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São Paulo 2017
COORDENAÇÃO EDITORIAL
C A R LO S CO S TA

E D I Ç Ã O - E X E C U T I VA
A M A N DA R I G A M O N T I

CONSELHO EDITORIAL
A N A D E FÁT I M A S O U Z A
CLAUDINEY FERREIRA
DUANNE RIBEIRO
F E R N A N DA F E R R E I R A SA N TOS
G L A DYS SC H I N C A R I O L
LU I Z C A R LO S M E L LO
M A R I A C L A R A M ATO S
RAPHAELLA RODRIGUES
SIMONI BARBIELLINI
TA N I A R O D R I G U E S
TAY N Á M E N E Z E S
VA L É R I A TO LÓ I

DIREÇÃO DE ARTE
JADER ROSA

P ROJ E TO G R Á F I CO
L U C I A N A O R VAT

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA
ANDRÉ SEITI

COORDENAÇÃO DE REVISÃO
P O LYA N A L I M A

R E V I SÃO ( T E RC E I R I Z A DA )
CIÇA CORRÊA
RACHEL REIS

PRODUÇÃO EDITORIAL
BRUNA GUERREIRO

CO L A B O R A R A M N E S TA E D I Ç ÃO
C A R LO S CO S TA
C ÁT I A M AC H A D O
DUANNE RIBEIRO
G L A DYS SC H I N C A R I O L
J U C I N É I A A N J O S DA S I LVA
K AY K Y AV R A H A M
MANOEL GODINHO
MARCEL CÂNDIDO
M A R I A C L A R A M ATO S
MICHELLE SOMMER
V E R Ô N I C A A L M E I DA L A P PA
V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S

A S I M AG E N S D E S TA P U B L I C AÇ ÃO S ÃO D E A U TO R I A
D E S C O N H E C I DA E P E R T E N C E M A O A R Q U I V O N I S E DA S I LV E I R A ,
E XC E TO A S P OS T E R I O R M E N T E I D E N T I F I C A DA S

F OTO DA C A PA S E B A S T I ÃO B A R B O S A
F OTO DA Q U A R TA C A PA J O N A S C U N H A
F OTO DA C O N T R A C A PA M Á R I O M A G A L H Ã E S DA S I LV E I R A
F OTO DA S PÁG I N A S 1 0 | 1 1 M Á R I O M A G A L H Ã E S DA S I LV E I R A
F OTO DA S PÁG I N A S 2 8 | 2 9 H U M B E RTO F R A N C E SC H I
F OTO DA PÁG I N A 5 6 ARQUIVO CENTRAL DO IPHAN-RJ
F OTO DA PÁG I N A 74 SERGIO BEREZOVSKY
F OTO DA S PÁG I N A S 8 6 | 8 7 M A RT H A P I R E S F E R R E I R A
8 EDITORIAL

I T A Ú C U LT U R A L

10 C A R TA S A N I S E

C A R LO S CO S TA

DUANNE RIBEIRO

M A R I A C L A R A M ATO S

A M A N DA R I G A M O N T I

G L A DYS SC H I N C A R I O L

56 A A RT E DA LO U C U R A O U A LO U C U R A DA A RT E ?

K AY K Y AV R A H A M

62 O P OT E N C I A L A U TO C U R AT I VO DA P S I Q U E

V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S

74 A R T E , N E C E S S I DA D E V I TA L & A R T E , F LU I D O V I TA L

MICHELLE SOMMER

86 HOMENAGENS A NISE

J U C I N E I A A N J O S DA S I LVA

MANOEL GODINHO

MARCEL CÂNDIDO

C ÁT I A M AC H A D O

V E R Ô N I C A A L M E I DA L A P PA

98 FICHA TÉCNICA
A Ocupação Nise da Silveira é um
mergulho na vida de uma mulher revolucionária
e necessária. A doutora Nise (1905-1999),
uma das principais cientistas brasileiras, foi
uma alquimista da psique que redefiniu com
determinação novos caminhos pelos territórios da
medicina, da filosofia e da arte.
Alagoana, estudou na Bahia e viveu no
Rio de Janeiro, cercada de gatos, loucos e livros.
Ela se autodenominou uma psiquiatra rebelde e
dizia levar um cangaceiro debaixo da pele, mas
I T A Ú C U LT U R A L

ergueu uma obra estruturada no amor. Não a


palavra devastada pelo uso irresponsável, e sim
o sentimento vivo, posto em prática e presente
em seus principais conceitos: emoção de lidar,
| EDITORIAL

afeto catalisador, animal coterapeuta; o respeito


irrestrito ao ser humano.
A exposição apresenta materiais do
acervo pessoal da doutora, nunca antes exibidos
em panorama tão amplo, que falam sobre sua
família, sua prisão, a relação com o médico e
pensador Carl Gustav Jung (1875-1961), a terapia
por meio das atividades expressivas, o mergulho
nas imagens do inconsciente, a arqueologia
do psiquismo – sua forma particular de fazer
ciência. Há ainda trabalhos dos clientes da Seção
de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação
(Stor), do Hospital Psiquiátrico de Engenho de
Dentro – sua contribuição no meio das artes –, e o
legado contemporâneo do Museu de Imagens do
Inconsciente (MII) e da Casa das Palmeiras.
Esta publicação expande as possibilidades
e a homenagem à doutora Nise por meio de cartas
endereçadas a ela e remetidas por pessoas da equipe
do Itaú Cultural que, durante o processo de trabalho,
foram tocadas pelos ensinamentos da médica, pelo
exemplo de sua vida coerente com suas ideias. A
coordenadora do MII, Gladys Schincariol, que
conviveu por anos com Nise, soma-se ao grupo.
Para complementar o conjunto, um texto autoral
de Kayky Avraham, militante do Movimento da
Luta Antimanicomial e artista, uma matéria sobre a
psiquiatria, da jornalista Verônica Papoula Mendes, 8
e uma análise crítica da pesquisadora Michelle
9
Sommer sobre a produção do MII. Homenagens feitas
a Nise por atuais clientes do MII fecham o ciclo.
A quem se debruçar sobre esses conteúdos
o exercício proposto é olhar outra vez para o que
nossa sociedade tacha de louco, olhar para si e
reconhecer se não somos iguais.
Esta é a 37ª edição do programa Ocupação
Itaú Cultural, um constante resgate de pesquisadores
e artistas que estão no alicerce da cultura e das
artes brasileiras. Neste ano, apenas mulheres
passaram pelo programa: Laura Cardoso (1927-),
Conceição Evaristo (1946-), Aracy Amaral (1930-)
e Inezita Barroso (1925-2015). Conheça todos os
homenageados em itaucultural.org.br/ocupacao.
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CARTAS A NISE
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C A R TA S A N I S E | C A R LO S CO S TA

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São Paulo, outubro de 2017.

Estimada Nise,

Um dos mais fabulosos conceitos desenvolvidos pelo


médico e pensador suíço Carl Gustav Jung foi a sincronicidade.
Uma contestação ao que chamam de coincidência, uma forma
diferente de olhar para o acaso. Como você bem sabe, Jung era
um mago e via uma realidade harmônica na qual o homem e sua
psique estão alquimicamente relacionados ao mundo físico. E a
sincronicidade é quando o pensamento vira realidade.
Ao resolver escrever esta carta, nos moldes das
C A R LO S CO S TA

que você publicou no livro Cartas a Spinoza (1995), vejo a


sincronicidade no teor da sua primeira missiva ao mestre
[Baruch de Spinoza (1632-1677) viveu na Holanda e é um
dos principais filósofos modernos]*. O que você disse a ele é
|C A R TA S A N I S E

o que eu quero dizer a você.


O fulgor de sua obra venceu o tempo e a área de
pesquisa. Em sincronia também está a falta de formação
do remetente para discutir com propriedade o teor dos
ensinamentos do destinatário. Você não era exatamente
filósofa e eu não sou, de forma nenhuma, médico. Mas somos
humanos e guardamos em nós todas as capacidades para
enfrentar a vida e expor nossos pensamentos.
Por fim, a ligação pelo afeto – você se surpreende
como Spinosa transformou as pessoas e quanto de afeto
destinavam a ele seus seguidores. O mesmo vejo em você.
Sincronicidade completa, e a carta que eu deveria escrever
em outra perspectiva já foi escrita.
Mas aí não acaba minha ânsia de falar e agradecer
tudo o que você desperta em mim. Por isso, agora me afasto
de seu texto e sigo meu caminho. Nele, sua presença será um
farol. A primeira vez que sua luz me orientou foi um percurso
tranquilo. Ia navegando e vi seu exemplo de mulher nordestina
que seguiu por caminhos pioneiros, na medicina, nas artes, na
vida. Vi que desbravar e conquistar é possível.
A segunda vez foi em tempo de tempestade, mar bravio,
e a luz apontou que o caminho não estava na superfície, mas
nas profundidades. Eu precisava me conhecer para entender
melhor meu lugar no mundo. Precisava mergulhar em minha
psique. Comecei a ler seus livros, a pensar nesse lugar íntimo
e necessário onde moram os sonhos, onde a palavra fracassa,
onde o tempo e o espaço não existem. A encarar o inconsciente,
as sombras. A aprender a morrer e renascer.
Nesse mergulho, sua rota me indicou Jung e vocês me
mostraram que nesse mesmo lugar escuro estava também a 14
luz. Como você mesma falou: “A vida não é isso ou aquilo. A
15
vida é isso e aquilo”. Vocês souberam atravessar a noite longa
e deixaram registrados mapas que ensinam, a quem quiser
navegar, o caminho que leva ao dia iluminado.
Aqui, pouco poderia reproduzir conceitos e teorias que
comprovam o que eu sinto. E não estou apto para fazer ciência.
Aqui posso apenas contar da lição que ficou. É preciso olhar para
dentro, desvendar os símbolos, vencer o medo e se recriar. Sempre.
E com afeto se encontram a estabilidade e a coragem para isso.
Nunca tive gatos, mas sei que tenho o mesmo nome
do seu último felino e me dedico a outros animais. Tenho dois
cachorros, que governam minha casa e meus hábitos. Olho
para isso com orgulho. E encontro em sua história razão para
seguir assim esta existência de amor incondicional.
Nunca cuidei de loucos, mas tenho por tudo o que está
à margem grande atração. E tenho uma história para contar
sobre isso. Afinal, o que é ser louco? Louco sou eu quando
tomado pela dor ou pela alegria intensas. Louco é quem não é
feliz e quem não suporta estar triste...
Meu pai, há alguns anos, desenvolveu uma demência.
Atravessou sua noite escura. Quando já estava bem, recuperando
as capacidades, deixei um livro seu para ele. Passados alguns
meses, ele ligou para mim e agradeceu. Ele se recusava a ir
para a terapia ocupacional. Mas começou a escrever e a deixar
fluir seus pensamentos e sua criatividade. Ele reencontrou a
capacidade de se expressar e o amor a si mesmo.
E estas são as chaves que levo do seu molho, Nise, o
amor e a necessidade de expressar a criatividade. E a projeto
C A R LO S CO S TA

num lugar muito iluminado. Farol no firmamento. Porque há


na espiritualidade universal, dos indígenas aos cristãos, uma
busca incessante por estas duas questões: o amor e a verdade.
E o primeiro é o único caminho possível.
|C A R TA S A N I S E

Para terminar, abandono as palavras e proclamo um


grande baile, como os que sei que você promovia no Engenho
de Dentro, para desespero dos médicos vestidos de branco.
Uma grande dança colorida com uma música feliz. E vamos
todos dançar com você.
Viva, Nise!

Carlos

C A R LO S CO S TA É J O R N A L I S TA E PA R T I C I P O U D O P R O C E S S O CO L A B O R AT I VO
D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A

*O nome do filósofo tem sido grafado de várias formas ao longo


do tempo – há uma discussão acadêmica sobre a forma mais
apropriada. Optamos por usar nos textos produzidos para esta
publicação o modo utilizado por Nise: Baruch de Spinoza.
N I S E A L I M E N TA N D O O S
C AC H O R ROS DA C A SA
DA S PA L M E I R A S

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N A PÁG I N A A N T E R I O R C A R LO S
PERTUIS (1910-1977) E O
C AC H O R R O S E R TA N E J O – U M A
RELAÇÃO QUE AJUDOU NISE A
F U N DA M E N TA R S U A S T E O R I A S
S O B R E A I M P O R TÂ N C I A D O
A N I M A L COT E R A P E U TA

N E S TA PÁ G I N A N I S E E M
DIVERSAS SITUAÇÕES, COM
C Ã E S E G ATO S. O G ATO
M A L H A D O B R A N CO E P R E TO
Q U E E L A S E G U R A N O CO LO
É C A R L I N H O S , S E U Ú LT I M O
CO M PA N H E I R O

AO L A D O F OTO D E C E L S O
M E I R A , 1 9 8 6 . AG Ê N C I A O G LO B O

ABAIXO F OTO D E RO N A L D O
T H E O B A L D, 1 9 8 1

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C A R TA S A N I S E | DUANNE RIBEIRO
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21
São Paulo, outubro de 2017.

Nise,

Fora a minha curiosidade por uma obra que se


aventura nos caminhos da loucura, o que primeiro me
encaminhou pelo seu trabalho foram as cartas para o filósofo
holandês Baruch de Spinoza*. Nos seus escritos, o psiquiatra
Carl Jung tem um papel maior: é nele que a sua prática
encontra uma teoria. Mas essa influência me afasta um
pouco; me incomoda a proximidade do pensamento de Jung
DUANNE RIBEIRO

com certo misticismo. Eu precisava, então, de outra porta de


entrada. Cartas a Spinoza acabou sendo esse pórtico.
Sendo formado em filosofia e tendo estudado partes
da ética spinozana na faculdade, é natural que esse livro em
|C A R TA S A N I S E

particular tenha me atraído. Ademais, só de folheá-lo se vê


que é intrigante: trata de filosofia em segunda pessoa, em
uma conversa, aproximando-se de cada ideia devagarinho,
mobilizando tanto o raciocínio quanto as vivências. É a um
passo analítico e afetuoso – e, com o tempo, eu aprenderia
que a dialética entre esses dois polos (se são polos) é a marca
de toda a sua trajetória.
Mas confesso: na verdade, impressiona-me que se
aborde Spinoza com tanta emoção. O que mais me marcou
na leitura do filósofo foi a sua elaborada metafísica, que
dispensa um deus antropomórfico, planejador de mundos
e gestor de criaturas; e sua perspectiva política que explica,
entre outras coisas, como se manipula o medo para erigir o
poder. Em oposição a essa satisfação intelectual, as suas cartas
traziam uma familiaridade que não era a da erudição, mas a do
compartilhamento de uma forma de sentir.
Pensando em como escrever esta carta, lembrei-me
que o filósofo francês Gilles Deleuze havia se referido a essas
visões tão diferentes (contraditórias?) a respeito do holandês.
Em Espinosa – Filosofia Prática, Deleuze fala de duas leituras,

por um lado leitura sistemática à procura da


ideia de conjunto e da unidade das partes, mas por outro,
ao mesmo tempo, a leitura afetiva, sem ideia de conjunto,
onde se é levado ou colocado, posto em movimento ou em
repouso, agitado ou acalmado dependendo da velocidade
desta ou daquela parte. Quem é espinosista? Às vezes,
certamente, aquele que trabalha “sobre” Espinosa, sobre 22
os conceitos de Espinosa, à condição de isso ser feito com
23
bastante reconhecimento e admiração. Mas também aquele
que, não filósofo, recebe de Espinosa um afeto, um conjunto
de afetos, uma determinação cinética, uma pulsão, e faz
assim de Espinosa um encontro e um amor.

Como eu havia dito, Nise, penso que seu livro vagueia


entre essas duas maneiras de ver. Estudante aplicada toda a
vida, a visão sistemática não lhe escaparia. Porém, parece-me
mais significativo o caráter diletante, tentativo, das cartas.
A senhora se aprofunda mais ou menos em certos trechos,
é repelida por uma ou outra abordagem, contribui com os
saberes psiquiátricos em alguma vez. É a leitura afetiva o
que sobressai. Sendo assim, que afetos a senhora recebe de
Spinoza? Qual foi seu encontro com ele?
C A R TA S A N I S E | DUANNE RIBEIRO
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IMAGENS DE NISE NA SUA


P R I M E I R A I DA À S U Í Ç A E E M U M
GRUPO DE ESTUDO NO RIO DE
J A N E I R O ; N E S TA PÁ G I N A , N O
TO P O E AO L A D O, E L A D I V I D E A
C E N A CO M C A R L G U S TAV J U N G
E M F OTO S D O A R T I S TA V I S U A L
A L M I R M AV I G N I E R
Creio que vocês se encontram em uma concepção do
que é viver, de como buscamos o que faz bem e tropeçamos
no que faz mal. Como Deleuze explica, em Spinoza os seres
são definidos pelos afetos de que são capazes, isto é, pelas
maneiras segundo as quais são afetados pelas coisas. Esses
modos de sentir não são só individuais, ocorrem sempre em
relacionamento com os outros, com o mundo. Com efeito, são
DUANNE RIBEIRO

encontros que podem ser positivos ou negativos. Nossa sorte


é decidida nesses contatos.
Não está aí uma das raízes do seu conceito de afeto
catalisador, Nise? No entendimento de que o cuidado e a
|C A R TA S A N I S E

atenção se disseminam e curam, na percepção de que os


animais podem ser terapeutas? Por outro lado, o seu trabalho
agiu para reconstruir, nos clientes, as capacidades de sentir.
Acredito que os espaços que a senhora construiu conseguiram
proporcionar “bons encontros”, no sentido de Spinoza,
relações que intensificam o ser.
Eu não visitei a Casa das Palmeiras, mas conheci o
Museu de Imagens do Inconsciente (MII) – no antigo Hospital
Psiquiátrico de Engenho de Dentro, hoje Instituto Municipal
Nise da Silveira – e senti isto: apesar das dificuldades de
infraestrutura, o ateliê do museu prossegue atuando como
um amplificador de vida. Sabe como um dos clientes que
entrevistamos descreveu esse local, doutora? Oásis. Não um
terreno murado em que se é deixado; pelo contrário, um lugar
de opulência ao qual se chega em meio a viagens difíceis.
Nise, criadora de oásis! Mesmo depois de ter avançado
no seu O Mundo das Imagens e de ter entendido como a
senhora usa a teoria junguiana para descortinar o inconsciente
por meio das produções expressivas, o que me atinge com
mais força no seu trabalho é essa firme ética de respeito, de 26
defesa da dignidade alheia, de justiça. Combater o que aleija as
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capacidades de alguém e dar vazão às suas potencialidades: é
de Spinoza essa convicção, assim como é sua, Nise. Espero que
também possa ser minha.

Com admiração,

Duanne

D U A N N E R I B E I R O É J O R N A L I S TA , M E S T R E E M C I Ê N C I A DA I N F O R M A Ç Ã O,
E S P E C I A L I S T A E M G E S T Ã O C U LT U R A L E B A C H A R E L E M F I L O S O F I A . P A R T I C I P O U
D O P R O C E S S O C O L A B O R AT I V O D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A .
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C A R TA S A N I S E | M A R I A C L A R A M ATO S
29
São Paulo, outubro de 2017.

Querida doutora Nise,

Começo esta carta com dificuldade. Sinto que me


falta capacidade, confiança e sensibilidade para lhe fazer uma
homenagem. Pensei em desistir do desafio, já que há tempos
deixei de contar com a minha criatividade para qualquer
M A R I A C L A R A M ATO S

iniciativa. Nos últimos anos, tenho dedicado minha energia a


garantir algumas poucas atividades que considero obrigatórias
– muito embora estas também tenham sido fortemente
abaladas. Sigo escrevendo porque acredito que a senhora é
uma das poucas com quem posso conversar de fato. Custei
| C A R TA S A N I S E

a aceitar que as pessoas que não têm depressão dificilmente


entenderão o que é ter essa doença; muitas delas tentarão
– o que já é de um alento inimaginável –, mas outras tantas
também não se darão ao trabalho – a tristeza é algo difícil de
ser encarado, e como é! Mas vejo que a senhora tem outro tipo
de compreensão disso tudo.
Não fui sua paciente – nem mesmo sei se poderia ter
sido; os principais frequentadores da seção de terapêutica
ocupacional, por exemplo, eram diagnosticados com
esquizofrenia e estavam internados no Hospital de Engenho
de Dentro. Mas de que importa saber exatamente de qual mal
padecemos? Padecemos. E a senhora lançou-se em mares
indóceis, em que o conforto de estar na superfície durava
pouco. Lembro agora de uma entrevista em que a senhora
diz dar o seguinte conselho para aqueles que gostariam de
trabalhar ao seu lado: “Antes de tudo compre um escafandro,
aprenda a descer no fundo do mar e a subir levando alguém
com você. Esse alguém pode chegar ao nível onde você está,
mas não se surpreenda se ele for além do seu nível – o que tem
acontecido entre nós algumas vezes”*.
Tive a oportunidade de conhecer o Museu de Imagens
do Inconsciente (MII) e, mesmo sem sua presença ali, ao
observar as pinturas de Adelina, Emygdio, Fernando** e
tantos outros, percebi o afeto, o respeito e o olhar atento que 30
você destinou a seus pacientes. Acredito muito no poder
31
que exercemos uns nos outros e creio que sua serenidade foi
determinante para que cada um expressasse seus sentimentos
mais profundos por meio de cores e formas. Confesso que,
diariamente, procuro em olhares alheios a tranquilidade e a força
que me faltam. E que poder de mudança nosso olhar tem, Nise!
Nos últimos seis anos mais ou menos, visitei quase
uma dúzia de homens vestidos de branco que em 15 minutos
de conversa misturada a muitas lágrimas diziam ter o
diagnóstico do meu caso. A visita invariavelmente acabava
com mais dois ou três remédios diferentes para aumentar a
já longa lista. Aliás, creio que a senhora se espantaria com a
quantidade de remédios prescritos para todo e qualquer tipo
M A R I A C L A R A M ATO S
| C A R TA S A N I S E

IMAGENS DE NISE EM
AT I V I DA D E S T E R A P Ê U T I C A S
N O E N G E N H O D E D E N T R O.
N A S E G U N DA F OTO, E L A
G A N H A F LO R E S D E A D E L I N A
GOMES (1916-1984)

N O T O P O D E S TA PÁ G I N A
F OTO D E LU I S C A R LO S
SA L DA N H A , 1 9 8 0
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33
de desordem comportamental e psicológica hoje em dia. No
meu caso, cheguei a temer mais os efeitos dos medicamentos
do que os da própria depressão. E esse sentimento de
inaptidão e de frustração que sinto agora em parte deriva
deles. Não lhes tiro o valor. Em parte, escrevo também por
causa do uso deles.
Não sou pesquisadora, tampouco alguém da ciência,
mas pelo que sei a luta antimanicomial do final dos anos 1970
e a reforma psiquiátrica fizeram com que os manicômios
M A R I A C L A R A M ATO S

fossem progressivamente substituídos por unidades de


serviços comunitários e abertos; a lobotomia não é mais
praticada como tratamento de doenças mentais; e as técnicas
relacionadas ao eletrochoque evoluíram amplamente. Mas
vejo que aprendemos muito menos do que a sua trajetória
| C A R TA S A N I S E

tem a nos oferecer. Tanto no sentido do afeto como cura


quanto no que se refere ao papel da arte como dispositivo para
recuperação e como campo fértil para estudos clínicos.
Hoje vivemos tempos obscuros, de ódio e de
intolerância em relação às artes, Nise – acho que não preciso
explicar muito sobre momentos históricos como esse, já que
a senhora foi presa durante o governo de Getúlio Vargas, um
pouco antes da instauração do Estado Novo. Acredito que
seja mais um momento de correnteza contra a sua maré de
questionamentos, entendimentos e bem-aventuranças.
Mas desejo terminar esta carta da maneira mais
positiva possível, inspirada pelo otimismo que paira em suas
falas sobre seu trabalho e sobre seus clientes. Tenho certeza
de que a senhora ficaria feliz em conhecer algumas pessoas
que estudam a psiquiatria hoje em dia – aposto que iria adorar
bater um papo com meu atual psiquiatra; o doutor Eduardo
é de uma sensibilidade ímpar! Tenho sempre ao meu lado O
Demônio do Meio-Dia, de um autor norte-americano chamado
Andrew Solomon. Nos momentos em que me faltou o ar
ele me ajudou a enxergar a superfície; que bom seria poder
compartilhar com a senhora alguns trechos! Ganhei esse livro
há alguns anos de um amor muito especial, que resolveu ficar e
tornar-se farol. E que a vida seja feita desses felizes encontros.
Assim como o nosso.

Com amor, 34

35
Clara

M A R I A C L A R A M ATO S É J O R N A L I S TA E PA R T I C I P O U D O P R O C E S S O
C O L A B O R AT I V O D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A .

*Citação de Nise da Silveira em entrevista concedida ao


pesquisador Edson Passetti, em 1992.

** Adelina Gomes, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros, Fernando


Diniz e Raphael Domingues são clientes que atravessaram Nise
da Silveira e estão eternizados em sua obra. A produção deles tem
lugar de destaque na arte brasileira contemporânea.
C A R TA S A N I S E | A M A N DA R I G A M O N T I
36

37
São Paulo, outubro de 2017.

Dra. Nise,

É essencial que evoquemos sua atuação neste


momento em que debatemos o protagonismo da mulher. Você,
para mim, foi mais do que protagonista de sua própria história
– e da de pessoas que frequentaram o Engenho de Dentro. Você
foi e é precursora de uma linha de pensamento e atuação em
nosso país. Você é precursora em seu gesto, em seu afeto e nas
premissas de seu trabalho cotidiano.
A M A N DA R I G A M O N T I

Acho necessário chamá-la de doutora – esse título por


muito tempo negado às mulheres ou usado com deboche. Você,
que foi a primeira mulher a se formar na Faculdade de Medicina
da Bahia, em 1926. A única mulher em uma classe com 157
homens – nem banheiro feminino tinha! Nise, quão decidida era
| C A R TA S A N I S E

você aos 16 anos. Deixou sua família, mudou-se para a Bahia –


uma menina, naquela época, com tamanha independência. Como
podia? Todos os dias, segurava o xixi até a hora do almoço, corria
para casa, voltava correndo e, de novo, segurava até o final do dia.
“Mulher era feito anjo, não mijava”, disse você em uma
entrevista feita por Dulce Chaves Pandolfi em 1992, ano em
que nasci. E, hoje, 25 anos depois, mulher até mija, viu? Mas
tem de chamar de xixi ou “ida ao banheiro”. Mulher tem de
saber se portar. Senão, não pode.
Você conta que, nas aulas, ao lado dos 157 colegas, era
tratada como alguém que fosse menos. E você foi se impondo
por sua dedicação e sua inteligência. Você nem se vangloria
tanto disso, mas aposto que os humilhava, não é? Eles se
achavam tão melhores e nem deveriam chegar aos seus pés!
Você se impôs, Nise, com o poder da palavra.
Um fator que me atrai muito a pensar sobre você é a
empatia feminina, Nise. Ao mesmo tempo que obedece a essa
regra do comportamento feminino, você rompe com outros
padrões de comportamento a nós fixados, porque você se
impõe esse sentimento rigidamente, de maneira séria, formal.
Explico: você sabe que nós, mulheres, somos criadas
para ter empatia com humanos e outros seres vivos. Daí
também vem o mito da maternidade como um desejo natural
e uma capacidade inata. Aliás, gostaria demais de saber por
que você nunca foi mãe. Será que foi por ter decidido priorizar
sua carreira e sua dedicação – querendo ou não, maternal – a
seus clientes, lugares e animais? Eu acho bem bonito isso, essa
dedicação por completo a um trabalho de toda a vida.
Enfim, essa socialização feminina, da empatia,
aparece quando você retorna para o Hospício da Praia 38
Vermelha – “Aperte o botão”/“Não aperto”. Aí começou
39
a rebelde, como você diz, quando se recusou a dar o
eletrochoque em um paciente. Essa nunca poderia ser a
atitude de um homem – você imagina um homem daqueles
que trabalhavam no hospício questionando o porquê de
apertar um botão que ele mesmo criou? E olhar para um
louco como um igual? O homem é criado para competir,
para rir daqueles que são, a seu ver, menos do que ele. Então,
Nise, se não fosse você, com sua delicadeza feminina e sua
rebeldia – que vem do sangue mesmo, desde quando você
decidiu fazer uma faculdade que mulheres não faziam –,
naquela sala, naquele momento, essa ordem imposta nunca
teria sido questionada. Ou seriam anos ainda de sofrimento
de pessoas que nada de errado fizeram antes que alguém
apontasse que algo estava errado ali.
Tinha de ser você, Nise!
ABAIXO NISE AOS 16 ANOS
D E I DA D E; AO L A D O A Ú N I C A
MULHER ENTRE OS FORMANDOS
DA T U R M A D E 1 926
A M A N DA R I G A M O N T I
| C A R TA S A N I S E
40

41
A M A N DA R I G A M O N T I
| C A R TA S A N I S E

E somado a essa delicadeza vinha o profissionalismo.


A mulher de luta! Não se deixava abalar, batia de frente,
combatia e questionava. E aí está o contraponto aos padrões
a nós impostos. Além, é claro, de sua organização, seu rigor
científico, sua postura metódica de trabalho – características
mais do que necessárias para conferir seriedade a uma
mulher combatendo preceitos masculinos. Você desmontou
estereótipos e marcou história, fez seu nome. Quem daqueles
outros 157 chegou tão longe?!
Tem outra coisa que eu gostaria de contar, cá entre
nós. Divagação minha.
Graças a você, Nise, estou vivenciando um embate
comigo mesma. Eu já me identifiquei com diferentes
expressões artísticas – fazia desenhos sem forma, fotografava
A U L A D E A N ATO M I A N A
FAC U L DA D E D E M E D I C I N A DA
B A H I A | AC E RVO DA F U N DAÇ ÃO
BIBLIOTECA NACIONAL

interpretações próprias, escrevia o que pensava, manipulava


meu corpo de maneira a vê-lo como arte minha. Com a
chegada à vida adulta e os estudos na faculdade de jornalismo,
fui me forçando a deixar esse lugar, eu me afundei em uma
racionalidade e em uma maneira de me expressar de um jeito
que não parece ser eu mesma. Desde que mergulhei em seu
trabalho, passei a questionar: o que me tornei? Esse caminho foi
natural? O que é natural?
Sempre que me surge a oportunidade, volto a esse
questionamento do que é a loucura. Loucura nossa, individual,
loucura do outro. Durante uma imersão em debates sobre
processos de criação nas artes – e, especificamente, na fotografia –
e o que significam, quando pensava no meu só me vinha a loucura.
O que é a arte senão essa exteriorização do inconsciente? 42
Pego-me tentando racionalizar a arte. Buscando criar
43
uma leitura crítica da produção – minha ou não. Precisamos
explicar tudo? Divirto-me com as teorias a respeito da arte: o
autor quis demonstrar; o autor se inspirou; a infância do autor...
Eu mesma já percorri teorias, inventei hipóteses, para justificar
escolhas minhas. Elas devem até ter alguma origem, e podem ser
justificáveis, mas não acho que seja algo feito por meio de uma
escolha racional. Não necessariamente.
E se eu fiz apenas porque quis fazer?

Por isso tudo eu lhe agradeço, doutora Nise.


Com carinho e admiração,

Amanda

A M A N DA R I G A M O N T I É J O R N A L I S TA E F OTÓ G R A FA E PA R T I C I P O U D O
P R O C E S S O C O L A B O R AT I V O D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A .
C A R TA S A N I S E | G L A DYS SC H I N C A R I O L

44

45
Rio de Janeiro, setembro de 2017.

Cara Nise,

Nós, do Museu de Imagens do Inconsciente (MII),


estamos empolgados com a oportunidade de participar desta
merecida homenagem a você, nossa querida mestra.
Desejamos que essa “ocupação” desperte o interesse
do grande público e que as autoridades, enfim, possam
reconhecer a importância da divulgação, ampliação e
G L A DYS SC H I N C A R I O L

preservação de sua obra. Trata-se de um patrimônio da


humanidade, de maior importância para a formação das
gerações vindouras.
Queiram os deuses e as deusas que sua figura
humana, arauto das liberdades e do respeito ao diferente e
|

às diferenças, leve a todos alguma luz, esperança e coragem


C A R TA S A N I S E

no enfrentamento deste momento sombrio de caos político


e social que atravessamos. A crise é ética e de valores, Nise.
Estão de volta os tempos de censura às artes, de restrição à
liberdade de expressão, da absurda “cura gay”. Infelizmente,
estamos retrocedendo.
As máscaras caíram, a Sombra do homem está solta.
O capitalismo venceu. O neoliberalismo venceu. A
indústria farmacêutica venceu. A indústria armamentista
venceu. Estamos na era da medicalização e da violência
gratuita. São tempos difíceis. Inspire-nos à resistência, Nise.
Nós sabemos dos tantos momentos sombrios da história que
você atravessou e com que bravura os enfrentou. Que sua vida
possa servir de exemplo.
Fico imaginando você, lá no hospício de Engenho de
Dentro em 1946, no pós-guerra, retornando do exílio, depois
de ter sido presa pela ditadura de Vargas e afastada do seu
trabalho de médica por oito anos. Você foi chegando, única
mulher, a um universo masculino e machista, culta, inteligente
e com mania de liberdade.... Insurgiu-se contra a ordem
estabelecida e a psiquiatria cartesiana com seus tratamentos
agressivos. Iniciou uma revolução pessoal que durou até
o fim de sua vida. Transformou a realidade com a qual não
concordou. Você foi valente, Nise!
E coerente. Não ficou apenas na briga. Apresentou
alternativas de tratamento mais humanas. Liderou um
movimento. Criou seu próprio método de terapia – expressiva,
valorizando as relações afetivas, respeitando a subjetividade e a 46
criatividade. O que você fez foi sem precedentes na história da
47
psiquiatria, da psicologia e das artes. Seu interesse pelo estudo
e pela pesquisa foi sua principal chave de trabalho. Lembremos
suas palavras no prefácio do seu livro Imagens do Inconsciente:

Meu trabalho não se inspirou na psiquiatria


atualmente predominante, caracterizada pela escassa
atenção que concede aos fenômenos intrapsíquicos em
curso durante a psicose. Ao contrário, meu interesse
maior desde cedo foi penetrar, pouco que fosse, no mundo
interno do esquizofrênico.

[...] Na escola viva que eram os ateliers de pintura


de modelagem, a escola que eu frequentava cada dia,
constantemente levantavam-se problemas. Dificuldades
MUSEU DE IMAGENS DO
INCONSCIENTE (MII) (2016) |
LUCIANO BOGADO

48

49
que conduziam a estudos apaixonantes e muitas vezes
tornavam necessária a procura de ajuda fora do campo
da psiquiatria – na arte, nos mitos, religiões, literatura,
onde sempre encontraram formas de expressão as mais
profundas emoções humanas.

E foi desses ateliês que nasceu o Museu de Imagens


do Inconsciente. Reconhecida internacionalmente por seu
trabalho científico e humanista no campo da saúde mental, e
G L A DYS SC H I N C A R I O L

da cultura, você é considerada hoje uma das mais importantes


mulheres brasileiras do século XX.
Você virou um Mito, Nise. Transcendeu. Povoa o
imaginário popular com sua Sabedoria. Conhecida como o
anjo duro, é um símbolo de luta e de defesa dos animais e dos
|

loucos. Despertou nas consciências a função do feminino, do


C A R TA S A N I S E

afeto, da maternagem, da alteridade, do cuidado com o outro,


com o ser humano sensível que adoece. Inaugurou uma nova
era, de integração do princípio feminino.
Sua voz corajosa insurgiu-se contra os manicômios
da época e fez denúncias, inconformada com o ciclo
infindável das reinternações:

Algo espúrio haverá por trás da inércia diante de


tais evidências. Não será difícil detectá-las: a indústria
da loucura é uma lucrativa aplicação de capital. As
poderosas multinacionais produtoras de psicofármacos
bem o demonstram. O que interessa, portanto, é o lucro
proporcionado pelo indivíduo internado ou reinternado.
Quanto mais vezes, melhor...

[...] Aquilo que se impõe é uma verdadeira mutação,


tendo por princípio a abolição total dos métodos agressivos,
do regime carcerário e a mudança face ao indivíduo, que
deixará de ser o paciente para adquirir a condição de pessoa
com direito de ser respeitada.

Juntaram-se à sua voz as de muitos outros psiquiatras


e trabalhadores da saúde mental da rede pública, de doentes e
seus familiares que se uniram exigindo mudanças. A reforma
psiquiátrica brasileira foi um dos grandes movimentos
libertários do final do século passado na esfera das políticas 50
públicas e dos direitos humanos. Quebrou-se, enfim, a
51
hegemonia do leito, das clínicas conveniadas. Manicômio
nunca mais. Essa foi uma das suas bandeiras.
De fato, muitas coisas mudaram nesse sentido. Veja só
o texto que copiei de um folheto de divulgação de um evento
de comemoração dos 30 anos da Luta Antimanicomial.

A Política Nacional de Saúde Mental busca


consolidar um modelo de atenção e cuidado aberto e de base
comunitária. A proposta é garantir uma livre circulação
das pessoas em sofrimento psíquico pelos serviços, pela
comunidade e pela cidade por meio da substituição de formas
tradicionais de tratamento produtoras de exclusão, como o
manicômio, por um novo paradigma que prevê tratamento
mais humanizado e baseado na integralidade do cuidado.
No Rio, no último dia 18 de maio, a festa de celebração
dos 30 anos da luta, organizada pela Rede de Atenção
Psicossocial da Zona Norte, foi na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Uerj), em solidariedade ao triste abandono
e à situação financeira precária da maior, e outrora melhor,
universidade do estado. Você iria gostar de ver.
A Saúde Mental ocupou a Uerj por uma educação
de qualidade. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps)
estiveram presentes com suas barracas de artesanato e
comidinhas. Todos, usuários e profissionais, em perfeito
convívio. Houve palestras, mesas-redondas, exposições,
performances e apresentações teatrais, abordando-se temas
polêmicos, como o suicídio, a violência e a segregação social,
de raça e de gênero, nessa cidade partida. 52

53
D E S F I L E D O B LO CO
LO U C U R A S U B U R B A N A N O
E N G E N H O D E D E N T R O, N O
C A R N AVA L D E 2 0 1 7. U M A
DA S P R I N C I PA I S AT R AÇÕ E S
C A R N AVA L E S C A S DA ZO N A
N O R T E C A R I O C A , O B LO C O,
DESDE 2001, ROMPE OS
MUROS DO HOSPÍCIO E
R E S G ATA O C A R N AVA L D E
R U A D O B A I R R O, R E U N I N D O
USUÁRIOS, FAMILIARES
E F U N C I O N Á R I OS DA
R E D E D E S A Ú D E M E N TA L ,
ALÉM DE MORADORES
DA R E G I Ã O, C R I A N D O
U M M OV I M E N TO D E
INTEGRAÇÃO COM A
CO M U N I DA D E T E N D O
C O M O M OT I VA Ç Ã O A
LO U C U R A DA A L EG R I A
O ponto alto da festa foram as bandas de música que
sempre animam as rodas e põem todo mundo para dançar e
cantar. Harmonia Enlouquece, Sistema Nervoso Alterado,
Bateria Ensandecida do Bloco Loucura Suburbana e outras
bandas e artistas se apresentaram num palco improvisado,
fazendo a alegria geral.
Arte cura. Arte é vida.
Seu nome foi muito lembrado, Nise, em imagens, letras
de música e poesias, numa demonstração de que sua memória
está viva. Imagine que um grupo de jovens ficava distribuindo
G L A DYS SC H I N C A R I O L

frases suas, sábios conselhos, como bilhetinhos amorosos,


passados de mão em mão. Uma maneira singela e educativa de
espalhar seus ensinamentos.
A sensação do dia foi causada pela “bonequinha Nise”,
de óculos e de coque, com um gatinho no colo. Muitas pessoas
|

levaram suas Nises para casa. Sua figura inconfundível associada


C A R TA S A N I S E

ao gato tornou-se um ícone, principalmente entre os jovens, que


são os maiores entusiastas do seu trabalho. A festa foi mesmo
bonita e refletiu as importantes mudanças operadas no sistema.
Muitas coisas melhoraram com certeza, mas, apesar dos
avanços, nem tudo são flores. Depois da festa, a volta à realidade
do cotidiano é difícil. A crise que assola o país pune certamente
os segmentos mais frágeis da sociedade. Falta de um tudo
nos serviços de saúde mental. Recursos humanos, materiais,
infraestrutura, alimentação de qualidade, transporte, moradia,
assistência médica. Não sei onde vamos parar.
Há ainda muitos desafios pela frente. Se a vida em
sociedade já é difícil para um “sujeito normal”, imagine para
os não normais!
Sei que não adiantaria choramingar com você pelas
dificuldades; você me daria logo um “sacode”, me chamaria de
sangue de barata e me mandaria ir à luta e trabalhar. E estudar.
Era o que você sempre fazia. Você me diria para acreditar que toda
crise leva a uma transformação e que do caos surge a ordem. E me
mandaria, com certeza, manter o Museu Vivo, aberto a todos.
Eu comecei esta carta com a missão de refletir sobre a
atualidade da sua obra, em que medida a terapêutica ocupacional, a
psicologia e a psiquiatria levam hoje seu trabalho como referência.
O que você atingiu, o que chegou a influenciar, que áreas poderiam
se aperfeiçoar com suas ideias.
Mas me perdi nos meandros das minhas reflexões e
no calor das emoções que a avalanche de más notícias tem me
provocado. Desculpe, Nise, acho que não cumpri minha missão. 54
Precisaria ainda de páginas e mais páginas.
55
Prefiro encerrar relembrando duas frases suas que estão nas
últimas páginas do seu livro O Mundo das Imagens e que me são caras.
“Não se pode pretender chegar à compreensão da história
tomando-se apenas uma única dimensão entre as muitas que
tecem sua complexa contextura.”
“O homem precisa não esquecer que faz parte de um
vastíssimo sistema de interações do qual ele até agora apenas
estudou a superfície. Há ainda muitas coisas a descobrir.”
Salve, Nise!

De sua mais humilde discípula,


Gladys

G L A DYS SC H I N C A R I O L É CO O R D E N A D O R A D O M U S E U D E I M AG E N S
DO INCONSCIENTE.
A ARTE DA LOUCURA 56
OU A LOUCURA DA ARTE? 57
KAYKY AVRAHAM
“A arte de ser louco é jamais cometer a loucura
de ser um sujeito normal.”
Raul Seixas

A história da loucura foi feita de muito sofrimento


e perseguição em diversas culturas. Ter nascido louco com
certeza foi uma punição. Todavia, há registros de vários
“loucos” que souberam sobreviver por meio da arte, tanto no
campo artístico quanto no literário.
A loucura tem uma fase mágica que é o processo da
criação, em que a mente torna tudo possível, as ideias fluem e
K AY K Y AV R A H A M

formas e cores se tornam combinações perfeitas na busca do belo,


abrindo novos caminhos para a discussão de novas percepções.
Vejo que a loucura me tirou uma vida considerada
normal nos padrões atuais e que obtive alguns prejuízos dos
| A A RT E DA LO U C U R A O U A LO U C U R A DA A RT E ?

quais não consigo me recuperar. Minha primeira internação foi


aos 14 anos de idade, quando conheci o músico Raul Seixas. Na
época, não tinha ideia de quem era; mas de tudo o que ele me
disse algo nunca esquecerei: “Bem-vindo à Sociedade Secreta”.
Naquele momento, nada fez nenhum sentido para mim.
Ao longo da vida tive várias crises e, quando chegava ao
grau máximo da euforia, era internado e entrava em outro mundo,
no qual nada era real, o tempo era muito lento e com os efeitos
da medicação tudo ficava muito difícil. O convívio com outras
pessoas que tinham um sofrimento mental me fez aprender a
compartilhar diferentes experiências e histórias de vida.
Com o passar dos anos, fui entendendo a frase de
Raul Seixas – a Sociedade Secreta que ninguém conhece não
guarda segredos, mas os templos, que são os manicômios, e
os seus membros, sim. Os chamados “loucos” pela sociedade
58
N E S TA E N A P R Ó X I M A PÁ G I N A
TRABALHOS DE RAPHAEL
DOMINGUES (1912-1979), UM 59
D OS C A M A F E U S D E N I S E DA
S I LV E I R A – C U J A P R O D U Ç Ã O
N O F I N A L DA D ÉC A DA D E 1 94 0
IMPRESSIONOU A CRÍTICA DE
ARTES. RAPHAEL PRODUZIU
SOB A CONDUÇÃO DE ALMIR
M AV I G N I E R E M A R T H A P I R E S,
E M P E R Í O D OS D I S T I N TOS,
E S E U S D E S E N H O S O C U PA M
U M LU G A R D E D E S TAQ U E N A
H I S TÓ R I A DA A RT E B R A S I L E I R A

moderna são verdadeiros mártires da história, pois estão


presos sem ter cometido nenhum crime, confinados em
muralhas físicas e mentais, desprovidos de liberdade e
vivendo em sofrimento constante.
Atualmente, a chamada sociedade moderna vive a era
da depressão. Esta, por sua vez, vem sendo considerada uma
epidemia no planeta, vista como uma dor sem motivo da qual
muitos sofrem e pela qual a vida perde o sentido.
As pessoas que estão inseridas nos padrões de
normalidade não dão credibilidade a um “louco”, pois vivemos
em uma sociedade da estética que teme ter em suas relações
pessoas com distúrbios mentais por medo de sofrer alguma
agressão. Entretanto, conheço muitas histórias de pessoas que,
mesmo com sofrimento mental, conseguiram ser respeitadas,
como alguns artistas e líderes religiosos que em público
expuseram suas vidas com a bipolaridade, a depressão e,
recentemente, com a crise de pânico. Essas atitudes fazem com
que as pessoas mudem seu olhar sobre os chamados “loucos”.
A loucura não tem cura. O paciente é diagnosticado e,
a partir daí, tem duas opções: aceita o tratamento proposto ou
reluta em receber ajuda.
Com o complexo processo da reforma psiquiátrica, temos 60
o início do fechamento de alguns manicômios e o surgimento de
61
uma rede de apoio, os chamados Centros de Atenção Psicossocial
(Caps), espaços dedicados ao atendimento de pessoas com
transtornos mentais, oferecendo atendimento multidisciplinar,
suporte nas crises e várias atividades artísticas com o intuito de
inserir seus pacientes no convívio social.
Como usuário do Caps Itapeva, vejo a necessidade
de buscar novas tecnologias no tratamento e incentivar a
produção artística, único meio capaz de transformar as fases
de euforia em verdadeiras obras de arte e os momentos de
baixa, como a depressão, na criação de músicas e poesias. Se
hoje estou estabilizado, foi graças ao poder da arte.

C A R L O S H E N R I Q U E G A R C I A , C O N H E C I D O C O M O K AY K Y AV R A H A M , N A S C E U E M 1 9 6 9, E M
S Ã O PA U LO, O N D E S E TO R N O U M I L I TA N T E D O M O V I M E N TO DA L U TA A N T I M A N I C O M I A L .
É P I N T O R , A R T I S T A M U LT I M Í D I A E C I N E A S T A , C O M O F I L M E S O C I E D A D E S E C R E T A .
62

63
O POTENCIAL AUTOCURATIVO DA PSIQUE
VERÔNICA PAPOULA MENDES
Nise da Silveira revolucionou os tratamentos
das doenças psíquicas no Brasil no século XX. Na
época em que o estudo da medicina psiquiátrica
disseminava a lobotomia e o eletrochoque, Nise lutou
para que seu método – que envolvia afeto, conforto
emocional e espaço livre –, aliado à expressão
artística, fosse reconhecido como outro caminho a ser
seguido no cuidado com os pacientes.
V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S

No Hospital Psiquiátrico de Engenho


de Dentro, antigo Centro Psiquiátrico Nacional,
no Rio de Janeiro, ela criou em 1946 a Seção de
Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (Stor) e,
por meio de diversas atividades expressivas, foi aos
poucos comprovando que seu trabalho no ateliê de
pintura era um meio de acesso ao mundo interno
| O P OT E N C I A L A U TO C U R AT I VO DA P S I Q U E

do esquizofrênico. As obras produzidas revelam


vivências, traumas dos indivíduos que, ao se expressar,
avançam rumo à cura.
A médica psiquiatra percebeu que, por trás
de cada paciente, havia uma história humana que
justificava sua tormenta mental e que, por serem
autodidatas – nenhum dos “clientes”, como ela
preferia se referir a seus pacientes, teve anteriormente
iniciação nas artes plásticas –, retratavam com
naturalidade o inconsciente. Pelas séries de imagens
produzidas, ela podia verificar a dinâmica do
mundo interno e as transformações emocionais
que aconteciam no inconsciente, acompanhando a
evolução clínica de cada caso.
F OTO S D E A U L A D O AT E L I Ê
AO A R L I V R E . AC I M A E M YG D I O
DE BARROS (1895-1986) EM
PRIMEIRO PLANO; ABAIXO
A D E L I N A G O M E S ( D E CO S TA S ) ,
NISE E UMA ENFERMEIRA

64

65

A S P I N T U R A S D E E M YG D I O D E
BARROS SURPREENDERAM A
C R Í T I C A , R E C E B E N D O E LO G I O S
DE NOMES COMO MÁRIO
PEDROSA (1900-1981): “EM
S U A P I N T U R A N Ã O S E D E N OTA
NEM GROTESCO NEM DELÍRIO
N E M P E S A D E LO, E S I M U M A
F O R Ç A P O É T I C A , U M L I R I S M O,
U M V I G O R M E TA F Í S I C O, U M
HUMOR, UM EXPRESSIONISMO
M O D E R A D O D E V E R DA D E I R O
A R T I S T A” ; E F E R R E I R A G U L L A R
( 1 9 3 0 - 2 0 1 6 ) : “ E M YG D I O D E
B A R R O S É TA LV E Z O Ú N I C O
G Ê N I O D A P I N T U R A B R A S I L E I R A”

ADELINA GOMES, ALÉM DE


E S C U LT U R A S , F L O R E S D E P A P E L
E TRABALHOS EM CROCHÊ,
D E I XO U U M A I M P O R TA N T E
COLEÇÃO DE IMAGENS QUE
R E V E L A M M E TA M O R F O S E S D O
H U M A N O E M V E G E TA L , O U S E U
R E V E R S O, P R E S E N T E E M M I TO S
D E D I V E R S A S C U LT U R A S E
É P O C A S, DA G R ÉC I A A N T I G A À
AMAZÔNIA CONTEMPORÂNEA
A S M A N DA L A S S Ã O U M S Í M B O LO
D E U N I DA D E DA P S I Q U E .
FERNANDO DINIZ (1918-
1 9 9 9 ) , AU TO R DA S M A N DA L A S
R E U N I DA S AQ U I , P RO DU Z I U
T E L A S, D E S E N H O S, TA P E T E S,
M O D E L A G E N S . M E S C L AVA O
F I G U R AT I VO E O A B S T R ATO
EM COMPLEXAS ESTRUTURAS.
E M PA R C E R I A CO M O C I N E A S TA
MARCOS MAGALHÃES (1958),
REALIZOU A ANIMAÇÃO
E S T R E L A D E O I TO P O N TA S
( 1 9 96 ) , P R E M I A DA N OS
F E S T I VA I S D E C I N E M A D E
G R A M A D O E H AVA N A
Psicologia junguiana na América Latina

“A psique que vivia em estado de desorientação


também estava produzindo imagens que buscavam
a unidade, a ordem, como a mandala, que é circular e
se opõe à situação de conflito e de caos. A descoberta
do potencial autocurativo pela psique, que busca o
equilíbrio, foi o ponto de partida de Nise da Silveira para
os estudos e o contato com Carl Gustav Jung”, conta
Luiz Carlos Mello, atual diretor do Museu de Imagens
do Inconsciente (MII), no Rio de Janeiro.
Após Nise enviar uma carta ao renomado 66
psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, em 1954, com
67
as mandalas que os pacientes haviam pintado e
descrevendo sua técnica de terapia ocupacional, teve
início um relacionamento profissional que introduzia
a psicologia junguiana na América Latina.
Ao responder sua carta, Jung diz: “Essas
formas demonstram que a psique perturbada,
fragmentada, possui um potencial reorganizador e
autocurativo que se configura sob a forma de imagens
circulares denominadas mandalas”. Após trocas de
correspondências, a médica brasileira participou do
Congresso Internacional de Psiquiatria em 1957, em
Zurique, a convite do próprio Jung.
A luta antimanicomial

Ao humanizar o tratamento, Nise anteviu


os caminhos da psiquiatria atual. Para Bernardo
Horta, autor da biografia Nise – Arqueóloga dos
Mares, a médica constatava o que Jung afirmava:
“Se para o neurótico – o que seria todos nós, segundo
Freud – o tratamento é por meio da palavra, ou seja,
V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S

a psicanálise, para o esquizofrênico, segundo Jung, a


palavra não dá conta. Para esse paciente, o tratamento
deveria ser pela imagem”, diz.
Com a reforma psiquiátrica no Brasil e o
avanço da medicina e da indústria farmacêutica,
manicômios foram sendo fechados e tratamentos
que visavam à melhora do indivíduo tomaram o lugar
| O P OT E N C I A L A U TO C U R AT I VO DA P S I Q U E

dos de antigamente – mesmo que ainda hoje técnicas


como o eletrochoque sejam utilizadas e consideradas
eficientes em muitos casos de esquizofrenia e
depressão, elas ocupam outro lugar.
Por mais que as pesquisas científicas
alcancem méritos incontestáveis, principalmente
relacionados aos tratamentos da esquizofrenia e da
depressão, ainda não é possível descobrir a cura, mas
sabe-se que liberar experiências reprimidas por meio
da expressão artística é um método eficaz.
Até hoje psiquiatras e cientistas dessa área
tentam decifrar o cérebro e confessam que ainda não
podem precisar nem mesmo a porcentagem exata que
realmente conhecem da mente humana.
68

69

O H O S P I TA L DA P R A I A
VERMELHA, ONDE NISE FOI
D E T I DA D U R A N T E A D I TA D U R A
D O E S TA D O N O VO | A R Q U I VO
CENTRAL DO IPHAN-RJ
Mal-estar contemporâneo

Ao traçar um histórico dos transtornos mentais é


possível dizer que os diagnósticos se alternam em razão, até
mesmo, da evolução da sociedade e da época em que se vive.
Atualmente, a depressão é considerada o mal-estar de ordem
psíquica que faz mais vítimas.
Dados estatísticos da Organização Mundial da Saúde
V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S

(OMS) coletados entre 2005 e 2015 apontam que no Brasil a


depressão atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população),
enquanto o Ministério da Saúde mostra que o índice de
suicídios no país subiu 12% entre 2011 e 2015.
Em períodos de guerra, ficava claro o motivo da
tormenta. Hoje, pode-se justificar os altos índices de
depressão e até suicídios seguindo a lógica de estudiosos
| O P OT E N C I A L A U TO C U R AT I VO DA P S I Q U E

como o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman


(1925-2017): “Viver entre uma multidão de valores, normas
e estilos de vida em competição, sem uma garantia firme
e confiável de estarmos certos, é perigoso e cobra um alto
preço psicológico”.
O estresse e a pressão da sociedade moderna geram no
indivíduo uma angústia e ele busca ajuda nos consultórios de
psicólogos e psiquiatras.
“A grande queixa do paciente que toma medicamento
para a depressão é que ele está bem, sente-se equilibrado e
consegue realizar as tarefas do dia a dia, mas tende a querer
deixar a medicação por não se reconhecer em situações
de trauma. Por exemplo, a aflição em se ver zen diante de
uma situação de morte”, afirma Alfredo Simonetti, médico
psiquiatra e mestre em psicologia clínica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Os próprios médicos assumem que não há como
saber quais são os medicamentos certos para cada pessoa no
tratamento de depressão e outras doenças psíquicas. Então,
inicia-se um processo com medicação e terapia analítica. O
médico vai alternando medicamentos até ouvir do próprio
paciente que ele se sente melhor. Porém, há muitos relatos
de pacientes que melhoram já com a primeira medicação.

PINTURAS DE RAPHAEL 70
D O M I N G U E S P RO DU Z I DA S
N O AT E L I Ê D O E N G E N H O
DE DENTRO 71
P R O D U Ç ÃO D E C A R LO S
P E R T U I S D E 1 9 5 9 N O AT E L I Ê
D O E N G E N H O D E D E N T R O.
ELE FEZ DESENHOS, PINTURAS,
M O D E L AG E N S, X I LO G R AV U R A S
E E SC R I TOS. E M S UA P RO DU Ç ÃO
P I C TÓ R I C A T E M R E L E VO A
EXPERIÊNCIA MÍSTICA DO
S A G R A D O, Q U E P E R M E I A TO DA
A H I S TÓ R I A H U M A N A
V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S
| O P OT E N C I A L A U TO C U R AT I VO DA P S I Q U E
Esquizofrenia e depressão

É importante dizer que existe diferença entre esquizofrenia e


depressão, apesar de ambas serem transtornos mentais: a depressão
não apresenta alucinações e delírios, e o paciente pode conviver
pacificamente em sociedade; assim como o esquizofrênico – quando
não apresenta surtos. Os medicamentos também podem ser diferentes.
“A esquizofrenia é uma doença de evolução crônica
caracterizada por sintomas classificados em positivos (alucinações
e delírios) e negativos (embotamento afetivo e pobreza no discurso).
A esquizofrenia normalmente é tratada com medicamentos
inibidores das funções psicomotoras, que podem encontrar-se
aumentadas em estados, por exemplo, de excitação e de agitação.
Paralelamente, eles atenuam também os sintomas neuropsíquicos
considerados psicóticos, como os delírios e as alucinações. O 72
paciente esquizofrênico irá conviver com a doença durante toda
73
a vida”, afirma Durval Mazzei, psiquiatra, psicanalista, mestre em
psiquiatria pelo Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) e
autor dos livros Psicanálise e Medicina e Toxicomanias.
Já a depressão tem graus, de moderado a grave, e o paciente
com tratamento medicamentoso e acompanhamento psicanalítico
pode vir a se recuperar e não precisar tomar a medicação para o resto
da vida. Os diagnósticos também são feitos por base comparativa,
porém aliados aos relatos de melhora dos pacientes. “Às vezes, uma
perda emocional pode desencadear um estado depressivo e a pessoa
precisa usar a medicação durante um tempo. Agora, se o paciente
tiver muitos episódios de depressão durante a vida, talvez ele tenha
de tomar o medicamento por mais tempo, ou até fazer a troca
ou o uso concomitante com outros”, conclui o psiquiatra.

V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S É J O R N A L I S TA . AT U A N A S Á R E A S D E S A Ú D E , E D U C AÇ ÃO,
C U LT U R A E C O R P O R A T I V A .
ARTE, NECESSIDADE VITAL 74

& ARTE, FLUIDO VITAL 75


MICHELLE SOMMER
Arte, necessidade vital & arte, fluido vital. Mais de 70 anos
unem e separam essas duas frases. Ainda que a convergência de ambas
tenha como âncora o Museu de Imagens do Inconsciente (MII); no
arco temporal entre 1947 e 2017, lá e cá, os estados contextuais das
produções artísticas modernas e contemporâneas são distintos.

Arte, Necessidade Vital é o título da conferência


pronunciada por Mário Pedrosa (1900-1981) na ocasião
do encerramento da exposição de pintura dos pacientes do
Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, realizada em
1947, no salão do Ministério de Educação e Saúde, no Rio de
MICHELLE SOMMER

Janeiro, e publicada no mês seguinte no jornal Correio da


Manhã. “Arte, fluido vital” é uma frase dita por um cliente
– para utilizar o termo de Nise da Silveira (1905-1999) ao
referir-se aos pacientes do hospital – que escutei enquanto
uma tela era pintada entre os corredores adjacentes da
|A R T E , N E C E S S I DA D E V I TA L & A R T E , F LU I D O V I TA L

exposição Museu Vivo, em cartaz no MII, em setembro de


2017, para comemorar os 70 anos dos ateliês do museu, suas
principais coleções e a produção atual.
Lá, em 1947, no contexto do moderno, Mário Pedrosa
impulsionou a discussão para uma arte não reduzida a um
fato histórico submetido a adaptações e distorções temporais,
mas expandida a uma “necessidade vital” que residiria na
condição absoluta de todo ser vivo. Naquilo que designou
como “arte virgem” – na qual incorporou a arte das crianças, a
arte dos pacientes psiquiátricos e a arte popular – estaria uma
produção duplamente avessa: tanto às operações industriais
capitalistas que restringiriam os artistas à condição de
“bichos-da-seda da produção em massa” quanto às vertentes
tradicionais plásticas modernas.
I M AG E N S DA E X P OS I Ç ÃO
N OV E A R T I S TA S D E
ENGENHO DE DENTRO NO
MUSEU DE ARTE MODERNA
D E S Ã O PA U LO, E M 1 9 4 9

76

77
“A atividade artística é uma coisa que não depende,
pois, de leis estratificadas, frutos da experiência de apenas
uma época na história da evolução da arte. Essa atividade
se estende a todos os seres humanos, e não é mais ocupação
exclusiva de uma confraria especializada que exige diploma
para nela se ter acesso. A vontade de arte se manifesta
em qualquer homem de nossa terra, independente do seu
meridiano, seja ele papua ou cafuzo, brasileiro ou russo,
negro ou amarelo, letrado ou iletrado, equilibrado ou
desequilibrado.” Mário Pedrosa, 1947
MICHELLE SOMMER

“Que é a arte, afinal, do ponto de vista emotivo,


senão a linguagem das forças inconscientes que atuam
dentro de nós?” Mário Pedrosa, 1947
|A R T E , N E C E S S I DA D E V I TA L & A R T E , F LU I D O V I TA L

A potência subjetiva individual livre da produção


artística do hospital psiquiátrico sugeria uma capacidade
comum de criatividade. Mário Pedrosa reivindicou a
inclusão de uma perspectiva afetiva no mundo encantado das
formas, pautada pela descoberta do inconsciente e ausente
de barreiras impostas pelas confrarias acadêmicas com seus
esforços intelectualizantes. Nas tentativas de inscrição da
arte com a minúsculo, a abertura para o desvio da produção
artística do Museu de Imagens do Inconsciente é um impulso
para a incorporação de uma linha de fuga arejada que
desafiava as definições normativas de subjetividade ante
a sufocada tradição moderna.
No domínio da tradição moderna desse período
estão o formalismo, a técnica e a plasticidade, entre as
definidas categorias de pintura e escultura, como critérios de
julgamento de qualidade estética, então envoltas no debate
entre abstração e figuração. As peculiaridades na configuração
do Museu de Imagens do Inconsciente geraram um cenário
profícuo para contaminações entre lugares de produção
artística que se deu com a aproximação regular de artistas à
produção regular de clientes, então internos em um ambiente
confinado intramuros – uma aproximação que, quase
simultaneamente, se expandiu à crítica.
Os afetos catalisadores das produções artísticas
estavam concentrados ali e geraram influências mútuas
entre artistas como Mavignier, Serpa, Palatnik e Pape, para
citar alguns, e clientes como Raphael, Emygdio, Adelina,
Carlos e Fernando. Acionou-se uma interlocução ativa 78
entre as passagens de Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, León
79
Degand, Murilo Mendes, Albert Camus, Carl Jung, e daí
surgiram também textos críticos que foram imediatamente
produzidos e disseminados em periódicos com amplo
domínio público. Os impulsos de expressão, manifestados
como uma vontade de configuração comum a todos, seja
no domínio consciente ou no inconsciente, estavam
contaminados e tomaram forma no moderno.
Nesse cenário, tanto a produção artística do Museu de
Imagens do Inconsciente quanto a exposição pública desses
trabalhos em espaços institucionais – então em formação
no país – impõem descontinuidades na formulação sobre
o entendimento de modernismo estético no Brasil em seu
âmbito tradicional. E esse desvio singular se torna parte
integrante da historiografia da arte moderna brasileira.
DESENHO DE RAPHAEL
DOMINGUES E PINTURA DE
C A R LO S P E R T U I S, D E S TAQ U E S
DA P RO DU Ç ÃO D O F I N A L D OS
A N O S 1 94 0 D O S AT E L I Ê S D E
ENGENHO DE DENTRO

80

81
Em 2017, a situação mudou, os tempos são outros.
No Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, no Museu
de Imagens do Inconsciente, está a exposição Museu Vivo,
que “procura manter a preciosa base estrutural humanística
legada pela mestra”, como se lê no texto curatorial. E, de fato,
a mantém, por meio dos esforços de uma pequena equipe
que luta para assegurar que os ateliês terapêuticos sigam em
funcionamento do setor de ensino, pesquisa e divulgação
em atividade e da reserva técnica com 360 mil obras em
conservação em condições de qualidade.
MICHELLE SOMMER
|A R T E , N E C E S S I DA D E V I TA L & A R T E , F LU I D O V I TA L

I M AG E M DA E X P O S I Ç ÃO M U S E U
V I V O , N O M U S E U D E I M AG E N S D O
I N CO N S C I E N T E ( M I I ) , E M 2 01 7 |
LU C I A N O B O G A D O / I TA Ú C U LT U R A L
A reforma psiquiátrica consolidou-se e, mesmo com
todos os seus poréns, constituiu um passo essencial para a
garantia dos direitos humanos e a cidadania das pessoas com
transtornos mentais. Hoje, no sistema aberto, as internações
de Engenho de Dentro são pontuais e os 52 clientes regulares
estão, também, no espaço extramuros, não isolados, mas em
contaminação com as influências e as referências do mundo.
Neste contexto do agora, em 2017, a frase “Arte,
fluido vital” ecoa entre as paredes do Museu de Imagens do
Inconsciente como marca do contemporâneo, fluido, como
as substâncias que apresentam a capacidade de escoar. E
na fluidez do contemporâneo está, também, a dispersão.
No tempo do hoje, os afetos catalisadores do MII – artistas,
críticos, pensadores e clientes – estão distribuídos, 82
irregularmente espalhados pelo mundo, alguns entre
83
produções contemporâneas conceituais e discursivas, entre
o embaralhamento de categorias artísticas que estão agora
expandidas a proposições.
No contemporâneo, a ênfase reside no sujeito-
produtor de conteúdo. E esse sujeito – tão esquecido entre
a aceleração capitalista e a crise que se tornou um modo
de viver –, seja ele mais ou menos consciente, artista ou
não, está em todos os lugares. E esse sujeito está também
lá, no Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, entre
Manoel, Vagner, José, Jonathan, Anita, Sérgio, Francisco,
com suas produções ora com qualidades estéticas pontuais,
ora não. Entre todos os sujeitos, na economia e na política
dos cuidados, luta-se, sobretudo e ainda, pela inclusão de
perspectivas afetivas não discriminatórias.
PINTURA DE VILMA QUEIROZ
FIGUEIREDO E DESENHOS
DE FRANCISCO NORONHA,
D E S TAQ U E S DA P R O D U Ç ÃO
CONTEMPORÂNEA DO MII
MICHELLE SOMMER
|A R T E , N E C E S S I DA D E V I TA L & A R T E , F LU I D O V I TA L
Se o problema da criação segue sendo libertar os
criadores – independentemente dos endereçamentos “para”, 84
com suas finalidades específicas –, no entendimento da arte
85
como campo de ação temos ao menos uma direção a ser
seguida, entre tantas direções possíveis não excludentes. Um
caminho que foi plantado lá, há mais de 70 anos: a construção
de um sentido mais amplo para além do “campo” da arte posto;
rumando à expansão das bordas e à derrubada de barreiras
para a libertação dos sujeitos; todos os sujeitos.

M I C H E L L E SO M M E R É P ÓS - D O U TO R A N DA E M L I N G UAG E N S V I S UA I S [ P RO G R A M A D E P ÓS -
G R A DUAÇ ÃO E M A RT E S V I S UA I S DA E SCO L A D E B E L A S A RT E S DA U N I V E R S I DA D E F E D E R A L
D O R I O D E J A N E I R O ( P P G AV/ E B A / U F R J ) ] , D O U TO R A E M H I S TÓ R I A , T EO R I A E C R Í T I C A
D E A R T E [ P P G AV DA U N I V E R S I DA D E F E D E R A L D O R I O G R A N D E D O S U L ( U F R G S ) ] , CO M
E S TÁG I O D O U TO R A L P E L A U N I V E R S I T Y O F A R T S LO N D O N / C E N T R A L S A I N T M A R T I N S,
M E S T R A E M P L A N E JA M E N TO U R B A N O E R EG I O N A L [ P RO G R A M A D E P ÓS - G R A DUAÇ ÃO E M
P L A N E J A M E N T O U R B A N O E R E G I O N A L ( P R O P U R ) D A U F R G S ] N A Á R E A D E C I D A D E , C U LT U R A
E P O L Í T I C A , E A R Q U I T E TA E U R B A N I S TA [ P O N T I F Í C I A U N I V E R S I DA D E C ATÓ L I C A D O R I O
GRANDE DO SUL (PUC/RS)].
Nise da Silveira rejeitava a palavra paciente
em relação aos internos dos hospitais psiquiátricos.
Ela determinava o uso de clientes para reforçar a
relação de troca, mas preferia sempre se referir a
eles pelos nomes. Cada pessoa é um universo. São
muitas as histórias de reações severas da doutora
quando ouvia alguém se referir a seus clientes como
pacientes. Em uma entrevista, retrucou: “Paciente!
Que coisa ruim. Paciente é uma coisa passiva. Que se
trabalha em cima. Não chamo ninguém de paciente.
Considero o maior insulto do mundo”.

Para encerrar esta publicação, convidamos


os clientes da Seção de Terapêutica Ocupacional 86
e Reabilitação (Stor), do Museu de Imagens do
Inconsciente (MII), para criar homenagens a Nise 87

em uma sessão de outubro de 2017. O resultado


ilustra as próximas páginas.

HOMENAGENS A NISE

Carta 1 Jucineia Anjos da Silva


Selo e desenho de fundo verde Manoel Godinho
Pinturas Marcel Cândido
Carta 2 Cátia Machado
Gato Verônica Almeida Lappa
88

89
90

91
92

93
94

95
96

97
P E S Q U I S A , CO N C E P Ç ÃO, C U R A D O R I A E R E A L I Z AÇ ÃO
L U I Z C A R L O S M E L L O E I T A Ú C U LT U R A L
P ROJ E TO E X P O G R Á F I CO
C L A U D I A A F O N S O E VÂ N I A M E D E I R O S
P ROJ E TO D E I LU M I N AÇ ÃO
GRISSEL PIGUILLEM
C O N S U LT O R I A
G L A DYS SC H I N C A R I O L E P R I SC I L L A M O R E T
PESQUISADORES
G A B R I E L L A R O D R I G U E S, M A R CO S F LO R E N C E M A R T I N S S A N TO S, M A R I A N A S G A R I O N I
E SO L A N G E SA N TOS ( T E RC E I R I Z A D OS )
P ROJ E TO D E AC E S S I B I L I DA D E
ARIANA CHEDIAK E MUSEUS ACESSÍVEIS ( TERCEIRIZADOS)

I T A Ú C U LT U R A L

PRESIDENTE
MILÚ VILLELA
D I R E TO R-S U P E R I N T E N D E N T E
EDUARDO SARON
S U P E R I N T E N D E N T E A D M I N I S T R AT I VO
S É R G I O M . M I YA Z A K I

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO

GERÊNCIA
A N A D E FÁT I M A S O U S A
FICHA TÉCNICA

COORDENAÇÃO DE CONTEÚDO
C A R LO S CO S TA
PRODUÇÃO E EDIÇÃO DE CONTEÚDO E EDIÇÃO DO SITE
A M A N DA R I G A M O N T I , D U A N N E R I B E I R O E M A R I A C L A R A M ATO S
REDES SOCIAIS
R E N ATO CO R C H
SUPERVISÃO DE REVISÃO
P O LYA N A L I M A
TRADUÇÃO DE FAC-SÍMILES
ADÉLAÏDE CAILLAUD
REVISÃO DE TEXTO
C I Ç A CO R R Ê A E R AC H E L R E I S ( T E RC E I R I Z A DA S )
DIREÇÃO DE ARTE
JADER ROSA
COMUNICAÇÃO VISUAL
A R T H U R C O S TA , L U C I A N A O R VAT ( T E R C E I R I Z A DA ) E YO S H I H A R U A R A K A K I
PRODUÇÃO EDITORIAL
BRUNA GUERREIRO
E D I Ç ÃO D E F OTO G R A F I A E C A P TAÇ ÃO D E I M AG E N S
ANDRÉ SEITI

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO

GERÊNCIA
VA L É R I A TO LO I
CO O R D E N AÇ ÃO D E P ROJ E TOS E S P EC I A I S
TAY N Á M E N E Z E S
CO O R D E N AÇ ÃO D E AT E N D I M E N TO E F O R M AÇ ÃO
SAMARA FERREIRA
EQUIPE
A M A N DA F R E I TA S , C A R O L I N E FA R O, E D S O N B I S M A R K ( E S TA G I Á R I O) , E DVA L D O C A R M O
D O S S A N TO S, E L I S S A S A N I TÁ ( E S TAG I Á R I A ) , G A B R I E L A L I M A ( E S TAG I Á R I A ) , J U L I A N A
C R I S T I N A N A S C I M E N TO ( E S TAG I Á R I A ) , K A L I A N E M I R A N DA ( E S TAG I Á R I A ) , L I V I A M O R A E S
( E S TAG I Á R I A ) , LU I S A S A AV E D R A , M A R I A LU I S A R A M I R E Z , M A R I A N E S O U Z A ( E S TAG I Á R I A ) ,
PA M E L A M E Z A D I ( E S TAG I Á R I A ) , R A P H A E L G I A N N I N I , R E N A N J O R DA N ( E S TAG I Á R I O) , S I D N E I
J U N I O R , T H AY S H E L E N O, T H I A G O B O R A Z A N I A N , V I C TO R S O R I A N O E V I N Í C I U S M A G N U N
N Ú C L EO D E A U D I OV I S U A L E L I T E R AT U R A

GERÊNCIA
CLAUDINEY FERREIRA
COORDENAÇÃO
KETY FERNANDES NASSAR
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL
CAMILA FINK
ROTEIRO
KARINA FOGAÇA
C A P TAÇ ÃO E E D I Ç ÃO
LU C A S B A S S OTO ( E S TAG I Á R I O) E K A R I N A F O G AÇ A
C A P TAÇ ÃO D E I M AG E N S
SAC I SA M B A ( T E RC E I R I Z A DA )
SOM DIRETO
TO M Á S F R A N CO ( T E RC E I R I Z A D O)

NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE EVENTOS

GERÊNCIA
H E N R I Q U E I D O E TA S OA R E S
COORDENAÇÃO
VINÍCIUS RAMOS
PRODUÇÃO
A G E N O R N E TO ( T E R C E I R I Z A D O) , C R I S T I A N E Z A G O, É R I C A P E D R O S A , I S A B E L A B E V I L A C Q U A
( T E R C E I R I Z A DA ) , WA N D E R L E Y B I S P O E W E L L I N G TO N R O D R I G U E S ( E S TAG I Á R I O)

AGRADECIMENTOS
98
A L E X A N D R E M A G A L H Ã E S DA S I LV E I R A
B E R N A R D O C A R N E I R O H O R TA
C A S A DA S PA L M E I R A S
99
D U LC E C H AV E S PA N D O L F I
E D G A R D D E A S S I S C A R VA L H O
E D S O N PA S S E T T I
E S T H E R P E T E R- M Ü L L E R ( H B Z M E D I Z I N C A R E U M – U N I V E R S I TÄT Z Ü R I C H )
J Ö R G Z E M P ( W I S S E N S C H A F T L I C H E B I B L I OT H E K – P S YC H I AT R I S C H E
U N I V E R S I TÄT S K L I N I K Z Ü R I C H )
MARCO LUCCHESI
MARTHA PIRES
MUSEU DE IMAGENS DO INCONSCIENTE
NINA GALANTERNICK
SEBASTIÃO BARBOSA
SO C I E DA D E A M I G OS D O M U S E U D E I M AG E N S D O I N CO N SC I E N T E
T H O M A S F I S C H E R ( F O U N DAT I O N O F T H E W O R K S O F C .G . J U N G , Z U R I C H )
U R S U L A R E I S ( H B Z M E D I Z I N C A R E U M – U N I V E R S I TÄT Z Ü R I C H )
VILMA ARÊAS
Y V O N N E V O E G E L I ( F O U N DAT I O N O F T H E W O R K S O F C .G . J U N G , Z U R I C H )

O I T A Ú C U LT U R A L R E A L I Z O U T O D O S O S E S F O R Ç O S P A R A E N C O N T R A R O S D E T E N T O R E S
D OS D I R E I TOS AU TO R A I S I N C I D E N T E S SO B R E A S I M AG E N S / O B R A S F OTO G R Á F I C A S AQ U I
P U B L I C A DA S, A L É M DA S P E S S OA S F OTO G R A FA DA S. C A S O A LG U É M S E R ECO N H EÇ A O U
I D E N T I F I Q U E A LG U M R E G I S T R O D E S U A A U TO R I A , S O L I C I TA M O S O CO N TATO P E LO E- M A I L
A T E N D I M E N T O @ I T A U C U LT U R A L . O R G . B R .
SÁB 25 NOV 2017 A DOM 28 JAN 2018

T E R A S E X 9 H À S 2 0 H [ P E R M A N Ê N C I A AT É A S 2 0 H 3 0 ]
SÁB, DOM E FERIADO 11H ÀS 20H

P I S O S T É R R E O E 1 | # O C U PA C A O N I S E | E N T R A DA G R AT U I TA

C E N T R O D E M E M Ó R I A , D O C U M E N T A Ç Ã O E R E F E R Ê N C I A I T A Ú C U LT U R A L
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O C U P A Ç Ã O N I S E D A S I L V E I R A / O R G A N I Z A Ç Ã O I T A Ú C U LT U R A L .
S Ã O P A U L O : I T A Ú C U LT U R A L , 2 0 1 7 .
1 0 0 P. : I L . ; 1 4 , 8 X 2 1 C M .

ISBN 978-85-7979-100-0

1. S I LV E I R A , N I S E DA . 2 . P S I Q U I AT R I A . 3 . C U R A D O R I A . 4 . LO U C U R A . 5 . T E R A P I A
O C U PAC I O N A L . 6 . M U L H E R . 7. E X P O S I Ç ÃO D E A R T E – C ATÁ LO G O
I . I N S T I T U T O I T A Ú C U LT U R A L . I I . T Í T U L O .
CDD 615.85156
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