Comitê de Assistência Social devo trazer ao conhecimento
deste tribunal que o senhor Chui Ta possibilitou com sua fábrica uma considerável diminuição em nosso
índice de desemprego. E que sempre favorece o Lar dos Inválidos, através de donativos.
DEUS 1 - Senhor Chui Ta. Foram ouvidos os depoimentos, o que tem a dizer?!!
CHUI TA - /DEPOIS DE UM MOMENTO/ Tenho a dizer, senhores deuses, que estou cansada de toda
essa trama grotesca. Pelo menos tiremos os disfarces.
VAI LA E DESMASCARA OS DEUSES. DEPOIS TIRA A ROUPA DE CHUI TA. ESPANTO DE TODOS.
DEUS 1 - Mas não, de modo algum, como castigar... a alma boa, de quem aqui falam tão bem?
CHEN TÊ - Sou também a alma malvada!
DEUS 1 - Sem querer, certamente, por causa de um mal entendido... Talvez excesso de zelo. Isto é
confuso. Tudo isso é muito confuso. Não sei como fazer /PARA O SEGUNDO DEUS/ Você sabe?
DEUS 2 - Eu não sei.
DEUS 3 - Nem eu.
DEUS 1 - Senhores e senhoras! Nós vamos embora, agora mesmo, confessando nosso fracasso antes que
pioremos ainda mais as coisas para vocês... Não é assunto nosso!
DEUS 1 - CHEN TÊ, vosso pequeno mundo nos causou fascínio e horror. Certeza apenas uma: que é não
é lugar para deuses. Lá de cima, do meio das estrelas, sempre lembraremos de você. CHEN TÊ, não
desista, insista, seja boa, senão o mundo não poderá continuar!
COMEÇAM A SUBIR
CHEN TÊ - Esperem, meus deuses, por favor, não me abandonem! Sozinha, como vou fazer? Como vou
poder enfrentar estes dois pobres velhos que perderam sua tapeçaria?E Wang, com sua mão aleijada?
O que vou fazer com o barbeiro, que me ama, a quem não amo?E com Sun, que não me ama, mas que eu
amo?Minha barriga está redonda, como uma lua . Meu filho reclama nascer, como vou dar comida pra
ele?
OS DEUSES - /UM MOMENTO ANTES DE DESAPARECER/ Seja boa, CHEN TÊ, e tudo se resolverá!
Seja boa! Boa também conosco, permitindo que voltemos ao nada de onde viemos. Louvada seja CHEN
TÊ, a alma boa de Setsuan! /DESAPARECEM/
FECHA A CORTINA
CHEN TÊ -
É impossível ser bom no mundo? É esta a moral da história?
Está bem, seria até engraçado se fosse apenas uma história mas -
e o mundo?
Que adianta levantar das cadeiras e ir embora do Teatro? Lá fora também é Setsuan!
Não sabemos resolver o fim da peça,
no entanto alguém tem de saber!
Talvez os senhores todos, juntos,
ou cada um dos senhores
possam pensar numa solução para esta simplíssima questão :
como pode uma alma boa viver decentemente?
Vão para casa e pensem.
Não tentem esquecer.
Não há solução para o problema....
MAS TEM DE HAVER
FIM