Sunteți pe pagina 1din 29

visto por Domingos Oliveira

de Brecht
A ALMA BOA DE SETSUAN
peça em dois atos
ou 3 fôlegos...

ENTRA WANG.

WANG - /PARA O PÚBLICO/ Boa noite, senhores, senhoras, o nome desta cidade é Setsuan, e eu sou o
aguadeiro, profissão dura, como aliás qualquer outra:
se a água é abundante, ninguém quer comprá-la; se o tempo é de seca, vai ser preciso buscá-la longe...
Mas tudo isso agora vai mudar. Segundo informações seguras, que recebi de um andarilho louco com
quem cruzei numa longa estrada cheia de vento,
Estão para chegar aqui - Senhores! Senhoras! OS DEUSES! Não aguentando mais tanta lamentação.
Decidiram finalmente visitar a terra,começando por Setsuan.

/ENTRAM OS DEUSES/ SÃO 3 E VÊM MUITO BEM VESTIDOS, DOURADOS COMO O SOL/

DEUSES - /PARA O PÚBLICO/ É AQUI QUE ESPERAM POR NÓS?


WANG - /PROSTRANDO-SE/ Divinos! Sou vosso servo...
DEUS 1 - A estrada é poeirenta...
DEUS 2 - Estamos cansados...
DEUS 3 - E precisamos de um lugar para passar a noite.
DEUS 1 - Conhece algum mortal que deseje nos abrigar?
WANG - Todos, divinos, todos! Temo apenas indicar um em vez de outro e assim atrair inimizades.
DEUS 2 - Procure o que estiver mais próximo, vá.
WANG - Sim, sim, imediatamente. Ali é a casa do Sr. Fu.

SAI. OUVE-SE UMA PORTA BATENDO FORTE.

WANG - /VOLTANDO-SE/ Ora essa! O Sr. Fu saiu um momento e os empregados dele não quiseram
atender. Ficaram com medo de ser um assaltante, perdão, diviníssimos - já volto - ali é a casa da viúva
Su... /VAI/

OUVIMOS OUTRA PORTA BATER,COM IGUAL VIOLÊNCIA.

WANG - /VOLTANDO, IMPRESSIONANDO/ Ela disse que só tem um quartinho pequenininho...


DEUS 3 - Serve...
WANG - ...mas que está em obras! Vou à casa do Sr. Cheng!

VAI.
PORTA BATE, MAIS FORTE AINDA.

WANG - /LÍVIDO/ Sr. Cheng pediu para explicar que está com a casa cheia de gente de família, que veio
visitar e que ele não aguenta mais, que nem ele está cabendo lá dentro. Impressionante. /PARA O
PÚBLICO/ Essa gente, só porque tem arroz todo dia na mesa, não tem mêdo de dizer não nem pros
deuses. Que faço agora? /PARA OS DEUSES/ Diviníssimos, vou bater em outras portas! Todos os
outros certamente chorarão de alegria por poder vos abrigar...
Eu é que dei azar. /SAI/

OS DEUSES SE ENTREOLHAM POR UM INSTANTE.

DEUS 3 - (DESESPERADO) Azar em Kuan, depois em Chun, depois em Tobun, agora em Setsuan! Não
há quem queira abrigar ninguém, nem a nós que viemos do céu. O mundo está perdido , nossa missão
fracassou! Impossível negar as evidências, mesmo sendo um Deus.
DEUS 2 - Mas nossa missão não pode fracassar, sabemos disso muito bem. É preciso procurar mais...
DEUS 3 - Não encontraremos...
DEUS 1 - /REVELANDO A MISSÃO, PARA O PÚBLICO/ ...uma alma boa! Segundo nossas instruções
superiores! “O mundo somente continuará sendo o mundo se pudermos encontrar duas ou três almas
boas, gente que leve uma existência bela e digna”.
DEUS 3 - Talvez esse aguadeiro seja uma.
DEUS 2 - Fundo falso no copo. Olhem o copo em que eles nos deu água. Fundo falso para encher com
menos água, é apenas mais um desonesto.
DEUS 3 - Tinha cara de alma boa.

ENTRA WANG, AFLITO, ATRÁS DE UM PASSANTE QUE NÃO INTERROMPE O PASSO.

WANG - ...Senhor, perdão de estar lhe dirigindo assim a palavra, sou um reles aguadeiro, mas é que
chegaram a Setsuan 3 Deuses, que são esperados por aqui há milênios e eles precisam de hospedagem -
olhe para mim, estou falando com o senhor...
PASSANTE 1 - Hoje em dia a gente não sabe quem bota em casa.
WANG - Basta olhar, são deuses! Olhe! Porque não olha?! Aproveite, talvez nunca mais lhe volte essa
oportunidade...

O PASSANTE PASSA.
CRUZA OUTRO PASSANTE , WANG VAI ATRÁS

WANG - ... Senhor, seja o primeiro a acolhê-los, caso contrário outros o farão e só Deus sabe com que
recompensa. Eu por mim não quero comissão, temo apenas o castigo...
PASSANTE 2 - /PARANDO/ ... caro concidadão, eu gostaria de ajudar, mas não posso. Quando se
hospeda, se gasta dinheiro, e ando atualmente sem nenhum, não vê?
E VAI EMBORA.

WANG - /ATÔNITO/ Agora só resta pedir para a prostituta CHEN-TÊ.


Ela não pode negar, seria o cúmulo /CHAMA/ Chen Té!

SAEM OS DEUSES, ENTRA CHEN TÊ.

WANG - Não me faça repetir a história e acredite se quiser. Os deuses estão ali na esquina, perto do
monte de lixo. E querem pousada e ninguém quer dar, cada um com sua preocupação, não conseguem
nem reconhecê-los, nem ver sua luz!E os deuses andaram muito, têm os pés cansados, não estão
habituados a andar como eu com este peso nas costas.Enfim, querem pousada por esta noite, posso
oferecer-lhes seu quarto?

CHEN TÊ - Que devo fazer para merecer tanto? Diga: o que for preciso, faço. Darei tudo que tenho
para ver os deuses de perto.
WANG – Primeiro, tenha calma. Que no momento teus desejos são bem fáceis de satisfazer. Vou buscá-
los.
CHEN TÊ - Eu tinha encontro com um freguês, que não quero perder, pois nem eles andam fáceis hoje
em dia.Mas me escondo, finjo que não estou, ou melhor, deixo um bilhete dizendo que tive de viajar. E
ainda bem que foi hoje, porque amanhã, se eu não pagar o aluguel, vão me botar para fora do quarto, e
dinheiro amanhã não vou ter mesmo, agora então...
SAI AO ENCONTRO DOS DEUSES.
LUZES SE APAGAM PARA LOGO ACENDER

ATOR/PERSONAGEM ANUNCIA: NA MANHÃ SEGUINTE.

ENTRAM OS DEUSES, TRAZIDOS POR CHEN TÊ. BRILHAM.

DEUSES - Virtuosa CHEN TÊ, obrigado pela acolhida. Não esqueceremos que foi você quem nos deu
seu quarto.
CHEN TÊ - Não sou virtuosa. Confesso que tive dúvidas quando o aguadeiro me chamou.
DEUSES - Dúvidas fazem parte de uma decisão acertada. Você nos deu mais que um lugar de descanso.
Deu-nos a certeza de uma coisa que já tem muito Deus duvida: a existência de uma alma boa. Continue
assim, e até a próxima!
VOLTAM-SE PARA SAIR
CHEN TÊ - Divinos! Não sei se minha alma é boa! Eu gostaria que fosse,mas como eu faria para pagar
o aluguel do quarto?Assim é que me vendo, para poder viver, e assim mesmo não consigo pagar meu
sustento, porque há outras como eu, aqui mesmo em Setsuan, vendendo a mesma coisa.
Estou sempre disposta a qualquer esforço ou sacrifício, mas nesses tempos que correm quem não está?
Eu gostaria - oh, como gostaria - de honrar os mais velhos, não ter inveja de ninguém por mais rico que
seja, sempre dizer a verdade, proteger e jamais tirar nada de ninguém que precisasse... Mas como fazer
tudo isso e ao mesmo tempo continuar viva?
DEUSES - São dúvidas típicas de uma alma boa pensante. Não se preocupe com elas.
VOLTAM -SE PARA SAIR.
DEUSES - E mais que tudo e sempre, seja boa, sempre boa!
CHEN TE - /BARRANDO-LHES A SAÍDA/ Mas como posso ser boa no preço que estão as coisas?
OS DEUSES HESITAM UM INSTANTE, DEPOIS TENTAM SAIR PELO OUTRO LADO.
CHEN TE - Altíssimos! Ajudai-me...

OS DEUSES CONFABULAM.

DEUS 1 - Se ela tivesse um pouco mais de dinheiro, talvez pudesse mudar de vida um pouco mais cedo.
DEUS 2 - Mas que podemos fazer? O céu não dá gorjetas.
DEUS 3 - Por que não?
DEUS 1 - /INDO A CHEN TÊ/ Queremos recompensá-la, minha filha. E nem a nossa divina inteligência
consegue imaginar um outro modo de fazer isso, nesta pobre cidade.
CADA DEUS TIRA DO BOLSO UMA NOTA E DÁ PARA CHEN TÊ.
DEUSES - Faça bom uso... e adeus!

FIM DO PRÓLOGO

CHEN TÊ - /PARA A PLATÉIA/ Faz três dias que partiram os deuses e quando olhei para a palma da
minha mão lá estavam... 1.500 dólares. Três notas novinhas de 500, com as quais comprei esta tabacaria,
onde pretendo ganhar a vida como comerciante e fazer o bem a muita gente!Por exemplo, para a
senhora Chin, que justamente era a proprietária anterior desta loja e que ontem me pediu uma tigela de
arroz para as crianças.
ENTRA A SENHORA CHIN, COM A TIGELA VAZIA.

CHEN TÊ - Bom dia, Senhora Chin! Os meninos passaram bem a noite?


SRA. CHIN - Como poderiam, senhorita Chen Tê? Vivendo de favor, em casa estranha...
Se é que aquilo pode ser chamado de casa. E o arroz que a senhorita deu com tanta boa vontade era
pouco para todos, então começaram a chorar e não pararam mais. O menor está com tosse.
CHEN TÊ - Que pena!
SRA. CHIN - Pena a senhorita vai ver daqui a pouco . É uma miséria este bairro.
CHEN TÊ - Mas ao meio dia passam os operários da fábrica de cimento, certamente desejarão fumar...
SRA. CHIN - Andam muito sem dinheiro ultimamente. E a vizinhança é tudo pão duro, ninguém compra
nada.
CHEN TÊ - E porque não me disse isso quando me vendeu a tabacaria?
SRA. CHIN - Se eu dissesse a senhorita não comprava. E não me venha com exigências! /FICA
NERVOSA E COMEÇA A CHORAR/ Primeiro tira a casa ,de mim e de meus filhos, depois quer dizer que
a culpa é minha...
CHEN TÊ - Eu não tirei, foi a senhora que quis vender...Mas por que a senhora não compra outra casa
com o dinheiro que lhe paguei?
SRA. CHIN - E as dívidas que eu tinha? /CHORA/
CHEN TÊ - /PEGANDO NERVOSA A TIGELA/ Vou encher de arroz.
SRA. CHIN - E pode também me emprestar algum dinheiro?
CHEN TÊ - Não tenho, o que eu tinha lhe dei!
SRA. CHIN - Mas eu preciso, vou viver de quê? /PEGA A TIGELA/ Vou botar os meus menores sentados
na sua porta, sua avarenta!

RETIRA-SE INDIGNADA

CHEN TÊ - Cuidado! Vai derrubar o arroz!

2.
ENTRAM O VELHO,
A VELHA
E O SOBRINHO

VELHA - Boa Chen Tê! Veja o que é a sorte: tão humilde e agora uma mulher de negócios.
Enquanto nós nos tornamo-nos mendigos... Percebendo isso, tivemos o atrevimento de perguntar se não
podemos passar aqui pelo menos esta noite: o sobrinho veio também, não desgruda de nós.
CHEN TÊ - Podem. Podem! /INDO AO PÚBLICO/ Quando cheguei da terra onde nasci, estes foram
meus primeiros senhorios! No momento em que acabou o pouco dinheiro que eu trouxe, me botaram no
olho da rua. Depois ficaram pobres, por isso estão nervosos, com medo que eu faça o mesmo que me
fizeram. Mas não farei! A sorte já os castigou! /PARA ELES/ Podem ficar aqui, o prazer é meu, tenho um
quartinho pequeno nos fundos...
SOBRINHO - Um quartinho pequeno para nós chega, não somos muitos.
VELHA - /ENQUANTO CHEN TÊ TRAZ UM CHÁ/ Nos fundos é melhor, atrapalha menos.
Você comprou esta tabacaria por que? Para lembrar daquela primeira bela casa em que esteve?
VELHO-Podemos lhe dar bons conselhos, minha filha, foi também por isso que viemos cá.
CHEN TÊ - Eu espero que também venham os fregueses.

3.
ENTRA UM DESEMPREGADO,
CHEN TÊ JULGA QUE É UM FREGUÊS.
CHEN TÊ - /COLOCADO-SE POR TRÁS DO BALCÃO/ Pois não o que deseja?
DESEMPREGADO - /EM TOM DE CONFIDÊNCIA/ Me desculpe, não vim comprar: estou
desempregado. E como ouvi falar que a senhorita abre a loja amanhã, pensei que talvez no abrir dos
embrulhos de mercadoria, pudesse ter algum fumo estragado, um cigarrinho, assim, sobrando - não?
VELHA - Pedir cigarros como quem pede pão - essa é boa!
DESEMPREGADO - Pão é mais caro. E os cigarros me passam a fome. Estou desempregado.
CHEN TÊ - /DANDO CIGARROS/ O importante é sentir-se bem. Tome, com o senhor inauguro minha
loja, vou ter sorte assim.
O DESEMPREGADO ACENDE RÁPIDO E SAI TOSSINDO.
O SOBRINHO RI
VELHA - Querida, você acha que agiu certo?
VELHO - Assim a loja não vai adiante. Se tivesse cobrado algum, mesmo baratinho, tinha recebido. Esse
adora fumar e aposto como ainda tinha algum no bolso.
CHEN TÊ - Não, não tinha!
VELHA - Ela não gosta de dizer “não”. Vai ter de aprender, se quiser ficar com a loja.
CHEN TÊ - Mas como negar a quem necessita tanto?
VELHO - É embaraçoso, sem dúvida. Mas você sempre pode dizer que a loja não é sua.
CHEN TÊ - Como assim?
SOBRINHO - Que é de um primo, pronto, de um primo a quem há que prestar contas..

4.
ENTRA O CARPINTEIRO,
FURIOSO, APONTANDO COM O DEDO.

CARPINTEIRO - Pronto, encontrei! É você a nova dona da tabacaria, aí com as prateleiras cheias? Pois
bem, não são suas, as prateleiras. A menos que me pague o serviço que aquela vagabunda que estava
aqui não pagou. Sou o carpinteiro.
CHEN TÊ - Perdão, eu não sabia. A senhora Chin me vendeu tudo...
CARPINTEIRO - Soubesse! Eu é que daqui não saio sem meus cem dólares de prata, preço do serviço,
ou não me chamo Lin to!
CHEN TÊ - Não tenho mais dinheiro.
CARPINTEIRO - Tivesse! Ou paga ou vai tudo a leilão!
VELHO - /RINDO, PARA CHEN TÊ/ O primo...
SOBRINHO RI
CHEN TÊ - Talvez no mês que vem...
CARPINTEIRO - Já o leilão /TIRANDO UMA PRATELEIRA/ Ou senão levo meu material. Pobre por
pobre também sou e minhas despesas não esperam um mês.
VELHO - O primo!
VELHA - Um momento, meu senhor, a senhorita não pode lhe pagar porque não é ela que trata dos
pagamentos e sim seu primo. Apresente por escrito uma nota dos serviços e ele lhe pagará.
CARPINTEIRO - Como posso ter certeza disso?
VELHO - Conheço o primo da senhorita Chen Tê. Tem posses e é muito sério. Mas faça as contas direito
que ele examina tudo!
CARPINTEIRO - Farei. Pelo menos é uma chance de receber. /COMEÇA A FAZER A CONTA/.

5.
ENTRA UM HOMEM CAPENGA E UMA MULHER GRÁVIDA:
IRMÃO E CUNHADA.
CHEN TÊ - /VENDO SUA APARÊNCIA ESFARRAPADA/ Sejam bem vindos!
VELHA - /ENCABULADA/ Minha cunhada e meu irmão Wung. A cunhada está no quinto mês.
IRMÃO - Que boa família esta, hem? Vêm pro bem bom e nos deixam em pé feito estátuas na poeira da
estrada!
VELHA - Cala esta boca suja e sentem aí no canto que é pra não incomodar nossa velha amiga nobre
Chen Tê! Há cobertores ali no fundo e obrigado por receber os dois, querida. Não tinham mesmo para
onde ir.
CHEN TÊ - Um momento, eu não disse que podiam ficar.

6.
ENTRA SENHORA MI TSU, PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL, COM UM DOCUMENTO NA MÃO.

MI TSU - Cidadã Chen Tê, sou a senhora Mi Tsu, proprietária deste imóvel. Espero que não sejam
criadas dificuldades maiores do que já foram, posto que aqui está o contrato da locação, devidamente
assinado pela locatária anterior, que, diga-se em todas as palavras, não tinha o direito de sublocar! Mas
enfim, como são sempre bem vindos novos empreendimentos comerciais a nossa cidadezinha, devendo
ser respeitada a iniciativa privada, a senhorita ou senhora - não sei nem me interessa - poderá ficar se
apresentar referências idôneas.
CHEN TÊ - Não sabia nem que era uma loja alugada, não entendo ainda de negócios.
MI TSU - Isto é mal.
CHEN TÊ - Quanto às referências... é mesmo necessário?
MI TSU - Ora, minha senhora, eu não lhe conheço!
VELHO - Podemos nos oferecer como fiadores. É nossa conhecida desde que chegou à cidade.
MI TSU - Quem é o senhor?
VELHO - Ma Fu, negociante de fumo.
MI TSU - Onde fica sua loja?
VELHO - Foi à falência.
MI TSU - /A CHEN TÊ/ E a senhorita não conhece mais ninguém que possa se responsabilizar. Sem
fiadores, não há contrato.
VELHA - /SEGREDANDO/ O primo, o primo...
CHEN TÊ - Responsabilizar-se por que?
MI TSU - Esta é uma casa de muito respeito, queridinha, como aliás todos os meus imóveis. Sem alguém
respeitável por trás do negócio, terei de botar-lhe na rua com toda a mercadoria, que aliás é pouca.

UMA TENSÃO ATRAVESSA A CENA

CHEN TÊ - /SEM SAÍDA,NUM IMPULSO FIRME/ O primo! Meu primo! Eu tenho um primo!

MI TSU - Quem é ele? Onde está?


CHEN TÊ - /FIRME/ Mora em outra cidade! Em Chun! É o senhor CHUI TA, de Shun.
VELHO - O venerável senhor Chui Ta? Já ouvi falar... mas chegar perto, não cheguei nunca... é um
homem muito importante! O carpinteiro Lin To tem negócios com ele, está lhe apresentando uma conta.
CARPINTEIRO - /MOSTRANDO A CONTA/ Pelo preço justo, nem mais um tostão!
SOBRINHO - /FALANDO PELA PRIMEIRA VEZ/ Fique sossegado, ele paga tudo.
CHEN TÊ - /PARA MI TSU/ Tudo!
MI TSU - /COM DESDÉM/ Se é assim, terei prazer de falar com ele! Amanhã, a essa mesma hora!
E SAI, PODEROSA.

7.
A SENHORA MI TSU CRUZA COM
O AVÔ, HOMEM DE BARBAS LONGAS,
QUE VEM ACOMPANHADO E GUIADO PELO SOBRINHO.

RAPAZ - Pronto, achamos, estão todos aqui.


VELHA - Vovô, cumprimente Chen Tê. É um senhor muito sábio, embora coma como um elefante.
Trouxeram alguém mais?
AVÔ - A sobrinha.
ENTRA MAIS UMA MOÇA.
VELHA - /A CHEN TÊ/ Graças a sua bondade, agora a família está toda reunida!
Espero sinceramente que não estejamos abusando de sua hospitalidade.

CHEN TÊ SAI

VELHA- Já está tudo organizado: durante o dia os jovens saem pra ver o que a sorte oferece, e ficamos
somente o avô, que não está mais para andanças, a cunhada grávida e eu. Se quiserem vir visitar-nos
durante o dia é somente uma vez ou duas . /PARA A FAMÍLIA/ Agora acendam o lampião e estejam à
vontade.

ROUBAM CIGARROS E VÃO PARA O FUNDO DA CENA, FUMAR.


CHEN TÊ SAI.
A MÚSICA FICA VIOLENTA, MISTURANDO-SE A SONS DE TEMPESTADE,

EM MEIO A ISTO SURGE, INDIFERENTE E ORGULHOSO,


O PRIMO CHUI TA.

NUM SOPRO RÁPIDO, APAGA O LAMPIÃO, A LUZ DO QUAL A FAMÍLIA FUMAVA.


LUZES SE ACENDEM TODAS!

1.

A FAMÍLIA LEVANTA ASSUSTADA.


SOBRINHO - O senhor quem é?
CHUI TA ESTALA O CHICOTE, COMO É SEU HÁBITO.
CHUI TA - Sou o primo da comerciante Chen Tê. Meu nome é Chui Tá.
FAMÍLIA - /CONFUSA/ Que primo? Mas isso foi invenção nossa! Ela não tem primo! Mas como não tem
primo? E esse quem é? É o primo. Mas que primo?
CHUI TA - Quanto aos senhores, por favor retirem-se, enquanto peço por favor! Os primeiros fregueses
estão chegando e preciso abrir minha loja!
AVÔ - Sua loja?
CUNHADA - Mas não era de Chen Tê?
CHUI TA - /AGRESSIVO/ E antes de sair limpem o que sujaram!
VELHA - O senhor não tem direito de falar assim conosco! Chen Tê, sua prima, onde está?
CHEN TÊ - Ela não pode vir hoje, mas mandou um recado: que não pode fazer mais nada por nenhum
dos senhores. Fora!
/ESTALA O CHICOTE/
VELHO - Não acreditem nele, está nos enganando: procurem Chen Tê! Tem de estar em algum lugar!
CHUI TA - Procurem.
VELHA - É isso mesmo, vamos procurar Chen Tê, que é uma alma boa. Vocês dois por ali, vocês por lá.
Nós ficamos aqui para ver se ela chega. Enquanto isso o sobrinho vai ver se arranja alguma coisa para
comermos, já que Chen Tê não está aqui para nos dar café. Está vendo aquela casa de pastéis ali na
esquina? Vai lá, rouba uns, bota debaixo da camisa e traz aqui.
CUNHADA - Se tiver traz uns bolinhos de milho.
VELHO - Mas cuidado com o pedreiro, e não passe na frente do guarda!
CHUI TA - Um momento, senhores! Não posso permitir que seja tramado um crime dentro de minha loja,
afinal é comprometedor. O menino sai daqui e vai voltar para cá. Vejo que além de intrusos são ladrões
perigosos.
VELHA - Chen Tê jamais veria a questão desse modo. Somos pobres necessitados, só isso.
CHUI TA - Estas questões gerais não me dizem respeito, mesmo porque infelizmente nada mudou neste
assunto nos últimos 12 séculos.Quando alguém perguntou ao prefeito de Setsuan o que fazer para salvar
as pessoas da cidade que morriam de frio, o prefeito respondeu: “Basta providenciar um cobertor de mil
metros de lado, com três mil de comprimento, que cubra o centro, os bairros e os subúrbios tudo ao
mesmo tempo”. /E VAI ARRUMAR A TABACARIA/

2.
ENTRA O CARPINTEIRO, DISPOSTO A RESOLVER SEU ASSUNTO

CARPINTEIRO - Estou vendo que o senhor é caprichoso na arrumação dos pertences de sua prima.
Então deve ter visto a conta que lhe deixei, que já está atrasadíssima: é só cem.
CHUI TA - Cem o quê?
CARPINTEIRO - Cem dólares de prata, não sabe ler?
CHUI TA - Poderia fazer a fineza de repetir esta quantia em alto e bom som?
CARPINTEIRO - Cem dólares de prata!!!!
CHUI TA - Esta é a quantia que o senhor está cobrando? É muito.
CARPINTEIRO - Não posso fazer por menos. Tenho mulher e filhos.
CHUI TA - Quantos filhos?
CARPINTEIRO - Quatro.
CHUI TA - Vinte dólares eu pago.
O VELHO RI
CARPINTEIRO - O senhor ficou maluco, ou está zombando de mim. São prateleiras de carvalho.
VELHA - Assim é divertido!
CARPINTEIRO - Quero voltar a tratar com a senhorita, Chen Tê, que evidentemente é uma pessoa mais
razoável que o senhor.
CHUI TA - Com certeza: foi à falência... Pode ficar com suas prateleiras.
CARPINTEIRO - Como assim?
CHUI TA - São boas demais para mim. Leve de volta suas prateleiras de carvalho, por favor...

CARPINTEIRO - /LEVANDO UMA PRATELEIRA, FURIOSO/ E o fumo fica amontoado no chão, é meu
direito.
CHUI TA - Sem dúvida! /PARA O VELHO E A VELHA/ Ajudem aqui...
E COMEÇAM A ESVAZIAR AS PRATELEIRAS
CARPINTEIRO - Seu miserável! E minha família, vai comer o quê?
CHUI TA - Mais uma vez, eu lhe ofereço vinte dólares, que é para não ficar com mercadoria no chão,
nem prejudicar seus filhos.
CARPINTEIRO - Cem dólares!
CHUI TA - /COM UM SORRISO/ Vinte, no máximo.
O VELHO ALEGREMENTE ESTÁ PONDO AS PRATELEIRAS PARA FORA.
CARPINTEIRO - Pare com isso! Onde é que vou botar esse troço? As tábuas estão cortadas, só cabem
aí!
VELHA SE DIVERTE MUITO.
CARPINTEIRO - Já estou falando o que não devia... o senhor fica com as prateleiras e o paga o que
puder pagar. Qual é o máximo que o senhor pode oferecer, eu aceito!
CHUI TA - Vinte dólares de prata. /JOGA MOEDAS SOBRE A MESA/
CARPINTEIRO - /DEPOIS DE UM MOMENTO PEGA AS MOEDAS/ Que seja, tão tenho escolha.
Talvez dê para comprar uma garrafa... /SAI/.

3.

VELHO - Bravo, senhor Chui Ta, assim é que se fala com essa gentinha, ele estava explorando a pobre
Chen Tê...
CHUI TA - Ladrões e parasitas.
VELHO - Como?
CHUI TA - Refiro-me a vocês. Saiam daqui depressa, enquanto podem sair! /ESTALA O CHICOTE/
FORA!!
VELHO - Melhor ir mesmo, que de barriga vazia não se reclama, eu só queria saber cadê o sobrinho
com os pastéis...
CHUI TA - Não se preocupe, quando chegar também boto pra fora, não quero objetos roubados na
minha loja. Ah, não querem sair. Como preferirem. /FALANDO PARA FORA/ Meu caro senhor, desde
que a loja abriu esperava a honra de sua visita /REVERÊNCIA/

ENTRA O GUARDA DO BAIRRO.

CHUI TA - Creio que tenho diante de mim ninguém mais, ninguém menos, que o guarda deste bairro.
Muito prazer: Chui Ta, comerciante de fumo, sempre disposto a colaborar com as autoridades. Aceita
um charuto?
VELHA - /PARA O VELHO/ Se o menino chega agora, estamos perdidos
GUARDA - /VENDO OS VELHOS/ Esses quem são?
CHUI TA - Hóspedes. Em fim de estadia.
VELHA - Já estávamos mesmo nos despedindo.
SÚBITO, VOZES DE FORA: “LADRÃO! LADRÃO! PEGA LADRÃO! PEGA!”

O SOBRINHO ENTRA EM CENA CORRENDO, DANDO DE CARA COM O POLICIAL.


CAEM-LHE PÃES E PASTÉIS DE DENTRO DA CAMISA.
ELE TENTA FUGIR MAS CHUI TA COLOCA-LHE UM PÉ NA FRENTE.
O MENINO SE ESTATELA NO CHÃO.

GUARDA - Que significa isso, posso saber? /PEGANDO OS PÃES/ Roubo, sem dúvida. Quem é esse
menino?
MENINO - Sou neto deles!
GUARDA - Ah, é? Então todo mundo para o xadrez.
CHUI TA - Muito bem dito. Estou indignado, ladrões dentro da minha loja! /CHIBATEIA O MENINO/ E
esses que entraram pedindo uma tigela de arroz...
GUARDA - Hoje em dia não se deixa entrar ninguém em casa sem antes pedir os documentos, escute bem
isso, o senhor que é novo no bairro.
CHUI TA - Aprendi para sempre.
GUARDA - O senhor entende que é meu dever levar esta gentinha presa.
CHUI TA - Nem poderia ser de outro modo. Outro charuto, por favor, para a viagem.
GUARDA - /PARA OS OUTROS/ Na minha frente, em fila, com as mãos atrás da nuca. /PARA CHUI TA/
E obrigado pela eficiente colaboração.
CHUI TA - Bom dia!
SAEM TODOS, MENOS CHUI TA.

1.
ENTRA A SENHOR A MI TSU.

MI TSU - Então chegou o famoso primo! E já começaram as confusões, roubos dentro da minha casa. O
que não é de admirar, sendo sua prima, como direi, uma mulher que não é digna de todos os respeitos,
uma senhora que...
CHUI TA - Por obséquio, senhora proprietária, nada de meios termos, o tempo não é para perder. Minha
prima é uma prostituta, mas não deve ser mal sucedida como profissional, caso contrário não teria tido
dinheiro para comprar o estabelecimento, não é verdade?
MI TSU - Isto é bem observado.
CHUI TA - /TIRANDO UM CONTRATO DE UMA MESA/ Pelo que vejo neste contrato, o aluguel é
bastante caro. A senhora pretende receber mensalmente...
MI TSU - Não no caso da sua prima. Se quiser ficar, tem de por na minha mão seis meses adiantados,
nem menos um tostão. Não sou tolerante, mas tenho de levar certos fatores em consideração: duzentos
dólares de prata ou rua.
CHUI TA - /EMPALIDECENDO COMO CHEN TÊ/ Duzentos? Mas isso é um absurdo, é demais uma
extorsão, mais caro que a mercadoria e a instalação - onde vou arranjar tanto dinheiro?
/CONTROLANDO-SE/ Senhora Mi Tsu, raciocine comigo. Não é possível fazer negócios milionários
neste lado de Setsuan. Os melhores fregueses serão, no máximo, as mulheres que costuram os sacos na
fábrica de cimento, que segundo consta, fumam muito para se distrair do trabalho árduo. Mas elas
ganham pouco!
MI TSU - Pensasse nisto antes.
CHUI TA - E minha prima tem vantagens como inquilina.
MI TSU - Quais?
CHUI TA - Sendo uma mulher da vida, conhece o lado mais negro das coisas, a lama, digamos assim.
Portanto vai fazer tudo que for preciso para lhe pagar o aluguel pontualmente e não ter de voltar para
lá. Se for preciso trabalhará muitas noites sem dormir, ficará com as mãos doídas e as pernas quebradas
para manter o aluguel em dia! Por outro lado, conhecendo a lama, saberá ser sempre humilde e
submissa, como sabem ser os de lá. Olhe, uma inquilina assim vale... ouro!
MI TSU - Isto é bem observado.
CHUI TA - E então?
MI TSU - Duzentos dólares de prata ou rua.
SAI.

2.
ENTRA PELO OUTRO LADO O GUARDA.

GUARDA - Senhor Chui Ta, tenho pena de ver um homem como o senhor envolvido em dificuldades de
aluguel, conheço os proprietários, também moro em casa alugada. Deviam ser todos presos, são uns
exploradores. Nós, da autoridade pública, sabemos reconhecer num relance gente boa como o senhor,
com quem se pode contar. Aliás, passei de novo por aqui. Em nome da Polícia, para apresentar nossos
agradecimentos.
CHUI TA - Sou eu que agradeço. O senhor fuma?

FUMAM JUNTOS NO DIÁLOGO SEGUINTE.


CHUI TA - Senhor guarda, uma confissão: eu faço de tudo para ajudar minha prima Chen Tê aqui no
seu negocinho... mas estou ficando cansado e quase desistindo.Não adianta ser mau, nem duro, nem
insensível, nem avarento quando não se dispõe de um certo capital. Esta é a verdade.
Estes valores somente ajudam realmente quem já está por cima. São leis que foram pensadas muito
habilmente. /EXPLODINDO/ Essa agora do aluguel, sinto-me como aquele sujeito que só conseguiu
acabar com os ratos do barco um momento antes de naufragar!
GUARDA - Tem de arranjar duzentos dólares de prata não é assim?
CHUI TA - Como sabe?
GUARDA - Ouvi por trás das portas, sou um policial.
CHUI TA - Como vou arranjar tanto dinheiro?
GUARDA - Sinceramente não sei. Ou melhor, sei sim senhor, Chui Ta, já tive a oportunidade de ver aí
pelas ruas sua prima Chen Tê. É bem bonitinha. Nunca me aproximei porque, o senhor sabe, não sobra
para muitos divertimentos, o salário de um simples guarda. Mas é bonitinha. Se conseguir arranjar um
marido rico para ela, um otário... /ACHA MUITA GRAÇA/.

ENTRA A TAPECEIRA, SENHORA BEM VESTIDA E SIMPÁTICA.

CHUI TA - Que deseja?


TAPECEIRA - Comprar.
CHUI TA - Oh!
TAPECEIRA - Apenas um charuto, bom e barato, para dar de presente para meu esposo. Fizemos hoje
quarenta anos de matrimônio!
CHUI TA - DELICADAMENTE/ E ainda festejam...
TAPECEIRA - Enquanto pudermos... Somos os donos daquela tapeçaria aqui em frente, portanto, seus
vizinhos. Os vizinhos precisam ser muito unidos nestes tempos maus.
GUARDA - /AINDA ABSORTO/ A solução é brilhante: o capital, contra o casamento.
CHUI TA - /DESCULPANDO-SE/ Preocupei aqui o senhor guarda com meus problemas pessoais.
GUARDA - O senhor Chui Ta precisa casar sua prima e sócia Chen Tê, e assim obter algum dinheiro!
CHUI TA - Se fosse tão fácil...
GUARDA - E por que não? Chen Tê é um bom partido. Dona de loja... e bonitinha. /PARA A
TAPECEIRA/ Que acha a senhora?
TAPECEIRA - É uma idéia.
GUARDA - Anuncio no jornal, simplíssimo...
TAPECEIRA - Se a moça estiver de acordo...
GUARDA - Como vai poder ser contra? Eu mesmo escrevo o anúncio, fica por conta dos charutos. E as
autoridades gostam sempre de colaborar na solução das questões sociais. Tem aí um lápis que escreva?
CHUI TA - /GRAVEMENTE/ É uma ideia...
GUARDA - /REDIGINDO/ Moça séria e bonitinha procura cavalheiro capaz de oferecer pequeno dote
em troca de compromisso matrimonial e sociedade em negóciocio altamente promissor... Que tal? Eu
faço isso bem... Podemos por também “moça inteligente e prendada”.
CHUI TA - Se acha que não é demais...
TAPECEIRA - Não é não, conheço ela...

O GUARDA ARRANCA A FOLHA DO CADERNO E ENTREGA A CHUI TA

CHUI TA - Constato mais uma vez que nesta dura vida tudo que um homem precisa é de bons amigos.
Confesso que estava no fundo das minhas forças, com todas as preocupações que este mundo moderno
nos impõe. Pois um homem cava a solução para seu problema até tirar sangue das mãos. Chegam
amigos, dão um conselho e resolvem tudo: um marido é o que me faltava.
.
(falta um trecho da descrição aqui)

COM EXCEÇÃO DE UMA, PEQUENA, NO FUNDO DA CENA. É UM POSTE.


DIANTE DELE UM HOMEM JOVEM OLHA UM CARVALHO. É SUN.
TEM A ROUPA EM FARRAPOS E UMA CORDA NA MÃO. PENSA EM SE ENFORCAR E SE
PREPARA PARA ISSO.

MI TSU ANUNCIA, SENSUALMENTE, A CENA :

MI TSU-
SEGUNDA PARTE!
Amor,amor, amor!
Uma vez definido perfeitamente o perfil socioeconômico da prostituta,um dado novo tão antigo
quanto difícil de equacionar- O AMOR, OAMOR, OAMOR!-complica ainda mais sua luta pela virtude.
Então vejamos.

ENTRAM DUAS PROSTITUTAS, UMA É A SOBRINHA DA PRIMEIRA CENA,


VêEM SUN.

SOBRINHA – É, que tipo esquisito! Não quer vir pra moita comigo, ô bonitão?
SUN - Podia até ser, senhoras... se vocês me comprassem alguma coisa pra comer.
PROSTITUTA - Vamos embora, que desse daí não sai nada: é um aviador desempregado.
SOBRINHA - Hoje não tem mais freguês na rua, vai cair uma chuva...
PROSTITUTA - Vamos tentar.

TROVEJA

SOBRINHA - Vai ser um temporal.

PASSA CHEN TÊ AO FUNDO

PROSTITUTA - Ó, lá vai a bruxa. Botou você e sua família no olho da rua.


SOBRINHA - Não foi ela! Foi o primo. Ela tinha nos dado casa e comida, não tenho que me queixar. Foi
o primo, aquela peste!
PROSTITUTA - Primo ou prima, pra mim é o mesmo. /PARA CHEN TÊ/ Que está fazendo aqui? Já tem
uma loja e ainda quer me tirar freguês?
CHEN TÊ - Não! Estou só de passagem para a casa de chá na beira do lago.
SOBRINHA - Verdade que você vai se casar? Com um homem rico, viúvo, com três filhos?
CHEN TÊ - É verdade. Vou agora me encontrar com ele.
SUN - Não podem ir cacarejar em outro lugar não? Um homem não tem mais um lugar pra ficar
sozinho?
PROSTITUTA - Vagabundo!
SOBRINHA - Idiota!

SAEM

SUN - Putas!
CHEN TÊ - Mas porque odiá-las assim? /VÊ A CORDA QUE SUN JOGOU POR CIMA DE UM GALHO
DA ÁRVORE/ Oh!
SUN - Você fica engraçada quando se espanta!
CHEN TÊ - Pra que essa corda?
SUN - Vá ciscando, junto com as outras! Dinheiro não tenho pra lhe dar, nem uma moeda. Se tivesse não
dava, comprava um copo d’água.
TROVEJA
CHEN TÊ - Pra que essa corda?
SUN - Não é da sua conta! Fora!
CHEN TÊ - Vai chover muito.
SUN - E não pense que vai ficar debaixo da minha árvore.
CHEN TÊ - /DE LONGE/ Não, fico aqui.
SUN - Irmãzinha, que houve? Foi com a minha cara? Não adianta que não vai conseguir nada. Hoje não
estou pra essas coisas e sim para outras.
TROVEJA
CHEN TÊ - Pra que essa corda?
SUN - Eu sou um aviador, sabe o que é isso?
CHEN TÊ - Já vi alguns, na casa de chá.
SUN - Voce nunca viu viu nenhum aviador. Talvez uns imbecis com capacete de couro, sem ouvido para
motores. Só conseguem voar se pagarem o gerente do hangar. Diga a qualquer um deles: “Rapaz. deixa
o avião mergulhar, a dois mil metros de altura, depois sai da queda com um golpe no manchão”!
Eles vão dizer que não faz parte do contrato. Não são aviadores.Um aviador quando pousa seu avião, é
como se botasse a própria bunda no chão! Mas eu também sou um imbecil, como eles: na escola de
Pequim, li todos os manuais de aviação, mas pulei uma página, aquela que diz que eles não precisam
mais de aviadores... Fiquei sendo um aviador sem avião... mas tudo isso é complicado para você
entender...E pare de chorar!
CHEN TÊ - Desculpa
SUN -. Se você acha que eu vou deixar de me matar, porque você está aí me olhando calada, engana-se.
CHEN TÊ - Não tenho nada pra dizer.
SUN - Então, companheira, faz favor, vai embora. .
TROVÃO E RELÂMPAGO.SUN PENDURA A CORDA E EXPERIMENTA A FIRMEZA.

CHEN TÊ - /INDO AO PÚBLICO/ Horror! Deve estar assim por causa do temporal que vem aí.
Em Setsuan não deveria haver raios no céu, nem rios, nem pontes sobre os rios, nem hora do entardecer,
nem frio, nem calor... tudo isso é muito perigoso! Quando um homem vive na miséria, por qualquer
coisinha desiste e se amarra pelo pescoço.

SUN - /PARANDO POR UM MOMENTO/ Você quem é?


CHEN - Comerciante .Tenho uma loja de fumo. Antes eu era puta.
SUN -E quem te deu dinheiro para comprar a loja? Os deuses do céu?
CHEN - Foi.
SUN - E vai até a casa de chá ver se aparece um otário para marido, adivinhei?
CHEN- Como é que voce sabe?
SUN- Me falaram do anúncio.Me diga uma coisa, companheira. com sinceridade: não vai ficar com
saudade de ser puta quando virar uma senhora casada?
CHEN - Não.
SUN - Não te dava prazer a coisa?
CHEN - Não.
SUN - /PASSA A MÃO NO ROSTO DELA/ E isto, te dá prazer?
CHEN - Dá.
SUN - Ah, Setsuan!...
CHEN - Onde estão os seus amigos? Você não tem?
SUN - Ninguém que aguente me ouvir dizer outra vez que estou desempregado... E você? Tem amigos?

CHEN - Apesar da pobreza, ainda existe em Setsuan muita gente boa. Quando eu era menina e
carregava um feixe de lenha maior que eu, um dia levei um tombo. Um velho me levantou e ainda me deu
uma moeda. Ele era pobre também.
TROVÃO
CHEN-Às vezes... as pessoas gostam de ser boas, se pudessem, eram boas o tempo todo. A maldade é um
defeito, uma pobreza. Quando alguém faz alguma coisa de útil... canta uma canção, planta arroz ou
conserta um motor... está sendo bom...

DEPOIS DE UM MOMENTO SUN VAI ATÉ ELA E A BEIJA.


CHEN TÊ ESTREMECE

SUN - Irmãzinha, você me agrada, de tão boba. É que há dois dias que eu não como e há um que não
bebo água. Senão fazia amor com você.

BEIJAM-SE/ MÚSICA EMOCIONADA, ENQUANRO COMEÇA A CAIR A CHUVA.

ENTRA UM PERSONAGEM MISTERIOSO QUE , RECOLHENDO A CORDA DO ENFORCADO,


ANUNCIA:
FIM DO PRIMEIRO FÔLEGO E INÍCIO DO SEGUNDO, INTITULADO: “A MÃO QUEBRADA”.

.
O CENÁRIO É AGORA A PRAÇA EM FRENTE À TABACARIA.
EM CENA: A CUNHADA ,O AVÔ, A SENHORA CHIN E O SOBRINHO.

SOBRINHO- A loja está fechada


CUNHADA - Não passou a noite em casa.
VELHO- Há duas semanas que ela não dorme na loja! Caiu na esbórnia com aquele Yang Sun.
RISOS.
DESEMPREGADO- O aviador desiludido?
SOBRINHA - Não gosto dele .
SENHORA CHIN - Puta é puta.
CUNHADA - Agora que o primo foi embora e que, portanto, podíamos aproveitar um pouquinho, ela não
aparece.

SAI DA BARBEARIA WANG, O AGUADEIRO, SENDO AMEAÇADO PELO SENHOR CHU FU, O
GORDO BARBEIRO DE SETSUAN.

CHU FU - Já te disse dez vezes para não incomodar meus fregueses com essa tua água suja!
WANG - Eu só estava tentando vender...
CHU FU - Um homem não consegue mais impedir que sua loja seja invadida pelos vagabundos...
WANG - Sou um trabalhador: me devolva meu caneco!

CHU FU ESPANTADO COM AQUELA INSOLÊNCIA, ESTENDE O CANECO DE WANG QUE


ESTAVA EM SUA MÃO. OS OUTROS DA FAMILIA ASSISTEM A CENA EM MEIO AOS
ESPECTADORES.
QUANDO WANG VAI APANHAR O CANECO,CHU FU BATE-LHE NA MÃO COM UM FERRO DE
ALISAR. A PANCADA É VIOLENTA.

CHU FU - Toma, para aprender! Agora pega teu caneco! /JOGA/ ENTRA PARA A BARBEARIA/.
SOBRINHO- /PEGANDO NO CHÃO O CANECO/ Bateu com maldade esse filho da puta. Se fosse você,
eu chamava a polícia...
WANG - /COM MUITA DOR/ Acho que quebrou algum osso. /MOSTRANDO/ Dói muito e não mexe...
SENHORA CHIN - Quebrada. Eu te garanto. Coitado. Põe água, que pelo menos não te custa nada.

SAEM TODOS, CUIDANDO DO AGUADEIRO. BLECAUTE.

AMANHECE. O PIANISTA TOCA PELA PRMEIRA VEZ.


ENTRA CHEN TÊ. ENQUANTO ELA FALA COM A PLATEIA O DIA SE DEFINE.

CHEN TÊ- Verde, azul, anil, amarelo, rosa, carmim e vermelho.Violeta, branco e azul.
Estas foram as cores que vim vendo pela estrada neste amanhecer magnífico.
Vi também pessoas, que acordaram cedo e caminhavam em direção ao trabalho.
Aqui e ali havia sorrisos em seus rostos. Deus meu, como a vida é bela!
E quando alguém se apaixona, percebe isso com tanta clareza!
Foi assim que vim pensando e sentindo durante todo o caminho que me trouxe da casa de Sun, meu
amado Sun, até aqui, a esta praça!

NA PORTA DA BARBEARIA SURGE CHU FU, QUE SEM DESPERCEBIDO, OLHAVA A CENA.
AO MESMO TEMPO, NA PORTA DA TAPEÇARIA, SURGEM O TAPECEIRO E A TAPECEIRA,UM
CASAL IDOSO. TRAZEM SEU BALCÃO.

CHU FU - /APAIXONADO/ Como é simpática esta senhorita Chen Tê! Tão bonita! Vejam, me faz até
esquecer os aborrecimentos! Hoje, então.../PARA A PLATEIA/ Bom dia, bom dia, senhores, senhoras, dia
bom!

LUZES SE ACENDEM MAIS FORTES E A AÇÃO TEATRAL PROPRIAMENTE DITA, DIGAMOS


ASSIM, REINICIA.

CHEN TÊ - Bom dia, senhor Chu Fu. Não sou bonita. É que hoje eu queria ser. Vim até pensando em
comprar um xale. / PARA OS TAPECEIROS, APONTANDO UM XALE/ Fico bem com essa cor?
TAPECEIRO VELHO - Oh! Oh! Esta é uma pergunta para se fazer a um homem, senhorita...
CHEN TÊ - Então! Pergunto ao senhor.
TAPECEIRO VELHO - Fica-lhe muito ,muito bem.

CHEN TÊ PAGA.

TAPECEIRA - Tem dinheiro para o xale, mas para o aluguel não terá.
CHEN TÊ - Como a senhora sabe?
TAPECEIRA - Amanhã começa o mês... eu e meu marido conversamos sobre isso. Preocupamo-nos com
a senhorita, queremos ter gente boa na vizinhança.
CHEN TÊ - Agradeço muito. mas que se há de fazer? São duzentos dólares de prata!Tenho de vender a
loja!
TAPECEIRA - Não quer tomar emprestado?
CHEN TÊ - Como?
TAPECEIRA - Eu e meu marido, quando vimos seu anúncio no jornal, oferecendo-se em casamento,
compreendemos a extensão de sua dificuldade... e decidimos ajudá-la. Temos um dinheirinho guardado e
achamos que um belo modo de usá-lo seria ajudar uma pessoa boa como a senhorita. Querendo, pode
nos dar como garantia seu estoque de fumo, mas não é preciso. Sabemos em quem podemos confiar e
confiamos.
CHEN TÊ - Não posso nem acreditar. Os senhores seriam capazes de emprestar dinheiro... a mim?
TAPECEIRA - Se fosse para seu primo, que é estúpido e violento,eu e meu marido jamais
emprestaríamos. Mas para a senhorita, sim.
TAPECEIRO - Aceita?
CHEN TÊ - Aceito. E gostaria que os Deuses estivessem aqui, presenciando esta cena, senhora Deng.
Assim eles teriam certeza de que é possível o mundo continuar.
TAPECEIRO - Tome.
ENTREGAM O DINHEIRO. FAZEM UMA REVERÊNCIA E SAEM LEVANDO O BALCÃO.

ENTRA WANG, COM DOR, MOSTRANDO PARA ELA A MÃO QUEBRADA..


CHEN TÊ VÊ WANG: O PIANISTA FAZ UM FORTE ACORDE DRAMÁTICO, TERMINANDO ASSIM
SUA PRIMEIRA APARIÇÃO.
ENTRAM TAMBEM PARTE DA FAMÍLIA (VELHO, VELHA, SOBRINHO, SOBRINHA)

CHEN TÊ - / HORRORIZADA/ Que houve com a sua mão?


VELHO - O Barbeiro Chu Fu quebrou-a, sem dó nem piedade, com uma pancada só!
CHEN TÊ - /MUITO AFLITA/ Wang, você tem de ir ao hospital, já, antes que fique aleijado para sempre
e não possa mais trabalhar! Vamos, vou levá-lo...
SOBRINHO - Eu não ia ao hospital, ia à delegacia. Reclamar uma indenização. O barbeiro tem
dinheiro...
WANG - Você acha que consigo uma indenização?
SOBRINHA - Queria eu ter esta mão quebrada. Vai precisar de uma testemunha, para provar que foi o
barbeiro, só isso.
WANG - E fácil. Todos viram muito bem, podem contar o que viram.
DIANTE DISSO O DESEMPREGADO, A CUNHADA E A AVÓ SE RETRAEM.
VELHA - Vi, mas com a polícia não me meto.
CHEN TÊ - /PARA A CUNHADA/ Você viu?
VELHO- Eu estava olhando para o outro lado.
SENHORA CHIN - Tem medo do barbeiro, que é rico e pode se vingar.
CHEN TÊ - /PARA A SOBRINHA/ E você, que é jovem?
SOBRINHA-Ninguém acredita nos jovens.
ENTRA O AVÔ
SOBRINHO- O avô é cego,cego não vê...
CHEN TÊ - /PARA O SOBRINHO/ Então contamos só com você. Wang pode ganhar com isso uma
pensão para a vida inteira.
SOBRINHO - Sinto muito, não sirvo. Tenho ficha na polícia, por vagabundagem. E suspeita de roubo.
CHEN TÊ - Não acredito, não posso acreditar que vocês se recusem a ajudar! Ah, desgraçados... a mão
dele está quebrada! Vocês viram e ficam calados. Que cidade é esta? Onde estamos? Então a violência
age sem medo, porque todo mundo finge que não estava olhando? Dando graças a Deus porque, desta
vez escapou? Onde estamos? Que cidade é esta? Melhor seria que um incêndio destruisse tudo! Mas eu
não preciso de vocês! Wang, eu não vi, mas direi que vi!
SENHORA CHIN - Falso testemunho. Crime.
CHEN TÊ - Não me importa. Vá a delegacia. Wang, dê meu nome.
WANG - Obrigado. /SAI CORRENDO/ Ai, como dói!
A SENHORA CHIN CORRE PARA DENTRO DA BARBEARIA.

SOBRINHO- Malandra. Foi avisar ao barbeiro da tramoia, pra ver se ele dá uma gorjeta.
CHEN TÊ - São todos iguais. Desapareçam da minha frente! /AGARRANDO O DINHEIRO/ Ainda bem
que consegui o aluguel da loja, alguém tem de continuar lutando! Desapareçam!

TODOS SAEM, FUGIDOS.

CHEN TÊ - Estes não são mais humanos,são bestas que se devoram , enlouqueceram de fome!.

ENTRA A SENHORA YANG.


ELA É A MÃE DE SUN.

SENHORA YANG - Senhorita Chen Tê? Sou a senhora Yang. Sou a mãe de Sun.
CHEN TÊ - A mãe dele?
SENHORA YANG - Não sei se fiz mal em procurá-la, mas como sei que gosta de meu filho, é preciso que
saiba que ele agora pode arranjar um emprego. Chegou esta manhã uma carta de Pequim: há finalmente
uma vaga de aviador nos correios aéreos.
CHEN TÊ - Então ele vai poder voar outra vez. Isso é maravilhoso!
SENHORA - O emprego custa muito dinheiro, que ele não tem como arranjar.
CHEN TÊ - Quanto?
SENHORA YANG - Quinhentos dólares de prata.
CHEN TÊ - Tome! São duzentos! /ENTREGA O DINHEIRO/ Não me pertencem de verdade, vieram de
um milagre, para pagar o aluguel e manter a loja. Mas nessas coisas terei de pensar depois. Leve, leve o
dinheiro. Entregue a Sun. Diga a ele que voe, que é preciso que alguem voe por cima da nossa miséria.

A VELHA SAI CORRENDO COM O DINHEIRO

CHEN TÊ - Estou perdida, eu não poderia ter feito isso! Por duzentos dólares eu ia perdendo a loja!
Por duzentos dólares, da bondade alheia, recuperei a loja. Por paixão, perdi duzentos dólares e a loja,
prejudicando a mim e a todos os outros. Minha paixão me perde, minha bondade me mata
A ele devo recorrer, a ele que odeio, a ele, que jurei nunca mais ver. Ele é o único que pode me salvar.

COLOCA A MÁSCARA DE CHUI TA, MÚSICA PERIGOSA

CHEN TÊ - Ele me salvará outra vez...

/E VESTINDO-SE COMO CHUI TA,CANTA,ACOMPANHADA PELO PIANISTA.

CHEN TÊ/CHUI TA-

Tanques e canhões!
Hoje em dia
para comer no almoço
Um homem tem de ter mais força
que um fundador de impérios...
Tanques e canhões !
Derrubar uma dúzia pelo menos
a cada metro do caminho... essa é a vida hoje em dia
tanques e canhões!
por que os deuses não os têm?
Por que não protegem os bons contra os maus
com tanques e canhões?
Será que não compreenderam
que chegou há muito a hora
de gritar fogo
e pensar depois?
Tanques e canhões!

DURANTE A CANÇÃO A CENA VOLTOU A SER O INTERIOR DA TABACARIA.


CHUI TA EM CENA PELA SEGUNDA VEZ.

SUN ENTRA.

OLHAM-SE

SUN - Chen Tê...


CHUI TA - Não está.Está o primo.
SUN - Certamente o senhor sabe de minhas ligações com ela. Puxa, eu nunca tinha estado aqui. Um
bocado de mercadoria . Vale na certa trezentos dólares.
CHUI TA - Talvez mais um pouco.
SUN - É de trezentos que eu preciso. Ela já me deu duzentos. quero mais trezentos. Pensei que o senhor
pudesse adiantá-los, em nome de sua prima, que não recusa nada que eu peço.
CHUI TA- O senhor poderia repetir esta quantia em alto e bom som?
SUN- Trezentos.
CHUI TA - Duzentos mais trezentos. São então quinhentos dólares ao todo.Vejo que eu e minha prima
somos a única fonte da qual o senhor dispõe.
SUN- Pode ser dito assim.
CHEN Tê- E o dinheiro é para quê? Posso saber?
SUN - Tenho um amigo em Pequim, gerente de um hangar. Por quinhentos dólares ele dá um jeito de
descobrir algum deslize de um aviador de lá, botá-lo para fora e me empregar.
CHUI TA - Não me parece uma atitude honesta.
SUN - E daí?
CHUI TA - Depois ele pode usar do mesmo procedimento contra o senhor.
SUN - Não vou cometer deslizes... Sou o melhor aviador da China e estou desempregado há muito tempo.
CHUI TA - Entenda o seguinte, senhor aviador: se minha prima lhe der esse dinheiro todo, ficará
arruinada... Eu suponho que o senhor vai casar com ela? Se me permite perguntar.
SUN - Talvez eu até case.
CHUI TA- Talvez?
SUN- Por que, o senhor é contra?
CHUI TA - Não me meto nos negócios sentimentais de minha prima. Quanto ao valor do estoque
poderemos logo saber qual é. Vem chegando a senhora Mi Tsu, dona deste imóvel: ela deve ter uma
noção.

ENTRA A SENHORA MI TSU.

MI TSU - Bom dia, senhor Chui Ta. O contrato vence amanhã, então vim saber do senhor como posso
receber meus duzentos dólares dos alugueis.
CHUI TA - Creio que não vai ser preciso alugar loja alguma, senhora Mi Tsu. A vida de minha prima
mudou de rumo. Ela prefere não manter a loja, posto que vai casar-se- talvez- com o senhor Yang Sun
aqui presente. Se me oferecerem um bom preço pelo estoque de fumo, vendo tudo e acabou-se.
MI TSU - Compreendo. E quanto o senhor acha que vale o estoque?
PAUSA
SUN - Trezentos dólares é negócio fechado.
CHUI TA - Não, não é! Com que direito o senhor negocia?Perdão, senhora Mi Tsu: quinhentos dólares
de prata! Minha prima comprou o negócio por mil e quinhentos dólares de prata e a desvalorição não
foi tanta...
MI TSU - Foi passada para trás claro, imagine, mil e quinhentos . Dou trezentos ,como disse o rapaz,
para não me aborrecer, se me entregarem a loja amanhã.
SUN - Está bem assim.
CHUI TA - Não , não está ! Com que direito o senhor negocia?? É pouco.
SUN - Mas basta, é só trezentos que preciso!
CHUI TA - Permita, senhora Mi Tsu, que eu explique em particular ao noivo, certos detalhes que ele
desconhece. /PUXA SUN NUM CANTO/ Este negócio não é seu de modo que o senhor desconhece certos
detalhes administrativos.
/ENTREDENTES/A mercadoria do estoque está penhorada ao casal de tapeceiros por 200 dólares. De
prata! Que são os mesmos que minha prima lhe deu, entende agora?Precisam ser devolvidos: duzentos
mais trezentos, quinhentos!
SUN - Esta penhora com os tapeceiros... foi assinada em juízo?
CHUI TA - Não, em confiança
MI TSU- Confiança ?
SUN - /PARA MI TSU/ Aceitamos os trezentos dólares...
MI TSU -Vejo que estão de comum acordo. Pagarei de bom grado os trezentos, para ajudar o início de
vida de um casal apaixonado. Até amanhã.
SAI.

CHUI TA - /TRÊMULO/ E o dinheiro para as despesas de viagem e para os primeiros dias em Pequim?
SUN - Nisso eu penso depois.
CHUI TA - Não é pouco? Afinal, são duas pessoas.
SUN - Vou sozinho. No início, levar alguém comigo seria um peso.
PAUSA
CHUI TA - E minha prima, como vai viver?
SUN - Como sempre viveu.
CHUI TA - Senhor Yang Sun, não me parecem boas suas intenções. Talvez... eu me oponha totalmente a
este casamento! E, por consequência, a toda a transação que o envolve!
SUN - E o senhor acha que vai adiantar alguma coisa se opor? Falemos de homem razoável para homem
razoável, senhor Chui Ta! Não gosto de revelar segredos íntimos, mas o senhor sabe como são essas
coisas do amor...A mulher é louca por mim. E o que eu disser, ela faz!
SAI

SENHORA CHIN ASSISTIA TUDO NUM CANTO.

SENHORA CHIN - Que homem antipático! Eu vou e chamar o barbeiro, pro senhor conhecer! Com ele
sim é que Chen Tê tem de casar!!!.É um homem de posses e respeito, cai de amores por ela.Uma pessoa
severa como o senhor sabe que não se despreza assim um bom partido, principalmente quando se quer
manter uma loja de fumo.Vou chamar...
SAI.
MAS NEM PRECISA, POSTO QUE ENTRA O BARBEIRO CHU FU, OFEGANTE.
CHU FU- Senhor Chui Ta...
CHUI TA - Que acha da minha prima, senhor barbeiro Chu Fu?
CHU FU - /MUITO NERVOSO/ Bem, o senhor compreende, já não sou criança e... tenho
responsabilidades, mas... Estou completamente apaixonado pela senhora sua prima, a doce senhorita
Chen Tê! Não sei como isso foi me acontecer, mas pelos deuses que assim é!
CHUI TA - Mas o que lhe agrada tanto numa moça tão modesta?
CHU FU - Seu coração e seus bons sentimentos, senhor Chui Ta. Ela é um anjo. “O Anjo do Subúrbio”,
assim andam chamando. Fazer o bem é a vocação de sua prima. Todos os dias de manhã fico vendo a
alegria com que ela dá arroz aos necessitados que lhe batem na porta!
CHUI TA - Muito bem ,comovente, direi a ela, passar bem.
CHU FU - Então diga também que pensei numa coisa. Uma coisa que talvez lhe agrade especialmente.É
que muitos deles - esses pobres que ela gosta - não têm onde dormir e que eu, humilde eu, lembrei que
tenho um enorme galpão vazio atrás do matadouro, que comprei por uma ninharia.Pelo menos os pobres
terão um teto, ja é alguma coisa.
CHUI TA- (LOUCO COM AQUELA POSSIBILIDADE INESPERADA, MAS SEM DAR A
PERCEBER)Sem dúvida, é muito. Barbeiro Chu Fu. esta sua hipótese...
CHUFU- Diga à sua prima que o galpão está à disposição dela. Para abrigar quem achar que precisa.
Ela vai gostar disso, não?
CHUI TA - Talvez até fique comovida.
CHU FU - À disposição dela e dos pobres do bairro! Diga também que não peço nada em troca. Talvez
apenas uma ceia, num pequeno restaurante, decente, para falarmos e conversarmos sobre uma
possibildade de matrimônio, sem que nada lhe seja pedido ou exigido! Acha que sua prima aceitará o
convite?
CHUI TA - Provavelmente. Não será melhor para todos?

ENTRA UM PERSONAGEM MISTERIOSO QUE ANUNCIA:

INTERVALO. 1O MINUTOS PARA O SEGUNDO ATO, OU TERCEIRO


FÔLEGO, QUE SE INTITULA “A IRA DO SR. CHUI TA”.

Fim do primeiro ato

SEGUNDO ATO

CENA 1
CHEN TÊ E A SENHORA CHIN TIRAM ROUPAS DE UM VARAL.

SENHORA CHIN - Voce está errada! Tinha de sacrificar tudo, qualquer coisa, e ficar com a loja! Uma
loja é uma loja, e mesmo quando vai mal...
CHEN TÊ - Sem discussão, senhora Chin, nem mais uma palavra a respeito.Não posso pagar o aluguel,
tenho de devolver o dinheiro dos tapeceiros. E não posso recusar o galpão. A tapeceira me procurou,
logo depois que o barbeiro Chu Fu saiu da loja de fumo.Veio chorando. Eles precisam dos 2oo dólares
de volta, senão perdem a tapeçaria.Tinham uma dívida que ignoravam, bateu lá um fiscal de impostos,
homem severo, incorruptível por menos de duzentos dólares. Seu marido, Senhor Mong o tapeceiro, não
dorme mais às noites, e ficou doente de tanta precocupação, está até com muita febre.
São situações, Senhora Ching, em que é melhor morrer que suportar, há situações na vida assim,
senhora Chin.
SRA.CHIN- Chama o primo...
CHEN TÊ- Foi viajar ! Não sei quando volta ! Tem os negócios dele para tratar, eu tenho os meus.
Senhora Chin, repito que estou decidida: vendo o estoque pelos 3oo combinados com a Senhora MiTsu,
pago 2oo aos tapeceiros. E ainda fico com cem para os dias de chuva e frio, quando os fregueses são
raros. Sem falar no Galpão que o barbeiro ofereceu...Talvez eu case com ele, é um bom homem. Apesar
de ter sido ele quem quebrou a mão do aguadeiro. Não me esqueço, a vida é complicada.
SENHORA - Mas Yang Sun, o seu amado ? Aquele da rua Amarela? Concordou de bom grado com toda
esssa benfeitoria?
CHEN TÊ- Não. Quis convencer meu primo a vender o estoque e lhe dar trezentos dólares. Eu não quis,
ou não pude, e Sun resolveu não casar mais comigo. Que seja. Há situações na vida que é melhor morrer
que suportar. Entrego a Loja, basta.
SENHORA CHIN - Então é o fim de tudo./ACHANDO/ Como é que veio parar aqui a calça do senhor
Chui Ta? Você não disse que ele foi embora para sempre? Foi sem calças?

ENTRA AFLITO O SENHOR CHU FU.

CHU FU - Não minta para mim, senhorita: sei de tudo, a cidade é pequena. A senhorita mais uma vez se
sacrifica, trocando o grande amor de sua vida, e a loja, para poder honrar uma dívida com os
tapeceiros: “anjo do subúrbio”, “anjo”! Mas eu não consigo dormir, rolo na cama a noite inteira,
pensando que a senhorita vai embora, e portanto a bondade vai embora de SetSuan!
Olha aqui, olhe! /MOSTRA UM CHEQUE/ Um cheque em branco, assinado por mim, para a senhorita
sacar quanto for preciso! Em branco! Assim age Chu Fu quando ama!

DEIXA O CHEQUE E VAI EMBORA CHORANDO COMO UM BEBÊ.

CHEN TÊ - Senhor Chu Fu, venha cá!


SENHORA CHIN - /PEGANDO O CHEQUE/ Milagre! Outro milagre! Senhorita, acredite! Não apenas
as vicissitudes lhe persegue, mas também os milagres! Será que é assim com toda alma boa?
CHEN TÊ - Me dê aqui. /PEGA O CHEQUE/ Como alguém pode deixar por aí um cheque em branco? O
barbeiro ficou louco!
SENHORA CHIN- De paixão, sorte sua.
CHENTE- Senhor Chu Fu! (INDO) Vou devolver isso imediatamente...
SENHORA CHIN - Devolver! Não vai ! Isto seria ultrapassar os limites da própria natureza, seria um
crime! Já sei, está achando que, se aceitar, vai ter de casar com o gordo?Tolice. Fique com o cheque
e não case! Ele gostará, gosta de ser maltratado, este tipo de homem é assim mesmo. É um vício deles
sem o qual não vivem.
CHEN TÊ - Senhora Chin! Me ajude! Me sinto tonta, vou desmaiar!
SENHORA CHIN - /SEGURANDO ELA/ Já sentiu essa tonteira muitas vezes? E também um certo enjôo?
Meu Deus, esses peitinhos, hein, como estão fartos! Garanto que isso é criança que vem por aí, agora
mais essa! Coitada, agora não pode mais casar nem com o barbeiro.
SENHORA CHIN SAI MENEANDO A CABEÇA.

CHEN TÊ FICA EM CENA SOZINHA E EXAMINA A BARRIGA. PERPLEXA.

CHEN TÊ - Meu Deus! Estou grávida! Há um homenzinho crescendo dentro de mim! Meu Deus! Meu
Deus! Outro milagre! /E SE APROXIMANDO DA PLATÉIA/ O mundo inteiro espera por ele, em
segredo. Creiam, aí vem um com quem vai se poder contar!

ENTRA WANG
WANG - Chen Tê, sei que tudo vai mal, muito mal, mas encontrei ali, perto do monte de lixo, lembra
aquele do qual ficaram perto os deuses... Pois bem , eu ia passando por ali quando vejo quatro meninos
por ali, ciscando no lixo para ver se arranjavam alguma coisa para comer.
CHEN TÊ- Horror !
WANG- Ai reconheci os meninos, eram os filho do marceneiro Lin To, lembra, aquele das prateleiras?
O carpinteiro perdeu a oficina faz algumas semanas, e desde então não parou de beber. De modo que
seus filhos estão com fome e soltos na rua ...(TERMINA O FÔLEGO) Chen Tê, desculpe perguntar, mas
o que podemos fazer?
CHEN TÊ - /DEPOIS DE UM MOMENTO/ Vá buscá-los imediatamente, Wang! Tire-os de lá e limpe
suas boquinhas, todas. /PARA A PLATÉIA/ Alguém aí pode abrigá-los?Alimentá-los ?Eu posso, no
galpão do senhor Chu Fu! Wang, também eu estou esperando um filho.
WANG- Um filho !
CHEN TÊ- E com certeza também logo precisarei do galpão. Procure tanbem o carpinteiro, diga-
lhe para vir unir-se aos seus.
WANG - Obrigado. Uma alma boa sempre arranja solução para qualquer coisa..
CHEN TÊ - E perdoe não ter testemunhado a seu favor no caso de sua mão. Meu primo não deixou ,o
barbeiro tem um galpão...
WANG -Bobagem, já nem sinto falta da mão. Veja como faço agora. /MANOBRA A ÁGUA COM UMA
MÃO SÓ E SAI/

CHEN TÊ OBSERVA SUA PROPRIA BARRIGA.

CHEN TÊ - Ó filho meu! Ó aviador!Que mundo é esse em que eu te ponho?


Crianças inocentes buscando comida no lixo !
Se tenho de assistir a isso então, nesse instante, me separo de vocês, passo para o outro lado!
Meu filho defenderei a qualquer preço, eu juro! Ele não procurará comida no lixo. Se não podem ser
todos, ao menos ele, eu juro!Tudo que sofri na rua, todas as maldades que me fizeram
tudo que pude aprender de violento e cruel servirá apenas para te servir, filho meu!
Contigo serei boa e uma fera com os outros, se preciso for!

VAI PARA DENTRO TRANSFORMAR-SE DEFINITIVAMENTE EM CHUI TA.

ENTRA TODA A FAMÍLIA POBRE DO INÍCIO DA PEÇA.

CUNHADA - A loja fechada de novo!


SENHORA CHIN - E vocês vão todos pro galpão do otário!
SOBRINHO - Numa dessas noites frias invadimos o lugar. É um lixo, por isso o barbeiro ofereceu. Até os
buracos dos ratos são úmidos, o assoalho apodrece, o sabão está mofando...
VELHO - Ela devia chamar o primo. O senhor Chui Ta é que sabe resolver as coisas.
SOBRINHO- Ele tem senso prático. E a violência para impô-lo. Se alguém tem de mandar na gente, que
pelo menos seja um assim.
DESEMPREGADO - Também acho que no final das contas Chui Ta é muito melhor.

ENTRA CHUI TA

CHUI TA - Alguem disse meu nome? Pronto, aqui estou. E vocês, onde é que pensam que estão?
DESEMPREGADO - Senhor Chui Ta!
WANG - A senhorita Chen Tê arranjou pousada para todos nós... No galpão do barbeiro.
CHUI TA - O galpão do Senhor Chu Fu não é albergue!
VELHA - Não podemos mais ir para lá?
CHUI TA - Senhorita Chen Tê mudou de ideia. Resolveu viajar por muitos meses, não tem data de volta.
Mas deixou um recado. Que não é do feitio dela deixar ninguém ao relento, mas que agora haverá uma
troca de benefícios. Fica proibido, por exemplo, a distribuição de comida sem a correspondente
prestação de serviços. Aqueles que desejarem ir para o galpão do senhor Chu Fu poderão fazê-lo, desde
que trabalhem para mim.

TIRA O ChEQUE EM BRANCO DO BOLSO E PREENCHE-O.

CHUI TA - Não há nada que um homem inteligente não saiba resolver.Vamos montar uma indústria
nesta insignificante cidade. Tornei-me sócio do honorabilíssimo barbeiro Chu Fu. É chegado o tempo de
industrializar Setsuan..
AVÓ - / À PARTE/ Ja tivemos negócio nosso, sabemos como funciona. Se é para trabalhar é melhor por
conta própria.
CHUI TA- Para o Galpão,seu bando de cães! Ou preferem que eu chame a polícia?
TODOS - /CADA UM NO SEU TEMPO/ Não.
CHUI TA - Então ao trabalho, seus indolentes. Ao trabalho, estou mandando,antes que seja tarde!

ENTRA A SENHORA MI TSU

MI TSU - Senhor Chui Ta, vim para comprar o estoque. Aqui estão seus trezentos dólares, conforme o
combinado.
CHUI TA - E aqui estão dez mil, em cheque assinado pelo rico barbeiro Chu Fu.
MI TSU - O que é isso?
CHUI TA - Capital inicial para compra de maquinário.
MI TSU- Como ?
CHUI TA - Minha prima mudou de ideía. Não vende mais a loja, paga o aluguel. Assim que eu trocar o
cheque lhe mando a pequena quantia - quanto é mesmo? Ah, sim, duzentos. Vou precisar da loja para
escoar a produção de nossa pequena indústria.
MI TSU - Industrua ? Espírito prático ?Não entendo nada. E o dinheiro para o aviador?
CHUI TA - Nada de aviadores, pés no chão.

O CENÁRIO SE TRANSFORMA NO ABAFADO GALPÃO, ONDE DEBAIXO DO CHICOTE DE CHUI


TA, TODOS TRABALHAM MUITO. A MÚSICA É VIOLENTA E TAMBÉM A INTENÇÃO. FUMAÇA.

A SENHORA YANG, NUM NERVOSISMO E EM VOZ ALTISSIMA, NARRA ALGO.

SENHORA YANG - Permitam-me, abastados senhores, que eu lhes conte agora como meu filho Sun,
graças a sabedoria do senhor Chui Ta...
TODOS REPETEM - Chui Ta.
SENHORA YANG - ...deixou de ser um cafetão mentiroso e passou a ser um cidadão útil. Como todos
sabem, Chui Ta...
TODOS REPETEM - Chui Ta.
SENHORA YANG - ...abriu uma pequena fábrica de fumo, perto do matadouro e agora em pleno
progresso. Faz três meses, fui procurá-lo!

CONTRACENAM ALI MESMO, EM MEIO AO TRABALHO INTENSO.

CHUI TA - Em que lhe posso ser útil, madame?


SENHORA YANG - A polícia bateu na minha porta hoje de manhã para prender meu filho, em nome da
sua prima Chen Tê. Por quebra de promessa de matrimônio e apropriação indébita de duzentos dólares!
CHUI TA - Então agiu certo, eficiente a polícia. Fui eu que mandei. Vamos com isso.
SENHORA YANG - /CHORANDO/ Pelo amor dos deuses, dê a meu filho uma chance. Sua prima gostava
tanto dele!
ENTRA SUN
SUN - Honoradíssimo Senhor Chui Ta, não posso devolver o dinheiro! Gastei.
CHUI TA - Com bebida, me contaram. Senhora Yang, o que posso oferecer a este rapaz é um emprego na
minha fábrica. Assim os duzentos dólares poderão ser descontados em parcelas do salário.
SENHORA YANG - Eu lhe agradeço, o senhor é boníssimo. /PARA SUN/ Vá trabalhar sua lesma, em vez
de matar sua mãe aos poucos.
/SUN VAI. SENHORA YANG CONTINUA,PARA PLATÉIA/

SENHORA YANG- Nas primeiras semanas foi duro para Sun, trabalhar na fábrica. Orgulhoso como ele
é, e sempre com a maldita mania de ser aviador. Até que no vigésimo terceiro dia, o ex-carpinteiro Lin
To e ele foram chamados para carregar uns pacotes especialmente pesados...

CARPINTEIRO - /CARREGANDO/ Não aguento nem mais um passo. Sou um homem doente, meu
coração vai explodir!
SUN - Me dê isso, seu merda! Chui Ta aparece sempre a essa hora! Ai de nós se o trabalho não estiver
feito. /CARREGA O FARDO DO OUTRO/

CHUI TA ENTRA E VÊ

CHUI TA - Calma lá! Que é isso? /PARA O CARPINTEIRO/ Por que está levando um pacote só?
CARPINTEIRO - Estou me sentindo um pouco doente hoje e o senhor Yang...
CHUI TA - Não quero troca de favores aqui dentro! Volte ao depósito e venha de lá com três pacotes, se
não quiser ser despedido.

SENHORA YANG - No fim daquela semana, na hora do pagamento...

CHUI TA COM A BOLSA DE DINHEIRO.


DE PÉ AO LADO ,O GERENTE (QUE É O ANTIGO SOBRINHO) .
FORMA-SE UMA FILA DIANTE DA MESA.

GERENTE - Yang Sun, seis dólares de prata!


SUN - Está errado, são apenas cinco. /PARA O PÚBLICO/ Não adianta aceitar, que os erros aqui são
descobertos logo.
CHUI TA - /CHAMANDO SUN NUM CANTO/ Outro dia eu percebi que você tem bons músculos e não
nega sacrifícios quando se trata do bem da firma. Agora vejo também que é honesto. Escute: acontece
muitas vezes isso, do gerente errar no pagamento?
SUN - Ele é amigo dos operários, gosta de fazer favores.
CHUI TA - Obrigado pela informação. Merece uma recompensa. /DÁ-LHE UMA MOEDA/

SUN - /RECUSANDO/ Isso não. O que eu quero é uma oportunidade de mostrar meu valor. Faça uma
semana de experiência comigo, Senhor Chui Ta, na posição de gerente e verá o que esta firma pode
render. Sou bom capataz.

MÚSICA VIOLENTA. COMANDADOS POR SUN, OS TRABALHADORES AUMENTAM A EXAUSTÃO


O RITMO DO TRABALHO.
SUN - Mais depressa com esse cesto! Quem não aguentar senta no chão, para eu ver porque o trabalho
não anda! Depressa! Mais depressa, acabou a preguiça. Todos no compasso. Isso é trabalho honesto,
minha gente! A vida é dura, mas que se há de fazer?

NO ESCRITÓRIO DE CHUI TA.CHUI TA ACABA DE DESPEDIR-SE DOS TAPECEIROS. SRA.CHIN


LAVA O CHÃO.

CHUI TA - Se eu soubesse lhes diria, mas não tenho a menor ideia de quando ela vai voltar.
TAPECEIRA - Recebemos pelo correio um envelope fechado, em branco. Quando abrimos, eram os
duzentos dólares de prata que ela nos devia. Gostaríamos de agradecer...
/RETIRAM-SE/.
SENHORA CHIN - Recuperam o dinheiro tarde demais, perderam a loja por não pagar os impostos...
CHUI TA - No início eu não podia desviar nenhum, caso contrário não montava a fábrica.
/ENTONTECE/ Que tonteira, quase caí...
SENHORA CHIN - /AGARRANDO-A E PONDO-A SENTADA/ Sétimo mês, é assim mesmo. Eu cuido de
você . E não digo nada a ninguém.
CHEN TÊ/CHUI TA- Então a senhora sabe?
SENHORA CHIN- Todo o tempo aqui, fazendo o serviço...(E ENTUSIASMADA) Muito bem pensada
essa história do primo ! Tão bem pensada que mesmo eu me confundo. Não sei se foi o primo que virou
prima ou vice versa./
CHUI TA - Então posso contar com a senhora, senhora Chin?...
SENHORA CHIN - Sou boa parteira. Vai lhe custar dinheiro, naturalmente...
CHUI TA - Nada é de graça. O que me preocupa é o tamanho da barriga: não é possível que todos
tambem não reparem...
SENHORA CHIN - Claro que reparam. Mas pensam que é prosperidade. A fábrica não está dando
lucro? Então?É natural que o senhor engorde um pouco.

ENTRA SUN

SUN - Com licença!


CHUI TA - Até amanhã, Senhora Chin! Aproxime-se ,capataz Sun.
SUN - Patrão, veja /TIRA UM PAPEL DE UMA PASTA/ Mais um aviso da polícia, querendo fechar a
fábrica, repetindo que o máximo de operários que eles permitem é o dobro do que reza a lei. Eu lhe
avisei disso, venho falando, mas o senhor não toma providências. Perdão, não é minha intenção criticá-
lo, mas venho notando que ultimamente seu vigor decaiu. Está indeciso, tem caprichos... e a época não
permite isso!

ENQUANTO ELE FALA CHUI TA PEGOU UM EMBRULHO (UM CHAPÉU E UM CASACO)

CHUI TA - Tome. Quero meus empregados bem vestidos.


SUN - O senhor comprou pra mim...
CHUI TÁ - Se lhe ficará bem.
SUN - Vou experimentar, com licença. /E VAIDOSÍSSIMO/ É que, senhor Chui Ta, o galpão do barbeiro
serve para aquela gentinha que trabalha lá dentro, mas o mofo prejudica a qualidade do produto final e
isso é um problema grave. Se o senhor me permitir, eu mesmo falarei com a senhora Mi Tsu sobre certos
locais que ela estaria interessada em negociar, para ampliação da fábrica. Aí sim, teremos um negócio
de verdade! Porque esses próprios operários, senhor Chui Ta, foram bom no início, mas agora não
servem mais. Somente com gente mais sadia será possível superar a produção do mês passado.
CHUI TA - Impressionante seu espírito prático. E ficou-lhe bem o chapéu.
SUN - Repito, Se o senhor permitir, eu mesmo falarei com a senhora Mi Tsu. Confesso que ela levanta as
asinhas para o meu lado, a safada. Ou seja, tenho boas condições para negociar.
CHUI TA - Verdade.
SUN - Está nervoso por alguma coisa? Alguma coisa o desagradou? Deve ser a chuva! Sempre que
chove o senhor fica nervoso.

DE FORA VEM A VOZ DO AGUADEIRO

WANG - Comprem água!Um gole que seja, para eu ter o que comer.
SUN - Maldito aguadeiro! A voz dele me irrita! Quer que mande calar?
WANG - /VAGANDO ENLOUQUECIDO OU BÊBADO/ Então não há mais nenhuma alma boa nesta
cidade? Onde estará aquela que mesmo num temporal era capaz de me comprar um copo, com seu
último tostão? Onde está Chen Tê? Ninguém viu? Ninguém sabe onde está?
/ENTRANDO EM CENA/ Senhor Chui Ta, quando Chen Tê volta? Fazem seis meses que partiu e sinto
saudades... Além das preocupações. Que é um mundo feroz esse nosso. Quem sabe alguém não fez mal a
Chen Tê?Seus amigos precisam saber que fim ela levou...
CHUI TA - Não tenho tempo para esses assuntos: volte na semana que vem!
WANG - Não é tão simples, excelentíssimo. Como, por exemplo, explicar o mistério do arroz?
SUN - Que mistério?
WANG - A tigela de arroz que Chen Tê sempre deu aos necessitados! De uns tempos para cá voltou a
aparecer na porta da loja, toda manhã!
CHUI TA - Mentira! O que o senhor quer dizer com isso?
WANG - Que talvez ela não esteja viajando.
CHUI TA - Então eu vou lhe dar sua resposta para o senhor não perguntar mais! Se é amigo de Chen Tê,
esqueça dela.
WANG - Isso não posso fazer, senhor Chui Ta. A menina antes de desaparecer me disse que estava
grávida! Pobrezinha...

CHUI TA SAI, QUASE FUGINDO.


SUN OUVIU OFINAL DO DIÁLOGO, AGARRA WANG PELA GOLA.

SUN - Grávida? Grávida?

LARGA WANG, QUE SAI CORRENDO.

SUN- (PARA A PLATÉIA) Então me fizeram de idiota. Porque se o filho nasce, é o herdeiro do negócio,
ou seja, o negócio é meu! Não sou empregado, sou patrão! E ainda fico contente com um chapéu coco!
Chui Ta filho da puta! Chui Ta trapaceiro! /TENDO A IDÉIA/ Agora eu entendi tudi ! Ele deu um sumiço
em Chen Te para não ter de dividir o patrimônio! Coitadinha ! Também, nunca soube se defender ! Chui
Ta ladrão! Assassino!Mas o arroz na porta? Será que Chen Tê ainda está por aqui? Ou nunca saiu
daqui?Portanto está presa, sequestrada! Chui Ta sequestrador! E que ruído é este que ouço agora por
trás da porta do depósito? Conheço estes estalos interrompidos, são soluços de uma mulher que chora!
/BATENDO/ Chen Tê! Abre! /E SAINDO DE CENA/ Polícia!!!

AS LUZES BRILHAM DO NÔVO , COMO NO INICIO DE PEÇA. MUSICA DOS DEUSES

ENTRAM BRILHANTES COMO O OURO, OS 3 DEUSES DO INÍCIO DA PEÇA.


WANG VEM ENCONTRÁ-LOS.

WANG - Santíssimos, enfim estais de volta! Aconteceram coisas horrÍveis na tabacaria de Chen Tê!
Um primo apareceu e tomou conta do negócio, que diga-se de passagem vai muito bem.
Acontece que o primo é violento e mau e ao que parece assassinou a nossa amiguinha.... Para ficar com
a loja, é o que tudo leva a crer. A polícia bateu lá e descobriu bem escondidas as roupas de CHEN TÊ. O
capataz Yang Sun tinha ouvido uma mulher chorar dentro do depósito. E o primo recusa-se a dar
qualquer informação! De Chen Tê, nenhum rastro! Tudo foi revirado! Ou seja, o primo matou a pequena
e sumiu com o corpo: tragédia em Setsuan!
DEUS 1 - Tudo está perdido, pobre Universo! Em nosso caminho encontramos pouquíssimas almas boas,
que logo depois deixavam de sê-lo. Nossa esperança resumia-se a Chen Tê !
DEUS 2 - A raça humana não presta.
DEUS 3-São monstros que se devoram.

CENA FINAL: O JULGAMENTO

A CENA É INVADIDA POR TODOS OS PERSONAGENS DA PEÇA: MAIS OS 3 DEUSES.

ENTRA CHUI TA

CHUI TA - /VENDO OS JUÍZES/ Os senhores! Eu reconheço os senhores!


DEUS 1 - Mas nós não o conhecemos! Sabemos porém que se chama Chui Ta, vulgo Rei do fumo.
Sobre o senhor pesa a grave acusação de ter assassinado sua prima e se apropriado de seus negócios.
Considera-se culpado ou inocente?
CHUI TA - Inocente.
DEUS 1 - Vamos ouvir em primeiro lugar o depoimento do policial.

POLICIAL - /DANDO UM PASSO A FRENTE/ A senhorita CHEN TÊ era uma mulher que gostava de
agradar a todos, os senhores entendem o que quero dizer. Por outro lado, o senhor Chui Ta é um homem
de bem, industrial respeitado e cumpridor de seus deveres. Meritíssimo: uma vez ele me ajudou a prender
um bando de ladrões que a prima tinha posto em casa, e outra vez impediu que a senhorita CHEN TÊ
jurasse em falso! É um defensor da lei.
CHU FU - O senhor Chui Ta é hoje um dos homens de negócios mais bem sucedidos de Setsuan. Além
de meu sócio, é vice-presidente da Câmara de Comércio, é candidato a juiz da paz do bairro onde mora!
CHEN TÊ desapareceu, é verdade, e as lágrimas me vêm aos olhos quando penso nela... mas não
acredito que o senhor Chui Ta seja um assassino /CHORA/.
SENNHORA MI TSU - Como diretora do Comitê de Assistência Social devo trazer ao conhecimento
deste tribunal que o senhor Chui Ta possibilitou com sua fábrica uma considerável diminuição em nosso
índice de desemprego. E que sempre favorece o Lar dos Inválidos, através de donativos.

DEUS 1 - /EMBARAÇADO/ E contra, ninguém quer falar?

AVANÇAM TODOS OS OUTROS E FALAM AO MESMO TEMPO


(O CARPINTEIRO;O DESEMPREGADO;A CUNHADA;O AVÔ;A SOBRINHA,AGORA PROSTITUTA)

Ele arruinou minha vida;


Me botou no olho da rua;
Fez chantagem comigo;
É um explorador dos pobres;
Um homem sem piedade;
Impostor;
Aproveitador;
Ladrão;
Assassino!

GUARDA - Senhores juizes, esta gente eu conheço, é a escória do bairro!

DEUS 1 - Senhor Chui Ta. Foram ouvidos os depoimentos, o que tem a dizer?!!
CHUI TA - /DEPOIS DE UM MOMENTO/ Tenho a dizer, senhores deuses, que estou cansada de toda
essa trama grotesca. Pelo menos tiremos os disfarces.

VAI LA E DESMASCARA OS DEUSES. DEPOIS TIRA A ROUPA DE CHUI TA. ESPANTO DE TODOS.

SUN - CHEN TÊ!


CUNHADA - Chui Ta é CHEN TÊ!

CHEN TÊ - Sou eu, eu, sou eu,


Chui Ta e CHEN TÊ
Diante dos deuses
de quem tentei cumprir a ordem
de ser boa no mundo.
Isso me dividiu em duas, como um raio!
Eu nem sei mais como aconteceu.
Somente sei que era impossível de outra forma
Senhores deuses, vosso mundo é complicado
Tanta fome, tanto sofrimento
e mais que isso, alguma coisa está errada:
o mal é sempre recompensado
e o bem não ganha nada.
Então, depois de muito tentar
tornei-me má para poder
sobreviver!
Aceito, portanto, minhas culpas e aguardo o castigo.

DEUS 1 - Mas não, de modo algum, como castigar... a alma boa, de quem aqui falam tão bem?
CHEN TÊ - Sou também a alma malvada!
DEUS 1 - Sem querer, certamente, por causa de um mal entendido... Talvez excesso de zelo. Isto é
confuso. Tudo isso é muito confuso. Não sei como fazer /PARA O SEGUNDO DEUS/ Você sabe?
DEUS 2 - Eu não sei.
DEUS 3 - Nem eu.
DEUS 1 - Senhores e senhoras! Nós vamos embora, agora mesmo, confessando nosso fracasso antes que
pioremos ainda mais as coisas para vocês... Não é assunto nosso!

FAZ UM SINAL. ABRE-SE O CÉU E UMA NUVEM DESCE PARA APANHÁ-LOS.

DEUS 1 - CHEN TÊ, vosso pequeno mundo nos causou fascínio e horror. Certeza apenas uma: que é não
é lugar para deuses. Lá de cima, do meio das estrelas, sempre lembraremos de você. CHEN TÊ, não
desista, insista, seja boa, senão o mundo não poderá continuar!

COMEÇAM A SUBIR
CHEN TÊ - Esperem, meus deuses, por favor, não me abandonem! Sozinha, como vou fazer? Como vou
poder enfrentar estes dois pobres velhos que perderam sua tapeçaria?E Wang, com sua mão aleijada?
O que vou fazer com o barbeiro, que me ama, a quem não amo?E com Sun, que não me ama, mas que eu
amo?Minha barriga está redonda, como uma lua . Meu filho reclama nascer, como vou dar comida pra
ele?

OS DEUSES - /UM MOMENTO ANTES DE DESAPARECER/ Seja boa, CHEN TÊ, e tudo se resolverá!
Seja boa! Boa também conosco, permitindo que voltemos ao nada de onde viemos. Louvada seja CHEN
TÊ, a alma boa de Setsuan! /DESAPARECEM/

FECHA A CORTINA

CHEN TÊ IRROMPE NA BOCA DE CENA. IMPEDE QUE A CORTINA FECHE.

CHEN TÊ -
É impossível ser bom no mundo? É esta a moral da história?
Está bem, seria até engraçado se fosse apenas uma história mas -
e o mundo?
Que adianta levantar das cadeiras e ir embora do Teatro? Lá fora também é Setsuan!
Não sabemos resolver o fim da peça,
no entanto alguém tem de saber!
Talvez os senhores todos, juntos,
ou cada um dos senhores
possam pensar numa solução para esta simplíssima questão :
como pode uma alma boa viver decentemente?
Vão para casa e pensem.
Não tentem esquecer.
Não há solução para o problema....
MAS TEM DE HAVER

FIM

S-ar putea să vă placă și