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Fábio Diniz
editor responsável
Alberto José Bellan
revisão
Juana del Carmen C. Campos
capa
Marcio Baccan Conte
produção e diagramação
impressão e acabamento
Associação Religiosa
Imprensa da Fé - SP
Diniz, Fábio
Tempo de descoberta / Fábio Diniz – Santa Bárbara d’Oeste,
SP : SOCEP Editora, 2009.
09-07435 CDD-920.71
copyright© 2009
por SOCEP Editora
Agradecimentos................................................................................ 7
Introdução........................................................................................ 9
1 - Um menino fora do seu tempo.................................................. 13
2 - O bom atraso e o vestido rosa................................................... 23
3 - O pequeno grande amigo......................................................... 35
4 - A vingança................................................................................ 47
5 - O fim da dor............................................................................. 55
6 - Mundo injusto........................................................................... 65
7 - A despedida.............................................................................. 73
8 - Unidos na amizade.................................................................... 81
9 - Boas recordações...................................................................... 89
10 - O último encontro dos três no pé de jabuticaba...................... 97
11 – Ironia do tempo.................................................................... 105
12 – Palavras não ditas................................................................. 115
13 – Sem máscaras...................................................................... 125
14 - A conversa............................................................................ 133
15 – Tempo de escuridão............................................................. 143
16 – A mudança........................................................................... 157
17 - Novos sonhos....................................................................... 165
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Tempo de Descoberta
18 - A surpresa............................................................................. 175
19 – A fuga................................................................................... 185
20 – O atraso............................................................................... 193
21 – Vida sem máscaras............................................................... 197
22 - A viagem............................................................................... 209
23 - A revelação........................................................................... 219
24 - A despedida.......................................................................... 233
25 – A escolha.............................................................................. 239
26 - O reencontro......................................................................... 245
Final............................................................................................. 253
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Agradecimentos
A
o Leandro Nonato, Érico Braga e Roger Wendel, que foram os
primeiros a lerem, fazendo uma leitura crítica do livro, dando
conselhos úteis no que precisava mudar. A Carolina Grechi, que
sempre me incentivou e muito ao ler os capítulos, fazendo com que me
desse cada vez mais vontade de escrever, e talvez sem essas palavras
de ânimo não tivesse terminado.
Ao Maurício Baccan, que quando o tempo ficou apertado para
a publicação, deu todo apoio correndo atrás de tudo o que faltava,
amigo que Deus me deu já há longa data, que sempre acreditou nos
meus projetos. Ao Emerson Perriello e Edinho, que acreditaram e
investiram no livro, meu muito obrigado.
Ao Márcio Baccan, grande amigo e grande profissional que me
ajudou na escolha do nome e fez a capa com muita dedicação.
Ao Luiz Silva e Adnan, que uma vez me pediram para escrever
um artigo no jornal da cidade: “Folha Popular”. Depois deste artigo,
passei 7 anos escrevendo no jornal, começando assim a adquirir
prazer no escrever.
Ao Rev. Jonas Zulske e Rev. Arthur Fernandes Junior, que deram
todo apoio na reta final quando precisei, conversando com a editora,
e à SOCEP, que acreditou na ideia e com alegria ajudou na edição e
publicou o livro.
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Tempo de Descoberta
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Introdução
E
screver as próximas linhas talvez seja a coisa mais difícil e,
ao mesmo tempo, a mais emocionante de toda a minha
vida, pois significa varrer da memória emoções boas e ruins, sentir
novamente a alegria e o medo, as lágrimas derramadas e os sorrisos
distribuídos. Memórias boas, mas também memórias tristes que tantas
vezes procurei esquecer ou encontrar algum culpado.
Mas isso significa aprender com as memórias, e como aprendi,
pois professores da vida próximos a mim nunca me faltaram. Significa
também lembrar o primeiro dia de aula, e como gostaria de dizer para
papai que ele não se atrasou, que não foi culpa dele. Principalmente,
é lembrar o encontro na loja, o dia em que papai seria só meu, estava
com muitas saudades, havia muito para falar, tanta coisa para ser
dita, mas queria que ele soubesse que nunca chegou atrasado em sua
vida, tanto comigo como com Amanda e Maria das Dores. Tudo que
aconteceu já estava escrito na eternidade, eternidade essa em que um
dia estaremos todos juntos. Sim, papai, você nunca chegou atrasado
e, naquela tarde, na loja, você me deu a vida pela segunda vez.
Escrever as próximas linhas é entrar na memória de papai,
mostrar um pouco quem ele foi, como foi transformado a cada dia,
como aprendeu a viver sem barganhar a vida, e como viveu esta
intensamente.
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Tempo de Descoberta
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Introdução
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Capítulo 1
Um menino
fora do seu tempo
“O tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo,
muito longo para os que lamentam, e muito curto para os que festejam.
Mas, para os que amam, o tempo é eternidade”. – William Shakespeare
E
ra uma manhã chuvosa e fria, mesmo já sendo primavera no
final do ano de 1961, na cidade de Divinópolis, interior de
Minas Gerais, a água batia forte na janela de madeira, como se
alguém batesse desesperadamente querendo entrar. Ao mesmo tempo,
alguns raios de sol apareciam sutilmente no chão passando através da
janela, como se estivessem bravamente vencendo a guerra contra a
tempestade que não dava tréguas do lado de fora.
Era uma janela como tantas outras, nada de especial, mas o
barulho da chuva, o silêncio da casa e a solidão da alma fazia com
que Maria das Dores, que estando em dores, enxergasse mais do
que uma simples janela, mais do que um vidro molhado, era como
um espelho refletindo a sua vida como até então tinha sido, em sua
grande parte atribulada e com dores, mas com momentos felizes e, no
exato momento, com dores, felicidade e medo, muito medo de perder
novamente, assim, assentada na cadeira com a mão na barriga,
olhando para a janela, lembrava de sua história.
Tinha sido uma vida difícil. Maria das Dores teve um pai
alcoólatra e a mãe morreu quando tinha apenas 7 anos. Vivia doente
– às vezes achava que era maldição pelo nome – era criada pelo pai,
outras épocas, pela avó solitária ou ainda pela tia solteira cheia de
gatos, os quais fizeram Maria das Dores pegar aversão por gatos.
Nunca foi destaque na escola, pois não era muito inteligente,
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Tempo de Descoberta
mas também não era medíocre, não se destacava pela beleza, mas
não era feia, tinha 1,67m de altura, cabelos castanhos um pouco
abaixo dos ombros e sempre os mantinha presos com um laço. O
que ela não gostava muito era dos lábios por os achar grandes, mas
gostava particularmente das orelhas, simetricamente perfeitas, porém
ficava pensando se alguém iria reparar em suas orelhas. Por ser tímida
sempre ficava só, namorando sem namorar, sonhando só um sonho
a dois.
Na multidão de adolescentes da escola se via apenas como
mais uma, mas sabia que não era mais uma, que não existia “mais
uma”, pois cada um tem sua história, seus sentimentos e sua vida.
Mesmo ninguém sabendo quem ela era, queria ser alguém, ela era
alguém, alguém para ela principalmente, e esse sentimento ambíguo
batia forte em sua cabeça: ser ignorada por todos fazendo com que
se achasse “ninguém” ou lutar contra isso e saber que era alguém,
alguém especial.
Um dia conheceu um “vendedor de ilusões”, e ela, como todo
ser humano, resolveu “comprar ilusões”, pois era muito mais fácil do
que encarar a vida, pelo menos assim pensava, pois sempre existia
um “se”. Foi assim que ela conheceu o seu marido Caio, que parecia
ser uma boa pessoa e não bebia, pois pelo trauma que possuía de
ter um pai alcoólatra a única coisa que ela pedia a Deus, mesmo não
sendo religiosa, era um marido não alcoólatra.
Ele foi o brilho de luz na tempestade da vida, um bom homem,
12 anos mais velho do que ela, é verdade, mas um bom homem,
religioso, não bebia e não fumava. Ela o conheceu, inclusive, num
daqueles momentos da vida onde parece que entramos nos filmes
românticos e protagonizamos o principal personagem.
Estava Maria das Dores voltando da escola, com seu habitual
vestido rosa, que gostava de usar, pois além de ser um dos poucos
presentes que havia ganho de seu pai, era herança de sua mãe e, como
seu pai gostava de dizer, ela só tinha usado uma vez, quando eles se
conheceram no casamento de um amigo em comum. Este vestido a
fazia se sentir mais mulher e lhe trazia à memória lembranças de sua
mãe, talvez muitas destas lembranças eram apenas fantasias de sua
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Capítulo 1 - Um menino fora do seu tempo
cabeça, mas gostava de assim imaginar, era num tom de rosa suave
com flores delicadas que vinha até quase o tornozelo, meio antigo
para a época, mas ela não ligava, afinal, era a identificação que tinha
com a sua mãe.
Enfim, ela voltava da escola mais triste e solitária que o normal,
pois já estava com 17 anos, nunca tinha namorado ou feito algo
extraordinário na vida, estava entrando no último mês de aula do
último ano da escola, e por não ter dinheiro para pagar uma faculdade
particular e nem ter estudado em uma boa escola para entrar em uma
escola estadual, teria que trabalhar em algo que não tinha a menor
ideia do que seria e, talvez, passar a vida inteira trabalhando só.
Foi nessa tarde, após uma tempestade que havia caído, que
Maria das Dores, ao ir atravessar a rua, passou um carro a toda
velocidade jogando uma grande quantidade de água sobre ela, e,
ao tentar recuar, tropeçou na sarjeta, quebrando a sola do sapato e
caindo com o traseiro na poça enlamaçada.
No mesmo instante, ela pensou que a vida já lhe tinha dado
tanta humilhação que não precisaria passar por outra ainda. Tinha
medo de olhar para os lados e ver a quantidade de pessoas que
assistiram a cena, quantos “amigos” da escola, talvez um dos rapazes
que ela sempre teve vontade de conversar; talvez o Maurício, que
depois de três anos estudando juntos, finalmente naquela semana
veio pela primeira vez conversar com ela, deixando-a sem reação;
quantas pessoas será que estavam presenciando e rindo da situação?
Na lama, era assim que ela se sentia. Talvez aquele fosse o lugar
dela, pensou com um ar de autopiedade. A vontade era se enfiar no
bueiro à sua frente. Ah, quanta vontade do bueiro estar sem tampa
para se atirar lá, no infinito e nunca mais sair.
- Maria, tudo bem? Precisa de ajuda? Dê-me a sua mão!
Quem será que estava falando? A vontade de Maria era de sumir
ainda mais, mas quem era? A voz vinha de um carro que havia parado
na sua frente. Mas, quem dos seus “muitos” amigos tinha carro? Num
sinal de coragem resolveu olhar para cima e reconheceu o jovem
professor de 29 anos, que há pouco tempo tinha sido contratado
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 1 - Um menino fora do seu tempo
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Tempo de Descoberta
opções, a não ser se enganar e achar que tudo isso era normal na vida
de todos.
Os sintomas de gravidez eram parecidos com o das outras cinco
vezes que Maria das Dores ficou grávida, mas agora a fé de Maria
das Dores já era menor, pois, além de estar mais velha, o marido lhe
procurava tão pouco na cama que, se realmente estivesse grávida,
daria para saber exatamente o dia em que ficou, além disso, ela tinha
medo de mais uma frustração, mais um sonho morrer antes de nascer,
mais uma dor em sua vida.
Não tinha mais como negar, feitos os exames, o Dr. Sérgio
confirmou a gravidez complicada e que exigia repouso, como todas as
outras, mas desta vez absoluto. Ao contar para o marido a notícia, seu
rosto misturava expressões de alegria com medo, ansiedade, frustração
e esperança, mas também o pavor de uma nova derrota. Talvez por
isso, ou pelo último incidente, ou até mesmo para tentar comover a
Deus, Caio parou de beber totalmente nesse período, indo mais vezes
à igreja, sempre chegando em casa logo após o serviço.
Maria das Dores, mesmo ficando praticamente vinte e quatro
horas na cama, se sentia como uma princesa, como no dia em que
conversou com Caio pela primeira vez, às vezes até desejava que a
gravidez durasse mais tempo.
Caio não só parou de beber por esse tempo, como era mais
gentil, chegando inclusive a trazer flores. Ela lembrou, então, que a
única vez que ele lhe trouxera flores foi quando ela ficou com uma gripe
e febre de quase 40 graus, ficando sem sair de casa por quase 10 dias,
deixando Caio muito assustado, ainda mais que fazia pouco mais de
um mês de namoro. Ela sempre se lembrava do cheiro das rosas que
ele lhe enviou e, depois de casados, por mais que ela pedisse, nunca
mais havia mandado, sempre dava uma desculpa, ou esqueceu, ou
o dinheiro estava curto. Mas como foi bom sentir o cheiro da rosa
novamente, ela não sabia se ele comprara a mesma que a primeira
e única vez que lhe mandou por romantismo ou só sabia comprar
esta. Bem, como sonhar não faz mal, ela preferiu acreditar que era
romantismo, afinal, tinha o direito de ser novamente uma “princesa”.
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Capítulo 1 - Um menino fora do seu tempo
Não fazia cinco minutos que Caio tinha ido trabalhar, ela havia
se levantado apenas para ir ao banheiro, mas a dor começou forte
demais, os raios lhe provocavam medo, já estava entrando no sétimo
mês de gestação, um recorde e não podia fazer nada de errado para
perder mais uma criança. Caio, com aquela chuva, iria demorar pelo
menos mais uns 15 minutos para chegar ao emprego, então ela poderia
tentar esperar ou ligar para um táxi e ir ao hospital. Tinha medo de
tomar uma decisão errada e perder mais um filho, além do que, Caio
a culparia pelo resto da vida, sem contar na volta à bebida. Como ela
achava que ele não gostaria que ela fosse ao hospital sozinha – já que
acompanhou de perto toda a gestação – resolveu esperar.
E foi durante os 15 minutos esperando, olhando a água
escorrendo no vidro da janela e os raios de sol sobrevivendo à
tempestade penetrando como um intruso dentro da casa, que Maria
das Dores fez uma reflexão sobre o que tinha sido a sua vida até
aquele momento e que mudanças ocorreriam depois daquele dia.
Ela sabia que essa era provavelmente a última chance de terem
um filho. Por ter se casado jovem, sempre achou que teria filhos
em breve e agora sabia que a esperança estava por um fio, por isso
decidiu que, se fosse menina, se chamaria Esperança, e se fosse um
menino resolveu colocar o nome de Samuel, pois sempre lembrava
que a primeira vez em que ouviu a história bíblica de Ana e Elcana foi
logo após perder o primeiro filho, e assim sempre se achou como ela,
chorando, pedindo a Deus um filho. E como Ana tinha dedicado a
Deus o filho e dado o nome de Samuel, assim faria ela, pois até então
a aflição era a mesma, lhe faltava o filho, o Samuel que tantas vezes
morreu antes de nascer.
Caio praticamente não falou nada ao ouvi-la ao telefone e,
alguns minutos depois, ele já estava lá com um amigo que lhe levou
de carro. Um Fusca azul novo que ele tinha tanto cuidado que não
andava mais do que 50 Km/h. Caio até ficou admirado com a rapidez
do amigo, percebendo que este realmente se preocupava com ele.
Depois disso, Caio começou a ver o amigo com olhos de amizade
mais transparente como ele jamais tinha tido antes.
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Capítulo 2
O bom atraso
e o vestido rosa
Só porque alguém não te ama como você quer,
não significa que não te ame com todo seu ser.
Gabriel García Márquez
O
suor escorria no rosto de seu Caio, já marcado pelo meio
século de vida, a gravata marrom se encontrava totalmente
torta, o paletó na mão, aliás, sempre passando de uma mão à outra, e
a camisa branca molhada de suor. A cada 15 segundos o senhor Caio
passava a mão no cabelo, olhava para o relógio ou para a porta para
ver se o médico vinha trazer alguma notícia.
Nunca fez tantas promessas e orações, e é lógico que a principal
promessa era parar de vez de beber, pois, como Maria das Dores,
sabia que talvez fosse a última chance de terem um filho.
No final do corredor surge o médico que havia estado na sala
com Maria das Dores. Para quem pensa que todos os segundos são
iguais, para o senhor Caio, aqueles foram uma eternidade, parecia
que o médico andava em câmera lenta e, quando se aproximou, Caio
já percebeu pela expressão no rosto do médico que tudo tinha ido
bem.
- Parabéns senhor Caio! É um grande menino para quem nasceu
de sete meses, e é “fortão”, 38 cm e 2800 g. Venha conhecer o seu
filho, – disse o médico.
O senhor Caio não podia acreditar naquelas palavras, depois
de 20 anos de espera, finalmente nasceu no dia 7 de novembro de
1961 o seu filho tão esperado, e ainda era um menino, o tão desejado
menino.
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Ela tinha o sorriso mais belo que Samuel já tinha visto, mesmo
faltando um dente em cima, bem no meio, e outro em baixo, mostrando
que já estava com sete anos. Tinha o cabelo um pouco abaixo dos
ombros, preso por um lacinho rosa, era castanho bem claro, quase
loiro, possuía uma franjinha que a deixava ainda mais bonita e nos
olhos havia uma doçura que Samuel nunca tinha visto, eram verdes
claros e brilhavam de alegria, era um olhar de amor e carinho, a
lancheira também era rosa, mas não possuía nenhum super-herói, era
cheia de flores, foi assim que Samuel soube que ela amava flores.
- Você não vai me dizer o seu nome? – insistiu ela.
- Sa... Samuel – disse ele sem conseguir falar direito ou pensar.
- Vamos logo! A aula já começou e eu não quero ser a primeira
a tomar bronca da tia, - disse Amanda levando Samuel pela mão.
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Capítulo 3
O pequeno
grande amigo
“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos; há pessoas que nos ferem
e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem
em nossa vida e nos marcam para sempre.” – Cecília Meireles
S
ejam bem-vindos – disse “tia” Laura, a professora que tinha
por volta de seus 45 anos, usava uma blusa branca com uma
saia bege comprida até o calcanhar.
- Como se chamam? - perguntou tia Laura.
- Amanda.
- Samuel - eles responderam.
Muito prazer, Samuel. Pode se sentar ao lado do Clever - e
apontou o lugar ao lado de um garoto sorridente que estava sentado
sozinho na segunda fileira. Os lugares eram para dois, por isso Clever
já foi tirando alguns lápis e folhas que estavam do outro lado da
mesa.
- E você Amanda, sente-se com a Cristina - apontou uma menina
que tinha um óculos muito estranho de tão grande que era.
Logo de cara Samuel gostou muito de Clever, talvez porque ele
era um pouco menor que Samuel mesmo sendo um ano mais velho,
ou pelo sorriso “maroto” e carismático que possuía.
- Meu nome significa esperto em inglês – foi a primeira coisa
que Clever sorrindo disse para Samuel, mostrando que também lhe
faltava um dente na frente. Samuel ouviu, mas só conseguia pensar
em Amanda e seu vestido rosa.
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Tempo de Descoberta
os pais de Amanda não levavam Clever para casa, o seu pai fazia
questão de levar, até o Mário que acabava com as balas e chicletes,
o senhor Caio gostava. Já Maria das Dores, era sempre gentil com
eles, mas não participava muito das conversas, ficava mais na cozinha
preparando alguma coisa e tossindo cada vez mais constante, o que
deixava o pequeno Samuel cada vez mais preocupado.
Estavam no primeiro semestre da quarta série, a amizade cada
vez maior e o amor de Samuel por Amanda também aumentava com
o tempo. Ele desconfiava que ela também sentia algo por ele, no
começo tinha até ciúmes de Clever, mas como percebeu que Clever
gostava era de paquerar todas, foi perdendo o ciúmes, entretanto,
estava pensando em uma maneira mais clara de demonstrar o seu
amor por Amanda, mas mesmo gostando tinha medo, de como o seu
pai, acabar vivendo escondendo os sentimentos.
Tinha dado o sinal do recreio, dessa vez Clever não esperou por
eles, provavelmente saiu correndo para “aprontar” alguma. Amanda
foi arrumando as coisas bem devagar, como se quisesse ficar sozinha
com Samuel, pelo menos foi o que ele pensou, mas vendo que Fred
e seus dois amigos não saíam da sala, se levantou para sair. Foi nesse
momento que Fred esbarra em Amanda e lhe levanta um pouco a
saia ao ponto de poder ver a calcinha e ainda fazendo um comentário
chulo a respeito da cor.
Nesse momento Samuel não tinha tempo para pensar ou agir.
Poderia até mesmo “sacrificar” a vida, afinal, eram três gigantes que
ele enfrentaria, mas ao lembrar da história que sua mãe contava
acerca de Davi e Golias, criou coragem. Porém, na história de Davi,
havia apenas um gigante para enfrentar, pensou ele logo em seguida,
mas seria o herói do seu grande amor, demonstrando o maior ato de
bravura que alguém poderia ter, além do que poderia conquistar de
vez o coração de sua amada. Ao contrário, poderia ignorar a situação
e ser, aos olhos de Amanda, um covarde que não pôde defendê-la.
A verdade é que Samuel já se achava isso mesmo, um covarde que
nunca soube falar dos seus sentimentos, e até mesmo com o pai, que
nunca conseguiu questioná-lo porque ele nunca demonstrava que o
amava.
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Capítulo 3 - O pequeno grande amigo
- Ok, essa você venceu, mas me espere, você não perde por
esperar – disse Fred. E assim os três vão embora olhando friamente
nos olhos de Clever.
Nesse momento Samuel, que estava tremendo, percebe que
Clever também estava tremendo de medo e deixa o canivete cair no
chão, ele veste de novo o sapato e pergunta:
- Será que eu teria coragem de enfiar o canivete na barriga
dele?
Nisso surge Amanda acompanhada de Mário.
- Graças a Deus você está bem, mas o que aconteceu? - pergunta
Amanda. Samuel não queria dar o gosto da vitória para Clever, por
mais que estava grato, ele é quem tinha que ser o herói de Amanda.
Percebendo o silêncio de Samuel, Clever disse:
- Não sei direito, quando cheguei vi os três saírem correndo e
Samuel de punho fechado gritando para não voltarem mais.
Amanda achou aquilo meio estranho, mas o importante era que
ele estava bem, já Samuel olhou para Clever com um ar de dupla
gratidão.
- Vamos Samuel, mas por favor não precisa se arriscar assim,
mas...., muito obrigada, você foi o meu herói – disse Amanda dando-
lhe um beijo na bochecha. Essa frase passaria pela cabeça de Samuel
durante anos, até mesmo depois de adulto. E a bochecha ficou uma
semana sem lavar.
Ao saírem da escola Samuel e Clever pararam embaixo da
jabuticabeira, ficaram um tempo em silêncio, depois Samuel cortou
o silêncio:
- Obrigado – disse Samuel.
- Não tem de que, afinal, você gosta dela e ela de você, eu já
tenho namorada, e sei que você faria a mesma coisa por mim – falou
Clever com um sorriso malandro nos lábios, revelando um “grande”
segredo. Mas Samuel ficou quieto pensando, pois não sabia se faria a
mesma coisa, aliás, tinha quase certeza que não, pois a coragem não
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Tempo de Descoberta
era o seu forte, mas lógico, não admitiu isso para Clever, fez um sim
com a cabeça, logo em seguida Clever continuou:
- Sabe a Sheila da quarta b? Ontem na aula de natação eu dei
um beijo nela embaixo da água – disse Clever, agora com um sorriso
de conquistador.
- Foi de língua? – indagou Samuel, que tinha ouvido alguém da
quarta série falar que beijo de verdade tinha que ser de língua.
- Claro que não, ia entrar água na nossa boca – respondeu
Clever, mas novamente abriu um sorriso de conquistador e continuou
– mas o próximo será.
Samuel sentiu uma certa inveja, pois ainda não tinha beijado
e já tinha “quase” 10 anos, mas ele não queria beijar qualquer uma,
apenas Amanda tinha importância, e Samuel ficou pensando no que
Clever falou “você gosta dela e ela de você”.
- Você acha mesmo que ela gosta de mim? – perguntou
Samuel.
- É lógico! – respondeu Clever.
- Você é o irmão que eu nunca tive – disse Samuel, sendo uma
das primeiras vezes na vida que tinha sido sincero e transparente nos
seus sentimentos, provocando um medo e alívio ao mesmo tempo;
depois do que Clever o abraçou e retribuiu o elogio:
- Você também – falou já se levantando e apostando com Samuel
quem chegava primeiro lá embaixo.
Definitivamente, Samuel tinha decidido expor seus sentimentos
para Amanda, não importavam as consequências que isto teria.
Aquelas férias de julho foram as mais longas que ele já tinha
tido, pois Amanda tinha ido passar as férias na casa dos avós, no
interior de São Paulo, e só voltaria no início do próximo semestre.
Clever passou metade das férias na casa dos primos em São
Paulo. Mesmo não tendo pai, a família de Dona Áurea era grande,
ela tinha quatro irmãos e vários sobrinhos e Clever sempre voltava
contando as aventuras que aprontava na grande cidade.
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Capítulo 4
A Vingança
E
ra o ano de 1970, já tinha passado mais da metade do segundo
semestre e Samuel ainda não tinha falado nada para Amanda,
e isto o deixava preocupado, pois na quinta série talvez ela fosse
estudar em outra sala e tudo seria diferente. A amizade deles era cada
vez mais forte, e Samuel só conseguia enxergar Amanda, diferente de
Clever que todo mês trocava de “namorada”, apesar que até agora o
único beijo que tinha conseguido dar foi aquele embaixo da água.
Naquele segundo semestre, um dos momentos mais marcantes
para Samuel, foi o dia em que ele e Clever resolveram levar
Amanda para conhecer o lugar preferido deles, “o refúgio secreto”,
a jabuticabeira, pois a vista da cidade era linda. Tanto embaixo
como sentado nos galhos daquela árvore, eles se sentiam grandes e
colocavam para fora sonhos, fantasias e alegrias.
O que marcou a vida de Samuel naquele dia, foi que ao ver
aquele lugar, Amanda pediu o canivete suíço de Clever emprestado,
apesar que ela já tinha falado para ele várias vezes que aquilo não
era bom, era perigoso. Ela mal sabia que o canivete os tinha ajudado
a não tomarem a maior surra de suas vidas. Pegando o canivete, ela
escreveu na árvore o nome dela, ao lado o nome de Samuel, e o de
Clever ela escreveu na vertical. Logo depois olhou para eles sorrindo
e desenhou uma cruz, sendo que em um braço estava o nome dela,
no outro o de Samuel e no corpo o de Clever, e disse:
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Capítulo 4 - A vingança
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Tempo de Descoberta
Mas o que Samuel também não sabia e ficou anos sem saber,
foi que o “não” na frase de Amanda também tinha sido colocado por
Fred, que observando a troca de bilhetes, fez tudo isso no intervalo
para se vingar de todos, e com certeza não imaginava que aquele
simples “não” mudaria a vida de Samuel e seus amigos para sempre.
Clever sai correndo e chorando da sala de aula, onde Amanda o
acompanhou, ignorando totalmente a dor de Samuel, aliás, que ficou
tão forte em sua dor que esqueceu de também ir socorrer o amigo que
tinha sido humilhado publicamente.
Pela primeira vez Samuel foi sozinho para o pé de jabuticaba
depois da aula, onde sentou olhando para o nome deles que Amanda
tinha escrito e tentando entender o que estava acontecendo. Sentiu
pena de Clever pelo que tinha acontecido, mas nesse momento, ele
estava ao lado da pessoa mais importante que Samuel conhecia,
fazendo com que ele ficasse mais uma vez com o sentimento confuso,
agora misturando compaixão com ciúmes por Clever e amor e raiva
por Amanda.
Naquela noite Samuel não conseguiu dormir direito, tentando
entender o que tinha acontecido. Sua mãe, vendo a tristeza, perguntava
o que tinha acontecido, mas ele preferiu guardar para si o sentimento,
pois o seu pai o tinha ensinado bem a guardar. Mesmo assim, Maria
das Dores foi à noite ao seu quarto e lhe contou a história da mulher
que levaram para Jesus acusando de ter cometido um terrível pecado,
Ele simplesmente se cala e escreve no chão, até que diz “quem não
tem pecado que atire a primeira pedra”. Ao sua mãe contar a história,
lembrou imediatamente de quando Amanda escreveu no chão, e
logo depois de Clever atirando o giz na cabeça de Fred e na outra
vez, atirando o sapato. Talvez Clever se achasse sem pecado, talvez
tivesse que perdoar Amanda, talvez simplesmente não entendia nada
e queria apenas sumir, preocupado tanto com a sua própria dor que
nem telefonou para Clever para saber como estava. Em meio a tosses
Maria das Dores beijou a testa de Samuel com a ternura de sempre e
lhe deu boa noite, retirando-se do quarto.
No dia seguinte na aula, ele perguntou para Clever como ele
estava, tentando mostrar que estava preocupado com o amigo.
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Capítulo 4 - A vingança
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Tempo de Descoberta
ou simplesmente por estar cansada, mas uma coisa era certa, ela
estava mais quieta, mas não como se estivesse em depressão e sim
em reflexão, aumentou o seu carinho, inclusive com Caio, e tinha um
ar de paz que Samuel nunca tinha visto, e isto definitivamente não era
por causa da igreja.
Nessa época o senhor Caio tinha parado de vez de beber, pois
além do dinheiro estar faltando, achava que mostrando para Deus o
seu sacrifício, Deus ia ter compaixão deles e curar de vez Maria das
Dores. Para Samuel tudo aquilo era muito confuso para sua cabeça
de dez anos de idade.
Mas uma coisa ficou clara na cabeça do pequeno Samuel, como
seu pai gostava de sua mãe, pois foi clara a preocupação dele desde o
início, demonstrando carinho e afeto que ele nunca havia visto antes,
e também que o pai nunca havia lhe dado.
Mesmo doente, Maria das Dores sempre ajudava Samuel na
lição de casa, perguntava sobre o dia, o que tinha feito, brincado,
sobre seus amigos, o que ele queria que ela fizesse de sobremesa.
Nunca e em nenhum momento, por pior que estivesse, deixou de
demonstrar preocupação com o filho ou reclamou de alguma coisa.
Clever começou a ir com mais frequência com Amanda para a
igreja, também começou a levar sua mãe que gostava muito e, se antes
ela já tinha o coração bom, agora então muito mais. Era sorridente e
estava já ativa na SAF - Sociedade Auxiliadora Feminina da igreja.
Samuel percebeu que Clever, aos poucos, ia mudando seu
comportamento na escola, já não aprontava tanto com o Mário, nem
“aprontava” nada mais muito sério, mas continuava brincalhão e
alegre como sempre, esquecendo da brincadeira de mau gosto que
Fred tinha feito com ele, inclusive até sobre o fato de não ter pai. Já
falava do assunto com mais facilidade sem muita mágoa, apesar de
sempre falar com um ar de tristeza e esperança ao mesmo tempo.
Outra cena que marcou Samuel nessa época, foi quando ele
com seus pais foram novamente falar com o pastor, pois o senhor
Caio tinha feito tudo, dado até mais que o dízimo, mesmo o dinheiro
faltando em casa, e não via Maria das Dores melhorar. Então o pastor
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Capítulo 4 - A vingança
falou para Samuel orar, pois era criança e Deus sempre ouve as
crianças de coração puro. Aquilo causou um grande peso e confusão
na cabeça de Samuel, pois começou a achar que se a mãe não
melhorasse, ele é que seria culpado, além do que ele não era lá puro,
sabia de seus sentimentos e sabia que Deus sabia. Além disto, nem
orar direito sabia, pois só havia aprendido a orar antes das refeições,
ou quando sua mãe lhe insistia muito.
Com medo, Samuel não queria orar. Sua mãe, como sempre,
percebendo tudo, disse que não precisava, era só para ele orar a sós
com Deus que Ele iria ouvir e fazer o que era melhor.
Samuel percebeu que o pastor Narciso não gostou muito de
ter uma ordem desobedecida, pegou um pouco de óleo, passou na
cabeça de Maria das Dores e fez uma oração curta e séria, em seguida
falou para Caio comprar um vidro do óleo santo e passar todo dia em
Maria das Dores que ela iria ser curada, pois Deus tinha mostrado isso
a ele.
A essa altura o senhor Caio já não tinha tanta fé no pastor, mas
como as opções eram poucas e Maria das Dores só piorava, resolveu
obedecer tudo fielmente e Samuel cada vez mais confuso com a igreja
e suas ideias.
Enquanto isso, começou a tratar Amanda mais friamente e
nunca mais tocou no assunto do bilhete, e ela não entendia o porquê
dele agir assim.
- Aconteceu alguma coisa? Quer conversar? - perguntou
gentilmente Amanda para Samuel no recreio, enquanto Clever tinha
ido com o Mário comprar balas na cantina.
Samuel ficou irritado com a pergunta, como ela ainda tinha
coragem de perguntar isso, depois de tudo o que fez, pensou ele, mas
a única coisa que conseguiu dizer foi:
- Não. – Ao falar já foi indo em direção dos amigos que estavam
voltando com as mãos cheias de balas, ignorando assim Amanda, que
ficou triste com a situação, mas não disse mais nada.
Samuel sabia que não tinha agido corretamente, mas seus
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 5
O fim da dor
O
ano de 1973 foi marcante para a vida de Samuel, ele já estava
quase no final da sexta série, e sua amizade com Clever cada
vez mais forte; ele o tinha como um irmão e sabia que para Clever o
sentimento era o mesmo, achava até que Clever gostava mais dele,
do que ele de Clever, pois chegava a sentir ciúmes, já que Clever
estava ficando cada vez mais “popular” na escola. Tinha muitos
amigos, sempre sorrindo e era um dos melhores da classe, porém
Samuel tinha, ao mesmo tempo, orgulho de ter Clever como seu
melhor amigo, fazendo com que a eterna confusão de sentimentos
prevalecesse em sua cabeça.
Já com Amanda, Samuel mantinha ainda uma boa amizade,
pois o tempo foi diminuindo a raiva, apesar de Samuel não conseguir
entender o que ocorreu, pois nunca ela parou de demonstrar carinho
por ele, nem mesmo quando ele a tratava de uma maneira mais fria.
Faziam tarefas juntos, frequentavam a casa um do outro e Amanda
sempre perguntava da saúde de Maria das Dores, mostrando uma
preocupação sincera, e quase todo dia ela falava para Samuel avisar a
sua mãe que estava orando por ela. Aquelas atitudes faziam com que
o carinho de Samuel por Amanda crescesse sempre, mas quando isso
acontecia ele lembrava do “maldito” bilhete e fechava novamente a
“porta” de seu coração.
Samuel pensava em comentar com Clever sobre o bilhete,
mas tinha medo ou vergonha, não sabia definir, e também pensava
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Tempo de Descoberta
que não tinha por que comentar, pois o bilhete tinha sido bem claro,
bilhete esse que Samuel nunca teve coragem de jogar fora, e quando
ficava “mais fraco”, pensando novamente em abrir o seu coração para
Amanda, ele lia o bilhete que o ajudava a se trancar no seu mundo.
Uma das cenas que marcou Samuel foi uma vez que sua mãe
ficou internada por duas semanas e Amanda foi todos os dias visitá-
la, e sempre levava flores, indo inclusive uma vez com seu pastor.
Um senhor de 60 anos, o cabelo já totalmente branco, mas com
muito cabelo, já apresentava a canseira da vida, mas ele tinha algo
diferente, não parecia um “super pastor”, como o da igreja que
Samuel frequentava, pelo contrário, parecia bem fraco, ainda mais
com a idade, e ao mesmo tempo, ele demonstrava uma força e paz
que Samuel nunca tinha visto.
Samuel estranhou que ele não a ungiu com óleo e nem fez
aquelas orações altas e em línguas estranhas que era acostumado a
ouvir, mas trouxe uma paz para o lugar que acalmou o coração de
Samuel de uma maneira diferente. Ao ir embora Samuel resolveu
perguntar para o pastor Antônio Elias se sua mãe ficaria boa, já
imaginando a resposta, como do outro pastor “que Deus era obrigado
a curá-la, pois na cruz ele tinha levado todas as nossas enfermidades”.
Mas, ao invés disso, o pastor disse:
- Não sei meu filho, mas uma coisa eu sei, Deus está cuidando
dela.
Samuel não entendeu como Deus pode cuidar, se tem o poder
para curar e não cura, como um pastor poderia não saber se Deus ia
curar? Tudo isso confundiu muito a cabeça de Samuel que já estava
com 12 anos, mas, o mais interessante foi que mesmo assim ele teve
mais respeito por esse pastor do que o da sua própria igreja, que
gostava de se gabar de ser um “super pastor”, aliás, nessa época, já
tinha sido “promovido” a bispo. Apesar de todo o respeito que teve
pelo pastor Antônio Elias, Samuel preferiu acreditar em seu pastor,
pois isso significava a cura da mãe, e era mais fácil acreditar naquele
que prometia o que ele queria, mesmo indo contra a sua razão.
Já fazia dois meses que Maria das Dores mal saía da cama.
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Capítulo 5 - O fim da dor
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 5 - O fim da dor
minha dor, mundo do qual você faz parte. Hoje percebo que se tivesse
procurado te entender mais, abrir mais o meu coração para você, lhe
ajudar em suas dores, pois o seu silêncio e erros nada mais foram
que também fugas, fuga de viver uma vida sozinho, longe da família,
fuga de não conseguir realizar o sonho de ser um professor que mais
do que dar aula, transformava vidas, pois foi engolido pelo sistema...
Nessa altura, Caio já não conseguia esconder as lágrimas que já lhe
manchavam a camisa, percebeu pela primeira vez que Maria das
Dores o conhecia muito bem, até melhor do que ele mesmo.
- ... se nas noites em que você chegava tarde ou tinha bebido
demais, se ao invés de criticar, tentasse entender o porquê e lhe ajudasse
a mudar, pois sabia que essa não era sua natureza; se ao invés de ficar
magoada pela falta de flores, de palavras de carinho, tivesse plantado
em seu coração amor no lugar de ressentimento, tudo isso poderia
ser diferente. Na verdade, também me traí, quando escolhi ser vítima,
escolhi ser “das dores”...
- Querida, você ..., o senhor Caio tentou falar algo entre as
lágrimas, mas não conseguia.
- ...não estou dizendo que sou culpada,- continuou Maria das
Dores, não, não me culpo de nada, pois hoje sou livre, sou livre dos
traumas, da autocompaixão, das dores... sempre procurei ser vítima da
minha história, mas hoje posso lhe dizer que virei autora. O que quero
dizer é que aprendi a enxergar as informações com outros olhos, olhos
na cruz. Deus me viu com outros olhos, com olhos de amor, mesmo
eu sendo, nós sendo quem nós somos. Aprendi que o grande segredo
da vida, não é o que acontece, e sim como recebemos o que acontece,
como reagimos nas situações da vida, e não apenas nas ruins, mas nas
boas, nas quais o orgulho e vaidade nos tentam a viver em um mundo
de ilusões. Hoje aprendi que o amor independe de sentimentos, mas
sim de escolhas... .
Nesse momento, o lenço de Caio já estava totalmente encharcado,
o chão parecia que lhe tinha desaparecido dos pés, eram muitas
verdades sendo expostas para quem viveu uma vida de máscaras,
tentando acreditar nas mentiras contadas a si mesmo. Era como se
estivesse sendo arrancado do seu mundo de ilusões e ficado nu diante
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Tempo de Descoberta
da verdade absoluta da alma, isto, por mais que parecia libertar, lhe
dava medo, pois até então era o que tinha sido a sua vida, a ilusão no
mundo das ilusões.
- ... querido, escolha ser livre, você não é obrigado a viver
“preso” no seu passado, não importa como você recebeu tudo até
hoje, o que lhe aconteceu quando criança, os seus erros de adulto em
consequência dos acontecimentos e escolhas, hoje você é livre, em
Deus somos livres, e Ele vai lhe dar força para mudar. Nunca é tarde
para mudar, para viver, isso dói, machuca, pois significa tirar a máscara,
se encarar, ver que passou anos tentando se enganar, ninguém gosta
de se assumir assim, mas é nessa condição que Deus nos restaura e
reergue, com um coração limpo, sem máscaras, sim, ainda há tempo
para viver.
- Como posso mudar assim, já sou velho, não tenho forças, sei
que falhei muito...
- Não, você não é velho para mudanças querido, enquanto há
vida, há esperança, e não mudamos por nossas forças, Ele é quem nos
muda, basta tirar as máscaras, aceitar quem somos e o que precisamos
mudar, só assim podemos descobrir a vida e sermos felizes,... Samuel...
- Nesse momento os olhos de Maria das Dores também se encheram
de água, ela engoliu o nó na garganta e agora com a voz mais fraca
continuou: - Samuel é ainda muito novo, mas já aprendeu a lição do
“faz de conta” da vida, aprendeu a esconder sentimentos, a achar um
culpado com medo de se decepcionar consigo mesmo, aprendeu, pois
é isso que ele vê todo dia na escola, na rua, na igreja... – e agora com
a voz praticamente faltando continuou “...conosco.”.
Ao falar isso, ela retoma a força de uma guerreira, olha com um
olhar de esperança nos olhos de seu marido, lhe aperta a mão e diz:
- Mas você pode ensiná-lo a ser verdadeiro, a não ter medo de
seus sentimentos, não ter medo de errar, de cair, de amar, não ter
medo de ser quem ele é. Em Deus você pode ser livre e ajudar Samuel
a descobrir o que é a verdadeira liberdade, pois a maior conquista que
alguém pode ter é a liberdade da alma.”
- Nós, nós podemos... – tentou falar o senhor Caio.
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Capítulo 5 - O fim da dor
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Tempo de Descoberta
ela abriu a mente e o coração dele para ver quem ele realmente era, e
como precisava mudar, mas tinha medo de fazer isso sozinho, sem ela
era como se o chão desabasse debaixo de seus pés.
- Senhor, me ajude, sei que preciso mudar, mas não posso sem
ela, cure-a, por favor – orou Caio segurando o telefone antes de ligar
para o filho.
- Samuel, mamãe quer falar com você, por favor volte para casa
- disse Caio ao telefone, tentando esconder a voz rouca do choro.
- Ela está bem papai? - perguntou Samuel.
- Está... – engasgou Caio - ...está querendo falar contigo filho.
- Já estou indo - falou Samuel já desligando o telefone.
Dessa vez nem Amanda e nem Mário tinham ido fazer o trabalho
com eles.
- Tenho que ir, Clever, mamãe está querendo falar comigo -
disse Samuel demonstrando ansiedade em ir logo para casa.
- Você não pode ficar mais cinco minutos para a gente acabar
a lição? Só mais cinco minutos é o último trabalho do ano - pediu
Clever.
Samuel ficou pensando no pedido, nada era mais importante
que sua mãe, mas cinco minutos não fariam também muita diferença,
e quantas vezes ele tinha se atrasado bem mais do que isso.
- Ok, então vamos acabar logo - respondeu Samuel.
Por mais que Samuel tentasse, não conseguia se concentrar na
tarefa de casa, fazendo com que o trabalho ficasse mais demorado
ainda, pois não lhe saía da mente o recado do pai. O pior foi quando
Samuel percebeu que já tinham se passado 30 minutos.
- Nossa, tenho que ir, já faz meia hora que papai ligou, por favor,
termine por mim – falou Samuel, já arrumando suas coisas e indo em
direção da porta.
Clever, percebendo a preocupação do amigo, não disse nada,
apenas concordou com a cabeça e foi até à porta acompanhar
Samuel.
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 6
Mundo injusto
“E, no final das contas, não são os anos em sua vida que contam.
É a vida nos seus anos.”
Abraham Lincoln
E
la está melhor - disse o senhor Caio, chegando de cabeça baixa
e abraçando Samuel.
- Bem melhor do que nós, já sem dor, e nos braços do Pai, -
continuou falando Caio, agora já sem poder conter as lágrimas.
Samuel tinha entendido, mas não queria acreditar, queria que
tudo aquilo fosse um sonho, do qual iria acordar. Mas, pelo abraço
apertado e demorado que o pai lhe deu, pelo choro como ele nunca
havia visto o pai chorar daquela maneira, sabia que não tinha mais
esperança, sua querida mãe havia partido, e ele nem pôde se despedir,
e isso por causa dos cinco minutos que Clever lhe pediu.
O mais estranho para Samuel, foi que ele não conseguiu chorar,
não entendeu por que, mas, apesar de toda a dor, o aperto no coração
e toda a tristeza, as lágrimas não saíam, e procurou aos poucos sair
do abraço do pai. O pai nunca lhe havia dado um abraço apertado
e carinhoso, por que bem agora ele fez isso? Por causa da morte da
mãe? Ele não achava justo ele fazer isso apenas nesse momento, era
tarde demais, pensou consigo mesmo.
Enquanto pensava tudo isso e procurava se desvincular do
abraço do pai, o senhor Caio tira algo do bolso da camisa e entrega
para Samuel:
- Sua mãe me pediu para lhe entregar isso. - Samuel olhou
65
Tempo de Descoberta
trêmulo para aquele pedaço de papel, talvez o medo fosse maior pela
recordação do último bilhete que recebeu.
Samuel pegou o bilhete e saiu correndo, com tanta pressa e
angústia que nem conseguiu ouvir seu pai lhe chamando. Samuel
correu para o seu lugar de refúgio, a jabuticabeira.
Ao chegar perto, ele percebeu um intruso no seu lugar, isso
lhe acendeu a ira no coração, como alguém poderia roubar o “seu”
lugar nesse momento de dor? Mas, ao chegar mais perto, foi que ele
percebeu quem era, e vinha ao encontro dele.
-Samuel, eu sinto muito – falou entre lágrimas Amanda.
- Você já sabe? - perguntou Samuel, com um ar triste sem olhar
no rosto de Amanda.
- Sim, o seu pai me ligou para eu ir encontrar com você em
sua casa, mas imaginei que você viria para cá, então vim direto aqui
– falou Amanda, já segurando a mão de Samuel, como quem quer
passar segurança.
Samuel achava incrível como ela podia entender os seus
sentimentos, e aquele abraço de conforto que ela lhe deu naquele
momento se tornou para Samuel um dos momentos eternizados em
seu coração.
- Eu não entendo por que Deus fez isso com ela - falou com a
voz baixa e com indignação ao mesmo tempo.
- Tem muitas coisas que não entendemos Samuel, mas uma coisa
eu sei, Deus está cuidando, e ela está bem melhor agora, - respondeu
Amanda, já com os olhos cobertos de lágrimas, mas com uma paz que
Samuel não conseguia entender.
Samuel quis dizer para ela, que era fácil ela dizer, pois tinha os
pais, que praticamente nunca brigavam, o pai não bebia, mas, e ele?
Como ele iria ficar, se mal conhecia o pai que tinha? Mas não disse
nada, pois Amanda estava sendo tão doce com ele, que de maneira
alguma queria ofendê-la, além do que, ele sabia que ela não disse por
mal, mas por realmente acreditar, acreditar em um Deus que Samuel,
apesar de ter apenas 12 anos, começava a questionar a existência.
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Capítulo 6 - Mundo injusto
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Capítulo 6 - Mundo injusto
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Capítulo 7
A Despedida
O
velório aconteceu na igreja de Amanda, pois um grupo
musical iria tocar na igreja à noite, e eles teriam que arrumar
o lugar durante o dia, foi o que alegou o bispo Narciso. O senhor
Caio não estava em condição de discutir, mas estranhou, já que se o
velório seria realizado às 14 horas, como poderia atrapalhar o show
da noite?
Não havia muitas pessoas no velório, mas a maioria dos amigos
de Maria das Dores estavam lá, inclusive praticamente a classe inteira
de Samuel.
Este não gostou de ver a presença de Fred lá, ficou com vontade
de expulsá-lo, pois sabia que tinha ido apenas para ficar com presença
na aula e comer os biscoitos. Também irritava muito Samuel ouvir
algumas piadas e pessoas rindo pelos cantos como se tivessem ido lá
apenas para “cumprir um dever”. A vontade era mandar todo mundo
embora.
Por outro lado, Amanda ficou todo o tempo ao seu lado, que lhe
deu muito conforto e apoio, mas com o próprio pai, ele mal falava,
por mais que ele tentasse se aproximar. Clever também procurou estar
com o amigo o tempo todo, mas Samuel o ignorava, outras vezes o
tratava bem, vivia um sentimento confuso em relação ao seu melhor
amigo, mas sabia que no fundo, ele nunca tinha feito nada de mal,
pelo contrário, se preocupava, e muito, com ele. “Por que ele foi me
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Capítulo 7 - A despedida
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Capítulo 7 - A despedida
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Capítulo 8
Unidos na
amizade
“Em cada um de meus amigos, há algo que somente outro amigo pode revelar completamente.
Sozinho, não tenho capacidade suficiente para colocar uma pessoa em pleno funcionamento;
quero outros pontos de vista, além do meu, para poder expor todas as suas facetas. Sob essa
luz, a verdadeira amizade é a forma de amor menos ciumenta que existe”. – C. S. Lewis
A
cada dia o senhor Caio procurava se aproximar mais de Samuel,
e também se conhecer melhor. Percebia que era uma missão
difícil, quase impossível, mas estava disposto a “pagar o preço”. Gastava
muito tempo sozinho, revendo as atitudes, pensamentos, procurando
ser melhor, e a cada dia querendo conhecer mais a Deus, e isto lhe
dava força para mudar. Quando pensava em desistir, lembrava da
vida de sua esposa, como ela foi guerreira e como ficaria contente em
ver sua luta. Caio sabia que devia isso para Maria das Dores, para seu
filho, que era agora sua grande preocupação, como também para si
mesmo.
Não tinha um só dia que o senhor Caio não visitasse o túmulo
de Maria das Dores, e sempre levava uma única rosa, podia chover ou
não, lá estava o senhor Caio. Levava sempre consigo um banquinho
onde sentava e passava horas conversando, como se ela estivesse
viva ao seu lado. Sempre que lhe perguntava algo, era como se ele
soubesse da resposta dela e assim, a cada dia colocava suas lutas, suas
mudanças, contava sobre como Samuel estava crescendo inteligente,
mas se fechando cada vez mais, o deixando muitas vezes sem saber o
que fazer para ganhar o filho. Já Samuel preferia não ir ao cemitério,
pois sempre quis guardar em seu coração a imagem viva de sua
mãe.
O senhor Caio até plantou um pé de rosa em seu jardim, o qual
cuidava com todo carinho, um tipo de homenagem que resolveu fazer
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Tempo de Descoberta
para Maria das Dores, mas não como um remorso por ter lhe dado
tão poucas flores em vida, e sim para lembrar o que ela lhe ensinou e
assim querer mudar a cada dia.
Ao mesmo tempo, Samuel se fechava, e por mais que Caio
tentasse se aproximar, o filho tinha criado uma barreira que seu pai
tentava quebrar. Ele sabia que tinha muita coisa para mudar, para
acertar, pessoas para perdoar e pedir perdão, conversas que a cada
dia se tornavam cada vez mais inadiáveis.
A amizade de Samuel com Clever não era a mesma coisa e
Clever não entendia o porquê disso, mas com Amanda aconteceu o
contrário, ele voltou a tê-la mais por perto, conversar, rir, mas nem
com ela ele conseguia abrir seus sentimentos, tanto por ela, como
outros que lhe rasgavam o coração.
Samuel sabia que não agia corretamente com Clever, mas era
duro mudar, assumir que foi sua escolha ficar mais tempo estudando,
várias vezes Samuel sonhou que chegou a tempo para dar o último
abraço em sua mãe e dizer que a amava muito, mas no sonho, sempre
que ela lhe ia dizer algo, ele acordava com o coração disparado,
lamentando os cinco minutos.
Um dia, ele resolveu ir ao grupo de adolescentes da igreja de
Amanda, pois há tempo ela insistia com ele, e achou que lhe devia
isso.
Era um grupo que a princípio Samuel gostou de frequentar, mas
também percebia que mesmo sendo um grupo de pessoas cristãs,
muitas vezes tinham atitudes e sentimentos nada cristãos, fazendo com
que achasse cada dia mais que igreja era um lugar de pessoas falsas.
Se não fosse pelo exemplo de Amanda e pelo carinho que tinha com
o pastor Antônio Elias, ele nunca mais iria para igreja alguma.
Um dia, quando o grupo se reuniu na casa de Amanda, Samuel
foi pela primeira vez, lá ele conheceu a turma da Amanda. Havia o
Marcelinho e Davi, o pessoal os chamava de “o gordo e o magro”,
pois lembravam a dupla engraçada que assistiam na televisão.
Davi era bem magro e com um grande nariz, cabelo liso, usava
óculos, sempre alegre, mostrando não ter complexo do tamanho do
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Capítulo 8 - Unidos na amizade
nariz, fazendo até mesmo piada sobre ele, aliás, ele sempre contava
piada, de tudo e de todos, tocava violão, e jogava bem pingue-
pongue, seu pai era um dos presbíteros da igreja. Já o Marcelinho,
apesar de ser gordinho, era esportista, gostava muito de jogar voleibol
e futebol. Samuel viu que, mesmo sendo bem mais gordo que ele,
jogava muito melhor futebol e voleibol, seu pai também era presbítero
e amigo do pai de Davi. Uma coisa que Samuel sempre lembrou era
dos aniversários na casa do Marcelinho, sempre muita comida e festa,
mas achou interessante, pois sempre começavam cantando algumas
músicas cristãs e algum jovem falando algo de alguma passagem
bíblica.
Em um aniversário de Marcelinho foi servido um “barco” com
maionese, e no dia seguinte, que era domingo, todos passaram mal,
formou-se uma grande fila no banheiro da igreja, menos o pastor
Antônio Elias. Samuel chegou a pensar que ele tinha uma proteção
especial de Deus em sua vida.
Tinha também a família “m”, o Maurício, que era mais velho, a
Mônica, a irmã do meio, e o Márcio, o caçula; este último se tornaria
muito amigo de Samuel, na época do colegial, pois estudariam juntos
na mesma escola.
Além dos três terem o nome começando com “m”, os pais
também tinham, senhor Marcelo e dona Mercedez.
Maurício era já mais velho, tinha 15 anos, e era o “conquistador”
da turma, já tinha namorado umas duas garotas da igreja, além
de algumas garotas de seu bairro, já o Márcio era mais quietinho,
mas também tinha o seu fã clube. Mônica era mais questionadora e
sempre estava ativa nas programações dos jovens, dando ideias e se
relacionava muito bem, logo de cara Samuel ficou bem amigo dela.
Havia também a Vitória, não era tão bonita, usava um óculos
meio antigo, o cabelo era castanho claro, usava uma franja que quase
cobria os olhos, e era levemente acima do peso. Seu pai havia falecido
quando ela era pequena, e tinha sido criada só pela mãe, tinha muita
sabedoria, sempre participava das programações, e quando tinha
gincana bíblica ela ou Alexandre, o irmão de Amanda, pegavam o
primeiro lugar.
83
Tempo de Descoberta
mas também em vão, apesar de todo o carisma que Clever tinha, ele
não conseguiu nada, a não ser uma grande amizade com Carol que
o via como um grande amigo. Já Maurício teve mais sorte, acabou,
depois de quase dois anos tentando, namorando com ela e eles
formavam, sem dúvida, o casal mais belo da igreja, e o que ninguém
acreditava aconteceu, ela deu um jeito nele, e até mesmo à igreja, que
antes ele ia por obrigação, começou a ter mais prazer em ir e também
mais vontade de conhecer a Deus.
Algo que deixou Samuel chateado foi o fato da diferença com
que tratavam ele e a Carol, que eram novos na igreja. Muitos dos
adolescente o ignoravam, já a Carol todos queriam “ajudá-la”, com
isso aumentava ainda mais o sentimento de que nenhuma igreja era
boa.
Alexandre, o irmão de Amanda, era o presidente da UPA, aliás,
ele tinha sido presidente das crianças e seria sempre um bom líder da
igreja. Samuel nunca foi muito amigo de Alexandre, mas sempre o
admirou muito, pois, como Amanda, era alguém que buscava a Deus
e percebia no seu rosto prazer no que fazia.
Íris era a conselheira dessa moçada, uma mulher de Deus,
sempre alegre e cheia de ideias, tinha uma Brasília branca antiga, mas
sempre enchia o seu carro com os jovens, chegando a transportar seis
adolescentes de uma vez, ou fazer várias viagens com o seu carro para
todos participarem das programações. Mesmo seu marido não indo à
igreja, ele sempre a apoiava e ela nunca perderia a esperança de vê-lo
um dia ao seu lado na igreja trabalhando juntos para Deus.
Samuel gostava muito dela, pois ela sempre lhe dava muita
atenção, fazendo lembrar um pouco a sua mãe. Aos poucos Mário
também começou a participar com eles deste grupo e, como era muito
brincalhão, logo conquistou a amizade de todos. Esses se tornaram os
novos amigos de Samuel.
Isso tudo deixava o senhor Caio muito feliz, convidando
várias vezes os amigos de Samuel para dormir lá e fazerem o
“acampa dentro” em sua casa, tendo um final de semana mais de
10 adolescentes dormindo em sua casa. Fazia tudo isto na tentativa
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Tempo de Descoberta
de aproximar Samuel, tanto de Deus como de si, pois por mais que
tentasse se aproximar do filho, não conseguia romper a barreira criada
por Samuel.
Algo que marcou Samuel eram os acampamentos de carnaval,
onde passavam quatro dias em um lugar, tendo muita música,
mensagem da Bíblia e também muito divertimento, esporte,
brincadeiras e jantares especiais.
Um desses jantares que Samuel sempre lembrava, era um jantar
de gala que teve no acampamento do carnaval de 1975, onde cada
rapaz tinha que convidar uma garota. Samuel esperou até o último
momento para convidar Amanda, e quando a convidou, levou uma
flor junto, achou meio cafona, mas era a maneira de demonstrar o seu
sentimento, apesar de relutar sempre que lembrava do bilhete.
Ela aceitou com um belo sorriso e Samuel emprestou de um
amigo um terno branco, essa foi a primeira vez que ele vestiu um
terno. Clever, após convidar várias garotas, foi jantar com Vitória,
disse que tinha ido com ela apenas porque não queria nada sério com
ninguém, mas Samuel desconfiou que estava tendo um clima entre
os dois.
O jantar, que teve strogonoff, foi à luz de velas. É uma das
lembranças que Samuel sempre guardou com carinho. Ele foi muito
gentil com Amanda, que sempre respondia amavelmente e com um
belo sorriso, onde seus olhos brilhavam; ele quis muito falar algo mais
profundo ou perguntar do “maldito” bilhete, mas, tomado pelo medo,
não fez nada. Jantou com ela, depois foram para fora do salão, onde
tinham uma vista maravilhosa da lua que estava grande e brilhante
nessa noite. Nesse momento foi que ele pensou em dizer algo, respirou
fundo, e quando foi falar algo mais profundo, ouviu a voz de Clever o
chamando para ir à fogueira. Sempre, sempre Clever falando, pedindo
algo no momento errado, pensou Samuel.
Ela pegou em sua mão e com um sorriso o convidou para ir à
fogueira. A vontade de Samuel era puxá-la em seus braços e lhe dar
um beijo cheio de amor, até imaginou a cena, mas a única coisa que
fez foi ir com ela, observando sua alegria, e como o vento jogava
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Capítulo 8 - Unidos na amizade
seu cabelo para tras de uma maneira que parecia que ele dançava
no ar. Samuel sempre se perguntou depois se ele a tivesse puxado e
beijado, se ela teria aceitado; preferia acreditar que não, pois nunca se
perdoaria de não ter feito isso se a resposta fosse sim.
Samuel não conseguia esquecer do bilhete que sua mãe havia
deixado, e aos poucos começava a entender mais, sabia que tinha
que perdoar, mas como era difícil. Ele lembra de como ficou contente
quando Fred foi expulso da escola por ter sido pego com maconha,
e não gostou de Clever ter ficado com dó, pois ele era a pessoa que
Fred mais perturbava, inclusive tendo colado as fotos no quadro com
o nome dele e de sua mãe. Sabia que era errado, mas teve prazer
nesse sentimento de vingança que sentiu, mesmo não tendo sido
responsável pela expulsão do Fred.
Ele queria aprender a lição de Deus para a sua vida, mas como
a sua mãe lhe havia escrito, ele estava focando muito nele mesmo
para aprender, e Samuel já percebia isso.
Depois da morte da mãe de Samuel, poucas foram as vezes
que ele e Clever foram juntos para o pé de jabuticaba, mas eles iam
sempre sozinhos para lá. Samuel sempre ia para pensar nos conselhos
de sua mãe, em Amanda, no seu relacionamento com o pai, na sua
amizade com Clever; era o lugar de fuga de Samuel.
Já Clever ia mais lá para sonhar com a vida, agradecer a Deus
pelas coisas boas que lhe aconteciam e para orar pelas pessoas que
gostava e principalmente por Samuel, pois via em Samuel uma
tristeza que ele tentava esconder, mas não conseguia esconder dele
e de Amanda.
Ele sempre procurava uma maneira de ajudar o amigo, pois
sabia como a morte de Maria das Dores o havia feito sofrer, mas era
difícil superar a barreira que Samuel tinha colocado, então, o que
Clever mais fazia era orar, algo que tinha aprendido com Amanda e
na igreja.
Aos poucos o relacionamento de Samuel com seu pai foi
melhorando, isso por muita insistência do senhor Caio, em quem já
era visível a mudança, mas a barreira de Samuel ainda era grande, e
87
Tempo de Descoberta
por mais que ele mesmo quisesse romper, era muito difícil. Também
com o tempo e os novos amigos, Samuel começou a “amolecer”
seu relacionamento com Deus, ele sabia que para Amanda era
importante, e isso fez com que Samuel, aos poucos, se aproximasse
mais de Deus.
Por um lado Samuel, queria se aproximar mais de seu pai,
recuperar o tempo perdido, mas, ao mesmo tempo, vinha um
sentimento de que já era tarde, de como ele tinha feito sua mãe sofrer;
assim, Samuel lutava consigo mesmo, pois mesmo amando, e muito,
ao senhor Caio, não conseguia demonstrar.
Já seu pai tinha se firmado muito na igreja de Amanda e se
tornado muito amigo do pastor Antônio Elias. Frequentava a igreja
sempre e de costume passava na casa de Clever para levá-lo, e à
sua mãe, para a igreja também. Samuel passou muito tempo sem
ir, frequentando apenas o grupo de adolescentes, mas, aos poucos,
passou a ir à igreja, pois já tinha ficado amigo de muitos de lá. Sua
amizade com Clever estava melhorando e era um lugar em que ele se
sentia bem, mesmo vendo coisas que ele não concordava. Mas nada
comparado à igreja do bispo Narciso que já estava para ser ordenado
apóstolo, e nunca mais Samuel tinha visto, mas sempre ouvia histórias
que o deixavam assustado, pois a única coisa que Samuel via nessas
histórias era manipulação e vaidade, e pior de tudo, pessoas se
enriquecendo e enganando em nome de Deus.
88
Capítulo 9
Boas recordações
M
aria das Dores ainda permanecia viva na memória de
Samuel, sempre lembrava dela contando histórias para ele
dormir – principalmente sobre o seu vestido rosa – preparando a
lancheira, o primeiro dia de aula e, nos últimos anos, como ela sempre
fazia de tudo para não parecer doente, pelo contrário, ela parecia cada
dia mais cheia de vida.
Lembrava sempre do arroz com feijão e o pão de queijo que ela
fazia, uhn..., como cheirava bem e era gostoso. Aliás, ele lembrava
sempre com muita saudade da comida de sua mãe, pois quando o seu
pai cozinhava o arroz ficava grudado e queimado, definitivamente,
esse não era o seu dom.
Samuel lembrava que um dia, na época que era moda soltar
pipa, a sua mãe foi com ele comprar papel de seda, madeira e linha
para fazer a pipa, e ainda ajudou a montar. Ele ficou todo orgulhoso
e foi mostrar para seus amigos que riram dele, falando que nunca iria
subir, ele voltou para casa todo chateado, e sua mãe disse que não
importava o que haviam dito, pois o importante é que foi feito com
carinho e amor, e que iria subir sim.
Ela o convidou para ir ao terreno perto de sua casa para empinar
a pipa. Samuel foi meio a contragosto, pois tinha medo de decepcionar
a sua mãe se a pipa não subisse, mas, ao chegar lá, ela deu tanto
apoio, que ele quis fazer a pipa subir de qualquer jeito para a mãe ter
89
Tempo de Descoberta
Tudo isso fazia com que Samuel tivesse a sensação de ter que
se abrir mais com seu pai, pois era claro o esforço que ele fazia para
ganhar o filho, e não foram poucas as vezes que Samuel viu o senhor
Caio ajoelhado na cama antes de dormir. Samuel sabia que um dos
principais nomes na oração de seu pai era o seu.
Com Clever, Samuel lembrava de alegres e peraltas recordações,
como no dia em que soltaram fedozinho no banheiro feminino,
fazendo as meninas saírem gritando e correndo do banheiro, e a cara
cínica de espanto que Clever fez fingindo não saber de nada quando
Amanda lhe contou.
Quando apostavam corrida para ver quem chegava primeiro
ao pé de jabuticaba, apesar de Clever ter as pernas mais curtas que
Samuel, quase nunca conseguia ganhar, e ele achava que as vezes em
que tinha ganho, era porque Clever havia deixado já que ele sempre
perdia. As histórias de Clever justificando os foras que ele tomava das
garotas, isso sempre provocava muitas risadas internas em Samuel,
ao mesmo tempo que provocava uma certa inveja de como Clever
era otimista, pois por pior que fosse a situação, sempre achava que
tinha uma chance com alguma garota.
As tantas vezes que Clever falava para Samuel que ele era o
irmão que ele nunca tinha tido, as poucas vezes que ele falava sobre
o seu pai, que nunca tinha conhecido e a vontade de conhecê-lo,
algumas vezes demonstrando amargura na voz, outras, das saudades
de um pai que nunca viu. Samuel percebeu que depois de começar a
ir à igreja de Amanda, Clever já não falava do pai com mágoa, mas
sim com vontade de conhecê-lo, de lhe dar um abraço, de lhe dizer
que era seu filho, e Samuel não entendia como ele poderia não ter
mais mágoa de um pai que o abandonou e nunca quis conhecê-lo.
Samuel sabia que Clever era muito mais amigo seu do que ele
de Clever, lembrava do dia em que ele fez Amanda achar que Samuel
é que tinha feito Fred e seus amigos correrem, as tantas vezes que
fizeram lição de casa juntos, e Clever sempre socorria Samuel na
pintura, que não era o seu forte, aliás, o estudo em si nunca foi muito
o forte de Samuel.
92
Capítulo 9 - Boas recordações
para tentar ajudar tinha lhes dado seu lanche. Como ela agradeceu
a Deus pela família, por ter um lugar para morar, coisas do dia-a-dia,
mas que Amanda sabia valorizar, e mesmo assim, nunca esqueceu de
quem passava por necessidades.
Essas recordações sempre vinham à mente de Samuel quando
ele se sentava embaixo da jabuticabeira, e passava horas lá sem
perceber o tempo passar, era o seu mundo, o seu lugar, onde os
sonhos aconteciam.
Também sempre pensava no bilhete que sua mãe lhe havia
deixado, bilhete o qual guardava junto com o de Amanda.
Samuel estava lá, sentado, quando viu alguém se aproximar,
logo reconheceu que era Clever, já fazia quase um ano que eles não
se sentavam juntos embaixo da árvore. Quando Clever o viu, logo
abriu um sorriso.
- Que bom que lhe encontrei, estava com saudade de nossas
conversas aqui – disse Clever sentando ao lado de Samuel.
Justamente nesse momento Samuel pensava no bilhete de sua
mãe, quando ela escreveu que “quando perdoamos, libertamos um
prisioneiro que somos nós mesmos”. Samuel já estava com 15 anos e
entendia bem o significado disso, sabia como tinha sido prisioneiro e
como havia perdido tempo tendo sentimentos tão ruins no coração.
- Desculpe - disse Samuel, pegando uma pedra e atirando ao
ar. – Eu sei que não fui muito seu amigo nos últimos anos. – Essa foi a
primeira vez que Samuel lembra de ter pedido perdão, a não ser para
sua mãe, quando era criança e fazia algo errado e era descoberto.
- Imagina Samuel - respondeu Clever, abrindo um sorriso alegre
que só ele sabia dar. – Eu sei o como tem sido duro para você esses
últimos anos. Você sempre foi e será o meu melhor amigo – falou
dando um abraço em Samuel. – Você é o irmão que nunca tive,
esqueceu?
Samuel retribuiu o sorriso e se sentiu bem mais aliviado, como
se um peso tivesse saído de cima de seus ombros, percebendo como
era importante e verdadeira a amizade de Clever.
94
Capítulo 9 - Boas recordações
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96
Capítulo 10
O último encontro
dos três no pé
de jabuticaba
“O grande tempero da vida é a amizade. Transformá-la em uma
fonte de alegria é um segredo que poucos descobrem”
Joseph Addison
E
stavam entrando no último mês do ano de 1977, eles tinham
se tornado belos jovens, Clever não cresceu muito, ficou com
seu 1,66 m, mas era esbelto, sempre jogava futebol, o cabelo ainda
era meio encaracolado e sempre o mantinha curto, se orgulhava dos
olhos esverdeados, continuava muito carismático cercado de amigos,
mas sempre dando mais atenção para Samuel, procurando de alguma
maneira ajudá-lo. Nos últimos meses ficou muito amigo de Vitória,
aliás, uma amizade que todos falavam que ia dar em casamento, algo
que ele negava “de pé junto”.
Já Amanda estava se tornando uma garota cada vez mais bonita,
o cabelo tinha escurecido um pouco, mas a deixou ainda mais bela,
pois destacava seus olhos verdes. Tinha deixado o cabelo crescer
bastante, chegando perto da cintura, mas sempre muito bem cuidado.
Tinha o rosto bem delicado, onde possuía covinhas nas bochechas
que deixava Samuel encantado.
Ela procurava sempre dar atenção a todos, principalmente às
pessoas que eram ignoradas, e nunca deixava de dar bom dia para
dona Maria, a faxineira da escola, e sempre a chamando pelo nome.
Era muito aplicada nos estudos, e em quase todas as matérias fechava
com nota máxima, mas nem por isso ela era soberba, dizendo sempre
que era Deus quem a ajudava.
Mário era, da turma, o que mais tinha crescido, chegou a
97
Tempo de Descoberta
1,84 m com 17 anos, e também cresceu muito para os lados, mas era
dono de uma simpatia singular. Não era muito chegado nos estudos,
mas mesmo assim sempre tirava notas boas e tinha um talento incrível
para desenhar, passava praticamente a aula toda desenhando algo e,
principalmente, fazendo caricaturas do pessoal da sala.
Algo que surpreendeu a todos foi que Mário estava revelando o
desejo de ir fazer teologia após o término do colegial, pois, pelo jeitão
brincalhão dele, ninguém esperava que ele fosse querer ser teólogo
ou pastor. Isso era algo que Amanda dava todo apoio e se sentia
orgulhosa sendo ela que o iniciara na fé cristã.
Samuel achava incrível como Amanda influenciava as pessoas
e sempre de uma maneira positiva. Ela conseguia ver algo bom nos
outros, inclusive em Fred, fazendo com que Samuel ficasse constrangido
por ter ficado contente com a expulsão dele da escola.
Samuel se achava um rapaz comum. Media 1,77m, não era
magro como Clever, mas também não era gordo, o que sempre fazia
era mudar o corte de cabelo, foram raras as vezes que passou um
ano com o mesmo corte, deixava crescer a parte de trás, outras vezes
a costeleta ou a franja. Certa vez ficou um ano sem cortar, depois
raspou quase a zero. Amanda achava aquilo muito engraçado,
perguntava o que ele tinha contra o próprio cabelo, e ele respondia
que simplesmente gostava de fazer mudanças, já que não podia mudar
o rosto, brincava, mas o motivo era que ele não gostava do cabelo,
ainda mais da entrada que tinha desde novo.
Fazia quatro anos desde a morte de sua mãe e o seu
relacionamento com o pai melhorou muito, mas ele ainda não
conseguia ser totalmente aberto, apesar das inúmeras tentativas do
senhor Caio.
Uma das lembranças que Samuel guardava foi de quando eles
estavam na sala vendo televisão, num domingo, cerca de dois anos
atrás, e o senhor Caio começou a relembrar a infância de Samuel, os
primeiros passos, a primeira vez que ele falou papai, que ele nunca
entendeu se realmente se referia a ele, contou sorrindo, e meio que
perguntando para Samuel, que respondeu brincando que era lógico
que era ele.
98
Capítulo 10 - O último encontro dos três no pé de jabuticaba
no fundo, sabia que o orgulho lhe impedira muitas vezes, mas agora,
ela estava indo passar tanto tempo longe, poderia perder todas as
chances, pois se veriam bem menos, ela conheceria mais pessoas,
e, de repente, algum rapaz que lhe interessasse. Enquanto Samuel
pensava tudo isso, ela continuou:
- Por isso, resolvi passar estas férias aqui, não viajar para lugar
algum, pois talvez seja o meu último verão livre de estudos para poder
me divertir com os amigos – falou ela sorrindo e abraçando ambos.
Depois, ainda ficaram um tempo lá falando sobre os sonhos,
o tempo de escola, como se conheceram, mas Samuel ficava mais
ouvindo, pensando no pouco tempo que lhe restava. Amanda não
imaginava como aquelas palavras tinham colocado medo no coração
de Samuel.
Ele sabia que aquele verão poderia ser a sua última chance,
tinha que fazer algo, falar. Percebia que ela sentia algo por ele, mas
tinha medo, receio que isso lhe custasse um novo amargo bilhete.
As férias começaram, e para ele e Clever era normal passarem
as férias em casa, pois a família era pequena, os pais não tinham
condições financeiras, e Clever, que ia apenas para São Paulo passar
uma ou duas semanas no verão, também decidiu não ir. Essa seria a
primeira vez que Amanda passaria com eles, e realmente foi muito
bom, foi diferente, se divertiram muito. Iam ao cinema, à praça, à casa
de um deles para jogar. E Amanda sempre o arrastava para participar
de algum projeto social da igreja.
Também estavam sempre com o pessoal da igreja, os que não
tinham viajado. Se reuniam para jogar algum jogo, nadar na casa
de alguém que tinha piscina ou jogar voleibol. Eram tardes e noites
inesquecíveis, e era notório que Amanda procurava viver aquilo
intensamente, como se fosse o último verão, como se soubesse.
Nesse verão, Clever se aproximou ainda mais de Vitória e, no
final do verão, resolveram assumir o namoro. Samuel não acreditava
que seu melhor amigo tinha lhe “passado a perna”, sentiu uma
certa inveja, mas, ao mesmo tempo, ficou muito feliz pelo amigo,
pois tanto ele como Vitória eram pessoas boas e felizes e sabia que
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Tempo de Descoberta
104
Capítulo 11
Ironia do tempo
E
ntraram no último ano do colegial, ele teve ódio de si mesmo,
não entendeu por que não conseguiu expor algo que era visível,
e tudo por causa de um bilhete, um bilhete de quando eles tinham nove
anos, sim, nove anos de idade, ele mesmo não se conformava. Está
certo que era tímido, mas ela era a sua melhor amiga, demonstrava
interesse. Por que era tão difícil fazer o que mandava o coração?
pensava Samuel.
Nessa crise, nesse desespero, pensando que ela já estava em
Belo Horizonte, tendo novos amigos, conhecendo novos rapazes, foi
então que ele resolveu tomar coragem, sentou-se em frente à mesa de
estudo que tinha em seu quarto, leu novamente o bilhete de Amanda,
pegou um novo papel e começou a escrever para Amanda:
“Querida Amanda, há quanto tempo quero lhe dizer essas
palavras que agora escrevo, mas não sei se por covardia, orgulho ou
medo de perder de vez quem mais tem valor em minha vida, não o fiz.
Por isso quero começar pedindo perdão por só agora, e através de um
papel e caneta, lhe dizer o que sinto e o que se passa dentro de mim.
Eu sei que já faz muito tempo, mas aquela resposta que você me
deu quando tínhamos nove anos ficou marcada em minha vida, até
hoje tenho o bilhete que você escreveu dizendo: “você não é especial
para mim”. Eu sei que você não queria me magoar, mas aquilo fechou
uma porta em minha vida, comecei a reprimir mais os sentimentos,
105
Tempo de Descoberta
não entendia a razão, pois pela sua maneira de me tratar, achava que
era especial para ti.
Mesmo sendo coisa de criança, isso me marcou e muitas vezes
quis falar contigo sobre o assunto, abrir o meu coração, lhe dizer o
quanto você foi e sempre será importante em minha vida e quantos
sonhos sonhei com você.
Lembra de quando me perguntou se eu a acompanharia se você
fosse missionária na África? Fiquei sem graça e dei uma resposta boba,
falando que iria se fosse no Havaí. Contudo, a vontade era de lhe falar
que a acompanharia a qualquer lugar que você fosse, pois estando ao
seu lado, esse seria o melhor e mais belo lugar.
Como você está vendo, fui muito tolo, e houve tantos outros
momentos onde eu apenas “quis” falar, mas agora, quando penso que
posso perdê-la para sempre, simplesmente por me calar, me dá um
desespero sem igual, e por isso eu resolvi lhe falar um pouco do que
sinto e sempre senti, desde o primeiro dia que lhe vi com o vestido
rosa, quando tínhamos apenas seis anos.
Estou com a mão gelada escrevendo essas palavras, pois não sei
o que você irá pensar, mas procurei ser o mais transparente possível.
Sei que ficaram muitas palavras para dizer, mas gostaria de lhe dizer
pessoalmente, isso se você quiser ouvi-las.
Perdoe-me por me calar todo esse tempo e pelas vezes que lhe
tratei mal, como que por vingança, mas saiba que você é um anjo
que Deus colocou em minha vida, e independente da resposta que
você me der, você é a pessoa mais importante que já conheci, uma
joia rara, quero que você saiba que sempre foi muito especial, e hoje
é a pessoa mais especial que tenho em minha vida. Você me ensinou
muitas coisas, me ensinou a amar, a perdoar, a olhar com graça para
as pessoas, a saber quem é Deus, a ter esperança, enfim, me ensinou
a viver.
Com amor
Samuel”
Ao terminar de escrever a carta Samuel estava gelado, quis logo
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Capítulo 11 - Ironia do tempo
107
Tempo de Descoberta
tinha sido uma eternidade, o que seriam mais quatro meses? Mas
seriam quatro meses em que passaria sonhando feliz, pois agora tudo
estava para ser dito. Samuel se sentia o homem mais feliz da terra, e
durante esses meses ele sempre lembrava de como ela tinha assinado
a carta “de sua Amanda”.
Ao voltar para casa, foi logo ver a carta que ela tinha escrito
quando criança, e foi aí, pela primeira vez, que ele notou que o “não”
estava escrito apertado entre as palavras “você” e “especial”, além da
letra ser um pouco diferente. Como não tinha percebido isso antes?
Como tinha sido tão cego? Falava Samuel para si mesmo.
Foi aí que lembrou do terceiro e quarto item na carta de sua
mãe:
“3- ninguém pode te ferir além daquilo que você permitir;
4- a cada dia você escolherá se guarda lixo ou plantará um
jardim em sua mente.”
Ele percebeu que a ferida não foi causada por Fred ou por
Amanda, e sim por ele mesmo que resolveu “cultivar” o ressentimento,
plantando sempre mágoas em seu coração, no lugar de enxergar tudo
com outros olhos.
Se ele tivesse entendido antes o recado de sua mãe, com certeza
tudo teria sido diferente, percebeu mais uma vez como Maria das
Dores era sábia, até mesmo nos últimos momentos de sua vida.
Resolveu rever sua vida, ver quantas feridas ele tinha “cultivado”
com seu pai, Clever, e em vários momentos de sua vida, e estava
disposto a mudar ainda mais, pois não queria perder mais tempo, e
como Amanda disse: ainda há tempo.
Clever percebeu claramente a alegria de Samuel, e lhe perguntou
o porquê disso. Samuel lhe contou sobre a carta que havia escrito,
como Fred havia mudado o significado do bilhete e como ele tinha
perdido tempo.
- Nossa, não consigo acreditar, - disse Clever – que loucura,
puxa, por que você nunca me contou isso? – falou agora com um ar
triste.
109
Tempo de Descoberta
- É que estava muito confuso com tudo, era muita coisa na minha
cabeça – justificou Samuel.
- Fred realmente cumpriu o prometido, Samuel.
- Pois é, mas agora ele está pagando por tudo – falou Samuel, se
referindo ao fato de Fred ter sido preso por vandalismo na rua, após
quebrar uma banca de jornal de madrugada, voltando bêbado do
clube.
- Na verdade ele é um coitado – disse Clever, provocando
uma reação de surpresa no rosto de Samuel. – O padrasto dele é
um alcoólatra que bate na mãe, essa por sinal também não é lá essas
coisas, gosta muito de beber também e já teve uns três maridos. Além
disso, ele se sente rejeitado por ser gordo e tem o jeito estúpido de ser
como fuga. O que ele precisa na verdade é Deus, para saber o que é
ser amado.
Aquelas palavras surpreenderam Samuel, e viu que Clever era
mais sábio do que imaginava, sem ler o bilhete que sua mãe havia
deixado, ele cumpria o pedido que ela tinha feito a Samuel.
Mesmo concordando, Samuel, com certeza, não queria ser a
pessoa a falar de Deus para Fred, que Deus usasse outra pessoa, e se
não usasse ninguém, também não teria problema nenhum, pensou.
Sabia que esse pensamento era justamente o contrário do que sua mãe
queria, e também de sua doce Amanda, mas era isso que ele sentia
no momento. Resolveu não pensar, pois estava muito feliz para pensar
em Fred, e ele já lhe tinha roubado muito tempo de felicidade.
Os meses foram passando numa lentidão que pareciam anos.
A cada dia Samuel pensava no que falar, como falar, na reação que
ela teria, mas, pelas cartas que trocaram esses meses, ele ficava cada
vez mais esperançoso, tinha até se convencido em ser missionário na
África, pois tudo valeria a pena.
A última carta que Amanda escreveu, foi duas semanas antes de
voltar para Divinópolis, e esta carta ficou muito marcada na vida de
Samuel que leu a cada dia, até o encontro tão esperado.
“Querido Samuel, você não sabe como me ajudou nesses quatro
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Capítulo 11 - Ironia do tempo
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Tempo de Descoberta
a vida, não forçada pelos pais ou com medo do inferno, foi por amor,
esse que sempre contaminou Samuel, desde que se conheceram.
Sim, para Samuel, Amanda era a prova que a felicidade não
está no ter e sim no ser, e definitivamente ela era, pois vivia uma vida
sem máscaras.
Ela estava para voltar no dia 6 de julho daquele ano de 1978,
por isso marcaram de se encontrar em frente à escola no dia seguinte,
às 19 horas, uma sexta-feira, um dia que seria inesquecível na vida
de Samuel.
Ele não via a hora de chegar o dia. Acordou cedo, ficou o dia
todo pensando em que roupa usar, tomou o banho mais demorado
que já havia tomado, mal quis comer, o pai percebia a ansiedade do
filho, e deu-lhe um dinheiro a mais para levá-la para jantar, pois sabia
como era importante esse dia para Samuel.
Às 17 horas Samuel já estava pronto, resolveu ir antes, pois
queria comprar flores, e não queria se atrasar, não queria que o tempo
novamente lhe pregasse uma peça, por isso às seis horas da tarde já
foi se despedindo do pai.
- Ainda é cedo Samuel – disse com um ar de sorriso seu Caio.
- É que quero comprar umas coisas no caminho.
Samuel já estava abrindo a porta, quando escutou o telefone
tocar. Ele olhou para o pai, como se dissesse para o pai atender,
mas sabia que o pai já não estava muito forte e o telefone estava na
cozinha, por isso resolveu ele mesmo atender o telefone.
- Nossa Clever, fique calmo, eu....eu....- relutou Samuel para
dizer – eu já estou indo...
O senhor Caio viu a expressão de seriedade do filho e lhe
perguntou o que tinha acontecido.
- A dona Áurea, mãe do Clever, parece que teve um derrame,
eles estão no hospital.
O senhor Caio já foi se levantando pegando o casaco.
- Vamos logo – disse para o filho.
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Capítulo 11 - Ironia do tempo
113
Tempo de Descoberta
- Por que você não vai buscar Amanda e a traz para cá? –
perguntou o senhor Caio para Samuel.
- Sei que não foi isso que vocês planejaram, mas creio que
ela irá entender perfeitamente, e Clever ficará muito feliz em vê-la
aqui também, e depois, vocês terão muito tempo para conversar –
completou o senhor Caio.
“Por que não tinha pensado nisso antes? Como sou idiota”, foi
o pensamento de Samuel.
Eram 19h15, Samuel saiu correndo para atrasar o menos
possível.
Amanda, vendo que Samuel não chegava, ficou preocupada,
e atravessou a rua para comprar uma ficha e ligar para a casa de
Samuel, vendo que ninguém atendia, resolveu ligar para a casa de
Clever, pois talvez ele soubesse de alguma coisa.
Enquanto isso, Samuel corria em direção à escola, já tinha
esquecido de comprar as flores, começou a suar, mas não importava,
só não queria se atrasar de novo, não outra vez.
Ficou preocupado quando ganhou a visão da escola e não
viu Amanda lá, ficou imaginando se ela cansou de esperar por ele
e foi-se embora. Mas, ao olhar para o outro lado da rua, ele a vê no
orelhão, e com isso acalma o coração, para de correr, para começar
a se recompor, pois já estava todo suado e despenteado, foi quando
ela desligou o telefone e começou a atravessar a rua, voltando para a
porta da escola.
Nesse momento, ela ouve o seu nome sendo chamado, no
mesmo instante ela reconhece a voz de Samuel, para, e com um
sorriso doce nos lábios, vira o rosto e vê Samuel vindo em sua direção
com um sorriso, quando ele diz o seu nome novamente, mas agora
num tom mais forte de agonia, volta a correr ainda mais depressa e
em seu rosto desaparece o sorriso e surge uma grande aflição.
114
Capítulo 12
Palavras não ditas
D
e sonhos a pesadelos passaram pela cabeça de Samuel em
frações de segundos. Ele simplesmente não podia acreditar no
que estava vendo, e daquela distância o máximo que poderia fazer
era gritar para Amanda e fazer a oração mais curta, e mais sincera,
que já tinha feito, clamando pela vida da amada Amanda.
Ela, percebendo o desespero de Samuel, sem entender, olha
para o lado e então vê, vindo em sua direção, dois carros tirando
um “racha”, uma Brasília vermelha com uma Variant branca, mas já
estava perto demais, ela percebeu que não daria tempo para correr.
O que espantou Samuel foi que, ao invés de ver nela também o
desespero, ela simplesmente fechou os olhos, ergueu a cabeça, cruzou
os braços perto do coração, segurando a caixa de chocolates firme
com a mão direita, a expressão em seu rosto, era como se conversasse
com alguém muito querido.
A Variant, ao ver a garota de rosa no meio da rua, consegue
desviar o carro para a direita, aproveitando o espaço que ainda havia,
sem precisar subir na calçada.
Já a Brasília estava de frente com Amanda, o motorista tentou
desviar, mas acabou atingindo bem no farol direito do carro o corpo
de Amanda bem em cheio. Com o impacto ela é jogada por cima do
carro vindo a cair de uma vez no chão, largando os chocolates que
ainda cairam perto de onde ela estava.
115
Tempo de Descoberta
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Capítulo 12 - Palavras não ditas
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 12 - Palavras não ditas
alguma coisa, e agora ele já não era mais uma criança, e sim um
jovem prestes a entrar para a faculdade.
- Filho, não sei o que dizer, é muito triste tudo isso, mas a mãe de
Clever já não corre perigo – disse o senhor Caio, tentando fazer com
que Samuel tivesse interesse pelo estado dela. – Mas ela ficará com
sequelas do lado esquerdo do corpo.
Samuel ignora a informação, continuou a andar em direção à
porta, como se nada daquilo tivesse importância para ele, deixando o
senhor Caio ainda mais preocupado.
Samuel estava com medo, raiva, não queria ir ao velório, não
sabia como encarar os pais de Amanda, como encarar Clever e as
demais pessoas que sabiam do seu sentimento, era um pesadelo que
não acabava em sua mente. Preferia estar morto no lugar de Amanda,
pois se alguém merecia morrer era ele e não ela, pensou Samuel a
noite toda, achando que Deus resolveu brincar com ele, por isso fez
tudo isso.
- Odeio tudo, odeio todos, odeio Deus – foram as últimas palavras
de Samuel antes de finalmente conseguir dormir.
No caminho, inutilmente o senhor Caio tentou conversar com o
filho, que permanecia calado olhando o “nada” através da janela do
carro.
- Descobriram quem eram os motoristas? - foi o única fala de
Samuel, mas sem tirar os olhos da janela do carro.
- Sim, - respondeu o senhor Caio, com tom de desânimo na voz
– o rapaz da Variant é filho do prefeito da cidade, e o da Brasília de um
deputado que veio visitar o prefeito – depois de um tempo continuou –
parece que a única acusação feita contra eles é por não terem prestado
socorro, é o que alega o advogado. – Após longa parada, ao chegarem
à igreja onde Amanda seria velada, conclui o senhor Caio com um ar
triste – eles têm dinheiro e poder.
Samuel detestava ainda mais o mundo, a sociedade, as pessoas.
Como alguém que estava tirando racha, correndo muito acima do
permitido, provavelmente tinha bebido, já que voltava de uma festa,
119
Tempo de Descoberta
corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.
O amor é paciente, o amor é bondoso.
Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não
procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor.
O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a
verdade.
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas
cessarão, o conhecimento passará.
Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando,
porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá.
Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino
e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para
trás as coisas de menino.
Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em
espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte;
então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente
conhecido.
Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor.
O maior deles, porém, é o amor.”
Depois, o pastor Antônio Elias, já bem idoso, com um semblante
triste, mas com esperança eterna no olhar que era uma marca registrada
de sua vida, começou a falar de como Amanda gostava e vivia esse
amor, disse que aqui na terra ela sempre tivera muita fé, esperança
e amor, mas agora, ao lado o Pai, ela já não precisava mais de fé e
esperança, pois ela estava ao lado de quem sempre acreditou, mas o
amor que ela cultivou a vida toda, esse sim, ela levaria eternamente
consigo.
Amanda tinha realmente vivido todo esse amor, mas, e Deus?
Onde está o amor de Deus que deixa uma filha tão amorosa morrer?
Essas perguntas não saíam da cabeça de Samuel, que depois,
quando começou a ouvir os hinos prediletos de Amanda, saiu para
121
Tempo de Descoberta
foi saindo, não acreditando que tinha finalmente colocado para fora
tudo o que sentia. Por mais injustos que fossem os pensamentos, eram
seus pensamentos, e sabia que talvez agora tivesse perdido não só
Amanda, mas o seu melhor amigo, que sempre procurou demonstrar
que ele o tinha como irmão.
Aquelas palavras penetraram profundamente cortando o
coração de Clever, era algo que ele nunca esperou ouvir, que por
mais que entendesse a dor do amigo, ele percebeu que já há tempos
Samuel nutria sentimentos de acusação contra ele. Simplesmente
abaixou a cabeça tristemente, entendendo tudo, virando para o lado
contrário de Samuel, entrou de cabeça baixa para o salão onde estava
o corpo de Amanda.
Samuel resolveu não ficar mais e saiu para a rua, apenas
andando sem perceber para onde ia.
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Capítulo 13
Sem máscaras
“A maioria de nós não gosta de olhar para dentro de si pelo mesmo motivo que não
gostamos de abrir uma carta que contenha más notícias.”
bispo Fultron Sheen
A
sua cabeça estava muito confusa com tudo aquilo, eram muitos
sentimentos contraditórios, o seu desejo era simplesmente
sumir, e desejou inúmeras vezes estar no lugar de Amanda, pois se
alguém merecia um fim assim era ele e não ela que mal algum fez.
Quando Samuel percebeu, ele estava passando em frente
à igreja do apóstolo Narciso, ficou ali por alguns minutos parado,
lembrando do seu tempo de infância naquela igreja, do carisma do
agora apóstolo e também de como ele não conseguia ver sinceridade
em suas palavras, e do seu último encontro com ele, quando tinha
apenas 12 anos, no velório de sua mãe.
Ele não entendeu direito o motivo, mas resolveu entrar e foi
direto na direção do escritório do apóstolo. Chegando lá a secretária
perguntou o que ele desejava, e quando já estava para dar as costas e
ir embora, a porta do escritório do apóstolo abre e ele sai.
- Eu conheço você – disse o apóstolo Narciso, saindo do escritório
com um terno preto impecável, um anel de ouro com uma pedra
de brilhante ainda maior que o último que Samuel tinha visto e um
penteado cheio de gel que jogava o cabelo para trás e dava um brilho.
– Sim, você é o filho do senhor.... senhor... Caio. Como era mesmo o
nome de sua mãe?
- Maria das Dores – respondeu Samuel com um olhar frio. –
Poderia falar alguns minutos com o senhor? – Nem Samuel entendia
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Tempo de Descoberta
direito o que tinha ido fazer lá e muito menos o que iria falar.
- Bem, se você não veio para me xingar, posso ficar no máximo
cinco minutos, pois tenho uma reunião daqui a pouco. Vamos, entre
– disse já olhando para o relógio, com uma expressão de impaciência
em seu rosto.
- Você sabe quem morreu atropelada ontem? – perguntou
Samuel olhando nos olhos do apóstolo.
- Sim eu vi no jornal, coitada, ela era tão jovem, tão bonita, era
sua amiga, certo?
- Eu tinha ido me encontrar com ela, quando aconteceu... –
confessou Samuel.
- Que triste, o diabo não dá trela mesmo.
- Diabo ou Deus? – perguntou Samuel com o olhar fechado.
- Meu Deus, você pensa isso..... – disse o apóstolo com um tom
de choque na voz pela revelação de Samuel. - ... como é mesmo o seu
nome?? Uhn... Samuel, certo?
- Me diga sinceramente, - disse Samuel ignorando a pergunta do
nome dele. – Você pensa realmente que foi o diabo? Eu a conhecia e
posso dizer sem dúvida que nunca conheci alguém mais apaixonada
por Deus do que ela. Ela até queria ser missionária na África.
- Bem, ela podia ter boas intenções, mas aquela igreja, você
sabe, é muito fria, não crê nos dons, é quase igual à Católica – disse o
apóstolo com um ar de desprezo.
- Igreja? Você realmente crê que Deus habita em igrejas, que a
igreja é mais importante que a vida?
- Ora Samuel... – tentou completar o apóstolo antes de ser
interrompido por Samuel.
- Por favor, estamos só nós, não preciso de um discurso de
igreja, eu sei quem era ela, sei que ela merecia a vida, e eu nunca orei
com tanta sinceridade como naquele momento, e mesmo assim nada
aconteceu.
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Capítulo 13 - Sem máscaras
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Tempo de Descoberta
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Tempo de Descoberta
caráter, nós somos os sem caráter. Chocado? Pois é, agora você irá
embora me acusando e acusando a Deus, assim você se sentirá melhor
e continuará com sua máscara – concluiu o apóstolo agora com um
tom de quem tinha vencido um combate.
- Bem, agora tenho que ir – disse o apóstolo, olhando para o
relógio e encerrando o assunto já caminhando para a porta.
Samuel não disse mais nada, a vontade foi de pular no pescoço
do apóstolo pela “absurda” comparação que ele tinha feito, dizer que
ele não era assim, mas, simplesmente virou e foi saindo, com certeza
ele não tinha ido lá para ouvir aquilo, aliás, a intenção dele era falar
umas “verdades” para aquele apóstolo, mas ele nunca esperava uma
confissão daquelas e principalmente o colocando no mesmo nível.
Sentiu muita raiva, ficava negando para si mesmo as comparações,
mas sabia que tinha verdades nas palavras e aquilo o deixou ainda
mais perplexo, agora consigo mesmo.
Lembrou de um dos itens do bilhete de sua mãe: “você não é o
que dizem que você é, e nem o que você pensa que você é”, com isso
ele sabia que não era exatamente como o apóstolo o tinha descrito,
mas sabia também que não era o bonzinho que ele se achava. Se
alguém estava mais próximo de estar certo, este seria o apóstolo. Era
algo que com certeza ele não admitia para si mesmo.
Samuel passou praticamente as férias todas dentro de casa, nem
saía do seu quarto, sempre lia o bilhete deixado por Amanda com os
chocolates, se arrependia não apenas de ter se atrasado, mas dos anos
que perdeu por não perguntar-lhe sobre o primeiro bilhete. Não se
encontrou com Clever até o início das aulas, e por mais que o senhor
Caio tentasse se aproximar, ele sabia que era o luto que Samuel tinha
que viver, só tinha a esperança de não perdê-lo para sempre.
Às vezes Nadejida e alguns jovens da igreja ligavam para ele, ou
passavam lá, mas ele não se abria, preferindo apenas falar o necessário.
Nadejida, por ser muito amiga de Amanda, tinha se tornado amiga de
Samuel, e era com ela que Samuel se abria um pouco mais, pois era
quem mais entendia a sua dor, apesar dela não ter a revolta contra a
igreja e Deus, que Samuel agora guardava consigo.
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Capítulo 13 - Sem máscaras
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Capítulo 14
A conversa
B
om dia – disse o pastor Antônio Elias, se esforçando para
levantar-se do sofá e indo abraçar Samuel. – Faz tempo que
não conversamos.
- Sim – limitou-se a responder Samuel, retribuindo muito pouco
o abraço.
- Você ainda sente muito a morte de Amanda, não é Samuel? –
já foi falando direto o pastor, sem fazer rodeios.
Samuel não sabia o que responder, era óbvio que sim, mas no
que ele poderia ajudar? E cada vez que tocavam no nome dela ele se
sentia pior ainda.
- Sabe Samuel, quando eu era jovem, eu perdi um irmão, –
falou com um ar de tristeza, como se relembrasse. – Ele era o caçula
de cinco irmãos, 10 anos mais jovem do que eu, e tinha apenas seis
anos, mas ficou muito doente, e naquele tempo, não tínhamos muito
recurso, os médicos não descobriram o que provocava a febre e em
poucas semanas ele veio a falecer.
- E o senhor nunca achou que Deus foi o responsável? –
perguntou Samuel, confessando assim o que pensava da morte de
Amanda, e esperando para ver a reação do pastor.
- Sim, achei que foi Deus e o mundo.
Aquela confissão surpreendeu Samuel, pois ele, mesmo estando
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 14 - A conversa
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Tempo de Descoberta
para o cristão que não pode ser verdade, aliás, é mais que consolo, é
a esperança real. E também não é porque você é sincero, ama a Deus,
que nunca terá dúvidas de atitudes tomadas por Ele. A diferença é
que isso não diminui o seu amor e a sua fé, pois a pessoa entende que
Deus é Deus pelo que Ele é, e não pelo que Ele faz, o amor e o servir,
não estão condicionados ao que recebemos, mas no relacionamento
que temos, como o pai que ama o filho, independente do que o filho
fez ou fará.
- Não consigo entender – confessou Samuel agora com tristeza
no olhar.
- Muitas vezes quando criança não entendemos as atitudes de
nossos pais, mas são atitudes necessárias e muitas delas as entendemos
depois.
- Mas eles não matam ninguém – respondeu Samuel rispidamente
no mesmo instante.
- Você acha que Deus é quem mata? Foi ele que fez os jovens
correrem com o carro? Ele teve prazer em ver os pais e amigos de
Amanda tristes? – perguntou o pastor.
- Mas ele poderia impedir.
- Sim Samuel, poderia, como algumas vezes impede e outras
não. Como ele decide? Por causa da oração? Porque a pessoa irá
ser usada por Deus? Para livrá-la de um mal maior no futuro? Não
sei responder Samuel, mas sei que o nosso grande problema é que
vemos apenas esse mundo, e com muita limitação, e ainda como se
fosse o único verdadeiro. Falamos da eternidade, mas vivemos como
se a eternidade fosse apenas aqui.
- O amor de Deus, não está condicionado ao que Ele me faz,
e sim ao que Ele é, e no que fez por nós, e na cruz foi essa a maior
demonstração de amor que alguém poderia dar, como você me
perguntou: Como um pai deixaria o filho morrer podendo salvar? Foi
exatamente o contrário que Deus fez, na cruz, ele salvou o homem,
não o deixou morrer eternamente, mas nos salvou da morte eterna,
nos deu a vida eterna, e por isso um dia você poderá reencontrar a
sua mãe, Amanda e tantas pessoas que amamos e foram antes de
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Capítulo 14 - A conversa
nós. Você consegue perceber? Mesmo sendo Deus, Ele se fez homem
e por isso Ele sabe o que é sofrer, o que é a dor humana, ele sentiu
isso na pele, mesmo sendo Deus. Ele já estava no céu, ele fez o céu,
ele é Deus, tudo o que passou foi por amor, suportou a humilhação
não apenas de se encarnar, mas de ser abandonado por todos, de ser
traído, e de ser condenado pela humanidade que ele criou por amor.
Deus conhece sentimentos como traição, solidão, ódio, não que tenha
odiado alguém, mas foi alvo do ódio da própria criação, e tudo isso
suportou por amor.
- Você percebe, Samuel, estamos falando de Vida, da verdadeira
Vida, e essa Amanda não perdeu, ninguém pode roubar dela, nem a
morte e isto não é um simples consolo ou fuga, é a verdade.
- Conversei com o apóstolo Narciso e ele chegou até a dizer que
sou egoísta por querer Amanda aqui, e todos são egoístas e só buscam
a Deus por interesse – disse Samuel para ver a reação do pastor.
- Sim, a nossa natureza caída é egoísta, a vaidade nos tenta a
cada dia. Existem muitas pessoas que vão à igreja, mas nunca tiram as
suas máscaras. Pessoas são egoístas, isso é verdade, mas eu não posso
julgar os outros, cada um é que julga a si mesmo. Pessoas choram,
sorriem em um mesmo momento, mas por razões diferentes, e apenas
elas e Deus é que sabem o que se passa no coração.
- Chorar, sofrer porque alguém que amamos partiu, não é
egoísmo ou falta de fé, é sentir falta de alguém que marcou a nossa
vida, que mesmo sabendo que um dia a reencontraremos, ficaremos
um tempo sem a presença dela em nossas vidas, é saudade – disse o
pastor Antônio Elias com um “ar” de saudades de seu irmãozinho que
havia partido com seis anos.
- Pelo fato de eu estar desapontado com Deus, o apóstolo Narciso
me disse que sou egoísta, pois se Deus tivesse me ouvido, eu teria tido
uma atitude diferente. Ele mesmo confessou que as pessoas procuram
a Deus apenas para Deus as servir. – Samuel parou novamente,
respirou fundo, abaixou a cabeça e continuou: - Realmente, se ela
tivesse vivido, eu seria eternamente grato a Deus.
- Sim, muitas procuram Deus por isso Samuel, na igreja dele,
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Tempo de Descoberta
na minha igreja, mas quem sou eu para julgar o coração das pessoas,
quem é sincero e quem não é.
- Pessoas voltam para a igreja por algo que receberam, mas no
decorrer, muitas entendem realmente que Deus está acima das bênçãos
recebidas, outras voltam na dor, cada um é diferente, e Deus lida com
cada um de uma maneira ímpar e sempre, sempre com amor, por
mais que possamos não entender, é amor por nós.
- Mas, na sua igreja, eu já fui lá várias vezes, é diferente, não
ficam falando de dinheiro, prometendo o “mundo” aqui na terra.
- Sim, mas você acha que as pessoas lá também não têm os
seus interesses, e não fazem as suas trocas com Deus?- disse o pastor
Antônio Elias com um ar de tristeza na voz.
- Quantas vezes eu tenho que ouvir de presbíteros que não
gostam dos cânticos da mocidade, que só deveríamos cantar hinos
na igreja, já que pertence à “tradição” da igreja e são melodias que
agradam mais a Deus – nesse momento o pastor Antônio Elias deu
uma risadinha – como se soubessem qual estilo agrada mais a Deus,
ou pior ainda, como se o ritmo fosse mais importante para Deus do
que o coração puro e sincero em sua presença.
- Usam Deus para justificar preferências pessoais. Às vezes,
senhoras criticam as saias das jovens, falando que “no seu tempo não
era assim”. Mas, até que ponto, muitas críticas não são feitas por inveja
do corpo do outro?
- Pessoas que discutem por qual instrumento Deus mais gosta, se
bater palma é bíblico ou não, se os dons espirituais cessaram ou não,
tudo isso é muito triste, é vaidade. Como disse Salomão no livro de
Eclesiastes, e pior ainda, tudo isso em nome de Deus enquanto gastam
horas discutindo, pessoas que precisam ser alcançadas pela graça de
Deus, são esquecidas, tudo isso para satisfazer a vaidade humana,
onde ama-se mais defender o que se pensa do que as almas perdidas
– disse com muita tristeza na fala e abaixando a cabeça.
- Sem falar das fofocas, tendo como desculpa motivos de oração.
Sim, Samuel, tem muitos doentes na igreja, e o pior é que são doentes
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Capítulo 14 - A conversa
que se acham doutores, cegos querendo guiar cegos, e olha que estou
falando da minha igreja.
- E se eu fosse dizer o que as pessoas já fizeram em nome de
Deus desde o início do cristianismo, então, seria mais triste ainda.
Samuel estava espantado com as revelações.
- Mas o senhor sabe e não faz nada?
- Faço Samuel, primeiro eu procuro me vigiar para não fazer o
mesmo, pois muitas vezes eu me peguei usando a Bíblia para justificar
alguma preferência pessoal, e olha que achava uns versículos que
encaixavam direitinho, ou até exortando alguém que tinha cometido
alguma falha, mas não com amor e para trazer a pessoa de volta, e sim
para provar que eu estava certo, pois a vaidade humana está sempre
batendo na nossa porta, nunca estamos livres dela Samuel. Por isso,
temos que vigiar e orar, ter um verdadeiro relacionamento com Deus,
muitas pessoas começam com boas intenções, mas quando veem o
poder e o dinheiro, mudam completamente – falou agora com uma
expressão, como se lembrasse de amigos que tinham começado com
ele o ministério e estavam agora bem afastados da verdade.
- Também, como pastor, procuro mostrar sempre a verdade na
Palavra, exortar, ensinar, amar, mas como disse, não posso julgar o
coração das pessoas, cada um sabe o motivo das atitudes.... – nesse
momento o pastor deu uma parada, e ficou com uma expressão mais
triste - .... o problema é que muitas vezes queremos nos enganar,
vivemos em um mundo de ilusões, usamos máscaras durante todo o
tempo, e o triste, é que muitos só a tiram quando a vida já passou.
Nesse momento, Samuel pensava em sua vida, quantas
máscaras usava, quantas desculpas dava para atitudes com os outros,
e principalmente com o seu pai, justificando a si mesmo por atitudes
que o seu pai cometeu no passado. Lembrou novamente do bilhete
de sua mãe dizendo “que ele não era o que os outros pensavam e nem
o que ele pensava”. Estava começando a querer entender quem era
ele realmente.
- Todos morrem, Samuel, mas nem todos vivem. Viver não se
limita a respirar e fazer coisas, a vida é muito mais. É saber por que
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 14 - A conversa
morta, como a esposa que perdeu o marido ainda jovem, como tantas
pessoas que sofrem sem ter feito algo que merecesse isso.
– Como lhe disse, não sei por que Deus permitiu isso, talvez,
porque já quisesse Amanda ao seu lado, talvez para livrá-la de algo
no futuro, ou talvez porque o Narciso - pastor Antônio Elias não o
chamava de apóstolo, pois para ele os apóstolos foram apenas os
discípulos que Jesus escolheu – estivesse certo, caso ela estivesse bem,
você nunca conheceria a Deus pelo que Ele é, e Ele te ama tanto
que quer criar um relacionamento verdadeiro e profundo contigo, sem
barganhas ou interesses, mas por amor.
- Mas como disse, não sei e talvez só no céu saberemos, mas sei
que um dia darei um belo e gostoso abraço nela – disse abrindo um
tímido sorriso.
- Jamais aceitaria que Deus fizesse isso para me ter com ele,
seria cruel demais – falou Samuel com um tom de chantagem para
com Deus, pois se sentiu com medo de Deus ter permitido isso para
tê-lo. Ainda mais lembrando do outro conselho que sua mãe lhe deu,
“Deus está sempre cuidando de você, até mesmo quando coisas ruins
lhe acontecem”.
- O segredo da vida não é quando e como se morre, mas como
se vive, Samuel. Todos morrem, mas nem todos sabem viver, e a pior
morte é a de quem está “morto” ainda em vida e acha que está vivendo
– disse o pastor, passando a mão na cabeça de Samuel.
- Bem querido, vou lhe deixar em paz, já falei muito por hoje –
completou dando uma risadinha e já se esforçando para se levantar
para ir embora.
Samuel quis agradecer pela conversa, mas era muita coisa em
sua cabeça, tinha que pensar em tudo, mas sabia que depois daquele
diálogo já não seria mais o mesmo.
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Capítulo 15
Tempo de
escuridão
“Somos o que fazemos, mas somos principalmente
o que fazemos para mudar o que somos”.
Eduardo Galeano
A
ssim começou Samuel o último semestre do terceiro colegial,
triste, fechado, pensando em Amanda e em tudo o que lhe
havia acontecido, como até então ele havia vivido.
Mesmo estudando junto com Clever, eles mal se falavam, e nas
poucas vezes foi por iniciativa de Clever, e nunca de Samuel.
A conversa com o pastor Antônio Elias não saía da cabeça de
Samuel, como também a conversa com o apóstolo. Ficava pensando
até que ponto era ou não egoísta.
Samuel estava assustado como as pessoas iam para a igreja
por interesse, e sabia que se um dia voltasse para Deus, seria de
uma maneira séria, sem “negociações”, como sua mãe e Amanda se
relacionavam com Deus e gostariam que ele assim o fizesse, mas, por
enquanto, ele não conseguia entender esse agir de Deus, chegando
até mesmo a duvidar de sua existência.
Sempre lembrava dos conselhos de sua mãe, e um deles lhe
vinha muito à cabeça nesta época: “Em tudo na vida, Deus quer nos
ensinar uma lição, mas quando focamos apenas em nós mesmos,
deixamos de aprender”. Ele já entendia que não tinha que focar nele
mesmo, pois como o próprio apóstolo tinha lhe falado, “se tudo desse
certo ele estaria feliz com Deus, mesmo as coisas dando errado para
milhares de pessoas”. Ele percebia que se fosse se relacionar com
Deus, tinha que ser de uma maneira não interesseira. Mas, como fazer
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Tempo de Descoberta
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 15 - Tempo de escuridão
cada dia, orava e tentava ganhar o filho, pois como tinha aprendido
com Maria das Dores, mesmo sendo velho há tempo para mudar, e
enquanto há vida, existe esperança.
Apesar de Samuel não falar nada, ele guardava no coração
aquelas histórias e se enchia de saudades. Queria perguntar para o
pai por que ele não foi sempre assim, por que precisou esperar a
mãe morrer para fazer isso e lembrou de mais um item da carta que
dizia: “Deus está sempre cuidando de você, até mesmo quando coisas
ruins nos acontecem”. Pensou se foi necessário a mãe morrer para o
seu pai mudar tanto, e Amanda morrer para ele mudar um dia. Este
pensamento lhe dava mais mágoas de Deus, e às vezes queria que a
sua mãe nunca lhe tivesse deixado o bilhete, pois eram conselhos que
o acompanhavam desde os 12 anos, e sabia que tinha que mudar
muitas coisas, mas não tinha coragem. Sabia da idade avançada do
pai, e o seu esforço para se aproximar, apesar de isto lhe tocar muito,
estava decidido a só fazer as coisas quando realmente entendesse
tudo e com sinceridade.
- Filho, gostaria de conversar um pouco? Queria saber mais
como você está, desde a morte de Amanda você anda tão calado –
falou o senhor Caio um dia após o jantar, em uma tentativa de se
aproximar do filho, mas Samuel apenas se calou.
- Samuel, pode falar, sou seu pai – tentou novamente o senhor
Caio que o filho se abrisse mais. Cortava-lhe muito o coração essa
tristeza de Samuel.
- Agora lembrou que é meu pai? Aliás, só depois da morte
da mãe é que o senhor lembrou – respondeu Samuel, nem mesmo
acreditando que tinha falado aquilo. Era uma frase que estava há
tempos engasgada em sua garganta, mas ele sabia que era injusto
esse pensamento.
O senhor Caio se calou por alguns segundos, aquelas palavras
do filho lhe cortaram o coração.
- Eu sei que errei muito contigo, mas ainda podemos recuperar
o tempo perdido – disse o senhor Caio sem erguer os olhos e se
esforçando para falar.
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Tempo de Descoberta
lábios de quem tenta disfarçar. – Mas, e você, é verdade que vai para
o seminário? – perguntou Clever para Mário, provocando espanto no
rosto de Samuel que não sabia da novidade.
- Sim, já decidi, se Deus quiser estarei lá no ano que vem. Vou
fazer em Belo Horizonte, já conversei com o conselho da igreja, que
me encaminhou para o presbitério.
- Quem diria, hein! – disse Clever com um sorriso maroto. –
Você, o piadista da turma que só sabe rir e fazer desenhos na classe,
estudando para ser pastor. Eu pago pra ver – completou dando uma
gargalhada.
- Até eu vou para a igreja, pois tenho que ver para crer – falou
Samuel para entrar na brincadeira.
- Amanda ficaria feliz em saber que um fruto dela será pastor
– disse Clever, provocando um gelo em Samuel, que não gostava de
falar de Amanda, ainda mais perto de Clever.
- Ela também ficaria feliz com você – retribuiu o elogio Mário –
conseguiu até levar o Fred pra igreja no último domingo.
- O quê? – falou alto e com tom de indignação Samuel, agora
olhando nos olhos de Clever.
Clever percebeu que o amigo não gostou e entendia o motivo.
Mário, percebendo que falara mais do que devia, tentou mudar de
assunto, mas foi cortado por Samuel.
- O que você fez, amigo? – perguntou novamente Samuel, mas
com um tom de ironia agora na palavra “amigo”.
Clever ficou chateado, mas tentou responder da melhor maneira
possível para ele entender, pois por mais que ele estivesse chateado
com Samuel desde o velório, ele entendia a sua dor e sempre quis
tentar se aproximar dele.
- A vida dele nunca foi fácil, a família sempre foi problemática,
nunca teve apoio em casa, foi expulso da escola e até preso.
- Daí você resolveu ser a “fada madrinha” dele? – perguntou
Samuel com tom de ironia e raiva ao mesmo tempo.
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 15 - Tempo de escuridão
a cada dia? Essa pergunta o senhor Caio fazia para Deus e para si
mesmo a cada manhã.
Por mais que Samuel soubesse que todos precisam do perdão
de Deus, que Amanda ficaria feliz em ver mais um se convertendo,
até mesmo Fred, tinha tantas outras pessoas para irem à igreja, mas
logo ele, que foi autor de tanta desgraça em sua vida, e pior ainda,
convidado por Clever. Era muita coisa para a cabeça de Samuel, que
mesmo que estivesse tentando saber melhor quem era Deus, essas
provações eram muito fortes, mexiam muito com suas emoções,
estava achando muito dolorida a lição. Assim dormiu abraçado
ao travesseiro com as pernas encolhidas como se pudesse voltar à
infância, pensando em como estava sendo duro querer entender tudo
sem sua mãe e sem sua amada Amanda, e mais do que nunca, ele
precisava da presença delas agora com ele.
Naquela noite no jantar, o senhor Caio perguntou para Samuel
sobre a faculdade, se ele já tinha definido, pois para o pai era muito
importante o filho continuar estudando, para isso ele não media
esforços.
- Acho que vou fazer publicidade – respondeu Samuel.
- Uhn..., interessante, é um curso novo, já ouvi dizer. Mas já tem
aqui na cidade?
- Vai começar no próximo ano na FACED - Faculdade de
Divinópolis. É uma faculdade que está em crescimento em todo o
Brasil.
- Que bom que você já decidiu. Eu ouvi qualquer coisa que o
Mário está indo para o seminário, você está sabendo?
- Sim, ele já decidiu.
- Fico feliz por ele também. E o Clever, você sabe o que ele quer
fazer?
- Parece que não vai fazer faculdade – respondendo seco, como
se não quisesse continuar o assunto. – Me passe o arroz, por favor.
- Sério, por quê? A última vez que falei com ele, me parecia tão
empolgado em ir à faculdade.
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Tempo de Descoberta
- Por causa da doença de sua mãe, ele não pode deixá-la sozinha
e nem pagar alguém para ficar com ela.
- É uma pena. Se pudéssemos ajudá-los... – disse o senhor Caio
com um ar de tristeza.
- Me passe o frango pai, por favor – falou agora procurando
fugir de vez da conversa, algo que Samuel estava se tornando hábil
em fazer.
O senhor Caio não disse mais nada, mas guardava tudo aquilo
dentro de si, tendo esperança de um dia o filho mudar, mas sabia que
precisava fazer algo, pois Samuel era a joia mais preciosa que Caio
possuía.
Samuel procurava se concentrar nos estudos, já que queria
fazer a faculdade, e sabia que se não fizesse, seu pai ficaria muito
chateado, e concentrando-se nos estudos também teria menos tempo
para pensar em Amanda. Havia a possibilidade de estudar em Belo
Horizonte, talvez até mesmo para fugir do passado, mas sabia que
seu pai teria que fazer um grande sacrifício. Mesmo sabendo que para
ver o filho estudando o senhor Caio faria qualquer coisa, Samuel não
queria abusar de seu pai que vivia apenas com a aposentadoria e o
aluguel de uma casa herdada dos pais.
Mário já estava encaminhado para o seminário, Nadejida
e Samuel estavam indo juntos fazer os primeiros exames para a
faculdade. No caso de Clever, sua mãe queria muito que ele fizesse
faculdade, falava para ele não se preocupar que ela poderia se virar
sozinha nesse período, mas ele sabia como seria duro para ela. Mesmo
assim, ele resolveu tentar o vestibular, apenas para agradar a mãe, já
consciente de que dificilmente conseguiria fazer uma faculdade.
O senhor Caio sempre pensou em como se aproximar mais do
filho, e foi num desses dias, após voltar da igreja, enquanto assistiam
televisão, que ele comentou:
- Estive pensando Samuel – falou Caio enquanto Samuel só
ouvia sem tirar os olhos da tv.
- Eu já estou velho, mas graças a Deus ainda sou forte, fico muito
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Capítulo 16
A mudança
C
omeçou o ano de 1979 e com ele as provas dos vestibulares.
Mário já estava morando em Belo Horizonte, onde iria fazer
seminário. Samuel fez o vestibular tanto em Divinópolis como em
Belo Horizonte, mas já estava praticamente decidido a ir estudar fora,
pois, além de Clever estar fazendo vestibular, que significava que
provavelmente iria morar em sua casa, ele estava gostando da ideia
de morar em outra cidade, experimentar uma nova vida. Nadejida
também fez em Belo Horizonte, na mesma faculdade que Samuel,
fato que o deixou mais animado.
Como estavam no período de férias, Samuel e Clever mal se
viam, mas, para surpresa de Samuel, um dia Clever apareceu em sua
casa, e começaram a conversar, ignorando como Samuel o tinha ferido
com palavras e havia muita coisa importante para se conversar.
- O que você acha da ideia de seu pai, Samuel? – perguntou
Clever, revelando assim o motivo da visita.
- Seria bom para você e sua mãe – foi a resposta que Samuel
deu, que ao mesmo tempo em que não mostrava objeção, também
não mostrou alegria ou que seria bom para a amizade deles.
- Gostaria de saber sinceramente se você não tem nada contra,
pois é importante, é a sua casa, e não quero que você se sinta obrigado
– disse Clever olhando seriamente para Samuel.
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Capítulo 17
Novos sonhos
A
quele semestre Samuel refletiu como nunca tinha refletido
sobre o bilhete que sua mãe deixou. Resolveu ir jogando fora
o lixo que sempre cultivou em sua mente, pensou em várias lições que
deixou de aprender por ter decidido ficar magoado ou simplesmente
olhado as coisas de uma maneira negativa. Quantas conversas deixou
de ter com seu pai, simplesmente para se “vingar” de anos querendo
conversar e o senhor Caio simplesmente “não tinha tempo”. Percebeu
que não apenas feriu seu pai, como, na verdade, ele próprio era o mais
ferido na situação, sem dizer de Amanda, que agora já não havia mais
tempo para conversas. Ainda tinha Clever, com esse, tanto como com
seu pai, Samuel sabia que precisava mudar de atitude. As conversas
com Nadejida o ajudavam muito.
Samuel e Nadejida começaram a frequentar a oitava Igreja
Presbiteriana de Belo Horizonte. Samuel se sentia bem lá, era uma
igreja diferente das que Samuel já tinha ido, tinha um pastor idoso
muito sábio que lembrava o pastor Antônio Elias da igreja de Amanda,
e um jovem recem-saído do seminário que sempre conversava com
Samuel com muito entusiasmo. A igreja, mesmo sendo de uma linha
mais tradicional, tinha um grupo musical muito animado e era um
ambiente que misturava respeito com alegria, algo que cativava
Samuel.
Apesar de toda a preocupação que o senhor Caio tinha com
o fato de Samuel estar longe, fazendo gastar horas de oração, este
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Tempo de Descoberta
tempo estava fazendo muito bem para Samuel, no lugar de ser a fuga
que ele esperava, estava se tornando um lugar de reencontro consigo
mesmo.
Não havia uma semana que o senhor Caio não ligasse pelo
menos três vezes para o filho. De vez em quando Clever também
ligava para ele, fazia perguntas sobre a faculdade, como estava na
nova cidade, e aos poucos Samuel ia se soltando mais.
Dona Áurea se tornou uma boa amiga e conselheira do senhor
Caio, creio que ela que mais cuidava dele do que ele dela, e os
dois sempre brincavam quem é que tomava mais remédios. Muitas
conversas do senhor Caio com Clever tinham a participação do nome
de Samuel, suas histórias sempre eram lembradas com muita alegria,
e algumas com um tom de tristeza, como várias que envolveram a
sua vida com Amanda, como Samuel ficou fechado por causa de
um bilhete escrito na infância e como perdeu tempo por causa disso.
Ambos viam que Samuel precisava ser curado e sempre que possível,
oravam juntos a respeito.
No primeiro semestre foram poucas as vezes que Samuel foi
para Divinópolis, pois ainda não se via preparado para ter a conversa
necessária com Clever, e também estava cada vez mais se relacionando
com os jovens da igreja de Belo Horizonte.
Samuel começou a ficar apreensivo com a chegada das férias
escolares, pois teria que passar um mês em casa e não sabia como lidar
com a situação, ele já tinha falado algo para Nadejida, que sempre o
incentivava a conversar com Clever, que uma amizade de anos não
poderia ser perdida por coisas tão bobas.
- Você não imagina quem está noivo, Samuel, – disse Nadejida
com ar de suspense.
- Quem?
- Vamos, tente adivinhar – insistiu Nadejida.
- Não faço a menor ideia. Pare de suspense e me diga logo.
- Vitória e Clever.
- Não brinca, sério? Mas já, tão cedo? Será que aprontaram
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Capítulo 17 - Novos sonhos
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Tempo de Descoberta
A notícia, a princípio, deixou o senhor Caio triste, mas ele via que
Samuel estava cada vez mais se abrindo, e isto lhe dava esperança,
além do que seu filho iria para um acampamento cristão e a própria
Nadejida tinha falado com o senhor Caio sobre as melhoras na fé de
Samuel. Tudo isso fazia com que Caio orasse ainda mais e com mais
esperança de ver um dia o filho livre de toda máscara colocada no
decorrer da vida.
Samuel procurou ir ao acampamento com o coração aberto
para Deus, ele estava cansado de toda essa situação, mas também
estava decidido a não voltar para Deus na teoria, queria algo sincero,
e realmente compreender tudo aqui e não simplesmente ter uma fé
com interesse, como o apóstolo Narciso o havia acusado.
Na semana do acampamento das crianças, Samuel trabalhou
muito, pegou o trabalho da cozinha e de cuidar de um dos quartos.
Foram mais de 90 crianças de seis até onze anos. Mesmo com tanta
correria, foi muito bom, pois ouvir mensagens bíblicas infantis lhe fez
muito bem, além de gastar um bom tempo sozinho, tentando curar
as feridas que estavam abertas. Também várias noites ele e Nadejida
ficavam conversando olhando para o céu.
- Está vendo aquela estrela grande que fica piscando para nós?
– disse Nadejida apontando para uma bela estrela.
- Sim, o céu hoje está muito bonito.
- Eu acho que é Amanda olhando para nós – disse com um
sorriso nos lábios. – Ela deve estar falando: “Juízo Nadejida, eu estou
de olho”.
Aquelas palavras deixaram Samuel totalmente sem graça, ficou
pensando se havia sido uma indireta que Nadejida havia dado para
ele. Já havia um certo tempo que ele percebia que havia algo entre
eles. Mas procurava ignorar, pois achava que Nadejida só queria
ajudá-lo, além do que para ele isso era confuso, pois ela tinha sido
a melhor amiga da sua grande paixão. Também Samuel não podia
negar que já há algum tempo sentia uma atração por ela.
Naquela noite Samuel não conseguiu dormir direito, pensando
no que ela havia falado, se teria sido uma indireta ou não. Se achava
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Capítulo 17 - Novos sonhos
um bobo em pensar isso, talvez ela apenas quis dizer que Amanda
estava lá com eles, outras, ele achava óbvio que ela tinha dado uma
indireta. O fato é que isso mexeu muito com ele, pois a ideia de ter
algo com Nadejida, já havia passado algumas vezes em sua cabeça,
mas sempre fugia desse pensamento, talvez por respeito a Amanda
ou, sendo mais sincero, por medo, medo de perder um novo amor.
No restante daquela semana, eles não tocaram no assunto, ele
procurou se manter ocupado, mas ela não saía de sua cabeça.
- Você vai ficar no acampamento dos jovens? – perguntou
Nadejida para Samuel.
- Apenas se você ficar – respondeu Samuel com um sorriso nos
lábios.
- E eu só se você ficar – respondeu retribuindo o sorriso.
- Então vamos ficar – falou agora com convicção Samuel.
No sábado à tarde e no domingo eles, com outros oito jovens,
ficaram arrumando o local para receber cerca de 150 jovens que
viriam para o acampamento na segunda-feira logo cedo.
Domingo, após todo o trabalho, eles sentaram como de costume
na grama perto de um lago que havia no local. Nadejida gostava muito
de sentar lá, pois tinha uma bonita vista dos pomares de laranja, das
árvores do bosque e principalmente do brilho da lua refletida na água
do lago.
- Você gosta de mim? – foi perguntando Samuel sem parar para
pensar, e nem mesmo ele acreditando naquela pergunta. Talvez ele
tenha sido agora tão rápido para compensar o tempo perdido com
Amanda, talvez por medo que se pensasse muito não falaria nada,
ou até mesmo para fugir do medo de se apaixonar com medo de
perder, o fato é que ele perguntou e no mesmo instante bateu um
arrependimento, viu que a pergunta não tinha sido nada romântica,
contrastando com a situação, ficou pensando que já tinha estragado
tudo.
- Como, como assim? – perguntou Nadejida, mostrando-se
claramente surpresa.
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Capítulo 17 - Novos sonhos
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Capítulo 17 - Novos sonhos
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Capítulo 18
A surpresa
Q
uerido, estou preocupada – disse Nadejida voltando da
universidade com um olhar de muita preocupação.
- Com quê? Você está indo bem nos exames – respondeu
Samuel, como quem não entendia a afirmação.
- Não é a faculdade.... estou atrasada.
- Como assim? - Samuel entendeu, ficou branco, mas preferiu,
ou melhor, quis não entender.
- A menstruação...., era para ter vindo a semana passada e ainda
nada.
Samuel gelou, não queria pensar nas consequências antes de
ter certeza, pois poderia ser apenas um atraso.
- Nossa, caramba – foram as únicas palavras que ele conseguiu
pronunciar naquele momento. – Mas foi apenas uma vez... .
- Eu sei, pode não ser nada – disse Nadejida, tentando não
mostrar preocupação, mas era algo visível nela nesse momento.
- Você prefere esperar mais um pouco ou ir ao médico?, pois
se for para ir ao médico, é melhor irmos aqui do que em Divinópolis.
Samuel tinha medo do que as pessoas poderiam comentar em sua
cidade.
- Também concordo, bem, vamos esperar mais uma semana,
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 18 - A surpresa
cuidar do bebê.
- Obrigado mesmo Clever, mas decidimos ir morar na casa dos
pais de Nadejida, eles nos convidaram. Dona Svetilana ajudará a
cuidar do bebê e Nadejida poderá continuar a faculdade.
- Sei que não é muito, mas além do que lhe ajudo, vou começar
a lhe passar o aluguel da casa também – disse o senhor Caio com
olhar de amor para com o filho.
- Obrigado pai, mas creio que ficará muito pesado para o
senhor.
- Não, filho, não tem problema, ter vocês aqui perto de mim, e
ainda mais agora um netinho ou netinha, algo que talvez nunca fosse
ver por já ser velho, é algo que não tem preço – disse o senhor Caio já
com os olhos cheios de lágrimas.
- Deus lhe abençoe muito também minha filha – disse o senhor
Caio dando um abraço carinhoso em Nadejida que já estava com os
olhos vermelhos de chorar.
A conversa tinha sido muito mais fácil e cheia de amor do que
Samuel e Nadejida esperavam, em nenhum momento houve acusações
ou questionamentos, apenas perguntas sobre se realmente estavam
dispostos a casar por amor, ou só por causa do filho, perguntas sobre
a faculdade e a criação. Samuel via, que mesmo ele tendo feito coisas
erradas, Deus nunca o tinha deixado.
No dia seguinte resolveram conversar com o pastor Antônio
Elias. Nadejida estava muito nervosa, chorou quase todo o tempo da
conversa, o pastor procurou primeiro ouvi-los, depois deu conselhos
sobre o que significa ser pai e mãe, o que é casamento, família, falou
da responsabilidade de cada um no lar, mostrou as consequências de
terem se precipitado, pois pularam a parte do casamento onde eles
se conheceriam melhor já que é uma grande mudança de vida, para
já terem filhos, que é outra grande mudança na vida, também lhes
explicou que pelo fato de Nadejida ser membro da igreja, a notícia
teria que se tornar pública, mas, acima de tudo, destacou o amor, o
perdão de Deus e a importância de criar a criança no amor de Deus,
isso tudo falando sempre com muito carinho.
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Tempo de Descoberta
vai fazer seis anos, mas ele está inteiro, e quero dá-lo de presente de
casamento – explicou o senhor Caio.
- Não pai, o senhor precisa dele – argumentou Samuel.
- Você vai precisar mais do que eu filho, agora tem uma família,
além do que, já estou velho para ficar dirigindo, a farmácia é aqui
perto, e a igreja não é tão longe, ficarei muito feliz se você aceitar,
pode ter certeza – disse o senhor Caio esticando a mão para pegar as
chaves.
Samuel ficou algum tempo sem reação, depois abraçou o pai e
lhe disse aos ouvidos:
- Obrigado pai. – Ele ficou com muita vontade de lhe dizer
“te amo”, mas como nunca havia falado, pensou que soaria como
interesse, e além do mais, era muito difícil falar, já que seria a primeira
vez. Ele percebeu que o pai queria ouvir, mas como era duro, queria
um dia ainda dizer que o perdoava por tudo, mas nesse momento, a
cabeça estava apenas voltada para o casamento.
A grande preocupação de Samuel era convidar Clever para ser
padrinho, ainda não se sentia confortável para isso, mas sabia que ele
ficaria muito chateado se não o convidasse, foi quando Nadejida sem
querer o ajudou e muito.
- Bem – disse Nadejida – não sei o que fazer, sei que Clever é
seu amigo, mas também gostaria que Vitória fosse minha madrinha no
casamento, o que você pensa?
- Não tem problema querida – respondeu Samuel sem conseguir
esconder muito o alívio – creio que Clever vai entender, e além do
que, ele será de qualquer forma padrinho do nosso casamento ou por
minha parte ou por sua.
- Samuel..., - quando Nadejida o chamava pelo nome, ele sabia
que ela não tinha gostado de algo. - ... você aceitou muito rápido,
pelo visto você e Clever ainda não conversaram sobre vocês, não é?
– perguntou seriamente Nadejida.
- Ainda não tive tempo querida – tentou se justificar Samuel,
mas sabia que não conseguiria enganá-la.
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Tempo de Descoberta
em todo momento orando para que tudo desse certo, e quando orava,
vinha à sua mente que estava sendo interesseiro, como o apóstolo
Narciso havia falado, mas não queria pensar mais nisso, não naquela
hora, queria logo apenas ter notícias da esposa e da criança.
- Parabéns, papai – disse o médico vindo em sua direção com
um sorriso – é uma bela menina.
Minha mãe falou que meu pai não podia acreditar, quando me
viu, ficou sem palavras, a vontade dele era abraçar-me e beijar a todo
momento. Ele falava que eu era muito bela desde pequenina, nasci
quase sem sujeira de sangue no corpo e bem cabeludinha, dizia que
eu era a mais bela criança da maternidade, mesmo sabendo que todos
os pais dizem isso, eu acreditava, tamanha a convicção com que me
contava a história.
Samuel praticamente fazia apenas três coisas na vida, trabalhava,
estudava e cuidava da família. O senhor Caio também começou a
passar mais tempo na casa dos pais de Nadejida que em sua própria
casa, era apaixonado por mim. Samuel chegava a pensar que se
quando criança ele também o havia tratado daquela maneira, com
tanto carinho e amor.
Escolheram para mim o nome de Isabela, pois significa “presente
de Deus”. A sugestão foi de minha mãe, e meu pai gostou muito, pois
sempre me disse que eu era um presente em sua vida, que restaurou
muitos sentimentos.
Logo com 10 meses já estava andando e pronunciando as
primeiras palavras, o que deixava meus pais orgulhosos.
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Capítulo 19
A fuga
E
ra o ano de 1983, eu estava com três anos quando Clever
e Vitória também resolveram se casar. Essa data Samuel nunca
esqueceu.
Ele estava já no último ano da faculdade, e tinha ganho uma
bolsa para participar de um seminário de uma semana em São Paulo,
quando veio Nadejida, falando que eles tinham marcado o casamento,
e era justamente na sexta-feira daquela semana na qual ele só voltaria
no sábado à noite.
- Querido, você não pode ir, Clever é o seu melhor amigo –
argumentou Nadejida.
- Eu sei querida, mas é muito importante esse seminário e eu fui
escolhido na faculdade, não teria condições de pagar, é uma grande
chance profissional na minha vida. – Samuel usou esse argumento,
mas no fundo, sabia que ainda tinha algumas mágoas de Clever,
a conversa que ele falou que teria depois do casamento ainda não
tinha acontecido, tinha adiado tanto que preferia apenas fingir que
estava tudo bem, e agora, no casamento de seu amigo, ele sabia que
precisava antes falar com ele, pois nunca mais foram os mesmos.
- Samuel... – disse Nadejida, o chamando pelo nome, algo que
ele não gostava, pois sabia que não conseguiria enganá-la - ... você
não cumpriu a sua promessa para mim, não é? – perguntou com um
ar triste.
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Tempo de Descoberta
porque quero fazer um seminário para dar uma vida melhor para a
minha família.
- Não estou entendendo Samuel, por que está agindo na
defensiva? – falou Nadejida espantada com a reação do marido, pois
aquela era a primeira discussão séria que eles estavam tendo.
- Defensiva? Estou cansado, só isso, cansado de tentar mudar,
melhorar e ainda ouvir que sou culpado. Por que só eu tenho que
mudar? Por que só eu tenho que melhorar? Você já pensou nos seus
defeitos?... Bem, depois conversamos, preciso ir à faculdade entregar
um trabalho – disse Samuel já virando em direção da porta, pois
ainda era perito em fugir de discussões e de se encarar no “espelho
da vida”.
Samuel ficou espantado com suas palavras, e principalmente
porque para se defender acusou Nadejida. Se sentiu um covarde,
nunca tinha feito isso antes com a esposa, queria voltar e pedir
desculpas, mas estava cansado. Sabia que se pedisse desculpas
teria que conversar mais, ela iria cobrar a conversa com Clever, e
novamente depois de anos ele pensou, “sempre Clever arranjando
confusão na minha vida”. Sabia que não era justo aquele pensamento
e Samuel não queria, nesse momento, mudar nada.
Nadejida não acreditava no que tinha ouvido, era como se ele
ignorasse tudo o que tentou mudar, os conselhos de Maria das Dores.
Nem ele mesmo acreditava no que tinha falado, mas estava com
raiva, e em parte porque sabia que Nadejida estava certa, ele tinha
simplesmente ignorado muita coisa e ia levando a vida sem resolver
assuntos importantes, tanto com as pessoas, como com ele mesmo e
Deus. Caiu apenas em um mecanismo religioso e comportamental,
algo que via nas pessoas e sempre teve medo de ter.
Nadejida, vendo que Samuel iria mesmo para o seminário, pediu
para Vitória convidá-la como madrinha ao invés de Clever convidá-
los, para ser menos triste para ele. Ela assim o fez, mas não adiantou
muito, pois a tristeza de Clever ficou estampada em seu rosto.
- Samuel, tudo bem? – falou Clever ao telefone, após Vitória
informar que ele não iria ao casamento.
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Capítulo 19 - A fuga
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 19 - A fuga
difícil seguir os conselhos de sua mãe, como era difícil entender Deus,
como era difícil viver.
Foi uma das piores noites de Samuel, agora se sentindo ainda
mais como a parte ruim de seu pai, usando a bebida como fuga, mas
mesmo com tanta angústia e sentindo culpa, não conseguia chorar,
como não chorou na morte de sua mãe ou de Amanda. Havia algo
ainda em sua vida que o prendia, e muito, e agora tudo tinha piorado,
era como se tivesse novamente voltado à estaca zero.
Ao voltar para casa, preferiu ignorar o ocorrido, trouxe vários
presentes para Isabela e Nadejida, perguntou do casamento e depois
já foi mudando de assunto, como se ele e as pessoas não estivessem
feridas com sua atitude.
Mesmo estando óbvio no rosto de Nadejida a sua decepção, ela
preferiu se calar em relação ao assunto e apenas orar pelo marido.
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Capítulo 20
O atraso
“Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo
do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de chorar e tempo de rir;
tempo de abraçar e tempo de afastar-se; tempo de amar e tempo de aborrecer;
tempo de guerra e tempo de paz.” – Eclesiastes
A
pós a faculdade Samuel continuou na loja de camisas, já
que estava com o cargo de diretor geral, sendo responsável
pelas três lojas na cidade e ainda prestava serviço para algumas
empresas que lhe procuravam. Nadejida preferiu esperar a filha
chegar à idade escolar para começar a trabalhar em sua área, mas já
dava alguns atendimentos domiciliares, e era a psicóloga voluntária
de uma nova casa de recuperação para dependentes químicos que
tinha sido aberta na cidade por um jovem sonhador chamado Wilson.
Ele passava com grande paixão para as pessoas o sonho de ver a
cidade livre dos vícios e, acima de tudo, entregando a vida a Deus que
era o único que poderia libertar por completo o ser humano.
Nos anos seguintes, meu pai, Samuel, se dedicou ainda mais
ao trabalho, mas nunca deixou de lado a família, já não era tão
transparente com a esposa e tinha colocado uma barreira de liberdade
com todos. Ele estava ficando com medo de se transformar no pai
que teve quando criança, por isso, a mim, sempre procurava tratar
com muito amor, mas já não conseguia ser como antes, era como
se enquanto não resolvesse outras áreas de sua vida, as quais tinha
simplesmente ignorado, não conseguiria ser totalmente livre para
expressar seus sentimentos.
Clever e o senhor Caio nunca mais haviam tocado no assunto do
casamento ou das conversas ao telefone, apenas oravam por Samuel,
enquanto Samuel fingia que nada daquilo havia acontecido.
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Tempo de Descoberta
casa para a escola. Como nunca tinha feito esse caminho a pé antes,
imaginou que seria mais rápido, não contava com o tempo gasto na
subida, aliás, da casa para a escola era só subida, então, o caminho
que ele achou que levaria apenas 10 minutos, já estava com sete
minutos e não tinha chegado à metade ainda.
Tudo aquilo começou a deixar Samuel nervoso, e arrependido
de não ter ido de carro, mas já era tarde para voltar e pegar o carro.
Procurou apertar o passo, já que estava na hora e tinha prometido para
a filha que não se atrasaria, mas como era muita subida e nunca foi
um esportista, aquilo lhe cansava rápido e lhe deixava todo molhado
de suor. Estava se achando um estúpido pelo atraso, e agora não
tinha o Clever para colocar a culpa.
Ficou mais tranquilo quando avistou de longe a escola e viu que,
apesar do atraso, eu não era a última, ainda havia duas amiguinhas
esperando os pais.
Eu olhava de um lado para outro em busca de meu pai, quando
o vi, sorri e fui em sua direção. Como a professora estava entregando
uma outra menina para os pais, não percebeu que eu passei por ela e
fui em direção dele, correndo e sorrindo.
Meu pai quando me viu sorriu, mas quando viu que eu tinha
“escapado” da professora e estava correndo em sua direção, ele olhou
para o lado e seu rosto ficou pálido, a expressão mudou por completo,
como há oito anos.
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Capítulo 21
Vida sem
máscaras
“A paz não pode ser mantida à força.
Somente pode ser atingida pelo entendimento.”
Albert Einstein
A
s orações a Deus cheias de promessas, a corrida em direção
da escola para socorrer a pessoa amada, tudo se repetia na
mente e na vida de Samuel, mas com mais intensidade ainda. Em
vez de dois carros tirando racha, era uma moto que vinha, não muito
rápido, mas como entrei de repente em sua frente não houve tempo
para o motorista desviar, acontecendo o inevitável, deixando marcada
em minha vida a visão do rosto de desespero de meu pai.
Samuel simplesmente não acreditava no que via, a cena se
repetindo, a moto ao me acertar me joga ao lado, mas passa com
a roda em cima de minha perna esquerda, o motorista cai logo em
seguida com sua moto, ficando mais assustado do que ferido.
Papai coloca as mãos embaixo de minha cabeça, onde o sangue
escorria entre seus dedos e manchava o meu cabelo onde já tinha
sido desfeito o laço rosa que combinava com o vestido rosa que eu
usava.
Enquanto falava o meu nome com angústia na voz, uma das
professoras já havia ligado para o hospital, pessoas ficaram em volta
esperando alguma reação, pois parecia que eu simplesmente dormia.
Pelo perigo de ter fraturado alguma costela ou a espinha,
ninguém me tirava de lá, meu pai foi logo procurando o meu pulso
para ver se ainda havia vida, mas o desespero não o permitia conseguir
perceber.
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 21 - Vida sem máscaras
foi quando soube que estavam me operando, mas o risco ainda era
grande e só depois de saber algo concreto é que os médicos dariam
alguma informação.
Aquilo deixou papai ainda mais tenso, se ajoelhou e começou a
orar naquele mesmo instante.
- Deus, sei que tenho falhado e muito, sei que sou interesseiro e
não estaria orando agora se não fosse o acidente de minha filha. Sei
que falho e muitas vezes fujo de me encarar com medo de me ver no
espelho e ver que não sou nada daquilo que imaginei ser. Sei também
que feri muitas pessoas em minha vida, pessoas que eu amava e me
amavam, sei que não mereço muitas das coisas que o Senhor tem me
dado – orava Samuel com o coração aflito, mas procurando ser o mais
sincero possível com Deus e consigo mesmo.
- Mas o Senhor também sabe como quero um relacionamento
sincero contigo, como, apesar do medo, quero acertar a minha vida,
o Senhor sabe a importância que minha filha tem em minha vida,
sabe a esperança que ela me trouxe de volta.... – nesse momento,
Samuel sentiu dificuldade em continuar a oração, pequenas lágrimas
escorriam em seu rosto, e sentiu nesse momento uma mão em seu
ombro, como se fosse Deus dizendo “estou lhe ouvindo”.
- Amigo, estou aqui, não sei o que falar, mas estou aqui – disse
Clever o abraçando, com um abraço de compaixão de quem sente a
dor do outro.
Aquele amigo, com quem tantas vezes Samuel foi injusto, estava
lá novamente, procurando de alguma forma o ajudar.
- Só queria entender – disse Samuel no ouvido de Clever
retribuindo o abraço.
- Vamos esperar e colocar nas mãos de Deus – disse Clever,
convidando Samuel para sentar e esperar. – Vitória está na sua casa
com Nadejida, ela não se sentiu muito bem, mas já tomou calmante, e
daqui a pouco elas chegam, minha mãe reuniu as mulheres da igreja
para orar, apenas .... – nesse momento, Clever fez uma pequena pausa
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Tempo de Descoberta
antes de continuar. - ... achamos melhor não avisar seu pai até termos
alguma notícia mais concreta, por causa da idade dele.
- Fez bem – disse Samuel fazendo sinal com a cabeça que
concordava. O senhor Caio era forte pela idade que tinha, mas
mesmo assim, a paixão que ele sentia pela netinha poderia despertar
sentimentos perigosos para a idade dele.
- Sabe Clever... – começou a falar Samuel, já demonstrando
mais autocontrole e agora com manchas secas de sangue no rosto que
ainda nem tinha reparado que as tinha - ... muitas vezes questionei
Deus, sobre o porquê dele permitir certas coisas se tem o poder de
curar, mudar, ajudar as pessoas. Quando eu tinha 12 anos, no dia
da morte de minha mãe, ela me deu algumas respostas, estas que
sempre procurei entender sem querer entender, com medo do que
deveria fazer. – Clever ouvia, a princípio sem entender. - Nunca lhe
contei, mas ela me deixou um bilhete com vários conselhos e entre
eles seis específicos, que se eu tivesse realmente praticado, hoje tudo
seria diferente.
- Como assim? O acidente não teria acontecido? – perguntou
Clever sem entender direito.
- Não sei, talvez tivesse acontecido, mas a minha maneira de
lidar com tudo, com todos e comigo mesmo e, principalmente, com
Deus seria bem diferente.
- Um dos conselhos... – continuou Samuel – ... era que “ninguém
pode me ferir além do que eu permitir”, e quantas vezes eu me permiti
ficar ferido, aliás, eu quis ficar ferido para sentir a autopiedade ou
para cultivar um sentimento de mágoa no coração contra pessoas que
fizeram algo que, pela minha justiça era errado. Com isso eu recolhia
um lixo emocional na minha mente e o cultivava a cada dia como se
fosse um jardim. Não via as pessoas com os olhos de graça que Deus
nos vê e muito menos via a Deus com olhos de graça, achando que
entendia muito mais de graça do que o próprio Deus.
- Sempre quis aprender as lições do meu jeito, então, quando algo
não dava certo, quando a minha justiça era contrária à justiça de Deus,
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Capítulo 21 - Vida sem máscaras
mancar. Apenas o tempo dirá, mas com certeza precisará de uma boa
fisioterapia. Creio que terá que permanecer no hospital de três a cinco
meses, pois estará toda engessada e precisará de cuidados médicos
diários. O mais importante é que já não corre risco de morte, ela é
uma garotinha muito forte – disse concluindo o médico.
Clever e Vitória se aproximaram abraçando o casal e todos
oraram juntos agradecendo a Deus pelo livramento. Nesse momento
Samuel sabia que mesmo se ela não tivesse sobrevivido, apesar de
toda a dor que sentiria, ele também oraria a Deus, e percebeu pela
primeira vez que estava tendo uma comunhão sem interesses com
Deus.
Só depois disto tudo é que Samuel percebeu que Clever havia
emagrecido muito, isto porque ele já era magro, notou que nos últimos
anos, poucas foram as vezes que ele e Clever pararam para conversar,
ele nem tinha notado as mudanças do amigo, mas ficou preocupado
com a saúde dele.
Fiquei internada quatro meses e sete dias, meu pai me visitava
todos os dias, aliás, ele e minha mãe, junto com meu avô Caio,
brigavam para ver quem ficava mais, sem contar o avô Cergei, a avó
Svetilana, Clever e Vitória. Sentia-me muito amada.
Meu pai, particularmente, sempre me contava as suas histórias,
coisas engraçadas que tinha feito com a minha idade, da sua amizade
com Clever e de sua grande amiga Amanda, sem dizer da avó que
nunca conheci, Maria das Dores, era o assunto preferido de meu pai.
Foi nessa época, apesar de muito jovem, que conheci muito da vida
de meu pai, quem ele era, e me apaixonei ainda mais por ele, era o
meu herói em carne e osso.
Nesse tempo, meu pai não fazia mais nada a não ser cuidar de
mim, trabalhar e rever toda a sua vida, mas o via sempre feliz e com
uma paz que nunca tinha visto. Era como se voltasse a ser criança.
Foram quatro meses difíceis, pois coçava muito dentro do gesso,
muitas vezes se formavam feridas dentro dos gessos, e as enfermeiras
tinham sempre que me virar e muitas e muitas picadas de agulha que
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Capítulo 21 - Vida sem máscaras
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Capítulo 22
A viagem
G
ostaria muito de conversar com Clever antes de ir viajar – disse
Samuel para sua esposa, pois estava com uma viagem
marcada para França a uma feira que havia. Uma das empresas que
ele prestava serviço estava patrocinando esta viagem, a qual seria a
primeira de Samuel para fora do país.
- Sim, eu sei querido, mas esta semana ele e Vitória estão indo
para Belo Horizonte fazer os exames, e a cabeça deles, com certeza,
agora está apenas na dor que Clever sente constantemente. Além do
que, eu creio que será bom para você viajar. Esses últimos meses com
Isabela no hospital ficaram muito pesados para você. Creio que será
bom, tanto para o seu emprego, como para descansar um pouco, pois
está precisando, e aproveite o tempo para ver o que falar com Clever
– disse Nadejida, incentivando o marido, e sabendo que desta vez ele
não iria arranjar uma desculpa para não falar com Clever depois. Ela
tinha visto como ele tinha mudado após do acidente, não só com ela,
mas com ele mesmo.
- Tempo para pensar já tive muito querida – respondeu Samuel
com um sorriso meio sem graça. – Preciso agora é fazer, mas concordo
com você, a cabeça deles está agora só em achar a solução, ainda mais
com a gravidez da Vitória, mas estou preocupado com eles, e já perdi
muito tempo esperando.
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Tempo de Descoberta
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Capítulo 23
A revelação
V
ocê sempre soube como eu e sua mãe desejávamos uma
criança... – começou a falar o senhor Caio como quem se
lembrava do passado - ...foram cinco terríveis abortos que ela sofreu,
e em cada aborto um pedaço da nossa esperança ia-se embora..., o
último então..., o mais dolorido, seis meses..., seis meses de gestação
e por causa de um estúpido acidente de carro.
Samuel já sabia de toda aquela história, não entendia a razão
de seu pai resolver relembrar tudo, e bem naquele exato momento;
isso começou a deixar Samuel impaciente.
- Aquilo me deixou muito ruim, ruim comigo mesmo, pois de um
lado, eu me culpava por ter parado para comprar cerveja, do outro
lado, culpava a sua mãe, por ser fraca e não conseguir gerar filhos,
a frustração era muito grande, eu já estava ficando velho, a sua mãe
também, com a idade de risco para se ter filho, e se quando jovem ela
tinha dificuldade para ter, agora então, muito mais...., tudo aquilo fez
com que eu entrasse em uma depressão e me afastasse um pouco de
sua mãe.
- Nesse tempo eu tinha um relacionamento com Deus bem
superficial, não conhecendo realmente a Deus, apenas ia à igreja por
rotina e em troca de favores, mas mesmo assim eu me sentia traído
por Deus, como se Ele fosse o outro culpado por mais um aborto.
Eram tantas promessas que ouvia na igreja, promessas que acreditava
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Tempo de Descoberta
sem pensar. Por isso ela resolveu assumir tudo sozinha, pois sabia que
eu nunca deixaria um filho.
- Você não podia ter escondido isso de mim, não podia... –
falava Samuel agora sem poder esconder as lágrimas que começavam
a escorrer, ao mesmo tempo com raiva em sua voz, por ter sido
roubado o direito de saber que tinha um irmão que sempre sonhou,
não apenas um irmão, mas esse seu melhor amigo.
- Você não poderia ter feito isso comigo, com Clever, ele sempre
quis saber quem era o pai dele – continuou falando Samuel, lembrando
a tristeza que Clever demonstrava sempre que tinha algo relacionado
ao pai dele, como ele sempre o chamou de irmão, como muitas vezes
guardou mágoa de Clever sem motivo, e tinha feito isso não apenas
com o melhor amigo, mas com o irmão, irmão tão desejado por
ambos.
- Sempre quis te contar filho, mas foi sempre muito difícil, era
uma marca em minha vida que eu não sabia como lidar. Quando fiquei
sabendo, falei com Áurea que precisava falar com sua mãe, contar
para Clever, ela também achou isso, mas queria um tempo, pois seria
muito difícil para ela explicar como o pai apareceu depois de anos, e
eu também precisava de um tempo para saber como contar para sua
mãe sem perdê-la.
- Mas nos anos seguintes a sua mãe começou a se sentir fraca,
então fui esperando ela melhorar, pois tinha grande preocupação com
a sua saúde, mas no lugar dela melhorar só piorava, já não sabia mais
o que fazer, se contava ou não... . Não queria trazer mais tristeza ao
coração de sua mãe.
- Mas você não tinha o direito de esconder de minha mãe, de
mim, de Clever. Não tinha – disse Samuel claramente chocado com
toda aquela informação.
- Foram mais de três anos de enfermidade de sua mãe, nesse
tempo eu procurei amá-la, de alguma forma obter o perdão dela,
mesmo sem ela saber.
- Ela nunca soube? – perguntou Samuel ainda sentado no chão
tentando entender os sentimentos que vinham a seu coração.
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Capítulo 23 - A revelação
- Nunca consegui contar, mas creio que ela sabia, pois no dia
em que ela partiu... – nesse momento as lágrimas voltaram a escorrer
nos olhos do senhor Caio. - ...eu tentei de todas as formas, e ela não
deixou eu contar, apenas pediu para eu “amar meus filhos”. Foi então
que percebi que ela sempre soube que você não era meu único filho.
“Sabedoria, sempre agindo com muita sabedoria minha mãe”,
pensou Samuel. “Deus, me dê um pouco dessa sabedoria, pois não
sei o que pensar e fazer agora”, orou brevemente em pensamento
Samuel.
- Clever sabe? – perguntou agora Samuel se levantando e
olhando para os olhos do pai.
- Depois da morte de sua mãe – continuou o senhor Caio – você
se fechou mais ainda, tentava me aproximar de você, precisava lhe
dizer, mas não sabia como, tentei algumas vezes, mas você sempre
se fechava, foi quando a dona Áurea teve o derrame, percebi que
não poderia fugir mais, tinha que falar. No hospital, conversando com
Clever, lhe contei tudo. – Nesse momento o senhor Caio volta a se
sentar. – Ele ficou em estado de choque, era muito difícil para ele, e
ainda mais naquela situação, mas eu não podia mais esperar para contar,
esperava você voltar, como estava feliz com o seu relacionamento com
Amanda, achei que seria a hora certa, porém, aconteceu a tragédia
com ela ...
Samuel se lembrou de como foi duro com Clever no velório de
Amanda, de como ele se fechou para seu melhor amigo, impedindo
assim qualquer tentativa de aproximação.
- ... depois daquilo você voltou a se fechar e ainda mais. Clever
conseguiu me perdoar, começamos a ser amigos e aos poucos ele me
via como pai, mas não conseguia me aproximar de você, era como se
tivesse ganho um filho e perdido outro – falava com tristeza na voz o
senhor Caio.
- A esperança voltou a surgir com a ideia de Clever vir morar
com a mãe em casa. Finalmente teria os meus dois filhos em casa e
assim ficaria mais fácil te contar, mas você decidiu ir estudar em Belo
Horizonte. Você não imagina como isso machucou a mim e também a
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Tempo de Descoberta
não fosse livre de si mesmo poderia saber o que é isso, descobriu o que
é a liberdade, a vida, algo que dinheiro ou poder nenhum poderiam
nos dar, a vida sem máscaras, sem medo de se encarar.
Samuel queria aproveitar para viver perto de Clever o máximo
que pudesse, pois já completava quase um mês que o médico tinha
descoberto o câncer, e o tempo de vida que dera a Clever não passava
de seis meses.
Quando contou para Nadejida a conversa que tinha tido com
seu pai e Clever, ela ficou sem reação, depois começou a chorar,
depois riu, precisou tomar água com açúcar.
- Vitória, minha amiga, na verdade é minha concunhada – disse
Nadejida, meio que brincando com a situação.
- Sim, e meu grande amigo é meu irmão, eu não sou filho único
e nem filho mais velho, agora virei caçula- brincou Samuel.
- A nossa família aumentou do dia pra noite. E Isabela vai ganhar
um priminho ou uma priminha – falou com um sorriso Nadejida, mas
sem conseguir esconder ao mesmo tempo a tristeza de saber que tão
bela descoberta era em volta de uma doença sem solução.
- Querido, você tem muito tempo para recuperar – disse Nadejida
abraçando o esposo.
- Sim querida, e não quero perder nem mais um minuto.
Dessa vez Samuel cumpriu o que disse para a esposa, procurava
estar todo o tempo com o amigo-irmão, e, ao mesmo tempo, não
descuidava da família. Mas, para isso, ele acabou perdendo duas
promoções no emprego que exigiriam um tempo maior dele em uma
empresa e um outro onde iria ganhar mais de três vezes o salário, mas
teria que mudar de cidade. Nada disso abalou Samuel e a família, pois
tinham aprendido a valorizar o que realmente tem valor na vida. Era
um homem de sucesso, não de sucesso como muitas pessoas pensam,
um “sucesso” para mostrar aos outros, mas tinha sucesso, pois era
realizado como pessoa, amava tudo o que fazia e valorizava o que
tinha valor na vida, não comprando mais ideias fabricadas por outros,
mas vivendo a sua própria vida.
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Capítulo 24
A despedida
“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá;
e quem vive e crê em mim nunca morrerá.”
Jesus Cristo
A
s músicas já tinham sido escolhidas por Clever quando ainda
vivia, inclusive, o pastor Antônio Elias, mesmo já bem idoso,
fez questão de dar a mensagem no velório, leu a última carta que
Paulo escreveu antes de morrer, o livro 2ª Timóteo 4.6-8, que diz:
“Eu já estou sendo derramado como uma oferta de bebida. Está
próximo o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei
a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que
o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas
também a todos os que amam a sua vinda.”
Procurou explicar a vida vitoriosa que Clever tinha vivido, a
importância de entender o que é a vida. Como ele viveu ao lado
de Deus, tinha sido um guerreiro contra a doença, mas mesmo
questionando Deus por permitir muitas coisas, nunca duvidou do seu
amor e carinho por ele, e agora estava com Deus, nos braços do
Pai.
Logo depois o pastor Mário, amigo desde os sete anos de
idade, tomou a palavra, ele teve muitas dificuldades em falar, pois as
lembranças da infância ainda eram fortes, e isto fazia a saudade bater
mais apertada dentro do peito, mas procurou em poucas palavras
falar do grande amigo e irmão que era Clever em sua vida, e a
alegria e esperança que ele sempre transmitiu para as pessoas que o
conheciam.
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Capítulo 25
A escolha
“Ainda que eu falasse a língua dos homens, e falasse a língua dos anjos,
sem amor, eu nada serei.”
Paulo de Tarso
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Capítulo 25 - A escolha
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Capítulo 25 - A escolha
para o fundo, vendo alguns cds de Elvis Presley que sempre gostou,
quando observa entrar alguém na loja, alguém que não era eu, mas
provocou a mesma reação no rosto de meu pai quando foi encontrar
Amanda e me buscar na escola naquele primeiro dia de aula, olhou
pela janela da loja desejando de todo coração que eu não aparecesse
lá.
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Capítulo 26
O reencontro
E
ntraram duas pessoas ao mesmo tempo na loja, um homem
magro, alto, de pele bem clara, nariz fino, cabelo curto e com
uma cicatriz feia que lhe pegava metade da testa. Foi em direção
ao meio da loja falando para todos os clientes irem para a parede
apontando uma arma em direção deles, o outro que o acompanhava
era um pouco menor, de cor escura e alguns quilos acima do peso,
usava um boné azul e foi em direção ao homem que estava no caixa,
falando com ameaças para ele abrir rapidamente o caixa e o cofre.
O homem do caixa, um senhor de média estatura, de
descendência hispânica, já na meia idade, tentava explicar que não
tinha a chave do cofre com ele e lhe entregava um pouco do dinheiro
que tinha no caixa, mas o homem negro não acreditava e ameaçava
matá-lo se não abrisse logo.
Na loja, além de meu pai, havia mais seis pessoas, uma senhora
baixinha e bem acima do peso teve um desmaio e quando um outro
homem que estava na loja foi querer ajudá-la o outro bandido que
estava na loja não deixou, obrigando todos a ir para a parede e
deixarem a senhora desmaiada no meio da loja.
Eles estavam nitidamente nervosos, provavelmente por efeito
de drogas, que era visível que tinham usado. Tudo isso deixava claro
para o meu pai que a qualquer momento alguma tragédia poderia
acontecer com alguma das pessoas que estavam na loja, ou pior, com
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de costume, ele tinha que ter atrasado pensava eu, com medo de olhar
para o homem que estava no chão, com medo que aquele homem
fosse ele, meu pai.
- Que homem louco, por que ele foi ligar para a polícia na frente
dos bandidos? Era lógico que eles iriam atirar – falava uma senhora
que olhava para o rosto de meu pai, enquanto um outro socorria a
senhora que ainda se encontrava desmaiada no meio da loja.
Fui me aproximando não querendo ver, tremia de medo
imaginando que poderia ser a pessoa que mais amava que estava lá,
tremia toda, as minhas pernas já não me respondiam corretamente,
tinha que me esforçar para não desmaiar.
- Tenha calma, a ambulância já está a caminho – falava um
homem para meu pai, enquanto colocava a mão no ferimento para
tentar estancar o sangue que já manchava o chão do lugar.
- Pai! – Gritei ao ver que era ele, correndo em sua direção e me
ajoelhando ao seu lado, ou melhor, mais caindo do que ajoelhando,
enquanto isso, lágrimas começavam a escorrer em meu rosto.
- Princesa... – disse ele, esboçando um sorriso e olhando em
meus olhos - ...que bom que você está bem – disse ele mostrando
tranquilidade e paz em sua voz.
- Pai, pelo amor de Deus, não morra, eu preciso de você, você
vai ficar bem, aguenta firme – falava eu entre lágrimas enquanto
segurava a cabeça dele com uma mão e a outra passava em sua testa
como quem cuida da pessoa amada.
- Dessa vez não me atrasei – disse ele agora se esforçando mais
para falar.
- Não era essa a segunda surpresa que tinha para você – falava
ele, como que tentando me acalmar brincando com a situação – mas
a segunda surpresa acabou lhe salvando – falou se esforçando para
erguer o telefone que ainda segurava em sua mão.
- Pai, por favor, não me deixe - falava chorando mostrando
agora claro desespero – não fale muito, você precisa aguentar firme,
por favor. Deus por favor, salve o meu pai, por favor.
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a vida por ele, sem ele ter feito nada por merecer, simplesmente por
amor.
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Final
É
por causa do vovô que eu me chamo Samuel? – perguntou
meu filho que já tinha seis anos de idade, quando lhe contava
um pouco da história de meu pai antes dele dormir, como sempre
fazia.
- Sim, querido, porque seu avô foi um grande homem e você
também é um “pequeno grande” homem – respondi, enquanto puxava
a coberta até perto do pescoço para deixá-lo bem quentinho naquele
começo quente do inverno africano.
- Vovô morreu tão jovem mamãe, queria tê-lo conhecido – disse
Samuel com um “ar” de lamento por ter conhecido o avô apenas
através das fotos e histórias.
- O importante, querido, não é o tempo que se vive, mas como
se vive – comecei a falar tentando explicar para meu pequeno Samuel
o que é a vida. – Existem muitas pessoas que vivem muitos, muitos
anos, morrem velhinhos, mas nunca na verdade viveram, apenas
cumpriram a rotina da vida, sem entender o seu significado, viveram
se autoenganando, usando máscaras com medo de si mesmos.
- Seu avô... – continuei a falar, como quem recorda a expressão
de vida no rosto de meu pai - ...soube o que era a vida, soube viver
intensamente, soube amar, perdoar, ensinou tudo isso para as pessoas
que estavam perto dele. Em poucos anos, ele viveu uma vida que
muitas pessoas não vivem em dezenas de anos.
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Este livro foi composto pelo Grupo Z3 de Comunicação, em
Souvenir Lt BT e Belwe Lt BT, e impresso pela Imprensa da Fé - SP,
em papel bulk paper 70 g/m2 no inverno de 2009.