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Nigel Brooke (Org.

Marcos Históricos na
Reforma da Educação

Belo Horizonte
2012
Todos os direitos reservados à
Fino Traço Editora Ltda.
© Nigel Brooke

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M276

Marcos históricos na reforma da educação / Nigel Brooke (organizador). - 1.ed. -


Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2012.
520p. (Edvcere ; 19)

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8054-054-3

1. Educação - História. 2. Educação comparada. 3. Educação - Aspectos políticos. 4.


Reforma do ensino. I. Brooke, Nigel. II. Série.

12-3564. CDD: 370.9


CDU: 37(09)

29.05.12 11.06.12 035959

conselho editorial
Coleção EDVCERE

Diana Gonçalves Vidal | USP


José Gonçalves Gondra |UERJ
Maurilane de Souza Biccas | USP
Luciano Mendes de Faria Filho | UFMG
Vera Regina Beltrão Marques | UFPR

Fino Traço Editora Ltda.


Rua dos Caetés, 530 sala 1113 – Centro
Belo Horizonte. MG. Brasil
Telefax: (31) 3212 9444
www.finotracoeditora.com.br
Sumário

Introdução........................................................................................................11

Seção 1: Reformas curriculares da Guerra Fria......................................21


Leitura 1 − Do Sputnik à Era de Ouro, 1957-1968
Fundação Nacional de Ciências.......................................................................26
Leitura 2 − O programa de aperfeiçoamento do conteúdo do ensino
Fundação Nacional de Ciências.......................................................................29
Leitura 3 − Manifesto dos educadores democratas em defesa do Ensino Público (1959)
Manifesto ao Povo e ao Governo....................................................................32
Leitura 4 − Ciência, educação e sociedade: o caso do Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e cultura (IBECC) e da Fundação Brasileira de Ensino de Ciências (FUNBEC)
Antonio Carlos Souza de Abrantes..........................................................................35
Leitura 5 − Aumentado a escala das boas práticas educacionais
Richard Elmore............................................................................................41
Leitura 6 − As mudanças “de dentro para fora” e “de fora para dentro”: lições
dos paradigmas de aperfeiçoamento escolar do passado e do presente (1a parte)
Emily Calhoun e Bruce Joyce............................................................................45
Referências Bibliográficas (Seção 1)...................................................................51

Seção 2: O Impacto da Teoria do Capital Humano........................................55


Leitura 1 − Investimento em Capital Humano
Theodore W. Schultz......................................................................................61
Leitura 2 − A revolução do Capital Humano no Desenvolvimento Econômico: sua
história e status atual
Irvin Sobel..................................................................................................68
Leitura 3 − Documento de trabalho do setor educacional
Banco Mundial............................................................................................77
Leitura 4 − Trabalho, educação e desenvolvimento
Manuel Zymelman.......................................................................................85
Leitura 5 − Diversificação do Ensino Médio na América Latina: o caso do Brasil
Nigel Brooke......................................................................................................89
Leitura 6 − A falácia da escola profissionalizante no planejamento do desenvolvimento
Philip J. Foster............................................................................................101
Leitura 7 − A análise da demanda por força de trabalho
George Psacharopoulos e Maureen Woodhall.........................................................105
Referências Bibliográficas (Seção 2).................................................................108

Seção 3: Reformas revolucionárias..........................................................113


Leitura 1 − Educação e transição social no terceiro mundo
Martin Carnoy e Joel Samoff................................................................................118
Leitura 2 − A reforma educacional peruana
Judithe Bizot....................................................................................................124
Leitura 3 − A educação como um campo de disputa na Nicarágua
Robert F. Arnove................................................................................................134
Leitura 4 − A vantagem acadêmica de Cuba
Martin Carnoy..................................................................................................138

Referências Bibliográficas (Seção 3)............................................................142

Seção 4: Uma nação em risco.....................................................................143


Leitura 1 − Uma nação em risco: o imperativo de uma reforma educacional
Comissão Nacional para a Excelência em Educação...............................................149
Leitura 2 − A primeira onda de responsabilização
Thomas S. Dee.................................................................................................157
Leitura 3 − A política e a prática da responsabilização
Martin R. West e Paul E. Peterson..........................................................................163
Leitura 4 − Os testes high-stakes podem alavancar melhorias educacionais?
Jonathan Supowitz ..........................................................................................166
Leitura 5 − Cumprindo a promessa da reforma baseada em padrões
The Hunt Institute.............................................................................................176
Leitura 6 − Sistemas educacionais baseados em desempenho, metas de qualidade
e a remuneração de professores: os casos de Pernambuco e São Paulo
Cláudio Ferraz.................................................................................................184
Referências Bibliográficas (Seção 4).................................................................193

Seção 5: Racionalidade econômica.........................................................201


Leitura 1 − O papel do governo na educação
Milton Friedman..............................................................................................209
Leitura 2 − A Reforma da Educação chilena: contexto, conteúdos, implantação
Cristian Cox....................................................................................................217
Leitura 3 − Escolha da escola no Chile: duas décadas de reforma educacional
Patrick J. McEwan............................................................................................219
Leitura 4 − Escolas charter: aprendendo com o passado, planejando para o futuro
Lea Hubbard e Rucheeta Kulkarni........................................................................222
Leitura 5 − As escolas charter estão fazendo a diferença?
Rand Education...............................................................................................228
Leitura 6 − A melhoria da educação na América Latina: e agora, para onde vamos?
Martin Carnoy e Claudio de Moura Castro..............................................................231
Leitura 7 − Os efeitos da descentralização do sistema educacional sobre a qualidade
da educação na América Latina
Donald R. Winkler e Alec Ian Gershberg.................................................................241
Leitura 8 − Financiamento da educação: gestão democrática dos recursos
financeiros públicos em educação
José Carlos de Araújo Melchior.............................................................................249
Leitura 9 − A municipalização cumpriu suas promessas de democratização da
gestão educacional? Um balanço crítico
Romualdo Portela de Oliveira.............................................................................253
Referências Bibliográficas (Seção 5).................................................................260

Seção 6: Crise cultural.............................................................................267


Leitura 1 − A virada à direita: a revolução conservadora na educação
Ken Jones.........................................................................................................276
Leitura 2 − Os documentos negros sobre a educação: introdução
C.B. Cox e A.E. Dyson.........................................................................................286
Leitura 3 − A ameaça igualitária
Angus Maude...................................................................................................294
Leitura 4 − O currículo nacional
Denis Lawton e Clyde Chitty................................................................................298
Leitura 5 − O Currículo Nacional: uma perspectiva histórica
Richard Aldrich...............................................................................................302
Leitura 6 − A mudança na governança da educação
Stewart Ranson ...............................................................................................306
Leitura 7 − O legado da Lei de Reforma da Educação (Education Reform Act − ERA):
a privatização do ensino e a política de efeito catraca
Stephen J. Ball................................................................................................312
Referências Bibliográficas (Seção 6).................................................................321
Seção 7: A reforma educacional no mundo globalizado................................325
Leitura 1 − Reformas educativas na América Latina: balanço de uma década
Marcela Gajardo..............................................................................................333
Leitura 2 − Reformas da educação pública: democratização, modernização,
neoliberalismo
Licínio C. Lima e Almerindo Janela Afonso .......................................................339
Leitura 3 − A construção social das políticas educacionais no Brasil e na América
Latina
Nora Krawczyk.................................................................................................347
Leitura 4 − Mundialização e reforma na educação: o que os planejadores devem
saber
Martin Carnoy..................................................................................................350
Leitura 5 − Globalização e reformas educacionais em democracias anglo-americanas
Scott Davies e Neil Guppy....................................................................................354
Leitura 6 − Prescrevendo as políticas nacionais de educação: o papel das
organizações internacionais
Connie L. McNeely,............................................................................................365
Leitura 7 − As políticas do Banco Mundial: se correr, o bicho pega, se ficar o
bicho come
Cláudio de Moura Castro....................................................................................371
Leitura 8 − Currículos escolares e suas orientações sobre história, sociedade e
política: significados para a coesão social na América Latina
Cristian Cox, Robinson Lira e Renato Gazmuri........................................................377
Referências Bibliográficas (Seção 7).................................................................385

Seção 8: Equidade..................................................................................393
Leitura 1 − A guerra johnsoniana contra a pobreza: programas federais em favor
dos pobres nos anos 60
Francesco Cordasco..........................................................................................399
Leitura 2 − Políticas educacionais e equidade: revendo conceitos
Silvia Peixoto de Lima e Margarita Victoria Rodríguez.............................................403
Leitura 3 − O Programa das 900 Escolas e as escolas críticas no Chile: duas
experiências de discriminação positiva
Juan Eduardo García-Huidobro S.....................................................................407
Leitura 4 − Como anda a Reforma da Educação na América Latina?
Claudio de Moura Castro e Martin Carnoy..............................................................416
Leitura 5 − FUNDEF: corrigindo distorções históricas
Ulysses Cidade Semeghini..................................................................................418
Leitura 6 − Singular ou plural? Eis a escola em questão!
Angela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben.......................................................429
Leitura 7 − Vinte anos de progresso? A política educacional inglesa de 1988 até
o presente
Geoff Whitty.....................................................................................................432
Referências Bibliográficas (Seção 8).................................................................439

Seção 9: A implementação de reformas em larga escala................................443


Leitura 1 − A avaliação da mudança educacional
Seymour B. Sarason..........................................................................................451
Leitura 2 − Resolução de problemas educacionais: teoria e realidade da inovação
em países em desenvolvimento
R. G. Havelock e A. M. Huberman..........................................................................457
Leitura 3 − Políticas de reforma educacional: comparação ente países
Robert R. Kaufman e Joan M. Nelson ................................................................464
Leitura 4 − Pesquisando a implementação das políticas educacionais: uma
abordagem de mapeamento reverso
Caroline Dyer..................................................................................................472
Leitura 5 − Aumentado a escala das boas práticas educacionais
Richard F. Elmore.............................................................................................479
Leitura 6 − As mudanças “de dentro para fora” e “de fora para dentro”: lições
dos paradigmas da melhoria escolar do passado e do presente (2a parte)
Emily Calhoun e Bruce Joyce...............................................................................486
Leitura 7 − Tensões e perspectivas para o campo da “melhoria escolar”
David Hopkins.................................................................................................491
Leitura 8 − As reformas de larga escala atingem a maioridade
Michael Fullan................................................................................................594
Leitura 9 − Uma década de mudança educacional e um momento definidor de
oportunidades − uma introdução
Andy Hargreaves..............................................................................................504
Referências Bibliográficas (Seção 9) ................................................................512
Introdução

O presente livro é um estudo em educação comparada, com ênfase em po-


lítica educacional. Adota também uma dimensão histórica, o que permite traçar
a evolução das principais ideias por trás das reformas educacionais das últimas
cinco ou seis décadas que mudaram a forma de pensar a educação, incluindo no
nosso continente. Para essa finalidade, as diferentes seções do livro tentam captar
a essência dessas reformas nas suas formulações originais, assim como os formatos
adotados ao serem implementadas fora dos seus lugares de origem.
O estudo das mesmas políticas em contextos ou países diferentes não repre-
senta nenhuma novidade propriamente dita. Há muito tempo que os estudiosos
da educação comparada examinam a transferência de políticas de um contexto
para outro através das correntes globalizadas da moda educacional e tentam medir
os efeitos dessas mesmas políticas nos diferentes contextos em que se instalam
(McNeely, 1995). Ou seja, as formas e mecanismos da transferência são temas
recorrentes no campo da pesquisa comparada e diversas das leituras que com-
põem o livro mencionarão as principais instituições envolvidas nesse processo e
as agendas por elas perseguidas.
Talvez menos comum pelos cânones da educação comparada, seja a dimensão
histórica deste estudo que coloca a ênfase nas ideias e suas origens, e a vontade de
entender como elas permeiam o nosso debate educacional sem que se saiba, muitas
vezes, qual foi a sua procedência ou as condições precisas de sua formulação. As
nossas instituições são produtos da história e o sistema educacional, talvez até mais
do que outros, contém a memória dessa herança multinacional. Não faz mal tentar
identificar os recantos do sistema que, como os resquícios de uma arquitetura já
superada, ainda nos conduzem por certos caminhos e não por outros.
Ao mesmo tempo, a história tem sua própria justificativa. Cada período de
reforma educacional tem sua razão e, para os que gostam, há uma satisfação na
identificação das raízes e dos interesses que colaboraram na formulação das polí-
ticas que deram sua identidade à reforma. Nesse caso, não são as consequências
das reformas nem suas trajetórias internacionais que justificam sua inclusão, mas
sim a sua importância como ponto de virada na história geral do pensamento
educacional.
Daí a necessidade de definir o que queremos dizer com reforma educacio-
nal. O problema é que o termo “reforma educacional” pode ser empregado para
organizar quase tudo o que já se escreveu sobre a história da educação. Quando
entendido no sentido de uma mudança na política educacional para corrigir rumos
ou abrir alternativas, observa-se uma multiplicidade tão grande de enfoques e de
casos que não haveria como criar uma organização que desse conta de tal varie-
dade. O que se chama de reforma nesses casos é determinado pela percepção do

11
problema a ser resolvido e pelo movimento na direção da sua solução (Method,
1974). A decisão de reformar pode ser a decisão de expandir a cobertura ou
de reduzi-la, de melhorar os livros textos ou de acabar com eles, de melhorar as
instituições existentes ou de substituí-las, de introduzir novas tecnologias ou de
enfatizar as já existentes.
Outra constatação é que muitas vezes o termo reforma é empregado pelos
responsáveis exclusivamente para atribuir importância à mudança pretendida, com
base na percepção de que chamá-la apenas de “mudança” ou “inovação” fosse
diminuir o prestígio do empreendimento e enfraquecer o apoio necessário para sua
implementação. E como a maioria das mudanças é fruto de cálculos políticos, não
é de se surpreender que os responsáveis queiram atribuir o máximo de prestígio
a cada novo conjunto de diretrizes educacionais.
Às vezes o termo só tem sentido quando atribuído a um número significativo
de mudanças numa determinada região, como no caso da “Reforma Educacional
na América Latina”, ou num determinado período de tempo, como na “Reforma
Educacional dos Anos 90”. Nesses casos o que se procura são as semelhanças em
termo das ideias condutoras das reformas, pressupondo que há uma identidade
comum de geração, evitando, assim, se perder nos detalhes de cada contexto.
Compartilho dessa preocupação de não entrar demais nos detalhes das reformas,
mas de buscar o espírito do momento da sua formulação e os seus objetivos mais
amplos. Com isso, as reformas escolhidas para esta discussão acabam sendo
os movimentos de maior envergadura, como as reformas neoliberais da era da
globalização da década de 1990, que ninguém excluiria mesmo de uma história
breve das ideias educacionais mundiais.
Às vezes são feitas distinções mais teóricas. Uma delas é a diferença entre
a reforma estrutural e a reforma técnica (Simmons, 1980). No primeiro caso a
reforma mira mudanças significativas na própria organização da sociedade. Na
América Latina são vários os exemplos que refletem a esperança de acoplar a
educação aos esforços de criação do homem novo em preparação à sociedade
socialista que já estava em formação. No segundo caso, a reforma pode ser pro-
funda no seu impacto no sistema, mas como não visa uma alteração significativa
na distribuição de poder ou no sistema de produção, pode acabar sendo chamada
de inovação, ao invés de reforma.
Acho essa distinção um exagero. Estou a favor de incluir todas as mudanças
marcantes como reformas, independente do seu impacto estrutural. A definição de
reforma deve incluir a ideia de uma mudança planejada de envergadura maior, a
partir de uma crítica ou insatisfação em relação à forma ou à estrutura de funcio-
namento vigente do sistema. Para isso, é preciso enfatizar a dimensão intencional e
planejada da reforma educacional. Não se trata de um ajuste ou sucessão de ajustes
naturais na política de educação, visando a adaptação do sistema às mudanças no
seu contexto, e muito menos das acomodações que acontecem sem a formulação
de objetivos. Esses ajustes não planejados acontecem regularmente e nem sempre
estamos cientes do seu impacto até comparamos a escola de hoje com a de 30 ou

12
40 anos atrás. Nesse olhar sob o tempo, percebemos o quanto o sistema se modi-
ficou quase por conta própria, às vezes sem a interferência direta do legislador ou
do gestor público. Essa sucessão de adaptações reflete muito mais as mudanças
na sociedade como um todo. Quem em 1970, em plena ditadura, teria previsto
o grau de inclusão e diversificação da escola de hoje, o grau de sindicalização e
a frequência da ação sindical dos professores, a perda de relevância do diploma
de ensino médio, o grau de violência e a necessidade da escola de se proteger de
invasores? Se for verdade que muitas dessas mudanças podem ter sido facilitadas
ou apressadas pela ação do legislador – depois de tudo, é a função do legislador
interpretar o seu tempo – não se configuram como uma reforma por não terem
sido planejadas no seu conjunto e não corresponderem a uma lógica que justifica
a soma das partes em determinado momento histórico.
Em resumo, a reforma educacional é uma ação planejada em escala sistêmica,
mas cujo conteúdo dependerá das circunstâncias históricas e locais. Muitas vezes
a reforma se concentra na organização do sistema e nos seus procedimentos admi-
nistrativos, como nas reformas da descentralização da gestão e do financiamento
da educação. Nesses casos, podemos antever um processo de implementação mais
rápido e previsível, já que muitas das mudanças seguem os caminhos da legislação
e dos controles da hierarquia educacional. No caso de reformas curriculares, que
acima de tudo objetivam mudar as práticas de ensino, os caminhos são outros.
Como essas reformas dependem de mudanças as vezes até radicais no compor-
tamento dos professores, entram em cena múltiplos fatores subjetivos, incluindo
a cultura da profissão e da escola e a estrutura dos incentivos institucionais. Essa
distinção será objeto de discussão mais aprofundada, sobretudo na seção final,
que foca a pesquisa sobre os condicionantes da adoção e implementação das
reformas educacionais.
Também é verdade que muitas reformas têm uma dimensão doutrinária,
que espelha uma visão sobre o papel do Estado na promoção de um novo tipo
de formação, para uma nova conjuntura social e econômica, que vai muito além
da mera reorganização administrativa. Nesses casos, alguns pesquisadores são
levados a procurar as raízes das reformas fora dos escritos dos ideólogos reforma-
dores, através de análises que atribuem os fenômenos educacionais ao momento
de fortalecimento ou de crise do sistema capitalista. Eu resisto a essa orientação,
não somente porque essas análises raramente tocam nas questões mais práticas
da gestão da reforma educacional, mas principalmente porque elas raramente
permitem enxergar as escolhas específicas assumidas pela política educacional
quando colocada em ação. Se as reformas de determinada época fossem todas
expressão das mesmas forças econômicas subjacentes, porque elas assumiriam
configurações diferentes? Como entender a ênfase no currículo nacional durante
a reforma conservadora da Margaret Thatcher na Inglaterra quando esse compo-
nente é ausente de outras reformas contemporâneas? Mais razoável nesse caso é
a explicação da reforma nos seus próprios termos, como fruto da conjugação de
forças locais, muitas vezes conflitantes, que acabam conduzindo os políticos em

13
direção a decisões que alteram o funcionamento do sistema, em nome de ideias
e princípios que foram abertamente defendidos.
Mesmo usando essa definição de reforma mais aberta, que enfatiza a mudança
planejada em larga escala, sem atrelar o conteúdo aos movimentos subterrâneos da
economia global, ela não satisfaz todos os requisitos. Um deles trata da questão da
duração da reforma. Várias das reformas estudadas se tornam processos contínuos
que ultrapassam seus gestores e objetivos originais. Essas reformas podem mudar
substancialmente ao longo do caminho em função de mudanças nas prioridades
dos novos governantes ou na situação em que as escolas se encontram. São todas
partes da mesma reforma ou são reformas diferentes?

Considerações Práticas

Com essas definições incompletas, talvez o leitor não encontre explicação


cabal para a inclusão de algumas ideias reformistas e a exclusão de outras. Além
de certa dose de idiossincrasia, a escolha das leituras também obedece a outros
critérios, que têm a ver com os propósitos práticos deste livro e que precisam ser
esclarecidos.
Em primeiro lugar, o livro é fundamentalmente uma estratégia para tornar
disponível ao aluno universitário brasileiro um apanhado de textos aos quais nor-
malmente não teria acesso, seja pela dificuldade de encontrar os livros ou revistas
acadêmicas originais, seja pela barreira da linguagem. Isso não diminui a respon-
sabilidade do organizador em fazer opções razoáveis, nem desculpa a inclusão de
textos que não são representativos, mas obriga uma seleção que pode iluminar
aspectos da história e o funcionamento do sistema educacional brasileiro. Ou seja,
há por trás da escolha, o interesse em desvendar aquelas ideias que receberam
abrigo no Brasil e, através das suas formulações locais, influenciaram a forma de
fazer educação no país. Em quase todas as seções do livro o leitor encontrará pri-
meiro os textos que explicitam as insatisfações que levaram às expressões originais
das reformas, e depois os textos que identificam as especificidades das reformas
brasileiras que exprimem versões dessas mesmas propostas.
Com esse critério de relevância não haveria porque incluir exemplos de
reforma educacional que, por mais abrangentes e significativos nas suas origens,
não tenham uma contrapartida brasileira. No entanto, faço uma exceção a essa
regra com a “Seção 3”, que trata de reformas educacionais revolucionárias, na
sua maioria, socialistas. Pela sua importância na nossa região e no ideário dos
educadores progressistas das décadas de 1960 e 1970, achei legítimo prestar ho-
menagem a uma corrente de reformas que, mesmo sem correspondência efetiva em
solo brasileiro, ocupou um lugar importante no imaginário dos nossos educadores.
À primeira vista, essa organização parece propor que para cada mudança sig-
nificativa no sistema educacional brasileiro houve necessariamente um antecedente

14
de origem estrangeira. Não é esse meu argumento. Mesmo havendo exemplos de
mudanças educacionais profundas que só podem ser explicadas pelas convicções de
diferentes setores sociais brasileiros, não são essas as reformas que o livro propõe
tratar. O livro não é uma história das reformas educacionais brasileiras. O ponto
de partida da presente análise são justamente as reformas que não têm origem
local, mas que por sua importância histórica, ou pela relevância das suas propostas,
acabaram tendo um impacto muito além do período e local da sua criação, nesse
e em outros países. Nesses casos, o importante é o estudo do contexto cultural
e histórico que gerou a proposta de reforma e, em consequência daquilo que os
estudiosos chamam de policy borrowing ou “empréstimo de políticas” (Broadfoot,
2002), a sua implantação em outros contextos, incluindo o nosso.
Ou seja, independentemente da nossa avaliação dos benefícios ou malefícios
da circulação internacional de modelos de reforma, não há dúvida sobre a eficácia
de instituições como a UNESCO, o Banco Interamericano de Desenvolvimento
e o Banco Mundial na execução das suas atribuições. A influência das agências
e bancos multinacionais na divulgação de teorias e práticas educacionais não é
segredo nem para os governos nem para os pesquisadores, que mostram como as
instituições internacionais se encarregam da transmissão de normas e ideologias
educacionais através dos diversos canais do sistema internacional. Portanto, não
deve ser surpresa o fato de que uma das premissas básicas do presente livro é a de
que vivemos imersos numa cultura educacional mundial e que não há nada mais
apropriado que estudar como as ideias fluem entre os Estados membros dessa
cultura. Após o estudo dessas reformas é que estaremos em condições de fazer
algum julgamento sobre os benefícios ou não dessa convivência.
O que esse tipo de estudo nos mostra? Inicialmente, que as preocupações e
problemas que estimulam a demanda de reforma são comuns a muitos sistemas.
Por mais que acreditemos na nossa singularidade, os sistemas educacionais do
mundo ocidental são muito parecidos. Em segundo lugar, há uma interação entre
ideias e contextos, de modo que o processo de multinacionalização das reformas
educacionais pode produzir tanto a perda de detalhes quanto a transformação
das propostas originais. O que é finalmente implementado é resultado de inter-
pretações, negociações e outros processos que atestam a influência dos muitos
atores nos diferentes níveis de decisão e implementação. A lei 5692 de 1971, que
alterou os rumos do ensino médio no Brasil por mais de uma década, é exemplo
cabal dessa tese, como será demonstrado. À justificativa econômica original para a
diversificação do ensino médio foram acrescentadas justificativas sociais e políticas,
que só faziam sentido no contexto brasileiro, e só foram legitimadas por conta do
ambiente político de exceção em que o país se encontrava.
Uma segunda consideração prática para a organização deste livro é a intenção
em criar uma ligação entre os textos escolhidos e o Programa de Pós-Graduação
Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública organizado pelo Centro
de Políticas Públicas e Avaliação da Educação – CAEd, e lançado pela Univer-
sidade Federal de Juiz de Fora em 2010. Esse programa, pioneiro tanto na sua

15
metodologia quanto no seu enfoque em relação à gestão da educação, propõe
que os alunos recebam uma formação que os permita se ambientar na discussão
global das ideias educacionais, que garanta acesso às preocupações por trás
dos movimentos reformistas da segunda metade do século passado e que leve
à discussão acerca da conexão entre esses movimentos e as mudanças passadas
e presentes do sistema brasileiro. Em outras palavras, o livro tem um objetivo
eminentemente didático. Espera-se que as análises das reformas aqui incluídas
permitam aos alunos compreender as ideias centrais que provocaram as maiores
mudanças nos sistemas educacionais do ocidente e identifiquem a sua influência
no cenário educacional brasileiro.
O fato dos primeiros usuários do livro serem esses jovens da área de gestão
educacional, levou à incorporação de outra vertente prática que também pode ser
chamada de profissionalizante. Acredito que o estudo das origens e da implantação
das diferentes reformas discutidas neste livro fornecerá pelo menos algumas lições
sobre as dificuldades inerentes às políticas educacionais de abrangência sistêmica
e alguns dos cuidados necessários na formulação das estratégias de implemen-
tação. O estudo acadêmico das reformas jamais servirá como manual do gestor,
mas a leitura atenta, sobretudo das análises das dificuldades de implementação,
permitirá a aquisição de ferramentas de diagnóstico que possam funcionar em
outros contextos.

As Seções

As nove seções não seguem uma cronologia rígida, mas, ao tentar captar as
origens de cada reforma, houve um esforço em encontrar os documentos originais
que melhor exprimem o clima e as preocupações educacionais da época. Na área
da educação, como em todas as outras, somos sujeitos do nosso tempo e contexto,
e, portanto, propensos a filtrar a nossa visão do passado através dos conceitos e
considerações do momento. O resultado é o processo quase imperceptível da re-
escrita da história. Como antídoto, procurei documentos até anteriores a algumas
das reformas do século passado, na tentativa de caracterizar o caldo do qual os
reformadores extraíram suas ideias. Como exemplos, posso citar os Black Papers,
anteriores, mas fundamentais para a explicação do conteúdo das reformas do
currículo na Inglaterra, e também o trabalho de Milton Friedman como inspiração
para a formulação de políticas de school choice e outras reformas baseados em
um pensamento de livre-mercado.
Segundo Fullan (1992), o estudo sistemático dos processos de mudança
educacional tem história bastante recente. Somente a partir da década de 1960
é que se começou a discutir como as transformações educacionais acontecem na
prática. Essa evolução do estudo e da prática das transformações educacionais
planejadas datam do período pós-Sputnik e das inovações curriculares implantadas

16
naquela época. Nada mais razoável, portanto, que iniciar o nosso estudo com as
reformas provocadas pela Guerra Fria e o susto que os americanos levaram com
o lançamento do satélite russo. O componente brasileiro desta seção é um trecho
de uma tese de doutorado que nos fornece uma série de informações sobre como
as grandes reformas curriculares nos Estados Unidos, engendradas pelo desejo
de recuperar a dianteira científica e tecnológica, chegaram até nós na forma de
projetos patrocinados por fundações americanas como a Fundação Ford.
A seção seguinte procura mostrar o impacto da teoria do capital humano,
principalmente nos países em desenvolvimento, e os instrumentos de planejamento
educacional que surgiram a partir da consolidação da convicção na relação vir-
tuosa entre o investimento em educação e o desenvolvimento econômico. Além
da expansão em ritmo acelerado de todos os sistemas educacionais do mundo,
observaram-se mudanças também na orientação dos currículos e na reformulação
do ensino médio para colocar a educação a serviço do crescimento de novos se-
tores da economia. Os bancos multilaterais fazem sua entrada como as agências
de divulgação das teses desenvolvimentistas.
Como já mencionado, a “Seção 3” trata de exemplos de reformas revolucio-
nárias e as suas influências. Logo a seguir, numa guinada ideológica acentuada,
voltamos aos Estados Unidos e ao famoso relatório Uma Nação em Risco, lançado
como um alerta nacional sobre o declínio na qualidade da educação nos Estados
Unidos. Essa seção trata do início da avaliação externa como instrumento da
reforma educacional, da discussão de padrões curriculares e da utilização dos
resultados dos alunos como medida da eficácia da escola e dos professores no
cumprimento das suas tarefas.
À primeira vista, a “Seção 5” parece uma coletânea de reformas sem muita
conexão entre si. O que estabelece a conexão, e explica a inclusão de cada leitu-
ra, são os conceitos e critérios retirados da esfera da economia e aplicados pelos
reformadores ao próprio modo de organizar a educação. Não se trata, portanto,
de novos exemplos da importância da educação para o crescimento da economia,
mas de como conceitos como eficiência, produtividade, relações de mercado,
clientelas, preferências dos consumidores, e outros, começaram a criar novas
regras para o funcionamento do sistema educacional e para diminuir a distância
entre o público e o privado. Nos casos mais extremos dessa tendência, observam-
-se processos de privatização que questionam a própria legitimidade do modelo
do governo de bem estar social.
A seção seguinte aprofunda essa discussão mediante o estudo da reforma da
educação na Inglaterra, primeiro com o governo conservador da Margaret Tha-
tcher e depois sob o controle dos trabalhistas. As origens das reformas iniciadas
ao final da década de 1980 se encontram na discordância dos conservadores com
as mudanças instituídas no sistema de ensino médio a partir da década de 1960.
Ao mesmo tempo, a reforma procurou incorporar critérios de mercado para livrar
as escolas de controles burocráticos tradicionais e estabelecer novos sistemas de
avaliação e de accountability. Na volta ao poder do governo trabalhista, as reformas

17
são preservadas e em muitos aspectos aprofundadas, principalmente em relação
aos processos de privatização compreendidos pela terceirização de serviços edu-
cacionais e o fornecimento externo dos chamados “produtos de aperfeiçoamento”.
A “Seção 7” trata do período de reforma mais recente na América Latina, que
pode ser caracterizado como decorrência das reformas neoliberais, tanto dos Esta-
dos Unidos quanto da Inglaterra, ao incorporar elementos de ambos os modelos.
As leituras oferecem uma oportunidade de estudar a influência dos organismos
internacionais no processo de disseminação simultânea dos diferentes componen-
tes de reforma a quase todos os países da região, e também na compreensão do
impacto da globalização na definição do papel da educação. A “Seção 8”, por
outro lado, dá destaque a uma das dimensões das reformas educacionais recentes,
a equidade. A seção tem o propósito de traçar a evolução da preocupação com a
igualdade de oportunidades e também de esclarecer os diferentes significados da
equidade em relação à distribuição da educação.
Na década de 1970, a partir dos primeiros estudos avaliativos e de livros
como A Cultura da Escola e o Problema de Mudança, de Sarason (1971), foi
incorporada a palavra “implementação”, como reconhecimento da complexidade
de fazer acontecer as reformas educacionais na prática. Usando metodologias
diversas, incluindo a teoria da informação, diversos autores chegam a conclusões
bastante pessimistas a respeito das chances de mudar a prática dos professores
mediante os modelos conhecidos de reforma educacional. Para Elmore (1996),
a própria organização da escola e a estrutura de incentivos tendem a frustrar a
adoção de práticas inovadoras e, nas condições atuais de funcionamento dos sis-
temas educacionais altamente burocratizados, as reformas de larga escala serão
sempre ineficazes.
Esse debate é o assunto da última seção, que inclui também um pequeno
conjunto de leituras sobre a possibilidade das reformas futuras quebrarem o pa-
drão estabelecido ao longo dos últimos cinquenta anos. Esse padrão, de mudanças
sistêmicas vindas de fora, começa a ceder lugar para modelos novos de mudança
no nível da escola, a partir do enfoque de “melhoria escolar”. Não se sugere que
a solução universal para os problemas de implementação já tenha sido encontrada,
mas a leitura das experiências recentes para aumentar a escala de reformas, com
participação direta da escola, abre perspectivas novas e permite finalizar o livro
com algum otimismo.

Referências Bibliográficas

BROADFOOT, Patricia. Editorial: educational policy in comparative perspec-


tive. Comparative Education, v.38, n.2, p.133–135, 2002.
ELMORE, Richard. Getting To Scale With Good Educational Practice. Harvard
Educational Review, v.66, n.1, primavera de 1996.

18
FULLAN, Michael G. The New Meaning of Educational Change. New York:
Teachers College Press, 1992.
McNEELY, Connie L. Prescribing National Education Policies: The Role of
International Organizations. Comparative Education Review, v.39, n.4, p.483-
507, 1995.
METHOD, Francis J. National Research and Development Capabilities in
Education in Education and Development Reconsidered. F. Champion Ward (ed.).
Michigan, The Ford Foundation. 1974.
SARASON, Seymour. The Culture of the School and the Problem of Change.
Boston: Allyn and Bacon, 1971.
SIMMONS, John. Steps towards reform. In: SIMMONS, John (Ed.) The Edu-
cation Dilemma: Policy Issues for Developing Countries in the 1980s. Oxford,
New York, Toronto: Pergamon Press. 1980.

19
Seção 1
Reformas curriculares da Guerra Fria

Introdução

Em outubro de 1957, a União Soviética enviou o satélite Sputnik para o es-


paço e deixou os americanos em estado de choque. O lançamento bem-sucedido
de um míssil intercontinental e, pela primeira vez, a colocação em órbita terrestre
de um objeto fabricado pelo homem sacudiu a crença dos americanos na sua su-
perioridade científica e deixou patente a vantagem dos russos na corrida espacial.
O impacto profundo do Sputnik na psique americana se tornou evidente menos
de um ano depois, quando, em setembro de 1958, o Congresso dos EUA aprovou
a Lei de Educação e Defesa Nacional. Da mesma maneira que a população em
geral, os congressistas culpavam o sistema educacional pela perda da superiori-
dade tecnológica americana e votaram aumentos substanciais tanto nos gastos do
ensino de ciências quanto na formação de novos profissionais para as diversas
atividades da segurança nacional. Em algumas ocasiões, a escola norte-americana
foi criticada por sua falta de criatividade; outras vezes, por ter se deixado fascinar
pela teoria da “educação para ajustar-se à vida”, proposta por educadores pro-
gressistas como John Dewey. Como disse o então Presidente Eisenhower, em um
artigo publicado logo após a assinatura da nova lei: “Educadores, pais e alunos
nunca devem perder de vista os defeitos do nosso sistema educacional. Eles devem
ser induzidos a abandonar o caminho educacional que estão seguindo um tanto
cegamente, sob a influência dos ensinamentos de John Dewey” (Life, 1959:104).
A oposição ao movimento progressista atingira seu auge na década anterior.
Com frequência, a imprensa retratava esse movimento com base nas suas ma-
nifestações mais extremas – a falta de exigência em relação aos conteúdos e o
foco no bem-estar psicológico e na autoexpressão da criança, em detrimento da
aprendizagem (Elmore, 1996). Com esse acúmulo de insatisfações com a educação
e sob a sombra de uma ameaça externa, não fica difícil entender como a nova lei
de educação foi apreciada e aprovada em espaço tão curto de tempo.
Durante a próxima década, a qualidade da educação norte-americana se
tornou o foco de vários programas federais e o ensino de ciências foi guindado
a um lugar de destaque em todas as escolas de ensino médio do país. A escola
se tornou um lugar bem mais exigente, ao mesmo tempo em que se abriram no-
vas oportunidades para estudos superiores. Milhões de dólares foram gastos na
formação de toda uma geração de professores de ciências, matemática e línguas
estrangeiras e na expansão de programas de ensino superior em ciência e enge-

21
nharia, bem como outros cursos associados à defesa nacional. Na década de 1960,
a matrícula no ensino superior mais que duplicou, passando de 3,6 milhões para
7,5 milhões, o que correspondia a 40% dos jovens na faixa etária adequada para
o ingresso nesse nível de ensino.
Mas acima de tudo, a Lei de Educação e Defesa Nacional tratou da reforma
do currículo. Pode-se citar o curso de física de nível médio desenvolvido pelo
Comitê de Ensino das Ciências Físicas (PSSC) composto de 56 filmes, livros e
experimentos inéditos de sala de aula; o Estudo Curricular de Ciências Biológi-
cas (BSCS); o ambicioso currículo para as ciências sociais - Homem: Um Curso
de Estudo; novos métodos para o ensino da química; o desenvolvimento de uma
nova matemática através da teoria dos conjuntos e muitas outras inovações. Atrás
desse movimento, residia a convicção de que era possível reformar a escola por
meio da reforma curricular.
Este sentimento, de que a chave da reforma educacional residia na orienta-
ção dada ao currículo e aos instrumentos curriculares depositados nas mãos dos
professores, não foi exclusividade dos americanos. Tampouco se restringia aos
embates da Guerra Fria a nova fé nas ciências e na engenharia como os dínamos
do desenvolvimento. Por exemplo, a educação científica para o trabalho e para
o desenvolvimento já era um tema que havia sido encampado pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 1954.
Na reunião de Montevidéu naquele ano, os membros da UNESCO autorizaram
o Diretor Geral da entidade a “estimular a expansão e a melhoria do ensino de
ciências, especialmente nos ensinos fundamental e médio, através da modernização
do currículo dos cursos de formação de professores e da promoção de métodos
laboratoriais, guias para professores, elaboração de equipamentos de laboratório,
catálogos de equipamentos de ensino, livros-texto, manuais e sugestões de materiais
de improviso”1. O pressuposto básico dessa e de outras políticas do período era o
de que a melhoria na formação dos professores de ciências era fundamental tanto
para o bem-estar das pessoas quanto para o progresso humano em uma época em
que as próprias condições de vida mudavam, devido à influência de tantas novas
aplicações da ciência.
Essa certeza também era compartilhada pelos educadores brasileiros que
lançaram seu manifesto em defesa do ensino público ao final da década de 1950.
Havia fé nos benefícios da ciência tanto para efeitos militares quanto para o de-
senvolvimento econômico, e as aspirações dos reformadores eram as de alterar a
prática dos professores mediante o fornecimento de materiais de alta qualidade
que exprimissem a urgência da tarefa que os docentes tinham em mãos.
As primeiras duas leituras desta seção dedicam-se ao efeito galvanizador
do Sputnik nas reformas curriculares das décadas de 1950 e 1960. São trechos
de documentos internos da Fundação Nacional de Ciências, uma das principais
parceiras do governo federal dos Estados Unidos em seus esforços de tornar

1
Resolução IV.1.2.321 da UNESCO, de 1954, sobre o ‘Ensino de Ciências’.

22
mais competitivo o sistema educacional americano. Através desses documentos,
percebe-se a importância atribuída ao ensino de ciências como parte integrante de
uma política científica nacional, e como os materiais instrucionais, principalmente
os livros-texto, se tornaram a estratégia central da “reconstrução” do sistema de
ensino em todos os seus níveis.
A leitura seguinte é um trecho do manifesto dos educadores brasileiros,
elaborado em julho de 1959, como uma contribuição às discussões em torno do
projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que, em tramitação no
Congresso à época, se tornaria a Lei de número 4.024 em dezembro de 1961.
Conhecidos como os Educadores Democratas em Defesa do Ensino Público, que
incluíam muitos dos signatários do Manifesto dos Pioneiros difundido mais de 20
anos antes, os integrantes desse grupo defendiam o papel cada vez maior do Estado
na educação, mediante a escola pública e laica e, principalmente, a modernização
da instituição escolar, pari passu com a própria modernização do país.
Para os autores, o futuro previsto na década de 1930 já havia chegado, mas
a educação escolar tinha ficado à margem. As mazelas enumeradas repetiam a
mesma lista do Manifesto de 1932:
[...] má organização do ensino; organização arcaica, antiquada e deficiente; ensi-
no primário ministrado em dois, três e quatro turnos, reduzido a pouco mais do
que nada; escolas técnicas em pequeno número e nível secundário desqualificado;
problemas graves na rede física das escolas; professorado de nível primário e
médio, geralmente mal preparado cultural e pedagogicamente, na grande maioria
leigo e com salários não condizentes; proliferação desordenada e eleitoreira de
escolas superiores e particulares (faculdades de filosofia); mais de 50% da po-
pulação geral analfabeta e menos da metade da população escolar (7 a 14 anos)
matriculada (5.700 milhões para um total de 12 milhões). (Sanfelice, 2007:547)
Para os Educadores Democratas, a educação pública tinha que ser reestrutu-
rada de modo a contribuir para o progresso científico e técnico que a modernidade
demandava. Ou seja, a escola tinha que reformar seus objetivos em conformidade
com a revolução industrial pela qual o país então passava e contribuir para o
trabalho produtivo e o desenvolvimento econômico.
O texto deixa claro que para garantir a modernidade imposta pela sociedade
industrial, as escolas precisavam ser práticas nas suas preocupações, mais voltadas
para as questões profissionais da ciência aplicada e menos para a ciência pura.
De toda forma, a ciência representava o caminho a seguir e, nisso, os Educadores
refletiam a confiança da sua época e a esperança no desenvolvimento econômico
e social calcado na aprendizagem técnica e científica. Não havia nenhuma ameaça
externa, como o Sputnik para os EUA, porém era real o risco do Brasil continuar
às margens do processo mundial de desenvolvimento científico.
Os instrumentos mais práticos dessa orientação são descritos na leitura se-
guinte. Colhida de uma tese de doutoramento na área da história das ciências,
esta leitura recapitula o processo pelo qual o Brasil se tornou beneficiário dos
investimentos norte-americanos no desenvolvimento de materiais curriculares

23
para as ciências ao longo da década de 1960. Foram vários os atores envolvidos,
incluindo a Fundação Nacional de Ciências, já mencionada, a Fundação Ford nos
Estados Unidos e no Brasil e o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cul-
tura. Porém, nenhum desses atores teria se tornado tão instrumental na reforma
do ensino de ciências no Brasil se não fosse pela disposição reinante a favor da
revolução científica tão bem expressa pelos Educadores Democratas. As portas
estavam abertas para essa contribuição estrangeira, não só pelas estreitas relações
entre o Brasil e os Estados Unidos, forjadas nos projetos de desenvolvimento do
pós-guerra, mas também pelas certezas compartilhadas em relação às condições
necessárias para se constituir uma reforma educacional.
A síntese das relações entre os atores e o papel empreendedor de Isaías
Raw e o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura – IBECC, constitui
uma espécie de estudo de caso da transferência de tecnologia educacional e
uma síntese das múltiplas conexões entre as instâncias oficiais e não-oficiais que
contribuem para o processo migratório das propostas curriculares. Se foi a nova
LDB de 1961 que tornou possível a adoção de novos materiais curriculares no
Brasil, ao permitir a descentralização da aprovação do currículo e a equivalência
dos diferentes cursos de nível médio, foi a troca entre educadores brasileiros e
norte-americanos – facilitada por instituições filantrópicas intermediárias – que
efetivamente deu início ao processo de adoção dos materiais didáticos da Fundação
Nacional de Ciências.
A história da produção editorial dos novos materiais no Brasil merecia seu
próprio capítulo. No princípio, a partir de 1962, a editora responsável por essa
iniciativa foi a da USP – a Edusp –, que tinha sido criada com esse propósito e
cujo catálogo em 1963 já contava com treze títulos de ciências em coedição com o
IBECC. Com as mudanças na reitoria da USP, em 1965, o projeto de Raw migrou
para Brasília e, após negociações diretas com o reitor da recém-inaugurada UnB,
Darcy Ribeiro, foi publicado, com uma tiragem de 20 mil exemplares, o primeiro
volume da “versão azul” do Estudo Curricular de Ciências Biológicas (BSCS),
chamado Das Moléculas ao Homem – o que seria a primeira de quatro edições.
Com o encerramento do convênio com a UnB, de 1967 a 1972, foram publica-
das mais 200 mil cópias do 1º volume da “versão azul” do BSCS e cerca de 115
mil cópias do 2º volume pela editora comercial EDART (Krasilchik, 1972:79).
Entre 1965 e 1970, a associação entre o IBECC e as editoras privadas viabilizou
a publicação de cerca de um milhão e meio de exemplares.
Mesmo sem os números totais de todos os exemplares de todos os novos
currículos, fica evidente que o impacto dos materiais da Fundação Nacional de
Ciências no mercado de livros didáticos brasileiro foi enorme e estabeleceu um
padrão para a estrutura e a dimensão dos empreendimentos didáticos posteriores.
Em relação ao sucesso dos novos currículos propriamente ditos, talvez o
impacto não tenha sido tão grande. O próprio Raw admitira que essa iniciativa
contava com um programa de treinamento de professores muito limitado, restrito
em grande parte ao sul do país, que a participação dos colaboradores era somente

24
de tempo parcial e que havia poucos recursos para o processo de implementação.
Segundo Elmore, autor da próxima leitura, nos Estados Unidos, as avaliações dos
projetos de desenvolvimento curricular patrocinados pela Fundação Nacional de
Ciências também concluíram que os efeitos foram amplos, porém superficiais.
Elmore atesta a grandiosidade do projeto, mas oferece uma visão bastante
pessimista em relação ao impacto das reformas:
Centenas de milhares de professores e diretores foram treinados em cursos de
verão. Dezenas de milhares de apostilas foram disseminadas. Milhões de alunos
foram expostos a algum produto ou subproduto dos vários projetos. Em algumas
escolas e sistemas, os professores e administradores tomaram medidas sérias para
transformar o currículo e o ensino de acordo com as novas ideias, mas, na maioria
dos casos, os resultados foram parecidos com os que Cuban (1984) encontrou no
seu estudo das práticas de ensino progressistas. Uma forma fraca, diluída, hibrida
evoluiu em alguns dos lugares em que o novo currículo foi aplicado por cima de
práticas antigas, enquanto que, na maioria das salas de aula de escolas de ensino
médio, o currículo não exerceu impacto algum sobre o ensino-aprendizagem. Em-
bora tais esforços tenham resultado em materiais de valor que ainda servem para
muitos professores, e tenham mudado o conceito das pessoas em relação às pos-
sibilidades do currículo de ciências de ensino médio, o efeito tangível na questão
central da aprendizagem tem sido insignificante. (Elmore, 1996:23)
A última leitura desta seção avalia uma explicação do aparente fracasso das
reformas curriculares das décadas de 1950 e 1960. Em sua essência, os esforços
de reforma curricular em larga escala seguiram um modelo que os autores Calhoun
e Joyce chamam de “pesquisa e desenvolvimento” – P&D. Mediante a contratação
de especialistas, concentrados, maiormente, nas universidades e centros de pes-
quisa, os idealizadores das reformas curriculares entendiam que o essencial era
a produção de materiais didáticos de alta qualidade, e não o processo de adoção
e uso desses pelos professores. A conclusão de muitos autores é que esse modelo
deve ter sido o responsável pelo fracasso, por violar “uma[s] das condições da vida
profissional na educação”, o envolvimento do professor no processo de elaboração
e a produção de seus próprios materiais. No entanto, Calhoun e Joyce não estão
inteiramente convencidos de que seja impossível implementar reformas a partir
de fora da escola e deixam no ar uma questão que se repetiria com frequência
nas outras seções do livro.

25
Leitura 1
Do Sputnik à Era de Ouro, 1957-1968

Fundação Nacional de Ciências (1994)2

O Sputnik foi um acontecimento que serviu para, uma vez mais, fazer a pala-
vra “competição” assumir grande importância tanto no discurso das autoridades
governamentais quanto do povo norte-americano. O Sputnik foi uma ameaça ao
interesse nacional dos Estados Unidos, em um grau ainda maior que havia sido a
quebra, em 1949, pela União Soviética, do monopólio atômico norte-americano.
Ele, com certeza, conseguiu abalar o próprio sistema de defesa dos Estados Unidos,
visto que a capacidade russa de colocar um satélite em órbita significava que os
soviéticos agora também podiam construir foguetes com potência suficiente para
transportar ogivas de bombas H na ponta de mísseis balísticos intercontinentais.
Entretanto, algo talvez ainda mais importante foi que o Sputnik forçou os
Estados Unidos a fazer uma autoavaliação que questionou o seu sistema educa-
cional, o seu poderio científico, técnico e industrial, e mesmo a sua fibra como
nação. “Afinal, o que deu errado?”, perguntavam-se tanto as autoridades quanto
os cidadãos nas ruas. Na visão dos norte-americanos, a tradição que seu país
tinha de ser o “número um” estava, então, enfrentando o seu mais sério desafio,
particularmente nas áreas de ciência e tecnologia e de educação em ciências.
Com os elos que possuía com as universidades dedicadas à pesquisa em todo
o país, a Fundação Nacional de Ciências tornou-se, então, um agente crucial nos
eventos que se desenrolaram durante esses tempos difíceis. Uma indicação disso
foi o grande aumento das verbas por ela recebidas, tanto para financiar programas
já em andamento como para iniciar novos. No ano fiscal de 1958, o ano anterior
ao Sputnik, as verbas destinadas à Fundação encontravam-se em um patamar
estável de 40 milhões de dólares. Já no ano fiscal de 1959, elas mais do que
triplicaram, chegando a 134 milhões de dólares e, em 1968, o seu orçamento
atingiu aproximadamente 500 milhões de dólares. Entretanto, não é possível
descontextualizar os eventos destacados que ocorreram nessa fase da história da
Fundação, devendo-se, antes, situá-los no contexto mais abrangente dos aconte-
cimentos políticos então observados nos Estados Unidos.
O Congresso norte-americano reagiu ao Sputnik aprovando leis importantes
e promovendo uma reorganização interna de suas próprias comissões. Toda essa

2
Extraído de: The National Science Foundation. A Brief History. 1994. (Capítulo III, From
Sputnik through the golden age, 1957-1968). Disponível em http://www.nsf.gov/pubs/stis1994/
nsf8816/nsf8816.txt Acesso: 25/11/09.

26
ação coletiva prenunciava que os EUA fariam frente à competição soviética. A Lei
Nacional de Aeronáutica e Espaço (National Aeronautics and Space Act), mais do
que qualquer outra lei pós-Sputnik, exerceu um grande impacto sobre o crescente
financiamento federal nas áreas de pesquisa e desenvolvimento científicos. Assinada
pelo presidente em julho de 19583, essa lei criou a Administração Nacional de
Aeronáutica e Espaço (National Aeronautics and Space Administration – NASA),
dando-lhe, ao mesmo tempo, a responsabilidade de promover o avanço do pro-
grama espacial norte-americano. A NASA tornou-se uma das principais empresas
contratantes dos Estados Unidos e provocou um tremendo aumento do apoio, por
parte de instituições externas, dado às pesquisas do governo federal. A NASA não
somente simbolizava a resposta norte-americana ao desafio soviético, como tam-
bém servia como uma própria dramatização do apoio que o governo dos Estados
Unidos estava dando à ciência e à tecnologia.
No Congresso norte-americano, os deputados trataram de se reorganizar em
comissões permanentes com o propósito de lidar com o tema espacial, bem como
com questões de ciências e tecnologia em geral. Essa reorganização fez surgir no
Congresso um foco sobre questões científicas e tecnológicas que antes simples-
mente inexistia. Pela primeira vez, também o poder legislativo passava a se valer
de equipes de profissionais especificamente treinados em ciências e tecnologia.
Em meados de 1958, o Congresso criava a Comissão de Ciências e Astronáutica,
ao passo que o Senado implementava a Comissão de Ciências Aeronáuticas e
Espaciais. Se, por um lado, a comissão senatorial se limitava a tratar de questões
espaciais e da NASA, por outro, a comissão do Congresso exercia uma jurisdição
que abrangia todo o programa espacial e as políticas científicas gerais dos Estados
Unidos, o que também incluía a supervisão da Fundação Nacional de Ciências.
O Sputnik levantou questões sobre a capacidade de competição do sistema
educacional norte-americano, ao que o Congresso dos Estados Unidos respondeu
com a Lei de Educação e Defesa Nacional (National Defense Education Act) de
1958, que enfatizava o ensino de ciências e que se tornou uma parte significativa
da política científica do país. Essa lei promoveu a criação de programas de bolsas
de estudo para alunos, de apoio ao ensino de ciências, matemática e línguas estran-
geiras em escolas de nível elementar e médio, e de bolsas de estudo concedidas
a estudantes de pós-graduação. Apesar dessa lei ter tido como foco principal os
alunos, e não as instituições, e de ter sido administrada fora do âmbito do United
States Office of Education4, ela exerceu um considerável impacto sobre o apoio
federal dado ao ensino de ciências. Tanto as bolsas de estudo quanto os benefícios
institucionais por ela concedidos obedeciam a padrões de distribuição geográfica,

3
O então presidente norte-americano era o republicano Dwight D. Eisenhower. (N.T.)
4
Órgão federal norte-americano que, em 1980, transformou-se no Departamento de Educação
dos Estados Unidos, encarregado de fornecer às agências estaduais e distritais – responsáveis
diretas pelo provimento da educação nos Estados Unidos – assistência e verbas para a melhoria
da educação e o combate à desigualdade. (N.T.)

27
ao invés de se guiarem pelo típico formato elitista dos programas da Fundação
Nacional de Ciências. E, o que foi ainda mais importante, esse ato abriu caminho
para futuras leis que redefiniriam muitas das relações entre o governo federal e
a comunidade educacional dos Estados Unidos.

28
Leitura 2
O programa de aperfeiçoamento do conteúdo do ensino5

Fundação Nacional de Ciências (1961)6

O objetivo de longo prazo do Programa de Aperfeiçoamento do Conteúdo


do Ensino é contribuir para uma maior modernização dos materiais utilizados
no ensino de matemática, ciências e engenharia nas escolas de nível elementar,
médio e superior.
Já é possível fazer várias generalizações importantes a partir da experiência
que se tem tido com esse programa:
Primeiro, uma vez que a educação deve ser um processo contínuo para o
aluno, é necessário dar uma atenção equilibrada e coordenada à sequência de
programas de ciências em todos os níveis educacionais. Uma melhor preparação
dos alunos no ensino elementar possibilita que as escolas do ensino médio ofereçam
programas mais abrangentes e completos, o que, por sua vez, facilita a concepção
de cursos mais estimulantes e complexos nas instituições de nível superior. Dessa
forma, as universidades serão então capazes de formar professores com condições
de desenvolver um trabalho de maior qualidade nas escolas.
Em segundo lugar, embora se reconheça que um bom ensino se caracterize
pela inovação pessoal e que cabe às instituições e aos professores individuais a
responsabilidade final por decidir o que será oferecido aos estudantes, também
é preciso reconhecer que todos os professores de todos os níveis terão melhores
condições de desenvolver um bom trabalho se eles tiverem acesso à maior qualidade
possível, tanto em termos de modelos de curso, quanto de instrumentos de ensino
e aprendizagem. Quanto melhor for esse material, maior será a probabilidade de
se proporcionar uma boa educação a todos os alunos, independentemente da ine-
vitável variação de conhecimento e de habilidades existente entre os professores.
Em terceiro lugar, para que os modelos de curso e os materiais pedagógicos
atinjam a maior qualidade possível, é preciso contar com os melhores talentos de
que um país pode dispor, e também é necessário que haja uma colaboração entre
os maiores estudiosos das áreas de ensino e de pesquisa.

5
No original, Course Content Improvement Program, nome de um dos diversos programas
educacionais implementados pela Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos. (N. T.)
6
Extraído de: National Science Foundation, 11th Annual Report, 1961: 104-106. Program
Activities of the National Science Foundation. (Disponível em http://www.nsf.gov/pubs/1961/
annualreports/start.htm Acesso: 25/09/09).

29
Em quarto, a pesquisa e o desenvolvimento de programas educacionais, tanto
no nível fundamental quanto no superior, requer uma quantidade substancial de
investimentos: um único ciclo envolvendo a implantação de um curso de maior
qualidade ou de uma série deles, em uma única disciplina e para um nível especí-
fico de ensino, requer o esforço de várias centenas de pessoas ao longo de quatro
ou cinco anos e a um custo de vários milhões de dólares. Entretanto, quando se
compara isto com o valor que esse investimento representa potencialmente para
a nação, o custo é, na verdade, pequeno.
E, por último, essa é uma tarefa que nunca tem fim. É preciso um esforço
incessante para fazer com que os frutos do crescimento explosivo do conhecimento
sejam incorporados à experiência educacional dos nossos jovens.

Estudos Sobre o Aperfeiçoamento de Conteúdo do Ensino de


Ciências e Engenharia

Apresentamos a seguir uma revisão dos maiores destaques que se observaram


nos projetos referentes às ciências e à engenharia, acompanhada de um relatório
mais completo sobre matemática, como um exemplo de um amplo esforço profis-
sional que se empregou para se conseguir uma maior qualidade e modernização
dos materiais pedagógicos.

Ensino Fundamental7

Sob os auspícios da Associação Americana para o Progresso da Ciência


(American Association for the Advancement of Science), cerca de 200 cientistas,
professores e administradores escolares participaram de um estudo sobre a
viabilidade do ensino de ciências entre o jardim da infância e a nona série do
ensino fundamental. Esse grupo de estudos concluiu que as ciências devem ser
incluídas na grade curricular de todas essas séries, e recomendou enfaticamente
a necessidade de empreender um esforço consistente no desenvolvimento dos
materiais necessários, investigar as bases psicológicas da aprendizagem de ciências
e fornecer um melhor preparo científico para os professores do ensino elementar,
tanto na sua formação preparatória quanto durante o seu trabalho nas escolas.
Espera-se que um programa de maior envergadura seja iniciado nessa área du-
rante o próximo ano. Um trabalho altamente interessante já está em andamento
por meio de projetos-piloto realizados por cientistas e professores na Universidade
da Califórnia em Berkeley e na Universidade de Illinois.

7
No original inglês, elementary and junior high schools, o que corresponde aproximadamente
aos nove primeiros anos de escolarização formal, equivalente, portanto, ao ensino fundamental
brasileiro. (N.T.)

30
Ensino Médio

Projetos de vulto relacionados ao ensino médio já estão obtendo progressos


importantes. No outono de 1960, o Comitê de Ensino das Ciências Físicas (Physi-
cal Science Study Committee) disponibilizou, através de distribuidoras comerciais,
um livro-texto, um manual e materiais de laboratório, um guia do professor,
monografias e testes de um curso de física, tendo esse material sido oferecido
a 50.000 alunos de todo o país no ano escolar de 1960-61. Entre os trabalhos
que estão sendo atualmente desenvolvidos, incluem-se filmes adicionais; textos
suplementares, experimentos e filmes próprios para uma versão universitária do
curso; a preparação de filmes mais longos, concebidos para serem utilizados em
situações onde não há disponibilidade de professores muito qualificados; e um
armazenamento contínuo de feedback com o objetivo de orientar futuras revisões
do projeto. Em outros países – na Europa Ocidental, Israel, Nova Zelândia e
América do Sul – têm sido realizados seminários de professores e estudos sobre
a adaptação desse método a outros contextos.
Em química, versões preliminares dos cursos de ensino médio desenvolvidas
pelo Projeto Metodológico Ligação Química (Chemical Bond Approach Project) e
pelo Estudo dos Materiais para o Ensino de Química (Chemical Education Material
Study) foram experimentadas em vários milhares de estudantes, tendo também já
se iniciado um trabalho sobre versões substancialmente revistas e que passarão por
exaustivas experiências ao longo do próximo ano. Edições definitivas dos testes,
dos manuais de laboratórios, filmes e outros materiais estão com uma distribuição
prevista para o ano escolar de 1963-64.
Por sua vez, o Estudo Curricular de Ciências Biológicas (Biological Sciences
Curriculum Study – BSCS) desenvolveu e testou em 13.000 alunos, três diferentes
métodos de ensino de biologia nas escolas secundárias, juntamente com projetos
sequenciais de laboratório, que proporcionam várias semanas de estudos aprofun-
dados sobre tópicos específicos, projetos de pesquisa para estudantes superdotados
e outros recursos. Essa experiência possibilitou ao BSCS preparar, durante o verão
de 1961, versões posteriores substancialmente aperfeiçoadas para serem utilizadas
experimentalmente em mais de 360 escolas no ano escolar seguinte. Todas essas
experiências serão então consideradas em uma revisão final, e os materiais estarão
disponíveis para todas as escolas interessadas no outono de 1963.
A preparação de um livro de consulta sobre ciências da terra para professores
do ensino elementar e médio foi levada a cabo pelo Projeto de Desenvolvimento
de Recursos Didáticos (Teaching Resources Development Project) do Instituto Ame-
ricano de Geologia (American Geological Institute), devendo esse documento ser
publicado no início de 1962. Essa atividade também já resultou na produção de
filmes e monografias sobre meteorologia, patrocinados pela Sociedade Americana
de Meteorologia (American Meteorological Society). Também já começaram a fazer
discussões sobre projetos de desenvolvimento de cursos completos de ciências da
terra e sobre a preparação de um livro de consulta de antropologia.

31
Leitura 3
Manifesto dos educadores democratas em defesa
do Ensino Público (1959)
Mais uma vez convocados

Manifesto ao Povo e ao Governo8

[...]

Educação para o trabalho e para o desenvolvimento econômico

Não ignoramos que a Nação é uma “realidade moral”; mas, se a educação


não pode, por isso mesmo, desconhecer nenhum dos aspectos morais, espirituais
e religiosos dessa realidade, rica de tradições e lembranças históricas, ela deve
igualmente fazer apelo a todas as forças criadoras para pô-las a serviço dos inte-
resses coletivos do povo e da cultura nacional. A educação pública tem de ser,
pois, reestruturada para contribuir também, como lhe compete, para o progresso
científico e técnico, para o trabalho produtivo e o desenvolvimento econômico.
À reivindicação universal da melhoria das condições de vida, com todas as suas
implicações econômicas, sociais e políticas, não pode permanecer insensível nem
indiferente a educação de todos os graus. Se nesse ou naquele setor, como o en-
sino de grau médio e, especialmente, o técnico, a precária situação em que ainda
se encontra a educação está ligada ao estágio de desenvolvimento econômico e
industrial, ou, por outras palavras, se deste dependem os seus progressos, é le-
gítimo indagar em que sentido e medida a educação, em geral, e, em particular,
a preparação científica e técnica, pode ou deve concorrer para a emancipação
econômica do País. Os povos vêm demonstrando que “o seu poder e sua riqueza
dependem cada vez mais de sua preparação para alcançá-los”. Não há um que
desconheça e não proclame a importância e a eficácia do papel da educação,
restaurada em bases novas, na revisão de valores e de mentalidade, na criação
de novos estilos de vida, como na participação do próprio progresso material. Se
insistimos nesse ponto e lhe damos maior ênfase, não é somente pelas conclusões

8
Extraído de documento elaborado quando da tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n° 4.024) no Congresso Nacional, em julho de 1959. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.75, No. 179/180/181, 1994: 273-300. Reproduzido com
permissão do INEP. (Disponível em: www.rbep.inep.gov.br.)

32
a que nos leva a análise da civilização atual e de suas condições especiais, como
também por ser esse, exatamente, em nosso sistema de ensino, um dos aspectos
mais descurados. A educação de todos os níveis deve, pois, como já se indicou
em congressos internacionais, “tornar a mocidade consciente de que o trabalho
é fonte de todas as conquistas materiais e culturais de toda a sociedade humana;
incutir-lhe o respeito e a estima para com o trabalho e o trabalhador e ensiná-la
a utilizar de maneira ativa, para o bem-estar do povo, as realizações da ciência e
da técnica”, que, entre nós, começaram a ser socialmente consideradas como de
importância capital. A revolução industrial, de base científica e tecnológica, que
se expande por toda parte, em graus variáveis de intensidade; as reivindicações
econômicas ou a ascensão progressiva das massas e a luta para melhorar suas
condições de vida (pois a riqueza está evidentemente mal distribuída e, como tantas
vezes já se lembrou, “não devemos pensar que podemos impunemente continuar a
enriquecer enquanto o resto da população empobrece”) e, finalmente, a expansão
do nacionalismo pelo mundo inteiro são fatos sumamente importantes a que não
nos arriscamos a fechar os olhos, e cujas repercussões, no plano educacional, se
vão tornando cada vez mais largas e profundas. O nosso aparelhamento educa-
cional terá também de submeter-se a essas influências para ajustar-se às novas
condições, e só o Estado, pela amplitude de seus recursos e pela largueza de seu
âmbito de ação, poderá fazer frente a tais problemas e dar-lhe soluções adequa-
das, instituindo, mantendo e ampliando cada vez mais o sistema de ensino público
e estimulando, por todos os meios, as iniciativas de entidades e particulares. A
inteligência racional e o espírito e métodos científicos, que não obtiveram os seus
primeiros e grandes triunfos senão no século XIX, denunciam a sua difusão, por
igual, nas sociedades capitalistas e socialistas, pela aplicação crescente das novas
técnicas em todos os domínios, pelas crises e rupturas de organização econômica e
social que provocaram, modificando profundamente os modos de vida e os estilos
de pensamento. Além de intelectuais e estudiosos, cada vez mais competentes,
espíritos criadores, nos domínios da filosofia, das ciências, das letras e das artes,
“temos que preparar (observou com razão um de nós) a grande massa de jovens
para as tarefas comuns da vida, tornadas técnicas, senão difíceis, pelo tipo de
civilização que se desenvolveu, em consequência de nosso progresso em conhe-
cimento, e para os quadros vastos, complexos e diversificados das profissões e
práticas, em que se expandiu o trabalho especializado. Mudaram, pois, os alunos
— hoje todos e não apenas alguns; mudaram os mestres — hoje numerosos e nem
todos especialmente chamados pela paixão do saber; e mudaram os objetivos da
escola, hoje práticos, variados e mais profissionais e de ciência aplicada do que
de ciência pura e desinteressada”. É o que mais ou menos já propugnava Rui
Barbosa no alvorecer deste século, quando mostrava a necessidade de “limitar
as superabundâncias da teoria, de robustecer científica e profissionalmente a um
tempo o ensino, saturando-o de prática, de trabalhos investigativos, de hábitos
experimentais”.

33
Para a transformação do homem e de seu universo

E aqui ferimos um ponto que é da maior importância, sobre o qual temos


nos detido muitas vezes e escreveu Luis Reissig (1958) uma página excelente
em que analisa a técnica como fator revolucionário da educação. O fato de, na
apreciação desses problemas, coincidirem com frequência os pontos de vista de
pensadores e educadores de países diferentes, é um dos sinais mais característicos
da semelhança que apresentam, na civilização industrial, as situações concretas
que ela vem criando por toda parte e que impelem às mesmas reflexões. Antes das
descobertas científicas e suas extraordinárias aplicações técnicas, que abriram o
campo às três grandes revoluções industriais, o “principal papel do ensino consistia
em dotar o homem de conhecimentos e instrumentos para a apropriação e uso de
seu ambiente e, em seguida, para a transformação e evolução deste; mas, quando
as condições de seu meio pareciam manter um recalcitrante estado de fixidez,
como no caso da economia agropecuária, a tendência da escola era procurar que
o indivíduo se adaptasse e se submetesse ao seu ambiente, como, por exemplo, a
adaptação à vida rural, quando este tipo de vida aparecia em forma predominante,
renunciando assim a estimular uma característica singular e valiosa do homem:
a iniciativa para as mudanças. Para o homem da era tecnológica, esse ensino
adaptativo chega a ser pernicioso, pois o universo tem de ser, para ele, cada vez
mais, um campo de experiência e de renovação. A era tecnológica marca o fim
do processo de ensino para a adaptação e o começo do processo de ensino para
a evolução do homem e de seu universo, partindo de condições técnicas criadas
exclusivamente por ele. Já não deve preocupar tanto o homem (as palavras ainda
são de Reissig) o tipo do ambiente em que esteja vivendo, para ajustar a este o
seu sistema de ensino, embora deva relacionar ambos, pois está em caminho de
mudar radicalmente toda a classe de condições que sejam dadas. Antes havia de
aceitá-las e aproveitá-las o melhor possível [...]; mas agora não há nada impossível,
em princípio, para o homem, no que toca à transformação das condições de seu
ambiente, favoráveis ou adversas” (Reissig, 1958). Daí a necessidade de uma
preparação científica e técnica que habilitará as gerações novas a se servirem,
com eficácia e em escala cada vez maiores, de todos os instrumentos e recursos
de que as armou a civilização atual.
[...]

34
Leitura 4
Ciência, educação e sociedade: o caso do Instituto Brasileiro de
Educação, Ciência e cultura (IBECC) e da Fundação Brasileira
de Ensino de Ciências (FUNBEC)

Antônio Carlos Souza de Abrantes (2008)9

[...]

A produção de material didático de origem norte-americana

A experiência do IBECC/SP, seja na produção de material didático ou no


treinamento de professores, dentro de uma perspectiva didática de renovação do
ensino de ciências e ênfase na experimentação, converge no mesmo sentido de
outros movimentos observados no plano internacional. No início dos anos 1960,
no setor de ensino de ciências, a ação da UNESCO, que antes era pautada por
objetivos humanitários e civilizatórios, passa a estabelecer uma relação direta com
a questão do desenvolvimento econômico dos países. Nessa nova perspectiva, a
UNESCO procurou difundir métodos modernos no ensino de ciências puras e
aplicadas, estimulando a fabricação e a utilização de material científico de baixo
custo para o ensino elementar e médio, bem como a qualificação de professores.
Dessa forma, as propostas do IBECC estão em conformidade com as diretrizes
da UNESCO para a promoção de atividades científicas e culturais, especificamente
com relação à Resolução IV.1.2.311 da UNESCO (que trata da disseminação da
ciência através de exposições de ciências itinerantes e promovendo atividades fora
da escola) e à Resolução IV.1.2.321 (que trata do estímulo ao aperfeiçoamento
no ensino de ciências, particularmente na educação fundamental e nas escolas
primárias e secundárias) de 1955. Albert Baez, diretor da Divisão de Ensino de
Ciências da UNESCO (1961 a 1967) destaca que o espírito crítico científico deve
ser estimulado nos jovens alunos (Baez, 1976:53), sendo este o mesmo princípio
que se encontra presente nos ideais do IBECC/SP.

9
Extraído de: ABRANTES, Antônio Carlos Souza. Ciência, Educação e Sociedade: O Caso do
Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) e da Fundação Brasileira de Ensino
de Ciências (FUNBEC). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação
Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2008: 179-200. Reproduzido com permissão do autor.

35
Segundo Albert Baez, os eventos da Segunda Guerra despertaram em mui-
tos cientistas dos países centrais a responsabilidade de uma ação mais ativa no
ensino de ciências e no papel que a ciência teria no bem-estar da humanidade
(Baez, 1976:31; 2006:176). Os anos de guerra fria e a necessidade de se vencer
a corrida espacial estimularam investimentos maciços em educação em ciências
em fins dos anos 1950, por parte do governo norte-americano (Krasilchik, 2000).
Nos Estados Unidos e Inglaterra, intensificou-se a necessidade de investimen-
tos no ensino de ciências de nível médio, em face da aparente superioridade dos
soviéticos nas ciências (Barra & Lorenz, 1986:1972). Os projetos de reforma de
ensino médio norte-americano (High School), iniciados nos Estados Unidos em
fins dos anos 1950, entre os quais o Physical Sciences Study Committee (PSSC), o
Biological Sciences Curriculum Study (BSCS), o Chemical Bond Approach (CBA),
o School Mathematics Study Group (SMSG), financiados pela National Science
Foundation (NSF), exerceram um efeito catalítico sobre diversos outros países,
entre os quais o Brasil.10
Nos Estados Unidos, um grande incentivador dos projetos da NSF junto ao
governo John Kennedy foi Jerrold Zacharias, professor do Departamento de Física
do Massachussetts Institute of Technology (MIT), que participou das pesquisas
para o desenvolvimento do relógio atômico de césio e que foi um dos diretores do
projeto Manhattan.11 O PSCC teve origem nos Estados Unidos, em 1956, com uma
doação da NSF, que financiou a maior parte do projeto, e que também recebeu
aporte de recursos da Fundação Ford e da Fundação Alfred Sloan. O curso de
física do PSSC é o resultado das pesquisas de centenas de colaboradores, entre
os quais: Jerrold Zacharias, Philip Morrison e Francis Friedman do MIT. Nos
Estados Unidos, o projeto iniciado no ano letivo de 1957-1958 envolveu apenas
oito escolas e 300 estudantes, elevando-se, no ano letivo de 1959-1960, para
quase 600 escolas e 25 mil alunos, o que permitiu a revisão do curso à luz dessa
experiência (Killian Jr., 1964:422). A proposta original de que os próprios alu-
nos montassem os kits de experimentação foi abandonada e foi adotado o uso de
kits de preço acessível (Haber-Schaim, 2006:6). A primeira edição comercial do
PSSC Physics surgiria em 1960. A adesão ao projeto cresceu exponencialmente,
atingindo, no ano letivo de 1963-1964, cerca de 4 mil escolas e 160 mil alunos.
Cerca de 20% dos alunos de escolas de nível secundário norte-americanas cur-
sando física utilizavam-se do material PSSC (Gevertz, 1962:30).

10
Na Inglaterra, a Fundação Nuffield também financiou projetos de ensino de química, física
e biologia (Barra & Lorenz, 1986:1973). O projeto, iniciado em 1962, voltado a alunos de
14 a 16 anos de idade, visava criar instrumentos que ajudassem os professores a apresentar
a ciência de forma viva, agradável e compreensível, encorajando uma atitude de curiosidade
e investigação. Em 1965, a mesma Fundação Nuffield formou outro grupo para estruturar
o curso de biologia em nível avançado para alunos de 16 a 18 anos de idade. Embora os
sistemas escolares inglês e norte americano sejam diferentes, fundamentalmente os objetivos
dos dois projetos são os mesmos (Krasilchik, 1972:5).
11
Ver: http://www.answers.com/topic/jerrold-zacharias.

36
[...]
No período de 1952 a 1960, a NSF investiu cerca de US$ 13,5 milhões nos
projetos, alcançando a cifra de US$ 16 milhões no ano de 1966. Cerca de 200
mil alunos nos Estados Unidos utilizaram o material do PSSC (física), que começou
a ser distribuído em 1960; 580 mil alunos, o material do BSCS (biologia); que
começou a ser distribuído em 1963; 210 mil alunos, o CHEMS (química), que
começou a ser distribuído em 1963; e cerca de um milhão e 350 mil alunos, o
projeto SMSG (matemática), que teve sua distribuição iniciada em 1960 (Baez,
1976). Entre as principais características de tais projetos, destacam-se:
(i) cientistas de renome, inclusive detentores de prêmios Nobel, estiveram
envolvidos nos projetos;
(ii) os projetos eram orientados pelo conteúdo, ou seja, os cientistas definiam
os temas a serem cobertos pelos projetos;
(iii) os projetos eram centrados em disciplinas, mantendo as divisões tradi-
cionais entre física, química, biologia, etc.;
(iv) havia uma tentativa de apresentar os temas como abertos à investigação e
ao questionamento, e não como um corpo definido de conhecimento;
(v) havia uma grande ênfase em práticas laboratoriais e experimentais;
(vi) envolviam o desenvolvimento de novos materiais de ensino e de laboratório;
(vii) incluíam treinamento de professores;
(viii) eram voltados para o aluno do ensino de segundo grau.
No Brasil, o padrão rígido da LDB na época em vigor estabelecia um programa
de ensino uniforme para todas as escolas do País (Raw, 2005b: 22) e tornava a
adoção de tais projetos da NSF no Brasil de difícil aplicação. Entretanto, com a
nova LDB, Lei 4024, de 21 de dezembro de 1961, ampliou-se bastante a partici-
pação das ciências (física, química e biologia) no currículo escolar, que passaram
a figurar desde o 1º ano do curso ginasial. Com a lei recém-aprovada, garantiu-se
a equivalência de todos os cursos de nível médio (Cunha, L. A., 2003:171) e
abriram-se novas oportunidades para a descentralização na elaboração de currí-
culos, até então inteiramente de competência do MEC (Bertero, 1979:63; Nunes,
C., 2000:56). Com a nova LDB, revogam-se a obrigatoriedade de adoção dos
programas oficiais, possibilitando mais liberdade às escolas na escolha dos conte-
údos a serem desenvolvidos e assim tornando possível ao IBECC/SP promover a
adaptação dos projetos da NSF com o suporte da Fundação Ford (Nardi, 2005:5;
Barra & Lorenz, 1986:1973).
Em 1956, Isaías Raw entrou em contato com os primeiros projetos da NSF
em Indiana, nos Estados Unidos, ao visitar Francis Freedman, do Educational
Service Inc. – uma entidade sem fins lucrativos que emergiu do projeto PSSC (Raw
2005b:23; 1965: 19). Freedman havia sido destacado para vir a São Paulo em
missão da Fundação Ford, porém, algum tempo antes adoeceu e veio a falecer
(Raw, 1970:51). Em julho de 1959, uma comissão liderada por Alfred Wolf em
visita ao Brasil mostrou-se impressionada com o ritmo de desenvolvimento industrial

37
do Brasil, e a existência de problemas na área educacional e de recursos huma-
nos necessários para a modernização e reorganização das instituições políticas e
administrativas, manifestando o interesse de montar um programa de assistência
técnica à América Latina (Herz, 1989:104). Os contatos de Isaías Raw com a
Fundação Rockefeller nos Estados Unidos levaram-no a conhecer Alfred Wolf,
em Nova York, ao qual informou as atividades do IBECC/SP (Raw, 1970:33). A
Fundação Ford decide, então, enviar os cientistas americanos Arthur Rose, da
American Chemical Society e da National Science Foundation (Raw, 1965:9) e
Paul Singe da Indiana University para conhecer projetos na área de educação no
Brasil. Após visitarem a XII Conferência da SBPC em Piracicaba, em julho de
1960, eles conheceram as atividades do IBECC/SP. Ao visitarem escolas de di-
versas cidades brasileiras, os representantes da Fundação Ford puderam observar
a penetração dos materiais produzidos pelo IBECC/SP. A estratégia da Fundação
Ford era a de estabelecer contatos com instituições, ao invés de trabalhar com
órgãos governamentais (Miceli, 1995:349). Em 1961, viria o apoio de US$125
mil para o IBECC/SP (Raw, 1965), para projetos de distribuição dos kits, por
meio de órgão estatais, e a venda ao público, treinamento de professores de ci-
ências e a distribuição de material didático elaborado nos Estados Unidos (Barra
& Lorenz, 1986:1973).
O projeto PSSC constava de um livro texto ricamente ilustrado, uma série pro-
gressiva de livros intitulada Science Studies Series, manual de experiências, manual
do professor e material de apoio. Os objetivos do curso incluíam: (i) apresentar
a física, não como um conjunto de fatos, mas como um processo contínuo, pelo
qual se tem procurado compreender e explicar a natureza do mundo físico; (ii) dar
ênfase às ideias fundamentais da física, possibilitando ao estudante acompanhar o
nascimento, o amadurecimento dessas ideias e, por vezes, a sua invalidação; (iii)
proporcionar ao aluno participar da redescoberta desse conhecimento científico;
(iv) estimular os alunos especialmente dotados a desenvolver por iniciativa própria
pesquisas interessantes; e (v) apresentar um projeto-guia, elaborado pensando no
professor que vai executá-lo (Gevertz, 1962:30). A tarefa de implantação do PSSC
envolvia a preparação, adaptação e tradução dos livros-textos, preparação do mate-
rial de laboratório para realização dos experimentos e treinamento de professores.
O projeto PSSC foi lançado em 1962, sob a coordenação de Antônio Teixeira
Júnior e Anita Berardinelli. Os textos do PSSC eram traduzidos por equipes de
professores universitários como Pierre Lucie, Rachel Gevertz, Rodolpho Caniato,
Antonio Navarro e Anita Berardinelli (Nardi, 2005) e publicados pela Editora
Universidade de Brasília. O projeto contou com o apoio da União Pan-americana,
precursora da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Fundação Ford
(Raw, 1965:20; 1970:53). Sob a coordenação de Antônio Teixeira Júnior, o PSSC
foi utilizado no curso de treinamento de professores da USP, ao passo que, no
Rio de Janeiro, Pierre Lucie introduziu os materiais nos cursos da Universidade
Católica (Raw, 1965:21). O guia do professor foi traduzido e adaptado pelas
equipes do IBECC/SP e do Centro de Treinamento de Professores de Ciências de

38
São Paulo (CECISP) (Barra & Lorenz, 1986:1974). Entre 1964 e 1971, foram
publicados no Brasil mais de 400 mil exemplares dos quatro volumes do PSSC
(Barra & Lorenz, 1986:1974).
Na biologia, foi adotado o projeto BSCS, versões verde (ecologia) e azul (bio-
química), sob a coordenação de Myriam Krasilchik. A origem do BSCS data de
1959, na Universidade do Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos, quando
foi realizada uma primeira reunião, sob o patrocínio do American Institute of Bio-
logical Societies, para a reforma e a constante renovação do ensino de biologia,
com financiamento da NSF (Bertero, 1979). Segundo o geneticista Bentley Glass,
presidente da Comissão Diretora do BSCS, uma deficiência do ensino de biologia
tradicional era considerá-la um corpo de conhecimentos imutáveis, sem observar
as limitações e o caráter dinâmico da ciência, e que, “somente palmilhando o ca-
minho da pesquisa, pode um estudante tornar-se capaz de discernir a verdadeira
diferença entre um experimento seguro, que produz evidência fidedigna, e um
malabarismo técnico, feito com instrumental complexo que não conduz a nada;
entre os fatos e a autoridade; entre a ciência e a magia” (Glass, 1964:361). Para
Bentley Glass, uma reforma no ensino deveria tomar a ciência como o “miolo do
currículo moderno”, infundindo o método científico nas demais matérias, sem,
contudo, se excluírem os demais campos do conhecimento: “o miolo da maçã
certamente não é a maçã inteira. Todavia ele dá sentido ao resto da maçã – nele
estão as sementes sem as quais em estado de natureza não haveria mais macieiras
e não haveria mais maçãs” (apud Reis, J., 1968:178). Para Oswaldo Frota-Pessoa,
“o que fez do BSCS um movimento absolutamente único na história da educação
foi a amplitude de sua frente de combate, sua confiança no método cooperativo de
trabalho e sua produção maciça de material didático do melhor nível, testado e re-
testado em classes reais antes de sua adoção definitiva” (Frota-Pessoa, 1964:426).
Albert Baez aponta que o BSCS foi o projeto que mais propiciou a participação
de professores de outros países fora dos Estados Unidos, envolvendo mais de 50
países, resultando na produção de 45 versões nacionais do BSCS. Isso explica
por que, de todos os projetos (física, química, matemática, etc.), a biologia era
o tema mais propenso à necessidade de adaptações em cada país, para que se
adequasse à fauna e flora locais e conseguisse algum tipo de penetração no meio
escolar (Baez, 1976). Em 1961, o IBECC/SP decidiu incorporar a adaptação
do projeto BSCS. De início, foi decidido elaborar três versões de um curso de
biologia para alunos de 2º grau, as quais foram chamadas de “versão azul”, que
analisava a biologia do ponto de vista da bioquímica; “versão verde”, do ponto de
vista ecológico, e “versão amarela”, do ponto de vista dos organismos. O projeto
da “versão azul” foi preparado em dois volumes: o primeiro, publicado em 1965
e o segundo, em 1966 (Krasilchik, 1972:13). No período de 1965 a 1972, apro-
ximadamente 209 mil exemplares do volume I do BSCS “versão azul” e 115 mil
exemplares do volume II foram também publicados no Brasil (Barra & Lorenz,
1986:1974). Um estudo de 1969 mostra que aproximadamente de 50% a 60%

39
de uma amostra de professores de São Paulo declararam usar o BSCS, “versão
azul”, em seus cursos (Barra & Lorenz, 1986:1974).
[...]
Na área de matemática, foi introduzido o SMSG, que iniciou no Brasil a
“matemática moderna” centrada na teoria dos conjuntos (Raw, 2005B:24), sob
a coordenação de Lafayette de Moraes (Raw, 1970:57). O texto traduzido foi o
Mathematics for High School, que havia sido publicado pela Yale University Press,
em 1961 (Bertero, 1979:63). O SMSG reuniu um pequeno grupo de educadores
norte-americanos convocados em 1958 pela American Mathematical Society e
coordenados pelo prof. E. Begle, da Universidade Yale, com o intuito de aper-
feiçoar o ensino de matemática nas escolas (Lamparelli & Moraes, 1964:419).
[...]
Na área de ciências da terra, foi introduzido o ESCP, publicado pela American
Geology Society. Para a coordenação desse projeto, o IBECC/SP tentou inicialmente
professores do Norte do País, porém, sem sucesso. O projeto foi coordenado por
Nabor Ricardo, da USP (Raw, 1970:58).
Na química, em 1963, foi inicialmente adotado o projeto CBA, sob a coor-
denação de Ernesto Giesbrecht, professor de química da USP, e, posteriormente,
o Chem Study Chemistry (CHEM), em 1966 (Barra & Lorenz, 1986:1974), um
projeto mais simples, sob a coordenação do prof. H. Weiss, do ITA. Ernesto Gies-
brecht e o subsecretário do IBECC visitaram o Lebanon Vally College, o Earlhang
College e o Kenyon College para conhecer o CBA na prática. O CBA foi um projeto
iniciado nos Estados Unidos, em 1957, no Reed College de Princeton, no estado
de Oregon. O tema central do projeto era o conceito de ligação química como
uma associação elétrica que podia manter toda a matéria coesa. Nos livros do
CBA, a natureza da ligação química era explicada por meio de conceitos recém-
-interpretados da mecânica quântica, como o conceito de orbital, nível e subnível
de energia, além de abordar os aspectos termodinâmicos das reações químicas sob
um ponto de vista mais teórico, no qual o conceito de entropia era introduzido de
modo qualitativo. Os livros do CBA foram traduzidos para o português por Astrea
e Ernesto Giesbrecht e Dietrisch Schulz, da FFCL, com a participação de Alaôr
Ferreira, membro do IBECC, e distribuídos nas escolas públicas pela Comissão
do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED) (Neto, 2003:204). As traduções
das edições preliminares foram preparadas em janeiro de 1963, e um curso de
verão foi realizado em São José dos Campos, no ITA, apenas para brasileiros,
tendo como palestrantes Ted Benfey e E. Knutson (Raw, 1965:24; 1970:56;
2005:24, Giesbrecht, 1964:424).
Com o CBA, calorímetros e outros equipamentos foram disponibilizados às
escolas, bem como uma impressão de uma tabela periódica pela primeira vez
realizada no Brasil e na América Latina: um indício notório da baixa qualidade
dos livros de química anteriores ao CBA (Raw, 1965:24; 1970:56).

40
Leitura 5
Aumentado a escala das boas práticas educacionais

Richard Elmore (1996)12

[...]

Projetos de Desenvolvimento Curricular em Larga Escala

Outro corpo de evidências mais recente sobre esses temas vem das reformas
curriculares em larga escala que se realizaram nas décadas de 1950 e 1960 nos
Estados Unidos, e que foram patrocinadas pela Fundação Nacional de Ciências
(National Science Foundation, NSF). Em sua estrutura fundamental, essas reformas
foram bastante similares às reformas progressistas, embora as reformas curriculares
tenham se concentrado muito mais firmemente no conteúdo. A ideia central das
reformas curriculares era a de que a aprendizagem na escola deve ser parecida,
muito mais do que atualmente, com os processos reais pelos quais os indivíduos
vêm a compreender o seu ambiente, a sua cultura e as situações sociais. Ou seja, se
os alunos estão estudando Matemática, Ciências Naturais ou Ciências Sociais, eles
devem, de fato, engajar-se em atividades semelhantes àquelas das quais se ocupam
os profissionais que realmente se dedicam a essas disciplinas e, nesse processo,
os alunos devem atingir não somente o conhecimento da matéria, mas também
descobrir os processos de pensamento e os métodos de inquirição pelos quais se
constrói esse conhecimento. Essa visão sugeriu que as novas grades curriculares
fossem elaboradas de modo que os melhores pesquisadores das diversas áreas do
saber se unissem aos professores, utilizando-se assim do conhecimento de ambos
esses grupos para propor novas concepções de conteúdo e novas estratégias de
ensino. Nos Estados Unidos, o primeiro desses projetos foi o da grade curricular
da Física de Ensino Médio, que começou em 1956, realizado pela Comissão de
Estudos de Ciências Físicas (Physical Sciences Study Committee - PSSC). Outro
exemplo é o Estudo Curricular de Ciências Biológicas (Biological Sciences Curricu-
lum Study - BSCS), iniciado em 1958. Um terceiro foi o O Homem: um Curso de
Estudo (Man: A Course of Study - MACOS), um ambicioso projeto de desenvolvi-
mento curricular das Ciências Sociais, que começou em 1959, mas que somente

12
Extraído de: Richard Elmore. Getting to Scale with Good Educational Practice. Harvard
Education Review. Vol. 66, No. 1 Spring 1996: 1-27. Reproduzido com permissão da Harvard
Education Publishing Group.

41
recebeu seu primeiro patrocínio substancial da Fundação Ford em 1962, e um
apoio da NSF para treinamento de professores em 1969 (Dow, 1991; Elmore,
1993; Grobman, 1969; Marsh, 1964). Tais projetos de reforma curricular estavam
entre os maiores e mais ambiciosos realizados, não sendo, contudo, os únicos.
Desde o início, estava claro que os encarregados da reforma curricular de-
sejavam alterar o cerne da escolarização norte-americana, e que suas aspirações
não eram fundamentalmente diferentes de adeptos anteriores do progresso educa-
cional. Sua concepção era a de que os professores deveriam se tornar mentores e
copesquisadores, estudando com seus alunos os fenômenos básicos da Física, da
Biologia e das Ciências Sociais. Havia uma forte concentração do trabalho discente
na experimentação, na inquirição e no estudo das fontes originais. Era necessário
descartar a noção do livro-texto como um repositório do conhecimento conven-
cional e, no lugar disso, os professores deveriam usar materiais e instrumentos
cuidadosamente elaborados, que abrissem as portas para as grandes ideias das
áreas em questão. O objetivo do estudo não era a assimilação de fatos, mas sim a
aprendizagem de métodos e de conceitos de investigação científica, que permitissem
que a ciência fosse feita nas escolas da mesma maneira que é feita na vida real.
A origem dos projetos de desenvolvimento curricular estava nas iniciativas
de professores universitários que trabalhavam com a crença de que consegui-
riam aumentar a qualidade dos alunos ingressantes no Ensino Superior caso
promovessem um aperfeiçoamento do currículo do Ensino Médio. Portanto, os
professores universitários tentaram dominar o processo de desenvolvimento cur-
ricular, frequentemente em detrimento de relações com os professores e com os
administradores das escolas, aos quais caberia adotar os currículos depois deles
terem sido elaborados e testados em amostras de escolas. Esses projetos tiveram,
portanto, resultados diversos quanto ao fato de engajar os professores das esco-
las no processo de desenvolvimento dessas iniciativas, algo que era diferente de
simplesmente fazer com que os professores testassem em campo o que já havia
sido desenvolvido nas universidades.
Embora os professores estivessem engajados, de um modo ou de outro, em
algum estágio da elaboração de todos esses projetos, nem sempre eles eram co-
-autores. No PSSC, o processo de desenvolvimento contou com a colaboração
de um pequeno número de professores considerados talentosos o suficiente para
trabalharem em conjunto com os acadêmicos do Instituto de Tecnologia de Massa-
chusetts (Massachusetts Institute of Technology – MIT). O principal envolvimento
desses professores ocorreu no estágio dos testes em campo; não obstante, o feed-
back dado por eles se mostrou volumoso demais para ser acomodado no produto
final (Marsh 1964). No MACOS, escolheu-se uma escola da área de Boston para
se fazer um teste de verão, e os professores engajaram-se relativamente cedo no
projeto de desenvolvimento curricular. Versões posteriores do novo currículo foram
então extensivamente testadas e comercializadas em todo o país (Dow, 1991).
De longe, o envolvimento mais ambicioso e sistemático dos professores como
coformuladores de projetos foi no BSCS. Este programa foi designado para pro-

42
duzir três versões distintas de uma grade curricular de Biologia do Ensino Médio
(Bioquímica, Ecologia e Citologia), de modo que as escolas dos professores par-
ticipantes podiam escolher qual método adotar. O processo de desenvolvimento
foi dividido em três equipes distintas, cada qual composta de um número igual
de acadêmicos e também de professores de Biologia de Ensino Médio. As lições
ou unidades foram desenvolvidas por duplas compostas de um acadêmico e de
um professor do Ensino Médio, sendo que cada uma dessas unidades foi revisada
e criticada por uma outra equipe de mesma constituição. Após as novas grades
curriculares terem sido desenvolvidas, os professores que participaram de sua
elaboração foram convocados a organizar grupos de estudos constituídos de outros
professores, que se incumbiram de utilizar as novas unidades curriculares em
suas aulas durante o ano escolar, e de repassar os resultados dessa utilização na
forma de novos insumos para o projeto. Entretanto, é interessante observar que,
depois que os materiais curriculares foram desenvolvidos, a NSF interrompeu o
financiamento dos grupos de estudos de professores, sob a justificativa de que estes
já haviam cumprido a sua tarefa no desenvolvimento do projeto. Não obstante, tal
corte efetivamente acabou com os grupos de estudos dos professores, os quais se
constituíam, potencialmente, no mecanismo mais poderoso de alterar as práticas
de ensino (Elmore, 1993; Grobman, 1969).
As avaliações dos projetos de desenvolvimento curricular financiados pela NSF
geralmente concluíram que seus efeitos foram amplos, porém pouco profundos.
Centenas de milhares de professores e de especialistas em currículo foram trei-
nados em cursos de verão. Dezenas de milhares de unidades curriculares foram
disseminadas. Milhões de alunos foram expostos a, pelo menos, algum produto
ou subproduto desses diversos projetos. Em algumas escolas e sistemas escolares,
professores e administradores encadearam esforços para transformar os currículos
e o ensino de acordo com essas novas ideias. Entretanto, na maior parte dos casos,
os resultados se pareceram com os constatados por Cuban (1984) em seu estudo
sobre as práticas de ensino progressistas. Uma forma fraca, diluída e híbrida
emergia de algumas situações nas quais os novos currículos eram forçosamente
impostos sobre as velhas práticas e, na maior parte das salas de aula do Ensino
Médio, os materiais curriculares não exerceram qualquer impacto sobre o ensino
e a aprendizagem. Apesar do fato de que os projetos de desenvolvimento curricu-
lar produziram materiais valiosos, que ainda hoje servem de recurso para muitos
professores e que moldaram as concepções existentes sobre as possibilidades do
currículo científico no Ensino Médio, seu impacto tangível sobre o cerne da esco-
larização norte-americana foi insignificante (Elmore, 1993; Stake & Easely, 1978).
A maioria dos críticos acadêmicos concorda que, nesses projetos de desenvol-
vimento curricular, havia um modelo ingênuo, desacreditado e mal-concebido de
como influenciar a prática docente. O modelo, se é que havia algum, era o de que
um bom currículo e uma boa prática docente eram autoexplicativos e autoimple-
mentáveis. Se os professores e os administradores escolares reconhecessem a clara
superioridade das ideias embutidas nesses novos currículos, eles simplesmente

43
trocariam os livros-texto tradicionais por esses novos materiais, e mudariam suas
práticas arraigadas para, assim, aperfeiçoar o ensino, o que aumentaria a chance
de sucesso acadêmico de seus alunos.
Entretanto, esse modelo não se atentou suficientemente para o complexo
processo de tomada de decisão local sobre as questões curriculares, nem para
o grau de institucionalização e agressividade das relações políticas e comerciais
envolvendo os currículos baseados nos livros-texto, e tampouco para os fracos
incentivos dados aos professores para que mudassem suas práticas rotineiras de
trabalho, ou para os custos extraordinários envolvidos na promoção de mudanças
duradouras, fundamentais e em larga escala referentes à construção do conheci-
mento em sala de aula. Nos poucos casos em que os proponentes dos projetos de
desenvolvimento curricular pareceram estar prestes a descobrir um modo de alterar
a prática educacional em larga escala – como no caso dos grupos de estudos dos
professores no BSCS, por exemplo – eles foram incapazes de discernir o signifi-
cado do que estavam fazendo, porque viam a si próprios como os formuladores
de novas ideias sobre o ensino, e não como atores de uma mudança institucional.
O padrão estrutural que emerge dos projetos de desenvolvimento curricular
em larga escala é marcadamente similar ao do período progressista. Primeiro,
suas ideias eram poderosas e atraentes, tendo conseguido se concretizar através de
materiais tangíveis e de uma prática realizada em um número limitado de contextos.
Neste sentido, os projetos foram notavelmente bem-sucedidos na organização social
do conhecimento, conseguindo levar os mais sofisticados pensadores do país para
a órbita da educação pública a fim de pensar sobre o que os estudantes devem
saber e ser capazes de fazer. Em segundo lugar, cabe observar que os responsáveis
pela elaboração dos currículos tiveram uma compreensão comprovadamente inepta
e ingênua das questões individuais e institucionais das mudanças associadas às
reformas que eles pretendiam realizar. Eles supuseram que um “bom” produto
seria capaz de se disseminar pelas salas de aula do país com base em seus pró-
prios méritos, sem enxergar os complexos fatores institucionais e individuais que
poderiam comprometer sua capacidade de conseguir tal feito. Terceiro, os maiores
sucessos obtidos por esses reformadores foram, em certo sentido, também seus
maiores fracassos. Os poucos professores que alcançaram a maestria na docên-
cia de Física no PSSC, de Biologia no BSCS ou de Estudos Sociais no MACOS,
serviram apenas para confirmar o que a maioria dos educadores pensa a respeito
de talento para a docência: alguns o têm, mas a maioria, não. Alguns têm uma
dose extraordinária de energia, compromisso a habilidade inata necessária para
mudar sua prática de forma fundamental; porém, a maioria simplesmente não
dispõe disso. A existência de casos exemplares, concomitante com a incapacidade
de se capitalizar sobre esses talentos, somente reforça a noção de que o ensino
de alto nível é uma característica individual, e não uma expectativa profissional.

44
Leitura 6
As mudanças “de dentro para fora” e “de fora para dentro”:
lições dos paradigmas de aperfeiçoamento escolar
do passado e do presente (1a parte)

Emily Calhoun e Bruce Joyce (2005)13

[...]

O Clássico Método P & D (Pesquisar/Desenvolver/Implementar/Disseminar)

Durante muitos anos, o método mais visível de melhoramento escolar era a


geração de programas curriculares por centros de pesquisa e desenvolvimento
situados além da esfera dos distritos escolares, seguida, então, pela implementa-
ção desses programas nas escolas. O financiamento de tais programas também
era feito por agências externas às escolas e aos distritos escolares. Usualmente,
o método P & D incluía:
• a participação, na elaboração dos programas, de pesquisadores e especia-
listas de uma determinada área curricular ou campo de estudo;
• a utilização de profissionais das escolas para analisar e criticar os materiais,
e também para experimentar, na prática, os documentos, procedimentos, estraté-
gias específicas e o programa como um todo, sem, entretanto, conceder-se a esses
profissionais a condição de principais elaboradores do programa;
• a elaboração de currículos aprofundados e meticulosamente explicados;
• o estudo de bases de conhecimento tanto internas quanto externas ao
contexto educacional para a produção de informações, de estratégias de ensino e
de materiais capazes de facilitar as interações entre os alunos e esses currículos;
• a manutenção de um elevado nível de qualidade dos materiais dos pro-
gramas, com uma ênfase na precisão dos conteúdos e nas estratégias de ensino
que levassem os alunos a engajar-se com os currículos como se fossem jovens
acadêmicos das áreas em questão;

13
Extraído de: CALHOUN, Emily and JOYCE, Bruce. “Inside-Out” and “Outside-In”: Learning
from Past and Present School Improvement Paradigms. Em HOPKINS, D. (org.) The Practice
and Theory of School Improvement. Amsterdam. Springer, 2005: 253-256. Reproduzido com
gentil permissão da Springer Science and Business Media.

45
• o cuidado na testagem prática dos materiais curriculares e das estratégias
didáticas dos programas;
• a disseminação somente de programas que comprovadamente exerceram
efeitos positivos sobre os alunos.
Uma característica essencial – e pouco lembrada nos dias de hoje, a despeito
de sua, talvez, máxima importância – é que o único propósito dos centros de P&D
era a elaboração de programas voltados para o aperfeiçoamento da aprendizagem e
das habilidades dos alunos. Muitos desses programas foram financiados e desenvol-
vidos com o objetivo de assegurar o futuro dos EUA, e também do mundo, através
da promoção de uma educação mais completa e transformadora para nossos jovens.
Os patrocinadores e os elaboradores de tais programas estavam convencidos de
que os métodos de ensino e os currículos escolares então mais populares estavam
ultrapassados e, dessa forma, acreditavam fervorosamente na necessidade de seu
aperfeiçoamento (Veja, por exemplo, Bruner, 1961; Elam, 1964).
As fontes de financiamento, do governo norte-americano e também das
fundações, estabeleceram então o “Movimento de Reforma Acadêmica”, que é
o nome pelo qual esse esforço coletivo de P & D ficou conhecido. Entre 1957 e
1967, os seus produtos foram abundantes. Entre outros, o Comissão de Estudos
de Ciências Físicas (Physical Science Study Committee – PSSC) desenvolveu um
curso de física; o Grupo de Estudos de Matemática Escolar (School Mathematics
Study Group) propôs-se a introduzir a matemática moderna, o Estudo Curricu-
lar de Ciências Biológicas (Biological Sciences Curriculum Study) desenvolveu
livros-texto e manuais de laboratório, o Projeto Metodológico Ligações Químicas
(Chemical Bonds Approach Project – CHEM BONDS) preparou livros-texto, guias
de laboratório e exames de proficiência; o Projeto de Geografia no Ensino Médio
(High School Geography Project) trabalhou na elaboração de um curso de áudio
acompanhado de materiais; o O Homem: um Curso de Estudo (Man: A Course
of Study – MACOS) foi responsável pela elaboração de um curso para as últimas
séries do ensino elementar com a duração de um ano e dedicado a fazer os alu-
nos se engajarem em quase todas as formas puras de investigação científica; e o
Ciências: uma Abordagem Processual (Science – A Process Approach – S-APA)
forneceu guias didáticos e curriculares, além de kits de materiais para o ensino
do jardim de infância à sexta série.
Logo após a introdução desses programas voltados principalmente para o
ensino de matemática e ciências de nível médio, vieram os programas dedicados
ao aprimoramento e/ou à intervenção no ensino de séries mais elementares, tais
como o HeadStart (Osborn, 1965) e o Follow Through (Bereiter; Kurland, 1981;
Rhine, 1981; Stallings, 1979) com o objetivo de fornecer às crianças em situação
desfavorável um “começo” de vida escolar melhor do que elas teriam de outra
forma. Aplicações tecnológicas, como a Vila Sésamo (Ball e Bogatz, 1970) e demais
produtos da Children´s Television Workshop e de outras agências de comunicação
e mídia também foram desenvolvidos com o propósito de fornecer enriquecimento

46
ambiental tanto para alunos da pré-escola quanto de séries subsequentes. O go-
verno federal norte-americano tratou de estabelecer vinte “Centros” de pesquisa
e desenvolvimento, além de vinte “Laboratórios” para disseminar as informações
e apoiar o seu uso. Vale dizer que a separação entre os centros e os laboratórios
tornou-se indistinta.
O paradigma de P & D evoluiu da forma observada por duas razões princi-
pais. Uma delas é que o tempo necessário para a pesquisa e o desenvolvimento
curricular não era alocado aos professores e administradores escolares; portanto,
acreditava-se ser necessário formar grupos especiais de “desenvolvimento”, que
deveriam ser altamente qualificados para tratar especificamente das questões de
currículo, ensino e tecnologia. Também se considerava que, para se atingir um
elevado nível de desenvolvimento e reflexão sobre o currículo, necessitava-se de
um conhecimento técnico não comumente encontrado nos distritos escolares. Em-
bora coubessem ao “pessoal da escola” papéis importantes, tais papéis não eram
os únicos a serem desempenhados. Os esforços empreendidos tentaram envolver
os níveis mais avançados de reflexão sobre as questões acadêmicas e, com esse
propósito, arrebanharam pesquisadores que não estavam habitualmente envolvidos
com o desenvolvimento de currículos.
No paradigma P & D, os encarregados da elaboração dos currículos e dos
programas geralmente eram combinações de acadêmicos e de especialistas em
matemática, ciências, linguagem e desenvolvimento de programas, trabalhando
fora do âmbito dos distritos escolares. Entretanto, isso não impedia que professores
e os gestores escolares participassem, também, dessas ações. Nos dias de hoje, é
pouco conhecido e reconhecido o fato de que os principais projetos do Movimen-
to de Reforma Educacional envolveram um grande número de professores que
ajudaram a elaborar os materiais, testaram-nos em suas salas de aula e realizaram
conjuntamente estudos de campo sobre eles.
Na concepção desses programas, invariavelmente estavam presentes as princi-
pais questões de currículo e de ensino: que tipo de conhecimento/processo é mais
adequado para uma determinada área de estudo, e quais estratégias/interações
farão os alunos utilizarem esse conhecimento na escola e também no futuro, ao
mesmo tempo em que serão capazes de lhes fornecer um desenvolvimento inte-
lectual geral. É possível, portanto, perceber-se por todos os projetos/programas,
uma ênfase generalizada no currículo, com o propósito específico de conceber
materiais capazes de possibilitar aos alunos aprender a fazer investigações de uma
maneira bastante parecida com a dos pesquisadores das disciplinas em questão.
Uma vez desenvolvido, testado, revisado, retestado e sido comprovadamente capaz
de produzir resultados positivos nos alunos, o “pacote” curricular então passava
à disseminação, por meio de publicidade e treinamento.
Para avaliar a eficiência do método de aperfeiçoamento educacional P & D,
é preciso considerar separadamente os resultados de dois componentes: de um
lado, a pesquisa e o desenvolvimento e, do outro, a disseminação/implementação.

47
Na área de desenvolvimento de programas curriculares, o paradigma P&D
contribuiu para um grande número de modelos de currículo, de ensino e de tec-
nologia que tiveram um efeito comprovado sobre a aprendizagem dos alunos nos
locais em que foram testados. A magnitude dos efeitos de alguns desses modelos
tem sido muito subestimada em anos recentes. Em várias combinações, eles não
somente lograram capacitar as crianças a adquirirem informações, conceitos com-
plexos, habilidades e modos eficazes de pensar sobre problemas e de resolvê-los,
mas também aumentaram a sua capacidade de aprender. (Revisões breves e gerais
desse assunto podem ser consultadas em Bredderman, 1981, 1983; El Nemr,
1979; Joyce; Well, 1996; Wang; Haertel; Walberg, 1993). Talvez a realização
mais notável desse paradigma tenha sido a sua capacidade de aperfeiçoar o ra-
ciocínio lógico e a aptidão para aprender das crianças do ensino primário (Almy,
1970; Spaulding, 1970).
Entretanto, com poucas exceções, o fracasso da implementação do paradigma
P & D se deu na mesma medida do seu sucesso nas fases de desenvolvimento. No
início da década de 1970, estava claro que a estratégia de implementação de ofe-
recer cursos de verão aos professores não havia afetado mais do que um pequeno
percentual de salas de aula (Goodlad; Klein, 1970). Além disso, a resposta aos
intensos esforços que se fizeram para aperfeiçoar, por exemplo, a matemática e
a capacidade de resolução de problemas, foi uma forte atitude negativa por parte
do público (bem como de muitos professores e administradores escolares) em
relação ao New Math14 e aos esforços a ele atrelados.

As Lições Aprendidas do Método P & D.

Tem havido uma tendência de atribuir os fracassos do método P & D ao fato


de que os seus produtos foram desenvolvidos fora das escolas onde os professores
tentavam implementá-los. Essa explicação coloca a culpa nos responsáveis pelo
financiamento e elaboração dos programas; entretanto, ela não explica por que
os professores rejeitariam uma alternativa a suas práticas que prometia promover
ganhos dramáticos na aprendizagem de seus alunos. Atualmente, as explicações
frequentes são que a implementação falhou porque os professores das escolas
simplesmente não “ligaram para ela”, ou porque eles não foram envolvidos, no
sentido amplo e integral, nas fases de criação e de desenvolvimento dos programas.
Embora provavelmente haja alguma verdade em ambas essas explicações, elas
soam ingênuas quando se leva em conta que, na sociedade contemporânea, um
grande número de empreendimentos não-educacionais depende do trabalho de
P & D de pessoas tanto de dentro quanto de fora de uma organização, além dos
responsáveis práticos por sua implementação local. Engenharia, medicina, eletrô-

14
Literalmente, Nova Matemática, programa patrocinado na era pós-Sputnik pela Fundação
Nacional de Ciências dos EUA. (N. T.)

48
nica, mídia e comunicações são exemplos óbvios disso. Entretanto, comumente se
acredita que, nos círculos educacionais, o desenvolvimento externo está fadado
ao fracasso porque ele é um processo inerentemente “de cima para baixo”. Em
essência, argumenta-se que a situação social nos EUA e em outros lugares é tal que
as comunidades acadêmicas responsáveis pela criação de métodos educacionais
estão inevitavelmente em conflito com as “verdades da sala de aula”, e também
com a competência e dignidade profissional dos professores.
O estudo das mudanças ocorridas nas escolas durante os últimos 25 anos
tem fornecido explicações alternativas sobre o motivo pelo qual esses modelos e
projetos que, apesar de tão bem-sucedidos na fase experimental, falharam em sua
implementação na maioria das escolas públicas. Uma explicação é que os seus
elaboradores subestimaram grandemente a quantidade e o tipo de treinamento
que teria que ser dado às pessoas que adotariam o modelo ou que utilizariam o
processo desenvolvido. Parcialmente com base em estudos sobre o que aconteceu
a esses programas P & D, pesquisadores sobre mudanças educacionais tentaram
aperfeiçoar os paradigmas de treinamento e produziram evidências consideráveis
a favor desta última explicação. Nos dias de hoje, têm-se desenvolvido modelos de
treinamento responsáveis por aumentos significativos nas taxas de implementação
de programas curriculares e de ensino, e que conectam a implementação desses
modelos a ganhos consideráveis na aprendizagem dos estudantes (Joyce; Sho-
wers, 1995; Slavin; Dolan; Madden, 1996; Joyce; Wolf; Calhoun, 1993; Joyce;
Calhoun, 1996). O conhecimento sobre como apoiar os professores na aprendi-
zagem de novas práticas didáticas atingiu agora um ponto em que as concepções
de implementação podem virtualmente assegurar a utilização e os efeitos positivos
subsequentes sobre os alunos.
Em um recente estudo dedicado a melhorar a qualidade da escrita dos alunos,
uma combinação de modelos curriculares e instrucionais permitiu que os estudantes
de todas as escolas de alto desempenho de nível elementar e médio de um distrito
escolar aumentassem a qualidade da redação muitas vezes mais do que os ganhos
médios anuais em anos anteriores (Joyce; Calhoun, 1996). Em vários outros estu-
dos feitos recentemente, estudantes então considerados como de baixa habilidade
aumentaram tanto a sua proficiência quanto a sua a capacidade de aprendizagem
por meio da implementação de métodos em larga escala (Sharan; Shachar, 1988;
Slavin; Dolan; Madden, 1996; Pinnel, 1989). Nesses esforços bem-sucedidos,
houve grandes alterações nas escolas, através de aumentos substanciais no tempo
dedicado ao desenvolvimento profissional das equipes escolares.
Outra explicação pelo desempenho tão ruim que esses produtos de P & D
tiveram ao serem levados para as escolas é que o sucesso de sua implementação
dependeu da capacidade de autorenovação das escolas onde foram introduzidos.
Por exemplo, muitos dos “produtos” de P & D foram intensivamente usados por
umas poucas escolas que também estavam adotando outras inovações. E o sucesso
também depende, em certo grau, de pesquisas sobre treinamento e implementa-
ção de programas. Por exemplo, concepções eficazes de treinamento provocam

49
muitas alterações nos locais de trabalho e, como resultado, intensificam a relação
entre os professores, que passam a trabalhar na implementação dos programas
de modo colaborativo e em equipes. Slavin (1996) argumenta persuasivamente
que um grande percentual de escolas encontra-se hoje numa tal condição pro-
fissional/social que quase a única opção de aperfeiçoamento educacional de que
elas dispõem é uma alta carga de desenvolvimento profissional baseado em P & D.
Este autor também argumenta que apenas um pequeno percentual de escolas é
capaz de “pegar uma inovação” e incorporá-la como sua sem uma quantidade
considerável de assistência externa.
Quando se examina a história documental do método P & D em relação ao de-
senvolvimento, efeitos e disseminação de seus programas, dois pontos se destacam:
• Na fase experimental, desenvolveu-se um grande número de programas
capazes de exercer muitos efeitos substanciais sobre a aprendizagem dos alunos
em várias áreas;
• Esses programas encontraram grandes dificuldades para serem disseminados.
A explicação comum para esse fracasso é que o problema com a disseminação
foi sociopolítico; isto é, a pesquisa e o desenvolvimento realizados fora da escola
estão essencialmente fadados ao fracasso por causa da rejeição despertada por
seus programas, que violam as condições da vida profissional na educação. En-
tretanto, é difícil aceitar essa explicação como inevitável, especialmente quando
se considera um corpo de evidências científicas a favor da tese de que é possível
implementar eficazmente programas externos e fazer com que eles gerem sobre os
alunos os efeitos que comprovaram ter nos estudos-piloto, desde que se promova,
para isto, um grau substancial de desenvolvimento profissional.

50
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53
Seção 2
O Impacto da Teoria do Capital Humano

Introdução

É impossível subestimar o impacto global da Teoria do Capital Humano. A


noção relativamente simples de que o ritmo do crescimento econômico e social dos
países se deve, em grande medida, ao nível de escolarização de sua população e,
portanto, que os gastos com educação não são de consumo, mas de investimento,
se espalhou por todo o mundo e deu início a uma nova era de otimismo e de
expansão dos sistemas educacionais, sobretudo nos países em desenvolvimento.
Os arautos dessa revolução foram as agências de desenvolvimento e os bancos
multilaterais que, juntos, criaram uma nova indústria de planejamento educacional
comandada pelos economistas, além de uma gama de assessores e de especialistas
que se tornaram os agentes dessa nova ortodoxia. Em curto espaço de tempo, a
forma de conceber o papel da educação na sociedade foi alterada em face das
evidências de que havia uma estreita relação entre educação, produtividade e
desenvolvimento econômico.
Todos reconhecem a contribuição primordial do prêmio Nobel em Ciências
Econômicas, Theodore Schultz, à formulação e ao desenvolvimento dessa nova
teoria. Com base nas suas observações sobre a recuperação da Alemanha e do
Japão no pós-guerra e o papel da agricultura no desenvolvimento econômico dos
países do Terceiro Mundo, Schultz foi o primeiro a consagrar a importância das
decisões educacionais do indivíduo e da sociedade, ao incorporá-los explicitamente
à teoria microeconômica. Por esse motivo, seu famoso pronunciamento de 1960
perante a Associação Americana de Economia, geralmente entendida como o
ponto de partida da sua obra sobre esse tema, será também nossa primeira leitura.
A primeira preocupação de Schultz foi a de tentar superar o preconceito contra
a aplicação da noção de capital ao ser humano. A ideia do homem como um bem
de produção, à semelhança do valor de mercado que, séculos atrás, se atribuía
aos escravos, era ofensiva para muitos. Entretanto, do ponto de vista das novas
oportunidades que o homem adquire através do investimento em conhecimentos
e habilidades, era legítimo interpretar seu valor econômico como uma forma de
liberação, e não como uma condenação. Ainda faltava resolver se era possível
medir o impacto desse investimento na renda do indivíduo e da sociedade. Foi essa
questão que impulsionou o campo da economia da educação e que gerou diversos
estudos sobre as taxas de retorno dos diferentes níveis, modalidades e instituições
educacionais. Grosso modo, esses estudos confirmaram a hipótese de que os inves-

55
timentos sociais e pessoais realizados na expansão dos sistemas educacionais e na
elevação do nível educacional da população produziram retornos superiores aos
investimentos em bens físicos. Isso sem levar em conta aquela parte dos gastos que
deveria ser considerada como consumo por conta dos benefícios mais culturais
e recreativos do que propriamente produtivos. Ou seja, se os retornos eram tão
altos, mesmo quando calculados de forma conservadora, o argumento a favor da
expansão imediata das oportunidades educacionais era irrefutável.
Mesmo sendo ativista da causa educacional, e acreditando na necessidade de
exportar a doutrina do capital humano aos países em desenvolvimento (ainda cha-
mados de subdesenvolvidos) para acelerar o processo de crescimento econômico,
o próprio Schultz deve ter se surpreendido com o tamanho e vigor da revolução
que ele e outros pioneiros, como Denison (1964), colocaram em marcha. Esse
processo, e as reformas que se seguiram na esteira da repentina expansão dos
sistemas educacionais através do mundo, estão evidenciados na leitura seguinte,
de Irvin Sobel. Neste texto, entende-se que a “recepção entusiástica” conferida à
teoria do capital humano se deve em parte à sua coincidência com a revolução de
expectativas nos países em desenvolvimento, que já atribuía à educação a capaci-
dade de garantir acesso aos empregos e estilos de vida do mundo desenvolvido. O
texto de Sobel também ajuda a compreender o crescimento do campo da economia
da educação, alavancado pelos estudos sobre os retornos gerados pela educação,
e pelo patrocínio recebido por instituições de grande prestígio, como a OCDE e
a UNESCO, as fundações Ford e Rockefeller e o Banco Mundial que, através de
pesquisas e financiamentos, ajudaram a difundir essa mensagem.
O campo da economia da educação também ajudou na criação de uma nova
especialização em planejamento educacional e, como instrumento desse, entrou em
cena a “projeção da força de trabalho”, cuja tarefa fundamental era a de prever,
ou até mesmo influenciar, os rumos do desenvolvimento econômico em termos da
demanda futura de força de trabalho, convertendo posteriormente essas projeções
em planos de expansão para os diversos níveis e modalidades de educação. A
motivação subjacente era a de eliminar quaisquer gargalos que pudessem com-
prometer as metas de desenvolvimento econômico. Com base em alguns estudos
emblemáticos, principalmente os realizados em países mediterrâneos na década
de 1950, espalhou-se pelo mundo em desenvolvimento a ânsia de equilibrar a
oferta e a demanda de mão de obra em termos do nível e do tipo de qualificação
com base em projeções cada vez mais sofisticadas sobre as necessidades futuras
dos diferentes setores da economia.
Um dos motores da difusão da teoria do capital humano e dessas novas técnicas
de planejamento educacional foi o Banco Mundial e, por esse motivo, incluímos,
como próxima leitura, um relatório interno dessa organização sobre suas atividades
no setor educacional, datado de 1971. Nesse documento, percebemos a preocu-
pação com a aparente perda de qualidade da educação como uma consequência
de sua acelerada expansão nos países em desenvolvimento, juntamente com uma
outra moléstia: o “desemprego escolarizado”. Do ponto de vista estritamente

56
econômico, esse tipo de desemprego parecia um grande desperdício de recursos.
Para os investimentos em educação gerarem os retornos manifestados pelos teó-
ricos da teoria do capital humano, os egressos dos sistemas escolares precisavam
encontrar trabalho produtivo à altura da sua formação.
Como uma explicação desses males, aparece a ideia de que os modelos
educacionais seguidos pelos países em desenvolvimento, copiados muitas vezes
de seus colonizadores europeus, são de alguma forma inapropriados ou mal
adaptados à nova realidade desses países. As consequências desses modelos são a
formação de jovens para empregos que não existem, a disjunção entre expectativas
e oportunidades e a sobra de pessoas qualificadas que não encontram trabalho.
Para combater esses problemas de desequilíbrio entre as aspirações e a reali-
dade do mercado de trabalho, sinais talvez de que a expansão educacional atendia
a necessidades sociais e culturais além da teoria do capital humano, levanta-se a
proposta de reorganizar os sistemas educacionais a favor da formação de técnicos
de nível médio mediante um tipo diferente de formação, a educação “profissiona-
lizante”. Antes sob o comando exclusivo dos empregadores ou dos sistemas para-
lelos de ensino técnico, a nova educação profissionalizante era para ser oferecida
aos alunos regulares de todas as escolas, através de um currículo voltado para o
mundo do trabalho. Se o currículo importado dos países desenvolvidos alimentava
aspirações e despertava anseios para escassas ocupações “modernas”, a solução
residia na revalorização dos empregos técnicos e no ensino de habilidades supos-
tamente apropriadas para a fixação do indivíduo no seu meio tradicional. Mesmo
admitindo a necessidade de cautela, pela impossibilidade da educação de resolver
os problemas do desemprego, o Banco deixava evidente sua opinião a favor da
participação dos governos em sistemas de treinamento profissionalizante, como
um apoio aos esforços das empresas.
Na discussão das operações do Banco Mundial na década de 1960, observa-se
como uma orientação a favor do ensino médio, tanto na sua vertente técnica quanto
na generalista, aos poucos vai se tornando uma política favorável à incorporação
das matérias profissionalizantes em todos os cursos. O que era uma política de
construção e equipamento de escolas de ensino médio em nome da formação da
força de trabalho para todas as ocupações vira um apoio ao ensino médio técnico
e agrícola.
A próxima leitura é de um texto de Manuel Zymelman, que tem menos difi-
culdade ainda em defender um sistema educacional diferente para os países em
desenvolvimento. Mediante o argumento de que a revolução industrial nos países
desenvolvidos foi um processo lento, em que o nível de qualificação demandado
dos trabalhadores aumentava só aos poucos, ao passo que, nos países em de-
senvolvimento, a demanda inicial por qualificações técnicas se estabelece num
patamar de alta tecnologia, o autor justifica a criação de sistemas educacionais
que priorizam o ensino das habilidades necessárias ao trabalho técnico.
Porém, o argumento não para nesse ponto. Zymelman também fala do pro-
blema gerado quando muitos clamam por uma educação generalista prolongada,

57
enquanto, historicamente, esse modelo de educação foi criado para que um
pequeno grupo pudesse se preparar para seu papel de liderança em uma socie-
dade elitista. Ecoando a teoria de “mobilidade patrocinada” de Turner (1960),
Zymelman argumenta que a educação generalista tinha servido mais para excluir
os que socialmente não se predestinavam a uma função de elite e que, mesmo
nos países desenvolvidos, esse modelo já tinha sido superado.
Em resumo, Zymelman afirma que, para atender às exigências do mercado
de trabalho de um país em desenvolvimento, não é possível seguir o caminho
dos países mais ricos, e que não há nada a ganhar em aumentar a proporção de
graduados de nível superior. O que esses países precisam é de um novo modelo
de educação que possa combinar a educação geral com uma formação profissio-
nalizante, que permita ao indivíduo inserir-se no mercado de trabalho:
Se, devido a razões políticas, uma grande proporção de jovens deve prosseguir
no sistema educacional formal, a educação terá que ampliar seus horizontes para
além do que é oferecido atualmente. Ela terá que incluir elementos de educação
ocupacional. A educação formal terá que ir além de seus limites acadêmicos e
adotar algumas das funções externas ao contexto acadêmico. Ela terá que oferecer
uma variedade de alternativas para aqueles cujas habilidades intelectuais, inte-
resses, background e oportunidades de trabalho não podem se beneficiar de uma
educação geral prolongada. (Zymelman, 1971:114)
O próximo texto, de minha própria autoria e resultante de um estudo que fiz
da Lei 5692 de 1971, tenta mostrar como o pensamento dominante a favor do
ensino profissionalizante impactou a reforma do ensino médio no Brasil no período
da ditadura. Afirmo no texto que o Brasil não estava sozinho na adoção dessas
ideias. Na mesma época, outros países da região, incluindo a Venezuela, o Peru,
a Colômbia e El Salvador, também embarcavam em reformas que reorganizavam
o ensino médio mediante mudanças curriculares profundas em direção ao ensino
profissionalizante. Não apresento evidências da influência do Banco Mundial ou
de outros órgãos internacionais como a USAID1 que, na década anterior, tinham
colaborado com o Brasil na reforma do ensino superior, mas sabemos hoje que a
simultaneidade dessas reformas não foi uma coincidência.
O texto mostra que a reforma preconizada pela Lei 5692 passou por vários
estágios. Na sua versão original e mais doutrinária, observa-se uma convicção a
respeito da necessidade de concentrar os investimentos em educação na vertente
técnica e no fomento de habilidades apropriadas ao mundo do trabalho. Nem
precisava dizer que a principal justificava era a taxa de retorno para esse tipo de
educação. Porém, no caso brasileiro, havia mais duas explicações, não menos
importantes, para um governo que tinha assumido o papel de combater a rebeldia
dos jovens. Uma delas foi a missão de criar atitudes mais favoráveis ao modelo

1
Abreviatura de United States Agency for International Development – Agência Norte-americana
de Desenvolvimento Internacional –, órgão do governo dos EUA que presta assistência a diversos
países em questões de natureza econômica, social, política e ambiental. (N. T.)

58
econômico capitalista então em expansão no país. Incomodado pelos distúrbios
relacionados à explosão no número de alunos egressos do ensino médio acadêmico
tradicional que não encontravam vaga no ensino superior, o governo também quis
usar a reforma 5692 como uma saída. Uma solução seria a “incorporação pro-
dutiva” desses alunos em postos de trabalho de nível médio após terem passado
por um curso profissionalizante, que não só equiparia os alunos para seu novo
destino laboral, como também desviaria a atenção que se dava ao ensino superior.
A versão mais branda da reforma, que admitia a possibilidade de definir o
programa de educação geral como uma “habilitação” para o trabalho, já era uma
admissão de derrota. O fim oficial veio através da Lei 7044 de 1982, que dispen-
sava a oferta obrigatória de conteúdos profissionalizantes e deixava as escolas livres
para prepararem seus alunos para o ingresso na universidade, sem a necessidade
de fingir que se estava preparando os alunos para o mundo do trabalho. Ao mesmo
tempo, encerrou-se, com isso, uma tentativa de amenizar as divisões sociais entre
as escolas que compõem o sistema de ensino médio. O fim desse nobre intento de
mitigar a estratificação, estimulado pelo movimento similar das escolas europeias
em direção à “compreensivização”, foi o único verdadeiro prejuízo do final da
reforma, mas é difícil imaginar em que condições essa proposta teria dado certo.
A estratificação social das redes de ensino do sistema brasileiro efetivamente retira
das mãos dos reformadores do sistema público qualquer ingerência na relação
entre classe social e trajetória escolar.
Poucos artigos no campo da educação comparativa tiveram tanta influência nos
círculos acadêmicos e nas agências de cooperação internacional como o trabalho
de Philip Foster, incluído como a próxima leitura desta seção. Publicado em 1965,
“A Falácia da Escola Profissionalizante no Planejamento do Desenvolvimento”
atingiu o cerne do debate sobre se as escolas e seus currículos podem influenciar
a sociedade mediante a mudança nas atitudes a respeito do trabalho. Após a
independência de muitos países africanos, argumentou-se que a agricultura de
subsistência e o desemprego urbano eram problemas que poderiam ser combatidos
pela reorientação da educação a favor de currículos mais profissionalizantes, o
que contribuiria para a modernização de sociedades tradicionais e para a redução
do desemprego escolarizado. A crítica de Foster a essa visão foi fulminante e,
embora tendo se direcionado às soluções propostas para os países africanos de
maior tradição agrícola, serve para uma avaliação das reformas propostas em todos
os continentes, incluindo no nosso.
Com base na sua análise da história educacional de Gana, um país da África
Ocidental, Foster argumenta que por mais de cem anos o sistema de educação
ocidental tinha produzido mudanças educacionais de grandes proporções, mas que
raramente as escolas tinham se comportado da forma esperada pelos responsáveis
pelas políticas educacionais. A pesquisa de Foster foi um relato vivo daquilo que
ele chamou de “as consequências não planejadas da expansão educacional”. Ou
seja, mesmo quando se quer atribuir às escolas a posição estratégica de inculcar
valores e habilidades para o desenvolvimento econômico, as escolas e os alunos

59
dificilmente se adaptam aos desígnios dos planejadores. Pelo contrário, a história
indicaria que não é o currículo que determina as aspirações profissionais e que,
se há algum desequilíbrio entre a formação escolar e o destino profissional do
indivíduo, isso se deve à estrutura de oportunidades no mercado de trabalho, e
não ao desprezo pelas ocupações manuais que se ensina nos bancos escolares. Os
alunos e seus pais são capazes de perceberem seus melhores interesses de longo
prazo, e dificilmente têm seus pontos de vista desviados por novos currículos ou
propostas educacionais.
Há evidências de que a gradual aceitação da crítica de Foster e de outros à
chamada falácia da escola profissionalizante foi uma das razões pelas quais o Banco
Mundial começou a abandonar sua política generalizada de apoio ao ensino médio
“diversificado”, ou seja, profissionalizante, no final da década de 1970. Aliás, foi
na década de 70 que toda a trama da reforma educacional realizada a partir das
necessidades da economia começou a se desfazer, como mostra a próxima leitura,
baseada no texto de Psacharopoulos e Woodhall sobre a perda de relevância das
projeções da força de trabalho na condução da expansão educacional.
Na conclusão desses autores, a ideia da projeção da força de trabalho sempre
prometia mais do que podia oferecer. Dadas as incertezas e a imprevisibilidade do
crescimento econômico, o dinamismo do setor informal e a capacidade dos agentes
econômicos de encontrar soluções alternativas com custos menores, as tentativas de
especificar nos mínimos detalhes as necessidades futuras do mercado de trabalho
estavam sempre fadadas ao fracasso. Apesar do apelo de estar sempre indicando
o melhor investimento possível, dada a conexão entre a formação educacional e
a produtividade do trabalhador, o planejamento educacional e seu instrumento
preferido de projeção da força de trabalho acabaram perdendo prestígio, de
modo que, juntamente com outros frutos da teoria do capital humano, deixaram
de exercer influência nas reformas das décadas seguintes.

60
Leitura 1
Investimento em Capital Humano

Theodore W. Schultz (1961)2

Embora seja óbvio que as pessoas adquiram habilidades e conhecimentos


úteis, não é tão óbvio que tais habilidades e conhecimentos sejam uma forma
de capital, que esse capital seja em grande parte produto de um investimento
deliberado, que ele tenha se desenvolvido nas sociedades ocidentais em um
ritmo muito mais acelerado do que o capital convencional (não humano), e que
o seu desenvolvimento pode bem ser a característica mais destacada do sistema
econômico. Tem-se observado que os aumentos no produto nacional têm sido
grandes em comparação com os aumentos em terra, horas-homem e capital físico
reproduzível. O investimento em capital humano é provavelmente a razão principal
para essa diferença.
Muito daquilo que nós consideramos consumo constitui investimento em capital
humano. Despesas diretas com educação, saúde e migrações internas em busca de
melhores oportunidades de trabalho são exemplos claros disso. Os salários a que
os estudantes maduros renunciam para frequentar a escola e os trabalhadores que
recebem treinamento no local de trabalho também são exemplos claros. Mesmo
assim, nada disso consta em nossa contabilidade nacional. O uso do tempo de
lazer para ampliar as habilidades e o conhecimento também é uma prática disse-
minada, a qual, do mesmo modo não é registrada. Dessas e de outras maneiras,
é possível melhorar amplamente a qualidade do esforço humano e aumentar a
sua produtividade. Sustentarei que tal investimento em capital humano explica a
maior parte do expressivo aumento nos ganhos reais do trabalhador.
Comentarei, em primeiro lugar, as razões pelas quais os economistas se es-
quivam de análises explícitas de investimentos em capital humano e, em seguida,
discutirei a capacidade de tal investimento de explicar o enigma do crescimento
econômico. Entretanto, focarei principalmente no escopo e na substância do ca-
pital humano e sua formação. Para concluir, farei algumas considerações sobre
as implicações sociais e políticas.

2
Extraído de: Theodore W. Schultz. Investment in Human Capital (Discurso Presidencial
pronunciado no Septuagésimo Terceiro Encontro Anual da Associação Americana de Econo-
mia, Saint Louis, em 28 de dezembro de 1960. O autor deve agradecimentos a seus colegas
Milton Friedman, por suas proveitosas sugestões para a obtenção de clareza e persuasão, e a
Harry G. Johnson, por apontar diversas ambiguidades). American Economic Review, No. 51,
março de 1961:1-17. Reproduzido com permissão da Editora.

61
Esquivando do Investimento nas Pessoas

Os economistas já sabem há um bom tempo que as pessoas são a maior riqueza


das nações. Medida por aquilo que o trabalho pode contribuir para a produção, a
capacidade produtiva dos seres humanos é agora imensamente maior do que todas
as outras formas de riqueza reunidas. O que os economistas não destacaram é a
simples verdade de que as pessoas investem nelas mesmas, e que esses investi-
mentos são bastante grandes. Embora os economistas raramente se intimidem ao
fazer análises abstratas e frequentemente se orgulhem de serem pouco práticos,
eles ainda não ousaram enfrentar essa forma de investimento. Sempre que se
aproximam, eles se movimentam com cautela, como se estivessem entrando em
águas profundas. Não há dúvidas de que há razões para ser prudente. Questões
morais e filosóficas profundamente arraigadas estão sempre presentes. Os homens
livres são, antes de tudo, o fim a que se destina o esforço econômico; eles não são
propriedades ou bens comerciais. E, além disso, tem sido bastante conveniente
em análises de produtividade marginal tratar o trabalho como se fosse um pacote
único de habilidades inatas completamente livres de capital.
O mero pensamento de investimento em seres humanos é ofensivo para alguns
de nós. Nossos valores e crenças nos impedem de ver os seres humanos como bens,
exceto nas situações de escravidão, que abominamos. Não estamos livres de nos
sentirmos afetados pela longa luta para livrar a sociedade de trabalhos forçados
e para buscar a evolução de instituições políticas e legais que tornem os homens
livres da servidão. Essas são conquistas que nós prezamos muito. Daí, tratar seres
humanos como riquezas que podem ser aumentadas através de investimentos é
algo que contraria valores profundamente arraigados. Parece que isso reduz o
homem mais uma vez a um componente meramente material, a algo semelhante
a uma propriedade. E, para o homem, ver-se como um bem, mesmo que isso não
ameace sua liberdade, pode parecer uma depreciação. Ninguém menos que J. S.
Mill uma vez insistiu que as pessoas de um país não deveriam ser consideradas
como riqueza, porque a riqueza só existia para o bem das pessoas. Mas, certamente
Mill estava errado; não há nada no conceito de riqueza humana contrário à sua
ideia de que ela exista apenas para o bem das pessoas. Ao investir em si mesmas,
as pessoas ampliam o leque de escolhas possíveis para elas. É a única forma pela
qual os homens livres podem aumentar o seu bem-estar.
Dentre os poucos que têm considerado os seres humanos como capital, há
três nomes de destaque. O filósofo e economista Adam Smith ousou incluir todas
as habilidades úteis e adquiridas de todos os habitantes de um país como uma
parte do capital. Assim também fez H. von Thünen, que foi além, ao argumentar
que o conceito de capital aplicado ao homem não o degradava, nem ameaçava sua
liberdade e dignidade, mas ao contrário, que o fracasso em aplicar tal conceito era
especialmente prejudicial em guerras; “... pois aqui... alguém irá sacrificar em
uma batalha cem seres humanos no auge de suas vidas sem pensar duas vezes,
a fim de salvar uma arma”. A razão é que “... a compra de um canhão provoca

62
um desembolso de recursos públicos, enquanto que os seres humanos podem ser
obtidos por nada, por meio de um mero decreto de recrutamento”. Irving Fisher
também apresentou com clareza e convicção um abrangente conceito de capital.
Contudo, as principais linhas de pensamento sustentam que não é apropriado nem
prático aplicar o conceito de capital a seres humanos. Marshall, cujo grande pres-
tígio explica em boa medida porque essa visão foi aceita, sustenta que, enquanto
os seres humanos são incontestavelmente capital, sob um ponto de vista abstrato
e matemático, seria impensável para o mercado tratá-los como capital, em análises
práticas. O investimento em seres humanos tem sido raramente incorporado ao
núcleo formal das ciências econômicas, ainda que muitos economistas, inclusive
Marshall, tenham visto a relevância disto em algum ponto de sua obra.
O fracasso em tratar os recursos humanos explicitamente como uma forma de
capital, como um meio de produção produzido, como o produto de investimentos,
tem alimentado a manutenção da noção clássica de trabalho como uma capacidade
para realizar tarefas manuais, que requer pouco conhecimento e habilidade, uma
capacidade com a qual os trabalhadores são igualmente dotados, de acordo com
essa noção. Esse conceito de trabalho era errado no período clássico e é eviden-
temente errado agora. Contabilizar indivíduos que podem e querem trabalhar e
tratar tal número como uma medida da quantidade de um fator econômico não
tem mais significado do que contar o número de todos os tipos de máquinas para
determinar sua importância econômica, seja como um acúmulo de capital, ou
como um fluxo de serviços produtivos.
Os trabalhadores se tornaram capitalistas, não porque todos compraram ações
na bolsa, como se poderia pensar folcloricamente, mas sim porque passaram a ad-
quirir conhecimentos e habilidades que têm valor econômico. Esses conhecimentos
e habilidades são, em grande parte, produto de investimentos e, combinados com
outros investimentos humanos, contam predominantemente para a superioridade
produtiva dos países tecnologicamente avançados. Omiti-los no estudo do cresci-
mento econômico é como tentar explicar a ideologia soviética sem Marx.
[...]

Escopo e Substância desses Investimentos

O que são investimentos humanos? Eles podem ser diferenciados dos gastos
de consumo? É possível identificá-los e medi-los? Como eles contribuem para a
renda? Considerando que eles parecem amorfos se comparados a tijolos e arga-
massa, e concretos se comparados a contas de investimentos de corporações, eles
certamente não são um fragmento; eles são, antes, como o conteúdo da caixa de
Pandora, cheia de dificuldades e de esperança.
Os recursos humanos obviamente têm dimensões qualitativas e quantitativas.
O número de pessoas, a proporção dos que entram no trabalho produtivo e as

63
horas trabalhadas são características essencialmente quantitativas. Para tornar
minha tarefa razoavelmente manejável, vou ignorar essas e considerar somente os
componentes qualitativos, como habilidade, conhecimento e atributos similares que
afetam capacidades humanas específicas para a realização de trabalho produtivo.
Na medida em que as despesas para melhorar tais capacidades também aumentam
o valor da produtividade do esforço humano (trabalho), elas irão render uma taxa
de retorno positiva.
Como podemos estimar a magnitude do investimento humano? A prática que
se adota em relação aos bens de capital físicos é estimar a magnitude da formação
de capital com base nas despesas feitas para produzir tais bens de capital. Essa
prática seria suficiente também para a formação do capital humano. Entretanto,
para o capital humano, há um problema adicional que não é tão premente para os
bens de capital físicos: como distinguir entre as despesas destinadas ao consumo e
aquelas destinadas ao investimento. A distinção toca tanto as dificuldades concei-
tuais quanto as práticas. Podemos pensar em três tipos de despesas: as despesas
que satisfazem às preferências do consumidor e de nenhum modo aumentam as
capacidades em questão – essas representam um consumo puro –; as despesas
que aumentam as capacidades e que não satisfazem a qualquer preferência de
consumo subjacente – essas representam um investimento puro –; e as despesas
que têm ambos os efeitos. A maioria das atividades relevantes está claramente no
último grupo, sendo parcialmente consumo e parcialmente investimento, o que
mostra porque a tarefa de identificar cada componente é tão grandiosa e porque
a medida da formação de capital pelas despesas é menos útil para o investimento
humano do que para o investimento em bens físicos. Em princípio, há um mé-
todo alternativo para estimar o investimento humano, a saber, por meio de seu
rendimento, em vez de por seu custo. Enquanto qualquer capacidade gerada
pelo investimento humano se torna uma parte do agente humano e, portanto,
não pode ser vendida; ela está, não obstante, “em contato com o mercado” ao
afetar as remunerações e salários que o agente humano pode ganhar. O aumento
resultante nos ganhos é o rendimento sobre o investimento.
[...]
Os investimentos na educação têm crescido em um ritmo rápido e eles po-
dem ser responsabilizados por uma parte substancial no aumento, de outra forma
inexplicável, dos ganhos. Irei apenas resumir alguns resultados preliminares dos
custos totais da educação, incluindo a renda renunciada dos alunos, a aparente
relação desses custos com a renda do consumidor e com investimentos alterna-
tivos, o aumento na educação da força de trabalho, o retorno da educação, e a
contribuição que o aumento de educação pode ter trazido para os ganhos e para
a renda nacional.
Não é difícil estimar os custos convencionais da educação representados pe-
los custos dos serviços dos professores, bibliotecários, administradores, demais
encarregados da manutenção e operação da indústria educacional, e dos juros

64
sobre o capital incorporado à indústria da educação. Entretanto, muito mais difícil
é estimar outro componente do custo total, o ganho antecipado dos estudantes.
Ainda assim, esse componente deve ser incluído e está longe de ser insignificante.
Nos Estados Unidos, por exemplo, bem mais da metade dos custos com a educação
superior consiste na renda renunciada dos estudantes. Já no início do século XX,
essa renda renunciada somava cerca de um quarto dos custos totais da educação
elementar, secundária e superior. Em 1956, ela representava mais de dois quin-
tos de todos os custos. A importância crescente da renda renunciada tem sido
um fator importante na acentuada tendência de subida no total dos custos reais
da educação que, estimados em valores atuais, aumentaram de 400 milhões de
dólares em 1900 para 28,7 bilhões em 1956. O aumento percentual nos custos
educacionais foi cerca de três vezes e meia maior que o aumento na renda do
consumidor, o que implicaria uma grande elasticidade de renda em relação à
demanda por educação, se a educação fosse considerada como puro consumo. Os
custos educacionais também aumentaram cerca de três vezes e meia mais rápido
do que a formação bruta de capital físico em dólares. Se tratássemos a educação
como puro investimento, esse resultado iria sugerir que o retorno da educação
seria relativamente mais atraente do que o gerado pelo capital não humano.
Muita instrução é adquirida por pessoas que, na maioria das análises eco-
nômicas, não são tratadas como auferindo renda, particularmente as mulheres.
Para analisar o efeito do crescimento da instrução nos rendimentos, é necessário,
portanto, distinguir entre o acúmulo de educação na população e seu volume na
força de trabalho. Anos de frequência escolar estão longe de ser uma medida
satisfatória, por causa dos aumentos que têm ocorrido no número de dias letivos
dos estudantes matriculados e porque a educação dos trabalhadores hoje con-
siste muito mais do ensino médio e da educação superior do que anteriormente.
Minhas estimativas preliminares sugerem que, em relação à força de trabalho, o
acúmulo da educação aumentou oito vezes e meia entre 1900 e 1956, enquanto
que o acúmulo de capital reproduzível aumentou quatro vezes e meia, também
em valores de 1956. Essas estimativas estão, naturalmente, sujeitas a muitas res-
trições. Não obstante, tanto a magnitude quanto a taxa de aumento dessa forma
de capital humano têm sido tais que poderiam ser uma chave essencial para o
enigma do crescimento econômico.
O instigante trabalho em curso é sobre o retorno gerado pelo investimento
em educação. Apesar da abundância de graduados do ensino médio e superior,
esse retorno não se tornou trivial. Mesmo as estimativas mais baixas mostram que
o retorno educacional tem estado próximo do retorno do capital não humano. Isto
é o que mostra a maioria das estimativas, quando elas tratam como custos todas
as despesas públicas e privadas com educação, assim como a renda renunciada
durante a frequência à escola, e também quando elas tratam todos esses custos
como investimento, não alocando nada para o consumo. Mas, certamente, uma
parte desses custos é consumo, no sentido em que a educação cria uma forma
de capital de consumo, que tem o atributo de melhorar o gosto e a qualidade do

65
consumo dos estudantes pelo resto de suas vidas. Se fosse alocada uma porção
substancial dos custos totais dessa educação para o consumo, digamos, a metade,
isso iria dobrar a taxa de retorno, supondo que isso corresponderia ao componente
do investimento em educação que melhora a produtividade do homem.
Felizmente, o problema de alocar os custos da educação da força de trabalho
entre consumo e investimento não nos aflige quando olhamos a contribuição que
a educação traz para os salários e para a renda nacional, já que uma mudança
na alocação apenas alteraria a taxa de retorno, nunca o retorno total. Já observei,
no início, que os aumentos inexplicáveis na renda nacional dos Estados Unidos
têm sido particularmente altos nas décadas recentes. De acordo com certos pres-
supostos, a parte inexplicável chega a quase três quintos do aumento total entre
1929 e 1956. Quanto desse aumento inexplicável na renda representa um retorno
gerado pela educação da força de trabalho? Um limite mais baixo sugere que são
cerca de três décimos dele, e um limite mais alto não exclui que mais da metade
vem dessa fonte. Essas estimativas também implicam que entre 36% e 70% do
aumento não explicado até agora nos ganhos do trabalho é explicado pelos retornos
gerados pela educação adicional dos trabalhadores.

Concluindo: uma Nota sobre Políticas

Assume seu próprio risco aquele que quer discutir políticas e implicações
sociais. O modo de defesa convencional é camuflar os próprios valores e vestir o
manto da inocência acadêmica. Seguirei desprotegido!
1. Nossa legislação tributária, em toda parte, discrimina o capital humano.
Embora o acúmulo desse capital tenha se tornado volumoso e embora seja óbvio
que o capital humano, como outras formas de capital reproduzível, se desvalori-
za, torna-se obsoleto e exige manutenção, nossa legislação tributária quase nem
enxerga tais questões.
2. O capital humano se deteriora quando fica ocioso, porque o desemprego
debilita as habilidades adquiridas pelos trabalhadores. Perdas nos ganhos podem
ser mitigadas por pagamentos apropriados, mas estes não impedem que a ociosi-
dade cobre seu preço do capital humano.
3. Há muitos obstáculos para a livre escolha de profissões. A discriminação
racial e religiosa ainda é disseminada. Associações profissionais e entidades
governamentais também dificultam o ingresso de candidatos, por exemplo, na
medicina. Tais interferências propositais mantêm o investimento nessa forma de
capital humano substancialmente inferior ao seu potencial ótimo.
4. É, de fato, essencial destacar as dificuldades muito maiores do mercado de
capitais para prover fundos para o investimento em seres humanos, do que para o
investimento em bens físicos. Muito pode ser feito para reduzir essas dificuldades,
por meio de reformas nas legislações tributárias e bancárias e de mudanças nas

66
práticas bancárias. Empréstimos de longo prazo, privados e públicos, são uma
prática justificável para estudantes.
[...]
9. Meu último comentário sobre políticas trata da assistência aos países subde-
senvolvidos para ajudá-los a atingir o crescimento econômico. Aqui, mais do que
em assuntos domésticos, o investimento em seres humanos parece ser subestimado
e negligenciado. Tal fato é inerente ao clima intelectual em que os líderes e repre-
sentantes de muitos desses países se encontram, e nossa exportação de doutrinas
de crescimento tem contribuído para isso. Essas doutrinas costumam atribuir um
papel preponderante à formação de capital não humano, e consideram que a su-
perabundância de recursos humanos seja um fato evidente. Siderúrgicas são um
verdadeiro símbolo da industrialização. Afinal, a industrialização da Inglaterra não
dependia de investimentos na força de trabalho. Novos fundos e agências estão
sendo autorizados para transferir capital como bens físicos para esses países. O
Banco Mundial e nosso Banco de Importação-Exportação já adquiriram muita ex-
periência. Aí também medidas vêm sendo tomadas para preparar o caminho para
o investimento de mais capital privado (não humano) no exterior. Esse esforço por
parte de um dos lados vem ocorrendo, apesar do fato de que o conhecimento e as
habilidades necessários para assumir e usar com eficiência as técnicas superiores
de produção – o que é o recurso mais precioso que poderíamos disponibilizar para
eles – é escasso nesses países subdesenvolvidos. Algum crescimento certamente
pode ser obtido a partir do aumento no capital mais convencional, mesmo que
falte habilidade e conhecimento ao trabalho disponível. Mas a taxa de crescimento
será seriamente limitada. Simplesmente não é possível colher os frutos de uma
agricultura moderna e ter a abundância  da indústria moderna sem fazer grandes
investimentos nas pessoas.
De fato, a característica mais distintiva de nosso sistema econômico é o
crescimento do capital humano. Sem isso, haveria apenas trabalho árduo, braçal
e pobreza, exceto para aqueles que extraem rendimentos de suas propriedades.

67
Leitura 2
A revolução do Capital Humano no Desenvolvimento Econômico:
sua história e status atual

Irvin Sobel (1978)3

Quando, em 1960, T. W. Schultz proferiu seu discurso presidencial na As-


sociação Econômica Americana, intitulado “Investimento em Capital Humano”,
ele introduziu o que sua colega Mary Jean Bowman, mais tarde, chamaria de
“revolução do investimento humano no pensamento econômico”. O que Schultz e
seus contemporâneos proclamaram ter conseguido foi a incorporação das decisões
educacionais de indivíduos e sociedades ao núcleo da teoria microeconômica. O
departamento de economia da Universidade de Chicago, que Schultz coordenou
desde o início da década de 1940, já era considerado há um bom tempo como
o maior proponente da teoria microeconômica neoclássica. Em grande medida,
a teoria do capital humano, nas palavras do próprio Schultz, foi projetada para
expandir a teoria microeconômica, resolvendo alguns importantes paradoxos ou
“enigmas”, que até então tinham sido explicados apenas caso a caso.
Enquanto isso, uma revolução menos dramática, mas igualmente importan-
te, que relacionava o desenvolvimento de recursos humanos com o crescimento
econômico, vinha ocorrendo no pensamento macroeconômico. A obra “As fontes
do crescimento econômico nos Estados Unidos e as alternativas diante de nós”,
de Edward Denison, que foi lançada em janeiro de 1962, teve um impacto quase
igual àquele da obra de Schultz. Denison foi capaz de incorporar melhorias na
qualidade dos recursos humanos, alcançadas por meio de instrução e “avanços
no conhecimento”, ligadas a indivíduos instruídos e treinados, em uma função
de produção agregada, que ele tinha formulado para explicar as origens do cres-
cimento econômico.
Esses dois trabalhos pioneiros vinham sendo produzidos há quase uma
década, já tinham sido ao menos parcialmente publicados de forma preliminar
pelos autores, e discutidos e criticados por diversos colegas e estudantes. Ambos
os trabalhos foram baseados em trabalhos antecipatórios e pioneiros dos anos
1950 e, em grande medida, amalgamavam as contribuições analíticas de outros
em sínteses únicas.

3
Extraído de: Irvin Sobel. The Human Capital Revolution in Economic Development. Com-
parative Education Review. June 1978: 278-293. Reproduzido com permissão da University
of Chicago Press.

68
As Origens da Revolução do Investimento Humano

Historiadores que estudam ideias econômicas podem discordar quanto à


extensão de suas ênfases sobre a relação entre a emergência de novos sistemas
de pensamento e questões contemporâneas, mas todos concordam que, em algum
grau, novos conceitos analíticos emergem em resposta a uma gama de questões
e problemas contemporâneos, dos quais as teorias correntes não tratam ou para
os quais não fornecem bases adequadas para a formulação de políticas. Em
resumo, separar a revolução dos recursos humanos do contexto do período em
que ela ocorreu, não apenas seria altamente enganoso, mas também falharia ao
não fornecer as pistas necessárias para compreender o impacto dessas ideias na
década de 1960.
As raízes da chamada revolução do capital humano repousam no período
que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Pensadores econômicos clássicos e
neoclássicos estavam bastante cientes da ideia do “capital humano”, mas nunca
incorporaram este conceito em suas análises. O núcleo central do que Kuhn de-
nominaria como o paradigma da economia clássica é o “capital”, e um aumento
na riqueza estava diretamente ligado por Adam Smith, em Riqueza das Nações, a
um aumento no acúmulo de capital. Embora Smith tenha apresentado analogias
entre homens e máquinas, nas quais a aquisição de habilidades era tratada como
um investimento, os pós-classicistas e até Alfred Marshall, rejeitaram a abordagem
do capital humano.
Eram vários os problemas e questões a partir dos quais a abordagem em in-
vestimento humano se desenvolveu. Eles se originaram da tentativa de facilitar o
desenvolvimento dos países de Terceiro Mundo, que começou na década de 1950;
da competição entre os Estados Unidos, outras economias ocidentais e a União So-
viética por maiores taxas de crescimento econômico; de preocupações da educação
americana decorrentes do prematuro sucesso espacial russo do “Sputnik”; e de
tentativas, em muitos países, de maximizar as taxas de desenvolvimento por meio
do planejamento econômico. Essas preocupações eram parcialmente alimentadas
pelo aumento nas despesas educacionais em todo o mundo, durante os anos 50.
[...]

A Revolução do Investimento Humano: Recepção Entusiástica

Não obstante comentários críticos e altamente cautelosos por economistas e


educadores, a abordagem do capital humano foi recebida com entusiasmo e, de
certo modo, sem críticas, tanto nas regiões desenvolvidas como nas subdesenvol-
vidas. Embora as teorias originais e a aplicação subsequente de pesquisas nos
países em desenvolvimento fossem, em grande parte, propostas por economistas
de países desenvolvidos, a mensagem era recebida com entusiasmo nas regiões

69
menos desenvolvidas do mundo. A crença de que o investimento em pessoas por
meio da educação e do treinamento traria resultados compensadores em termos de
desenvolvimento, coincidiu com a “revolução das expectativas”, segundo as quais
o acesso à educação era retratado como um “abre-te Sésamo” para a igualdade de
status e para uma maior igualdade de renda. Assim, análises econômicas serviam
para fornecer as bases científicas para a expansão educacional. Independentemente
do país ou da natureza do sistema educacional, o resultado final era uma tentativa
de abertura ou de melhoria do acesso ao sistema educacional em todos os níveis.
O conceito de investimento no homem serviu de guarda-chuva para cobrir
tanto os elementos conservadores da sociedade, que se interessavam prima-
riamente pelo crescimento econômico, quanto os elementos mais radicais, que
viam na expansão educacional uma igualdade de oportunidades, de renda e até
mesmo de poder. Embora cada agrupamento social tivesse suas próprias ideias a
respeito de como os recursos educacionais deveriam ser alocados entre os dife-
rentes níveis de educação e áreas técnicas e não técnicas, as pressões essenciais
levaram à expansão educacional. É possível argumentar que o ímpeto subjacente
a essas tendências em todo o mundo era tão forte, que essa expansão massiva da
educação, especialmente da educação técnica e científica, ocorreria mesmo na
ausência da “revolução do investimento humano”; entretanto, não há dúvidas de
que essa tendência foi acelerada pelo que havia sido desencadeado pelas formu-
lações de Schultz.
É importante ressaltar que a abordagem do capital humano e da economia
da educação foi institucionalizada em importantes entidades políticas, como a
OCDE, a UNESCO, a USAID, e nas principais fundações, especialmente a Ford
e a Rockefeller e, finalmente, no Banco Mundial – com todas essas instituições
financiando pesquisas fundamentais na economia da educação –, bem como em
grandes conferências e seminários que “disseminaram a mensagem”. A abertura
de unidades universitárias de pesquisa em centros de graduação de prestígio
também contribuiu para difundir essas ideias.

O Conteúdo e os Conceitos da Abordagem de Investimento Humano

T. W. Schultz enunciou sua abordagem, não apenas para explicar certas


mudanças econômicas contínuas, especialmente na distribuição de renda, mas
também para desenvolver uma teoria verificável sobre decisões microeconômicas
em relação à demanda por educação secundária, técnica e superior. Os critérios
dessas decisões microeconômicas foram posteriormente ampliados no suplemento
do Journal of Political Economy (Jornal de Economia Política), em sua edição de
outubro de 1962, que incluía os capítulos preliminares da monografia pioneira
“Capital Humano”, de Gary Becker, que viria a ser publicada em 1964. Esses
critérios de taxa de retorno logo foram utilizados para fornecer a base lógica para a

70
expansão do investimento social na educação e no treinamento. No período inicial,
alguns dos defensores e popularizadores mais otimistas da abordagem do capital
humano sustentavam que o método do retorno gerado pela educação iria resultar
em orientações para a alocação de recursos educacionais entre áreas, programas
e tipos de educação específicos.
Schultz tentou explicar por que, ao contrário das expectativas da teoria micro-
econômica, as taxas de renda gerada pelo capital estavam em declínio e por que
os rendimentos de propriedade estavam caindo em comparação com a renda dos
salários. Em resumo, ele questionava por que a renda nacional estava subindo,
com relação à quantidade de horas-homem, terra e capital físico, utilizados na pro-
dução. Sua explicação era que os economistas tinham negligenciado a importância
do capital humano que se adquiria por meio da educação e do treinamento. Ele
argumentava que, quando a educação e o treinamento eram tratados como capital,
esses enigmas e paradoxos que a microteoria tinha explicado anteriormente por
meio de análises de caso eram facilmente resolvidos.
Schultz atribuía uma boa parte do grande aumento nos ganhos por trabalha-
dor ao investimento feito nos seres humanos, que aumentava enormemente sua
capacidade produtiva. O investimento em pessoas consistia nas despesas com
educação e treinamento, incluindo a renda renunciada durante o período escolar
(que ele estimava como abrangendo pelo menos 50% de todos os investimentos
em educação superior), em saúde e em migração para áreas mais produtivas.
Já que todos esses tipos de despesas estavam se expandindo rapidamente, com
relação ao investimento em capital físico reproduzível, a distribuição de renda
vinha sendo alterada em favor do “trabalho”.
Como resultado, Schultz sustentava que a melhor forma de atingir uma maior
igualdade de renda era aumentar a disponibilidade de programas de educação
gratuitos ou de baixo custo, oferecidos pelo Estado, e por meio de medidas proje-
tadas para reduzir os custos de oportunidade da educação superior. Schultz citou
estimativas preliminares de Becker e o seu próprio trabalho, que mostravam que a
taxa de retorno – tanto a privada quanto a social – da educação, mesmo no nível
universitário, é significativamente mais alta que a taxa de retorno do capital físico,
indicando, portanto que havia um subinvestimento na educação e no treinamento.
Os comentários de Schultz sobre os países subdesenvolvidos eram ainda mais
contundentes: “Meu último comentário sobre políticas trata da assistência aos pa-
íses subdesenvolvidos para ajudá-los a alcançar o crescimento econômico. Aqui,
mais do que em assuntos domésticos, o investimento em seres humanos parece ser
subestimado e negligenciado. [...] Nossa exportação de doutrinas de crescimento
tem contribuído para isso. Elas usualmente atribuem um papel preponderante
à formação de capital não humano. [...] O recurso mais valioso que poderíamos
disponibilizar para eles é escasso nesses países subdesenvolvidos”.
Uma literatura relativamente extensa, medindo as taxas de retorno da edu-
cação, seguiu os esforços pioneiros de Schultz e Becker. Aparentemente, essa
abordagem oferecia aos indivíduos treinados na teoria de microdecisões a melhor

71
chance para a formulação de políticas eficazes, uma vez que as taxas podiam ser
ostensivamente utilizadas como critério para as decisões de alocação de inves-
timentos entre (a) capital humano e físico, (b) os vários níveis de educação, (c)
vários programas de treinamento formal e (d) programas informais oferecidos no
local de trabalho.
A influência de Schultz foi sentida em outro aspecto. Sua distinção entre
os componentes de consumo e investimento em despesas com educação, e sua
observação de que “se alguém alocasse para o consumo uma porção substancial,
digamos, a metade, dos custos totais da educação, isso certamente poderia dobrar
a taxa de retorno” foi interpretada por muitos, especialmente quando tomada em
conjunto com o trabalho de Dewitt, como um incentivo, nos países em desenvolvi-
mento, para a concentração das despesas na educação técnica e profissionalizante.
Seria impossível resumir e comparar todos esses estudos dentro dos limites des-
te breve ensaio. As taxas de retorno, conforme calculadas nesses diversos estudos,
são, na maioria dos casos, incomparáveis, visto que tais análises frequentemente
se basearam em diferentes pressupostos e em condições diversas de fatores, tais
como habilidade e renda parental. A maioria dos estudos utilizou diferentes tipos
de dados, diferentes tamanhos amostrais e diversos tipos de fontes de dados. As
limitações de dados em muitos países em desenvolvimento demandavam suposições
heroicas para se calcular as taxas de retorno. Portanto, os resultados dos países
em desenvolvimento são ainda mais experimentais e sua interpretação requer mais
cautela do que aqueles obtidos para os países mais desenvolvidos. Não obstante
tais limitações e impossibilidades de comparações, algumas generalizações amplas
puderam ser feitas, especialmente a partir do trabalho de Psacharopoulos, que
resumiu estudos englobando 32 países desenvolvidos e subdesenvolvidos de todas
as regiões do mundo. Essas generalizações são:
1. A educação compensa tanto nos países desenvolvidos como nos subde-
senvolvidos, e essa compensação é substancialmente mais alta nos países menos
desenvolvidos do que nos mais avançados. Por exemplo, as taxas sociais de retorno
da educação secundária tiveram uma média de 9,5% nos países desenvolvidos e de
15,2% nos países em desenvolvimento da amostra; as taxas sociais correspondentes
para a educação superior foram de 9,4% e 12,4%, respectivamente. A diferença
entre as taxas privadas e as taxas sociais de retorno é consideravelmente mais
alta nos países em desenvolvimento, especialmente no caso da educação superior.
2. O nível educacional mais lucrativo, sob o ponto de vista dos retornos, é o
primário. Psacharopoulos, portanto, sugere que argumentos em favor da educação
primária universal, com base nos direitos humanos e na igualdade, também sejam
fortemente sustentados pelo critério econômico.
3. Os retornos dos investimentos no capital humano estão bastante acima dos
retornos do capital físico nos países menos desenvolvidos. Por outro lado, no nível
da educação superior, as taxas têm uma média apenas levemente mais alta para
as economias mais avançadas.

72
4. A educação superior é muito cara em relação aos demais níveis de educa-
ção, particularmente nos países menos desenvolvidos. Isso explica os diferenciais
relativamente menores nas taxas de retorno entre os países desenvolvidos e sub-
desenvolvidos, na educação superior. As taxas de retorno eram as mais baixas em
sociedades como a de Israel, que estavam na parte mais inferior da curva de renda
na categoria de desenvolvidos, mas que mantinham altas aspirações culturais e
educacionais, além de sofisticados estabelecimentos educacionais de nível superior.
5. Taxas de retorno privadas para aqueles que podem migrar de economias
menos desenvolvidas para as desenvolvidas, particularmente, para os Estados
Unidos, não são muito mais altas que as obtidas pelos que permanecem em seus
lugares de origem, embora se situem em um nível de 50 a 60%. Psacharopoulos
sugere que essas altas “taxas cruzadas” explicam a fuga de talentos das regiões
menos para as mais desenvolvidas.
Essas análises produzem outras inferências baseadas em evidências ainda
mais escassas, dado o número limitado de estudos comparativos que lidam es-
pecificamente com as questões particulares envolvidas. As taxas de retorno para
escolas profissionalizantes de nível médio foram substancialmente mais baixas
do que as obtidas com escolas de nível médio convencionais, em dois dos três
países específicos estudados. No nível da graduação, os dados sugerem (quatro
países) que as taxas de retorno são bem mais baixas para os dois primeiros anos
de faculdade, e melhoram de alguma forma no terceiro ano, registrando um ganho
substancial (16% nos Estados Unidos) no quarto ano. Saltos descontínuos similares
são registrados no quarto ano da educação secundária em outros países, sugerindo
a existência de um valor significativo para o cumprimento formal de determinado
nível de escolaridade. Esse fenômeno é chamado de efeito de “credenciamento”
ou de “seleção social”. As taxas de retorno da pós-graduação são, em média,
mais baixas do que as do nível de bacharelado (6,5% e 7,5%, respectivamente,
nos Estados Unidos). Isso se deve principalmente às taxas de retorno muito mais
baixas do nível de mestrado.
As taxas de retorno por área profissional variam de país para país, mas, em
geral, as taxas mais altas são encontradas em odontologia, medicina, engenharia,
administração de empresas e economia. Na extremidade inferior desse continuum,
estão o ensino primário e o secundário, agronomia, arquitetura e as ciências
humanas, com o direito e as ciências sociais alcançando a média em termos de
taxas de retorno. Essas duas últimas áreas exibem grande variação entre os países.
[...]

Projeções da Força de Trabalho e Planejamento Educacional

Até o início da década de 1960, pouca atenção era dada às relações entre
as demandas de mão de obra, suas mudanças ao longo do tempo em resposta

73
ao crescimento econômico, e o sistema educacional. Ainda assim, muitos países,
especialmente os menos desenvolvidos, começaram a tentar planejar seu desen-
volvimento econômico. Alguns países nessa época começavam a desenvolver
planos bastante elaborados e sofisticados, ao passo que outros tinham iniciado o
processo de planejamento com metas e objetivos de crescimento menos elaborados
e integrados. Logo ficou claro que a natureza das mudanças durante o período de
planejamento iria necessitar de mudanças relacionadas à quantidade, qualidade
e distribuição ocupacional dos recursos humanos.
Tentativas anteriores de relacionar as metas de crescimento econômico nacio-
nal com necessidades de recursos humanos resultaram em estudos de especialistas
em força de trabalho, às vezes vinculados a universidades, mas frequentemente
a agências internacionais, à USAID, ao Departamento de Trabalho dos Estados
Unidos ou a algumas de suas principais fundações. Esses estudos geralmente
tentavam prever as necessidades de uma única ocupação ou profissão, ou de um
grupo delas, cuja escassez de pessoal capacitado poderia representar um peri-
go imediato para o programa de desenvolvimento econômico. Esses estudos se
baseavam em diversas conjecturas particulares, limitadas ainda mais por dados
inadequados, de confiabilidade ambígua e de utilidade ainda menor.
Nos países integrantes da OCDE, as taxas de rápido crescimento na década
de 1950 logo resultaram no reconhecimento da necessidade de aumentar o for-
necimento de força de trabalho científica, técnica e com outras qualificações, para
acompanhar o rápido aumento no investimento de capital. Por isso, em 1958,
a OCDE estabeleceu o Comitê para a Força de Trabalho Técnica e Científica.
Embora reconhecesse a complexidade do problema, o comitê da OCDE ainda
adotava como meta o crescente investimento na educação “para fornecer a mão
de obra qualificada necessária para a implementação de políticas de crescimento
econômico”. Com essa finalidade, o comitê instituiu um “Grupo de Estudo sobre
a Economia da Educação”, cuja tarefa era “trazer recursos do livre pensamento
econômico para sustentar as questões teóricas e práticas envolvidas”. O comitê,
por meio de conferências e de suas próprias pesquisas, assim como por se man-
ter a par das pesquisas acadêmicas e governamentais relevantes nos países da
OCDE, foi solicitado a assumir a liderança nessa área investigativa e política, em
colaboração com a UNESCO.
Tanto a OCDE como a UNESCO adotaram como objetivos principais, nas suas
respectivas esferas, o desenvolvimento de políticas que relacionavam a educação
com o desenvolvimento da força de trabalho. No grupo de estudos que então se
formou, houve um acordo geral sobre a necessidade de planejamento de longo
alcance dos investimentos educacionais nos países membros da OCDE. Entretanto,
foi nos países em desenvolvimento que esses planos educacionais de longo prazo,
muitas vezes transmitidos por meio de esforços complementares e de estudos
adicionais conexos realizados pela UNESCO, obtiveram um impacto maior.
O resultado da ênfase no planejamento educacional de longo prazo foi o
começo do Projeto Mediterrâneo, conduzido pela OCDE e presidido por Herbert

74
Parnes, da Universidade Estadual de Ohio. Esse estudo foi elaborado com o
propósito de prever e projetar a força de trabalho e as mudanças educacionais
resultantes para cada um dos seis países da OCDE menos desenvolvidos da área
do Mediterrâneo. O estudo tomou como ponto de partida as metas de crescimento
econômico preexistentes para cada país estudado. As principais atividades econô-
micas tinham uma meta de crescimento específica determinada em termos da taxa
de crescimento no PIB, para cada setor. Quando relacionadas à taxa planejada
de crescimento de produtividade, essas metas de crescimento setorial permitiam
o cálculo das mudanças agregadas na força de trabalho demandada para aquela
atividade específica, no mesmo período. Identificou-se, então, para o período
inicial, a estrutura ocupacional de cada atividade econômica, e calcularam-se os
coeficientes ocupacionais para cada nível da força de trabalho.
Caberia a esses países extrapolar suas respectivas tendências correntes de
aperfeiçoamento ocupacional, ou então adotar os coeficientes de sociedades mais
avançadas, cuja estrutura eles desejavam atingir até o final daquele período. [...]
Para cada categoria ocupacional (por exemplo, para as profissões industriais),
utilizaram-se as mesmas técnicas de cálculo das demandas da educação. Para o
início do período, calcularam-se os coeficientes educacionais. Em cada atividade
econômica, o nível da força de trabalho foi desagregado conforme suas qualifica-
ções educacionais, como, por exemplo, separado entre ensino superior completo
ou incompleto, etc. Com base então nessas suposições de aperfeiçoamento edu-
cacional, aplicaram-se esses coeficientes às metas, e calcularam-se os números
resultantes para cada categoria industrial.
Em alguns planos, a educação superior completa foi desagregada em cursos
técnicos e científicos, ciências sociais e humanidades, de modo a se determinarem
as demandas educacionais para cada um desses tipos de ensino. Para cada ativida-
de econômica, obtiveram-se as quantidades necessárias de recursos humanos por
nível educacional específico, o que permitiu a obtenção de números agregados para
cada categoria educacional. É possível determinar, para cada nível educacional,
números insuficientes ou excedentes de postos de trabalho, bem como estabelecer
as taxas de crescimento (ou de decréscimo) para cada categoria educacional, com
base na subtração do número previsto de aposentadorias, mortes e afastamentos
e na adição dos números esperados a integrar a força de trabalho em cada nível
educacional, além de se usarem as taxas atuais de conclusão de escolaridade.
Calculou-se também o número de professores adicionais necessários para se al-
cançar esse aumento, e determinaram-se as mudanças que deveriam se verificar
quanto ao número de docentes para cada nível de educação. Foram elaborados,
a seguir, planos e orçamentos para a construção de escolas e unidades de trei-
namento necessárias, de faculdades de formação de docentes e universidades,
bem como se determinou o nível ideal de investimento para cada componente do
sistema educacional. Essa técnica, usualmente chamada técnica de coeficiente
fixo, foi a utilizada pelos elaboradores dos planos para os países mediterrâneos.
[...]

75
Em relação à melhor metodologia para se determinarem as novas diretrizes
para o investimento social nas pessoas, surgiram duas correntes. Os que apoiavam
a taxa de retorno argumentaram que a análise dessa taxa (ou o seu equivalente, que
correspondia ao valor atual dos ganhos auferidos ao longo da vida) é o que geraria
os melhores resultados, visto que os pressupostos dos coeficientes fixos inerentes
à abordagem da “demanda de força de trabalho” não estavam se ajustando bem,
nem à realidade, nem às premissas básicas da teoria microeconômica. Por outro
lado, os planejadores da força de trabalho continuaram a produzir seus planos,
argumentando que a abordagem da taxa de retorno não era realista, que as bases
de dados necessárias para tal análise eram muito detalhadas, se não altamente
sofisticadas, e nunca poderiam ser obtidas, e que, ainda que fosse possível pro-
duzir resultados significativos, os coeficientes variáveis resultantes não permiti-
riam qualquer desenvolvimento sistemático do sistema educacional. O resultado
dessas diferenças fundamentais foi uma tentativa de casar esses dois métodos,
pela aplicação das técnicas de programação linear ao planejamento educacional,
combinando essencialmente o custo-benefício (descontados os ganhos ao longo
da vida) e técnicas de planejamento da força de trabalho. Esses modelos geraram
estimativas de demanda por educação de acordo com o nível e com a distribuição
dos egressos em cada economia específica.
Essas análises diversas – que geralmente tentavam verificar a capacidade de
determinadas combinações de força de trabalho e educação para otimizarem o
crescimento do PIB (Adelman e Bernard), maximizarem o excedente de benefícios
acima dos custos da educação (Bowles) ou minimizarem os custos da educação
– serviram para esclarecer diversos pontos não explicados nesses dois tipos de
abordagem.
Bowles mostrou, com sua análise, que as metas de força de trabalho para o
nordeste da Nigéria, estabelecidas pelos planejadores daquele país, não poderiam
ser realizadas visto que não era possível para o sistema, no “tempo disponível”,
obter o número de professores necessários para tal objetivo. As soluções resultantes
para esses modelos de maximização linear atribuíram prioridades maiores para a
educação superior e para o nível primário. Quanto à educação secundária, para a
qual o método da taxa de retorno atribuía evidências contrárias, sua contribuição
para o crescimento foi somente no sentido de qualificar as pessoas para a edu-
cação superior. Por sua vez, a educação vocacional formal e a educação técnica
contribuíram muito pouco, se é que o fizeram, visto que seus custos relativamente
altos foram inseridos nos modelos. Irma Adelman sugeriu que os resultados para
o sistema educacional argentino teriam sido melhores com a expansão do sistema
de “junior college”4 para o desenvolvimento de profissionais de nível mais baixo,
e de técnicos de nível mais alto.
[...]

4
Os Junior Colleges nos Estados Unidos são instituições pós-secundárias que oferecem cursos
de nível superior de curta duração e de preparação para o ingresso na universidade. (N. T.)

76
Leitura 3
Documento de trabalho do setor educacional

Banco Mundial (1971)5

[...]

Tendências no Desenvolvimento da Educação

[...]

Problemas de qualidade: a eficiência e produtividade dos sistemas educacionais.


Nos sistemas educacionais, à medida que o número de matrículas vem se
expandindo, tem sido difícil, e frequentemente impossível, manter os níveis de
qualidade e eficiência da época pré-expansão. As instalações – salas de aula,
equipamentos e material didático – não têm acompanhado o número crescente
de alunos. O treinamento de professores não tem mantido o ritmo, e tem-se expe-
rimentado uma diminuição tanto da qualificação quanto da experiência do corpo
docente. A defasagem mais séria, afetando todo o resto, refere-se à habilidade
gerencial – de organização, planejamento, avaliação e supervisão – necessária
para fazer frente ao desafio da expansão.
O resultado de todos esses fatores se reflete nas taxas de evasão e repetência.
Em talvez a metade dos países em desenvolvimento, menos da metade dos alunos
que iniciam o ensino fundamental completam este ciclo. A ineficiência daí resultante
pode ser vista em alguns estudos de casos, obtidos da análise de avaliações de
projetos pelo Banco. Na Costa do Marfim é necessário, em média, 12,5 anos de
escola para que um estudante complete o ensino fundamental, que é composto de
6 anos de estudo, e 21% do total da verba para o ensino fundamental são gastos
com alunos que abandonam os estudos entre a primeira e a terceira série. Em El
Salvador, esses valores são, respectivamente, de 15 anos e 37%; na Etiópia, de
14 anos e 32%.
De igual importância tem sido a persistência de formas institucionais, estruturas
do sistema escolar, métodos de ensino e currículos fortemente baseados em práticas
europeias de outras épocas, em grande medida irrelevantes para as necessidades
contemporâneas. De maneira diferente, mas com resultados similares, tanto as

5
Extraído de: World Bank. Education Sector Working Paper. Setembro de 1971. (Trends in
Education Development, pp.5-13; Review of World Bank Policies and Operations, pp.13-19).

77
ex-colônias como os países em desenvolvimento historicamente independentes
sofrem de uma falta de adaptabilidade a mudanças de contexto. Ambos esses tipos
de países herdaram ou adotaram sistemas educacionais desenvolvidos para uma
elite – no caso dos países historicamente independentes, em geral, uma classe
alta latifundiária ou comercial; no caso das ex-colônias, quadros de funcionários
públicos. Nos dois casos, com a mudança para o ensino de massas, uma grande
proporção dos estudantes está sendo educada de forma inapropriada. O conteúdo
dos cursos primários e secundários, fortemente determinado pelas questões das
provas de qualificação, ainda deriva em grande medida do mundo desenvolvido.
Esse conteúdo está distante do mundo do aluno de hoje, especialmente do aluno
rural camponês, que ainda vive em condições primitivas. A forte dependência em
relação às provas encoraja um aprendizado mecânico de informações irrelevantes.
Mesmo nos cursos técnicos, a adesão a padrões e práticas dos países desenvolvi-
dos inibe a capacitação dos estudantes para resolver de maneira mais satisfatória
questões de seus próprios ambientes. O fato dessas escolhas serem feitas por um
pessoal local não reduz seus efeitos negativos.

Educação e o Mercado de Trabalho

Equilibrar o crescimento educacional com as necessidades da força de trabalho


dos países em desenvolvimento provavelmente será algo mais complexo durante
a década de 1970. As aspirações das gerações mais novas e a expansão dos sis-
temas educacionais que se seguiu frequentemente têm ultrapassado em muito as
oportunidades de emprego produtivo no setor moderno da economia, resultando
em um crescente desemprego da população escolarizada. Mesmo com a escola-
rização não atingindo 10% no ensino médio, nem 1% na universidade, para as
respectivas faixas etárias apropriadas para esses níveis de ensino, alguns sistemas
educacionais aproximam-se do ponto de formarem pessoas em quantidades acima
da demanda efetiva dos empregadores. Uma estratégia de crescimento de longo
prazo indubitavelmente precisa da expansão contínua do sistema educacional de
modo a elevar o baixíssimo desempenho educacional da população trabalhadora,
embora a realidade de curto prazo, marcada pelo aumento do desemprego entre
a população jovem que cresce rapidamente, frequentemente reduza os benefícios
econômicos de tal expansão.
Quando o problema do desemprego é de natureza cíclica ou temporária, ele
deve ser ignorado no desenvolvimento de metas de longo prazo para o crescimento
educacional. Por outro lado, o constante crescimento do desemprego entre os es-
colarizados, em níveis progressivamente mais altos, parece indicar desequilíbrios
estruturais, os quais não podem ser ignorados. Em tais casos, a continuidade do
investimento na expansão dos sistemas escolares sem que haja reformas importantes
pode provocar prejuízos tanto econômicos quanto sociais. Essa situação requer

78
três tipos de ação: uma contínua reavaliação do desenvolvimento econômico e da
demanda potencial e efetiva de força de trabalho e dos países em questão; me-
lhorias no funcionamento dos mercados de trabalho (particularmente no sistema
de incentivos e desincentivos); e uma reorientação dos sistemas educacionais e de
treinamento. Nosso conhecimento sobre o desemprego das pessoas que recebe-
ram educação e treinamento avançados (um fenômeno que é de origem recente
em alguns países) é esparso e inconclusivo; a pesquisa nesse campo merece alta
prioridade, e será descrita com mais detalhes no final desta seção.
Dar-se uma maior atenção ao funcionamento dos mercados de trabalho é
algo particularmente importante, devido ao fato de que o frustrante problema do
desemprego é ainda mais agravado por imperfeições no mercado de trabalho,
que obstruem a utilização efetiva da força de trabalho disponível de um país. O
desemprego entre os escolarizados é frequentemente acompanhado de uma per-
sistente escassez de trabalhadores qualificados em áreas nas quais os incentivos
ao trabalho não são atraentes. Como exemplos desses bolsões de “escassez em
meio à plenitude”, podem-se mencionar os técnicos industriais, os trabalhadores
de extensão agrícola e os professores.
O desenvolvimento educacional na década de 1960 foi, sem dúvida, desequili-
brado, tendo em vista essas demandas específicas da força de trabalho. Entretanto,
mesmo nos casos em que se prestou atenção ao treinamento industrial, comercial
e agrícola, o resultado amiúde falhou em atender às necessidades dos emprega-
dores. A educação técnica formal e o treinamento nas escolas frequentemente não
estavam em sincronia com o treinamento informal nos locais de trabalho ou com
as oportunidades de emprego. O sistema de salários e de outros incentivos, com
frequência, não conduzem à utilização ótima da força de trabalho. Os salários do
setor público, por exemplo, não são sensíveis à oferta e demanda. Na África, o
alto valor de tais salários, combinado a restrições orçamentárias, resultou numa
situação em que o número de empregos no setor público cresce lentamente, ao
mesmo tempo em que estimula a demanda por educação e treinamento para essas
posições para além do ponto de saturação da demanda efetiva. Nos países latino-
-americanos e asiáticos, o baixo valor dos salários do funcionalismo público pode
amenizar a restrição orçamentária, mas tende a tornar o setor público, incluindo
as profissões de ensino, pouco atraente para os que saem com maior capacidade e
qualificação das escolas e universidades, por vezes criando um corpo superdimen-
sionado de funcionários com menos qualificação. Dentro do setor público, a rigidez
das escalas salariais frequentemente inibe o reajuste para as ocupações nas quais
persiste a escassez, particularmente os empregos cujas condições de trabalho não
são atraentes ou onde a competição por capacidades técnicas específicas é intensa.
Uma reorientação dos sistemas educacionais e de treinamento, de modo a
enfatizar mais a educação profissionalizante e o treinamento não formal para a
agricultura e a indústria, será necessária para corrigir os presentes desequilíbrios.
Uma frequente objeção ao investimento público em treinamento profissionalizante
baseia-se no fato de que a maior parte dos programas de treinamento público

79
foram mal ajustados às necessidades dos empregadores e falharam em conduzir os
estudantes às vocações para as quais foram treinados. Uma vez que o treinamento
profissionalizante é consideravelmente mais caro que a educação geral, essa situa-
ção pode, assim, levar a investimentos mal direcionados. Daí a conclusão recorrente
de que o treinamento profissionalizante deveria ser inteiramente deixado a cargo
da indústria, via treinamento dentro da empresa. Há uma considerável validade
nesse argumento, embora, em muitos países, seja improvável que a demanda por
trabalhadores com treinamento profissionalizante possa ser efetivamente atendida
pela própria indústria. A pequena escala da maioria dos empreendimentos in-
dustriais nos países em desenvolvimento, frequentemente utilizando maquinaria
obsoleta e sem o know-how adequado às técnicas modernas de produção ou ao
interesse no treinamento de pessoal na empresa, não proporciona uma base se-
gura para programas de treinamento profissionalizante modernos. Assim sendo, o
desenvolvimento industrial requer que a oferta de trabalhadores com treinamento
técnico, que é bastante inadequada em muitos países, seja fortalecida por um
treinamento público institucionalizado. Para evitar os erros do passado, contudo,
há uma necessidade urgente de se promover uma estreita cooperação entre ins-
tituições públicas de treinamento e a iniciativa privada, através, por exemplo, do
estabelecimento de programas de treinamento para estagiários. Essa cooperação
pode ser vista nos programas latino-americanos de treinamento industrial SENA
e INACAP6.
As causas básicas do crescente desemprego nos países em desenvolvimento
obviamente não se encontram em seus sistemas educacionais. As recomendações
dos parágrafos anteriores pouco serviriam para resolver o problema fundamental
do setor tradicional (de baixos salários), da aspiração da população de obter um
posto no setor moderno (de altos salários), com suas escassas oportunidades de
emprego. A educação pode ajudar a reduzir o desemprego entre certas categorias
de pessoal com educação média e superior, mas, além disso, o problema requer
uma abordagem intersetorial para o desenvolvimento rural e urbano.
Para guiar as estratégias de longo prazo das operações do Banco Mundial
nesse campo, sua agenda de pesquisas inclui um estudo do funcionamento do
mercado de trabalho das economias em desenvolvimento, que deve lançar mais
luz ao recrutamento, emprego e utilização da força de trabalho escolarizada, par-
ticularmente no que se refere ao problema do desemprego.
[...]

6
SENA: Servicio Nacional de Aprendizaje (Colombia); INACAP: Instituto Nacional de Ca-
pacitación Profesional (Chile).

80
Uma Revisão das Políticas e Operações do Banco Mundial, 1963-1971

Políticas

Os elementos básicos da política educacional do Banco na fase inicial de nosso


financiamento educacional foram elaborados em setembro de 1962, quando o
primeiro projeto em educação foi apresentado aos Diretores Executivos e depois
em um memorando do Presidente sobre “Propostas de políticas do Banco/IDA7
no campo da educação”, de outubro de 1963. No Memorando do Presidente, as
definições básicas da política a seguir com respeito aos tipos de projetos a serem
financiados estão expressas da seguinte maneira:
O Banco e a IDA devem estar preparados para financiar uma parte da demanda
de capital para projetos prioritários de educação que visem a formar, ou que
sejam, uma etapa necessária na formação de mão de obra qualificada para os
tipos e a quantidade necessária para acelerar o desenvolvimento econômico do
país membro em questão. Ao aplicar esse critério, o Banco e a IDA devem se
concentrar, pelo menos durante o presente estágio, em projetos nos campos: a)
da educação profissionalizante e técnica e do treinamento nos diversos níveis, e
b) do ensino médio geral. Projetos associados a outras formas de educação serão
considerados apenas em casos excepcionais.
O Banco concentraria então suas ações em projetos de alta prioridade no plano
de desenvolvimento educacional do país, preenchendo as lacunas mais importantes
no sistema, desde que essas se enquadrassem em determinadas áreas elegíveis
previamente definidas. Questões como assistência técnica e financiamento de
software – reformas curriculares, planejamento educacional, produção de material
didático, etc. – seriam partes muito pequenas dos projetos, os quais se relacio-
nariam principalmente com as tarefas de construir e equipar prédios escolares.
Com um maior conhecimento e experiência, a abordagem do Banco com rela-
ção à educação se expandiu no final da década de 1960. Em um Memorando aos
Diretores Executivos datado de julho de 1970, o Presidente reiterou a primeira
afirmação da declaração de 1963 citada acima, mas adicionou que “futuramente,
ao aplicar esse critério, deveríamos ampliar o âmbito dos projetos em considera-
ção, e deveríamos determinar prioridades e selecionar projetos com base em uma
avaliação cuidadosa do sistema educacional como um todo, ao invés de utilizar
áreas de elegibilidade previamente definidas que podem não estar relacionadas
ao país em questão. Deveríamos continuar a enfatizar projetos que, como o trei-
namento profissionalizante, criam diretamente a força de trabalho treinada, mas
também deveríamos considerar financiar outros tipos de projetos [...] que teriam
importantes significados de longo prazo para o desenvolvimento econômico”.

7
A sigla é da International Development Association, o braço do Banco Mundial criado em
1960 para combater a pobreza mediante créditos livre de juros. (N.T.)

81
Tais projetos seriam “desenvolvidos para encorajar mudanças que melhorem a
relevância, eficiência ou economia dos sistemas educacionais”.

Operações

Até 30 de junho de 1971, o Grupo do Banco Mundial aprovou o financiamento


de 57 empréstimos educacionais para 42 países, com recursos totais somando US$
431 milhões. A África, incluindo a África setentrional, recebeu 27 empréstimos,
correspondentes a 44% do volume emprestado; a América Latina, 15 emprésti-
mos, correspondentes a 22%; a Ásia, 12, correspondentes a 25% e a Europa, 3
empréstimos, correspondentes a 9%.
No começo, a maioria dos projetos de educação eram financiados através de
créditos da IDA, e apenas 10% deles, entre os anos fiscais de 1963 e 1967, eram
de países com renda per capita anual superior a US$ 200. Após esse período,
a faixa de renda dos países tomadores de empréstimo aumentou e, em 1970 e
1971, aproximadamente 56% do financiamento se destinava a países com renda
per capita superior a US$ 200. A tendência de incluir países com uma economia
mais desenvolvida levou a projetos educacionais de crescente complexidade,
destinados a atender a demanda de um mercado de trabalho diversificado, com
um setor monetarizado maior, e frequentemente envolveu grandes reformas e
inovações para a modernização de sistemas obsoletos.
Até o momento, 72% dos financiamentos do Banco para a educação foram
dirigidos ao ensino médio. Aproximadamente 23% foram para as universidades
e para a educação pós-secundária e 4% para cursos profissionalizantes destina-
dos a adultos, enquanto que o ensino fundamental recebeu diretamente (e não
indiretamente através de treinamento de professores) pouco mais de 1% dos
recursos (ver a Tabela 1 em anexo). O componente relativo ao ensino superior
não universitário recentemente cresceu de 8% para 13% do total. Em termos
curriculares, a educação geral, incluindo as opções pré-profissionalizantes, cor-
responde à parcela mais importante dos projetos, tanto em relação ao número de
vagas oferecidas quanto ao destino dos recursos (ver a Tabela 1 em anexo). A
demanda pelo ensino médio generalista atingiu, contudo, um nível de saturação
em alguns países em desenvolvimento durante os últimos anos, ao mesmo tempo
em que persistem importantes demandas por professores, técnicos e engenheiros.
Consequentemente, a educação técnica e o treinamento de professores receberam
48% das vagas para estudantes oferecidas via projetos do Banco em 1970 e 1971,
quando comparados a uma média de 28% nos anos anteriores. Simultaneamente,
o número de vagas para a educação geral foi significativamente reduzido, de 64%
para 45%. A oferta de vagas para a educação agrícola permaneceu em torno de
7-8%, a maioria das quais em institutos agrícolas de nível médio que tiveram
poucas matrículas, e, portanto, poucos formandos. A maioria dos graduados está
sendo empregada em serviços de extensão do governo, e uma das razões para o

82
baixo número de graduações é a insuficiente alocação de verba para tais serviços,
o que gera uma capacidade limitada de geração de empregos.
Conforme mencionado anteriormente, os projetos em educação do Banco fize-
ram frequentemente contribuições significativas ao desenvolvimento dos sistemas
educacionais. Matérias práticas e pré-profissionalizantes foram introduzidas nos
currículos do ensino médio generalista, em igualdade com as matérias acadêmicas,
em 21 países. Reforçou-se o ensino de ciências, e a razão de graduados em ciências
para graduados em artes/humanidades agora será compatível com a demanda do
mercado em países como a Colômbia e Uganda. Espera-se que a inclusão de estu-
dos de reforma curricular nos projetos recentes do Quênia e do Irã leve à prática
de reformas contínuas, similarmente ao que ocorre nos países mais avançados.
A televisão educativa, baseada em um projeto desenvolvido na Costa do Marfim,
está sendo inserida no sistema de educação formal e será desenvolvida de modo
a constituir parte da rotina do processo de aprendizagem dos estudantes, como
o uso de livros didáticos. A insistência do Banco Mundial para que haja profes-
sores de tempo integral nas escolas por ele financiadas pretende desencorajar a
tradição insatisfatória do ensino de meio-período, que tanto prevalece na América
Latina. Não obstante tudo isso, cabe dizer que ainda é muito cedo para avaliar
com autoridade os resultados das reformas acima referidas.
Refletindo a política do Banco de depender de outras agências como a fonte
principal de assistência técnica na educação, a parcela de assistência técnica
financiada pelo Banco sempre foi pequena, somando apenas 5% do valor empres-
tado. O número de projetos que inclui assistência técnica financiada pelo Banco é,
contudo, crescente. Trinta por cento dos projetos aprovados entre 1963 e 1967
continham um componente de assistência técnica, comparado a 90% para os
projetos aprovados em 1970 e 1971.
Eliminando-se a pequena parcela referente à assistência técnica, dois terços
dos empréstimos se destinaram à construção de edifícios e um terço à provisão
de materiais. Assim, muita atenção tem sido dada ao refinamento das técnicas de
custeio para a avaliação dos aspectos físicos dos projetos e a medidas para a me-
lhoria do planejamento de custos na implementação dos projetos. Como resultado
disso, foram criadas normas para a construção de escolas e para a elaboração de
listas de equipamentos básicos para vários tipos e níveis de escolas. Um recente
estudo preliminar sobre os custos unitários de projetos educacionais também deve
se mostrar útil em nossas atividades futuras, embora ainda não seja possível neste
estágio tirar conclusões seguras dada a limitação da base de dados.
Devido à maior ênfase dada à educação técnica, a parcela dedicada aos
equipamentos aumentou, e consequentemente, cresceu também a demanda por
divisas. A principal razão para a queda do financiamento em moeda nacional, de
40% do total de empréstimos em 1964-1968 para os 18% estimados para 1969-
1973, é, contudo, o maior financiamento da educação para países relativamente
mais desenvolvidos.
[...]

83
Tabela 1
Análise dos Empréstimos do Banco Mundial/IDA
Anos Fiscais 1963-1971

A Por Nível US$ (milhão) %


Primário 4,90 1,1
Secundário 309,65 71,8
Pós-secundário 56,08 13,0
Universidade 43,24 10,0
Treinamento de Adultos 17,58 4,1
Total 431,45 100,0
B Por Currículo
Geral 190,77 44,1
Técnico 126,48 29,3
Agrícola 63,03 14,7
Formação de Professores 51,17 11,9
Total 431,45 100,0
C Por Tipo
Construção 262,17 60,8
Equipamentos 148,16 34,3
Assistência Técnica 21,12 4,9
Total 431,45 100,0

84
Leitura 4
Trabalho, educação e desenvolvimento

Manuel Zymelman (1971)8

No começo do século XX, H. G. Wells ressaltou que a humanidade estava


engajada em uma corrida entre a educação e a catástrofe. Os eventos da última
década foram testemunhas dessa corrida. Por outro lado, as nações desenvolvidas
que colheram os frutos da Revolução Industrial durante o século XIX e início do
século XX se veem diante de um aumento sem precedentes na taxa de crescimen-
to das atividades científicas e do progresso tecnológico, concomitante às rápidas
mudanças observadas na composição e características educacionais da força de
trabalho. Por outro lado, as nações em desenvolvimento, retardatárias no cenário
de expansão econômica, se veem diante da multiforme tarefa de diminuir a dis-
tância entre os ricos e os pobres, uma tarefa que exige uma transformação básica
da sua estrutura econômica, além de terem que promover uma mudança no perfil
ocupacional de sua força de trabalho e do nível de escolarização de sua população.
Os problemas das nações em desenvolvimento não são, entretanto, idênticos
àqueles enfrentados pelos atuais países desenvolvidos durante sua revolução indus-
trial. A primeira fase da Revolução Industrial foi caracterizada pela substituição
da produção caseira pela industrial e também pelo fato dos trabalhadores se tor-
narem apêndices de maquinarias complexas. Esse processo foi acompanhado de
um acelerado ritmo de urbanização. O proletariado urbano era sempre alimentado
pelo fluxo contínuo da população rural, que também testemunhou uma revolução
tecnológica sem precedentes. Durante este período, o nível de habilidade exigida
da vasta maioria da força de trabalho era baixo. Além disso, o efeito inicial da
Revolução Industrial foi o de substituir o trabalho artesanal pelo trabalho semiqua-
lificado. Consequentemente, a pressão para se prover educação aos cidadãos foi
mínima. A educação secundária e universitária se restringia a uma pequena elite
escolhida e destinada a governar e manter o poder. A educação básica, quando
ministrada para as massas trabalhadoras, era promovida pelas classes dominan-
tes por razões humanitárias, e vista essencialmente como uma ferramenta para
sustentar o equilíbrio e a responsabilidade social.
Agora, a situação mudou. Diferentemente das exigências que antes se apresen-
taram aos países desenvolvidos quando estes ainda se encontravam num estágio de

8
Extraído de: Zymelman, Manuel. Labour, Education and Development. In: Adams, Don (org.)
Education in National Development. London, Routledge & Kegan Paul, 1971. Reproduzido
com permissão da Editora Routledge.

85
desenvolvimento econômico parecido com o dos atuais países em desenvolvimento,
nos dias de hoje, a tecnologia e o conhecimento disponível exigem habilidades
técnicas e educação cada vez maiores da força de trabalho. Se um país quiser
progredir economicamente e participar ativamente do comércio internacional, ele
precisa educar sua população. Além disso, desdobramentos políticos internacionais
associados a uma ideia popular de que a educação é um direito, e não um privi-
légio, estão exercendo uma forte pressão sobre os governos para que expandam
seus sistemas educacionais, de modo nunca antes visto.
Como as nações em desenvolvimento podem responder a esse desafio? De-
veriam elas seguir os passos dos atuais países desenvolvidos e aceitar as mesmas
suposições históricas, ou deveriam escolher novas direções e formas diferentes de
educar e treinar? Para responder a essas perguntas, seria útil analisar as tendên-
cias do mercado de trabalho, as mudanças ocupacionais na força de trabalho, as
mudanças nas habilidades e nos requisitos educacionais das ocupações e o papel
da educação no desenvolvimento econômico.
[...]
Em vista das muitas alternativas para gerar as ocupações necessárias ao
desenvolvimento econômico, será que as nações em desenvolvimento deveriam
copiar os países mais desenvolvidos, imitando assim suas instituições educacionais
e de treinamento?
Atualmente, na maioria das nações desenvolvidas, há um grande número de
sistemas educacionais provenientes de épocas e ambientes diferentes dos existen-
tes hoje. Não se pode negar que houve uma evolução constante desde os tempos
quando ser aprendiz e receber treinamento informal eram os únicos caminhos
para a maioria das ocupações, e também quando a escola formal fornecia um tipo
geral de educação que permitia que os estudantes continuassem sua educação
em instituições de ensino superior e se adaptassem socialmente ao seu papel
preconcebido em uma sociedade elitista. Infelizmente, a atitude hoje em dia, em
geral, ainda é de pensar a educação formal como uma educação geral, enquanto
que a educação formal profissionalizante é relegada a uma posição menos dese-
jável. Essa atitude é compartilhada por educadores, pais e estudantes. As razões
disto são óbvias: as escolas secundárias gerais sempre funcionaram na maioria
dos países como um mecanismo de seleção. Aqueles que tiveram a ventura de
serem selecionados, continuam suas trajetórias rumo à universidade ou a outras
instituições de ensino superior, para se tornarem líderes na indústria, no governo,
na educação, etc. Os empregadores perpetuam esse sistema, escolhendo aqueles já
selecionados pelo sistema educacional ao invés daqueles que podem ter recebido
um treinamento igualmente relevante, mas que não possuem os diplomas formais.
O resultado disso é um ciclo vicioso, onde o aprendizado profissional se torna cada
vez mais desprestigiado, e os seus estudantes, como também seus professores são,
em geral, os rejeitados do meio acadêmico.
Este fardo histórico que está se tornando rapidamente disfuncional nos paí-
ses desenvolvidos é ainda mais prejudicial nos países em desenvolvimento, onde

86
as condições de subdesenvolvimento se juntam aos efeitos dúbios da imitação
incondicional de instituições estrangeiras, e onde o sistema educacional procede
independentemente e sem relação com o desenvolvimento do mercado de trabalho.
Alguns exemplos irão esclarecer este assunto. Não existe dúvida de que, depois
que muitas nações em desenvolvimento se tornaram independentes, houve amplas
pressões políticas para aumentar a oferta de educação formal, frequentemente em
detrimento de outras formas de educação. Era lógico que os pais que cresceram em
uma cultura onde a educação formal era o único caminho para o sucesso exigiam
a mesma coisa para seus filhos. Educadores e políticos com interesses pessoais
e um desejo de aumentar seu poder e influência jogavam com o sentimento po-
pular. Igualmente, agrada aos homens de negócios transferir a responsabilidade
de seleção das suas empresas para as escolas. Entretanto, onde as oportunidades
educacionais existentes para um número limitado de ocupações preferenciais cres-
cem mais rápido do que os empregos disponíveis, existe uma tendência por parte
dos graduados de fazer fila e esperar por uma oportunidade, ainda que pequena,
de obter as posições tradicionais esperadas, ao invés de aceitar um emprego com
um salário menor onde os empregados possuem um nível educacional mais baixo.
Encontramos então a triste situação de desemprego entre pessoas de bom nível
educacional em sociedades onde existe pouca oferta de educação.
Em outros casos, onde as diferenças salariais não refletem as forças de mer-
cado, uma insistência em preservar as exigências externas de uma rígida educação
formal causa distorções na oferta de pessoal para as ocupações. Por exemplo, na
maioria dos países em desenvolvimento, verificamos que existe uma maior falta de
bons técnicos de nível médio do que de profissionais com diploma universitário.
A razão para isso é simplesmente o fato de que os profissionais exigem um salá-
rio mais alto do que os técnicos, apesar da discrepância no número de anos de
treinamento necessários no currículo tradicional não ser proporcional à diferença
salarial. Um estudante que alcança o ensino médio em um país onde este nível
de ensino já é uma prerrogativa elitista age muito racionalmente quando decide
buscar um diploma profissional ao invés de permanecer como técnico.
Um problema similar existe quando os graduados mais jovens de uma dada
força de trabalho, mesmo acumulando um maior número de anos de escolaridade
formal, ficam relutantes em ingressar em ocupações onde o número médio de
anos de escolaridade é muito menor.
Em vista dos graves problemas associados com (a) a provisão de educação
para responder ao crescente clamor popular por uma educação mais geral, (b) as
mudanças que têm que ser introduzidas no conteúdo de treinamento de modo a
satisfazer as demandas tecnológicas e (c) as condições particulares do mercado
de trabalho nas nações em desenvolvimento, pode ser mais rentável para estes
países pensar em novas abordagens para os problemas educacionais, ao invés de
copiar os modelos antigos dos países desenvolvidos.
Se, devido a razões políticas, uma grande proporção de jovens deve prosseguir
para o sistema educacional formal, a educação terá que ampliar seus horizontes

87
para além do que é oferecido atualmente. Ela terá que incluir elementos de educa-
ção ocupacional. A educação formal terá que ir além de seus limites acadêmicos
e adotar algumas funções externas ao seu próprio contexto. Ela terá que oferecer
uma variedade de alternativas para aqueles cujas habilidades intelectuais, inte-
resses, background e oportunidades de trabalho não podem se beneficiar de uma
educação geral prolongada.
Porém, somente a inclusão do currículo profissionalizante na escola geral
não é uma solução para o problema. Com a mudança contínua das exigências do
mercado de trabalho, decorrente do acelerado ritmo de progresso tecnológico ao
qual as nações em desenvolvimento têm que se adaptar, existe a necessidade de se
modificar o conteúdo do currículo profissionalizante existente, com o propósito de
aumentar o conhecimento teórico e a flexibilidade intelectual, para, assim, adaptar-
-se às mudanças imprevisíveis e à transferência de habilidades dos estudantes.
O maior benefício de todos é que as sociedades deveriam começar a pensar
na educação em termos mais amplos. As formas antigas de educação primária,
secundária e superior, e a dicotomia tradicional entre o mundo do trabalho e o
mundo da escola exigem um exame crítico cuidadoso.
Os planejadores que pensam na educação em termos de escolas e nos locais
de trabalho em termos de produção, na suposição de que o conhecimento teórico
é melhor transmitido nas escolas formais, e que pensam também que os hábitos
de trabalho, o comportamento industrial e a familiaridade com as máquinas e
suas tarefas específicas são melhor transmitidos nos locais de trabalho, podem
achar útil combinar estes dois conceitos separados. Devemos pensar no local de
trabalho como uma instituição educacional, e considerar a escolaridade formal
parcialmente como um instrumento profissionalizante para preparar pessoas para
o exercício de ocupações produtivas.
Este casamento não é fácil. Os empregadores não querem nem têm a capaci-
dade de transformar suas unidades produtivas de forma a incluir funções educa-
cionais. Por sua vez, os educadores estão defendendo zelosamente seu papel de
únicos provedores do conhecimento. Apesar desse estado de coisas, certamente
vale a pena pensar em termos de novas estruturas, a despeito dos riscos políticos
envolvidos e dos interesses pessoais existentes. Não podemos perpetuar sucessos
limitados ou fracassos já conhecidos.
Que tipo de instituição pode combinar efetivamente unidades produtivas com
educação, e que efeito essa instituição pode exercer no tecido social da sociedade
e no padrão geral de desenvolvimento, são perguntas cujas respostas somente po-
dem ser deixadas para a imaginação. Apesar disto, os possíveis benefícios sociais
e econômicos de novas abordagens nessa área, se obtiverem sucesso, são grandes
demais para serem ignorados. Nos países em desenvolvimento, onde o ritmo da
mudança está acima da habilidade das instituições existentes de se adaptar a novas
realidades, parece haver pouca escolha.

88
Leitura 5
Diversificação do Ensino Médio na América Latina:
o caso do Brasil

Nigel Brooke (1985)9

Introdução

No período de quatro anos entre 1969 e 1972, pelo menos cinco países da
América Latina se envolveram no processo de reforma do ensino médio. Seu propó-
sito declarado era o de oferecer aos estudantes um ensino técnico-profissionalizante
e, simultaneamente, colocar os vários tipos do ensino médio em pé de igualdade
em relação ao ingresso na universidade. Os dois elementos básicos dessas reformas
foram a criação de um ciclo de ensino fundamental de sete a nove anos, que jun-
tava a educação primária com o ensino médio ginasial, e a diversificação da parte
remanescente do ensino médio. Assim sendo, a Venezuela, o Peru, a Colômbia,
El Salvador e o Brasil 10 propuseram adiar a escolha da profissão para depois
da oitava ou nona série e, ao mesmo tempo, reduzir o dualismo social evidente
no sistema do ensino médio, dividido entre cursos técnicos e acadêmicos. Com a
criação de novas escolas profissionalizantes de nível médio, tais como os Institutos
de Educação Diversificada de Ensino Médio (INEM) na Colômbia e as Escolas
Superiores de Educação Profissional (ESEP) no Peru, ou através da reformulação
das prioridades curriculares, esses cinco países tomaram por meta direcionar a
maioria de seus alunos para estudos técnico-profissionalizantes, como parte de
sua política de desenvolvimento social e econômica.
O objetivo deste estudo é refletir sobre a teoria dessas reformas, as feições que
assumiram na prática e o efeito dessa prática sobre as reformulações posteriores.

9
Extraído de: BROOKE, Nigel. The Diversification of Secondary Education in Latin America:
The case of Brazil. In Brock, Colin & Lawlor, Hugh (Orgs.) Education in Latin America. Beck-
enham, Croom Helm: 1985. Reproduzido com permissão do autor.
10
As datas das reformas são as seguintes: Venezuela (1969), Peru (1972), Colômbia (1969),
El Salvador (1969), Brasil (1971). Fontes importantes sobre estas reformas, não citadas neste
texto são as seguintes: sobre a Venezuela, Trocone, Pablo A. (1971); sobre o Peru, Churchill,
Stacy (1976); sobre a Colômbia, Ben-Jumes, Fernando Galvis (1981) e Ministério de Educación
Nacional (1980); sobre El Salvador, Werthein, Jorge (1978) e Mayo, John K. et al. (1975).

89
Dois aspectos se mostram de maior interesse. Primeiro, a relação entre educação
e trabalho e a definição implícita de “técnico de nível médio” e, segundo, parti-
cularmente no caso do Brasil, a questão de como o ensino médio preservou sua
função de seleção social diante de uma tentativa autoritária de modificar padrões
tradicionais de discriminação social.

O Modelo da América Latina para o Ensino Médio Diversificado

O grande consenso em relação à necessidade de tornar a educação profissio-


nalizante um pré-requisito para o ingresso na universidade e, como consequência,
de extinguir as diferenças entre as escolas de orientação acadêmica e as escolas
técnicas frequentadas pelas classes trabalhadora e média baixa, sugere que as
raízes do movimento de reforma não eram integralmente nativas. Quando muito,
essas escolas técnicas tinham oferecido acesso apenas a cursos politécnicos de
curta duração. Portanto, em muitos aspectos, as reformas pareciam ter se inspi-
rado no debate internacional das décadas de 1950 e 1960, que se concentrou no
anacronismo das escolas socialmente discriminatórias, representado pelo Ginásio
alemão, o Liceu francês e a Grammar School11 inglesa. Essas escolas tinham sido
criticadas pelo seu caráter elitista e pela óbvia desvantagem em que colocavam, em
relação ao acesso ao ensino superior, todos os que nelas não conseguiam estudar.
O resultado disso, de uma forma ou outra, foi o surgimento de uma escola de
ensino médio unificada, polivalente, que oferecia a preparação tanto acadêmica
quanto a vocacional a uma população socialmente diversa.
Influenciada por organizações internacionais com uma variedade de interesses
na região12, a versão latino-americana desse debate sobre a escola “compreensiva”13
enfatizou ainda mais a relação entre escola e mercado de trabalho em resposta à
aparente necessidade de uma mão de obra de nível técnico médio, por parte das
sociedades que experimentavam um período de crescimento econômico. A reforma
da Venezuela surgiu em função de sua entrada no Pacto Andino e da ocorrência
de pesados investimentos do governo venezuelano e dos EUA nas indústrias de

11
Escola de ensino médio de cunho acadêmico que existia até a década de 1970. (N.T.)
12
Entre 1963 e 1971, 72% dos empréstimos do Banco Mundial foram canalizados para
a educação. Deste total, 44% foram para escolas diversificadas e 29% para o treinamento
profissionalizante. Ver Vazquez e Llomovatte (1979). A Fundação Ford e a Universidade
de Wisconsin foram instrumentais na criação dessa sintonia entre os objetivos da escola e o
desenvolvimento econômico na Venezuela, do mesmo modo que os acordos entre o Ministério
da Educação e a USAID no Brasil. Ver Loyo, M.; Montiel, M. (1981) e Rodrigues, N. (1982).
13
As escolas Comprehensive são escolas públicas britânicas de ensino médio que não selecio-
nam seus alunos. Foram criadas nas décadas de 1950 a 1970 a partir da fusão das escolas
Grammar, seletivas, e das escolas Secondary Modern, não seletivas, correspondendo à High
School nos Estados Unidos e à Gesamtschule na Alemanha. (N. T.)

90
aço e petroquímica (Calonge, 1981). Em El Salvador, as expectativas de uma
considerável expansão do mercado de trabalho de nível médio, em decorrência
da criação de um Mercado Comum Centro-Americano, tiveram uma influência
decisiva na reforma (Tedesco, 1978), enquanto no Brasil, o “milagre econômico”
estava em curso.
À medida que o mercado de trabalho se tornou uma peça-chave para a re-
orientação da escola de ensino médio na América Latina (ao lado da ênfase na
força de trabalho de nível médio, das “saídas laterais” do sistema educacional,
do “término voluntário” da escolarização, dos estudos sobre o mercado de traba-
lho e do surgimento de um grande número de cursos com nomes aparentemente
técnicos), a demanda por uma preparação pré-universitária homogênea e sem
função seletiva começou a perder terreno. Em todos os cinco países, exceto um,
pelo menos uma parte da vertente acadêmica conseguiu sobreviver e, com ela,
tudo aquilo que a transformava em um canal preferido de acesso à educação de
nível superior da classe média. Afinal de contas, a demanda por técnicos treinados
se tornou mais forte do que os argumentos a favor de uma escola de nível médio
que não fazia distinção entre o ensino profissionalizante e o acadêmico, e que não
cederia à pressão de qualquer grupo social em particular. Em El Salvador, embora
a escuela terminal de ensino médio tenha sido eliminada pela reforma de 1969, as
novas Escolas Diversificadas de Ensino Médio de três anos permitiram o creden-
ciamento acadêmico de alunos em nove áreas profissionalizantes. Na Colômbia,
aconteceu uma situação semelhante, com o mesmo diploma de bacharel sendo
concedido tanto aos graduados do “Bacharelado Clássico” quanto aos concluintes
das áreas de comércio, indústria, agricultura e formação de professores, segundo
o novo ciclo de Educação Profissional de Ensino Médio. Na Venezuela, apesar da
eliminação do exame de seleção para o “liceu” público e da diversificação de seus
cursos, tanto no interior do país quanto na grande Caracas, os cursos nas áreas
de ciências da natureza e ciências humanas de faculdades particulares perma-
neceram intactos e, em 1979, ainda eram responsáveis por 68% das matrículas
deste nível (Equipo Cerpe, 1981).

O Significado da Educação Para o Trabalho

A única exceção à regra latino-americana, exceção esta que permitiu a conti-


nuidade da vertente acadêmica, foi a reforma brasileira. Em sua versão inicial, a
Lei 5692 de Diretrizes e Bases da Educação de 1º e 2º Graus de 11 de agosto de
1971 tornou clara sua intenção de profissionalizar todo o ensino médio, eliminando
as distinções anteriores entre os cursos para o comércio, as escolas normais, e
as de agricultura e indústria, obrigando toda escola a oferecer uma variedade de
cursos profissionalizantes de acordo com as necessidades dos alunos e do mercado
de trabalho. Em um documento emitido pelo Conselho Federal de Educação em

91
1972, baseado em estudos realizados pelo Departamento de Educação Industrial
do Ministério, essa intenção foi reiterada. Elaborou-se uma lista de 52 habilita-
ções técnicas (cursos profissionalizantes) e 38 cursos de formação de assistentes
técnicos, dos quais 32 eram voltados para a indústria. Esse documento formulava
que, através do processo de “unificação do intelectual e do manual”, ninguém
deveria chegar ao final do ensino médio sem ter algum preparo para o trabalho14.
A possibilidade de tratar de certos “estudos gerais” ou acadêmicos como se fossem
uma “habilitação” era aceitável apenas em circunstâncias excepcionais, como nos
casos do aluno já ter uma qualificação técnica.
As críticas a essa nova lei surgiram de vários agentes: dos proprietários de
escolas particulares, de autoridades governamentais, de escolas técnicas e dos
professores. As reclamações variavam, mas se concentravam na imensa dificuldade
de adequar todas as escolas aos seus papéis de treinadores profissionais e também
nos efeitos radicais que essa transformação teria na qualidade do componente
de educação geral dos novos cursos. A resposta do governo veio em mais um
documento de esclarecimento, em 197515. Pela primeira vez, o Conselho Federal
de Educação admitiu uma distinção entre treinamento profissional e educação
profissional. Esta segunda categoria abriu a oportunidade para um novo tipo de
curso, a “habilitação” básica, mais ligada aos interesses dos alunos do que voltada
para o mercado de trabalho, e que seria uma introdução a um determinado campo
de trabalho mais do que uma preparação para um tipo específico de emprego
propriamente dito. O caráter obrigatório dessa preparação era mantido, contudo,
apesar dos indícios de que a tarefa de implementação estava gerando uma enorme
tensão (Cunha, 1975; Langoni, 1974).
A modificação introduzida refletiu o mesmo problema de interpretação da
relação entre escola e trabalho vivenciada pela Venezuela. Estaria essa demanda
por uma “incorporação produtiva” do aluno na força de trabalho requerendo um
ensino de habilidades para um determinado tipo de ocupação ou para um emba-
samento geral, voltado para um leque mais amplo de ocupações? Nos dois países,
uma visão mais limitada, mais técnica, serviu de ponto de partida. Na Venezuela,
colocou-se uma ênfase inicial no estudo de perfis profissionais, nas projeções da
força de trabalho e na análise das necessidades industriais das regiões. O mesmo
se deu no Brasil, com o ensino fundamental ficando responsável pela descoberta
dos interesses e aptidões profissionais, e a escola de ensino médio diversificada
atuando como provedora de pessoal profissionalizado de nível médio de acordo com
as necessidades. O número de horas-aula em matérias técnico-profissionalizantes
era para ser maior do que o dedicado ao componente de educação geral, cada um
deles com conteúdos mínimos estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação.
A justificativa para essa abordagem tecnológica era colocada abertamente como
a “explosão de ocupações em nível médio” e a crença de que um currículo mais

14
Parecer no. 45/72 do Conselho Federal de Educação, em Schuch, V.F. (1979).
15
Parecer no. 76/75 Conselho Federal de Educação, em Schuh, V.F. (1979).

92
generalista, voltado para a ciência, se tornaria uma simples preparação para o
ingresso na universidade.16
Foi somente após as primeiras tentativas de implementação da reforma que
o argumento favorável à ciência começou a ganhar força nos dois países. A polí-
tica a que se chegou na Venezuela foi de dar aos cursos profissionalizantes “uma
formação básica ampla e polivalente” com o objetivo de reduzir os custos com a
escola e permitir a mobilidade profissional dos estudantes (Equipo Cerpe, 1981).
Embora as dificuldades de prever as futuras necessidades do mercado de trabalho,
de equipar os cursos técnicos das escolas e de treinar os professores necessários
nunca foram oficialmente admitidas no Brasil, a especialização excessiva para cur-
sos tais como “Auxiliar Técnico em Fertilização” e “Auxiliar Técnico para Bancos
de Sangue” foram implicitamente reconhecidas no Parecer de 1975. A mudança
em direção a uma “formação profissional básica” para famílias profissionais mais
amplas, tais como Agricultura, Saúde, Comércio, Eletricidade e Eletrônica, foi
justificada pela existência de oportunidades de treinamento em serviço. Ao mesmo
tempo, a lei número 6297 de 1975, ao permitir uma redução no imposto de renda
igual ao dobro do valor gasto em treinamento da força de trabalho, até 10% dos
lucros da empresa, removeu boa parte da sustentação da reforma escolar. Nesse
momento, o governo estava estimulando claramente uma política alternativa para
o treinamento do profissional de nível médio.
A definição de técnico tinha sofrido uma alteração importante. Durante sua fase
dedicada à tecnologia, as reformas, tanto na Venezuela quanto no Brasil, tinham
concebido o técnico como alguém com uma função que precisava de uma prepa-
ração devidamente especializada para desempenhar sua função adequadamente.
Na sua segunda fase, o entendimento era que uma pessoa só começa a ser técnico
quando seu trabalho depende mais de conhecimento do que de habilidade manual.
Isso se aplica se o conhecimento for adquirido tanto deliberadamente, através de
estudo, quanto por acúmulo gradual. Essa definição certamente explicaria por que
o Parecer de 1975 no Brasil enfatizou que o treinamento para o trabalho não era
da responsabilidade exclusiva da escola, e esclareceu os motivos pelos quais uma
introdução geral, mais humanística, a vários universos de trabalho, era agora uma
opção plausível, em vez dos cursos técnicos.
Nem todas as contradições tinham sido resolvidas. O objetivo que ainda
persistia era o de “profissionalizar” todos os estudantes mediante a unificação do
pensar com o fazer. Contudo, o trabalho como componente do currículo podia
então ser diluído na dimensão da educação geral, e ao mundo do trabalho seria
dada a tarefa de ensinar os aspectos funcionais de uma determinada ocupação.
Ao mesmo tempo, cabe dizer que não aconteceu qualquer discussão oficial a

16
Muito da filosofia subjacente à reforma no Brasil pode ser encontrada na Comunicação do
Grupo de Trabalho, junho-agosto de 1970, mimeo, Brasília, e no texto de um dos membros
do Conselho Federal de Educação: Chagas, V. (1971). “Mais do que uma reforma, uma nova
concepção de escola”. Mimeo.

93
respeito do valor real da educação profissionalizante, em oposição à educação
geral, no que se refere ao emprego, salário e mobilidade dos estudantes. Alguns
estudos podem mostrar agora que, no contexto da América Latina, e também no
de outras regiões, o treinamento profissionalizante não oferece necessariamente as
vantagens esperadas. Em El Salvador, McGinn e Balart (1980) não perceberam
índices mais altos de emprego ou salário para quem recebeu uma educação pro-
fissionalizante de nível médio. Essa percepção também foi confirmada no México
por Muñoz Izquierdo e Rodrigues (1980), onde os alunos dos cursos de educação
geral recebem, em média, 30% a mais do que alunos técnicos e ganham 70% a
mais para cada ano de experiência. Um estudo que aponta a existência de uma
ligeira vantagem para o aluno técnico na Colômbia e na Argentina, escrito por
Franco e Castro (1981), é menos convincente.

Uma Avaliação da Reforma Brasileira

Foi apenas em 1982 que a pressão por uma reavaliação da Lei de Diretri-
zes e Bases de 1971 produziu a tão esperada eliminação da obrigatoriedade do
treinamento para o trabalho ou de cursos voltados ao trabalho17. A escola de
ensino médio brasileira tinha passado por 11 anos de uma experiência ímpar na
América Latina, que levanta duas importantes questões. A primeira é: como foi
possível a ocorrência dessa reforma obrigatória, dada a importância tradicional
atribuída a uma educação geral em ciências ou em humanidades para o ingresso
na universidade? A segunda é: como o sistema manteve sua função de seleção?
Levin (1978) sugere que, diante da criação das escolas “comprehensive”18, a
universidade europeia assumiu o papel de seleção social antes desempenhado
pelo ensino médio. Isso estaria em sintonia com outras críticas feitas às reformas
liberais da educação, que enxergam a existência de uma divisão social de traba-
lho como um inevitável impedimento a qualquer modificação profunda no papel
da escola de promover uma classe social mais do que outra. Se um determinado
nível de escolarização começa a oferecer níveis semelhantes de oportunidades de
acesso e de resultados para a classe trabalhadora, então é axiomático que caberá a
outro nível compensar essa aparente equiparação de oportunidades educacionais.
Essa abordagem minimiza o grau de seletividade que pode haver dentro e
entre as escolas que nominalmente se enquadram numa mesma categoria e que
tenham o mesmo tipo de aluno. Embora o Brasil tenha eliminado, em teoria, a
desvantagem em relação ao ingresso à universidade sofrida pelo ensino técnico, ao
criar um único tipo de escola diversificada de ensino médio, tanto pública quanto
particular, não se pode argumentar que a mudança tenha criado uma homoge-
17
Lei No. 7044, Outubro, 1982. Essa lei propôs que as escolas continuassem a incluir uma
disciplina chamada de “aperfeiçoamento”, para inspirar o gosto ou a dedicação ao trabalho.
18
Ver a nota 5. (N.T.)

94
neidade de opções, experiências e resultados nesse nível. De fato, o estudo de
algumas tendências gerais, usando dados secundários, indica que a nova escola
de ensino médio fez pouco para modificar as origens dos alunos que alcançam a
universidade e os tipos de estudo ambicionados pela classe média.

O Contexto da Reforma Brasileira

Uma maneira de abordar o processo de reforma educativa tem sido a de con-


siderar os resultados finais da política como sendo um produto da negociação e
conciliação de interesses conflitantes. Esse cenário de política pluralística enfatiza a
competição pela generosidade do governo entre grupos cujas pressões antagônicas
geralmente acabam levando a um equilíbrio delicado e cautelosamente mantido
(McGinn et al., 1979; Shirk, 1979). Contudo, o poder de um governo militar
autoritário não deve ser subestimado, especialmente quando esse governo nutre
motivos velados a favor de determinada organização do sistema educacional. Para
entender como essa forma radical de diversificação se tornou possível no Brasil
diante dos mesmos interesses entrincheirados que havia no restante da América
Latina, é necessário levar em conta os antecedentes autoritários da reforma.
Não há dúvidas de que o governo militar autoritário instalado através do golpe
de 1964 tenha se comprometido com a reforma por outros motivos além dos eco-
nômicos. Cunha (1978; 1979) pondera que talvez o papel da diversificação fosse
uma continuação da Reforma Universitária de 1968, para conter o crescente fluxo
de alunos saídos do ensino médio para uma universidade já sobrecarregada com
alunos da área de Ciências Humanas e sem condições de oferecer um retorno aos
pesados investimentos realizados.19 A pressão crescente pelo ingresso na universi-
dade aumentara com a expansão do ensino médio20 e com a consolidação de um
modelo econômico que, através da concentração do capital em uma economia cada
vez mais centralizada, tinha reduzido os canais tradicionais de mobilidade social
através da pequena empresa familiar (Heimer, 1975). A classe média considerava
a universidade como a provedora das qualificações necessárias à obtenção de
emprego nas novas burocracias estatais e multinacionais (Cunha, 1973).
Para deter esse fluxo, não era suficiente nem politicamente desejável criar
obstáculos adicionais ao exame de ingresso na universidade: o vestibular.21 Era

19
O crescimento de matrícula na universidade entre 1960 e 1971 tinha sido de 497% e, em
1971, o número de alunos em Ciências Humanas, Letras e Artes representavam 63% do total.
20
A matrícula no ensino médio subiu 278% entre 1964 e 1972, e representou uma tentativa
dos militares de assegurar o apoio da base social do regime, as classes média e média baixa.
21
O vestibular foi um tema polêmico ao longo da década de 1960, devido à questão dos
‘excedentes’, ou seja, os alunos que tinham alcançado uma média mínima, mas que não
conseguiram vagas. Com a mudança no clima político, critérios mais severos para o vestibular
foram introduzidos em 1976. Essa política aumentou o número dos que aspiravam entrar na

95
necessário reduzir o número daqueles que aspiravam entrar no ensino superior.
Nesse sentido, a reforma tinha um duplo propósito: primeiro, de modificar as ati-
tudes supostamente arcaicas que depreciavam o trabalho manual, despertando o
interesse do aluno para várias profissões de nível médio e, em segundo lugar, de
tornar produtiva essa mudança de atitude mediante a oferta de cursos profissiona-
lizantes em sintonia com as necessidades de uma economia em rápida expansão
(Cunha, 1978; Warde, 1977) (Ver o Quadro 1).

Quadro 1
Percentuais de matrícula e índice de crescimento
Ensino Superior: Brasil, 1960-197122

Ano Matrícula Índice


1960 93.2 100.0
1961 98.9 106.1
1962 107.3 115.1
1963 124.2 133.3
1964 142.4 152.8
1965 155.8 167.1
1966 180.1 193.2
1967 212.9 228.4
1968 278.3 298.6
1969 346.8 372.1
1970 430.5 461.9
1971 557.0 597.6
Fonte: Cunha, L. A. (1977) A Profissionalização no Ensino Médio, 2. ed.; Eldorado, p.113.

Vazquez e Llomovatte (1979) argumentam que a nova ideologia da educação


técnica também parte da necessidade de eliminar as características elitistas do
conteúdo do ensino médio, fazendo com que não fosse mais desejável que uma
clientela de massa tivesse acesso às características culturais e comportamentais
da classe dominante. Em termos mais especificamente brasileiros, Saviani (1978)

universidade, passando de 2,2 candidatos por vaga em 1975 para 4,5 candidatos por vaga
em 1980.
��
A Reforma Universitária de 1968 já tinha tomado uma série de medidas na tentativa de
controlar o aumento do número de estudantes e dos custos do ensino superior. Nessas medidas
estavam incluídas: a unificação do exame de seleção por região; o estabelecimento de um
sistema de classificação de acordo com o número de vagas; a criação de um curso básico de
um ano e um novo sistema de créditos.

96
mostra como a lei da reforma acabaria por apoiar a doutrina de “interdependência”
dos militares, que culpavam a falta de correspondência entre o modelo econômico
e a ideologia dominante pela crise institucional de 1964. Os militares percebe-
ram a contradição entre um sistema econômico firmemente comprometido com a
divisão internacional de trabalho e uma ideologia, reforçada pela escola, que era
essencialmente nacionalista e favorável a um grau maior de independência cultural
e econômica. Por essa linha de raciocínio, o caráter inegavelmente tecnológico da
reforma representava um passo na direção de uma nova compatibilidade entre as
esferas ideológica e econômica. A nova doutrina passou a valorizar a eficiência, a
modernidade e a produtividade, com a escola de ensino médio ajudando o processo
de doutrinação ideológica ao introduzir a nova disciplina de Educação Moral e
Cívica, enfatizando o treinamento profissionalizante e incentivando a realização
dos objetivos do desenvolvimento nacional.
Na euforia do milagre brasileiro, uma chamada do tipo “mãos ao trabalho!”
fazia sentido. Se isso pode ser atribuído a uma proposta de mudança ideológica
antes das transformações econômicas, ou se a proposta era de que as consequên-
cias ideológicas fluiriam com o aumento da produtividade e da mobilidade social
que um esquema de treinamento de nível médio em grande escala parecia ofere-
cer, não há como saber ao certo. Seja como for, a LDB de 1971 foi elaborada e
aprovada pelo Congresso em menos de um décimo do tempo que a LDB anterior
levou para se tornar lei.23

Seleção Social na Reforma Brasileira

Apesar de seus fundamentos autoritários, a reforma foi indiscutivelmente


influenciada por intenções liberais. Primeiro, ao tornar acadêmicas as escolas
técnicas tradicionais e ao profissionalizar o estudo acadêmico, nenhum aluno
ficaria sem a preparação necessária, ou em posição de vantagem em relação ao
exame, notoriamente acadêmico, de ingresso na universidade. Segundo, ao criar
um currículo e uma linguagem escolar que prestigiavam o ensino técnico, a lei
dava à classe trabalhadora melhores condições de competição do que ela teria
em um meio escolar dominado pela cultura humanística. Terceiro, o treinamento
técnico-profissionalizante parecia oferecer um retorno imediato para os alunos,
aumentando assim as chances de sobrevivência dos alunos que necessitavam tra-
balhar. Contudo, as pressões para reduzir mais do que aumentar a demanda por
vagas na universidade era real, criando uma contradição a ser resolvida, ou pela
eficiente implementação dos cursos voltados ao trabalho de forma a motivar os
alunos de todas as classes sociais a buscarem profissões de nível médio, ou pela
formação de novos mecanismos de seleção.

23
A Lei de Diretrizes e Bases anterior, de 1961, tinha sido discutida por quase 15 anos antes
de ser aprovada.

97
A resolução dessa contradição pode ser estudada em quatro aspectos da
reforma brasileira: implementação; evasão dos alunos; qualidade da educação;
resultados24.

Implementação

Recusar abertamente a implementar a reforma não era uma opção viável.


Apesar das críticas severas e dos sérios problemas de equipar os novos cursos
com os recursos materiais e humanos necessários, a legislação autoritária e a fal-
ta de qualquer oposição política autêntica ao governo não permitiu espaço para
reações desafiadoras. As Secretarias de Educação dos estados se viam obrigadas
a realizar o impossível para garantir o repasse de recursos federais. As escolas
particulares, contudo, adotaram um subterfúgio que representou quase uma recusa
à implementação. Ao escolherem cursos técnicos que, com alguma facilidade,
podiam servir de fachada para a adoção do tradicional currículo de ciências, ou
por darem tão pouca importância ao conteúdo profissionalizante, muitas dessas
escolas, com uma clientela de classe média, podiam continuar a garantir a seus
alunos algum sucesso nos exames de ingresso na universidade.
Nas escolas estaduais, a falta de verba e de professores contribuiu para que
as opções profissionalizantes mais simples, como a contabilidade e o magistério,
também se proliferassem e, desse modo, alterassem consideravelmente o tipo de
implementação inicialmente prevista. No Estado de Minas Gerais, por exemplo,
o número de cursos profissionalizantes aprovados para o setor de serviços, como
turismo, secretariado e contabilidade, representou 78,5% do total em 1979, com
cursos relacionados à indústria responsáveis por somente 19,3%, e com os 2,2%
restantes se relacionando à agricultura.25
[...]

Resultados

Mesmo antes da reforma ser introduzida, estudos tinham indicado que o mer-
cado de trabalho para técnicos treinados pela escola de ensino médio era menor
do que se imaginava. Em 1970, um estudo de Pastore e Bianchi (1976) mostrou
que, de 17.625 trabalhadores classificados como de nível médio, de acordo com
a função que exerciam em 705 firmas no estado de São Paulo, somente um terço
tinha recebido alguma espécie de treinamento de nível médio. As dificuldades

24
No texto original, esses quatro aspectos são discutidos em detalhe. Neste texto são discutidos
a implementação e os resultados. (N. T.)
25
Dados da Secretaria da Educação do Estado de Minas Gerais.

98
encontradas pelas escolas para identificar as demandas do mercado de trabalho,
e de orientar adequadamente os cursos profissionalizantes, eram, portanto, ine-
vitáveis, e só tenderiam a crescer depois que a economia começou a enfrentar
dificuldades a partir de 1973.
Em função da indiferença, por parte dos empregadores, ao novo produto
da escola de ensino médio e da continuada importância atribuída ao diploma
universitário, a demanda para o ingresso na universidade continuou a crescer.
Contudo, com a redução da qualidade da escola e com o crescimento do rigor do
vestibular a partir de 1976, um número cada vez menor de escolas podia garantir
aos seus alunos um lugar no ensino superior. Essa situação levou rapidamente
a uma proliferação dos chamados cursinhos, com a duração de um ano após o
ensino médio, que passaram então a ser considerados como o verdadeiro acesso
ao terceiro grau do sistema educativo.
A seletividade social inerente a esses cursinhos reside em duas de suas caracte-
rísticas. A primeira é o seu custo, sendo essas escolas exclusivamente particulares,
com fins lucrativos. A segunda é que estudos mostram uma significativa correlação
entre a qualidade do ensino médio e os resultados do vestibular (Castro, 1981).
Ou seja, mesmo os melhores cursinhos não podem substituir um curso de ensino
médio de boa qualidade ou recuperar o prejuízo de se ter frequentado um curso
inadequado. Oito anos após a implementação da reforma em Minas Gerais, 90%
dos novos estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais provinham de
apenas sete das escolas de ensino médio de Belo Horizonte, cinco particulares
e duas públicas (Mafra, 1979). Nesse mesmo estudo, estimou-se que 98% dos
alunos do ensino médio ainda pensavam em entrar na universidade.

Conclusões

As tensões geradas pela tentativa de perseguir simultaneamente dois objetivos


essencialmente contraditórios – a saber, profissionalizar o currículo da escola de
ensino médio e promover a homogeneização de resultados entre os grupos sociais
– parecem ter alterado o processo de identificação e discriminação do aluno da
classe trabalhadora. Enquanto antes isso acontecia regularmente entre escolas de
diferentes tipos, com a nova legislação, tal fato passou a ocorrer entre escolas de
um mesmo tipo, ou entre escolas particulares e aquelas mantidas pelo Estado.
Embora os dados permitam somente uma primeira aproximação ao processo de
estratificação qualitativa desencadeado pela reforma, pode parecer que a “con-
clusão voluntária dos estudos” pelo aluno da escola de ensino médio tenha sido
alcançada, mas não como um resultado do treinamento técnico-profissionalizante
recebido. Parece que a maioria dos alunos que não chega à universidade não con-
segue fazê-lo porque recebe uma educação cuja qualidade veda qualquer avanço.
As aspirações pelo emprego de nível médio não constituem um fator significativo
para a ausência desses alunos no ensino superior.

99
Os efeitos da liberalização da legislação da reforma, que remove a natureza
obrigatória do conteúdo profissionalizante, ainda estão por vir. Contudo, parece
provável que somente uma minoria das escolas particulares, principalmente aque-
las que têm uma tradição de educação técnica anterior à reforma ou que tenham
investido significativamente em equipamentos, é que continuará a oferecer um
currículo orientado para a profissionalização. As escolas estaduais com cursos
técnicos provavelmente serão obrigadas a continuar a oferecê-los, enquanto que
os outros cursos, de “habilitação básica” ou para a formação de assistentes, de-
saparecerão. Embora seja provável que se façam novas tentativas de se manter
uma área do currículo voltada para o trabalho, num contexto como esse, o mais
provável que ocorra é que tais esforços resultem tão somente em um pequeno
número extra de horas por semestre para o estudo de legislação trabalhista, ou
algo similar.

100
Leitura 6
A falácia da escola profissionalizante no planejamento
do desenvolvimento

Philip J. Foster (1965)26

Em discussões atuais sobre a relação entre a oferta de educação formal e o


crescimento econômico de regiões subdesenvolvidas, poucos assuntos têm sido
debatidos com mais veemência do que a questão de se estimular o oferecimento
de instrução técnica, profissionalizante e agrícola nas escolas. No que concerne à
África, tais discussões vêm aumentando de tom devido à recente publicação de
uma série de observações do economista britânico Thomas Balogh, nas conclusões
da Conferência de Ministros da Educação Africanos, em Adis Abeba, de 1961.
De modo breve, o ponto de vista de Balogh pode ser colocado da seguinte
maneira: já que entre 80 e 95% dos africanos são dependentes da agricultura,
a necessidade essencial na educação africana é o desenvolvimento em grande
escala de programas técnicos e agrícolas em todos os níveis: “A escola deve
oferecer o núcleo da agricultura moderna nas vilas” e desempenhar um papel
central no aumento geral do padrão de vida dentro do setor de subsistência. As
escolas atuais constituem um obstáculo ao progresso rural, porque as pessoas não
são treinadas para a agricultura e os sistemas acadêmicos de educação formal
são a causa principal de atitudes hostis em relação à prática da agricultura. As
escolas são consideradas como responsáveis fundamentais pelo êxodo das áreas
rurais para as cidades. O ponto de vista de Balogh, declarado em termos talvez
mais comedidos, é acompanhado por uma publicação recente da Organização das
Nações Unidas, na qual se observa que uma das maiores prioridades nas áreas
de desenvolvimento econômico é “a criação de um sistema totalmente integrado
de educação agrícola no quadro geral da educação técnica e profissionalizante”.
Embora apenas dois exemplos dessa corrente de pensamento sejam dados
aqui, é possível indicar diversas publicações atuais sobre educação e desenvol-
vimento econômico que conferem uma alta prioridade aos projetos de educação
agrícola, profissionalizante e técnica, em detrimento da oferta de tipos de instru-
ção substancialmente mais “acadêmicos”. Nas páginas seguintes, espero mostrar
que esses pontos de vista são, em geral, falaciosos, e que ignoram uma série de

26
Extraído de: Philip J Foster. The Vocational School Fallacy in Development Planning. In:
C. Arnold Anderson e Mary Jean Bowman (org.) Education and Economic Development. Chi-
cago, Aldine Publishing Company, 1965: 142-166. Reproduzido com permissão da editora.

101
variáveis cruciais que precisam ser consideradas a fim de que qualquer proposta
realista para o estímulo ao crescimento da economia venha a emergir.
[...]
É importante dizer, desde o início, que não há desacordo com duas das
alegações de Balogh. Primeiro, parece claro que o desenvolvimento agrícola e
um aumento rápido na renda rural devem definitivamente ser considerados como
prioridades em todos os projetos de desenvolvimento. Além da probabilidade de
que tal crescimento deva preceder até o desenvolvimento industrial mais modesto,
há a questão imediata de melhorar as condições de subsistência em que muitos
agricultores africanos se veem forçados a existir. Segundo, é provável que tais
programas dependam em parte da oferta de educação técnica e agrícola, como
uma condição necessária, mas de modo algum suficiente para o crescimento.
Entretanto, apesar dessa vaga concordância geral acerca do caráter desejá-
vel de tais programas, virtualmente inexistem resoluções explícitas a respeito de
sua natureza. Por exemplo, qual seria um projeto educacional adequado para as
necessidades desenvolvimentistas? Que papel teriam as escolas em tal programa?
Em que estágio da educação formal as disciplinas profissionalizantes deveriam
começar e como as escolas técnicas e agrícolas seriam integradas ao sistema geral?
Há também o problema do conteúdo dos estudos; os currículos profissionalizantes
são mal planejados para servir às necessidades de economias em desenvolvimento.
Concordar com a necessidade de desenvolvimento agrícola não leva diretamente
a quaisquer especificações particulares sobre o conteúdo ou a organização edu-
cacional. Ainda que assumíssemos a existência de prescrições bem validadas,
é igualmente certo que elas iriam variar consideravelmente conforme o grau de
controle centralizado efetivamente exercido pelos governos. Este último fator pa-
rece ser raramente considerado pelos planejadores educacionais, ainda que ele
seja provavelmente a variável mais crucial na determinação da efetividade de um
programa agrícola ou técnico.
Consideradas essas ressalvas, nosso principal desacordo com Balogh reside
na “estratégia” que ele propõe e no grau de confiança que ele deposita nas insti-
tuições de educação formal para implementar essas mudanças. Em segundo lugar,
Balogh tende a ver a educação profissionalizante e geral como substitutas uma
da outra, mais do que vê-las como essencialmente complementares e dificilmente
substituíveis.
Há talvez uma tendência geral de conferir às escolas uma posição “central”
nas estratégias projetadas para facilitar o desenvolvimento econômico. De certa
forma, isso reflete uma avaliação da relativa falta de instituições alternativas que
possam ser utilizadas, mas também decorre parcialmente da noção de que es-
colas são instituições facilmente moldáveis. Acredita-se, de modo geral, que as
escolas podem ser facilmente modificadas para atenderem a novas necessidades
econômicas e, mais particularmente, para conformarem com as intenções de pla-
nejadores sociais e econômicos. Devo argumentar, ao contrário, que as escolas são

102
instrumentos notavelmente desajeitados para implementar prontamente mudanças
de grande escala nas regiões subdesenvolvidas. Com efeito, a educação formal
tem exercido um imenso impacto na África, mas suas consequências raramente
foram previstas, e as escolas não têm funcionado da maneira pretendida pelos
planejadores educacionais.
[...]

O Mito do “Colarinho Branco” e as Aspirações Profissionais

Não há dúvidas de que o desemprego entre aqueles que abandonam a escola


alcançou proporções alarmantes na África Ocidental. Investigações feitas por Calla-
way na Nigéria e por mim em Gana confirmam sua extensão e incidência e não dão
margem para supor que ele deva se atenuar em um futuro próximo. Entretanto,
a questão crucial não é a quantidade desse desemprego, mas a identificação dos
fatores que mais determinam sua incidência. Tem-se afirmado, frequentemente,
que esse problema tem origem na relutância de indivíduos instruídos e dos egres-
sos do sistema escolar em aceitar ocupações manuais, em sua ilusória busca por
empregos de “colarinho branco”, que eles acreditam ser compatíveis com seu
status de “homens educados”. Nessa interpretação, o desemprego é concebido
como de natureza “friccional”27, e as escolas são percebidas como as vilãs do
enredo; infere-se que o tipo de educação a que os estudantes são expostos (espe-
cificamente, o currículo das escolas) determine em grande parte suas aspirações
profissionais e opere como uma variável independente ao estabelecer o nível de
escolha profissional. Essa tem sido uma temática preferencial por quase um século.
Balogh, por exemplo, atribui a atual crise de emprego na Nigéria especificamente
à oferta de uma forma particular de educação elementar acadêmica, que gerou
expectativas de emprego não realistas para trabalhos de escritório, provocou um
êxodo das zonas rurais e promoveu o desprezo pelas atividades manuais. Se esse
diagnóstico do problema estivesse correto, a solução seria simples: mudar os
currículos para oferecer instrução baseada em temas agrícolas e técnicos, e as
aspirações dos jovens seriam, consequentemente, direcionadas para as atividades
agrícolas; o êxodo rural seria controlado e o volume de desemprego friccional iria
proporcionalmente diminuir.
Esse raciocínio é uma grande falácia. Já foi apontado por outros que a ideia
de que as aspirações profissionais de crianças podem ser alteradas por mudan-
ças radicais no currículo não é mais que um folclore, com pouco embasamento
empírico. Na Nigéria e em Gana, os graduados do ensino primário e médio
exercem trabalho manual e frequentemente procuram empregos desse mesmo
27
O desemprego “friccional” envolve pessoas que estão transitando entre empregos ou estão no
processo normal e voluntário de procurar emprego. É diferente, por exemplo, do desemprego
“sazonal”, criado pela queda temporária na oferta de empregos. (N. T.)

103
tipo. Reciprocamente, é possível mostrar que, mesmo onde os estudantes foram
educados em escolas agrícolas ou técnicas, uma grande proporção deles nunca
exerceu as ocupações para que foram treinados, porém gravitaram em direção a
empregos alternativos, que ofereciam melhores oportunidades. Essas observações
tenderiam a trazer algumas dúvidas relativas aos programas cuja eficácia depende
da noção de que as escolas exercem uma influência decisiva sobre as aspirações
vocacionais dos estudantes. Entretanto, há evidências empíricas mais precisas
que sugerem que em Gana, pelo menos, o desprezo por trabalhos manuais que
se supõem como resultado típico da educação formal não está, de forma alguma,
de acordo com os fatos.

104
Leitura 7
A análise da demanda por força de trabalho

George Psacharopoulos e Maureen Woodhall (1985)28

[...]

A Avaliação das Projeções de Força de Trabalho: A Utilidade das Projeções

Em vista dos problemas já discutidos e das incertezas em torno de mudanças


técnicas e dos fatores que afetam as metas de crescimento econômico, não sur-
preende  descobrir que muitas das projeções sobre demandas futuras da força
de trabalho se mostraram imprecisas e não confiáveis. Esses resultados estão
documentados em várias avaliações de projeções, dentre as quais uma revisão
de mais de trinta planos sobre a força de trabalho na África, entre 1960 e 1972
(Jolly e Colclough, 1972), e o post mortem de projeções similares, tanto em países
desenvolvidos (Canadá, França, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos), como em
países em desenvolvimento (Índia, Nigéria e Tailândia) (Ahamad e Blaug, 1973).
Jolly e Colclough concluíram que a maioria dos planos de força de trabalho
africanos superestimava o crescimento da demanda por mão de obra educada e,
em alguns casos, superestimavam em 100% a necessidade de mão de obra qua-
lificada futura. Ahamad e Blaug também encontraram evidências de imprecisões
nas projeções e concluíram que havia grandes falhas na maneira como as projeções
da força de trabalho vinham sendo realizadas e interpretadas.
Duas pesquisas recentes (Snodgrass, 1979; Debeauvais e Psacharopoulos,
1985) vêm reiterando fortes dúvidas sobre a precisão e a confiabilidade das pro-
jeções de força de trabalho, enquanto observam que, a despeito desse fato, tais
projeções permanecem inabaláveis. Suas maiores críticas de projeções passadas são
que elas se concentram nos setores formais e negligenciam o trabalho autônomo.
Outra crítica é que elas também negligenciam a mobilidade ocupacional (quanto
maior a mobilidade, menos precisa e útil é a previsão). Outro ponto importante
é que países em níveis similares de desenvolvimento econômico vêm experimen-

28
Extraído de: George Psacharopoulos e Maureen Woodhall. Education for Development:
An Analysis of Investment Choices (Capítulo 4). World Bank, Oxford University Press, 1985.
Reproduzido com permissão da editora.

105
tando estruturas educacionais e ocupacionais diversas. Finalmente, quanto maior
o horizonte temporal da previsão, menores são as chances de ela ser confiável.
Em vista desse balanço funesto, por que, então, os planejadores insistem em
fazer projeções de força de trabalho? Uma das razões é que a demanda da força
de trabalho parece derivar de um imperativo econômico atrelado a objetivos eco-
nômicos nacionais explícitos. E, além de aparentemente simples, tal procedimento
também parece fornecer um método único, que pode ser aplicado a todas as ca-
tegorias de mão de obra, desde pedreiros até graduados em física. O planejador
pode se concentrar nas quantidades, ao invés de ter que se preocupar com os
preços relativos. E, finalmente, isso também ocorre porque as projeções de valor
único parecem oferecer metas numéricas precisas, e são muito mais atrativas para
políticos formadores de opinião do que as análises de custo-benefício, ou outras
técnicas, que simplesmente indicam “direções de mudança”.
Se acrescentarmos a essa lista a pressão política em muitos países para planejar
a substituição de expatriados no momento da independência, e o medo dissemi-
nado de que uma escassez de mão de obra qualificada possa causar gargalos, não
é de surpreender que as projeções de força de trabalho rapidamente tenham se
tornado o método principal para justificar o investimento e a expansão educacional.
Com toda a sua aparente precisão e simplicidade, entretanto, o fato é que
essas técnicas não são confiáveis e podem levar a julgamentos equivocados sobre
prioridades de investimentos, se usadas como a única base para o planejamento.
Um dos principais pontos fracos desse método é que as projeções de força de
trabalho frequentemente negligenciam a questão dos custos ou, pelo menos, a
questão relativa do custo-eficácia de alternativas. A própria ideia de demanda de
força de trabalho sugere uma dada necessidade, mais do que uma escolha entre
formas alternativas de alcançar o mesmo nível de produção. Essas projeções
também ignoram a influência dos preços relativos na determinação de escolhas
entre técnicas alternativas e combinações de insumos.
A conclusão geral de vinte anos de experiência em projeções de força de
trabalho é que essas não seriam, em si, ruins, se fossem avaliadas realisticamente
– ou seja, se se reconhecesse que elas estão sujeitas a grandes margens de erro
e que não refletem as duras e rápidas necessidades do crescimento econômico.
Ainda assim, a experiência nessa área sugere que “a maioria dos legisladores não
estará apta a ter um olhar realista e, para estes, o método parece prometer mais
do que pode de fato cumprir” (Hollister, 1983: 40).
Em outras palavras, o problema pode estar não tanto nas técnicas de previsão
da força de trabalho, mas em suas interpretações. Declarações das implicações
das metas econômicas para a força de trabalho também são frequentemente
consideradas por planejadores educacionais como condições necessárias e sufi-
cientes para o alcance dessas metas. É por isso que muitos agora defendem que
os planejadores da força de trabalho abandonem a bola de cristal de projeções
de valor único e a noção de demanda, para começarem a analisar os efeitos de

106
suposições alternativas e das implicações de padrões alternativos de utilização.
Também se defende, nos dias de hoje, a utilização dos custos de oportunidade
como um critério principal para escolher entre alternativas (ver, por exemplo,
Ahamad e Blaug, 1973; Psacharopoulos, 1984b). Tal abordagem iria envolver
uma análise do conceito econômico de demanda de mercado por mão de obra
(com uma taxa de remuneração determinada, ou suposta), em vez do conceito
tecnológico de necessidade de mão de obra, que tendia a dominar o planejamento
da força de trabalho no passado.
[...]

107
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111
Seção 3
Reformas revolucionárias

Introdução

Um livro sobre os grandes movimentos de reforma educacional dos últimos


cinquenta anos estaria decididamente incompleto, sobretudo no nosso conti-
nente, se não tratasse das revoluções políticas de inspiração socialista, nem das
visões educacionais que as acompanharam. Por mais anacrônicas que possam
parecer hoje num mundo educacional dominado por relações de mercado,
as reformas radicais, geralmente socialistas, inspiraram gerações inteiras ao
criarem a promessa de um mundo melhor através de mudanças profundas na
forma e no conteúdo da educação das massas.
O debate educacional brasileiro da década de 1960 foi fortemente in-
fluenciado pela revolução cubana. Um exemplo disso foi a afinidade de ideias
entre as propostas terceiro-mundistas, como a da Pedagogia do Oprimido de
Paulo Freire (2009), e os propósitos iniciais da reforma cubana em termos
da conscientização e inclusão da população rural. O que mais inspirava os
educadores brasileiros foi a grande mobilização da população cubana a favor
da democratização da educação e a incorporação das camadas mais pobres.
A Campanha Nacional de Alfabetização em Cuba foi o símbolo maior desse
processo. Em 26 de setembro de 1960, Fidel Castro se comprometeu a erra-
dicar o analfabetismo que, nas áreas rurais, chegava a 42% da população. No
que se constituiu como uma verdadeira epopeia popular, foram mobilizadas
mais de 300 mil pessoas, principalmente estudantes universitários, e, ao final
daquele ano, após mais de 700 mil pessoas terem aprendido a ler, o país foi
declarado um território livre do analfabetismo.
Na primeira leitura, extraída de livro de Martin Carnoy e Joel Samoff,
percebemos que a transformação educacional também foi de grande signifi-
cado para a própria revolução cubana, ao ponto da reforma educacional e da
revolução terem se tornado símbolos um do outro. Também percebemos que
a transformação educacional não foi só uma. Na realidade, foram várias, cor-
respondendo às mudanças nas prioridades da revolução e também ao processo
de aprendizagem dos próprios dirigentes. À medida que a revolução definia
seus objetivos econômicos, primeiro a favor da indústria açucareira, depois
em prol da industrialização e finalmente a favor do aumento da produtividade
e da expansão do trabalho técnico, as prioridades educacionais também fo-
ram mudando. O período de expansão e mobilização cedeu lugar a uma fase

113
de intensa profissionalização do ensino fundamental e médio, envolvendo a
conexão física entre a escola e o lugar de trabalho e, depois, a uma fase de
diversificação, de modo a permitir a criação de uma elite técnica e intelectual.
As marchas e contramarchas da reforma cubana são testemunhas da
dificuldade de satisfazer simultaneamente às necessidades doutrinárias da
revolução, baseadas em incentivos morais e nos ideais democráticos de in-
clusão e de solidariedade, e às necessidades do sistema de produção. Nem
o ensino médio no campo, nem a grande expansão do ensino técnico foram
propriamente necessidades em termos produtivos e, em nome da escassez de
recursos e do imperativo de melhorar a eficiência dos investimentos, ambos
tiveram que ser redimensionados. Mais pela influência dos russos do que das
agências multinacionais, os dirigentes cubanos acabaram assimilando várias
das diretrizes em discussão ao redor do mundo a respeito da conveniência
de se fazerem projeções da força de trabalho e de se diversificar o acesso ao
ensino médio e superior.
Após a revolução, o nível educacional alcançado pela população cubana
começou a superar a média dos países da região, até ultrapassar o da Argen-
tina e do Uruguai na década de 1980. Na virada do novo milênio, Cuba já
tinha extinguido o analfabetismo e garantido 9,5 anos de escolaridade média
à população com idade superior a 15 anos, em comparação com os 6,1 anos
do Brasil. Por essas comparações e outras, incluindo as avaliações de desem-
penho escolar realizadas pelo escritório regional da UNESCO, os cubanos têm
consciência da sua superioridade educacional e uma convicção do sucesso da
revolução em elevar a cultura de seu povo. Mesmo não havendo os mesmos
retornos para o indivíduo que nos outros países da região, é inegável que a
reforma da educação cubana teve um papel fundamental na criação de um
autoconceito positivo do país e também na organização de um sistema educa-
cional que hoje se torna um modelo em termos dos níveis de aprendizagem
alcançados pelos alunos.
Pode parecer estranha a inclusão, nesta seção sobre as reformas educacio-
nais revolucionárias, de um exemplo de reforma criada por uma junta militar.
No entanto, como mostra a segunda leitura, extraída de um livro escrito para
a UNESCO por Judithe Bizot, a reforma peruana do princípio da década de
1970 não foi inspirada pela mesma ideologia anticomunista dos golpes militares
de outros países da região. Pelo contrário, o texto deixa claro que os objetivos
dos militares peruanos foram bem mais populistas e anti-imperialistas, motiva-
dos por convicções profundas sobre a necessidade de redefinir as prioridades
educacionais a favor das regiões e populações mais pobres, sobretudo dos
grupos indígenas que, por séculos, tinham sido abandonados pela elite branca
da região costeira. A ênfase na conscientização das massas e na criação de
um novo homem dá uma indicação da origem das ideias de Augusto Salazar
Bondy, ideólogo e Presidente da Comissão de Reforma. Não era preciso uma

114
revolução socialista local para abrir as portas da reforma educacional peruana
quando se tinha o modelo da revolução cubana à mão.
As mudanças previstas e descritas por Bizot refletem o entusiasmo que
havia na região inteira em relação à reforma cubana. Por isso, os militares e
responsáveis pela reforma peruana não agiram de maneira isolada. Foi um
período de radicalização no pensamento dos intelectuais e de resistência à in-
fluência norte-americana. Os ventos da liberação e da independência varriam
o continente. Foi uma época de muita fé na capacidade da educação de liberar
as massas e de realizar a tão sonhada independência política e econômica.
A reforma peruana também mostrou fé na capacidade da educação de
ser propulsora de uma revolução no pensamento e nos costumes dos grupos
sociais. Mesmo sem as mudanças cubanas na construção de um novo modelo
para a distribuição das riquezas da sociedade, acreditava-se que o sistema edu-
cacional poderia operar mudanças na relação entre os grupos étnicos e sociais
e na distribuição de poder. De certo modo, a reforma peruana foi precursora
de reformas similares bem mais recentes lideradas pelo Presidente da Bolívia,
Evo Morales. Inerentes a ambas, encontram-se a ênfase na educação adulta,
a escolarização da população mais pobre, a educação da mulher, a educação
bilíngue, a oficialização das línguas indígenas e a promoção da vida comunitária.
Também precursoras de reformas que se estenderiam pelo continente inteiro
a partir da década seguinte, encontra-se a ênfase na nuclearização como parte
de um processo de descentralização da autoridade para a condução da política
educacional. Essas reformas serão um dos objetos de estudo da seção 5.
No caso peruano, talvez como um reflexo de seu tempo e das influências
discutidas na seção anterior, acha-se menção também aos Centros Educacio-
nais de Qualificação Profissional Excepcional. Se a intenção era garantir uma
formação básica com conotações profissionalizantes que permitisse o acesso
a oportunidades de emprego, foram poucas as instituições desse tipo que saí-
ram do papel. Na Lei Geral de Educação peruana, datada de 1982, já não se
encontra mais a descrição desse tipo de escola.
A descentralização prossegue como uma característica do sistema educa-
cional do Peru, embora, na opinião geral, a reforma tenha sido um fracasso.1
Entre as explicações para isso, encontram-se o burocratismo e a verticalidade
do Ministério, a oposição do sindicato dos professores e a política repressiva
do governo que, nos enfrentamentos com os opositores, deixou claras suas
origens militares. E também se deve lembrar o idealismo das reformas, que
levou os seus proponentes a imaginar mudanças sociais significativas, embora
sem alterar a representatividade política dos grupos marginalizados.

1
Ver, por exemplo, Miranda, Emilio Morillo. Reformas Educativas en el Perú del Siglo XX.
Revista Iberoamericana de Educación, Versão Digital. 10/01/2002. (Disponível em http://www.
rieoei.org/deloslectores/233Morillo.PDF. Acesso: 14/09/10.)

115
A reforma educacional da Nicarágua, instituída pelo governo sandinista,
é de memória mais recente, mas nem por isso deixou de mostrar as mesmas
marcas da matriz das reformas educacionais radicais na nossa região – a reforma
cubana. A partir de uma campanha de alfabetização em massa, os sandinistas
pretendiam disparar um processo de mudança social através da formação de
uma “nova pessoa”, mais democrática, mais participativa e mais afinada com
os objetivos anti-imperialistas da revolução.
O texto de Robert Arnove mostra que, após esse início idealista e, à me-
dida que a guerra civil avançava, o governo sandinista teve que alterar seus
planos de democratização e de melhoria do sistema educacional, para lutar
por sua própria sobrevivência. Dessa forma, o texto serve para demonstrar
que a revolução educacional se sustenta a partir da consolidação de mudanças
nas esferas políticas e econômicas. Os sandinistas tiveram que abandonar seus
propósitos educacionais revolucionários por conta da conflagração que se ins-
taurou no país e que levou à sua derrota. Com a chegada do novo governo, o
que sobrou da reforma sandinista foi desmantelado para eliminar tudo o que
lembrava o período revolucionário.
A última leitura desta seção também é de Martin Carnoy, extraída de um
livro recente em que o autor revisita o sistema educacional cubano para tentar
explicar seu sucesso em termos da vantagem demonstrada por alunos cubanos
quando comparados aos alunos de outros países da região, incluindo o Brasil.
Os resultados, tanto do primeiro quanto do segundo estudo regional compara-
tivo2 realizados pela OREALC, escritório da UNESCO para a América Latina,
mostraram que a média em leitura e matemática dos alunos cubanos do 3º e
6º anos é superior, em mais de um desvio-padrão, à dos demais países e em
mais de dois desvios-padrão à do país de desempenho mais baixo, que foi a
República Dominicana.
Essa vantagem acadêmica é muito grande e requer uma explicação. A
explicação oferecida por Carnoy talvez não seja exatamente a que se esperaria,
dada a forte carga ideológica que orientou a reforma cubana nos seus primeiros
anos. Em vez de localizar a fonte da qualidade do ensino nas origens socialistas
do currículo ou na formação política dos professores, o que se descobre é que
o sistema cubano funciona, entre outras razões, porque é bem organizado.
Nas palavras de Carnoy, o sistema educacional cubano produz bons resulta-
dos porque seu sistema administrativo assegura “que um currículo nacional
razoavelmente exigente seja aplicado de modo universal, independentemente
da classe social dos estudantes” (Carnoy, 2009:206).

2
Publicados em 1998 e 2008 respectivamente, o Primeiro Estudo Regional Comparativo e
Explicativo (PERCE) e o Segundo Estudo Regional Comparativo e Explicativo (SERCE) foram
realizados pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação do
OREALC em 16 países da região da America Latina e o Caribe.

116
Carnoy também admite a influência de alguns elementos mais revolucio-
nários, ao indicar o nível de desempenho acadêmico e cultural dos professores
como uma influência positiva. Sem dúvida, esse nível cultural é fruto tanto da
elevação do nível de escolaridade da população quanto do prestígio da pro-
fissão de magistério em Cuba, advindo do seu papel revolucionário e de uma
política salarial que efetivamente equipara os salários dos profissionais. O fato
de a escola estar bem organizada, independentemente da clientela para poder
oferecer o mesmo currículo com o mesmo profissionalismo a todos os alunos,
também diz respeito a um sistema que não discrimina nem admite variações
na distribuição de recursos ou na qualidade dos docentes. Essas condições são
asseguradas quando o estado controla a formação docente com maior rigor e
impõe uma uniformidade de atuação e pensamento aos membros da equipe
escolar. O preço a pagar em termos de falta de autonomia e de liberdade po-
lítica e profissional não tem relevância em uma sociedade que há muito abriu
mão dos direitos individuais a favor do bem coletivo.
O importante é que a reforma socialista da educação cubana vingou em função
da consolidação do novo regime político e da transformação do sistema econômico
do país. As outras reformas revolucionárias apresentadas, do Peru e da Nicarágua,
com propósitos e estratégias bastante similares, não tiveram a mesma sorte. Em
poucos anos, ambas as reformas já tinham sido abandonadas, seja pela falta de
representação política dos grupos beneficiados, seja pela falta de racionalidade
econômica dos métodos de formação para o trabalho, ou mesmo pela própria
derrota das ideologias que sustentavam o processo de reforma.

117
Leitura 1
Educação e transição social no terceiro mundo

Martin Carnoy e Joel Samoff (1990)3

[...]

Expansão e reforma educacional no período revolucionário cubano

Antes de 1959, ano da Revolução em Cuba, o sistema educacional daquele


país encontrava-se estagnado, mantendo uma bem definida estrutura de classes,
e fornecendo apenas a um percentual relativamente pequeno de cidadãos acesso
ao setor econômico dinâmico de controle estrangeiro. A reforma educacional foi
empreendida com o intuito de converter os cubanos em uma força de trabalho
qualificada, bem como de criar uma consciência socialista generalizada. Na Cuba
revolucionária, a educação e a reforma educacional tornaram-se um símbolo da
própria revolução; a educação em massa transformou-se em um meio de disseminar
a participação econômica e a mobilização da população. Ambos esses processos
constituíam a própria essência da revolução e associavam-se intimamente com a
reforma educacional. Se, antes de 1959, as escolas haviam permanecido inaltera-
das ao longo de toda uma geração, a revolução transformou o sistema educacional
numa instituição de constantes mudanças e experimentações.
Quando se pretende analisar as reformas educacionais, é importante observar
a cronologia das políticas estatais, especialmente para os seguintes períodos:
1959-1960 (reforma econômica e social), que coincidiu com uma expansão
simples da escolarização formal (reforma liberal);
1961-1963, no qual as lideranças cubanas tentaram fazer com que o país
passasse da produção de açúcar para uma industrialização do tipo stalinista, e que
também foi um período de mobilização em massa, coincidindo com uma campanha
de alfabetização e de rápida expansão da educação rural e adulta;
1964-1970, que experimentou, primeiro parcial, depois totalmente, a eco-
nomia dirigida por Che Guevara, e que se caracterizou por incentivos morais e

3
Extraído de: Martin Carnoy e Joel Samoff. Education and Social Transition in the Third
World. (Com a colaboração de Mary Ann Burris, Anton Johnston e Carlos Alberto Torres).
Princeton, N.J. , Princeton University Press, 1990. (Capítulo 6: Educational Reform and Social
Transformation in Cuba, 1959-1989). Reproduzido com a permissão dos autores.

118
pela direção personalizada (sob Fidel Castro) das transformações econômicas e
sociais, coincidindo, assim, com a unificação da escolarização e do trabalho, e
com o desenvolvimento da educação secundária “para o interior e no interior do
país” e, finalmente;
1970 em diante, período caracterizado pela ênfase na eficiência e no cresci-
mento econômico, pela reconstituição do estado cubano como um estado burocrá-
tico mais tradicional, administrado pelo partido de vanguarda (o Partido Comunista
foi oficialmente reconhecido como a base organizacional do Estado em 1975), e
que coincidiu com a melhoria da “qualidade” da educação dos jovens em todos
os níveis, a expansão do ensino superior, da educação de nível secundário voltada
para a especialização e profissionalização de elite e uma diminuição gradual da
ênfase nas escolas secundárias básicas situadas no interior. As mudanças educa-
cionais, portanto, relacionam-se intimamente com as políticas estatais mais gerais.
Entre os aspectos específicos mais importantes das transformações educacio-
nais iniciadas em 1960, estava o programa de educação de adultos em massa,
que incluía (1) uma campanha generalizada de alfabetização com uma duração de
nove meses e (2) mudanças rápidas para satisfazer às necessidades educacionais
básicas das escolas, o que significou uma mudança de ênfase, da educação de
crianças urbanas para crianças e adultos das áreas rurais, da universidade para as
escolas primárias e secundárias, e do ensino acadêmico para o profissionalizante.
Ocorreram também alterações importantes nas grades curriculares, que, cada vez
mais, enxergavam a escola como um lugar onde os alunos aprendem a trabalhar
coletivamente e preparam-se desde cedo para os cursos profissionalizantes. Para
os estudantes que progrediam mais nos estudos, isso significava um emprego de
meio período durante os anos de faculdade; para os alunos do ensino primário
e secundário, significava que o trabalho manual era visto como uma parte inte-
gral do currículo escolar. No final da década de 1960, no entanto, a qualidade
do trabalho intelectual foi um assunto que também cresceu em importância, e
promoveu-se então uma reforma da grade curricular com o propósito de aumentar
o nível técnico alcançado pelos alunos como um todo.
Essas mudanças requeriam transformações, tanto na forma quanto no con-
teúdo da escolarização. O ensino profissionalizante demandava a existência de
oficinas, de modo que se passou a construir fábricas como parte das escolas, ou a
erguer escolas próximas às fábricas. Nas escolas de período integral, aumentou-se
o tempo gasto pelo aluno com a aprendizagem e a socialização, o que resultou na
transferência de jovens de áreas urbanas para escolas rurais de tempo integral.
Entretanto, prover de escolarização a um terço da população em uma moda-
lidade de educação integral (internato) ou na forma de ensino profissionalizante
é algo caro, que demanda uma quantidade enorme de recursos financeiros e
humanos. Por exemplo, somente a campanha de alfabetização de 1961 envolveu
o fechamento das escolas durante nove meses, e manteve 250.000 professores e
universitários ocupados no interior do país. Fazia-se necessário treinar enormes
contingentes de novos professores, não somente para as disciplinas específicas que

119
lecionariam, mas também para que lidassem com as condições particularmente
difíceis das áreas rurais para onde seriam enviados. Estabeleceram-se, então, es-
colas especiais de formação de professores. Tudo isso ficava bastante caro: durante
a década de 1960, Cuba destinava cerca de 4,2% de seu Produto Interno Bruto
à educação. Na década de 1970, essa proporção aumentou para 7% (em 1979),
quase o dobro da média de 4% estabelecida como meta pela UNESCO para os
países em desenvolvimento. Esse foco na educação em massa, a redistribuição
dos gastos educacionais da população urbana para a rural e a melhoria do nível
geral de potencial humano, não somente por meio de um aumento da educação,
mas também através de uma melhoria dos serviços de saúde e de uma redução
do estresse psicológico através da garantia de renda e de trabalho, foram proce-
dimentos que podem ter entrado em conflito, pelo menos a curto e médio prazo,
com o objetivo de se aumentar o nível do consumo individual.
Em Cuba, devido à sua proximidade com os Estados Unidos e à presença de
uma comunidade de exilados cubanos politicamente ativos, o lento crescimento
econômico da década de 1960 e as consequentes carências de alimentos e de
moradia tiveram um preço político particularmente elevado: Cuba foi forçada a
defender sua revolução contra as críticas de seus “fracassos” econômicos. Os
casos de sucesso ideológico do sistema educacional, tanto no sentido de aumen-
tar o autoconceito dos cubanos em relação a suas próprias capacidades quanto
no de despertar sua consciência revolucionária, foram confrontados pelos custos
ideológicos de longas filas por alimentos, moradias insuficientes e falta de bens
duráveis de consumo associados à cultura capitalista norte-americana.
Os custos de privilegiar a construção de uma consciência socialista e de uma
sociedade sem classes por meio de incentivos morais e de um sistema educacio-
nal de massa orientado para a produção, ao mesmo tempo em que se privilegia
menos a acumulação de capital, tiveram seu impacto sobre a educação. No fim
das contas, a cultura mundial de consumo capitalista e os conceitos soviéticos
de acumulação socialista de capital (incentivos materiais, processos de decisão
descentralizados e pautados por prestação de contas, sistema socialista de fixação
de preços e de industrialização) forçaram Cuba a afastar-se gradualmente da po-
lítica de colocar todos os alunos do ensino secundário em escolas caras de tempo
integral no interior, levando o sistema educacional em direção a uma ênfase mais
“normal” no desenvolvimento de habilidades em escolas urbanas mais baratas
para os alunos que viviam nas cidades. Além disso, a partir do início da década
de 1970, passou-se a colocar uma ênfase muito maior na educação universitária.
A expansão educacional de Cuba foi crucial para a racionalização e a legitima-
ção de uma transformação fundamental que já se encontrava em curso na estrutura
econômica e social do país. As reformas e a expansão da educação cubana corres-
ponderam a novas relações de produção, segundo a versão cubana do socialismo
revolucionário. Fundamental a essas novas relações era uma ideologia de igualdade
entre todos os membros da sociedade cubana. A escolarização, mesmo antes da
Revolução, estava associada à igualdade no sentido em que mais escolarização

120
significava mais acesso a todas às instituições da sociedade, além de um aumento
da renda. Com a Revolução, a expansão da educação tornou-se a expressão de uma
nova democratização da sociedade cubana, em que a democracia foi definida de
uma maneira bem diferente das sociedades capitalistas: ao invés de se concentrar
em direitos políticos individuais (ou mesmo coletivos), as lideranças cubanas viam
a democratização em termos da igualdade econômica – ou seja, em termos do
acesso das massas aos recursos da sociedade, e de uma distribuição muito mais
equânime desses recursos. Essa interpretação obviamente racionalizava a falta
de oposição política e de direitos políticos individuais, com os custos potenciais
que isso implicava para uma maior participação voluntária, identificação com o
estado e legitimidade das políticas sociais e econômicas defendidas pelo governo.
Ao mesmo tempo, as escolas cubanas, juntamente com outras instituições
políticas do país, foram responsáveis por desenvolver uma consciência social par-
ticular, correspondente a um ideal socialista, derivada de discussões e batalhas na
hierarquia política cubana. Esse ideal também refletia em parte discussões e fracas-
sos anteriores do processo revolucionário. Portanto, a expansão da escolarização
foi e continua sendo uma resposta às demandas vindas de baixo, em prol de uma
maior igualdade (um ideal herdado da era pré-revolucionária), ao mesmo tempo
em que também tentava desenvolver novos ideais e novas relações na sociedade
cubana, refletindo as normas e os valores de uma elite política.
As principais reformas educacionais cubanas enquadram-se em quatro
categorias – educação de adultos, expansão do sistema educacional formal, de-
senvolvimento de consciência social e de mão de obra capacitada no meio rural
e, posteriormente, um foco na capacitação técnica e na educação superior. Mos-
tremos primeiro que as necessidades ideológicas e de legitimação imediatas da
revolução (particularmente a redefinição do país como uma nação revolucionária)
requeriam uma mobilização em massa de toda a população, bem como a incor-
poração dessa população na força de trabalho e em uma nova cultura política. O
fato de que a liderança do Movimento 26 de Julho4 decidiu mobilizar os pobres
de Cuba caracterizou as reformas de 1959-1961 como revolucionárias, ao invés
de apenas reformistas. Grande parte dessa mobilização foi conseguida através da
disseminação de programas de educação adulta. Esses programas promovidos
pela revolução não foram cursos profissionalizantes para quem queria se dedicar
a algum ‘hobby’, e nem tampouco cursos de aprofundamento para uma pequena
quantidade de alunos mais ambiciosos; ao invés disso, eles foram parte do projeto
que as lideranças tinham de incorporar todos na definição revolucionária da nova
nação cubana. Em segundo lugar, o novo governo expandiu o sistema educacional
formal, enfatizando, quase que a partir do instante em que chegou ao poder, a

4
Nome de uma organização política e militar cubana, fundada por Fidel Castro, que atuou
nas lutas contra o regime de Fulgencio Batista e que, logo após a consolidação da Revolução,
fundiu-se, juntamente com outras organizações, no Partido Unido de la Revolución Socialista
de Cuba (PURSC). (N. T.)

121
educação primária e secundária e, especialmente, a expansão das escolas rurais.
Em terceiro lugar, a natureza das escolas formais foi alterada, passando a incor-
porar uma visão socialista do trabalho e adaptando as escolas às necessidades em
transformação da economia cubana. O problema de desenvolver uma força de
trabalho rural e especializada e de criar uma nova consciência social tornou-se o
fator-chave da reforma educacional da década de 1960 e do início da de 1970.
Em quarto lugar, a pressão para a acumulação capitalista terminou por deslocar a
ênfase da economia para a busca de uma maior eficiência e, com essa mudança, a
expansão educacional tornou-se mais tradicional em meados da década de 1970,
concentrando-se na educação superior e na promoção de uma aprendizagem que
privilegiava o aumento de conhecimentos técnicos.
Nas sociedades cujos sistemas econômicos sofrem uma transição radical, a
educação pode atuar com o propósito de condicionar as pessoas ao novo sistema.
Portanto, o processo de escolarização em Cuba pretendia desenvolver novas atitu-
des e valores de forma a contribuir para o desenvolvimento de um novo sistema de
produção, ao invés de promover a reprodução de um sistema já existente. Numa
sociedade vivendo transformações radicais, as instituições externas ao sistema de
produção, como as escolas, aparentemente são convocadas para transmitir essas
novas atitudes e valores de acordo com o próprio processo de mudanças radicais.
Em Cuba, o sistema formal de escolarização, incluindo as escolas para operários
e agricultores, foi reorganizado para se incumbir das responsabilidades cotidianas
de promover uma transformação de valores nesse sentido.
As reformas radicais por que passou o sistema educacional cubano correspon-
deram à transformação da estrutura econômica e social do país, um meio lógico e
necessário de atingir os objetivos revolucionários de mobilização e incorporação.
Uma vez completada a fase inicial dessa transformação, reformas educacionais
posteriores corresponderam a mudanças nas necessidades de força de trabalho e
a mudanças de visão dos líderes cubanos sobre como aumentar a produtividade
dentro de uma economia e uma estrutura social socialistas. A partir de meados
da década de 1960, o problema da produtividade passou a ser visto como um
problema tanto de habilidades quanto de consciência. Gradualmente, os incentivos
morais foram substituídos por incentivos mais diretos (na maior parte das vezes,
coletivos, embora também houvesse alguns individuais), cujo propósito era me-
lhorar a eficiência da economia e do sistema educacional. Devido às deficiências
de mão de obra, era preciso aumentar a produtividade, porém, a socialização,
segundo os ditames da consciência coletiva, simplesmente não estava funcionando
bem o suficiente para cumprir essa tarefa. Os planejadores cubanos passaram a
adotar não apenas incentivos materiais, mas também uma estratégia de produzir
um aumento consistente de capital físico por trabalhador e de focar a educação no
desenvolvimento de técnicas a serem utilizadas pelos trabalhadores para operar
sobre esse capital. Essas últimas mudanças refletiram as diversas tentativas de
resolver o problema de crescimento econômico dentro das limitações das metas
de igualdade e de mobilização em massa estabelecidas pela revolução. O governo

122
cubano continuamente adaptou o sistema educacional para adequar suas estratégias
de modo a aumentar a produção per capita e a viabilizar a economia de transição.
Ao mesmo tempo, o antigo tema revolucionário subjacente de que a educação
é um direito e, portanto, deveria ser disponibilizada para todos, também conti-
nha um fundamento de política educacional. Essa democratização da sociedade
cubana – em grande parte, por meio da expansão dos serviços sociais – foi, em
si mesma, uma legitimação importante do estado socialista e uma realização de
importância crescente na Cuba revolucionária, que a distinguiu dos demais países
latino-americanos capitalistas. Entretanto, ela também significou que a educação
tinha que continuar a expandir-se em um ritmo rápido, de modo a possibilitar ao
estado cumprir seu compromisso de democratização com o povo cubano.

123
Leitura 2
A reforma educacional peruana

Judithe Bizot (1975)5

[...]

A Reforma Educacional

Durante séculos no Peru, as administrações governamentais haviam aceita-


do as divisões geográficas, étnicas e linguísticas do país como parte da ordem
natural das coisas, ou seja, como fenômenos que não podiam ser alterados,
ainda que se quisesse fazê-lo. Por sua vez, segundo o pensamento da elite do-
minante, as diversas formas de dominação do povo haviam sido consideradas
como fenômenos que, embora pudessem ser alterados, com certeza não con-
vinham sê-lo. A constatação da completa inadequação do sistema educacional
peruano para fazer frente aos problemas socioeconômicos derivados desses
diferentes fenômenos e de sua completa inadequação, mesmo para desempe-
nhar seu papel educacional básico, parece ter sido aceita com naturalidade,
se nos basearmos naquilo que de fato foi feito (ou melhor, naquilo que não foi
feito) para aperfeiçoar tal sistema.
O governo que se estabeleceu com a revolução6 foi, de fato, revolucio-
nário ao salientar não somente que a educação tinha uma parte essencial a
desempenhar em toda a vida nacional, mas também ao insistir que a reforma
educacional que isso implicava só poderia ser plenamente eficaz caso fosse
orientada para as reformas que igualmente se faziam necessárias em todos os
demais setores da sociedade peruana. Esse caminho foi vislumbrado em 1969
pelo Ministro de Educação peruano, que observou: “Estamos convencidos de
5
Texto extraído de: Judithe Bizot. Educational Reform in Peru. Experiments and innovations
in education, No. 16, Paris, Unesco, 1975. (Capítulo II, The educational reform:16-27.) ©
UNESCO. Reproduzido com permissão da UNESCO.
6
A autora se refere ao golpe de estado de 1968 no Peru, conhecido como a Revolução das
Forças Armadas, pelo qual os militares destituíram o Presidente Fernando Belaunde Terry e
instauraram um regime reformista de caráter anti-imperialista e antiamericano, que se propôs
a realizar reformas profundas no país, inclusive no setor educacional. O novo regime, porém,
não recebeu o apoio esperado e, em meados da década de 1970, cedeu lugar ao retorno à
democracia. (N. T.)

124
que existe uma enorme disparidade entre o nosso atual sistema educacional
e as necessidades decorrentes da situação social no Peru. Por esse motivo, a
reforma precisa ser total, ou seja, deve haver mudanças na educação desde o
seu alicerce até seus aspectos operacionais, como infraestrutura, currículos,
metodologia e formação de professores” (Ministério de Educación, 1970a).
Similarmente, em uma mensagem proferida à nação em 28 de julho de 1970,
o Presidente da República enfatizou que “se não houver, no Peru, uma trans-
formação duradoura, generalizada e eficaz da educação, tampouco haverá
garantia do sucesso e da continuidade das outras reformas estruturais da
revolução. Portanto, a reforma educacional, que é a mais complexa e talvez
a mais importante de todas, é uma necessidade vital para o desenvolvimento
peruano, e um dos principais objetivos de nossa revolução” (Ministério de
Educación, 1970a).
Como primeiro passo para atingir esse objetivo, o governo revolucionário
estabeleceu uma Comissão de Reforma Educacional. Em 1970, essa comissão
publicou seu Relatório Geral, um documento bastante abrangente, que conti-
nha uma detalhada análise das deficiências inerentes do antigo sistema, uma
declaração dos princípios filosóficos que deveriam guiar as alternativas para
o sistema educacional e uma descrição da forma que esse padrão alternativo
deveria assumir.

Filosofia e propósitos

A Comissão tinha a ambiciosa premissa de que o objetivo último de qual-


quer sistema educacional no país deveria ser a criação de um “novo homem
peruano em uma nova sociedade peruana”. Para atingir esse objetivo, comen-
tava-se que seria necessário haver uma transformação radical nas atitudes e
nos valores, transformação essa que somente poderia se produzir através de
uma “conscientização”, a qual, na subsequente Lei Geral da Educação, foi
definida como um “processo educacional pelo qual os indivíduos e os grupos
sociais adquirem uma consciência crítica do mundo histórico e cultural onde
vivem, assumem suas responsabilidades e empreendem as ações necessárias
para transformá-lo” (Ministério de Educación, 1972). No entender da comis-
são, um produto lógico e até inevitável dessa conscientização seria uma parti-
cipação genuína, tanto individual quanto coletiva, eventualmente em todos os
setores da vida nacional, e mais imediatamente no setor-chave da educação.
Portanto, a manipulação daria lugar à colaboração, ao mesmo tempo em que
a aprendizagem se tornaria uma práxis dinâmica e criativa, ao invés de ser
uma absorção passiva de conceitos abstratos.
Nessa nova visão da educação, a “conscientização”, juntamente com a
participação, produziria cidadãos que estariam aptos não apenas para assumir

125
suas responsabilidades, mas também para zelar pelos seus direitos, passando a
ser, dessa forma, indivíduos conscientes de sua própria identidade cultural, ao
mesmo tempo em que imbuídos de um respeito que lhes permitisse valorizar
as demais culturas do país, comprometer-se em preservar sua herança étnica
e linguística particular, não obstante sua integração à nação como um todo, e
ver seu próprio trabalho, não como um fardo colocado sobre eles por forças
opressivas, mas como um enriquecimento para si mesmos e uma contribuição
para o bem-estar geral da comunidade.
Portanto, do mesmo modo que a nova sociedade peruana deveria criar um
novo homem peruano através de uma transformação do sistema educacional,
esse novo homem, por sua vez, também deveria agir de forma a moldar a nova
sociedade. O estranhamento entre o indivíduo e o seu ambiente social – que
corresponde ao moderno e endêmico fenômeno da alienação – daria então
lugar a um genuíno intercâmbio, pelo qual cada parte estimularia e fortaleceria
a outra. A autoafirmação e a independência do indivíduo, bem como a atenção
para a comunidade e as subculturas no país, seriam partes de um processo que
culminaria com a eliminação da marginalização interna que havia grassado na
sociedade peruana desde muito tempo. O senso individual de pertencimento a
uma entidade nacional coesa representaria uma barreira contra a dominação
externa; sua aceitação do trabalho “como o exercício, em um espírito de uni-
dade, da capacidade de realizar o potencial individual na produção de bens e
de serviços sociais para o bem comum”, possibilitaria construir “uma sociedade
de trabalhadores incólumes à alienação, homens e mulheres livres, evitando,
assim, que se crie meramente uma ‘força de trabalho’ que seja usada para
propósitos quaisquer e que corresponda a um mero suprimento de ‘recursos
humanos’ exploráveis ou a uma simples adição de ‘capital humano’, para usar
uma expressão equivocada” (Ministério de Educación, 1972).
No fim das contas, a grande preocupação da comissão passava longe de se
limitar àquilo que geralmente se entende pela expressão “reforma educacional”.
Seu objetivo não era, com efeito, reformar a educação, mas sim revolucioná-
-la. E, ao mesmo tempo, essa revolução não seria feita em um vácuo, mas,
antes, existiria como um elemento, vital para a vida peruana como um todo. A
sequência que estava implícita no relatório geral da comissão era tão simples
quanto radical: dever-se-ia passar da “conscientização” para a participação,
da participação para a humanização, e da humanização para uma autêntica
libertação, que correspondesse ao desenvolvimento de uma nova dimensão
em todas as relações, seja entre professores e alunos, seja entre o indivíduo e
a comunidade, seja entre a nação e o resto do mundo. Tal processo precisava
ser dialético, funcionando, portanto, como um catalisador e também como um
mecanismo de apoio às transformações socioeconômicas.
“O processo educacional”, segundo as palavras de Salazar Bondy, Presi-
dente da Comissão, em um seminário em 1973, “é inseparável da promoção
de mudanças sociais de longo alcance e, como consequência, a educação e a

126
política encontram-se indissociavelmente unidas” (Ministério de Educación,
1973). Segundo Bondy, e também segundo a Comissão, aprender a ler e es-
crever – para ficar no ingrediente mais rudimentar da educação – é importante
apenas quando parte de um processo muito mais amplo, não podendo, portanto,
ser um fim em si mesmo. A alfabetização é um passo preliminar essencial,
porém não mais que preliminar, para a comunicação e a mobilização sociais;
e a educação em si mesma, em qualquer nível, deve ser vista não como um
fator na preservação do status quo social, mas como um agente ativo para a
transformação rumo a uma sociedade humanística e fundamentada na justiça
social. Em suma, segundo a Comissão de Reforma, os três propósitos da nova
educação eram: “a educação para o trabalho, orientada para o desenvolvimen-
to integral do país; a educação para a transformação estrutural e o constante
aperfeiçoamento da sociedade peruana; e a educação para a autoafirmação e
a independência do Peru em meio à comunidade internacional” (Ministério
de Educación, 1970a).

Estruturas inovadoras e reorientação

O novo sistema educacional, “fundamentalmente humanista em inspiração


e genuinamente democrático em vocação” foi instituído pela Lei Geral da Edu-
cação, Decreto-lei nº 19326, de 1972. Seu aspecto humanista é confirmado
pelo artigo 6 da nova lei (“O propósito fundamental da educação peruana é o
desenvolvimento pleno das potencialidades e das qualidades intrínsecas do indi-
víduo humano”). O aspecto democrático é observado no Artigo 4, que estipula
que “a educação oferecida pelo Estado [deve assegurar] que a ninguém seja
negado o acesso ao sistema educacional devido à falta de recursos”(Ministério
de Educación,1972).
Subjacente ao novo sistema peruano estava o conceito da educação conti-
nuada. Este termo, que se converteu em um clichê em muitos países nos anos
recentes, é tema de um número incontável de estudos e debates. No Peru, ele
está, de fato, sendo aplicado com um grau incomum de abrangência. Muito
frequentemente, como observou um educador peruano, a educação continuada
tem sido interpretada como algo dificilmente discernível da educação adulta,
que ocorre na forma de um estímulo disponibilizado em maior ou menor grau
(e, em todo caso, restrito) aos indivíduos que passaram da idade de frequentar
a escolarização formal. A política instituída pelo governo peruano “assegura-nos
a continuidade do processo de educação pessoal e o progresso constante de
todos os membros da comunidade nacional” (Ministério de Educación, 1972)
desde a infância, engloba todos os níveis e todas as modalidades do sistema
educacional formal e simultaneamente institucionaliza os tipos não formais
de educação.

127
A tradicional divisão entre os níveis escolares em pré-primário, primário,
secundário e superior era claramente incompatível com essa abordagem, de
modo que o governo revolucionário optou por substituí-los por três níveis: ini-
cial, básico e superior. A adoção de um nível inicial já denota uma rejeição à
ideia da desobrigação do Estado para com as crianças com idade abaixo dos
cinco anos. Essa inovação inclui, portanto, desde as crianças recém-nascidas
até as de seis anos – com as creches destinadas às dos primeiros quatro anos,
e o pré-escolar às dos dois últimos anos nessa faixa etária.
Talvez ainda mais importante tenha sido o fato de que, pela primeira vez,
empreendeu-se um esforço real para dar às famílias uma compreensão das ne-
cessidades e do desenvolvimento de seus filhos durante essa fase inicial crítica
de sua vida. As mães visitam as escolas uma ou duas vezes por semana, onde
se inteiram de problemas nutricionais, discutem suas dificuldades particula-
res, trocam experiências e buscam orientações. Da mesma forma, os pais são
encorajados a encontrar-se com os professores e a conversar sobre problemas
familiares e questões relacionadas ao desenvolvimento de seus filhos. Por sua
vez, os professores visitam as famílias em sua comunidade, especialmente nos
casos em que, por qualquer motivo, a criança não tem condições de frequentar
a pré-escola.
Em áreas rurais particularmente necessitadas, oferecem-se programas
especiais que objetivam contrabalançar os efeitos adversos de carências eco-
nômicas, sociais, culturais e nutricionais durante os primeiros estágios do de-
senvolvimento infantil. Para citar apenas um exemplo, no distrito de Puno, há
um programa intensivo e intersetorial que procura envolver toda a comunidade
na preparação e administração das atividades educacionais. Pais e voluntários
locais participam de atividades formais e informais cujo objetivo é inculcar
nos participantes noções básicas de higiene, nutrição, harmonia doméstica e
desenvolvimento infantil. Dependendo de suas capacidades, os trabalhadores
voluntários nesse programa representam peças de teatro, preparam refeições,
ensinam trabalhos manuais, prestam primeiros socorros ou constroem equi-
pamentos para as creches e as pré-escolas. As atividades voltadas para as
crianças objetivam estimular seu desenvolvimento sócioafetivo tanto quanto
suas capacidades intelectuais e criativas. Nesse exemplo em particular, somente
as línguas vernáculas são utilizadas.
A educação básica, que é o segundo dos níveis introduzidos na reforma
educacional, reforça o processo de educação continuada. Ela engloba duas
vertentes: educação básica regular (educación básica regular – EBR), que é
um programa formal de ensino diurno para alunos de seis a quinze anos de
idade, e educação básica para o trabalho (educación básica laboral - EBL),
que corresponde a um ensino basicamente não formal e voltado para adultos e
adolescentes com mais de 15 anos. A primeira dessas duas vertentes combina,
em uma única unidade, as seis séries da antiga escola primária e as três séries
da antiga escola secundária, e os três ciclos nos quais ela se divide (compostos

128
de quatro, duas e três séries, respectivamente) correspondem à educação neces-
sária para que os alunos se desincumbam, em geral, de suas responsabilidades
adultas. O terceiro ciclo será o que tem a orientação prática mais acentuada,
mas o novo currículo ainda não foi desenvolvido (como também ocorre com o
segundo ciclo e, em parte, com o primeiro). Atualmente, portanto, o primeiro
ciclo associa elementos do sistema reformado a “programas adaptados”, que
representam uma transição entre o antigo modelo e o novo; o segundo ciclo
consiste integralmente de programas adaptados; e o terceiro, de uma combi-
nação de programas adaptados e de elementos do sistema tradicional.
De modo análogo, a vertente EBL compreende três ciclos (compostos de
duas, três e quatro séries) e utiliza tanto prédios de escolas regulares quanto
instalações especiais para fornecer a adultos um curso básico de alfabetização,
além de cursos de nível primário e secundário. Seu público-alvo são os homens
e mulheres que abandonaram o sistema formal de escolarização ou que, por
qualquer motivo, nunca chegaram a frequentar a escola. Em termos gerais, os
conteúdos ministrados na EBL são iguais aos da EBR (ciências sociais, ciências
naturais, línguas, matemática, educação artística, educação religiosa e educação
psicomotora), embora haja, necessariamente, uma diferença metodológica,
sendo que, na EBL, dá-se uma ênfase maior às habilidades técnicas e práticas
(como mecânica de automóveis, construção, carpintaria, serralheria, tecelagem,
eletrotécnica, comércio, agricultura, silvicultura, etc.). Portanto, o propósito
da EBL é oferecer aos alunos tanto um ensino profissionalizante como uma
preparação para o ingresso na educação superior.
[...]
A legislação do novo regime também prevê outras modalidades educa-
cionais não menos importantes do que os três níveis já citados da educação
inicial, básica e superior. Uma dessas modalidades é um tipo de treinamento
profissionalizante informal para adultos e adolescentes cujo acesso, [...], in-
depende da conclusão da educação básica. Há também cursos de trabalhos
manuais, reprodução animal, agricultura, silvicultura, economia doméstica,
construção rural, etc., organizados pelos Ministérios da Agricultura, do Traba-
lho e do Comércio, entre outros, e coordenados (porém, não controlados) pelo
Ministério da Educação. Altamente flexíveis em termos de conceito, duração
e metodologia, esses cursos são orientados para as necessidades específicas
de distritos particulares, e são oferecidos através de Centros Educacionais
de Qualificação Profissional Excepcional (Centros educativos de calificación
profesional extraordinaria - CECAPEs), que fornecem alojamento tanto para
os instrutores quanto para os estudantes, bem como os equipamentos e as
oficinas necessárias.
Com o propósito de apoiar a reforma peruana em seu conjunto, com
base em uma consciência crítica pautada por uma conscientização e por um
compromisso participativo com uma radical transformação socioeconômica,

129
os arquitetos da reforma educacional conceberam um programa que objetiva
especificamente envolver as massas, de modo imediato e profundo, em todas
as inovações iniciadas dentro de cada setor da vida nacional. Esse programa,
chamado de Extensão Educacional (Extensión Educativa), utiliza meios de
comunicação em massa, grupos de discussão e trocas de experiências para
gerar uma rede de comunicação social suplementada pelo fornecimento de
materiais impressos ou audiovisuais, bem como pela assistência para que as
comunidades desenvolvam seus próprios meios de comunicação – teatros
populares, boletins locais, jornais, etc.
Descrito nesses termos, o programa de extensão educacional pode soar
algo impessoal e distante. Entretanto, verifica-se o oposto. Os encarregados
dos cursos de extensão mantêm um contato próximo e direto com as famílias
residentes em seus distritos, bem como com os líderes comunitários nas fábricas
e nas cooperativas. Longe de assumirem uma postura distante e burocrática,
esses agentes têm a função integral de informar, estimular o interesse, encorajar
a aceitação de responsabilidade, aconselhar e, em resumo, imbuir em cada
membro da comunidade a preocupação vital com as transformações que estão
tendo lugar, fazendo com que esses indivíduos não sejam espectadores submis-
sos, mas sim participantes ativos e capazes de, eles mesmos, encarregarem-se
da realização dos próprios programas.
Esses programas de extensão educacional são também similares aos Pro-
gramas Educacionais Especiais para Áreas Rurais (PEAR), que atendem a
populações adultas e infantis de áreas rurais e periféricas. Uma característica
destes últimos programas é a utilização de equipes móveis de facilitadores que,
além de se responsabilizarem pelo fornecimento de informações e motivação,
também oferecem serviços relacionados à EBL e ao letramento.
Através do Instituto Nacional de Teleducación (INTE), a rádio e a televi-
são educacionais também têm fornecido um apoio valioso às reformas global
e educacional, e seria lamentável se suas transmissões fossem interrompidas
(conforme autoridades recentemente indicaram). Um desses programas, trans-
mitido para a Sierra7, é particularmente digno de nota devido à sua flexibilidade
e à adaptação aos interesses locais (complementando, portanto, o trabalho dos
agentes de extensão) e ao fato de que ele não se dirige diretamente apenas
às crianças, mas, periodicamente, beneficia-se da colaboração delas em sua
própria preparação.
Esse programa em particular também é interessante no sentido em que
utiliza as línguas Quíchua e Aimará, o que é um reflexo da insistência gover-
namental em desenvolver uma educação bilíngue, bem como uma reavaliação
das culturas indígenas. Enquanto que, nos governos anteriores, o espanhol
era a única língua “oficial”, a reforma agora requer que o ensino seja também
fornecido em Quíchua, Aimará ou em línguas indígenas na região da selva,

7
Sierra, ou La Sierra, é a região interiorana do Peru, dominada pela Cordilheira dos Andes. (N. T.)

130
como o Aguarana. A política bilíngue é importante em diversos sentidos. Para
começar, ela erradica uma situação que (devido ao fato de que o castelhano
havia sido imposto como uma forma de dominação) sustentava a fragmentação
da sociedade peruana, e que nutria tanto o ressentimento quanto a submissão
em uma grande parcela da população que não era falante nativa do espanhol.
A política bilíngue também é educacionalmente saudável, visto que aprender
a ler e escrever na língua materna é algo que facilita enormemente a apren-
dizagem subsequente de uma segunda língua. Finalmente, a política bilíngue
deve, inevitavelmente, contribuir para uma apreciação mais fortalecida da
cultura nativa entre os próprios indígenas, e uma renovação do respeito devido
a essas línguas por parte dos peruanos não indígenas.
[...]

Descentralização

Nada foi mais inimigo da educação peruana do que a estrutura rigidamente


centralizada que havia sido instalada pelos conquistadores e que, durante sécu-
los, possibilitou às autoridades de Lima impor um sistema que tinha pouca ou
nenhuma relevância para as necessidades e os anseios da maioria da população.
Com o governo revolucionário, o país foi dividido em nove regiões educacionais
(ou dez, visto que Huaraz foi designada como uma região especial de emergência
logo após o terremoto de 1970). Cada uma dessas regiões corresponde a uma
área geopolítica específica que agrupa diversos departamentos e províncias, sendo
que cada uma delas é ainda subdividida em um número variável de zonas, que
atualmente totalizam 35 no país como um todo.
As regiões educacionais são administradas por Diretorias Regionais, que
podem ser descritas como versões menores do Ministério da Educação nacional
e que possuem, grosso modo, a mesma estrutura organizacional deste. Suas tarefas
básicas são coordenar, em suas respectivas jurisdições, as atividades educacionais
com atividades de outros setores, visando, assim, a assegurar o funcionamento
eficaz da reforma, através do fornecimento dos serviços prestados por suas equipes
técnico-pedagógicas, disseminar as informações sobre o progresso reformador em
suas zonas constituintes, organizar cursos de treinamentos recomendados pelo
Ministério, adaptar normas estabelecidas nacionalmente a características especí-
ficas da área por meio do planejamento, orientação e supervisão das operações
educacionais, e tratar de questões de recursos humanos, materiais e financeiros.
É possível tomar como exemplo Cuzco, a quinta região, onde as comunida-
des são beneficiadas pela ação da Diretoria e de sua equipe técnico-pedagógica,
juntamente com equipes paralelas de cada zona, que se responsabilizam por or-
ganizar os cursos de informação sobre a reforma e os cursos de treinamento dos
profissionais já atuantes no ensino.

131
A Diretoria Regional de Cuzco também organizou o primeiro encontro multis-
setorial, que cobriu as áreas de educação, saúde, agricultura, pesca, mineração,
indústria e comércio, e concebeu o estabelecimento de uma cooperação entre essas
diversas áreas, englobando diversos níveis: regiões, zonas e núcleos, conforme
posteriormente se descreverá.
No âmbito das regiões, cada uma das diversas zonas possui um escritório que
está, necessariamente, em estreito contato com as dificuldades concretas surgidas
da reforma, e mais diretamente envolvido em sua implementação prática. Esses
escritórios zonais, no que diz respeito à sua estrutura e obrigações, são contrapartes
menores das Diretorias Regionais, da mesma forma que estas últimas são contra-
partes do Ministério da Educação. Como as Diretorias Regionais, os escritórios
organizam cursos de treinamento (em seu caso, na forma de minicursos) para a
disseminação de informações (embora numa escala reduzida) e a execução de
procedimentos de avaliação (cobrindo, entretanto, áreas mais restritas).
Aos escritórios zonais, vinculam-se os treinadores (entrenadores), selecionados
por meio de concursos de provas entre professores formados, e que recebem um
intenso treinamento especializado. Trabalhando principalmente nas áreas rurais
carentes e em favelas, sua clientela são seus colegas professores para os quais, em
certos casos, eles podem constituir a única fonte de informações sobre as comple-
xidades da reforma. A função desses treinadores é colaborar com as operações
de avaliação e o acompanhamento dos níveis inicial e básico, observar o trabalho
feito em sala de aula e assessorar a administração das dificuldades da transição
do antigo sistema para o novo. Trata-se, portanto, dos “missionários da reforma”.
Uma das atividades dos escritórios zonais que está longe de ser a menos im-
portante é o seu trabalho em conexão com o ALFIN, o programa integral de alfa-
betização. Conforme diz Salazar Bondy, “a alfabetização promovida pela Reforma é
integral porque articula vários elementos educacionais que representam diferentes
aspectos do treinamento em alfabetização. As pessoas têm que aprender a ler e a
escrever, e a praticar as habilidades que adquiriram, de modo a se habituarem a
manipular a linguagem escrita. Um propósito adicional e muito importante é pro-
mover uma apreciação crítica da situação pessoal, social e histórica do aprendiz,
e a encorajar a sua participação no processo de mudança. Também são movidos
esforços para relacionar a vida trabalhadora ao desenvolvimento nos níveis local,
regional e nacional, bem como para se chegar a um treinamento básico que seja
adequado às características especiais do grupo em questão no que diz respeito
à linguagem, às tradições, ao modo de produção e a outros fatores culturais e
socioeconômicos. (...) Com base nas pesquisas educacionais de Paulo Freire, (...)
a doutrina peruana centraliza esse processo como um grupo que reflete sobre a
sua própria existência, e como uma comunidade no sentido mais amplo da vida
nacional. O que uma pessoa experimenta em sua vida, o que ela sente e espera,
o que percebe da realidade, quais são os valores positivos e negativos sobre os
quais ela age, tudo isso se reflete no seu modo oral de se expressar” (Ministério
de Educación,1975).

132
Com uma ênfase na aprendizagem das línguas indígenas, no desenvolvi-
mento de uma consciência do contexto sócio-histórico da comunidade e em uma
participação ativa em prol das transformações, é evidente que os voluntários da
ALFIN devem ser recrutados dentro das próprias comunidades em que atuarão.
É responsabilidade dos escritórios zonais recrutar os indivíduos apropriados,
dotá-los de uma compreensão das implicações ideológicas e políticas da reforma
e instruí-los nos métodos específicos de ensino necessários – p. ex., as técnicas
de “decodificar” a linguagem local, de modo a construir um vocabulário das pa-
lavras que são mais “reais” para a população e que, quando utilizadas no ensino
da leitura e da escrita, tornam o processo de letramento mais “real”.
A longo prazo, entretanto, a chave da descentralização e, de fato, a chave
da reforma educacional peruana como um todo, reside nos núcleos educacionais
comunitários (nucleos educativos comunales) ou NEC, que formam o chamado
“sistema nuclear”, o qual incorpora todos os serviços educacionais da comunidade
e fornece o instrumental pelo qual a comunidade pode assumir seu papel legítimo
no processo educacional.
[...]

133
Leitura 3
A educação como um campo de disputa na Nicarágua

Robert F. Arnove (1995)8

Entre 1979 e 1990, o sistema político nicaraguense passou por mudanças ra-
dicais. Paralelamente, ocorreram profundas alterações em sua política educacional
devido ao uso da educação, primeiro, por um regime revolucionário para criar uma
nova ordem social e, posteriormente, pelo governo conservador subsequente, com
o propósito de restaurar elementos do status quo anterior. Em resumo, a educação
tornou-se um campo de batalha entre forças sociais e projetos históricos oponen-
tes: um que objetivava colocar o país num rumo socialista de desenvolvimento; e
outro, que desejava reintegrar a Nicarágua ao mundo de economia capitalista. Este
artigo documenta a reciprocidade de ações entre o regime político e as mudanças
educacionais, durante um período crítico de transformação social no país.

O Contexto

Em 1979, uma ampla frente revolucionária derrubou a ditadura dinástica e


sua guarda pretoriana que haviam controlado o poder da Nicarágua durante mais
de quatro décadas. Essa revolução, liderada pela Frente Sandinista de Libertação
Nacional (FSLN), lançou a Nicarágua para o centro das discussões mundiais. Em-
bora haja controvérsias sobre a natureza precisa da revolução e, em particular,
sobre as intenções socialistas da FSLN, a maioria dos observadores concorda com
o fato de que se tratava de um movimento nacionalista, populista e anti-imperialista
(Harris, 1993). Algumas das características específicas do regime revolucionário
nicaraguense eram o comprometimento com uma economia mista, o pluralismo
político e uma política exterior de não alinhamento. Entre os principais compro-
missos e realizações do governo sandinista, estavam a concessão de terras e o
oferecimento de sistemas de saúde e educação para a grande maioria da população.
Com o triunfo da FSLN em julho de 1979, a educação foi convocada para
desempenhar um papel-chave na promoção de uma mudança social na Nicará-
gua. Para que o sistema educacional atingisse esse objetivo, esperava-se que ele

8
Extraído de Arnove, Robert F. Education as Contested Terrain. Comparative Education Re-
view, Vol. 39, No. 1, 1995: 28-30. © 1995 by the Comparative and International Education
Society. Reproduzido com permissão do autor e da editora, a Universidade de Chicago.

134
fosse capaz de promover a formação de uma “nova pessoa”, de um cidadão mais
criticamente consciente, mais participativo e motivado por metas coletivas, e que
conseguisse ainda proporcionar a transmissão das habilidades e do conhecimento
necessários para capacitar a nação a suplantar décadas de subdesenvolvimento,
imprimindo-lhe, ao mesmo tempo, um ritmo de crescimento autossustentado. Ao
moldarem o sistema educacional como um componente integral da revolução, o
que as autoridades do Ministério da Educação vislumbraram era a expansão, o
aperfeiçoamento e a transformação da educação como fatores capazes de promover,
respectivamente, a democratização dos serviços sociais básicos, a independência
da economia da Nicarágua da dominação estrangeira e o desenvolvimento de um
novo modelo de acumulação de capital baseado em diferentes relações sociais de
produção e em formas de propriedades públicas e cooperativas (Bernheim, 1984).
O primeiro ano da revolução foi declarado o “ano da alfabetização”, e foi
empreendida uma campanha nacional de alfabetização em massa, entre março e
agosto de 1980, com o propósito de democratizar a educação e mobilizar a po-
pulação em torno dos objetivos revolucionários. Essa “cruzada” de alfabetização
foi seguida por uma campanha nas línguas nativas da região do litoral atlântico
e de um programa inovador de educação adulta básica que atingiu mais de
180.000 jovens e adultos. Durante os cinco primeiros anos da revolução, houve
uma expansão significativa das matrículas em todos os níveis da educação formal,
inclusive nas áreas anteriormente negligenciadas da pré-escola e da educação
especial. Entre 1979 e 1984, a educação pré-universitária cresceu de 540.688
para 758.203 matrículas. Em 1984, aproximadamente um terço da população
total estava participando de alguma forma de educação sistemática, ao passo que
o número de professores aumentou de 17.346 durante o ano da revolução para
46.683 (incluindo educadores adultos voluntários). O orçamento nacional para
a educação cresceu durante esse período de 2,9% para 6% do Produto Interno
Bruto (PIB). Esse aumento das alocações acarretou a construção de escolas em
áreas rurais anteriormente não atendidas, além de acréscimos às escolas já exis-
tentes, na forma de bibliotecas, laboratórios e oficinas (Arrien & Lazo, 1989).
Entre as principais melhorias, citam-se o estabelecimento de uma indústria
nacional de livros didáticos, a revisão dos currículos e a introdução de novos
métodos de ensino, particularmente para o ensino de línguas. Em termos organi-
zacionais, o Ministério da Educação em Manágua assumiu um papel mais decisivo
no planejamento de longo prazo e na formulação de políticas mais coerentes para
o sistema como um todo.
As transformações nos processos de aprendizagem centravam-se num estímulo
a métodos mais coletivos, participativos, orientados para a pesquisa e relacionados
ao trabalho. Medidas importantes foram tomadas com o propósito de envolver as
escolas mais diretamente nas atividades de suas respectivas comunidades, bem
como na resolução dos problemas nacionais. Na educação de nível superior, as
transformações mais destacadas envolveram uma maior integração das políticas
de admissão e de desenvolvimento dos currículos e professores com os planos

135
econômicos nacionais, além da inclusão de um significativo componente de trabalho
em todos os planos de estudo.
A despeito dessas realizações, quase uma década de guerra, desastres naturais
e recessão econômica comprometeram os avanços esperados na educação. A expe-
riência social sandinista nem mesmo chegou a ser testada por completo ou a colher
frutos – em grande parte por causa do embargo imposto à Nicarágua, organizado
pelos EUA e financiado pela contrarrevolução. A guerra de aproximadamente
uma década foi responsável por mais de 50.000 mortos, centenas de milhares de
desabrigados e mais de 15 bilhões de dólares em prejuízos diretos e indiretos para
a economia. O progresso do sistema educacional estava inexoravelmente atrelado
ao destino da revolução. Com o tempo, o Governo de Reconstrução Nacional de
1979 alterou suas prioridades, passando-as da educação para a produção, em
seguida para a defesa e, finalmente, desta para a sobrevivência nacional.
No final da década de 1980, muitos dos mesmos problemas educacionais que
a FSLN encontrou e propôs-se a combater uma década antes, ainda desafiavam
a liderança do Ministério da Educação. Embora tivesse havido um aumento de
matrículas, mais de 150.000 crianças em idade escolar permaneciam fora do
sistema educacional. Aproximadamente 22% dos alunos ingressantes na 1ª série
conseguiam chegar ao sexto ano da escola primária; na área rural, esse índice
era de menos de 10%. A despeito de esforços sistemáticos para expandir o nú-
mero de instituições de formação de professores e de aprimorar as qualificações
dos docentes já em atividade, mais de 60% dos professores eram empíricos (ou
seja, não possuíam certificação). A rotatividade também era elevada, devido ao
fato de que os professores não conseguiam subsistir com seu salário, cujo valor
real havia caído mais de três quartos devido a uma hiperinflação. Os prédios das
escolas estavam em péssimas condições, bibliotecas e equipamentos eram raros
e encontravam-se em mau estado, e os livros-texto eram quase inexistentes nas
áreas rurais. Com a parte do leão do orçamento nacional destinando-se à defesa,
os fundos para o setor social foram cortados pela metade. Em 1989, os gastos
reais com a educação representavam somente 2,2% do PIB. A despeito de muitas
tentativas de introduzir uma pedagogia inovadora, a maior parte do ensino em sala
de aula ainda era tradicional e centralizado no professor. Apesar do fato de terem
sido iniciados programas de associação entre pesquisa e trabalho, bem como pro-
gramas de escolas rurais experimentais, a educação secundária continuava sendo
altamente acadêmica e orientada para o processo de admissão à universidade. No
ensino superior, embora houvesse uma grande quantidade de matrículas nas áreas
vinculadas às prioridades nacionais, frequentemente a comunidade universitária
era mobilizada para as atividades de defesa e de produção, ao mesmo tempo em
que a qualidade do ensino se deteriorava, ressentindo-se de fundos inadequados.
Além disso, as íntimas associações entre a comunidade universitária e a revolução
sandinista haviam diminuído o espaço político para o diálogo e para o pluralismo
de pontos de vista.

136
O processo de paz da América Central iniciado em Esquipulas, Guatemala,
em 1987, culminou, na Nicarágua, com as eleições nacionais de 25 de fevereiro
de 1990. Após quase uma década de guerra, a população votou por uma mudança
de governo.
[...]
Entre as iniciativas para reverter as políticas sociais e econômicas dos san-
dinistas, o novo Governo de Salvação Nacional também decidiu desmantelar o
sistema educacional erguido pela FSLN. A campanha de alfabetização de 1980, os
programas de educação popular de adultos e todo o sistema de ensino financiado
e regulado pela administração anterior (do ensino primário ao superior) foram
vistos pelo novo governo como instrumentos de doutrinação estatal que objetivavam
ganhar os jovens para a causa revolucionária sandinista. Aos olhos dos membros
do governo Chamorro9, os resultados tinham sido desastrosos.
[...]

9
O Governo de Salvação Nacional foi liderado pela nova presidente, Violeta Chamorro. (N. T.)

137
Leitura 4
A vantagem acadêmica de Cuba

Martin Carnoy (2009)10

O desempenho superior dos estudantes cubanos é o resultado de diversos


fatores. Conseguimos avaliar o efeito de alguns desses fatores por meio de esti-
mativas de uma função de produção padrão11. No entanto, essas estimativas não
conseguem explicar uma parcela significativa das habilidades superiores cubanas
em matemática, especialmente as resultantes das diferenças entre a qualidade de
ensino em sala de aula e um sistema administrativo que assegura que um currículo
nacional razoavelmente exigente seja aplicado universalmente, independentemente
da classe social dos estudantes. Para compreender a existência e o impacto poten-
cial desses desafios efeitos, recorremos a uma combinação de análise qualitativa:
entrevistas em escolas, análise de livros didáticos e filmagens das aulas de mate-
mática da terceira série em salas de aula individuais. A análise qualitativa indicou
que as crianças cubanas estão recebendo um currículo de matemática bastante
exigente, transmitido de modo mais eficaz, por professores melhor formados e
mais frequentemente supervisionados e orientados, em escolas que são, em média,
mais diretamente focadas no ensino do que as escolas brasileiras ou chilenas.
Em nossas estimativas da função de produção, incluímos as variáveis da
origem familiar do estudante, as variáveis dos recursos escolares e um conjunto
mais controvertido de variáveis, que chamamos de “contexto social” ou capital
social gerado pelo Estado. Essas variáveis do contexto sociopolítico – relacionadas
principalmente à condição das crianças fora da escola e à distribuição de classe
das crianças entre as escolas – são importantes para explicar, ao menos em parte,
o melhor desempenho cubano nas provas. Essa é uma descoberta interessante,
com implicações importantes para a política educacional. Os países, as regiões ou
os distritos educacionais continuarão tendo dificuldades para elevar os níveis de
aprendizagem dos alunos dentro das escolas, se as crianças vivem em um contexto
sociopolítico fora da escola que não proporciona a segurança, a saúde e o apoio
moral necessários para que funcionem bem em um ambiente de sala de aula.

10
Texto extraído de: Martin Carnoy. A vantagem acadêmica de Cuba: Por que seus alunos
vão melhor na escola. São Paulo, Ediouro, 2009. (Capítulo 7. Lições Aprendidas: 206-210.)
Reproduzido com permissão do autor.
11
Uma função de produção é um método de análise estatística que estuda a relação entre
os fatores produtivos, no caso as características das escolas, e os produtos (ou resultados de
desempenho) alcançados. (N. T.)

138
Da mesma forma, a aprendizagem desigual, caracterizada por expectativas
e resultados muito inferiores para crianças de baixa renda, é reforçada por sis-
temas escolares que tendem a concentrar crianças de origem social semelhante
em escolas que são identificadas como associadas em à baixa renda. Um recente
estudo chileno indica que uma parcela maior de professores, em escolas de bai-
xo nível socioeconômico, sente-se menos preparada para ensinar o currículo de
matemática chileno, o que sugere que os professores menos “capazes” acabam
ensinando nessas escolas. Portanto, quanto maior a concentração de estudantes
por condição socioeconômica em diferentes escolas, mais provavelmente os re-
cursos escolares serão distribuídos de forma mais desigual e mais provavelmente
o sistema produzirá resultados mais desiguais.
Na nossa análise qualitativa, identificamos outros efeitos do capital social
gerado pelo Estado, que são importantes para explicar as notas cubanas mais
altas nas provas. Por causa do salário fixado pelo Estado, é mais provável que
os professores cubanos sejam selecionados entre formados do ensino médio com
melhor desempenho acadêmico do que o grupo de candidatos brasileiros ou chi-
lenos ao cargo de professor. Com acesso a jovens que têm níveis mais altos de
conhecimento de ensino do conteúdo, os autores do currículo cubano puderam
levar um currículo exigente a todos os níveis de ensino, principalmente ao ensino
fundamental.
O capital social gerado pelo Estado é um componente importante para com-
preender por que as crianças de alguns países vão melhorar na escola, mas é
difícil transportar o capital social superior de um país para o outro. Em geral, o
capital social gerado pelo Estado resulta de forças históricas, que são, de certa
forma, específicas do país e que são tanto produto como formadoras de valores
culturais específicos. Mas os Estados-nação podem melhorar o bem-estar infantil
substancialmente, proporcionando uma educação infantil gratuita, começando
com crianças muito novas, fornecendo subsídios para as famílias de baixa renda,
condicionados ao envio das crianças para a escola e à proibição do trabalho infan-
til, e proporcionando acesso a à educação infantil, à merenda escolar e à saúde.
Porém, muitas das nossas descobertas relativas ao sucesso escolar cubano
podem ser atribuídas diretamente ao que acontece dentro do sistema educacio-
nal. Três das quatro lições principais que aprendemos do nosso estudo podem
ser incorporadas aos sistemas educacionais brasileiro e chileno, começando
com uma formação inicial dos professores muito melhor, com mais ênfase no
conteúdo curricular a ser ensinado (em parte, para compensar os baixos níveis
de aprendizagem deste conteúdo – principalmente matemática – nas escolas do
ensino médio brasileiras e chilenas) e na habilidade para ensinar os parâmetros
curriculares obrigatórios.
Além de adquirir um controle mais rígido da formação docente nas universi-
dades e nas escolas de formação docente de professores, as autoridades educacio-
nais brasileiras e chilenas podem aprender muito pela maneira como os diretores
cubanos que se encarregam de supervisionar os novos professores docentes e de

139
assegurar um alto padrão de ensino do currículo nacional nas salas de aula cuba-
nas. O Brasil e o Chile também poderiam adotar o sistema de manter a mesma
coorte de alunos com um único professor da primeira a quarta séries. Quando os
estudantes realizassem a prova SIMCE12 da quarta série, o resultado seria o efeito
cumulativo do trabalho de um único professor, aumentando a responsabilidade
do professor e da escola (como em Cuba) e garantindo que cada professor ofereça
um ensino de qualidade.
Como uma reflexão final, gostaríamos de lembrar ao leitor o possível conflito,
nas sociedades democráticas, entre a liberdade individual na maioria dos aspectos
da vida humana e a liberdade individual na vida escolar, que está longe de ser
democrática. Poucas crianças além da terceira série escolheriam voluntariamente
passar 30 ou mais horas por semana, durante 40 semanas por ano, sentadas em
salas de aula, mas elas são obrigadas a fazer isso. Como parte das liberdades
individuais garantidas pelas sociedades democráticas, os pais muitas vezes deman-
dam o direito de escolher as escolas para seus filhos ou de escolher mandar seus
filhos para o trabalho, e os professores demandam diversos “direitos”, incluindo
o direito da autonomia profissional nas suas salas de aula. Essa autonomia tem a
intenção de proteger os professores da interferência inadequada dos gestores na
maneira como conduzem seu ensino, assim como a de protegê-los dos juízos de
base ideológica a respeito do que seja o um bom ensino.
O sistema educacional cubano não enfrenta essas contradições. Ademais,
como o Estado cubano está genuinamente interessado na transmissão de habili-
dades acadêmicas básicas de qualidade, o sistema é capaz de invocar interesses
coletivos, pressionando as famílias e os professores a se adaptarem aos padrões
de aprendizagem dos alunos. Assim, o Estado assume a responsabilidade final
pela educação das crianças, incluindo a responsabilidade de assegurar que os
pais, que coincidentemente também são funcionários do Estado, façam sua parte,
garantindo que as crianças alcancem níveis elevados de desempenho acadêmico.
Nas sociedades democráticas, isso somente é possível quando o setor público – o
Estado – possui a confiança implícita da sociedade civil. Os pais devem ter a plena
confiança de que o Estado é capaz de proporcionar serviços de qualidade e que
os funcionários públicos (como os professores) estão totalmente comprometidos
com essa tarefa.
Não encontramos essas condições nem no Brasil nem no Chile, por boas ra-
zões. No Brasil, historicamente, o Estado nunca se comprometeu a oferecer uma
educação de qualidade para a maioria da população brasileira. No Chile, como
no Brasil, a educação pública de boa qualidade existiu no passado para uma elite
de classe média alta, mas não para as massas. Em consequência, assim que os
vales-educação (vouchers) se tornaram disponíveis no Chile, houve uma rápida fuga
para o ensino privado. Mesmo o ensino privado de baixa qualidade era preferível

12
Abreviatura de Sistema Nacional de Evaluación de Resultados de Aprendizaje, do Ministério
da Educação do Chile. (N. T.)

140
ao ensino público. Sob essas circunstâncias, o papel central do Estado como fiador
dos serviços de qualidade perde seu sentido e o indivíduo competitivo, que luta
para ganhar vantagens sobre os outros, reina supremo. A noção de cooperação
– professores, gestores, pais e estudantes – para melhorar a aprendizagem das
crianças se degenera, colocando no em seu lugar os valores máximos das opções
individuais e dos direitos individuais dos pais e dos professores, na premissa de
que, se os adultos utilizarem esses direitos com sabedoria, as crianças chegarão
na frente.
O sistema cubano possui defeitos graves evidentes, principalmente a falta de
liberdade política e os limites à opção individual. O alto nível de autodisciplina
e de comportamento cooperativo, que fazem as salas de aula cubanas funcionar
sem percalços no nível fundamental, é importante para o desenvolvimento das
atividades básicas e da proficiência na solução de problemas. No entanto, nos níveis
superiores da educação (segundo ciclo do ensino fundamental e ensino médio),
a rebelião e a discordância criativas – características que florescem ao extremo
em sociedades como a dos Estados Unidos – são, em geral, suprimidas em Cuba.
O caminho para uma melhor educação nas sociedades democráticas não
precisa ser uma volta ao autoritarismo. As lições que extraímos da experiência
cubana indicam, no entanto, que o Estado tem de ser muito mais que um fiador
da educação de qualidade para todos: o Estado deve assumir a responsabilidade
pública pelo sucesso das crianças. O Estado tem de ser um ativista eficaz na
transformação da gestão escolar, rumo a um maior controle sobre o que acontece
na escola. Ele precisa assumir plena responsabilidade pela melhoria do ensino,
mesmo às custas de reduzir a autonomia acadêmica e administrativa das escolas
de Educação que fazem responsáveis pela formação inicial dos professores, e de
reduzir a autonomia dos professores em sala de aula, quando esses não apresen-
tam demonstram possuir a criatividade e a competência para atuar em alto nível.
O Estado deve garantir que todos os professores sejam eficazes na produção da
aprendizagem dos alunos, avaliando seu desempenho com regularidade, desde a
certificação inicial até a supervisão do seu trabalho nas salas de aula. Ao definir
altos padrões para as escolas e para os professores, e fiscalizar seu cumprimento,
o Estado diminui a necessidade dos pais de se afligirem sobre a escola para a qual
devem mandar enviar seus filhos, pois quase todas as escolas ofereceriam uma
educação de qualidade razoável e de modo semelhante. Isso é o que a sociedade
deseja em um Estado democrático, e é isso o que a sociedade deveria obter.

141
Referências Bibliográficas (Seção 3)

ARRIEN, Juan B.; LAZO, Róger Matus (eds.). Nicaragua: Diez años de
educación en la revolución. Manágua: Ministério da Educação [MED], 1989.
p. 29-32, 386, 428.
BERNHEIM, Carlos Tunnermann. Cinco años de educación y la revolución.
Manágua: Ministério da Educação [MED], 1984.
CARNOY, Martin. A vantagem acadêmica de Cuba: Por que seus alunos
vão melhor na escola. São Paulo, Ediouro, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2009.
HARRIS, Richard L. The Nicaraguan Revolution: A Post Mortem. Latin
American Research Review, v.28, n. 3, p. 197-213, 1993.
MIRANDA, Emilio Morillo. Reformas Educativas en el Perú del Siglo XX.
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www.rieoei.org/deloslectores/233Morillo.PDF>. Acesso em: 14 set. 10.
PERU. Ministerio de Educación. Decreto-lei nº 19326, de 21 de marzo,
1972. Lei Geral da Educação, Lima, Ministerio de Educación, 1972.
PERU. Ministerio de Educación. Reforma de la educación peruana: informe
general. Lima, Ministerio de Educación, 1970a.
PERU. Ministerio de Educación. Seminário Multissetorial sobre a Reforma
Educacional e mudanças estruturais. Cusco, Ministerio de Educación, 1973.
PERU. Ministerio de Educación. Educación, Lima, Ministerio de Educación,
n. II, 1975.

142
Seção 4
Uma nação em risco

Introdução

Em 1983, foi lançado o relatório final da comissão nacional criada pelo


governo de Ronald Reagan para estudar a situação da educação nos Estados
Unidos. Chamado “Uma Nação em Risco”, o relatório causou furor ao fazer
uma série de previsões sombrias sobre o próprio futuro daquele país devido
à baixa qualidade do ensino das suas escolas. Os primeiros impactos foram
quase imediatos em termos de iniciativas governamentais de estímulo à refor-
ma educacional nos estados, mas os tremores secundários continuam sendo
sentidos até hoje. Como será mostrado nesta seção, a maioria das políticas
educacionais voltadas para a melhoria dos resultados das escolas dos últimos
27 anos nos EUA têm sua origem nesse relatório e nos temores que tão habil-
mente ele soube expressar.
Refiro-me, principalmente, ao uso da avaliação externa como instrumen-
to da reforma educacional, tanto no monitoramento dos avanços quanto no
sentido de ser o meio principal para a divulgação e a execução das mudanças
desejadas. “Uma Nação em Risco” deu crédito à ideia da reforma baseada em
padrões e marcou o princípio da era de “accountability” (responsabilização).
Na sua essência, essa mudança colocou o desempenho dos alunos no centro
das atenções, como objetivo primordial do trabalho da escola, e legitimou o
uso das avaliações externas para medir a eficácia da escola e dos professores
no cumprimento dessa tarefa. As consequências que foram sendo associadas
aos resultados dos alunos de determinada escola ou professor, incluindo o
pagamento ou não de incentivos, sinalizam a transferência do ônus pelos
esforços de melhoria em direção à escola e dão o sentido cabal da palavra
responsabilização.
O relatório publicado em 1983 caiu em terreno fértil porque a queda
contínua das notas dos alunos no Teste de Aptidão Acadêmica (Scholastic
Aptitude Test – SAT)1 desde a década de 1960 já havia disparado os sinais
de alerta. Alguns diziam que essa queda havia simplesmente ocorrido porque
mais alunos estavam prestando o SAT, o que era um sinal de progresso, mas
outros mostraram que esse fator não poderia justificar a maior parte do declínio.
1
O SAT, criado pelo Conselho de Universidades no princípio do século XX, é usado no
processo de seleção de candidatos ao ensino superior e, até o final da década de 1960, era
o único teste de abrangência nacional nos EUA.

143
Para tirar a dúvida, o governo federal criou um novo teste no final dos anos
60, a Avaliação Nacional do Progresso Educacional (National Assessment of
Educational Progress – NAEP), que seria aplicado a uma amostra aleatória de
estudantes aos nove, treze e dezessete anos de idade. Ao testar uma amostra
de todos os estudantes nessas idades, esperava-se que os resultados do NAEP
fornecessem informações mais completas e mais otimistas. Infelizmente, o
NAEP revelou mais perdas do que ganhos no desempenho dos alunos e apenas
confirmou o que o SAT já vinha sugerindo. Entre 1970 e 1982, o desempenho
dos estudantes de 17 anos na prova de ciências caiu 0,4 desvios-padrão. Em
matemática, a queda foi de 0,2 desvios-padrão. Apenas as notas de leitura
aumentaram – embora muito pouco.
A preocupação aumentou ainda mais quando, no final da década de 1970,
pesquisas comparativas internacionais começaram a mostrar que os Estados
Unidos ficaram para trás de muitos dos países que eles pensavam já ter ultra-
passado. A situação dos estudantes americanos piorava conforme permaneciam
mais tempo na escola. Entre os estudantes de nove anos, os americanos tiveram
os melhores desempenhos em matemática e ciências em comparação com as
outras nações. Na idade de 13 anos, os alunos americanos tinham caído abaixo
da média internacional nessas disciplinas, e com 17 anos, eles estavam atrás
de quase todos os outros países industrializados do mundo.
Ao dar destaque ao relatório “Uma Nação em Risco” e fazer da reforma da
educação uma prioridade política, o governo Reagan encampou a tese de que a
qualidade das escolas da América estava deixando o país à mercê da competição
estrangeira. Também concordou com o diagnóstico de que a educação estava
sendo tomada por “uma onda crescente de mediocridade” e que precisava exigir
mais dos alunos, professores e escolas. Em termos práticos, isso significava que os
estudantes precisavam receber tarefas mais desafiantes; os professores precisavam
ser mais bem remunerados e mais bem treinados na disciplina que ensinavam; os
estados precisavam estender o dia e o ano letivo; os pais precisavam demandar
mais de seus filhos; e um compromisso com a qualidade precisava ser firmado
por todos aqueles responsáveis por instruir os jovens.
O relatório provocou uma onda de críticas, muitas delas advindas dos educado-
res, que se sentiram pessoalmente atingidos. Foi atacado pela Associação Nacional
de Educação, o maior dos sindicatos de professores, e várias outras associações de
superintendentes distritais de educação, diretores de escola e conselhos escolares.
Não obstante, desde 1983, em atenção à ênfase das recomendações do relatório
sobre a melhoria do ensino médio, todos os estados norte-americanos têm elevado
seus requisitos para a conclusão dessa etapa de escolarização e, após a criação
de padrões estaduais de aprendizagem, uma proporção cada vez maior de alunos
tem saído da escola com o nível de habilidades necessário para o ingresso na
educação superior.
O relatório é um pouco grande demais para incluí-lo aqui por inteiro. No
entanto, a parte importante reproduzida na primeira leitura desta seção dá uma

144
ideia clara da linguagem apocalíptica empregada e do espírito intensamente com-
petitivo por trás das recomendações. Há um sentimento de que os manufaturados
americanos não estão mais na dianteira, que o país está perdendo a competição
global por empregos e que, ao entrar na “era da informação”, a necessidade
que os EUA têm de recuperar sua força intelectual perdida se torna ainda mais
premente. As evidências da perda de status educacional listadas pela Comissão
Nacional de Excelência em Educação parecem irrefutáveis e criam uma atmosfera
propícia para a chamada às armas que vem a seguir.
Os membros da Comissão acreditavam firmemente na necessidade de elevar
os padrões das escolas, para que os estudantes “trabalhem no limite de suas ca-
pacidades”, mas estavam cientes da necessidade de manter o compromisso de um
tratamento equitativo para toda a população. Apesar da firmeza dos sentimentos,
e da convicção de que não havia conflito insuperável na procura simultânea da
excelência e da igualdade, o relatório antevê as dificuldades que serão encontradas
pelas autoridades estaduais ao desencadearem os novos padrões.
Os objetivos paralelos de igualdade e ensino de alta qualidade possuem um sig-
nificado profundo e prático para nossa economia e sociedade, e não podemos
permitir que um ceda espaço ao outro, nem em termos teóricos, nem práticos.
Fazer isso seria negar à nossa população jovem a chance de aprender e viver de
acordo com suas aspirações e capacidades. Também levaria, por um lado, a uma
acomodação geral na mediocridade ou, por outro, à criação de um elitismo anti-
democrático. (National Commission, 1983)
Quando chega às recomendações, o relatório trata primeiro dos conteúdos
curriculares e argumenta a favor do aumento dos requisitos para a concessão do
diploma de ensino médio em termos do número de anos que os alunos terão que
estudar cada conteúdo. Na seguinte leva de recomendações, incluída na parte
do relatório reproduzido na nossa leitura, apresenta-se a ideia de que o nível de
exigência precisa subir ao mesmo tempo em que se criem em todos os estados
os sistemas de testes de desempenho para certificar o nível de aprendizagem dos
alunos. Com essas orientações, as peças fundamentais da reforma educacional
das próximas décadas estavam definidas.
A proposta de uma reforma baseada em padrões é relativamente simples.
Para melhorar os resultados da educação, é preciso, primeiro, estipular o que
cada aluno deve aprender em cada etapa ou ano em termos de conteúdo e nível
de proficiência mínima e, ao fazê-lo, aumentar o nível de expectativas e exigên-
cias. Segundo, para poder cobrar este nível de aprendizagem, precisa-se criar os
instrumentos de avaliação padronizados necessários para mensurar o desempenho
dos alunos de forma rigorosa em todas as áreas do currículo para as quais existem
padrões. O que se supõe por trás deste roteiro é que, com padrões mais exigentes
e com cobranças mais controladas, as escolas acabarão ensinando mais e melhor,
sobretudo se existirem sistemas de responsabilização que fornecem incentivos e
prêmios para que os educadores, alunos e pais trabalhem a favor dos padrões.
Entretanto, como veremos, a prática é mais complexa.

145
A segunda leitura, de Thomas Dee, retoma a ideia de que as recomendações
do relatório não caíram em solo pedregoso porque se beneficiaram de algumas
experiências anteriores dos governos estaduais, com a proposta de aumentar os
requisitos acadêmicos associados à conclusão do ensino médio. Essas experiências,
chamadas pelo autor de primeira onda da reforma educacional, se concentraram
em duas vertentes. A primeira foi curricular, na qual as exigências associadas aos
diferentes conteúdos ao longo do ensino médio foram aumentadas, e a segunda,
associada à criação de um novo tipo de avaliação em que se testava se os alunos
de fato cumpriam essas exigências, estipuladas na forma de competências mínimas.
Esses testes de competência mínima não objetivavam fornecer uma medida geral
da proficiência do aluno, mas sim certificar se aquele aluno satisfazia às exigências
mínimas para concluir um determinado curso ou ano de estudo.
O problema assinalado por Dee foi a falta de rigor na execução dessas po-
líticas, apesar de um bom número de estados já terem instituído esses testes de
competência mínima. Os estados percebiam a necessidade de impor novas exi-
gências, mas as brechas que se abriam nos níveis de desempenho dos diferentes
grupos sociais e raciais dificultavam a expansão dessas exigências para todos os
alunos e escolas, o que acabava reduzindo o impacto da reforma. A tese do au-
tor é que o relatório “Uma Nação em Risco” não só fortaleceu as intenções dos
estados, mas também permitiu uma grande expansão da metodologia dos testes
de competências mínimas.
A leitura também aborda a questão de se essas reformas ofereceram alguma
evidência de melhoria efetiva nos resultados dos alunos. Pela existência de pes-
quisas sobre as perdas e ganhos no desempenho dos diferentes grupos, é possível
medir as consequências dessas medidas, porém as análises tendem a concluir
que os efeitos negativos foram tão frequentes quanto os positivos. Mesmo assim,
a política de melhoria do currículo e de redefinição das exigências curriculares
associadas à conclusão do curso médio parece ter sido a estratégia mais eficaz.
Dada essa conclusão, pode parecer um pouco estranho que a reforma tenha
avançado mais pelo lado da avaliação e da responsabilização do que pelo lado
do currículo. Como West e Peterson mostram na leitura seguinte, a posição do
governo federal nos Estados Unidos a partir de 1994 foi de apoio ao uso das ava-
liações para cobrar melhorias no desempenho dos alunos. Mesmo com a demora
para essa ideia se estabelecer como a espinha dorsal da política educacional – o
que acontece a partir da lei de 2001, chamada de Nenhuma Criança Deixada
para Trás –, os princípios básicos da responsabilização estavam definidos. As
autoridades responsáveis pelo sustento das escolas poderiam cobrar o bom uso
dos investimentos públicos em nome da transparência e do zelo pela qualidade
dos serviços públicos. Por sua vez, os resultados das escolas poderiam ser defini-
dos em termos do desempenho dos alunos medido por avaliações padronizadas
e disponibilizadas para o público, de modo a atender a um direito de acesso à
informação e criar uma pressão auxiliar em favor da verificação do progresso da
escola em direção aos padrões.

146
A próxima leitura volta a pesquisar as evidências sobre a segunda fase na
evolução da política de testes high-stakes a partir da chegada de George Bush à
presidência, quando os primeiros exemplos estaduais de responsabilização se
tornam modelos para uma política nacional. High-stakes, nesse caso, significa
que os testes tinham consequências importantes para os envolvidos, tanto para os
alunos quanto para os professores e, por isso, exerceriam um impacto significativo
no ensino e na aprendizagem. Ao mesmo tempo, o texto de Supovitz demonstra
que não havia unanimidade em relação à política de responsabilização, e fala
dos esforços em encontrar medidas alternativas de avaliação que não tivessem
os mesmos efeitos perversos de alguns dos testes padronizados. Para os adeptos
das avaliações alternativas, os resultados desses esforços foram decepcionantes.
Pesquisas mostraram que dificilmente as alternativas se tornariam substitutos para
os modelos de avaliação high-stakes. A expansão continuada da responsabilização
baseada em testes padronizados estava, desse modo, garantida.
De modo geral, a pesquisa resenhada por Supovitz mostra que os testes high
stakes motivam os educadores, estimulam um alinhamento entre o currículo, os
padrões e a avaliação, fornecem dados valiosos sobre o sistema e criam, de fato,
uma responsabilização pública. Apesar da opinião de que talvez haja testes de-
mais, esses resultados ajudam a manter o apoio público, mesmo na presença de
desvantagens sérias, tais como o estreitamento do currículo e a pouca utilidade
da informação gerada pelas avaliações para o dia a dia do professor.
Se a leitura de Supovitz nos oferece uma posição objetiva sobre a evolução
da reforma da responsabilização durante a década de 2000, a leitura seguinte é
nitidamente uma visão partidária a favor do aprofundamento e da expansão da
reforma. Uma ONG a serviço dos líderes dos sistemas públicos de ensino, o Hunt
Institute, lançou um panfleto digital que chama a atenção para as promessas não
cumpridas da reforma baseada em padrões. Com base em evidências de pesquisa,
o panfleto exorta os estados a continuarem seus esforços a favor dos princípios
estabelecidos pelo relatório Uma Nação em Risco, e depois ratificados em lei,
sobretudo pela legislação federal “Nenhuma Criança Deixada para Trás”. Ao
fazê-lo, deixa evidentes as dificuldades reais em produzir e fazer valer tanto os
padrões quanto os currículos que os sustentam, mesmo após mais de 30 anos de
experimentação.
Ao enfatizar a melhoria nos padrões, o panfleto não pretende menosprezar
os sistemas estaduais de responsabilização baseados nos testes padronizados.
Pelo contrário, o que se vê é a preocupação em melhorar o “alinhamento” entre
os padrões e a avaliação para poder ajudar melhor o professor. O que se pode
derivar dessa posição é o pressuposto de que, sem os padrões adequados, as
avaliações podem ter efeitos perversos. Se os padrões não estão bem elaborados,
são as avaliações que se tornem os verdadeiros parâmetros de sucesso, apesar
das conhecidas dificuldades em se produzirem instrumentos capazes de testar
níveis mais avançados de conhecimento e de habilidade, e de oferecer os tipos
de informação de que os professores precisam.

147
O texto também apoia o uso das avaliações para medir a eficácia dos profes-
sores. No entanto, mais uma vez, os autores condicionam o sucesso dos sistemas
de avaliação de professores à existência prévia de padrões de conteúdo adequa-
dos e à criação de materiais curriculares alinhados. A reestruturação de escolas,
a medida mais drástica do sistema de responsabilização, em que a escola pode
ser fechada ou a equipe escolar inteira trocada se ela não mostrar o progresso
esperado, é o último tópico abordado.
Seguindo o modelo de outras seções, a última leitura mostra a interpretação
da política de responsabilização em solo brasileiro. O texto, bastante recente,
mostra não só que essa política já chegou ao Brasil, mas que, em pouco tempo,
já assume algumas feições bastante sofisticadas. Os sistemas de responsabiliza-
ção dos estados de São Paulo e Pernambuco, que propõem procedimentos para
o pagamento de bonificações aos professores de acordo com os resultados dos
alunos, incorporam metodologias interessantes que pretendem eliminar algumas
das dificuldades associadas ao cálculo do desempenho do professor.
No caso de São Paulo, são estabelecidas metas para cada escola que levam
em consideração a distribuição dos alunos em diferentes faixas de desempenho.
Ao mesmo tempo em que as metas servem para explicitar o objetivo primordial de
cada escola e para monitorar o seu progresso, o cumprimento delas também serve
para o cálculo de um bônus salarial. Em Pernambuco, as metas são calculadas de
forma diferente, com base na média de desempenho dos alunos. Também há dife-
renças na forma de definir as escolas que recebem o bônus, em quais proporções
essa bonificação é concedida e qual é o valor efetivamente pago aos professores.
A inclusão desse texto brasileiro, escrito pelo economista Cláudio Ferraz, é
para sinalizar que, em certos aspectos, a reforma brasileira da responsabilização
baseada em testes padronizados avançou bastante. A utilização de testes como
um instrumento da política educacional pelos estados parece ter se tornado uma
atitude normal, o que significa que a própria definição de qualidade em termos
do desempenho dos alunos em testes externos também adquiriu aceitação. O que
chama a atenção, no entanto, é a separação entre a responsabilização e aquilo
que foi sua origem – a criação de padrões mais exigentes. O propósito original dos
testes foi de certificar se os alunos estavam conseguindo atingir os padrões novos
e de responsabilizar as escolas pela execução de um currículo voltado para essa
tarefa. Na ausência de padrões curriculares, as metas brasileiras são estabelecidas
a partir dos próprios instrumentos de avaliação e carecem de significado em termos
de conhecimentos e habilidades, a não ser para aqueles poucos que procuram
entender as matrizes de referência dos testes de seus alunos.

148
Leitura 1
Uma nação em risco: o imperativo de uma reforma educacional
Relatório à Nação e ao secretário do Departamento de Educação
dos Estados Unidos

Comissão Nacional para a Excelência em Educação (1983)2

[...]
Todos, sem distinção de raça, classe social ou econômica, têm direito a chan-
ces justas e aos instrumentos necessários para o desenvolvimento máximo de sua
capacidade mental e espiritual. Essa promessa significa que todas as crianças, por
virtude de seus próprios esforços e guiadas de forma competente, podem esperar
conseguir o discernimento maduro e informado necessário para garantir um bom
emprego e a administração de suas vidas, servindo, dessa forma, não apenas aos
seus próprios interesses, mas também ao progresso da sociedade.
Nossa nação está em risco. Nossa antes incontestável supremacia no comércio,
indústria, ciência e inovação tecnológica está sendo superada por competidores em
todo o mundo. Este relatório está preocupado com apenas uma dentre as muitas
causas e dimensões do problema, embora esta causa seja, precisamente, a que
alicerça a prosperidade, a segurança e a civilidade americanas. Informamos ao
povo americano que, ainda que possamos justificadamente nos sentir orgulhosos
pelas realizações históricas de nossas escolas e faculdades e pelas suas contri-
buições para os Estados Unidos e para o bem-estar de seu povo, as fundações
educacionais de nossa sociedade estão atualmente sendo erodidas por uma onda
crescente de mediocridade, que ameaça nosso próprio futuro como uma nação e
como um povo. O que era inimaginável há uma geração, já está acontecendo –
outros estão alcançando e superando nossas realizações educacionais.
Se uma potência estrangeira inimiga tivesse tentado impor sobre a América o
desempenho educacional medíocre que existe hoje, nós provavelmente teríamos
interpretado isso como um ato de guerra. No entanto, permitimos que isso aconte-
cesse conosco. Desperdiçamos até mesmo os ganhos em desempenho acadêmico
provocados pelo desafio do Sputnik. Ademais, desmembramos sistemas de suporte

2
Texto extraído de: The National Commission on Excellence in Education. A Nation at Risk.
The Imperative for Educational Reform. U.S. Government Printing Office. Washington, D.C.
Abril de 1983. (Disponível em: http://www2.ed.gov/pubs/NatAtRisk/index.html Acesso em:
02 mai 2011.)

149
essenciais, que ajudaram a possibilitar tais ganhos. Temos, na verdade, cometido
um ato de desarmamento educacional unilateral e impensado.
Nossa sociedade e suas instituições educacionais parecem ter perdido de vista
os propósitos básicos do ensino, e as altas expectativas e esforços disciplinados
necessários para alcançá-los. Este relatório, resultado de 18 meses de estudo, busca
gerar uma reforma do nosso sistema educacional de uma maneira fundamental e
renovar o comprometimento da nação para com as escolas e faculdades de alta
qualidade espalhadas por todo o nosso território.
Dada a grande quantidade de demandas, geralmente conflitantes, que temos
feito às escolas e faculdades de nossa nação, não é de se surpreender, após algu-
ma reflexão, que tenhamos colocado em risco esse comprometimento. Recorre-se
frequentemente a essas instituições para a solução de problemas pessoais, sociais
e políticos que o lar e outras instituições não irão ou não poderão resolver. Preci-
samos entender que essas demandas sobre nossas escolas e faculdades geralmente
têm um custo educacional, bem como financeiro.
Na primeira reunião da Comissão, o Presidente Reagan percebeu a importân-
cia central da educação para a vida americana ao dizer: “Certamente, há poucas
áreas da vida americana tão importantes para a nossa sociedade, para o nosso
povo e para as nossas famílias, quanto nossas escolas e faculdades”. Este relatório,
portanto, é tanto uma carta aberta ao povo americano quanto um relatório para
o Secretário de Educação. Estamos confiantes de que o povo americano, uma
vez adequadamente informado, fará o que é certo para suas crianças e para as
gerações vindouras.

O Risco

A história não sorri para os preguiçosos. Já se foi o tempo em que o destino


americano era garantido apenas pela abundância de recursos naturais, por um
entusiasmo humano inexaurível e por nosso isolamento relativo dos problemas
perversos de civilizações mais antigas. O mundo é mesmo uma aldeia global.
Vivemos entre competidores determinados, bem educados e fortemente motiva-
dos. Competimos com eles por posição internacional e mercado, não apenas com
produtos, mas também com ideias de nossos laboratórios e pequenas fábricas. A
posição americana no mundo pode ter sido razoavelmente segura um dia, em que
havia apenas alguns poucos homens e mulheres excepcionalmente bem treinados.
Mas não é mais assim.
O risco não é apenas o fato de que os japoneses fazem automóveis de forma
mais eficiente que os americanos e possuem subsídios do governo para desenvol-
vimento e exportação. Não é apenas o caso dos sul-coreanos terem recentemente
construído a siderúrgica mais eficiente do mundo, ou das máquinas americanas,
antes o orgulho do mundo, estarem sendo substituídas por produtos alemães.

150
É também a questão desses desenvolvimentos significarem a redistribuição da
capacidade treinada pelo mundo. Conhecimento, aprendizado, informação e in-
teligência capacitada são as matérias-primas para o mercado internacional e estão
hoje se disseminando pelo mundo tão vigorosamente quanto as drogas milagrosas,
os fertilizantes sintéticos e as calças jeans um dia fizeram. Ainda que seja apenas
para manter e melhorar a pequena vantagem competitiva que ainda possuímos nos
mercados globais, precisamos nos dedicar à reforma do nosso sistema educacional
para o benefício indistinto de todos – jovens e velhos, ricos e pobres, maiorias e
minorias. O ensino é o investimento indispensável necessário para o sucesso na
“era da informação” em que estamos entrando.
Nossa preocupação, no entanto, vai muito além de temas como indústria e
comércio. Ela também inclui a força intelectual, moral e espiritual de nosso povo
que tece o próprio tecido da nossa sociedade. O povo dos Estados Unidos precisa
saber que os indivíduos de nossa sociedade que não possuírem os níveis de qualifi-
cação, competência leitora e treinamento essenciais a essa nova era ficarão, de fato,
socialmente excluídos, não apenas das recompensas materiais que acompanham
o desempenho competente, mas também da chance de participar plenamente de
nossa vida nacional. Um alto nível de educação compartilhada é essencial para
uma sociedade livre e democrática, e para a promoção de uma cultura comum,
especialmente em um país que se orgulha do pluralismo e da liberdade individual.
Para que o nosso país funcione, os cidadãos precisam conseguir alcançar algum
entendimento comum sobre assuntos complexos, e geralmente precisam fazê-lo
rapidamente e com base em evidências conflitantes ou incompletas. A educação
ajuda a formar esses entendimentos comuns, conforme uma observação que Tho-
mas Jefferson fez há muito tempo, em seu pronunciamento merecidamente famoso:
Eu desconheço um depositório seguro dos grandes poderes da sociedade que não
as próprias pessoas; e se pensarmos que elas não são esclarecidas o suficiente
para exercer o controle com pleno discernimento, então o remédio não é lhes tirar
tal controle, mas sim capacitar seu discernimento.
Parte do que está em risco é a promessa feita pela primeira vez neste con-
tinente: todos, sem distinção de raça, classe social ou econômica, têm direito a
chances justas e aos instrumentos necessários para o desenvolvimento máximo
de sua capacidade mental e espiritual. Essa promessa significa que todas as
crianças, por virtude de seus próprios esforços e guiadas de forma competente,
podem esperar conseguir o discernimento maduro e informado necessário para
garantir um bom emprego e a administração de suas vidas, dessa forma servindo
não apenas aos seus próprios interesses, mas também ao progresso da sociedade.

151
Indicadores do Risco

As dimensões educacionais do risco diante de nós têm sido amplamente do-


cumentadas em depoimentos recebidos pela Comissão. Por exemplo:
• Comparações internacionais de aproveitamento escolar, finalizadas há uma
década, revelaram que em 19 testes acadêmicos, estudantes americanos nunca
figuraram nos primeiros ou segundos lugares e, em comparação com outras nações
industrializadas, ficaram em último lugar sete vezes.
• Cerca de 23 milhões de adultos americanos são analfabetos funcionais,
segundo averiguado pelos mais simples testes cotidianos de leitura, escrita e
compreensão.
• Cerca de 13% de todas as pessoas de 17 anos nos Estados Unidos podem
ser consideradas analfabetas funcionais. O analfabetismo funcional entre jovens
de grupos minoritários pode chegar a 40%.
• O aproveitamento médio dos alunos de ensino médio nos testes padronizados
é menor que há 26 anos, quando o Sputnik foi lançado.
• A habilidade testada de mais da metade da população de alunos de ca-
pacidade excepcional não corresponde ao aproveitamento escolar dos mesmos.
• Os Testes de Aptidão Acadêmica (SAT – Scholastic Aptitude Test) do Con-
selho de Universidades apresenta uma queda ininterrupta de 1963 a 1980. As
notas médias de gramática caíram mais de 50 pontos e as notas de Matemática
caíram quase 40 pontos.
• Os testes de desempenho do Conselho de Universidades também revelam
uma queda consistente nos anos recentes em matérias como Física e Inglês.
• Tanto o número quanto a proporção de alunos que apresentaram um de-
sempenho superior nos SATs (isto é, aqueles com notas 650 ou maiores) também
caiu dramaticamente.
• Muitos dos alunos de 17 anos não possuem as qualificações intelectuais
“superiores” que deveríamos esperar deles. Quase 40% não conseguem fazer
inferências a partir de materiais escritos; apenas um quinto consegue escrever
uma redação convincente; e apenas um terço consegue resolver um problema de
matemática que demande vários passos.
• Houve um declínio constante nas notas de desempenho em ciências dos
americanos de 17 anos, de acordo com medidas da avaliação nacional de ciências
realizadas em 1969, 1973 e 1977.
• Entre 1975 e 1980, cursos de recuperação de matemática em faculdades
públicas de quatro anos aumentaram em 72% e agora constituem um quarto de
todos os cursos de matemática ensinados nessas instituições.
• O desempenho médio testado de estudantes se formando na faculdade
também sofreu um declínio.
• Líderes militares e empresariais reclamam que precisam gastar milhões
de dólares em caros programas de recuperação e treinamento para qualificações

152
básicas como leitura, redação, ortografia e cálculo. O Departamento da Marinha,
por exemplo, relatou para a Comissão que um quarto de seus recentes recrutas
não sabia ler no nível da nona série, o mínimo necessário para simplesmente
entender instruções escritas de segurança. Sem um trabalho corretivo, eles não
podem nem começar, quanto menos completar, o treinamento sofisticado que é
hoje essencial a grande parte da carreira militar.
Essas deficiências aparecem num momento em que a demanda por traba-
lhadores altamente qualificados em novos campos está acelerando rapidamente.
Por exemplo:
• Computadores e equipamentos controlados digitalmente estão penetrando
em todos os âmbitos de nossas vidas – casas, fábricas e escritórios.
Uma estimativa indica que, na virada do século, milhões de empregos envol-
verão tecnologia a laser e robótica.
• A tecnologia está transformando radicalmente diversas outras ocupações, que
incluem os cuidados com a saúde, medicina, produção de energia, processamento
de alimentos, construção e a produção, o reparo e a manutenção de sofisticados
equipamentos científicos, educacionais, militares e industriais.
Analistas, ao examinarem esses indicadores do desempenho dos estudantes e
as demandas por novas qualificações, fizeram algumas observações assustadoras.
O pesquisador educacional Paul Hurd concluiu, ao final de uma profunda pesquisa
nacional sobre o desempenho estudantil, que, no contexto da revolução científica
moderna, “estamos criando uma nova geração de americanos que é científica e
tecnologicamente analfabeta”. Em linha similar, John Slaughter, antigo diretor da
Fundação Nacional de Ciências, chamou a atenção para um “crescente abismo
entre uma pequena elite científica e tecnológica e cidadãos mal informados, na
verdade ignorantes, em assuntos de conteúdo científico”.
Mas o problema não para por aí, e tampouco todos os observadores o veem
da mesma forma. Alguns se preocupam que as escolas dão ênfase a fundamentos
básicos, como leitura e cálculo, em detrimento de outras qualificações essenciais,
como compreensão analítica, solução de problemas e elaboração de conclusões.
Outros, ainda, estão preocupados com o fato de que uma ênfase excessiva em
habilidades técnicas e ocupacionais deixe pouco tempo para o estudo das artes
e humanidades, que enriquecem a vida cotidiana, ajudam a manter a civilidade
e desenvolvem um senso de comunidade. O conhecimento das humanidades,
eles afirmam, deve ser empregado pela ciência e tecnologia, caso essas desejem
continuar sendo criativas e humanas, assim como as humanidades precisam ser
incorporadas à ciência e à tecnologia, caso essas pretendam continuar sendo re-
levantes para a condição humana. Outro analista, Paul Copperman, chega a uma
grave conclusão. Ele observa que, até o momento:
Cada geração de americanos superou a geração de seus pais em relação à edu-
cação, competência leitora e conquistas econômicas. Entretanto, pela primeira
vez na história de nosso país, as capacidades educacionais de uma geração não
superarão, não igualarão, e nem mesmo se aproximarão, daquelas de seus pais.

153
É claro que é importante reconhecer que o cidadão mediano de hoje é mais
educado e mais informado que o cidadão mediano de gerações anteriores – atu-
almente, as pessoas têm acesso a mais alfabetização e a uma maior exposição à
matemática, à literatura e às ciências, e é inegavelmente grande o impacto positivo
que isso exerce no bem-estar do nosso país e na vida do nosso povo. No entanto,
em média, entre os formandos de nossas escolas e faculdades nos dias de hoje,
a educação não tem a qualidade que existia 25 ou 35 anos atrás, quando uma
proporção muito menor da nossa população atingia esses níveis mais altos de
escolaridade, de modo que também é inegavelmente grande o impacto negativo
desse fato.
[...]

Excelência na Educação

Definimos “excelência” como uma série de propriedades inter-relacionadas.


No nível do aprendiz individual, significa atuar no limite de sua própria capacidade,
em modos que testam e expandem seus limites pessoais, na escola e no trabalho.
A excelência é uma característica de escolas e de faculdades que estabelecem
altas expectativas e objetivos para todos os seus alunos, e então tentam, de to-
das as formas possíveis, ajudar os discentes a atingi-los. A excelência também
caracteriza as sociedades que adotam essas políticas, visto que elas então estarão
preparadas, através da educação e das capacidades de seu povo, para responder
aos desafios de um mundo em acelerada transformação. O povo de nossa nação
e suas escolas e faculdades devem estar comprometidos a atingir a excelência em
todos esses sentidos.
Não acreditamos que um compromisso público com a excelência e com a
reforma educacional tenha que ser realizado às custas de um forte compromisso
público com o tratamento equitativo que possa vir a ser dado à nossa popula-
ção diversa. Os objetivos paralelos de igualdade e de ensino de alta qualidade
possuem um significado profundo e prático para nossa economia e sociedade, e
não podemos permitir que um ceda espaço ao outro, seja em termos teóricos ou
práticos. Fazer isso seria negar à nossa população jovem a chance de aprender
e viver de acordo com suas aspirações e capacidades. Também levaria, por um
lado, a uma acomodação geral na mediocridade ou, por outro, à criação de um
elitismo antidemocrático.
Nosso objetivo deve ser desenvolver ao máximo o talento de todos. Alcançar
esse objetivo requer que esperemos que todos os estudantes trabalhem no limite de
suas capacidades, e que os ajudemos a fazê-lo. Deveríamos esperar que as escolas
tivessem padrões genuinamente altos, e não mínimos, e que os pais apoiassem
e encorajassem seus filhos a explorarem ao máximo seus talentos e habilidades.

154
A busca por soluções para nossos problemas educacionais também deve incluir
um comprometimento com o aprendizado contínuo. A tarefa de reconstruir nosso
sistema de ensino é enorme e deve ser corretamente compreendida e levada a
sério: apesar de um milhão e meio de novos trabalhadores adentrarem a economia
a cada ano, advindos de nossas escolas e faculdades, os adultos que atualmente
trabalham ainda comporão cerca de 75% da força de trabalho no ano 2000. Esses
trabalhadores, e os novos participantes do mercado de trabalho, precisarão de
educação e de treinamento adicionais se eles – e nós enquanto nação – quisermos
obter sucesso e prosperar.
[...]

Recomendação B: Padrões e Expectativas

Recomendamos que as escolas, faculdades e universidades adotem padrões


mais rigorosos e mensuráveis, e expectativas mais altas para o desempenho aca-
dêmico e conduta escolar, e que as faculdades e universidades com cursos de
quatro anos aumentem seus requisitos para admissão. Isso ajudará os alunos a
dar o melhor de si em termos acadêmicos, com materiais desafiadores em um
ambiente que apoia o aprendizado e a realização autêntica.

Implementando as Recomendações

As notas devem ser indicadores de aproveitamento acadêmico para que possam


servir como evidência da preparação de um estudante para prosseguir seus estudos.
Faculdades e universidades com cursos de quatro anos devem aumentar
seus requisitos de admissão e informar os potenciais candidatos dos padrões para
admissão, em termos de cursos específicos necessários, do desempenho nessas
áreas e dos níveis de aproveitamento em testes de desempenho padronizados nas
cinco áreas básicas, além de, quando for aplicável, em línguas estrangeiras.
Testes padronizados de desempenho (que não devem ser confundidos com
testes de aptidão) devem ser aplicados em importantes pontos de transição de um
nível de ensino para outro e, particularmente, do ensino médio para a faculdade ou
trabalho. Os propósitos desses testes seriam: (a) a certificação do estudante; (b) a
necessidade de intervenção corretiva; e (c) a oportunidade de trabalho avançado ou
acelerado. Os testes devem ser administrados como parte de um sistema nacional
(mas não federal) de testes padronizados estaduais e locais. Esse sistema deve
incluir outros procedimentos de diagnóstico que auxiliem professores e estudantes
a avaliar o progresso discente.
Livros didáticos e outras ferramentas de aprendizado e ensino devem ser
aperfeiçoados e atualizados a fim de garantir um conteúdo mais rigoroso. Convo-

155
camos cientistas de universidades, acadêmicos e membros de sociedades profis-
sionais para que, em colaboração com professores seniores, ajudem nessa tarefa,
tal como se fez na era pós-Sputnik. Eles devem auxiliar convencendo editoras a
desenvolver produtos ou publicar os seus próprios como uma alternativa para as
inadequações persistentes.
Ao considerarem livros didáticos para adoção, os estados e os distritos esco-
lares devem: (a) examinar os textos e outros materiais quanto à sua capacidade
de apresentar claramente conteúdos rigorosos e desafiadores; e (b) requisitar das
editoras dados de avaliação da efetividade do material.
Uma vez que nenhum livro didático, em nenhuma matéria, consegue suprir as
necessidades de todos os estudantes, devem-se disponibilizar fundos para o apoio
ao desenvolvimento de textos em áreas de mercados pequenos, como para estu-
dantes desfavorecidos, com necessidades especiais e de capacidade excepcional.
A fim de garantir a qualidade, todas as editoras devem fornecer evidências
sobre a qualidade e adequabilidade de seus livros didáticos, baseadas em resul-
tados de testes de campo e em avaliações confiáveis. Tendo em vista o enorme
número e variabilidade dos textos disponíveis, faz-se extremamente necessário
disseminar os serviços de informação ao consumidor.
Novos materiais educativos devem refletir as mais atuais aplicações da tecnolo-
gia nas áreas curriculares apropriadas, o melhor conhecimento em cada disciplina
e a pesquisa em ensino e aprendizagem.
[...]

156
Leitura 2
A primeira onda de responsabilização

Thomas S. Dee (2008)3

[...]

A Primeira Onda de Reforma Educacional

A origem de muito do interesse atual na reforma da educação pública pode


ser encontrada nas evidências amplamente discutidas em meados da década de
1970 de que as notas das avaliações dos estudantes e a qualidade do ensino
público estavam em declínio.4 O que os críticos daquele período enfatizavam
especialmente era que um diploma de ensino médio, que já fora uma conquista
pessoal suada, tinha sido rebaixado através dos abusos da promoção social e
da tolerância para com os baixos padrões acadêmicos (Popham, 1981). Os
políticos estaduais se mostraram altamente sensíveis a essas preocupações
e começaram a decretar uma série de novos padrões e regulamentos, agora
conhecidos como a primeira onda de reforma educacional.5
A primeira manifestação dessas reformas centralizadas foi a ampla ado-
ção de um padrão de desempenho baseado em testes: o teste de competência
mínima (Minimum Competency Test – MCT). A partir de 1975, quase todos

3
Texto extraído de: Dee, Thomas S., The First Wave of Accountability. In Peterson, Paul E.
e West, Martin R. (org.). No Child Left Behind? The Politics and Practice of School Account-
ability. Washington, D.C., Brookings Institution Press, 2008: 217-236. Reproduzido com
permissão da editora.
4
Antes disso, as discussões públicas mais extensas sobre a reforma educacional foram causadas
pelo lançamento do Sputnik, em 1957.
5
Essas reformas verticais, de cima para baixo, consistiam em padrões de nível estadual e
regulamentos que influenciavam os professores (por exemplo, por meio de certificações e
salários) e escolas (por exemplo, através de requisitos para a conclusão de cursos). Por outro
lado, a segunda onda de reforma que sobreveio enfatizava melhorias descentralizadas, como
a administração de cada escola, o profissionalismo do professor e as escolhas específicas das
escolas. Ver, por exemplo, Ahmet Saban, “Emerging Themes of National Educational Reform”,
International Journal of Educational Reform, vol. 6, n.3 1997:349-356. As ������������������
reformas da se-
gunda onda são vistas às vezes como responsáveis pelo fracasso da primeira onda. Ver, por
exemplo, John Chubb e Terry Moe, Politics, Markets, and America’s Schools (Brookings, 1990).

157
os estados introduziram os novos programas MCT elaborados para avaliar as
habilidades básicas dos alunos (Pipho, 1978). A maioria desses programas
pretendia apenas identificar alunos com baixo desempenho e encaminhá-los
para aulas de reforço. Entretanto, vários desses estados também exigiam que
os alunos passassem em um teste de competência mínima para se graduar com
um diploma padrão. (Até 1992, a exigência de que os alunos do último ano
do ensino médio fossem aprovados nesse teste existia em quinze estados.6)
Tipicamente, os alunos iriam fazer tais exames na nona ou décima série e
teriam múltiplas oportunidades para refazerem os testes. A sabedoria popular
a respeito das condições para a concessão de diplomas com base em testes
era de que essas condições eram “legisladas como um leão, mas implementa-
das como um cordeiro” (Catterall, 1989). Especificamente, os padrões MCT
exigiam tipicamente que os estudantes demonstrassem habilidades de leitura
e matemática elementares correspondentes à oitava ou nona série. Ademais,
em resposta às taxas de fracasso nos testes iniciais que eram politicamente
inaceitáveis, esses padrões eram às vezes rebaixados. Como consequência, as
taxas de aprovação final entre os concluintes do ensino médio eram extrema-
mente altas (Serow, 1984).
Entretanto, saber se o MCT teve uma influência mais substancial nas taxas
de abandono escolar é uma questão empírica em aberto, porque a perda de es-
tudantes desmotivados pode ter tornado as taxas de aprovação final enganosas.
Além disso, uma completa apreciação das políticas do MCT deveria também
considerar seus efeitos em outros resultados relevantes para todos os estudantes
(por exemplo, a trajetória escolar e as experiências no mercado de trabalho).
A adoção das reformas da primeira onda se acelerou ainda mais no início da
década de 1980, após a publicação de vários relatos, que eram altamente críticos
em relação à educação pública. Dentre esses relatórios, o mais amplamente discu-
tido, Uma Nação em Risco, destacava a necessidade de expectativas e padrões mais
elevados para os concluintes do ensino médio (National Commission on Excellence
in Education, 1983). Em particular, o relatório alegava que a combinação de um
“currículo estilo cantina” com “ampla escolha por parte dos alunos” implicaria que
muitos deles optariam por cursos de estudos difusos e pouco desafiantes. O rela-
tório recomendava que os estados respondessem com novos padrões de conclusão
para o ensino médio, exigindo que uma porção mínima do tempo fosse cursada
em áreas acadêmicas essenciais. O relatório recomendava especificamente uma
exigência de um “novo currículo básico”, consistindo em quatro anos de inglês
e três anos de estudos sociais, ciências e matemática. Novamente, os políticos se
mostraram altamente sensíveis ao grande interesse público nessas medidas. Em
1992, quase todos os estados tinham melhorado os requisitos de conclusão para

6
A cobrança dessa exigência foi frequentemente adiada por vários anos para avisar prévia e
adequadamente os alunos, dar tempo aos estados desenvolverem seus instrumentos e permitir
que as escolas ajustassem seus currículos. [...]

158
os cursos de ensino médio, nas quatro áreas acadêmicas essenciais. Entretanto, em
todos os estados, exceto três (Flórida, Louisiana e Pensilvânia), os novos requisitos
de conclusão ficaram aquém do padrão recomendado em Uma Nação em Risco.

Padrões e Resultados dos Estudantes

A motivação fundamental para as duas reformas da primeira onda (MCT e


requisitos de conclusão) era simplesmente promover o esforço e a aprendiza-
gem dos estudantes, fazendo com que os diplomas de ensino médio valessem
o papel em que estavam escritos. Os novos padrões educacionais teriam efeitos
benéficos nos resultados dos estudantes? Os comentaristas sobre esse assunto
discordam entre si. Os proponentes de padrões mais altos alegam claramente
que os “efeitos de incentivo” de tais políticas elevam o nível dos resultados
entre os estudantes que seriam aprovados em um padrão mais baixo, mas que
escolhem aumentar seus esforços para atingir os novos padrões (Betts & Cos-
trell, 2001). Por outro lado, Betts e Costrell sugerem que aqueles estudantes
cujos níveis de esforço anteriores iriam claramente implicar no fracasso ou
na aprovação em ambos os padrões (ou seja, aqueles nos limites máximos e
mínimos da distribuição de habilidades) não teriam nenhum incentivo para
mudar seu comportamento. Entretanto, eles também reconhecem que os efeitos
para alguns alunos situados no limiar da aprovação sob padrões mais fracos
podem ser a desmotivação e a redução do esforço. Sua recomendação, nesse
caso, era de políticas dirigidas para atenuar essas perdas.
Contudo, os benefícios potenciais de padrões mais altos não se limitam
necessariamente aos estudantes com proficiência no limiar da aprovação,
que optam por aumentar seus esforços. Por exemplo, John H. Bishop discute
como padrões externos elevados podem reduzir o “assédio aos caxias” e a
pressão dos colegas que desencorajam os estudantes de melhor desempenho
de se esforçarem (Bishop, 1999). Os padrões também podem provocar ganhos
educacionais mais amplos nas expectativas educacionais e na produtividade
escolar. Além disso, mesmo os estudantes que esperam abandonar o ensino
médio podem ser compelidos, em um curto prazo, a um maior esforço educa-
cional através de exigências curriculares, como os requisitos para a conclusão
do ensino médio. Os efeitos seletivos dos padrões mais altos também podem
levar a recompensas no mercado de trabalho (Betts & Costrell, 2001). Es-
pecificamente, se os resultados educacionais funcionam como um sinal de
habilidades individuais latentes, padrões mais elevados poderiam aumentar
a atratividade para os empregadores de todos os estudantes, ao aumentar o
nível médio de habilidade, tanto entre aqueles que abandonam a escola, como
entre aqueles que se graduam.

159
Os críticos das reformas baseadas em padrões enfatizam as muitas
consequências negativas associadas às reduções esperadas nos resultados
educacionais. Além do mais, eles notam que as reduções nos resultados
educacionais têm a tendência desproporcional de afetar aqueles cuja bagagem
socioeconômica inferior torna excepcionalmente difícil atingir os novos padrões.
Em particular, vários observadores sugerem que os padrões mais altos irão
exacerbar as incômodas diferenças de desempenho entre os estudantes brancos
e negros (Serow, 1984). As consequências da elevação de padrões sobre as
diferenças raciais no desempenho educacional podem ser provocadas por
fatores além das diferenças de condição socioeconômica. Padrões mais altos
e avaliações “high-stakes” (ou seja, de altas consequências) também podem
penalizar os estudantes pertencentes a grupos minoritários, caso esses padrões
resultem em “ameaças de estereótipos”: o baixo desempenho acadêmico acaba
ocorrendo devido ao próprio risco de confirmação de estereótipos negativos
(Steele, 1997).
Entretanto, os críticos dos padrões também sugerem que essas reformas
terão outros efeitos negativos que prejudicam todos os estudantes. Por exem-
plo, a introdução de avaliações “high-stakes”, como os testes de competência
mínima, pode levar a um estreitamento de estilos de ensino e de currículos (ou
seja, levar os professores a “ensinar para o teste”), o que ocorre às custas de
uma aprendizagem real (Murnane & Levi). Além disso, o estabelecimento dos
testes de competência mínima e de requisitos mais rigorosos para se graduar
pode sugerir aos alunos que aprender apenas por aprender não vale a pena.
Mais especificamente, esses padrões podem motivar os estudantes de alto
desempenho a evitar desafios e simplesmente escolher o caminho de menor
resistência para cumprir os requisitos (Philips & Chin). Os autores de Uma
Nação em Risco fizeram uma alegação semelhante, sugerindo que os testes de
competência mínima eram inadequados, porque iriam se tornar os padrões
máximos e assim abaixar as expectativas em relação aos estudantes de bom
desempenho.
[...]

Lições da Primeira Onda

O debate em curso sobre o desenho e a necessidade das reformas baseadas


em padrões gira em torno de como tais políticas podem influenciar os diversos
resultados dos alunos com antecedentes diferentes. Busquei oferecer novas
evidências sobre esses temas, ao examinar os efeitos dos padrões estaduais
em várias medidas de resultados e processos. Esses resultados demonstraram
que a primeira onda de padrões parece ter tido efeitos tanto positivos, quanto
negativos, tal como sugeriram comentaristas de ambos os lados. Por exemplo,

160
essas reformas levaram a diminuições no desempenho educacional que eram
particularmente grandes entre os estudantes negros. Além disso, os testes de
competência mínima levaram a aparentes reduções no esforço dos estudantes,
enquanto os requisitos mais elevados para a conclusão do ensino médio tiveram
efeitos negativos no tempo que os estudantes gastavam assistindo televisão, fa-
zendo tarefas escolares, e lendo por prazer. Entretanto, essas reformas também
aumentaram as probabilidades subsequentes de emprego. E os requisitos de
conclusão mais altos foram parcialmente responsáveis pelo substancial aper-
feiçoamento acadêmico do currículo do ensino médio, que ocorreu naquele
período. À luz dessas diversas evidências, o que essas experiências anteriores
no nível estadual podem contribuir para as discussões atuais sobre padrões?
Um bom passo inicial, ainda que modesto, pode ser o de perguntar a um
proponente dessas reformas o que esses resultados iriam sugerir para a elabo-
ração dos padrões. Em particular, a primeira onda de reformas oferece uma
interessante base de comparação porque elas incluem tanto os padrões baseados
em testes de competência mínima (Minimum Competency Tests – MCT), quanto
os padrões baseados em processos (Course Graduation Requirements – CGR).
Os resultados aqui apresentados sugerem que os defensores das reformas com
base em padrões podem preferir os efeitos finais dos padrões de processos aos
efeitos finais dos padrões baseados em testes. Mais especificamente, os testes
de competência mínima tiveram relativamente pouco efeito sobre o desempe-
nho educacional e sobre as experiências iniciais dos estudantes no mercado
de trabalho. Esses resultados são consistentes com a percepção amplamente
difundida de que os padrões baseados em testes eram frequentemente fracos,
por causa de pressões políticas e devido à forma relativamente fácil e velada
com a qual eles podiam posteriormente ser rebaixados. Como contraste, os
requisitos introduzidos para a conclusão do ensino médio criaram padrões
novos mais sérios para os estudantes e também ficaram relativamente imunes
às reelaborações de políticas posteriores.
As evidências colhidas a partir de depoimentos de estudantes fornecem
um suporte adicional para a vantagem relativa dos padrões de processos. Mais
especificamente, os resultados indicam que os CGR contribuíram diretamen-
te para o aprimoramento acadêmico do currículo do ensino médio naquele
período. Por outro lado, essa evidência também sugere que a introdução dos
MCT provocou uma diminuição dos esforços curriculares dos estudantes, par-
ticularmente em ciências e matemática. O único inconveniente na vantagem
comparativa dos CGR é que seus benefícios podem ficar comprometidos devido
a mudanças nas expectativas dos professores (por exemplo, na quantidade de
dever de casa a ser passado) e a mudanças na forma dos alunos distribuírem
seu tempo. No mais, está aberta ao debate a questão desses resultados com-
parativos da primeira onda terem alguma validade para os esforços atuais de
se promover a responsabilização baseada em testes. Mas, no mínimo, as expe-

161
riências anteriores com os testes estaduais de competência mínima fornecem
uma advertência importante.
[...]
As experiências de alguns dos estados que adotaram reformas da primeira
onda sugerem que ninguém deve ser otimista demais quanto a sua capacidade
de criar soluções que amenizem essas escolhas difíceis. Por exemplo, considere-
-se a primeira onda de reformas que foram introduzidas nos dois estados com
o maior número de matrículas em escolas públicas. O estado da Califórnia
instituiu um novo requisito para a conclusão do curso de ensino médio (efetivo
pela primeira vez para a classe que se formou em 1987), como parte do Ato de
Reforma Educacional Hughes-Hart de 1983 (Projeto de Lei no. 813 do Senado).
Essa legislação foi um abrangente pacote de reforma escolar que combinava
os novos CGR estaduais com $800 milhões de dólares em novos fundos desti-
nados a mais de oitenta outras iniciativas, incluindo salários iniciais mais altos
para os professores e um programa de tutoria para professores. Similarmente,
o estado do Texas introduziu o teste de competência mínima em 1984 (efetivo
pela primeira vez para a classe graduada em 1987) como um componente de
um extenso pacote de reformas escolares. Essas reformas incluíam uma série
de outras iniciativas complementares, como maiores salários iniciais para os
professores, um plano de carreira, treinamento em gestão para diretores e
superintendentes, e uma restrição nas atividades esportivas extracurriculares
dos alunos que não alcançavam notas satisfatórias (“não passou, não jogou”)
(Pipho, 1986). Alguns distritos no Texas também responderam ao MCT me-
diante iniciativas de cursos de verão para os alunos em risco de abandonar a
escola em decorrência dos novos padrões (Archer & Dresden, 1987).
Esses exemplos indicam que muitos estudantes que encararam os novos
padrões estaduais de conclusão do ensino médio também tiveram o suporte
de uma combinação simultânea de outras mudanças financeiras e regulatórias.
Os esforços extras dos estados que introduziram as reformas implicam que as
escolhas difíceis identificadas neste estudo são uma característica inerente à
introdução de padrões mais altos para os estudantes. Essa interpretação sugere
que as discussões públicas atuais sobre a conveniência de padrões altamente
centralizados deveriam tratar explicitamente de como essas escolhas podem
ser avaliadas. Além do mais, essas discussões também deveriam considerar
como o diverso conjunto de políticas públicas aqui apresentadas pode ser
comparado com propostas alternativas, como as da segunda onda de reformas,
que enfatizam a descentralização e o controle local.

162
Leitura 3
A política e a prática da responsabilização

Martin R. West e Paul E. Peterson (2003)7

[…]
O relatório Uma Nação em Risco fez os Estados Unidos se aproximarem mais
da responsabilização, ao elevar a importância da questão educacional nas agendas
políticas estaduais. Em muitos estados, especialmente no sul, os governadores
vislumbraram um lucro político em fazer da reforma escolar um programa chave
em suas respectivas plataformas de governo. A legislação referente ao direito de
voto tinha tornado os afroamericanos um bloco significativo no eleitorado do sul,
forçando os candidatos a governador a encontrar maneiras de reunir apoio tanto
de eleitores brancos quanto de negros. O aumento das despesas com a educação,
juntamente com certos requisitos de responsabilização, se mostrou útil nesse
aspecto. Os governadores passaram a poder solicitar mais gastos em educação
para a melhoria das escolas predominantemente negras. Ao mesmo tempo, eles
passaram a ter condições de equilibrar suas propostas mais liberais e favoráveis
aos gastos, com uma posição mais conservadora, que estipulava que exigências
rigorosas acompanhassem as novas verbas, assegurando assim o apoio das lide-
ranças empresariais preocupadas com a qualidade da força de trabalho. Alguns
esforços pioneiros foram iniciados pelos governadores do Tennessee (com o fu-
turo secretário de educação republicano Lamar Alexander), da Carolina do Sul
(com o futuro secretário de educação democrata Richard W. Riley), do Arkansas
(com Bill Clinton) e, de forma mais completa, da Carolina do Norte (com outro
presidenciável democrata, James B. Hunt Jr.). O fato desses governadores terem
encontrado na responsabilização um assunto capaz de alçá-los ao cenário nacional
não passou desapercebido pelos seus colegas de outros estados.
A história mais significativa se desenrolou no Texas. O empresário e futuro
candidato à presidência H. Ross Perot, como chefe de uma comissão estadual
de educação, estabeleceu rígidos requisitos de responsabilização para as escolas
e os alunos. Perot chamou a atenção nacional ao exigir que os estudantes atletas
obtivessem, no mínimo, um conceito C em suas disciplinas, para se tornarem
qualificados para jogar em times universitários. Mais importante, em 1993, a
7
Texto extraído de: Martin R. West & Paul E. Peterson. The Politics and Practice of School
Accountability In: Peterson, Paul E. & Martin R. West (ed.). No Child Left Behind? The
Politics and Practice of School Accountability. Washington:The Brookings Institution, 2003.
Reproduzido com permissão da editora.

163
legislatura do Texas reforçou seu pleito para procedimentos de avaliação que
iriam monitorar o progresso anual dos estudantes em cada escola. As propostas
de Perot tinham amplo apoio público e apelo bipartidário. Tanto a governado-
ra democrata Ann Richards quanto seu sucessor republicano George W. Bush
abraçaram a ideia, garantindo sua continuidade até os dias de hoje. E quando
um estudo de alto nível dos resultados estaduais do NAEP8 sugeriu que, como
consequência dessas iniciativas, as notas de avaliações do Texas e da Carolina do
Norte estavam se elevando mais rapidamente que as notas em outros estados, os
resultados ajudaram a criar o cenário para uma intervenção nacional.
Os primeiros esforços federais para promover a responsabilização – tanto
os promulgados pela administração George W. Bush como pela administração
Clinton durante seus primeiros dias no cargo – tinham se apoiado na adesão
voluntária dos dirigentes estaduais e municipais. Mas, em 1994, sob o estímulo
da administração Clinton, o Congresso impôs a primeira lei de responsabilização
aos estados. A legislação exigia que as escolas mostrassem, por meio de avalia-
ções, o progresso anual dos estudantes em direção a um padrão de proficiência
educacional determinado pelo estado. Em resumo, a ideia central subjacente ao
NCLB9 tinha sido concebida.
A gestação dessas medidas iria se mostrar muita extensa. A lei de 1994 era
vaga, a aplicação federal era frouxa, muitos planos de responsabilização estadual
eram mal elaborados e o progresso era desigual. Ainda assim, a aprovação da
lei de 1994 sinalizava a existência de um apoio bipartidário para a responsabili-
zação escolar. Assim como os governantes descobriram que a responsabilização
associada ao aumento de despesas tinha um apelo no espectro político, também
os membros do Congresso – e os candidatos presidenciáveis – acharam atraente
levantar suas bandeiras em um pódio similar. Tanto George W. Bush quanto Al
Gore incluíram a responsabilização em suas campanhas presidenciais de 2000.
A despeito do apoio bipartidário dado ao conceito, não estava claro se a
ideia atingiria a infância. O Congresso não havia sido capaz de chegar a um
acordo quanto à nova legislação educacional federal nos dias finais da adminis-
tração Clinton, e a conclusão contestada da eleição presidencial de 2000 deixou
ressentidos tanto os democratas quanto os republicanos. Depois que o controle
do senado passou para os democratas, a continuação do impasse parecia bem
provável. Mesmo assim, os políticos geralmente encontram maneiras de superar
suas diferenças quando não fazê-lo os colocaria do lado errado de um assunto
popular. George W. Bush precisava oferecer evidências concretas de que ele era
um conservador com compaixão, e os democratas no Capitólio não podiam arcar
com a obstrução da aprovação de uma lei que tratasse de um assunto situado entre

8
National Evaluation of Education Progress (Avaliação Nacional de Progresso Educacional),
sistema federal de avaliação educacional dos Estados Unidos, criado em 1969. (N. T.).
9
NCLB é a sigla, em inglês, da legislação de 2002 do governo Bush chamada No Child Left
Behind (Nenhuma Criança Deixada para Trás). (N. T.)

164
os itens mais importantes na lista de preocupações dos eleitores, especialmente
após a unidade de pensamento a que haviam chegado os Estados Unidos em
decorrência dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Como era de se
prever, os democratas do centro desempenharam um papel chave na elaboração
dos entendimentos. Mais surpreendentemente, o Presidente Bush e o Senador
Edward M. Kennedy, democrata de Massachusetts, acharam relativamente fácil
trabalhar um com o outro. Por seus esforços, eles foram recompensados com uma
lei de responsabilização escolar aprovada por uma ampla maioria bipartidária,
que o presidente assinou em janeiro de 2002.
[...]
Brevemente, a lei exige que os estados avaliem o desempenho dos alunos
a cada ano entre a terceira e a oitava séries, em matemática e leitura, com uma
avaliação adicional efetuada em algum momento entre a décima e a décima
segunda série. Os resultados das avaliações devem ser disponibilizados para o
público. Todo ano, toda escola deverá demonstrar que, em média, seus alunos
(bem como os alunos de cada subgrupo étnico de tamanho significativo), estão
progredindo adequadamente em direção à proficiência educacional completa. As
escolas que não corresponderem ao padrão serão identificadas como “necessitando
de melhoria”, e os pais terão a opção de colocar os filhos em outra escola pública
no mesmo distrito. As escolas que fracassarem nessa melhoria após cinco anos
serão “reestruturadas” pelo distrito, com um novo pessoal responsável por elas.
Os estados devem adotar uma abordagem análoga com os distritos que persistirem
com um desempenho inferior.
[...]

165
Leitura 4
Os testes high-stakes10 podem alavancar melhorias educacionais?
Perspectivas a partir da última década de reformas usando
testes e responsabilização

Jonathan Supowitz (2009)11

[...]

Tendências das avaliações high-stakes ao longo da última década

Os movimentos da década de 1980 e começo da década de 1990 prepararam


o terreno para as formulações atuais da política de responsabilização baseada em
testes. O contexto da década de 1980 foi de uma mudança nacional, do moni-
toramento de insumos educacionais (por exemplo, gastos por aluno, salários de
professores, tamanho de turmas, cursos exigidos e tempo em sala de aula) como
indicadores do desempenho educacional, em direção a uma ênfase crescente em
avaliações como o meio de tornar a escola responsável pelos resultados educa-
cionais. Essa “nova responsabilização” se concentrou nos resultados de testes
padronizados como indicadores do desempenho das escolas e estudantes. Havia
consequências para desempenhos excelentes e fracos, tais como relatórios públi-
cos, recompensas monetárias e não-monetárias e uma gama de intervenções para
escolas de baixo desempenho, como, por exemplo, assistência técnica, intervenção
e até mesmo reconstituição de seus quadros profissionais (Elmore et al., 1996;
Fuhrman & Elmore, 2004).
O período entre o começo da década de 1990 e meados da década seguinte
presenciou duas grandes correntes de reformas focadas em avaliações e na res-
ponsabilização. O primeiro grupo de reformas compreendeu esforços para ampliar
as formas de avaliação para além de testes padronizados de múltipla escolha,
��
“High-stakes”, literalmente “apostas altas”, sinaliza a importância das consequências das
avaliações, diferentemente dos testes “low-stakes” em que as consequências para os alunos
ou professores não são significativas. (N. T.)
11
Texto extraído de: Supowitz, Jonathan. Can high stakes testing leverage educational im-
provement? Prospects from the last decade of testing and accountability reform. Journal of
Educational Change (2009) 10: 211-227. Reproduzido com a gentil permissão da Springer
Science and Business Media.

166
incorporando uma gama de formatos mais “autênticos” ao sistema de avaliações.
O segundo grupo de reformas concentrou-se em aumentar a frequência e as con-
sequências dos sistemas avaliativos.

Ascensão e queda da avaliação alternativa como um movimento de reforma

No começo da década de 1990, parecia que os Estados Unidos se preparavam


para uma revolução na avaliação. Avaliações high-stakes padronizadas de múltipla
escolha eram atacadas em diversas frentes pela comunidade educacional, sob a
acusação de conterem preconceito de gênero (National Center for Fair and Open
Testing, 1992), preconceito étnico (Gardner, 1992; Willie, 1985) e favoritismo
socioeconômico (Haney & Madaus, 1989). Os críticos lamentavam a limitação do
currículo e do ensino (Darling-Hammond et al., 1995; Seligman, 1989), bem como
os incentivos perversos inerentes aos testes high-stakes para reter e reclassificar
alunos (Mcgill-Franzen & Allington, 1993). Muitos perceberam que a natureza
descontextualizada dos testes de múltipla escolha, com sua ênfase na repetição de
partes isoladas do conhecimento, representava uma visão behaviorista ultrapassada
do aprendizado, ao invés de perspectivas construtivistas e sociocognitivas mais
contemporâneas (Resnick & Hall, 1998; Wiggins, 1992).
Pesquisas confirmaram muitas dessas críticas. Registrou-se que estudantes
pobres e minoritários apresentavam desempenho pior nos testes padronizados em
relação a seus pares culturalmente dominantes e mais ricos (Garcia & Pearson,
1994; Mullis & Jenkins, 1990). Mulheres tendiam a apresentar um desempenho
pior que homens em muitos testes padronizados (Jovanovic et al., 1994; Moore,
1989). Os esforços para controlar as disparidades de gênero, raça e etnia no
desempenho em testes padronizados não as eliminaram totalmente, sugerindo a
existência de problemas inerentes aos próprios testes (Pennock-Roman, 1992;
Rodriguez, 1992).
Um conjunto de formas alternativas de avaliação, como portfólios, avaliações de
desempenho e questões abertas pareciam ser a tendência do futuro. As avaliações
alternativas eram vistas não apenas como uma forma de resolver os problemas
da avaliação por testes padronizados de múltipla escolha, mas também como um
catalisador potencial das reformas escolares (Simmons & Resnick, 1993). Os de-
fensores dessa causa percebiam essas formas alternativas de avaliação como uma
maneira de conseguir uma medida mais legítima do desempenho do estudante, de
incorporar às avaliações um conjunto mais rico de amostras mais significativas das
capacidades dos alunos, de modelar reformas curriculares contemporâneas, de
contribuir para o aprimoramento educacional e de engajar os estudantes em ativi-
dades avaliativas mais relevantes (Linn & Baker, 1996; Simmons & Resnick, 1993).
Diversos estados e organizações nacionais começaram a incorporar as formas
alternativas de avaliação aos seus sistemas de responsabilização baseados em testes.

167
No início da década de 1990, o estado de Vermont adotou um sistema de avaliação
de portfólio de cobertura estadual (Koretz et al., 1994). Em meados da década
de 1990, o estado de Kentucky incorporou ao seu sistema de responsabilização
vários formatos diferentes de avaliação, incluindo questões abertas, atividades de
leitura, matemática, ciências, redação e estudos sociais, além de portfólios de textos
(Stecher & Barron, 1999). O Programa de Avaliação de Desempenho Escolar de
Maryland (Maryland School Performance Assessment Program – MSPAP) consistia
em um conjunto de atividades de resposta construída referenciadas por critério
(Hambleton et al., 2000). O Projeto Novos Padrões (New Standards Project) passou
a cobrar atividades e portfólios como parte de seu sistema nacional de avaliação.
Pesquisas sobre a influência dessas avaliações no comportamento de professo-
res e administradores indicaram efeitos tanto de motivação quanto de alinhamento
em relação a tais sistemas. Borko e Elliot (1999) perceberam que os professores
organizavam seu ensino em função das datas das avaliações high-stakes. Lane
et al. (1999) entrevistaram professores de Maryland que utilizavam o MSPAP,
e esses responderam que as avaliações de desempenho estavam influenciando
suas escolhas quanto às atividades curriculares e às práticas locais de avaliação,
de modo a alinhar estas de acordo com a forma de avaliação estadual. Stecher e
Barron (1999) conduziram pesquisas de métodos mistos sobre os impactos, nos
professores, das reformas dos testes high-stakes de Kentucky. Eles perceberam
que o sistema de testes ajudou a moldar as escolhas dos professores quanto ao seu
próprio desenvolvimento profissional, e também os fez concentrar o ensino em áreas
de conteúdo relevantes e a aperfeiçoar as habilidades relevantes dos estudantes.
Contudo, eles também perceberam que os professores tendiam a limitar sua ênfase
ao currículo que eles acreditavam que seria testado e a preparar seus alunos para
os testes, e não para os objetivos mais amplos de aprendizado curricular.
Enquanto o entusiasmo para substituir os testes padronizados por outros
formatos crescia, um conjunto de pesquisas sobre o aumento no uso de formas
alternativas de avaliação examinou o potencial dessas formas inovadoras para
avaliar os estudantes de maneira mais rica, menos tendenciosa e mais informati-
va. As evidências quanto às qualidades psicométricas das avaliações alternativas
foram mistas. Baxter et al. (1992), por exemplo, perceberam que as notas das
avaliações de desempenho em ciências podiam ser analisadas com um alto grau
de confiabilidade. No entanto, Koretz et al. (1994) notaram que, no sistema de
portfólio de Vermont, ocorreram problemas de notas não-confiáveis.
Ademais, a promessa de uma maior igualdade associada às avaliações alter-
nativas foi decepcionante. Estudos acerca dos efeitos das avaliações alternativas
sobre gênero e etnia mostraram que as particularidades das avaliações, como suas
tarefas e modos de avaliar, contribuíam para diferenças de gênero e etnia tanto
quanto o seu formato. Supovitz e Brennan (1997), por exemplo, examinaram a
equidade das avaliações de portfólio em comparação com os testes padronizados e
perceberam que as primeiras reduziam diferenças raciais/étnicas no desempenho,
mas exacerbavam as diferenças de gênero. Jovanovic et al. (1994) notaram que

168
o conteúdo das atividades de avaliação provocava vieses de gênero. Essas desco-
bertas sugeriram que, enquanto a forma dos testes desempenhava um pequeno
papel na desigualdade do desempenho, as diferenças de raça e gênero estavam
mais relacionadas a desigualdades sociais fortemente enraizadas do que a vieses
dos testes em si.
Percebeu-se, também, que as avaliações alternativas tinham um custo proi-
bitivo. Stecher e Klein (1997), por exemplo, analisaram os custos de avaliações
em grande escala de ciências na Califórnia e constataram que eles eram de 20 a
60 vezes mais elevados que os das avaliações padronizadas de múltipla escolha,
para notas igualmente confiáveis.
Esse conjunto das pesquisas minou as esperanças de que as avaliações al-
ternativas pudessem se tornar um meio viável de lidar com o problema inerente
às avaliações high-stakes padronizadas de múltipla escolha. No entanto, alguns
elementos das avaliações alternativas foram, em seguida, incorporados a esses
testes. Questões abertas e até mesmo a execução de tarefas vieram a se tornar
componentes regulares dos exames high-stakes.

O Aumento Progressivo da Responsabilização Baseada nos Testes

O enfraquecimento da promessa das avaliações alternativas como um meio


de aperfeiçoar os testes coincidiu aproximadamente com a eleição do governador
do Texas, George Bush, à Presidência dos Estados Unidos, em novembro do ano
2000. Uma das reformas mais representativas de Bush quando ainda governador
foi a instituição de um sistema de responsabilização de abrangência estadual com
base em testes anuais e relatórios de desempenho de subgrupos (McNeil, 2000).
Bush levou sua forma de responsabilização baseada em testes para Washington
e ela foi incorporada à lei Nenhuma Criança Deixada Para Trás (No Child Left
Behind – NCLB) de 2001. O NCLB foi uma importante iniciativa de reforma que
buscava produzir melhorias no desempenho dos estudantes em todo o país e re-
duzir as desigualdades entre grupos étnicos e outras populações tradicionalmente
marginalizadas.
O NCLB exigiu dos estados a adoção de sistemas de responsabilização base-
ados em testes, de abrangência estadual, apesar de muitos dos estados tratarem
de forma diferente os estudantes de Título 112 e os demais. O NCLB estipulou que
os estados deveriam aplicar, anualmente, testes de leitura, matemática e, algumas
vezes, de ciências, da 3ª à 8ª série e em uma das séries do ensino médio. Os

12
O Title 1 (Título ou Capítulo 1) da Lei de Educação Fundamental e Média dos Estados Uni-
dos, aprovada em 1965, estabelece um conjunto de programas do Departamento de Educação
referentes à distribuição de recursos federais para escolas e distritos escolares com alunos de
famílias de baixa renda. A escola geralmente se qualifica para recursos do Título 1 quando
40% ou mais de seus alunos são de baixa renda. (N. T.)

169
estados deveriam também definir tanto a proficiência quanto o progresso anual
adequado para fazer com que todos os alunos se tornassem proficientes em 12
anos. O NCLB exigiu, ainda, objetivos mensuráveis para subgrupos, incluindo os
dos estudantes economicamente desfavorecidos, dos principais grupos raciais,
dos portadores de deficiências e dos que tinham proficiência limitada em inglês.
Escolas que falhassem em obter os progressos anuais adequados por dois anos
consecutivos seriam identificadas para passarem por um aperfeiçoamento, e os
estudantes teriam o direito de pedir transferência para outra escola pública (Con-
selho de Pesquisa de Financiamento Educacional – Education Funding Research
Council, 2002). A lei também exigia que os estados garantissem que seus profes-
sores obtivessem certificados de alta qualificação.
Estudos e análises sobre os múltiplos aspectos do NCLB estão começando
a surgir. Sunderman (2008) fez uma análise profunda das implicações da lei no
sistema de políticas educacionais. Alguns analistas interpretaram o NCLB como
uma expansão revolucionária da autoridade federal, pois ele impunha um modelo
único de responsabilização baseado em testes a todos os estados. Outros notaram a
atenção específica que o NCLB dava ao desempenho de subgrupos marginalizados
e acreditam que isso tenha um importante potencial para chamar a atenção das
razões que estão por trás das discrepâncias de desempenho (Ladson-Billings &
Tate, 2006; Sunderman, 2008). Berry et al. (2004) se concentraram no foco dado
pela lei à qualidade dos professores, e argumentaram que o NCLB restringiu a
definição de bom ensino, de modo a fazer com que este passasse a ser visto como
a transmissão de conteúdos, em detrimento de uma experiência educacional mais
rica, do desenvolvimento pleno da criança e do fomento das habilidades sociais.
Pesquisadores do Centro de Políticas Educacionais (Rentner et al., 2006)
conduziram uma análise profunda de quatro anos sobre os efeitos do NCLB em
escolas e distritos, baseando-se em enquetes feitas com elaboradores de políticas
estaduais e administradores distritais, e também em estudos de caso colhidos
nessas unidades. Eles perceberam impactos de “alinhamento”, à medida que as
escolas tentavam emparelhar o currículo e o ensino com os padrões acadêmicos
e as avaliações estaduais. Também observaram um estreitamento do currículo,
uma vez que 70% dos distritos escolares relataram uma maior concentração
em leitura e matemática, o que diminuiu o tempo de ensino de outras matérias.
Ademais, perceberam que 90% das escolas sancionadas no NCLB como preci-
sando de melhorias estavam em distritos urbanos, sendo 54% escolas de Título 1.
Finalmente, muitos dos autores atribuíram ao NCLB o crédito pela melhoria no
desempenho dos estudantes.
Herman (2004) fez uma síntese da literatura anterior e posterior ao NCLB
sobre o impacto da responsabilização no ensino. A autora concluiu que a respon-
sabilização chama a atenção dos professores, que eles modelam sua pedagogia
ao conteúdo dos testes e que, na prática, a preparação para os testes se mistura
ao ensino. Ela também observou que os professores são mais influenciados por
avaliações que por padrões, e que o conteúdo que não é testado perde prioridade

170
nas aulas. Ingram et al. (2004) analisaram os efeitos da responsabilização dos
professores em nove escolas de ensino médio e perceberam que os professores
apresentavam uma preocupação significativa com o tipo de informações disponi-
bilizadas pelas avaliações high-stakes externas e com a maneira como elas eram
usadas para julgar o desempenho.
Nesta época, muitos pesquisadores exploraram formas de utilizar os dados
dos testes high-stakes para melhorar o ensino (Black et al., 2003; Boudett et al.,
2005). Constataram que, embora os dados das avaliações forneçam aos professores
informações gerais sobre o ponto de partida dos alunos, faltam aos docentes os
detalhes necessários para uma orientação específica acerca do ensino que devem
ministrar (Supovitz & Klein, 2003). Isso estimulou vários distritos a aplicar com
maior frequência as avaliações trimestrais e de referência (benchmark) (Herman
& Baker 2005).
Com o passar do tempo, tem crescido a distinção entre o uso da avaliação para
fins de responsabilização e o uso dos dados da avaliação para o aperfeiçoamento
do ensino (Supovitz & Brennan, 1997). Citando uma série de meta-análises sobre
o que compõe um feedback de desempenho efetivo, a partir de um conjunto de
estudos experimentais e quase-experimentais (Kluger & Denisi, 1996; Natriello,
1987), Black e Wiliam perceberam que há evidências substanciais para demonstrar
que as avaliações formativas de ciclo curto são meios potencialmente poderosos
de informar a prática de ensino para melhorar a compreensão dos estudantes.
Diversos pesquisadores notaram que avaliações voltadas para a responsabilização
refletem um ciclo de feedback mais longo que o desejado para dar informação
aos professores. Supovitz e Klein (2003) definiram os testes estaduais como um
mapa de um país, os testes distritais como bússolas e as avaliações de sala de
aula como sistemas de posicionamento global para informar os professores sobre
os estudantes. Wiliam e Leahy (2006) desenvolveram uma útil distinção entre
avaliações de ciclo curto, médio e longo. Eles definiram as avaliações de ciclo
curto como aquelas que dão ao professor um feedback no decorrer de uma lição;
as avaliações de ciclo médio como aquelas que dão feedback a cada lição; e as
avaliações de ciclo longo como aquelas que dão feedback para além da unidade
de ensino, em um período de quatro semanas a um ano após os dados terem sido
coletados. Embora as evidências mais importantes sobre a eficácia dos testes em
fornecer feedback para os professores estejam apontando para as avaliações de
ciclo curto, intimamente ligadas ao currículo específico das aulas, o que se encontra
presente em um crescente número de publicações sobre o aperfeiçoamento escolar
é justamente a promessa de uso dos ciclos longos para essa mesma finalidade
(Bernhardt, 1998; Earl & Katz, 2006).
Apesar de certas críticas por ser uma política sem financiamento, a maioria
absoluta dos estadunidenses (80%) apoiou a ideia da responsabilização baseada
em testes durante a era NCLB (Hart & Teeter, 2004). Contudo, esse apoio parece
ter atingido um ponto de ruptura em termos de seu valor percebido para melhorar
a educação. A pesquisa de opinião Phi Delta Kappan/Gallup de 2006 (Rose &

171
Gallup, 2006), realizada anualmente desde 2000, mostrou que, pela primeira vez,
mais entrevistados sentiam que havia testes demais nas escolas públicas (39%) em
relação àqueles que achavam que havia o número correto de testes (33%). Dois
terços dos entrevistados responderam que os testes encorajavam os professores a
darem aulas voltadas para os testes, sendo que 75% dos entrevistados achavam
que isso era algo negativo.
Duas outras tendências nos esforços para utilizar dados de avaliações high stakes
na última década devem ser destacadas. A primeira envolve o desenvolvimento
de modelos de valor agregado para avaliar a eficácia dos professores. Sanders
e Rivers (1996) e Mendro et al. (1998) despertaram um enorme interesse em
relação aos modelos de valor agregado ao mostrar que os efeitos cumulativos
de uma série de professores acima da média resultaram em um extraordinário
crescimento para os estudantes quando comparado a professores abaixo da média
ou de qualidade desigual. No entanto, McCaffrey et al. (2003) previnem contra o
uso dessas técnicas para produzir informações para a avaliação de salas de aula
específicas. Analisando esses estudos e outros através de uma série de cuidadosas
simulações, eles perceberam que os resultados de modelos de valor agregado
são sensíveis à abordagem estatística, a dados faltantes, efeitos que confundem,
variáveis omitidas e aos próprios testes.
Em segundo lugar, alguns sistemas tentaram trocar os testes de desempenho
geral pelos exames de final de período. Estes últimos possuem a vantagem de
gerar uma maior vinculação ao currículo do que os exames high-stakes. Muitos
estados estão utilizando exames de fim de curso no ensino médio ao invés de
testes genéricos de disciplinas (Chudowsky et al., 2002). Há pouquíssima evi-
dência sobre o impacto dos exames de conclusão de curso em comparação com
os exames high-stakes, menos específicos em termos de currículo. Bishop et al.
(2001) analisaram essa questão do ponto de vista internacional e perceberam que
os países que utilizam exames de conclusão de curso superam em desempenho
aqueles que não o fazem, e estados como Nova York, que utilizam o exame de
conclusão de curso, apresentam um desempenho relativamente melhor em relação
a outros estados comparáveis.
Finalmente, nos últimos cinco anos, tem ocorrido um saudável debate sobre
os resultados obtidos pelo NCLB e se houve melhorias ou não em relação ao
desempenho dos estudantes. Há algumas evidências que sugerem ter havido
melhorias no desempenho nacional associadas à responsabilização baseada em
testes. Hanushek e Raymond (2004) analisaram a Avaliação Nacional do Progresso
Escolar (National Assessment Of Educational Progress – NAEP) e perceberam que
o desempenho dos estudantes melhorou no fim da década de 1990 e começo
da década de 2000, período em que os estados expandiram seus sistemas de
responsabilização. Mudanças nas diferenças de desempenho entre estudantes de
grupos majoritários e minoritários tiveram resultados ambíguos nesse período, já
que a diferença entre os resultados obtidos por brancos e negros não diminuiu,
enquanto que, para hispânicos e brancos, isso ocorreu. Um relatório do Centro

172
para Políticas Educacionais ressaltou que o desempenho em leitura e matemática,
particularmente nas séries do ensino fundamental, melhorou na maioria dos
estados desde 2002, com esses resultados também se refletindo nas tendências
do NAEP. Da mesma forma, as diferenças de desempenho racial/étnico na NAEP
também diminuíram de modo geral no mesmo período. Um trabalho qualitativo
também realizado pelo Centro para Políticas Educacionais (Rentner et al., 2006)
constatou que os educadores tendem a interpretar as políticas e os programas dos
distritos escolares como importantes contribuições para o aumento das notas dos
testes. Em estudos anteriores, Grissmer e Flanagan (1998) notaram que os estados
da Carolina do Norte e do Texas registraram os maiores ganhos no NAEP entre
1990 e 1997, e apontaram que a atenção desses estados com a responsabilização
baseada em testes estava associada aos seus ganhos. Desse modo, o desempenho
parece estar melhorando, apesar de não estar clara a contribuição dos testes high-
stakes para essa melhora.

O que pode ser aprendido das experiências passadas dos Estados Unidos com
os sistemas de responsabilização baseados em testes?

Na última década de experimentação com políticas de reformas de avaliação


e responsabilização, vivenciamos partes de dois importantes ciclos de reformas.
Primeiro, vimos uma disseminação de experimentações com diversas formas de
avaliações alternativas, como provas abertas, portfólios e execuções de tarefas.
Segundo, vivenciamos um aumento dos testes anuais e uma maior ênfase no
desempenho dos testes estaduais como um indicador determinante da qualidade
das escolas e dos distritos.
Tomando por base essas experiências, e guiados pelas teorias sobre a influência
da responsabilização, o que aprendemos sobre a possibilidade da responsabiliza-
ção high-stakes se tornar uma força construtiva para a melhoria da educação nos
Estados Unidos?

Os testes high-stakes de fato motivam os educadores, mas as respostas


a eles são geralmente superficiais

Não há dúvidas de que os testes estaduais atraem a total atenção da maioria


dos profissionais da escola pública, especialmente daqueles que atuam em áreas
urbanas e em escolas e distritos de desempenho mais baixo. Confirmada tanto pela
pesquisa quanto pela sabedoria popular, a grande atenção dada aos testes esta-
duais de desempenho e suas consequências está influenciando o comportamento
e as práticas dos professores de alfabetização e de matemática (e de alguns de
ciências), assim como de dirigentes escolares e distritais (Borko & Elliot, 1999;

173
Herman, 2004; McGill-Franzen & Allington, 1993; Stecher & Barron, 1999).
Na melhor das hipóteses, os testes high-stakes fizeram o ensino concentrar-se nas
habilidades importantes e apropriadas ao desenvolvimento das competências de
leitura e matemática. Mas isso também resultou em uma experiência curricular
mais restrita para as crianças e em uma rotina mais constante de atividades de
preparação para testes, que tiram a atenção dos objetivos maiores de ensinar aos
alunos habilidades e hábitos mais complexos para competir em uma economia
global e em uma sociedade democrática mais sofisticada.

A responsabilização baseada em testes estimula o alinhamento dos


componentes centrais do sistema educacional

As evidências da última década sugerem que os testes high-stakes nos Esta-


dos Unidos estão encorajando os educadores a produzir um alinhamento entre
currículos, padrões e testes (Lane et al., 1999; Rentner et al., 2006). Como os
testes são o componente mais destacado desse triunvirato, existe uma dúvida se,
na prática, os currículos e os padrões estão se alinhando aos testes, ou se (como
seria mais apropriado) os testes estão se alinhando aos padrões. Contudo, as
pesquisas sugerem que um resultado dessa teoria de alinhamento vinculada à
responsabilização é a produção de um sistema educacional mais coerente.

Os regimes de testes high-stakes fornecem dados sobre o sistema como um


todo, mas não informações relevantes para a sala de aula

As experiências americanas com testes high-stakes na última década e antes


disso revelaram limitações dessas medidas como ferramentas de informação. Pes-
quisas mostram que os dados provenientes dos testes high-stakes são relevantes
para o desempenho no nível sistêmico e escolar, mas são problemáticos para a
responsabilização no nível individual (tanto para estudantes quanto professores)
(McCaffrey et al., 2003; Rogosa, 2005) ou para orientação do ensino (Supovitz &
Klein, 2003; Ingram et al., 2004). Pesquisas recentes sobre as promessas dos testes
de valor agregado mostram que essa técnica pode produzir estimativas confiáveis
quando agregadas ao nível escolar, mas que essas são sensíveis a pressupostos
estatísticos e apresentam margens de erro consideráveis quando aplicadas a to-
madas de decisão high-stakes em unidades menores (McCaffrey et al., 2003). Os
testes anuais também fornecem orientações limitadas para os professores devido
ao seu longo ciclo de feedback, à falta de relação próxima com o currículo e à sua
omissão quanto à natureza das dificuldades de compreensão dos alunos.

174
A responsabilização baseada nos testes é uma política estratégica e atra-
ente que efetivamente produz responsabilização pública

Os testes high-stakes são um dos meios mais claros para os políticos de-
monstrarem que eles podem influenciar o que acontece na sala de aula em ciclos
eleitorais curtos, de dois a quatro anos (McDonnell, 2005). Uma pesquisa rea-
lizada por Linn (2000) mostrou que a introdução de um novo teste pode causar
quedas e aumentos previsíveis nos escores de desempenho em poucos anos. Seus
resultados indicam um efeito do teste que independe do conhecimento do aluno
apresentado no teste. Ademais, a popularidade contínua dos testes high-stakes,
apesar das histórias persistentes de seu mau uso e de suas deficiências (Hart &
Teeter, 2004), sugere que há uma real necessidade, por parte dos sistemas de
educação, de demonstrar abertamente que o dinheiro público está sendo gasto
criteriosamente. Dessa forma, a responsabilização baseada nos testes serve a um
propósito relevante, na medida em que demonstra responsabilização pública. No
entanto, esse uso dos testes high-stakes é amplamente simbólico e nada diz sobre
o estímulo a melhorias reais em nosso sistema educacional.

175
Leitura 5
Cumprindo a promessa da reforma baseada em padrões

The Hunt Institute (2009)13

[...]
Durante as duas últimas décadas, os estados norte-americanos adotaram uma
abordagem educacional baseada em padrões. Contudo, conforme demonstrou um
estudo do Conselho Nacional de Pesquisa (National Research Council), financiado
pelo Instituto Hunt (Hunt Institute), tal abordagem não conseguiu fazer jus a seus
altos e admiráveis objetivos. Raramente se encontra nos estados um sistema abran-
gente e integrado de padrões, avaliações, currículos, materiais didáticos, dados,
desenvolvimento de professores e diretores e apoio a estudantes. No entanto, cada
um desses elementos é um componente fundamental para a produtividade e o su-
cesso de uma empreitada educacional. Os líderes estaduais devem, portanto, lidar
com essas limitações; caso contrário, um número expressivo de seus estudantes
continuará não tendo sucesso em sua vida escolar.
[...]
As orientações contidas neste documento visam auxiliar os líderes estaduais
a identificar os pontos de alavancagem para as mudanças, e a considerar os di-
versos esforços e recursos cruciais que estão à sua disposição. A Coalizão para o
Desempenho dos Estudantes (Coalition for Student Achievement) – um grupo de
mais de 50 organizações comprometidas em assegurar que os fundos do ARRA14
sejam utilizados para efetivamente orientar a reforma educacional – é uma dessas
fontes. O presente documento menciona e sintetiza os esforços e as publicações,
tanto da Coalizão quanto de outras fontes, empreendidos nesse sentido.
[...]
13
Texto extraído de: The Hunt Institute’s Blueprint for Education Leadership, n. 3, jun. 2009.
(Disponível em: http://www.hunt-institute.org/knowledge-library/articles/2009-6-18/blueprint-
-number-3-june-2009/ Acesso em: 28/09/2010.) Segundo informações disponibilizadas nesse
mesmo site, o Instituto James B. Hunt Jr. de Liderança e Política Educacional (James B.
Hunt, Jr. Institute for Educational Leadership and Policy) tem como objetivo “trabalhar com
lideranças com o propósito de garantir o futuro dos Estados Unidos através da promoção de
uma educação de qualidade.” (N. T.)
14
Criado em 2009 como um pacote de estímulo econômico, o American Recovery and Rein-
vestment Act – ARRA (Lei Estadunidense de Recuperação e Re-investimento) – previu um
volume considerável de recursos para o setor educacional, a ser distribuído através de pro-
cessos competitivos. (N. T.)

176
Padrões de conteúdo e currículos

Os padrões de conteúdo descrevem o que um estudante deve saber e ser


capaz de fazer. Tal como se descreveu nos dois primeiros volumes desta série de
publicações, o Instituto Hunt encarregou o Conselho Nacional de Pesquisa (Na-
tional Research Council – NRC) de estudar objetivamente a situação dos padrões
estaduais de conteúdo em todo o país. O comitê gestor do estudo concluiu que
os estados variam substancialmente quanto às suas expectativas com relação aos
estudantes, à clareza e qualidade geral de seus padrões, e a como esses padrões
são articulados e comunicados aos professores, estudantes e pais (National Research
Council, 2008). O que os estados têm em comum são a amplitude dos tópicos
dentro de cada área disciplinar e de cada série escolar, e a excessiva repetição de
conteúdos em diferentes séries. Na maioria dos casos, os padrões estaduais adotam
uma amplitude impraticável de assuntos, que os professores não conseguem cobrir
adequadamente em um ano escolar.
Qualquer tentativa de reformular os padrões estaduais de conteúdo representa
um desafio fenomenal para os líderes estaduais. A maioria dos estados tem uma
duradoura e bem guardada tradição de desenvolvimento de padrões. O processo
de reformulação geralmente envolve muitos níveis do governo estadual, tais como
conselhos e corpos legislativos, além de professores e outros educadores. Há um
grande orgulho associado aos padrões, bem como a crença de que as necessidades
educacionais de cada estado são únicas.
A crescente compreensão da competição global por postos de trabalho, a
necessidade de uma mão de obra mais qualificada e a percepção de que um di-
ploma de ensino médio não garante o sucesso nem no trabalho nem na faculdade
levou a uma mudança de atitude: a maioria dos estados decidiu participar de um
esforço liderado por eles próprios para desenvolver um conjunto compartilhado de
padrões de conteúdo menos numerosos, mais claros e mais exigentes, que acaba-
rão definindo o preparo dos estudantes para o mercado de trabalho e a educação
superior, e que serão comparáveis internacionalmente com os melhores padrões do
mundo desenvolvido. O Conselho de Secretários Estaduais de Educação (Council
of Chief State School Officers – CCSSO) e a Associação Nacional de Governadores
(National Governors Association – NGA) lideram esse processo.
O desenvolvimento desses padrões é uma tarefa de suma importância. O CCS-
SO e a NGA estão trabalhando com especialistas reconhecidos para desenvolvê-los.
Essas duas organizações também irão reunir um Comitê Nacional de Validação a
ser composto por especialistas em padrões, tanto nacionais quanto internacionais.
Esse comitê validará as exigências para a conclusão dos cursos, proporcionará
liderança para o desenvolvimento de padrões para o ensino fundamental e médio,
e certificará a adoção estadual dos Padrões Básicos Comuns15 (Common Core

15
Informações sobre os Padrões Básicos Comuns encontram-se disponíveis em: http://www.
ccsso.org/federal_programs/13286.cfm

177
Standards) (The Council of Chief State School Officers & The National Governors
Association Center for Best Practices, 2009).
Os padrões de conteúdo são essenciais, mas é o currículo que provê a base
para a instrução. Os padrões de conteúdo se concretizam através dos currículos.
Um currículo eficaz deve estar alinhado aos padrões, prover objetivos educacionais
claramente definidos e incorporar o conhecimento atualizado sobre a cognição e
a aprendizagem. O envolvimento dos professores na construção de currículos que
cumpram os padrões é uma fantástica experiência de desenvolvimento profissional,
que lhes dá a oportunidade de tomar posse dos padrões, traduzir esses padrões
em aplicações em sala de aula, aplicar sua experiência e conhecimento especiali-
zado e compartilhar seu conhecimento com os colegas. Conforme a Coalizão pelo
Desempenho dos Estudantes assinala em seu recém-publicado guia, intitulado
“Opções Inteligentes: investindo os Fundos de Recuperação para o sucesso”, (Smart
options: investing the Recovery Funds for success), “uma reclamação comum que
se vê em quase todos os distritos escolares do país é que os padrões não chegam
às salas de aula”. Há evidências fortíssimas de que a existência de padrões de
conteúdo excessivos e malsequenciados impede a elaboração de materiais cur-
riculares eficazes. A adoção de padrões menos numerosos e mais claros deixará
os instrutores livres para se concentrarem nos aspectos essenciais da instrução
e desenvolver materiais curriculares melhor alinhados com a preparação para o
trabalho e a faculdade. O esforço dos Padrões Básicos Comuns permitirá aos es-
tados obter economias de escala, na medida em que compartilharão recursos para
o desenvolvimento de currículos, a seleção de livros didáticos e a identificação de
materiais e estratégias educacionais.

Avaliações para a Responsabilização, Instrução e Aprendizagem

Conforme mostrado pelo estudo do NRC encomendado pelo Instituto Hunt,


na ausência de padrões claros e concisos e sem um currículo a eles alinhado,
os professores se apoiam nos testes estaduais para obterem diretrizes acerca do
que devem ensinar. Os sistemas estaduais de responsabilização baseiam-se nos
resultados de avaliações, e os professores compreendem que esses resultados
serão usados para determinar o desempenho dos estudantes e das escolas – e,
possivelmente, para avaliar o sucesso deles mesmos. Ao decidir o que testar e
em que nível de proficiência, os estados enviam uma mensagem clara a respeito
do que é importante. Infelizmente, as atuais avaliações estaduais baseiam-se em
questões de múltipla escolha que testam baixos níveis de conhecimento e habili-
dade. Reclamações sobre o “estreitamento do currículo” se devem à dependência
em relação aos pontos testados pelas avaliações estaduais, que são limitados pelo
seu design. Não seria possível ou desejável avaliar todos os numerosos padrões de
conteúdo já legislaram pelos estados. Um conjunto de padrões menos numerosos,

178
mais claros e mais rigorosos permitiria criar um melhor sistema de avaliação e
daria espaço para os professores enriquecerem o currículo.
Um número crescente de líderes estaduais entende que avaliações de fim de
ano mal construídas fazem com que o foco da instrução recaia sobre habilidades
de baixo nível, além de tornarem impossível avaliar se os estudantes terão, de fato,
uma trajetória de sucesso após concluírem o ensino médio. Em resposta a isso,
17 estados estão empenhados em melhor alinhar seus sistemas de avaliação do
ensino fundamental e médio com o objetivo de preparação para a faculdade, seja
exigindo que os estudantes façam o ACT ou o SAT16, seja através da inserção de
questões desses exames nos testes estaduais (Education Commission of the States,
2007). Contudo, enquanto esses testes continuarem sem alinhamento com os
padrões estaduais de conteúdo, o sistema educacional permanecerá desconexo.
Muitos estados também estão fazendo uso de tecnologia para aumentar a re-
levância de suas avaliações dentro da sala de aula, entregando os resultados aos
professores mais rapidamente. Em 2008, 27 estados informaram os resultados
de pelo menos uma de suas avaliações por meios informatizados (Tucker, 2009);
entretanto, a maioria dos estados está meramente aplicando eletronicamente as
mesmas provas de múltipla escolha no final do ano. Tal utilização de tecnologia
pode melhorar a velocidade com a qual os resultados se tornam conhecidos, mas
não proporcionará o feedback detalhado e frequente que é necessário para forta-
lecer a conexão entre as avaliações e a instrução.
Atualmente os estados aplicam apenas meio por cento de seus gastos por
estudante nos seus sistemas de avaliação, porém as preocupações com os custos
impedem a maioria dos estados de investir em melhorias, como o uso de questões
abertas ou tarefas de demonstração de aprendizagem; a divulgação de gabaritos que
informem aos professores e alunos o que se esperava que estes fizessem; avaliações
formativas ou de referência (benchmark) para dar aos professores uma indicação do
progresso dos estudantes ao longo do ano; e testes adaptativos informatizados para
fornecer aos educadores informações detalhadas sobre o aprendizado dos alunos.
Ironicamente, os estados estão gastando cinco vezes mais para terem testes que
sejam customizados a seus padrões específicos de conteúdo, independentemente
da qualidade ou do valor desses instrumentos (Toch, 2006).
A colaboração interestadual é uma estratégia para superar o custo de avalia-
ções de alta qualidade. O Programa de Avaliação Comum de New England (New
England Common Assessment Program – NECAP) é um exemplo de quatro estados
– Maine, New Hampshire, Rhode Island e Vermont – unindo-se com sucesso para
conseguirem economias de escala e melhores produtos de avaliação, baseados em
um conjunto compartilhado de padrões de conteúdo e de desempenho. Cresce
também a força do movimento por um esforço similar em escala nacional. Essa é

16
O Teste de Avaliação para a Faculdade Americana (American College Testing Assessment –
ACT), e o Teste de Aptidão Escolástica (Scholastic Aptitude Test – SAT) são dois instrumentos
usados por instituições de ensino superior para fazer a seleção de seus estudantes. (N. T.)

179
uma clara mudança de direção, e o sucesso de esforços como o NECAP é muito
encorajador.
Atividades de pesquisa promissoras estão em andamento, tanto dentro dos
EUA como internacionalmente, visando desenvolver instrumentos avaliativos
que proporcionem melhores informações sobre o aprendizado dos estudantes.
Projetos do Serviço de Avaliação Educacional (Education Testing Service – ETS)
e do Aprendizado em Ambientes Formais e Informais (Learning in Informal and
Formal Environments – LIFE) estão desenvolvendo avaliações computadorizadas
que possam ser mais facilmente integradas à instrução, de modo a fornecer aos
professores informação em tempo real sobre o aprendizado individual dos es-
tudantes. Um projeto internacional levado à frente pela Cisco, Intel e Microsoft
atraiu a atenção das organizações que desenvolvem o Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment – PISA) e
o Tendências no Estudo Internacional de Matemática e Ciências (Trends in Inter-
national Mathematics and Science Study – TIMMS). O NRC conduziu diversos
estudos sobre a avaliação nos últimos anos, e agora começa um novo projeto en-
comendado pelo Instituto Hunt para analisar os passos que os estados poderiam
tomar para criar uma nova geração de avaliações.

Formação de Professores, Desenvolvimento Profissional e Distribuição

As pesquisas demonstram que os professores são o fator intraescolar


mais influente no desempenho dos alunos17. Qualquer esforço sistêmico para
melhorar a educação deve lidar com a qualidade dos professores, incluindo
o recrutamento para a profissão de candidatos de alto nível, e a eficácia do
seu treinamento e desenvolvimento profissional. Contudo, apenas 15 estados
estabeleceram requisitos mínimos de admissão para as pessoas que buscam
se diplomar em programas de formação para professores (National Governors
Association, 2009). E, a despeito de uma mudança radical de expectativas em
relação ao aprendizado dos estudantes decorrente do NCLB18, muitos professo-
res se sentem pouco preparados por seus cursos de formação (Levine, 2006);
os docentes raramente recebem feedback rápido ou útil sobre suas práticas
instrucionais (Coalition for Student Achievement, 2009); e muitos professores
veem pouco valor no desenvolvimento profissional por eles efetivamente rece-
bido (Darling-Hammond, et al., 2009).
Os estados e agências de certificação definem os requisitos para os cursos
de formação de professores tanto em contextos tradicionais quanto alternativos.

17
Por exemplo, Sanders e Rivers (1996) usaram métodos de valor agregado para examinar
os efeitos cumulativos da qualidade dos professores sobre o desempenho acadêmico.
��
Sigla da Lei de Educação de 2001 denominada No Child Left Behind (Nenhuma Criança
Deixada para Trás). (N. T.)

180
Não obstante, sem uma conexão entre os dados dos professores e dos alunos,
poucos estados têm o mecanismo para avaliar a eficácia dos professores, quanto
menos para mensurar a eficácia de cursos de formação de professores ou de
desenvolvimento profissional específicos. Apesar de ser possível obter alguma
informação mediante o estudo das práticas de outros países, simplesmente
não temos dados suficientes para identificar as características do que seriam
os cursos de formação e de desenvolvimento profissional eficazes para nossos
docentes.
Opções Inteligentes (Smart Options) é um programa que encoraja os estados
a desenvolverem avaliações justas, precisas e úteis da eficácia dos professores.
Para que uma avaliação seja útil e justa, é imperativo que o estado forneça
aos professores i) padrões de conteúdo menos numerosos, mais claros, mais
rigorosos e baseados em evidências; ii) avaliações alinhadas com esses padrões
e que proporcionem uma medida significativa do progresso dos alunos; e iii)
materiais curriculares desenvolvidos em torno dos padrões de conteúdo e com a
participação dos professores. Esses elementos do sistema devem estar presentes
para que se avalie, com precisão, a eficácia, a formação e o desenvolvimento
profissional dos professores.
Um sistema bem-sucedido de avaliação de docentes permitirá que os
pesquisadores e elaboradores de políticas analisem se a formação e o desen-
volvimento profissional dos professores aumentam, de fato, o aprendizado
dos alunos. O estado de Louisiana está agora desenvolvendo um sistema de
responsabilização para medir o valor agregado de cursos de formação de
professores, baseado no desempenho dos alunos ensinados por professores
novos. A Louisiana é pioneira na implementação de um modelo desse tipo
abrangendo todo o estado. Os líderes estaduais identificaram dois componen-
tes essenciais nesses esforços: um sistema de dados abrangente que permita
conectar informações sobre alunos, professores e o ensino superior, e uma
relação cooperativa entre os ensinos fundamental e médio e o ensino superior
(Noell & Burns, 2007).
[...]

A Reestruturação de Escolas de Baixo Desempenho

Sob o NCLB, considera-se que 6.000 das 95.000 escolas da nação precisam
de ações corretivas ou de reestruturação. Essas escolas atendem a proporções
mais altas de estudantes pertencentes a minorias, pobres e de ensino ginasial19 se

��
No sistema educacional americano, middle-school corresponde à antiga escola ginasial no
sistema brasileiro anterior à reforma de 1967, ocupando um nível intermediário entre a escola
fundamental e a de ensino médio. (N. T.)

181
comparadas a outras escolas de Título 1 20. Muitas escolas informam que o de-
sempenho acadêmico dos estudantes está sendo prejudicado por fatores externos,
como violência nos bairros e mobilidade estudantil (Government Accountability
Office, 2007).
Escolas com desempenho cronicamente baixo precisam de intervenções
dramáticas e abrangentes para assegurar as oportunidades educacionais de seus
alunos. Sob a orientação da Lei do Ensino Fundamental e Médio (Elementary and
Secondary Education Act – ESEA) e do ARRA, os estados devem desempenhar
ações corretivas para reestruturar ou reerguer as escolas que estejam fracassan-
do21. Contudo, os esforços para ajudar essas escolas a melhorar têm, em grande
medida, falhado. Uma pesquisa realizada em alguns estados em 2008 pelo Ame-
rican Institutes for Research, encontrou uma tendência comum: após fazerem uma
avaliação de suas necessidades e escolherem uma estratégia de reestruturação,
relativamente poucos estados proveem o apoio necessário para as suas escolas
durante o processo de implementação das mudanças (Le Floch, Boyle & Ther-
riault, 2008). Adicionalmente, muitos esforços de reformas englobando a escola
inteira concentram-se em melhorar os programas e o pessoal, mas negligenciam
a necessidade de alterar as condições e os incentivos. Sem o suporte intenso e
continuado dos líderes escolares, distritais e estaduais, poucas das escolas de de-
sempenho cronicamente baixo poderão quebrar seu ciclo de baixo desempenho.
Por toda a nação, há exemplos notáveis de escolas que estão ajudando seus
alunos a superar os obstáculos significativos à aprendizagem colocados pelo seu
meio, produzindo assim resultados importantes e contrários às expectativas. Pes-
quisando tais escolas “de alto desempenho e de grande pobreza”, o Mass Insight
Education & Research Institute identificou fatores que levaram ao sucesso dessas
escolas e incorporou esses resultados em uma ferramenta de planejamento para
os elaboradores de políticas. O modelo do Desafio da Reviravolta (Turnaround
Challenge) provê um quadro para ajudar os estados e distritos a enfrentar condi-
ções de operação, capacitarem-se e estabelecerem grupos de escolas para apoio
mútuo (Mass Insight Education & Research Institute, 2007).
A Associação Nacional de Governadores recentemente anunciou uma iniciativa
plurianual junto ao Mass Insight para desenvolver políticas e práticas de reestru-
turação em quatro estados (Colorado, Massachusetts, Maryland e Mississippi)
(National Governors Association, 2009). Esses estados gerarão exemplos dos bene-
fícios e desafios que advirão com os esforços intensivos de reestruturação. Outros
20
O Title 1 (Título ou Capítulo 1) da Lei de Educação Fundamental e Média dos Estados
Unidos, aprovada em 1965, estabelece um conjunto de programas do Departamento de Edu-
cação para a distribuição de recursos federais para escolas e distritos escolares com alunos de
famílias de baixa renda. A escola geralmente se qualifica para recursos do Título 1 quando
40% ou mais dos alunos são de baixa renda. (N. T.)
21
O ARRA requer que os estados garantam o cumprimento dos requisitos das seções 1116(a)
(7)(C)(iv) e 1116(a)(8)(B) da Lei do Ensino Fundamental e Médio (Elementary and Secondary
Education Act, ESEA).

182
líderes interessados em desenvolver e implementar abordagens mais sistêmicas
de reestruturação escolar em seus próprios estados poderiam encontrar apoio
no financiamento de US$ 3 bilhões do ARRA para o aperfeiçoamento escolar.
Os estados têm alguma capacidade de decisão a respeito de como esses fundos
serão alocados e gastos, oferecendo aos líderes estaduais uma oportunidade de
garantir que todos os componentes do sistema estejam posicionados para apoiar
uma dramática reestruturação das escolas de baixo desempenho.

Conclusões

O declínio do status educacional dos Estados Unidos no cenário mundial tem


produzido anos de preocupação quanto à nossa capacidade de manter um padrão
de vida confortável para as gerações futuras. A constatação da existência de per-
sistentes diferenças de desempenho dentro de nossa nação tem demonstrado que
a raça, o local de residência e a condição socioeconômica continuam sendo fortes
determinantes das oportunidades educacionais dos estudantes do país.
Apesar da persistência dessas más notícias, temos fortes razões para acreditar
que podemos alcançar uma educação de primeira linha para todos os estudantes.
Conforme apontado em um recente estudo sobre as diferenças educacionais, re-
alizado por McKinsey & Company, “muitos professores e escolas por todo o país
estão provando que raça e pobreza não são um fatalismo”. Os autores concluem
que, a despeito da existência de poderosos fatores de desigualdade exteriores às
escolas, o desempenho dos estudantes pode ser “dramaticamente afetado” por
uma educação de alta qualidade (McKinsey & Company, 2009).
O ARRA apresenta aos estados uma oportunidade sem precedentes de
investir em componentes cruciais do sistema educacional, e os resultados que
forem alcançados com esses fundos afetarão a disposição do público de investir
em futuros melhoramentos educacionais. É preciso haver fortes lideranças nos
estados para informar sobre a importância e a inter-relação de elementos centrais
do sistema educacional, bem como para garantir que os investimentos do ARRA
sejam usados com eficácia. E também é possível, para os líderes estaduais, olhar
para os estados vizinhos na procura de ideias e parcerias para construir elementos
de um sistema educacional mais robusto.
[...]

183
Leitura 6
Sistemas educacionais baseados em desempenho, metas
de qualidade e a remuneração de professores: os casos de
Pernambuco e São Paulo

Cláudio Ferraz (2009)22

[...]

O Programa ‘Qualidade na Escola’ de São Paulo

O Programa Qualidade na Escola foi lançado em 2008 pela Secretaria de


Educação de São Paulo. Ele consiste num conjunto de metas de qualidade a serem
alcançadas pelas escolas e, atrelado a essas metas, um sistema de remuneração
por desempenho para seus funcionários. As metas são baseadas num índice de
qualidade denominado Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São
Paulo (IDESP), que é composto por dois critérios: as notas dos alunos em provas
de proficiência e um indicador de fluxo escolar.23
As proficiências são medidas na 4º e 8ª séries do ensino fundamental (EF) e
no 3º ano do ensino médio através do Sistema de Avaliação de Rendimento Esco-
lar do Estado de São Paulo (SARESP). O SARESP existe dede 1996 e avalia os
alunos do ensino fundamental (2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries) e do ensino médio (3ª série)
das escolas urbanas e rurais da rede estadual. A partir de 2007, os resultados do
SARESP em Língua Portuguesa e Matemática passaram a estar na mesma escola
de desempenho do SAEB, o que permite a comparação dos resultados do SARESP
para a 4ª e a 8ª séries do ensino fundamental e a 3ª série. Na edição de 2008,

��
Extraído de: Ferraz, Claudio, do capítulo de mesmo nome. In: Educação Básica no Brasil:
Construindo o País do Futuro. Fernando Veloso; Samuel Pessôa; Ricardo Henriques; Fábio
Giambiagi (org.). Rio de Janeiro, Elsevier, 2009. Reproduzido com permissão da editora.
��
Devido a estas características, o IDESP se assemelha, portanto, ao IDEB – Índice de De-
senvolvimento da Educação Básica – criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), e utilizado pelo Ministério da Educação para monitorar
a qualidade da educação em escolas, municípios e estados. O IDESP é baseado no IDEB,
criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
e utilizado pelo Ministério da Educação para monitorar a qualidade da educação em escolas,
municípios e estados.

184
além das provas de Português e Matemática, também foram aplicadas provas de
Ciências, para a 6ª e a 8ª séries do ensino fundamental, e Ciências da Natureza
(Química, Física e Biologia) para o ensino médio. As provas são aplicadas pelos
professores da rede estadual, mas em escolas em que não lecionam, e também
há observadores externos para monitorar a aplicação das provas.
Para divulgar o desempenho das escolas, a Secretaria de Educação agrupa
as notas dos alunos em quatro níveis de proficiência: abaixo do básico, básico,
adequado e avançado. A Tabela 1 mostra os cortes nas notas do SARESP utiliza-
dos para criar os grupos. As notas de corte variam tanto entre séries como entre
as provas de Português e Matemática. Isso se deve ao fato de que as distribuições
de notas são diferentes entre as disciplinas e séries.

Tabela 1
Valores de Notas no SARESP para distribuição de alunos por desempenho

Níveis 4ª série EF 8ª série EF 3ª série EM


Língua Portuguesa
Abaixo do Básico <150 < 200 <250
Básico Entre 150 e 200 Entre 200 e 275 Entre 250 e 300
Adequado Entre 200 e 250 Entre 275 e 325 Entre 300 e 375
Avançado >250 >325 >375
Matemática
Abaixo do Básico <175 <225 <275
Básico Entre 175 e 225 Entre 225 e 300 Entre 275 e 350
Adequado Entre 225 e 275 Entre 300 e 350 Entre 350 e 400
Avançado >275 >350 >400
Fonte: Secretaria da Educação de São Paulo

A partir dessas quatro categorias, a Secretaria de Educação constrói um Índice


de Desempenho (ID) para cada disciplina e série avaliada. Uma escola em que
todos os alunos estiverem na categoria avançada obterá nota dez, enquanto que
uma escola em que todos os alunos estiverem na categoria abaixo do básico terá
nota zero. A distribuição de alunos entre as quatro categorias gera notas contínuas
entre zero e dez. Assim, atribui-se uma nota mais alta a escolas que tenham uma
maior proporção de alunos nas categorias mais avançadas. Para obter um índice
único por série, tira-se a média simples entre os índices de Matemática e Português.
Além do índice de desempenho, uma medida de fluxo escolar é utilizada para
ponderar as notas das provas pela taxa de aprovação. Para isso, usa-se a taxa de
aprovação de cada série do ciclo, ponderada pelo número de séries consideradas.
Por exemplo, se uma escola é testada somente na 4ª série do ensino fundamental,
a taxa de aprovação será a média das taxas de aprovação da 1ª à 4ª série. Mas

185
se a escola for testada na 8ª série do ensino fundamental e na 3ª série do ensino
médio, a taxa de aprovação será igual, respectivamente, à média das taxas de
aprovação da 5ª à 8ª série do ensino fundamental e à média das taxas da 1ª à
3ª série do ensino médio. Finalmente, tendo-se obtido o índice de desempenho
e o índice de fluxo, o IDESP é calculado multiplicando ambos os índices. Dessa
forma, mesmo que uma escola tenha um alto desempenho, seu IDESP será mais
baixo se sua taxa de reprovação for alta. [...]
O IDESP é então utilizado para calcular as metas a serem atingidas por cada
escola no longo prazo. Essas metas foram fixadas para que, em 2030, as escolas
de São Paulo atinjam medidas de desempenho compatíveis com as dos países
da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).
Para a 4ª série do ensino fundamental, a meta do IDESP é de 7, para a 8ª série
do ensino fundamental, a meta é de 6, enquanto que, para a 3ª série do ensino
médio, a meta é de 5. Essas metas de longo prazo respeitam a atual distribuição
de notas. [...]
Além das metas de longo prazo, cada escola também tem metas anuais. Elas
foram calculadas utilizando uma metodologia análoga proposta pelo INEP para
calcular metas municipais do IDEB. A ideia básica foi utilizar uma função de
crescimento logístico e calcular parâmetros individuais para cada escola.24 Essa
forma funcional implica que escolas com pior desempenho inicial têm metas mais
frouxas em termos absolutos, porém metas mais restritas em termos percentuais.
[...]
As metas desenhadas pela Secretaria de Educação servem para monitorar a
evolução da qualidade da educação nas escolas. Porém, a inovação do programa
está na introdução de um sistema de remuneração que relaciona um bônus mo-
netário ao alcance dessas metas. Para isso, foi definido um índice que mede o
grau de cumprimento das metas para cada ciclo em cada escola. Para a variação,
ou o progresso, do desempenho entre 2007 e 2008, por exemplo, esse índice
foi calculado comparando-se o quanto a escola melhorou entre 2007 e 2008
(IDESP2008 - IDESP2007) com o quanto a escola deveria ter para atingir a meta
(IDESPmeta - IDESP2007). Essa relação nos dá a porcentagem da meta efetivamente
atingida pela escola. Para escolas que têm mais de um ciclo, há diferentes metas
a serem atingidas. Uma maneira de analisar se a escola se aproximou das metas
como um todo é calcular uma média ponderada de cada Índice de Cumprimento,
em que a ponderação é o número de alunos da escola avaliados no SARESP em
cada um dos ciclos.
Esse índice de cumprimento ponderado é então utilizado para remunerar as
equipes das escolas pelo seu desempenho. A Secretaria de Educação definiu uma
remuneração que é proporcional ao grau de atendimento das metas. Em escolas
que tiverem um índice de cumprimento de 100% da meta, por exemplo, todos os
professores e funcionários da escola recebem um bônus equivalente a 20% dos
24
Para mais detalhes, ver Secretaria de Educação de São Paulo (2009) para o cálculo do IDESP.

186
12 salários mensais, ou seja, a 2,4 salários mensais a mais por ano. Para escolas
que atingirem somente 50% da meta, seus funcionários recebem 50% do bônus,
ou o equivale a 1,2 salário mensal. Além disso, escolas que cumprirem mais do
que a meta também são remuneradas. Ao passar de 100%, os funcionários têm
um acréscimo no bônus no percentual em que foi superada a meta. Por exemplo,
escolas que passarem 20% de sua meta têm 20% a mais de bônus total, respei-
tando um teto de 20% de acréscimo.
Apesar de o bônus ser comum para todos os funcionários da escola, depen-
dendo do desempenho do IDESP, o pagamento individual depende da frequência
dos professores. Para receberem o bônus, os funcionários devem ter atuado, no
mínimo, em dois terços dos dias letivos do ano (ou 244 dias). Assim, funcionários
que tenham faltado mais do que um terço dos dias letivos não recebem nada.
Caso o funcionário tenha faltado, porém o número de faltas seja inferior a um
terço dos dias letivos, o valor pago ao funcionário é ajustado de forma a descontar
proporcionalmente os dias faltados.

O Bônus de Desempenho Educacional de Pernambuco

O programa de bônus por desempenho em Pernambuco foi criado em 2008


pela lei nº 13.486. Seu objetivo é criar incentivos para a melhoria na qualidade
da educação de Pernambuco, premiando os funcionários de escolas que atinjam
metas de desempenho estabelecidas com base no Sistema de Avaliação Educa-
cional de Pernambuco (SAEPE). As metas são baseadas num índice de qualidade
composto pelas notas dos alunos em provas de proficiência e um indicador de
fluxo escolar, de forma análoga ao IDEB.25
As notas de proficiência têm como base as provas de Português e Matemática
do SAEPE, que começaram a ser aplicadas em Pernambuco em 2000. A partir
de 2005, o SAEPE passou a utilizar o método da teoria da resposta ao item e a
escala do SAEB. O SAEPE avalia o desempenho dos estudantes em Português e
Matemática na 2ª, 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e na 3ª série do ensino
médio. A escala da prova varia entre 0 e 500, e o resultado padronizado varia
entre 0 e 10. O IDEPE utiliza uma fórmula análoga à do IDEB, multiplicando
as notas de Português e Matemática por uma medida de fluxo escolar. Assim, o
IDEPE é um índice de desempenho para cada disciplina/série, que varia entre 0
e 10. Faz-se importante notar que, como o IDEPE depende da nota média das
provas, ele não cria incentivos para que os professores procurem somente me-
lhorar o desempenho de alunos com notas próximas das que determinam cortes

25
A descrição apresentada tem como base as informações fornecidas pela Secretaria de
Educação de Pernambuco (2008).

187
entre categorias, como é o caso do IDESP de São Paulo.26Diferentemente do caso
de São Paulo, não foi feita uma prova do SAEPE em 2007 que pudesse servir
como base para as metas. Dessa forma, as metas de qualidade para as escolas de
Pernambuco foram traçadas tendo como base o SAEPE feito em 2005.
[...]
A definição das metas em Pernambuco foi feita de forma diferente em relação
a São Paulo. Na primeira etapa, as escolas foram divididas em três grupos, usando
como medida de desempenho o IDEPE de 2005: escolas com baixo desempenho,
escolas com desempenho intermediário e escolas com alto desempenho. Esses
grupos foram criados usando os percentuais 25 e 50 da distribuição do IDEPE de
2005 como corte. Na segunda etapa, foram estabelecidas metas de desempenho
para cada grupo de escolas. Para as escolas com desempenho na quartil inferior da
distribuição, foi colocada como meta a nota do IDEB para 2009 em Pernambuco.
As escolas com desempenho intermediário tiveram sua meta definida para superar
em 10% o estado com melhor desempenho do Nordeste. Por último, para o grupo
de escolas com desempenho superior, as metas foram estipuladas pelo valor do
estado com melhor desempenho no Brasil.27 As metas de 2008, o primeiro ano
do programa de bônus, foram definidas de forma que as escolas alcançassem o
ponto médio entre o IDEPE inicial em 2005 e a meta de 2009. Assim, as metas
viriam entre os grupos “baixo desempenho”, “desempenho intermediário” e “alto
desempenho”. Porém, a partir de 2009, as metas são únicas para todas as escolas
dentro de um mesmo grupo.
Cada meta é calculada para uma disciplina e série específicas. Assim, uma
escola com 4ª e a 8ª séries do ensino fundamental e a 3ª série do ensino médio
possui seis metas para o IDEPE. A fim de garantir a participação e o comprome-
timento das escolas com programa, as equipes gestoras das unidades escolares
– diretores e diretores-adjuntos – assinaram um Termo de Compromisso com a
Secretaria de Educação de Pernambuco, no qual foram estabelecidas as metas
de desempenho a serem alcançadas em 2008.
A estratégia adotada para a definição de metas implica que escolas dentro
de um mesmo quartil da distribuição inicial de notas têm metas próximas, mas
duas escolas podem ter metas significativamente diferentes caso estejam somente
um pouco acima e um pouco abaixo do corte de notas que divide um quartil do
outro. [...]

26
Um ponto importante é que há um limite para faltas na prova do SAEPE. Somente podem
faltar no dia da prova 10% dos alunos que não abandonaram a escola ao longo do ano. Se
mais alunos faltarem, eles recebem uma nota zero na prova.
27
A meta do IDEB para 2009 em Pernambuco é de 3,5 para as escolas com a 4ª série e 2,6
para as escolas com a 8ª série. O estado com melhor desempenho do Nordeste para a 4ª série
é o Ceará, com uma nota de 3,6, enquanto para a 8ª série, o melhor estado nordestino é o
Maranhão, com uma nota de 3,4. O estado com melhor desempenho no Brasil para a 4ª série
foi o Paraná, com uma nota de 5,4 e para a 8ª série foi Santa Catarina, com uma nota de 4,3.

188
Para determinar a proporção da meta que foi atingida pela escola, fazemos
o cálculo em duas etapas. Primeiro, calculamos um índice que representa quanto
a escola deveria melhorar para cumprir a meta – o Índice de Cumprimento (IC ).
Esse índice compara a meta que deveria ser alcançada em 2008 com o IDEPE
inicial em 2005 para cada disciplina. Depois, calculamos a média entre Português
e Matemática e ponderamos essas notas pela proporção de alunos na escola em
cada ciclo. Para estimarmos quanto a escola efetivamente progrediu, calculamos o
Índice de Progresso (IP), que compara o IDEPE 2008 com o IDEPE 2005 para
cada disciplina e depois calcula uma média entre as disciplinas. Essa média para
cada série é ponderada pela proporção de alunos em cada ciclo. Finalmente, a
proporção da meta global atingida pela escola é calculada pela divisão do que
a escola efetivamente atingiu o (IP) pelo índice de cumprimento das metas (IC).
A remuneração por desempenho será paga somente para aquelas escolas em
que o índice de cumprimento global seja pelo menos de 50%. Todas as escolas
que tiveram um índice global abaixo de 50% não receberão o bônus. Para as
escolas com cumprimento acima de 50%, o bônus será proporcional ao cumpri-
mento, até um valor máximo de 100%. Por exemplo, se a escola atingiu 30% de
sua meta geral, ela não tem direito ao bônus. Se ela atingiu 50%, tem direito a
50%, se atingiu 80%, tem direito a 80% e, se atingiu 120%, tem direito a 100%.
Uma implicação importante da forma como são calculadas as metas é que mesmo
professores de séries que não atinjam um mínimo de 50% da meta podem ganhar
o bônus, caso o desempenho global da escola supere 50% da meta.
Uma das principais diferenças do bônus aos professores de Pernambuco em
relação aos de São Paulo é que o montante máximo que um professor pode ganhar
não está definido a priori. O governo do estado de Pernambuco destinou R$38
milhões para o pagamento do bônus de 2008 (a ser pago em 2009).28 Porém,
esse montante será distribuído somente aos funcionários das escolas que atingirem
pelo menos 50% de suas metas. Se todas as escolas atingirem pelo menos 100%
de suas metas, o bônus será de aproximadamente um salário mensal para cada
funcionário. Porém, essa situação é pouco provável. Assim, o valor pago pelo
bônus pode chegar a ser substancial.

Sistemas do Bônus para Professores em Perspectiva Comparada:


São Paulo e Pernambuco

Os estados de São Paulo e Pernambuco criaram em 2008 metas de qualida-


de a serem alcançadas pelas escolas estaduais nos próximos anos. Essas metas
estão definidas somente para algumas séries e disciplinas (4ª e 8ª série do ensino
fundamental e 3ª série do ensino médio, e para as disciplinas de Português e
28
Esse valor corresponde à soma de todas as remunerações dos funcionários da rede estadual
de ensino lotados nas escolas.

189
Matemática). Uma das principais críticas feitas a esse tipo de sistema é que os
professores responderão aos incentivos colocando mais esforços em ensinar nas
séries e matérias testadas. Assim, as outras séries e disciplinas serão deixadas
de lado e prevalecerá o teaching to the test29. No caso brasileiro, será importante
analisar se mudanças de comportamento e esforço irão acontecer. A avaliação
do SARESP da 6ª série nos permitirá comparar o desempenho relativo de uma
série que foi avaliada, mas que não conta para o pagamento do bônus, com outras
séries avaliadas.
Um problema complementar gerado pelo fato de o pagamento depender so-
mente do desempenho de algumas séries é a possibilidade de professores de séries
e/ou disciplinas não avaliadas se tornarem caronistas (free-riders). Esse problema
tenderá a ser maior quanto menor for o grau de cooperação entre os professores
das escolas. Para investigar se o nível inicial de cooperação afeta o esforço colo-
cado por professores, as Secretarias de Educação incluíram nos questionários de
professores do SARESP e SAEPE 2008 perguntas que medem o grau de confiança
e cooperação entre os professores das escolas. Essa medida servirá para testar
como o esforço colocado para atingir as metas varia com o grau de cooperação.30
Além de basear o sistema de remuneração variável somente em algumas séries
e disciplinas, as metas utilizaram unicamente informações de índices de qualidade
de um ano base. Essas medidas contêm um componente significativo de ruído,
seja pela variação de qualidade das coortes de estudantes ao longo do tempo, seja
por choques temporários que afetam os estudantes no dia da prova. Isso pode
gerar metas de longo prazo que são estritas ou frouxas demais. Como todas as
metas anuais são definidas em função do índice inicial (2005 para Pernambuco
e 2007 para São Paulo), esses erros podem gerar ineficiências de longo prazo.31
Além desses aspectos comuns aos dois sistemas, os programas de bônus de
Pernambuco e São Paulo têm diferenças fundamentais. A primeira delas é a me-
todologia usada para definir as metas. Enquanto o sistema de São Paulo dá peso
a melhorias ao longo de toda a distribuição de notas, o sistema de Pernambuco
leva em conta somente a nota média do IDEPE. O desempenho acompanhado
em São Paulo pode ser benéfico se incentivar os professores a colocarem esforço
para melhorar o rendimento de todos os estudantes, uma vez que a melhora do
desempenho, no critério paulista, não depende somente da média. Entretanto,
pode também criar incentivos negativos, já que, na margem, os professores po-
dem preferir dar atenção somente àqueles estudantes mais próximos das notas de
corte, deixando de lado os estudantes mais fracos e mais fortes. Há evidências de
que escolas respondem a esse tipo de desenho institucional. Neal e Scanzenbach

29
Lit. ing.: ensinar para a prova. (N. T.)
30
As perguntas inseridas seguem o padrão do World Value Survey Americano. Ver Glaeser
et al. (2000).
31
Ver Kane e Staiger (2003), que argumentam contra o uso de uma nota para sistemas de
responsabilização escolar. Ver Chay et al. (2005) para o caso do Chile.

190
mostram que a introdução do “No Child Left Behind” em Chicago melhorou as
notas somente daqueles estudantes localizados no meio da distribuição de habi-
lidades, com efeitos nulos para os estudantes longe das notas de corte (Neal &
Scanzenbach, 2008).
Uma segunda diferença significativa entre os dois sistemas está na relação
entre a melhoria necessária para que as escolas alcancem as metas e o desem-
penho inicial. Apesar de ambos os estados requererem variações percentuais de
desempenho mais altas para as escolas com pior desempenho inicial, essa relação
é linear no caso de São Paulo e não linear no caso de Pernambuco. Escolas com
IDEPEs iniciais em 2005 similares podem ter metas significativamente diferen-
tes no caso de Pernambuco. Além disso, a relação entre as melhorias e o bônus
difere entre os dois estados. Em São Paulo, todas as escolas que melhorarem,
mesmo que seja pouco, recebem proporcionalmente a esse aumento. Já no caso
de Pernambuco, somente escolas com uma variação no desempenho considerada
aceitável (acima de 50%) recebem o bônus.
A terceira diferença importante entre os dois programas está no valor a ser
pago e no número de escolas que se beneficiam. Em São Paulo, o valor está de-
terminado ex ante como sendo 20% do salário anual dos servidores para escolas
que atinjam 100% da meta. Porém, o pagamento é proporcional à meta atingida,
de forma que mesmo as escolas que atinjam 1% da meta recebem algo. Se todas
as escolas melhorarem um pouco, todas irão ganhar um pouco. No caso de Per-
nambuco, o incentivo é mais forte, dado que somente as escolas que consigam
obter pelo menos 50% da meta ganham o bônus. Além disso, o único valor fixa-
do a priori pela Secretaria de Educação é o total a ser pago pelo Estado. Como
o valor recebido individualmente pelas escolas depende do número de escolas
que consigam atingir 50% das metas, o valor para uma dada escola se torna
endógeno em relação ao desempenho das outras escolas. Esse detalhe introduz
um componente de competição entre as escolas que não existe no sistema de São
Paulo, onde a escola tem de superar sua própria meta, e o valor da remuneração
depende somente dela. Nesse sentido, ele se assemelha a um torneio, em que
diversos indivíduos ou equipes competem por poucos prêmios.32 No Brasil, a única
experiência existente com programas que incentivam a concorrência entre escolas
é o “Prêmio Escola Destaque do Ano”, introduzido pelo governo do Ceará, pelo
qual todos os funcionários da escola recebem um prêmio monetário caso escola
seja uma das incluídas em um ranking de desempenho.33 A diferença fundamental
32
Ver Neal (2008) para uma comparação de sistemas que pagam todas ou somente algumas
escolas.
��
As escolas foram divididas em categorias de acordo com o tipo de ensino: escolas com en-
sino fundamental, com somente ensino médio e com ambos. Em cada um desses grupos, as
escolas foram ranqueadas de acordo com o seu desempenho na prova padronizada do estado
do Ceará, o SPAECE. O governo deu dois tipos de prêmios: um para as escolas que tiveram
a maior nota no ano, e outro para as escolas com um maior crescimento. Para mais detalhes,
ver Holanda, Nogueira e Petterini (2005).

191
entre esse tipo de torneio e o sistema de Pernambuco é que, neste último, apesar
de a concorrência influenciar o valor do bônus, ela não afeta a probabilidade de
uma escola ser beneficiada, já que isso depende somente do fato de uma dada
escola superar a meta de 50%. Dessa forma, o sistema de Pernambuco pode ser
mais efetivo em criar incentivos para escolas de baixa qualidade, já que o número
de possíveis ganhadores não está predeterminado.
Uma última diferença entre os dois programas está no tratamento dado ao
absenteísmo dos professores. Enquanto o programa de Pernambuco não utiliza
faltas no seu critério de remuneração, São Paulo ajusta as metas alcançadas e cria
uma remuneração individual para os professores que corrige a remuneração da
escola pela proporção de falta dos docentes. No caso extremo em que um professor
falte mais do que um terço dos dias letivos, esse professor não fará jus ao bônus.
Esse ajuste é importante, se se considerar que as faltas são uma possível forma
de um professor pegar “carona” no esforço de outros.

Comentários Finais

A introdução da remuneração por desempenho dos funcionários de escolas


promete criar incentivos para que os professores se esforcem mais no aprendizado
dos alunos. Porém, evidências de outros países mostram que os impactos dependem
da maneira como esse tipo de programa é desenhado e implementado. Este capí-
tulo apresentou as características de dois programas que foram introduzidos pelos
estados de São Paulo e Pernambuco em 2008, e comparou suas especificidades.
Além das características de cada programa já apresentadas, dois aspectos
fundamentais para o bom funcionamento de um programa de remuneração base-
ada em desempenho são a transparência do sistema e a credibilidade das regras.
Primeiro, os professores precisam entender claramente como as metas são cal-
culadas e como seu esforço pode afetar seu desempenho. Eles também precisam
saber a evolução do desempenho de sua escola em relação a outras. Segundo,
eles precisam estar seguros de que, ao realizarem esse esforço, sua compensação
estará garantida. Num clima de volatilidade política, essa garantia é importante,
já que a credibilidade do sistema através da estabilidade das regras garante que
o investimento feito pelo professor terá seu retorno garantido. Nesse sentido, o
uso de ajustes discricionários ex post que busquem garantir a satisfação de grupos
individuais das escolas podem comprometer a credibilidade do sistema no longo
prazo.
Avaliações futuras irão nos responder se esses programas funcionam e quais
serão seus efeitos sobre a qualidade da educação nas escolas de São Paulo e
Pernambuco. Até lá, nos resta torcer para que outros estados também introduzam
inovações nos seus sistemas educacionais que busquem a melhoria da qualidade
educacional de que o Brasil tanto precisa.

192
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199
Seção 5
Racionalidade econômica

Introdução

As questões econômicas nunca estão longe dos objetivos e elementos que


constituem as reformas educacionais. Já vimos na Seção 2, sobre a teoria do
capital humano, que a comprovação da conexão entre o investimento em educa-
ção e o crescimento econômico desatou uma gigantesca onda de expansão e de
experimentação com modalidades novas para a formação da força de trabalho.
As seções 1 e 4, que tratam de diferentes momentos da reforma educacional
norte-americana, também têm como pano de fundo uma preocupação com a com-
petitividade econômica e com a capacidade da educação de garantir a vantagem
industrial e comercial almejada pelos Estados Unidos.
Em todas as declarações sobre as finalidades básicas dos sistemas de edu-
cação, encontra-se o objetivo de possibilitar a inserção produtiva do indivíduo na
economia, seja capitalista ou socialista, e dificilmente haveria tanta preocupação
por parte dos alunos na hora de escolher e terminar seus cursos se não existisse
uma relação clara entre o tipo de formação, o tipo de trabalho disponível e o
nível de renda ao longo da vida. Portanto, deve parecer uma redundância criar
mais uma seção sobre a influência da economia. Se todos os sistemas e todas as
reformas se referendam na economia e nas oportunidades de emprego, qual seria
a necessidade de destacá-los de novo?
A diferença entre esta e as seções anteriores reside na discussão das reformas
educacionais que, além de promover a inevitável aproximação entre a educação
e o mundo de trabalho, também aplicam os conceitos e critérios da economia ao
próprio modo de organizar a educação. Observa-se que, ao longo das últimas dé-
cadas, houve uma variedade de reformas educacionais que, através da aplicação
de conceitos como eficiência, produtividade, relações de mercado, clientelas,
preferências dos consumidores e outros, começaram a aproximar os modelos de
oferta educacional do funcionamento da própria economia, e a diluir as distinções
entre o público e o privado. Nos casos mais extremos dessa tendência, observam-se
processos de privatização que questionam a legitimidade do modelo do governo de
bem-estar social e contesta a necessidade do estado deter o monopólio da oferta
e o controle da educação pública.
É nesse sentido que eu uso o termo racionalidade econômica, para congregar
uma série de reformas que, independentemente de quaisquer outros objetivos
próprios, demonstram também o desejo de encontrar formas novas e mais eficien-

201
tes de oferecer os serviços da educação e de melhorar a qualidade. Os critérios
usados no desenho dessas reformas são os de custo/benefício, livre escolha e a
eliminação dos constrangimentos e ineficiências dos sistemas públicos tradicionais.
Do ponto de vista dos reformadores, essas ineficiências podem estar relacionadas
ao funcionamento lento e desafinado da burocracia, mas também podem incluir
as dificuldades em instituir mudanças devido às resistências e interesses entrin-
cheirados de grupos, principalmente de professores, que são vistos como avessos
ao processo de modernização.
A primeira leitura representa a matriz para muitas das reformas que contestam
o “monopólio natural” do Estado na oferta da educação pública. Trata-se de um
famoso texto de Milton Friedman – economista monetarista, que já recebeu o
Prêmio Nobel e é considerado por muitos como o maior advogado do liberalismo
econômico –, em que se argumenta pela redução das funções do estado e a favor
das regras do mercado livre e da devolução ao indivíduo do direito de escolha.
O argumento do texto parte da premissa de que é vantajoso para a sociedade que
todos vão à escola, pois isso permite um ganho coletivo em termos de uma sociedade
estável e democrática. Este é o chamado “efeito-vizinhança”, que leva o estado a
assumir os custos da educação. Outra razão seria o fato de nem todas as famílias
terem as condições necessárias para arcar com o mesmo padrão de educação.
Se há razões para os governos arcarem com os custos da educação, inclusive
os das pessoas que vão além da fase obrigatória do ensino, Friedman não vê
justificativa na “estatização” da oferta. Ou seja, o fato do estado subvencionar a
educação não significa que tem que ser o estado que ofereça a educação. Em vez
disso, o estado poderia distribuir vales-educação ou bolsas de estudo aos pais,
que poderiam gastá-los nas escolas que achassem melhor. O papel do estado,
nesse caso, se reduziria ao monitoramento dos estabelecimentos educacionais não
estatais para garantir um padrão satisfatório de qualidade.
Um dos argumentos a favor da estatização da educação é a garantia de que
os valores inculcados pelas escolas sejam sempre os corretos e dados na medida
certa. Por outro lado, o princípio da liberdade de pensamento e de crença está
mais do que estabelecido, o que torna necessária a disponibilidade de opções entre
escolas não estatais, particulares e religiosas. Portanto, a desestatização das escolas
públicas existentes seria simplesmente a extensão desse princípio. O vale-educação
teria outras vantagens: o pai que pode retirar seus filhos de uma escola para enviá-
-los a outra pode expressar sua opinião com muito mais força; é provável que a
iniciativa privada seja mais eficiente “para atender as demandas do consumidor”;
e o aumento nas opções de escolha resultaria na redução da estratificação social
atual das escolas, que hoje refletem a classe social da sua vizinhança.
Para Friedman, a melhor solução seria uma situação mista em que o governo,
sem ter o monopólio, continuaria a administrar algumas escolas, e os pais que
quisessem poderiam receber o equivalente ao custo de manter um aluno numa
escola do governo para gastar em outra escola credenciada. Isso permitiria o
desenvolvimento da concorrência, com todas as vantagens do livre mercado, e

202
também resolveria a queixa de quem manda o filho para a escola privada de que
está pagando duas vezes pelo mesmo serviço – uma vez através dos impostos e
outra das mensalidades.
Friedman termina especulando sobre as razões pela criação do modelo de uma
oferta pública exclusivamente governamental. Chega à conclusão de que tal ideia
se deve provavelmente à falta de capacidade do governo no passado de fiscalizar
um complexo sistema de distribuição de vales e comprovantes, o que o leva a
achar que, com todas as facilidades atuais, essa dificuldade já estaria superada.
Não foi nos Estados Unidos que a ideia do vale-educação encontrou seu pri-
meiro teste, mas sim no Chile, durante o período da ditadura. Por esse motivo, as
duas leituras seguintes tentam resgatar a história da reforma da educação chilena,
sobretudo no que diz respeito a essa questão da oferta da educação pública através
de instituições não estatais, e avaliar sua relevância para o debate atual sobre o
direito do indivíduo de escolher a escola de seus filhos. A primeira dessas leituras
é de Cristian Cox, respeitado educador e funcionário de carreira do Ministério da
Educação do Chile, que conta a história de como o governo militar transformou
o modelo de financiamento e gestão do sistema escolar no princípio da década
de 1980. Com a força de um regime autoritário de poderes extraordinários, a
gestão de todas as escolas públicas foi descentralizada para o nível municipal; os
professores foram desvinculados do governo central; introduziram-se instrumentos
de financiamento baseados na ideia de subvenção, ou seja, de uma distribuição
de verbas de acordo com o número de alunos matriculados; e conceberam-se
instrumentos legais e incentivos de mercado para impulsionar a criação de escolas
privadas com financiamento público.
A segunda leitura chilena, de Patrick McEwan, deixa ainda mais claro que
o mecanismo fundamental da revolução no financiamento da educação pública
foi o voucher, o vale-educação aventado por Friedman vinte e cinco anos antes e
implantado no Chile por alunos seus, economistas consultores do governo militar:
os chamados “Chicago boys”. Dessa forma, o Chile foi o pioneiro na aplicação do
pensamento neoliberal, que, só uma década depois, seria novamente empregado
nas reformas da Margaret Thatcher no Reino Unido.
Mesmo breve, a resenha escrita por McEwan deixa claro que o modelo do
livre mercado educacional implantado no Chile estava longe de satisfazer os crité-
rios neoliberais de seus idealizadores. Mesmo após a descentralização, o governo
central continuava a interferir; os municípios resolviam seus problemas de perda
de financiamento, não através do fechamento de escolas, mas pelas vias políticas
de pedidos de verbas extras ao governo de Santiago; e os professores que foram
descentralizados junto com as escolas continuaram a ser controlados, não pelos
mercados locais, mas pelo Ministério. Talvez por essas razões, e pela amenização
dos radicalismos da teoria do livre mercado, essas reformas foram mantidas após
a redemocratização do país e a ascensão ao poder da Coalizão de Partidos pela
Democracia em 1990.

203
Como o texto de McEwan indica, a escolha da escola (school-choice) continua
sendo um tema candente nos Estados Unidos e as próximas leituras abordam um
aspecto dessa polêmica, representado pelas escolas charter1. Essas escolas, que
são em cerca de 5.000 espalhadas por todos os Estados Unidos, começaram a
surgir no princípio da década de 1990. Trata-se de escolas gratuitas de ensino
fundamental e médio, dirigidas por membros da sociedade civil que recebem re-
cursos e alunos públicos, mas que não estão sujeitas às mesmas regras e estatutos
que regem as escolas públicas. Em troca dessa liberdade, incluindo a liberdade
de contratar e demitir professores sem ter que se sujeitar às clausulas contratuais
dos sindicatos, elas são responsabilizadas pelos seus resultados de acordo com
os termos negociados em sua carta patente ou charter. Dessa forma, as escolas
charter são escolas públicas autônomas, financiadas pelo governo, mas em grande
medida livres dos controles das autoridades educacionais distritais, e que precisam
atingir determinadas metas de desempenho para continuar recebendo os recursos
públicos que as sustentam.
Também chamadas de “escolas de escolha”, por permitirem que os pais
de determinada região escolham entre uma escola pública convencional ou uma
escola que possa criar sua própria cultura e modo de funcionar, as escolas char-
ter estão imersas em controvérsia. Há aqueles que contestam a necessidade de
promover essa variante da teoria do mercado livre e duvidam da eficácia desse
novo modelo de escola pública. Mesmo não havendo uma concorrência aberta
entre os diferentes tipos de escolas, nem a facilidade de movimento pregado pelo
sistema de vouchers, a escola charter cria a possibilidade de segregação social e
racial, uma vez que é capaz de retirar os melhores alunos das escolas tradicionais
através dos processos autônomos de seleção de alunos.
No entanto, as resenhas de pesquisas que compõem as duas próximas leituras
sugerem que não há razões para tanto alarme. Ambas as leituras mostram que a
diversidade de escolas charter é grande, havendo escolas que atendem a públi-
cos e objetivos inteiramente diferentes, o que deve explicar em parte a falta de
consistência das pesquisas que comparam os resultados dos dois tipos de escola
pública. Mesmo assim, algumas pesquisas mais recentes relatadas por Hubbard e
Kulkani sugerem que pelo menos as escolas charter de ensino fundamental conse-
guem um nível de valor agregado superior ao das escolas públicas tradicionais. A
pesquisa da Corporação Rand, uma instituição de pesquisa californiana sem fins
lucrativos, mostra também que as escolas charter não estão retirando os alunos
de melhor desempenho das escolas tradicionais e não estão prejudicando o nível
de desempenho dos que ficam nessas escolas. Essa conclusão é importante na
medida em que combate a crítica mais severa ao modelo charter. É importante
dizer, no entanto, que as resenhas aqui incluídas como leituras representam uma
proporção ínfima da produção de pesquisas nos Estados Unidos sobre esse tema.
Outros autores poderiam fazer uma seleção para chegar a conclusões diferentes,

1
Lit. uma carta patente ou licença. (N. T.)

204
dependendo, talvez, de sua atitude em relação à questão doutrinária de fundo,
que é o tema do papel do estado no financiamento e na oferta da educação.
Existe outra vertente da discussão sobre a racionalidade econômica que não
é tão doutrinária. Refiro-me à grande preocupação com a falta de recursos para
sustentar a expansão e a diversificação da educação pública a partir dos choques
do petróleo dos anos 70 e da crise econômica dos dez anos seguintes. Essa crise
afetou muitos países e levou a inúmeras discussões do setor educacional sobre a
necessidade de se planejar para a austeridade (Lewin, 1987). Entre as soluções
debatidas, encontra-se a descentralização da gestão e do financiamento da edu-
cação como uma forma de abrir novas fontes e diminuir o ritmo de expansão dos
gastos com educação dos governos centrais.
Por mais que as diferentes reformas descentralizadoras que varreram o con-
tinente americano durante as décadas de 1980 e 1990 tenham perseguido outros
objetivos educacionais e políticos, elas têm em comum a convicção de que a gestão
da educação deve ser exercida o mais próximo possível dos beneficiários, para
eliminar as ineficiências da máquina burocrática centralizada e garantir o gasto
criterioso e eficiente dos recursos públicos.
A leitura de Carnoy e Moura Castro mostra que, apesar dessas boas inten-
ções, nem todas as reformas descentralizadoras conseguiram seu objetivo. No
caso chileno, fica evidente que a redução nos recursos do governo central não
foi compensada pelo aumento de recursos locais. O desempenho dos alunos não
aumentou, apesar de até a metade deles terem sido transferidos para escolas
privadas subvencionadas, e houve sinais de uma perda de qualidade nas escolas
dos alunos de nível socioeconômico mais baixo. Na volta da democracia, alguns
exageros da descentralização foram corrigidos, mas não ao ponto de resolver a
questão de fundo: a descentralização por si só, sobretudo quando arquitetada
para resolver problemas de financiamento, não parece promover a melhoria da
qualidade.
Os autores voltam a frisar essa questão ao discutir as reformas descentraliza-
doras da Colômbia e do México. No caso da Colômbia, os resultados foram mais
positivos, justamente pelo fato do governo central ter aumentado os repasses aos
municípios e mantido um diálogo com os professores a ponto de reassumir a res-
ponsabilidade pelo pagamento dos seus salários. A descentralização no México,
por outro lado, não provocava otimismo entre os observadores daquela época
pelas suas indefinições e pela falta de providências práticas.
Pela frequência e semelhanças entre as diversas iniciativas de descentrali-
zação na América Latina, o tema se tornou objeto de estudos comparativos que
procuravam as regras gerais do sucesso dessa política. A próxima leitura, extraída
de um texto publicado em 2000 e de autoria dos economistas norte-americanos
Winkler e Gershberg, é um exemplo desse tipo de estudo. Após a resenha dos
argumentos econômicos clássicos para a descentralização do poder de decisão em
favor de instâncias mais próximas ao cliente/consumidor, os autores criam uma
tipologia com base nas duas dimensões principais da descentralização de poder:

205
as decisões que são o objeto do processo de descentralização e os agentes que
assumem as decisões descentralizadas. Pela aplicação dessa tipologia, observamos
várias semelhanças entre os processos descentralizadores dos seis países em estudo.
Chama a atenção o fato da descentralização não significar necessariamente
uma autonomia plena para a escola. Dos seis países aqui considerados, somente
dois descentralizaram a função de seleção e contratação dos professores até o nível
da escola e foi somente no caso da Nicarágua que a escola recebeu os recursos
e a autoridade para determinar seus próprios gastos, incluindo a definição da
remuneração dos docentes.
No restante do texto, extenso demais para ser incluído nesta leitura, os autores
desenvolvem uma metodologia para avaliar os possíveis impactos da descentrali-
zação na qualidade e nos resultados do ensino. Pela falta de avaliações objetivas,
os autores inferem os efeitos com base na correspondência entre as características
das reformas de descentralização e as características mostradas como relevantes
pelas pesquisas sobre as escolas eficazes, e as de “alto desempenho”. A partir
dessa metodologia, chegam a uma conclusão que certamente agradaria aos diri-
gentes educacionais mineiros:
Duas das reformas latino-americanas analisadas neste relatório – a do Chile e a
de Minas Gerais – abarcam um grande número dos elementos que, segundo as
pesquisas feitas, dão origem às características das escolas eficazes. Apesar de ne-
nhuma destas reformas ter sido submetida a uma avaliação rigorosa, a evidência
disponível é positiva. (Winkler e Gershberg, 2000:24)
As leituras seguintes são para nos lembrar das discussões no Brasil antes e
após a constituição de 1988 sobre a descentralização da educação e seu papel no
processo de redemocratização do país. Ao dar maior ênfase ao aspecto político da
descentralização, do que ao seu caráter de racionalidade econômica, estamos nos
afastando um pouco do propósito principal da seção, mas esse desvio deve ser
perdoado em nome da oportunidade de se aprofundar o tema através de exemplos
brasileiros. Também necessita ser lembrado que, mesmo quando a discussão se
concentra nas comissões municipais de educação e na participação popular na
gestão da educação, estamos falando da gestão dos recursos financeiros dos muni-
cípios em nome da transparência e dos demais critérios da administração pública.
De modo geral, a descentralização do sistema educacional no Brasil nas
últimas décadas se compôs de dois movimentos, um no sentido da devolução de
poder, recursos e responsabilidades aos municípios, para reequilibrar o “pacto
federativo” e diminuir o peso da burocracia estadual, e o outro no sentido de dar
maior autonomia à escola, a favor da democratização da gestão. Este segundo
movimento era para contribuir para a superação do autoritarismo reinante no
interior das escolas e, dessa forma, ajudar a implantar valores democráticos nas
novas gerações de brasileiros (Dos Santos Filho, 1992).
Em certos aspectos, a municipalização das responsabilidades pela oferta e
gestão do ensino fundamental também continha a esperança de um resultado

206
democratizante. Refiro-me à questão da criação dos conselhos municipais de
educação, que é o tema da próxima leitura, extraída de um texto de José Carlos
de Araújo Melchior. Essa leitura nos situa no estado de São Paulo no período
do governo Orestes Quércia e mostra a organização da política mais extensa de
municipalização de ensino da época e que depois serviu de modelo para outros
estados, a exemplo de Minas Gerais. O interesse mais específico do autor não é o
modelo de colaboração ou a transferência de recursos entre Estado e município,
mas sim a criação da Comissão de Educação do Município (CEM) e tudo o que
esse órgão significava em termos de um canal de representação da sociedade
civil junto aos poderes municipais e a uma instância de controle externo sobre a
aplicação dos recursos da educação.
O entusiasmo do autor por essa proposta de democracia direta é patente e
o texto chega a empolgar pelas convicções sobre o funcionamento dos CEMs.
Admite-se a existência de comissões que não exercem efetivamente seu papel de
pressão, mas elas são vistas como parte do processo natural de aprendizagem.
Com diversos apoios, inclusive das próprias autoridades municipais, todas essas
comissões acabariam aprendendo seu papel na fiscalização e na melhoria dos
gastos públicos municipais.
A leitura seguinte levanta sérias dúvidas a respeito da visão otimista de Mel-
chior. Em um texto escrito por Romualdo Portela, que se apoiou nos resultados de
uma extensa pesquisa sobre a gestão da educação municipal após a implantação
do Fundef2, encontram-se conclusões bem diferentes a respeito da conexão entre
a municipalização e o controle social das políticas educacionais. Pela subordina-
ção dos conselhos municipais aos poderes locais, a falta de definição das suas
atribuições e a falta de autonomia de seus membros, essas chamadas instâncias
de participação popular não mostram sinal de que exercem algum tipo de controle
sobre as decisões que afetam as escolas. Em outras palavras, a ideia de que a
descentralização – na forma brasileira de uma municipalização do ensino estadual
– poderia levar a uma participação mais democrática da população na condução
da política educacional não se sustenta na prática.
As origens da onda descentralizadora que passou pelo continente americano
a partir da década de 1980 não podem ser aquelas apontadas por Portela. Apesar
de a descentralização ter se tornado um elemento do receituário do Banco Mun-
dial, e recebido apoios significativos dessa instituição por muitos anos na forma
de empréstimos e subsídios para pesquisas, o estímulo inicial não foi a formula-
ção da proposta neoliberal para a gestão da educação. Como já mencionado, o
pontapé foram as crises econômicas da década de 1970 e a convicção de que o
ritmo de expansão nos custos da educação não era sustentável. Outros ganhos
igualmente importantes, como os da qualidade da educação e da democratização
da gestão, foram sendo agregados às vantagens econômicas da descentralização,

2
Fundef: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério. (N. T.)

207
até o conjunto representar uma proposta completa de reforma, independente das
condições econômicas do país hospedeiro.
A proposta neoliberal, no sentido dado por Friedman de uma educação pública
fornecida por instituições não governamentais a pais/consumidores com direito
de escolha, só recebeu o aval do Banco no início da década de 1990. O Banco
já mostrava simpatia por muitos aspectos da reforma educacional nos Estados
Unidos, incluindo a avaliação padronizada e a responsabilização, mas foi só a
partir da reforma educacional do Partido Conservador na Inglaterra no final da
década de 1980 que a proposta neoliberal recebeu uma organização coerente e
iniciou uma trajetória internacional.
Esse comentário mostra que, na próxima seção, será necessário cumprir dois
objetivos: um, de introduzir a reforma de Margaret Thatcher e o outro, de dar
continuidade a essa discussão sobre a influência do pensamento econômico na
formulação das propostas educacionais. Diferentemente da presente seção, em
que os exemplos foram extraídos do continente americano e a racionalidade eco-
nômica diz respeito aos temas mais específicos de vouchers, escolha de escolas e
descentralização, na seção seguinte teremos que abordar o tema da privatização
e de seu papel no conjunto da proposta britânica das últimas décadas, qual seja
a de reorganizar a educação de acordo com critérios mais corporativos do livre
mercado.

208
Leitura 1
O papel do governo na educação

Milton Friedman (1955)3

[...]

Educação Geral para a Cidadania

Uma sociedade estável e democrática é inviável sem uma ampla aceitação de


um conjunto de valores comuns e sem uma capacidade mínima de leitura e de
conhecimento por parte da maioria de seus cidadãos. A educação contribui para
ambos. Por consequência, a educação de uma criança resulta em ganhos não só
para ela e seus pais, mas para os demais membros da sociedade; a educação de
um filho meu contribui para o bem de outras pessoas ao incentivar uma sociedade
estável e democrática. Contudo, não é possível identificar quais indivíduos (ou
famílias) são beneficiados ou qual o valor em dinheiro do benefício a ser cobrado
pelos serviços prestados. Há, portanto, um “efeito vizinhança”.
Que tipo de ação governamental pode ser justificado por esse efeito vizinhança?
A mais óbvia é determinar que cada criança receba um mínimo de educação de
determinado tipo. Tal exigência poderia ser imposta aos pais independentemente
de qualquer ação governamental, da mesma forma que os proprietários de prédios
ou os proprietários de veículos são obrigados a respeitar determinados padrões
para proteger a segurança de terceiros. Há, contudo, uma diferença entre as duas
situações. Nestes últimos exemplos, os indivíduos que não podem arcar com os
custos correspondentes aos padrões exigidos podem, em geral, dispor dos bens
vendendo-os a outros, de forma que a norma possa ser facilmente mantida sem
a subvenção do governo – embora, mesmo aqui, caso o custo de tornar segura a
propriedade exceda seu valor do mercado, e os proprietários não tiverem recursos,
o governo possa ser levado a pagar pela demolição de um prédio em situação de
risco ou pela remoção de um veículo abandonado. A separação de uma criança
de pais que não possam pagar pelo mínimo definido de educação não condiz com

3
Texto extraído de: Milton Friedman. O Papel do Governo na Educação. In: Robert A. Solo
(Ed.) Economics and the Public Interest. New Jersey, Rutgers University Press, 1955: 1- 144.
Copyright © 1955 by Trustees of Rutgers College in New Jersey. Reproduzido com permissão
da Rutgers University Press.

209
a nossa visão de família como a unidade social básica, nem com a nossa crença
na liberdade do indivíduo.
Contudo, ainda assim, se o peso financeiro imposto por esse mínimo edu-
cacional pudesse ser, de imediato, assumido pela grande maioria das famílias na
comunidade, poderia se tornar possível e simultaneamente desejável que os pais
se responsabilizassem diretamente pelos gastos. Os casos extremos poderiam ser
sanados por recursos especiais, a exemplo do que se faz hoje para a aquisição de
casas e automóveis. Uma analogia ainda mais aproximada pode ser encontrada
nos arranjos atuais para crianças maltratadas pelos pais. A vantagem de impor os
custos aos pais é que isso teria o efeito de equiparar os custos sociais e privados
de ter crianças, e de poder assim promover uma melhor distribuição no tamanho
das famílias.4
As diferenças de recursos e de número de filhos de cada família – que são ao
mesmo tempo uma justificativa e o resultado da política diferente que vem sendo
adotada –, acrescidas da imposição de um padrão de educação que implica em
custos bastante elevados têm, contudo, inviabilizado essa política alternativa. Em
vez disso, o governo assumiu os custos financeiros de oferecer a educação. Dessa
forma, ele paga não somente pelo mínimo da educação obrigatória para todos,
mas também pela educação adicional de nível superior oferecida aos jovens, mas
que não lhes é exigida – a exemplo das faculdades e das universidades estaduais
e municipais. Ambas essas medidas podem ser justificadas pelo “efeito vizinhan-
ça” acima mencionado – o pagamento dos custos como o único meio possível de
impor um requisito mínimo; e o financiamento da educação adicional, no pres-
suposto de que outras pessoas se beneficiam da educação oferecida àqueles de
maior capacidade e interesse, por ser essa uma forma de se produzirem melhores
lideranças sociais e políticas.
A subvenção governamental para apenas certos tipos de educação pode ser
justificada segundo esses pontos de vista. Antecipando o que será detalhado pos-
teriormente, eles não justificam a subvenção da educação puramente profissiona-
lizante, que aumenta a produtividade econômica do estudante, mas não o treina
para o exercício da cidadania, nem da liderança. Está claro que é extremamente
difícil traçar uma linha divisória entre esses dois tipos de educação. A educação
geral, em grande parte, agrega valor econômico ao estudante – na verdade, é
apenas na atualidade e em alguns poucos países que a capacidade de ler deixou
de ter valor de mercado. Ao mesmo tempo, muito da educação profissionalizante
amplia a visão do aluno. Ainda assim, fica igualmente evidente que essa distinção
é significativa. Por exemplo, a subvenção do treinamento de veterinários, esteticis-
tas, dentistas, e de todo um elenco de habilidades específicas – da forma como se

4
Não é tão improvável quanto parece que tal procedimento teria um impacto no tamanho das
famílias. Por exemplo, uma explicação pela taxa de fecundidade menor entre famílias de nível
socioeconômico mais alto pode ser a de que as crianças são relativamente mais caras, devido aos
níveis mais altos de educação que atingem e aos custos com que suas famílias precisam arcar.

210
faz extensamente nos Estados Unidos em instituições educacionais mantidas pelo
governo – não pode ser justificada segundo os mesmos pressupostos que sustentam
a educação fundamental ou, em nível superior, a educação liberal. Se ela pode
ou não ser justificada em bases significativamente diferentes é uma questão a ser
discutida posteriormente neste estudo.
A disputa qualitativa que decorre do “efeito vizinhança”, naturalmente não
determina quais modalidades específicas de educação devem ser subvenciona-
das, nem qual deve ser o montante da subvenção. O ganho social da educação
é supostamente maior para os menores níveis de educação, onde há uma quase
unanimidade quanto à importância do conteúdo da educação, e diminui de forma
progressiva à medida que o nível da educação se eleva. Mas, mesmo essa forma
de asserção não pode ser tomada como certa – muitos governos subvencionaram
universidades bem antes de subvencionar a educação fundamental. Que formas
de educação têm a maior vantagem social e quanto dos recursos limitados da
comunidade devem ser gastos nelas são questões a serem decididas pela comu-
nidade e transmitidas através de seus canais políticos regulares. O papel de um
economista não é decidir essas questões para a comunidade, mas o de esclarecer
os problemas a serem apreciados pela comunidade enquanto esta faz uma escolha
e, em particular, se a escolha acertada ou necessária deve ser tomada com base
na comunidade ou no indivíduo.
Constatamos que o requisito de um nível mínimo de educação, bem como
o financiamento da educação pelo estado, podem ser justificados pelos “efeitos
vizinhança” da educação. Porém, é mais difícil usar esses mesmos critérios para
justificar uma terceira medida que, em geral, tem sido adotada pelos governos na
administração das instituições educacionais, e que corresponde à “estatização”,
por assim dizer, de grande parte da “indústria da educação”. O desejo por essa
estatização raramente foi explicitado, visto que os governos, de modo geral, têm
financiado a educação com o pagamento direto dos custos de manutenção das
instituições de ensino, de tal forma que essa medida pareceu necessária pela
decisão de subvencionar a educação. Contudo, essas duas medidas podiam ser
separadas facilmente. Os governos poderiam exigir um nível mínimo de educação
que seriam capazes de financiar, distribuindo aos pais vales que pudessem ser
trocados por um valor máximo anual para cada criança, desde que fossem gastos
em serviços educacionais “aprovados”. Os pais estariam livres para gastar esse
valor, bem como qualquer outra quantia adicional, a fim de contratar serviços
educacionais de uma instituição “aprovada” segundo sua escolha. Os serviços
educacionais podiam ser ministrados por empresa privadas que visam lucros, ou
por instituições sem fins lucrativos de vários tipos. O papel do governo se limitaria
a garantir que as escolas atendessem aos padrões mínimos, como a inclusão de
um elenco de conteúdos comuns em seus programas, de forma semelhante ao
serviço que hoje avalia os restaurantes para garantir que mantenham os padrões
mínimos de higiene. Um excelente exemplo desse tipo de programa foi adotado
pelos Estados Unidos para a educação dos veteranos da Segunda Guerra Mun-

211
dial. Cada veterano que se enquadrava no programa recebia uma quantia anual
em dinheiro para gastar em qualquer instituição de sua escolha, desde que ela
respeitasse os padrões mínimos. Um exemplo mais restrito é a ajuda que autori-
dades locais britânicas fornecem para custear as mensalidades escolares de alguns
estudantes que frequentam escolas não administradas pelo governo (as chamadas
“escolas públicas” 5). Outro exemplo é o acordo que existe na França, mediante
o qual o governo paga parte dos custos para os alunos que frequentam escolas
não governamentais.
Um dos argumentos decorrentes do “efeito vizinhança” e a favor da estatiza-
ção da educação é que, sem essa, seria impossível oferecer um elenco comum de
valores tidos como requisitos para a estabilidade social. A imposição de padrões
mínimos em escolas privadas, como sugerida, pode não ser suficiente para alcan-
çar o resultado desejado. Essa questão pode ser ilustrada de forma concreta nas
escolas administradas por grupos religiosos. Pode-se argumentar que as escolas
sob a administração de diferentes grupos religiosos instilam uma série de valores
que são diferentes entre si e diferentes das outras escolas; desse modo, tornam a
educação um força divisora, ao invés de unificadora.
Se levado ao extremo, esse raciocínio demandaria exclusivamente escolas
administradas pelo governo e também tornaria a frequência nelas compulsória.
Os arranjos nos Estados Unidos e em grande parte dos outros países do Ocidente
representam um meio termo entre essas posições. Escolas administradas pelo
governo são disponibilizadas, mas não são obrigatórias. Contudo, o vínculo entre
financiamento e administração da educação coloca outras escolas em situação de
desvantagem. Elas recebem pouca ou nenhuma verba governamental destinada
à educação – uma situação que suscita muita discussão política, principalmente,
é claro, na França. A eliminação dessa desvantagem poderia, teme-se, fortalecer
enormemente as escolas paroquiais e tornar ainda mais difícil o problema de se
conseguir uma base comum de valores.
Esse raciocínio tem bastante peso. Mas, não fica nada claro se é válido ou
se a desestatização da educação teria os efeitos sugeridos. Por uma questão de
princípio, ele conflita com a própria preservação da liberdade; de fato, esse con-
flito constituiu um fator de atraso para o desenvolvimento da educação pública
na Inglaterra. Como traçar uma linha divisória entre a oferta de valores sociais
comuns próprios de uma sociedade estável de um lado, e o ensino que cerceia a
liberdade de pensamento e a crença do outro? Aqui se encontra mais um desses
limites imprecisos, que são mais fáceis de mencionar do que de definir.
Em termos de seus efeitos, a desestatização da educação ampliaria a gama
de escolha disponível aos pais. Considerando que, no momento, os pais podem
enviar seus filhos para escolas governamentais sem qualquer ônus, poucos deles
podem ou vão querer enviá-los às outras escolas, a menos que elas também sejam
subsidiadas. As escolas paroquiais estão em situação de desvantagem pelo fato

5
Contraditoriamente, as escolas particulares na Inglaterra se chamam escolas públicas (N. T.).

212
de não receberem recursos públicos destinados à educação; mas elas têm, em
compensação, a vantagem de serem administradas por instituições que desejam
subsidiá-las e que podem levantar fundos para assim proceder, mesmo sendo
raras as suas fontes de recursos. Basta disponibilizar os subsídios para os pais,
independentemente das escolas às quais eles possam enviar seus filhos – desde
que as escolas em questão atendam aos padrões mínimos estipulados – e uma
ampla variedade de escolas surgirá em resposta à essa demanda. Ao retirar seus
filhos de uma escola para enviá-los a outra, os pais poderiam expressar suas opi-
niões diretamente às escolas com muito mais força do que é possível atualmente.
De modo geral, só podem tomar essa medida agora por motivo de mudança do
local de residência. De resto, só são capazes de expressar suas opiniões através
dos canais políticos complicados. Talvez um maior grau de liberdade de escolha
pudesse ser oferecido no sistema escolar público, mas é difícil imaginar como le-
var essa ideia adiante, dada a obrigação de se oferecer uma vaga a cada criança.
Aqui, como em outras áreas, é provável que a iniciativa empresarial privada e
competitiva seja mais eficiente para atender às demandas do consumidor do que
as iniciativas governamentais, ou do que outras iniciativas administradas para
atender a outros propósitos. Portanto, o resultado final pode ser menos educação
paroquial do que mais.
Outro aspecto do argumento da necessidade de escolas administradas pelo
governo para manter o poder unificador da educação é que as escolas particulares
tenderiam a exacerbar as diferenças de classe. Ao terem maior liberdade para de-
cidirem para qual escola vão enviar seus filhos, pais de uma determinada classe se
agrupariam e, por conseguinte, inviabilizariam a criação de uma mistura saudável
de crianças de origens sociais bem diferenciadas. De novo, independentemente
da validade ou não deste argumento, não fica claro se os resultados esperados se
seguiriam. De acordo com os arranjos atuais, determinadas escolas particulares
tendem a ser frequentadas por crianças de procedências sociais semelhantes em
função da própria estratificação de suas áreas residenciais. Além do mais, os
pais não são impedidos de enviar seus filhos para escolas particulares. Somente
uma classe social alta e numericamente restrita pode fazê-lo e de fato o faz – sem
mencionar as escolas paroquiais – e, nesse processo, acaba por se produzir ainda
mais estratificação. A ampliação da gama de escolha em um sistema particular de
ensino resultaria em uma redução de ambas as espécies de estratificação.
Outro raciocínio em prol da estatização de educação é o “monopólio natu-
ral”. Em pequenas comunidades e áreas rurais, o número de crianças pode ser
pequeno demais para justificar mais de uma escola de bom porte, de modo que
não se pode depender de competição para proteger os interesses dos pais e crian-
ças. Como em outros casos de monopólio natural, as alternativas são o monopólio
particular sem restrições, o monopólio particular controlado pelo governo e a
operação pelo governo – uma escolha entre males. Esse argumento é obviamente
válido e significativo, embora seu vigor tenha sido enormemente enfraquecido nas

213
últimas décadas pelas melhorias de transporte e pelo crescimento concentrado da
população em comunidades metropolitanas.
O arranjo que talvez chegue mais próximo de ser justificado por essas consi-
derações – pelo menos em relação à educação fundamental – é o de responsa-
bilidade mista, segundo o qual os governos continuariam a administrar algumas
das escolas, mas os pais que escolhessem enviar seus filhos para outras escolas
receberiam uma quantia igual ao custo estimado para educar uma criança de
uma escola governamental, desde que pelo menos essa quantia fosse gasta em
educação em uma escola aprovada. Esse arranjo poderia satisfazer os aspectos
válidos do argumento de “monopólio natural” e, simultaneamente, permitiria o
desenvolvimento da concorrência onde fosse possível observá-la. Ele responderia
às justas reclamações dos pais de que, se enviassem seus filhos para escolas não
subsidiadas, eles teriam que pagar duas vezes mais pela educação – uma vez na
forma de impostos e outra vez, diretamente – e, dessa forma, estimularia o de-
senvolvimento e a melhoria dessas mesmas escolas. A introdução da concorrência
contribuiria bastante para o surgimento de uma variedade sadia de escolas. Ela
também daria flexibilidade aos sistemas escolares. Um de seus benefícios seria
tornar os salários dos professores compatíveis com as forças do mercado. Dessa
forma, daria às autoridades educacionais do governo um padrão independente
para a avaliação das escalas de salários e a promoção de ajustes mais rápidos para
as mudanças nas condições de demanda e oferta.6
6
Esta proposta — de financiamento público, combinado com uma gestão privada da educação
– foi sugerida recentemente por vários estados do Sul dos Estados Unidos, como uma forma de
evitar a decisão da Corte Suprema sobre a segregação. Tomei conhecimento desse fato depois
do presente artigo ficar pronto. Minha reação inicial – e, imagino, a da maioria dos leitores – foi
que esse uso possível da proposta seria um ponto contra, e um caso particularmente sério do
possível defeito a que me referia dois parágrafos atrás – a exacerbação das distinções de classe. 
Entretanto, ao pensar mais a respeito, descartei a minha primeira reação. Os princípios podem
ser testados com mais clareza nos casos extremos. A disposição em permitir a liberdade de
expressão às pessoas com quem concordamos não é uma evidência de que somos favoráveis
à liberdade de expressão; o verdadeiro teste é a nossa disposição em permitir a liberdade de
expressão àqueles de quem discordamos por completo. De modo similar, o teste relevante da
crença na liberdade individual é a disposição em se opor à intervenção do governo mesmo
quando essa visa a coibir atividades de que nada gostamos. Deploro a segregação e o preconceito
racial; de acordo com os princípios estabelecidos por este artigo, seria uma função do Estado
impedir o uso da violência e da coerção física de um grupo contra outro; igualmente claro, não
seria uma função apropriada do Estado forçar os indivíduos a agir de acordo com as minhas
opiniões ou com as opiniões de outros, sejam sobre preconceito racial ou sobre o partido em
que devem votar, e desde que a ação do indivíduo afete principalmente a ele mesmo. É com
base nesse argumento que me oponho às Comissões de Práticas Justas de Emprego, e que
também me oponho à dessegregação forçada das escolas. No entanto, esse mesmo argumento
me leva a opor à segregação forçada. Enquanto as escolas forem administradas pelo governo, a
única escolha é entre a dessegregação forçada e a segregação forçada e, se tiver que escolher
entre as duas, escolheria a primeira como um mal menor. O fato de ter que fazer essa escolha
reflete a fraqueza do sistema gerido pelo Estado. As escolas administradas como particulares

214
Por que nosso sistema educacional não se desenvolveu segundo essa linha de
raciocínio? Uma resposta completa exigiria um conhecimento muito mais porme-
norizado da história da educação do que disponho, e o melhor que posso oferecer
é uma simples especulação. Para começar, o debate do “monopólio natural” era
bem mais acirrado em épocas passadas. Mas, suponho que um fator muito mais
importante foi a combinação do descrédito generalizado das bolsas em dinheiro
para indivíduos (“doações financeiras”) associada a uma ausência de um aparato
administrativo eficiente para proceder a distribuição dos comprovantes e fiscalizar
sua utilização. O desenvolvimento desse aparato é um fenômeno típico da atualidade
e atingiu seu auge somente com a enorme expansão dos impostos individuais e os
programas de previdência social. Sem ele, a administração direta das escolas era
considerada como a única forma possível de financiar a educação. Naturalmente,
como alguns dos exemplos citados acima sugerem, algumas características dos
arranjos propostos estão presentes nos sistemas educacionais existentes. E acredito
que tem havido uma forte e progressiva pressão a favor de arranjos desse tipo na
maioria dos países ocidentais, que talvez possa ser explicada pelo desenvolvimento
recente do aparato administrativo governamental que facilita tais arranjos.
Muitos detalhes administrativos problemáticos poderiam surgir durante a
troca do atual sistema pelo proposto, e durante sua administração. Mas esses não
parecem ser nem insolúveis nem especiais. Como na desestatização de outras ati-
vidades, os prédios e equipamentos existentes poderiam ser vendidos a empresas
privadas que desejassem entrar no ramo, de forma a não haver desperdício de
capital durante a transação. O fato de que unidades governamentais, pelo menos em
determinadas áreas, iriam continuar a administrar escolas, permitiria uma transição
gradual e tranquila. A administração localizada da educação nos Estados Unidos
e em outros países também facilitaria a transição, uma vez que ela estimularia a
experimentação em pequena escala com métodos alternativos de lidar com esses
e outros problemas. Surgiriam dificuldades, sem dúvida, na definição do setor
de governo responsável pelas bolsas, mas isso equivale ao problema já existente
de determinar que setor fica obrigado a oferecer serviços educacionais para uma
determinada criança. As diferenças quanto ao valor das bolsas deixariam uma
área mais atraente do que outra, da mesma forma que atualmente se observam os
efeitos das diferenças na qualidade da educação. A única complicação adicional
é a oportunidade possivelmente maior de ocorrência de abusos devido à maior
liberdade para decidir onde educar os filhos. A suposta dificuldade maior da ad-

podem resolver esse dilema. Elas tornam desnecessária essa escolha. Nesse sistema, podem
existir escolas só para brancos, escolas só para negros e escolas mistas. Os pais podem decidir
a qual escola mandar seus filhos. A ação apropriada para aqueles que se opõem à segregação
e ao preconceito racial é tentar convencer os outros e, se eles conseguirem seu intento, as
escolas mistas crescerão às custas das escolas não mistas, dando lugar à ocorrência de uma
transição gradual. Enquanto o sistema for gerido pelo estado, só há a possibilidade de haver
ações drásticas, que fazem as pessoas passarem de um extremo ao outro. O grande mérito do
arranjo privado é que ele permite uma transição gradual.[...]

215
ministração é uma defesa padronizada do status quo contra quaisquer propostas
de mudança; nesse caso em particular, é uma defesa ainda mais fraca do que de
costume, porque os arranjos existentes devem dar conta não somente dos maiores
problemas levantados pelos arranjos propostos, mas também pela administração
das escolas como uma função do governo.

216
Leitura 2
A Reforma da Educação chilena:
contexto, conteúdos, implantação

Cristian Cox (1997)7

[...]
Descentralização e financiamento por meio da subvenção por aluno: a herança
das mudanças dos anos 80.
Em termos organizacionais, o sistema escolar do Chile é herdeiro de um
modelo altamente centralizado de provisão estatal de educação que remonta a
meados do século XIX, interrompido por uma profunda reforma descentralizadora
e privatizante aplicada pelo regime militar ao longo da década de 80, e que não
foi revertida pelo governo democrático que assumiu em 1990, ainda que tenha
introduzido novos princípios de ação do Estado no setor.
A reforma da administração e do financiamento do sistema escolar do início
da década de 1980 consistiu em três medidas principais:
• Em primeiro lugar, transferiu a administração do conjunto dos estabele-
cimentos escolares, até então subordinado ao Ministério da Educação, aos 325
municípios do país (hoje 334), que passaram a manejar seu pessoal, com poder
de contratar e despedir professores e administrar sua infraestrutura, enquanto o
Ministério da Educação mantinha funções normativas, de definição do currículo
e dos livros textos, de supervisão e de avaliação.
• Em segundo lugar, mudou a forma de alocação de recursos, de uma mo-
dalidade baseada nos orçamentos históricos de gastos dos estabelecimentos para
uma modalidade baseada no pagamento de uma subvenção por aluno atendido.
Além disso, essa subvenção por aluno foi calculada de modo a agir como incen-
tivo econômico para o ingresso de gestores privados dispostos a implantar novos
estabelecimentos de ensino básico e médio.
• Por último, a reforma transferiu a administração de um número de esta-
belecimentos públicos de ensino profissionalizante (nível médio) do Ministério da
Educação para corporações constituídas pelas principais associações empresariais
com essa finalidade precípua.

7
Texto extraído de: Cristian Cox. A Reforma da Educação Chilena: contexto, conteúdos,
implantação. PREAL. PREAL Documentos, No. 8, Agosto, 1997. (Disponível em: http://
www.preal.org/Biblioteca.asp?Id_Carpeta=64&Camino=63|PrealPublicaciones/64|PREAL
Documentos. Acesso em: 11/10/10.)

217
Os propósitos governamentais explícitos e implícitos com as políticas des-
centralizadoras e privatizantes dos anos 80 foram: conseguir maior eficiência na
utilização dos recursos através da concorrência entre os estabelecimentos pelas
matrículas; transferir funções do Ministério da Educação e sua burocracia central
para os poderes locais representados no município, bem como reduzir o poder
de negociação do sindicato dos professores; obter maior participação do setor
privado no fornecimento da educação, o que lançaria as bases para uma maior
concorrência entre os estabelecimentos e mais opções para os consumidores e,
por último, promover maior aproximação entre a educação técnico-profissional
média e os círculos econômicos da produção e dos serviços.
Em termos de organização institucional e administrativa, ao iniciar-se o
governo da transição, em 1990, o sistema escolar apresentava traços mistos. As
escolas primárias e os estabelecimentos secundários municipalizados estavam
sujeitos a uma dupla subordinação: aos municípios nos aspectos administrativos
e ao Ministério da Educação com relação a currículo, pedagogia e avaliação. Os
estabelecimentos privados – tanto aqueles com financiamento público como os
pagos – estavam igualmente sujeitos aos ordenamentos curriculares e de avalia-
ção fixadas nacionalmente pelo Ministério da Educação. Como já foi dito, essa
organização mista, fruto da ação reformadora do regime militar sobre a matriz
historicamente centralizada da educação chilena, foi aceita pelos governos do
Acordo, ainda que com contrapesos importantes, em termos do papel do Ministério
da Educação, em suas políticas de intervenção direta através de programas de
melhoria da qualidade e de discriminação positiva com respeito às inequidades
na distribuição social dos resultados do sistema.

218
Leitura 3
Escolha da escola no Chile: duas décadas de reforma educacional

Patrick J. McEwan (2000)8

Em 1980, o governo militar do Chile iniciou uma nova e drástica reforma,


descentralizando o controle das escolas públicas para os municípios e passando a
financiar as escolas públicas e a maioria das privadas de acordo com um sistema
de vouchers. A partir de então, o financiamento das escolas passou a flutuar de
maneira diretamente proporcional às matrículas mensais e a esse subsídio por
estudante – ou voucher, como frequentemente se fala. A reforma atraiu consi-
derável atenção internacional devido a suas possíveis implicações para políticas
educacionais em outros países latino-americanos e, talvez, para o debate sobre
a escolha da escola (school choice) nos Estados Unidos. Lamentavelmente, as
opiniões positivas e negativas sobre a reforma chilena com frequência se baseiam
em pouco mais que casos particulares e ideologias.
O novo livro de Varun Gauri, baseado em sua tese de doutoramento, fornece
uma perspectiva crítica da reforma chilena que se fazia deveras necessária. Apesar
de conter alguma análise empírica, a principal contribuição do texto é sua des-
crição bem escrita e definitiva de como a reforma foi concebida, implementada,
interpretada e solapada pelas principais partes interessadas. O livro baseia-se em
numerosas entrevistas com participantes do processo de reforma, bem como em
uma extensa revisão da legislação e de outros textos. Esse livro deveria ser leitura
obrigatória para todos os interessados em reformas educacionais baseadas no
mercado ou na política social latino-americana. Também será de interesse para
estudiosos interessados na implementação de políticas em geral.
O livro é organizado em cinco capítulos. Um breve capítulo introdutório
argumenta que um crescente consenso emergiu em torno da necessidade de se
reestruturar o Estado do bem-estar social. Dentre os países envolvidos nesse pro-
cesso, o Chile se tornou quase paradigmático, “[constituindo] o caso exemplar de
modernização, descentralização e privatização no mundo em desenvolvimento”
(p. 11). A política educacional chilena é um dos componentes mais interessantes
de uma agenda de reformas muito mais ampla.

8
Texto extraído da resenha escrita por Patrick J. McEwan, publicada na Comparative Edu-
cation Review, Vol. 44, No. 2, maio de 2000, do livro: School Choice in Chile, Two Decades
of Educational Reform por Varun Gauri. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1998.
Reproduzido com permissão de Taylor & Francis.

219
O Capítulo 2 descreve a lógica teórica e a estrutura legal das reformas chilenas.
De maior interesse é sua exposição de como a implementação das reformas se
desviaram do projeto de livre mercado. Durante a década de 1980, por exemplo,
decisões a respeito da contratação e demissão de professores eram geralmente
tomadas nos mais altos escalões, e não no nível das escolas ou dos municípios.
A débil saúde financeira das escolas municipais era frequentemente remediada
por seus governos municipais, que então se voltavam para o governo nacional
solicitando recursos adicionais. O Ministério da Educação continuamente inter-
vinha em assuntos que iam do currículo à cor dos uniformes dos estudantes. A
reforma pode ter domado as tendências dirigistas do governo chileno, mas nunca
conseguiu eliminá-las por completo. Ambos os críticos e defensores do “modelo
chileno” fariam bem em ter isso em mente.
O Capítulo 3 apresenta a análise empírica do livro, baseada em uma amostra
aleatória de domicílios de Santiago feita por Gauri. Quanto ao seu conteúdo e
qualidade, o levantamento se rivaliza com a pesquisa por domicílios chilena Carac-
terización Socioeconómica Nacional (CASEN), e espera-se que seja utilizado para
outras análises. Em várias análises descritivas e multivariadas, Gauri mostra que as
escolas públicas e privadas no Chile são extremamente estratificadas. Famílias de
condição socioeconômica mais alta, entre outras características, têm probabilidade
muito maior de matricular seus filhos em escolas de alto desempenho. Estamos in-
teressados, contudo, em saber se as reformas de 1980 aumentaram a estratificação
em comparação com as condições vigentes anteriormente (afinal, a estratificação
existe no Chile há muito tempo). É complicado chegar a uma conclusão com base
em um único banco de dados transversal, como o autor sinceramente admite. Essa
análise também teria sido enriquecida por maiores referências à vasta literatura
teórica e empírica sobre a escolha da escola pelos pais nos Estados Unidos e em
outros países. Ainda assim, o capítulo fornece uma referência útil para todos os
interessados em reformas baseadas na escolha de escolas.
O quarto capítulo aprofunda o tema das contradições da reforma. Gauri
argumenta que ela pôde ser facilmente iniciada devido ao “clima autoritário e às
estratégias repressivas do regime” (p. 74). Entretanto, ela não pôde ser facilmente
mantida, devido a “motivações diversas, visões de mundo conflitantes e vocabulá-
rios de reforma incompatíveis entre os vários grupos responsáveis pelas reformas”
(p. 79). Um desses grupos era o núcleo de economistas formados em Chicago que
desenvolveu o plano. Outro grupo incluía os oficiais militares – muitos dos quais
servindo como prefeitos municipais biônicos – encarregados de implementar o
plano. Estes insistiam em tratar o sistema educacional como uma cadeia de coman-
do centralizada com ordens emanadas do topo. Gauri argumenta que a existência
de uma democracia e o diálogo que ela encorajaria poderia ter sido mais efetivo
para estimular as reformas (apesar de que, ainda assim, seria necessário dedicar
uma atenção especial para convencer grupos de interesse como os professores).
Em que pese sua força, teria sido mais interessante se os argumentos analíticos
de Gauri, como este último, tivessem passado por uma maior elaboração.

220
Um breve capítulo final tenta tirar lições para o debate mais amplo sobre a
escolha de escolas. O tom geral é de ceticismo com relação a políticas que pro-
põem soluções rápidas, como essa. Algumas dessas lições não são inteiramente
embasadas nos capítulos anteriores; por exemplo, ainda que o crescimento da
estratificação seja uma preocupação central em planos baseados na escolha, não
estou inteiramente convencido de que alguém tenha empiricamente demonstrado
que a estratificação de fato cresceu no Chile. A despeito dessas controvérsias
pontuais, Gauri produziu um livro iluminador e bem fundamentado em pesquisas.
Por não ter simplesmente tomado o “modelo chileno” por pressuposto, ele pôde
revelar grandes complexidades e contradições. Espera-se que pesquisas empíricas
futuras e debates sobre políticas sejam enriquecidos por este trabalho.

221
Leitura 4
Escolas charter:
aprendendo com o passado, planejando para o futuro

Lea Hubbard e Rucheeta Kulkarni (2009)9

Nas décadas finais do século XX, a responsabilidade por melhorar o sistema


público de educação nos EUA passou dos profissionais para a comunidade em geral
(Murphy & Shiffman, 2002). Surgiu um foco sobre os “direitos dos pais”, junto
a uma maior ênfase na mercantilização e privatização (Contreras, 1995; Wells,
2002). Muitos educadores, pais, empresários e políticos começaram a apoiar a
ideia da escolha da escola como a solução para os aparentemente intratáveis pro-
blemas do sistema público de ensino. As escolas charter logo receberam atenção
como um meio especialmente promissor de prover a inovação, a competição e as
melhorias acadêmicas que se faziam muito necessárias.
Nos anos seguintes à abertura da primeira escola charter nos EUA (em
Minnesota, em 1992), o movimento se expandiu rapidamente10. Em 2008, de
acordo com o Centro para a Reforma Educacional (Center for Education Reform,
2008a), uma organização não partidária que apoia a escolha das escolas (school
choice), havia 4.200 escolas charter, atendendo a aproximadamente 1,2 milhões
de estudantes em 40 estados americanos e no Distrito de Columbia. Como tais
estatísticas indicam, essa forma de escolha de escolas tem um forte apoio. E,
tendo em vista que o presidente Barack Obama indicou Arne Duncan, defensora
das escolas charter, para a Secretaria da Educação dos EUA, o apoio a essas
escolas não deve diminuir. Ainda assim, ao longo dos dez últimos anos, uma
oposição crescentemente vigorosa tem aparecido em alguns setores. Opositores
questionam as escolas charter por diversas razões, incluindo dúvidas sobre a sua
eficácia, responsabilização, equidade e sustentabilidade. Este artigo lida com essas
preocupações, sintetizando o conhecimento da literatura sobre as escolas charter,
expondo áreas em que as evidências são insuficientes, conflitantes ou ambíguas, e
avaliando o desenvolvimento geral da reforma dessas escolas. Visando contribuir

9
Texto extraído de: Lea Hubbard e Rucheeta Kulkarni. Charter schools: learning from the past,
planning for the future. Journal of Educational Change, 10, 2009: 173–189. Reproduzido
com gentil permissão da Springer Science and Business Media.
10
Ainda que nosso estudo se restrinja ao contexto dos EUA, deve-se notar que escolas se-
melhantes às charter existem em outros países, como a Nova Zelândia (Ladner, 2001), Chile
(Larrañaga, 2004), e Inglaterra (Wohlstetter & Anderson, 2004). Além disso, países como o
Japão têm demonstrado crescente interesse nas mesmas (Tokyo, 2004).

222
para o debate da questão da sustentabilidade, iremos nos basear parcialmente
nos resultados de nosso estudo de caso de longo prazo, em andamento, de uma
escola convertida em charter. Essa informação etnográfica revela a existência
de sérios desafios para os pesquisadores e elaboradores de políticas, ao mesmo
tempo em que provê um guia útil para o direcionamento futuro do movimento
das escolas charter.

Visão geral

Da maneira como são projetadas, as escolas charter visam a combinar uma


maior autonomia acadêmica do que a normalmente associada às escolas públicas
tradicionais e com maior responsabilização, objetivando, assim, gerar resultados
educacionais positivos (Wells, 2002; ver também Wohlstetter et al., 1995). As
escolas charter deliberadamente se distanciam das regras e dos regulamentos dos
sindicatos, tendo, portanto, uma maior liberdade para contratar e despedir pro-
fessores. Como o próprio nome indica, as escolas operam sobre uma concessão
ou contrato11 com um agente autorizador. Esse agente varia bastante: pode ser
um distrito escolar, o conselho de educação de um estado, uma universidade ou
uma organização com ou sem fins lucrativos. Cabe ao agente autorizador supervi-
sionar e responsabilizar a escola charter, e os contratos geralmente precisam ser
renovados com uma periodicidade de três a cinco anos.
As escolas charter se diferenciam em um número surpreendentemente grande
de aspectos (Lake & Hill, 2006). Há, por exemplo, diferenças na estrutura orga-
nizacional – há “escolas charter iniciais”, “escolas charter convertidas” (escolas
públicas convencionais que requisitaram e receberam a condição de charter), e,
especialmente ao longo dos últimos cinco a dez anos, escolas afiliadas a organiza-
ções gestoras de escolas charter (OGCs) com ou sem fins lucrativos (Lake, 2007).
Além disso, diferentes tipos de escolas charter atendem a diferentes populações
de estudantes, apresentam melhor ou pior saúde financeira, e enfrentam desafios
tanto similares quanto diferentes que terminam por afetar o trabalho que podem
realizar. Tais variações dificultam bastante a tarefa de fazer generalizações sobre
a eficácia das escolas charter como uma iniciativa de reforma educacional. A des-
peito da existência de níveis geralmente altos de satisfação por parte de pais que
escolheram matricular seus filhos em escolas charter (Teske & Schneider, 2001),
há um persistente debate entre educadores, pesquisadores e elaboradores de polí-
ticas, revelando a existência de importantes preocupações políticas e educacionais.
As perguntas seguintes estão entre as mais relevantes:

11
Em inglês, Charter significa, literalmente, um contrato ou decreto. No contexto educacional
significa um contrato especificando as condições e objetivos para a gestão privada de uma
escola pública. (N. T.)

223
• As escolas charter estão cumprindo a sua promessa de melhorar o desem-
penho acadêmico dos estudantes?
• As escolas charter estão sendo responsabilizadas suficientemente?
• As escolas estão melhorando a educação de todas as crianças, ou estariam
contribuindo para uma nova segregação da educação pública?
• As escolas charter são realmente inovadoras (ao expandir as opções de
acordo com as necessidades diversas dos estudantes), ou seriam similares em
muitos aspectos às escolas públicas convencionais?
• As escolas charter têm os requisitos necessários em termos de liderança,
equipe de professores e governança para realizarem sua missão educacional?
• E, por fim, as escolas charter são sustentáveis como uma alternativa perma-
nente às escolas públicas convencionais?
O restante deste artigo trata sequencialmente de cada uma dessas questões.
Sempre que possível, utilizamos a pesquisa disponível mais recente de modo a
fornecer uma compreensão precisa de até que ponto as escolas charter estão cum-
prindo (ou não) sua promessa de serem tanto inovadoras como responsabilizáveis.
As escolas charter estão cumprindo sua promessa de melhorar o desempenho
acadêmico dos estudantes?
A resposta direta para a questão das escolas charter estarem ou não melho-
rando o desempenho acadêmico dos estudantes é que ainda não se sabe. Ao longo
da última década e por toda a nação, estudos sobre o desempenho das escolas
charter apresentarem resultados diversos. Um estudo não-partidário publicado
em 2001 encontrou significativas diferenças inter e intraestaduais (Rand, 2001).
No Arizona, por exemplo, as escolas charter parecem se sair melhor do que as
públicas em leitura, e possivelmente em matemática; em Michigan, os estudantes
da sétima série nas escolas charter recentemente abertas não apresentaram di-
ferenças nos resultados das avaliações se comparados a seus colegas de escolas
públicas convencionais, enquanto que os estudantes da quarta série de escolas
tradicionais obtiveram resultados superiores aos das escolas charter. No Texas,
as escolas charter que se concentraram especificamente em estudantes com risco
de baixo desempenho acadêmico demonstraram um desempenho superior ao das
escolas públicas convencionais, mas as outras escolas charter do estado obtiveram
resultados ligeiramente piores do que as escolas públicas convencionais.
Outros estudos encontraram resultados mais positivos. Zimmer et al. (2003)
conduziram uma investigação sobre as escolas charter da Califórnia e chegaram ao
resultado de que, quando as escolas charter proviam toda sua instrução dentro da
sala de aula (ao contrário de prover parte dela fora da sala de aula), os estudantes se
saíam melhor do que os das escolas públicas. Algumas pesquisas bastante recentes
sobre duas escolas charter iniciais na Califórnia mostraram que os estudantes de
minorias ou de baixa renda obtinham melhores resultados acadêmicos que seus
pares de escolas públicas no que diz respeito ao ingresso na faculdade (Alvarez
& Mehan, 2006; McLure et al., 2005).

224
Os críticos das escolas charter, por outro lado, enfatizam evidências que
indicam que essas não estão se saindo bem se comparadas às não charter. Um
exemplo é a análise dos dados da Avaliação Nacional do Progresso Educacio-
nal (National Assessment of Educational Progress – NAEP) feita pela Federação
Americana de Professores (American Federation of Teachers – AFT) (Nelson et
al., 2004), que mostra que os resultados dos testes de alunos das escolas charter
estavam situados meio ano abaixo dos resultados dos alunos de escolas públicas.
A análise também mostrou que, enquanto alunos negros de escolas charter tiveram
um desempenho igual ao dos negros de escolas públicas, os estudantes de bairros
pobres e os beneficiários de merenda escolar tiveram resultados piores. Um rela-
tório de 2005 do Centro Nacional de Estatísticas Educacionais (National Center
for Education Statistics – NCES), uma agência governamental norte-americana,
confirmou os resultados da AFT. Comparados a seus pares de escolas não charter,
os alunos de baixa renda de escolas charter obtiveram resultados piores em leitura
e em matemática, passaram por professores com menos anos de experiência e
por uma maior proporção de docentes sem certificação. Outros estudos repetem
esses resultados desalentadores, não encontrando diferenças significativas entre o
desempenho em avaliações dos alunos de escolas fundamentais charter e aqueles
do ensino público tradicional (Loveless, 2003; Rogosa, 2003).
Os resultados variáveis encontrados para o desempenho dos alunos de es-
colas charter foram interpretados de diferentes maneiras. Alguns partidários das
escolas charter questionam o formato e/ou a metodologia das pesquisas utilizadas
para avaliar o seu desempenho, argumentando que os resultados do NAEP são
enganosos, já que os efeitos da pobreza e de outros fatores de formação dos alu-
nos que frequentam as escolas charter impactam negativamente os resultados dos
testes. Braun et al. (2006), por exemplo, defendem a necessidade de uma análise
quantitativa mais sofisticada usando modelagem linear hierárquica para permitir
o estudo das múltiplas características das escolas e dos alunos. Contudo, quando
Braun e seus colegas aplicaram o modelo estatístico proposto, também chegaram a
resultados desanimadores quanto ao desempenho escolar. As notas dos alunos de
escolas charter em leitura e matemática foram, em média, menores que aquelas de
alunos de escolas públicas não charter. Hoxby (2004), uma defensora das escolas
charter, relatou resultados positivos em sua comparação entre os resultados de
alunos de escolas públicas e charter em leitura e matemática, após controlar pela
pobreza e outros fatores pessoais. Uma nova análise pelo Instituto de Políticas
Econômicas (Economic Policy Institute), no entanto, concluiu que Hoxby não havia
estabelecido controles estatísticos adequados para a composição racial ou para
a condição de baixa renda. Os autores concluíram pelos dados de Hoxby que
“quando é feito o controle, tanto pela composição racial, quando pela condição
de baixa renda, os efeitos positivos de frequentar escolas charter desaparecem
tanto na matemática quando na leitura” (p. 2). A pesquisa de Hoxby também foi
duramente criticada por outros autores (veja Carnoy et al., 2005).

225
A questão temporal pode também ter influenciado a variabilidade dos resul-
tados do desempenho acadêmico. Alguns pesquisadores perceberam que, geral-
mente, os dados de desempenho analisados foram coletados quando as escolas
charter estavam em seus estágios iniciais de crescimento. Além disso, devido ao
fato de as escolas charter por vezes experimentarem novas abordagens educacio-
nais e “coletarem dados de resultados de testes colhidos ao longo do tempo para
uma dada série , sem levarem em conta que uma escola tem estudantes diferentes
naquela mesma série em anos escolares diferentes”, os resultados dos estudos
são frequentemente problemáticos (Betts & Tang, 2008). Outros pesquisadores,
percebendo que a avaliação do desempenho acadêmico é uma empreitada comple-
xa, sugerem o uso de diferentes tipos de avaliação e clamam para que os estudos
sejam realizados durante um longo período de tempo (Bulkley & Fisler, 2003).
Ao longo da última década, a avaliação das escolas charter se manteve como
um tema recorrente entre os educadores, elaboradores de políticas e pais. Contudo,
muito recentemente foi sugerida uma mudança significativa na abordagem referente
à questão da avaliação. Betts e Tang (2008) defenderam uma abordagem de valor
agregado. Eles usam essa metodologia, juntamente com a escolha aleatória, em
sua investigação do desempenho das escolas charter. Em que pese a considerável
variação observável entre essas escolas, as evidências em geral apontam que as
escolas charter superaram suas contrapartidas públicas tradicionais. Betts e Tang
reconhecem que os resultados de seu estudo são preliminares, e notam que, no
nível do ensino médio, encontram indicações bastante desanimadoras. Ainda
assim, argumentam que os resultados para o ensino fundamental dão razões para
o otimismo.

As escolas charter estão sendo responsabilizadas suficientemente?

Em troca de autonomia, as escolas charter supostamente devem ser respon-


sabilizadas por atingir os objetivos a que se propõem quando do recebimento de
sua concessão. Dado o investimento governamental nas escolas públicas resultante
dessa alternativa, o nível de responsabilização é uma preocupação tanto política
quanto educacional. Bulkley e Fisler (2003) percebem que “há uma considerável
variação na abordagem dos estados em relação à responsabilização governamental”
(2003:237). Alguns estados exercem um controle considerável sobre as escolas
charter, enquanto outros contam com a responsabilização do mercado ou com uma
supervisão distrital para garantir a qualidade.
Alguns pesquisadores mostraram que, mesmo quando há evidências de respon-
sabilização, certos problemas persistem, devido à maneira como as escolas charter
se relacionam com suas instituições outorgantes. Wells (2002) argumenta que:
As instituições que outorgam concessões às escolas charter encontram dificuldade
em saber como se relacionar com elas com base no desempenho, em vez da ob-

226
servância contratual. Resumindo, há agora vultosas evidências de que a visão da
reforma sistêmica das escolas charter e seu trade off entre autonomia e responsabi-
lização não se concretizou. Nós nos vemos diante de uma reforma que, em muitos
casos, concede grande autonomia para escolas individuais, mas pouca informação
pública ou feedback sobre o que se passa dentro delas. (Wells, 2002: 13)
Uma hipótese comum é que o mercado guiará a responsabilização, mas pa-
rece não haver qualquer responsabilização acadêmica adicional para as escolas
charter (Wells, 2002). Os defensores continuam sustentando a tese de que as
escolas charter que não forem capazes de fornecer educação de qualidade sim-
plesmente fecharão suas portas, já que os pais irão retirar seus filhos das escolas
ruins. Pesquisas quanto a esse assunto, contudo, revelam que essa hipótese pode
não ser correta.
[...]

227
Leitura 5
As escolas charter estão fazendo a diferença?
Um estudo do desempenho dos estudantes em oito Estados

Rand Education (2009)12

Escolas charter são escolas financiadas publicamente que operam fora do


controle direto dos distritos escolares locais, conforme uma concessão pública
que lhes dá maior autonomia que outras escolas públicas na definição de seus
currículos, seu ensino e suas operações. Seus estudantes, ou os pais desses, esco-
lhem a escola, ao invés de receberem uma designação baseada em sua localização
residencial. A primeira escola charter dos EUA foi aberta em 1992, e, desde
então, elas cresceram em número até atingirem mais de 4.000 em 40 estados,
atendendo a mais de 1,2 milhões de estudantes.
Ainda que o Presidente Barack Obama e a Secretária da Educação Arne
Duncan apoiem as escolas charter, continua a haver um grande debate sobre
elas. Os defensores dizem que escolas charter expandem as escolhas educacionais
dos estudantes, aumentam a inovação, melhoram o desempenho dos alunos e
promovem uma competição saudável com as escolas públicas tradicionais. Já os
oponentes argumentam que as escolas charter levam a uma maior estratificação
étnica ou racial dos estudantes, retiram os melhores alunos das escolas públicas
tradicionais, reduzem a verba destinada a essas e não proporcionam quaisquer
melhorias reais no desempenho dos estudantes.
A despeito do volume de pesquisa sobre esses temas ser crescente, muitos dos
resultados principais não foram propriamente examinados, ou foram estudados
apenas para cidades ou estados específicos. Os pesquisadores da RAND procura-
ram, portanto, lançar luz sobre os efeitos das escolas charter, examinando dados
de trajetórias individuais de estudantes específicos em comunidades e estados
com diferentes políticas de concessão, verificando – pela primeira vez – como as
escolas charter afetam o desempenho a longo prazo dos estudantes. Essa equipe
de pesquisadores analisou microdados longitudinais referentes a estudantes de

12
Texto extraído de: Rand Education. Are Charter Schools Making a Difference? A Study of
Student Outcomes in Eight States. Research Briefs, Rand Corporation, 2009. (Disponível em
http://www.rand.org/pubs/research_briefs/. Acesso em: 20/12/2009). A versão completa da
pesquisa, intitulada Charter schools in eight states: effects on achievement, attainment, integra-
tion and competition, de Ron Zimmer, Brian Gill, Kevin Booker, Stephanie Lavertu, Tim R.
Sas e John Witte, está disponível em http://www.rand.org/pubs/monographs/MG869/), 2009:
160. Reproduzido com permissão da RAND Corporation.

228
Chicago, San Diego, Filadélfia, Denver, Milwaukee e os estados de Ohio, Texas e
Flórida. Corroborando os achados de outros estudos, constatou-se que algumas das
preocupações relativas às escolas charter podem ser descartadas, ao mesmo tempo
em que muitos dos benefícios esperados não se tornaram realidade. A descoberta
mais marcante foi que estudar em escolas charter pode impactar positivamente
a chance de um estudante se formar e de ir para a faculdade – dois resultados
críticos que não haviam sido examinados em estudos anteriores –, o que sugere a
necessidade de olhar para mais do que as notas das avaliações de desempenho ao
mensurar a eficácia das escolas charter. Essa comunicação descreve os principais
resultados e suas implicações para políticas e para pesquisas futuras.
As escolas charter não estão retirando os estudantes de melhor desempenho
das escolas tradicionais, e nem tampouco estão criando uma estratificação racial.
Quando os pesquisadores examinaram os resultados em avaliações de desempe-
nho dos estudantes antes de se transferirem para as escolas charter, encontraram
valores próximos ou abaixo da média distrital ou estadual. Isso sugere que as
escolas charter não estão retirando os melhores estudantes das escolas públicas
tradicionais, como alguns opositores previam. Igualmente, ao observar se as trans-
ferências para as escolas charter afetavam a distribuição de estudantes por raça
ou etnia, os pesquisadores encontraram que, na maioria dos locais, a composição
racial da escola charter para a qual um estudante se transferia era similar àquela
da escola pública tradicional da qual ele saía.
Na média, em diferentes comunidades e sob diferentes políticas educacionais,
as escolas charter da quinta à oitava série e de ensino médio produziram melhorias
de desempenho praticamente iguais às de escolas públicas tradicionais. Entretanto,
as melhorias de desempenho de escolas charter da primeira à quarta série são
difíceis de serem estimadas e permanecem incertas, porque os alunos do ensino
fundamental em geral não passam por avaliações que sirvam de controle quando
entram para a primeira série. Quanto às escolas de quinta a oitava série e de ensino
médio, a equipe de pesquisadores constatou que as melhorias de desempenho
nas escolas charter e nas escolas públicas tradicionais eram aproximadamente as
mesmas, com duas exceções. Em primeiro lugar, as escolas charter não obtêm
um bom desempenho no primeiro ano de operação, havendo a tendência de seus
estudantes ficarem para trás. Os ganhos geralmente ocorrem depois desse período.
Em segundo lugar, há motivos para se preocupar com o desempenho das escolas
charter virtuais, que acolhem seus estudantes a distância, isto é, em suas casas,
ao invés de fazê-lo em um prédio escolar. No único local com um número subs-
tancial de escolas charter virtuais (Ohio), os estudantes desses estabelecimentos
apresentaram melhorias de desempenho significativamente abaixo daquelas dos
estudantes de escolas públicas tradicionais e de escolas charter em salas de aula
tradicionais.
As escolas charter não parecem ajudar ou prejudicar o desempenho dos es-
tudantes matriculados nas escolas públicas tradicionais das proximidades. Alguns
defensores previram que a presença de escolas charter impactaria positivamente as

229
escolas públicas tradicionais de sua vizinhança ao exercerem uma saudável pressão
competitiva; alguns opositores se preocuparam com o fato de que as escolas charter
prejudicariam os estudantes das escolas públicas tradicionais das proximidades
ao drenarem recursos. Nenhuma dessas teorias foi corroborada pelo estudo. Os
pesquisadores examinaram o desempenho de escolas públicas tradicionais com
escolas charter próximas e observaram que a presença destas não parecia ajudar
nem prejudicar o desempenho dos estudantes das escolas tradicionais vizinhas.
Os estudantes que frequentaram escolas charter tiveram maiores chances
de se formarem e de irem para a faculdade. Para os locais em que estavam dis-
poníveis dados da proporção de formandos e de ingressantes no ensino superior
provenientes de escolas charter (Chicago e Flórida), os pesquisadores constataram
que frequentar uma escola charter aumentava em 7 a 15 pontos percentuais a
probabilidade de um estudante se formar. Igualmente, os estudantes que frequen-
taram escolas charter pareceram ter um acréscimo de 8 a 10 pontos percentuais
na probabilidade de se matricularem na faculdade. Em que pese haver algumas
limitações desses resultados, eles dão motivos para se animar quanto aos bene-
fícios de longo prazo das escolas charter. Também sugerem a necessidade de
olhar para além das notas dos testes para avaliar plenamente o desempenho das
escolas charter.

Implicações para políticas

Esse estudo tem uma série de implicações para políticas e para pesquisas
futuras. Em primeiro lugar, o resultado que indica que as escolas charter não estão
retirando os alunos de maior desempenho das escolas públicas tradicionais pode
aliviar algumas das preocupações dos elaboradores de políticas. Em segundo lugar,
a ausência de efeitos sobre o desempenho das escolas públicas tradicionais das
proximidades sugere que a perda de estudantes para as escolas charter não está
produzindo impactos negativos no desempenho das escolas públicas tradicionais,
mas também sugere que as escolas charter podem não produzir os efeitos compe-
titivos sobre as escolas públicas tradicionais que eram esperados. Por fim, essa
pesquisa demonstra a necessidade de ir além dos resultados de testes e alargar
o escopo das medidas utilizadas para avaliar o sucesso das escolas charter. Esse
foi o primeiro estudo a ampliar a gama de medidas de desempenho para incluir
resultados de longo prazo, como a conclusão do ensino médio e o ingresso na
faculdade, além dos resultados de testes; e os resultados foram mais encoraja-
dores do que seriam se fossem usadas apenas as notas de desempenho escolar.
Pesquisas futuras devem procurar examinar uma gama mais ampla e profunda
de resultados dos alunos.

230
Leitura 6
A melhoria da educação na América Latina:
e agora, para onde vamos?

Martin Carnoy e Claudio de Moura Castro (1997)13

[...]

As Lições da Descentralização

Nos anos 80 e início dos 90, o tipo mais comum de reforma na região foi tentar
reduzir os gastos do governo central com educação, através da descentralização do
processo decisório (administração), e, em menor grau, do financiamento da educa-
ção. Esse tipo de reforma foi implementado em vários países latino-americanos nos
anos 70 e 80 (com mais vigor na Argentina e no Chile, mas também na Colômbia
em 1989), e agora está se estendendo a outros países (por exemplo, El Salvador,
México, Nicarágua e Peru). O Brasil não precisou descentralizar a educação,
porque, salvo algumas exceções, seus sistemas de ensino básico e médio sempre
estiveram a cargo de estados e municípios.14

13
Texto extraído de: Martin Carnoy e Claudio de Moura Castro. A melhoria da educação
na América Latina: e agora, para onde vamos? In: Claudio e Moura Castro e Martin Carnoy
(orgs.), Como anda a reforma da educação na América Latina? Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas, 1997. Reproduzido com permissão dos autores.
���
O ensino básico e médio brasileiro sempre foi bastante descentralizado para estados e muni-
cípios. Mas parcela importante dos recursos nacionais destinados à melhoria da qualidade do
ensino é gerida pelo governo federal. Esses recursos eram repassados a estados e municípios
tomando por base mais interesses políticos do que necessidades educacionais. Essa mescla
peculiar de administração financeira descentralizada/centralizada talvez explique em parte a
baixa qualidade e a falta de equidade dos sistemas educacionais brasileiros. Porém, no clima
atual favorável à reforma do ensino, e no caso específico do Brasil, pode ser mais fácil im-
plementar reformas educacionais em uma estrutura institucional descentralizada. A condição
necessária seria ter, à frente do governo de estados e municípios, políticos comprometidos
com a melhoria da educação. Ainda que o processo de reforma não pudesse ser no âmbito
nacional, um ou outro caso teria forte efeito na região e no país em geral. [...] O mesmo se
aplica ao governo central. O fato de os órgãos centrais não serem diretamente responsáveis
pela administração do sistema educacional lhes permite redefinir melhor seu papel e rever os
critérios de alocação dos recursos federais, como já vem acontecendo.

231
Como já sintetizamos, a maioria das reformas que visavam a descentraliza-
ção tentou reduzir as dimensões da burocracia educacional do governo central
e transferir a administração da educação para estados e municípios. Na prática,
as reformas pareciam ser motivadas por objetivos políticos e de outra natureza,
como cercear o poder dos sindicatos de professores. Alguns dos objetivos menos
explícitos da descentralização podem ter sido, de fato, incompatíveis com medidas
de enxugamento. Em certos países, a descentralização incrementou o emprego em
épocas de recessão, criando novas estruturas regionais e locais, até mesmo no caso
do Chile. No Brasil, a municipalização parcial do ensino básico gerou estruturas
duplas (nos níveis estadual e municipal) e, nas médias e grandes cidades, uma
burocracia talvez desnecessária às novas responsabilidades da educação municipal.
Por isso, torna-se praticamente impossível concluir, com os dados disponíveis,
que a descentralização tenha realmente reduzido os recursos financeiros centrais
destinados à educação. Nos anos 80, embora os gastos com educação tenham
diminuído em termos absolutos em alguns países, na verdade, aumentaram como
parcela do PIB. Na maioria deles, a burocracia na área aumentou mais do que as
matrículas no 1º e 2º graus.
A experiência indica que, quando a descentralização não conta com o apoio
financeiro e técnico dos governos centrais, a qualidade do ensino pode diminuir,
particularmente no caso dos pobres. Países como Argentina e Chile estão agora
estudando se é ou não necessário fortalecer o papel do governo central na ava-
liação, no monitoramento e no lançamento de programas dirigidos a autoridades
locais e escolas mais carentes. No caso do Chile, certas iniciativas de melhoria da
educação estão sendo descentralizadas, como veremos mais adiante. Na Argenti-
na, a lei federal de Educação de 1993 redefiniu o papel dos governos federal e
províncias e determinou que os recursos financeiros da educação a serem repas-
sados às províncias tivessem aumentos anuais. Firmou-se um “Pacto Federal da
Educação” entre o ministro e as autoridades provinciais da educação para que se
definissem os programas e atividades nos quais esses recursos seriam aplicados.
Em breve, o governo federal porá em prática uma avaliação nacional dos alunos e
dos sistemas de informação, e proporcionará às províncias: a) assistência técnica
nas avaliações dos estudantes; b) maior capacidade institucional e técnica, a fim
de que os sistemas de informação das províncias se integrem à rede federal de
estatísticas e informações sobre educação; c) diretrizes nacionais para os currículos
escolares; d) uma rede nacional para o treinamento de professores no serviço; e)
programas nacionais dirigidos às regiões e escolas mais pobres, com fornecimento
de livros, computadores e treinamento específico para professores, e recuperação
de escolas. Mais recentemente, no Brasil, o governo federal estabeleceu critérios
para o repasse de verbas da administração federal, a fim de garantir que essas
cheguem às escolas, e aprimorou os sistemas de informação e de avaliação de alu-
nos. O Congresso Nacional já está discutindo uma nova lei federal para arrecadar
mais recursos, a fim de aumentar os salários dos professores de 1º e 2º graus.

232
A descentralização vem sendo considerada uma reforma voltada para a com-
petitividade – já que aumenta a produtividade na educação e, por conseguinte,
contribui significativamente para a melhoria da qualidade dos recursos humanos
de uma nação –, em grande parte porque aproxima o processo decisório das ne-
cessidades dos pais e confere às autoridades locais mais autonomia nas decisões.
Supõe-se que, se as comunidades locais e os próprios professores e diretores de
escolas tiverem maior controle sobre o currículo e os métodos de ensino, haverá
maior adequação entre os métodos pedagógicos e a clientela atendida, assim
como maior responsabilidade pelos resultados na área da educação. Segundo os
reformadores, se as autoridades educacionais locais se considerarem, e forem
consideradas, responsáveis pela educação, a qualidade do ensino melhorará. Os
dados disponíveis nos Estados Unidos não confirmam esse raciocínio.15
Mas algumas das reformas de descentralização efetuadas na América Latina
nos anos 80 seguiram uma visão do modelo “financeiro”. Descentralizou-se o
“controle” das escolas para o nível provincial ou municipal, transferindo recursos
para as autoridades locais, mas aumentou-se a pressão sobre elas para que levan-
tassem verbas localmente, na medida em que se cortaram recursos do governo
central. Na Argentina e no Chile, dois países que empreenderam grandes reformas
de descentralização nos anos 70 e 80, os gastos reais e totais do governo central
com educação a princípio caíram. No caso chileno, os gastos públicos por aluno
com ensino básico subiram e só declinaram na segunda metade da década (World
Bank, 1993: 90). No caso da Argentina, o processo teve duas etapas. Na primeira
(1976-83), a educação primária foi descentralizada, mas os recursos não foram
transferidos para as províncias. Em contraposição, a partir de 1991, quando a
educação secundária e pós-secundária começou a ser descentralizada, também
foram feitas expressivas transferências de dinheiro para as províncias.
A experiência na América Latina e no Caribe indica que a versão financeira
de descentralização pode proporcionar a melhoria da educação no nível local,
mas seus efeitos positivos desaparecem quando os gastos com a educação e o
know-how técnico do governo central são reduzidos (ou, como no caso brasileiro,
suprimidos). Os resultados podem também se tornar mais díspares (no Brasil, essa
disparidade continua elevada), porque os municípios pobres dispõem de menos
recursos financeiros, técnicos e humanos próprios para investir em educação do
que as regiões mais afluentes. Para que a descentralização melhore a qualidade e
reduza as disparidades, o processo de descentralização ainda requer a presença

15
A descentralização da administração e do financiamento de sistemas educacionais centraliza-
dos e altamente burocráticos deveria proporcionar uma prestação de serviços mais inovadora
e eficaz nessa área, e uma melhor aferição de resultados por parte dos pais, mas há poucos
indícios de que a descentralização em si melhore a qualidade do ensino. Nos estados Unidos,
onde tem havido um esforço conjunto para transferir o controle das decisões na área educa-
cional para os estabelecimentos de ensino, constatou-se, após uma ampla avaliação, que a
autonomia escolar não produziu melhorias significativas no desempenho dos alunos (Malem,
Ogawa & Krantz, 1989; Hannaway & Carnoy, 1993).

233
constante do governo central e o compromisso de fornecer os recursos necessários
às regiões e escolas mais pobres.
Certos países já compreenderam que a qualidade do ensino não melhora
com reformas financeiras, e sim quando se dá ênfase a um maior aproveitamento
e aos recursos necessários para chegar-se a isso. Em fins da década de 80 e nos
anos 90, quando a região se democratizou e os índices de crescimento econômico
subiram, as iniciativas para melhorar a qualidade do ensino também mudaram.
No contexto de democratização política e de melhor desempenho econômico, nos
anos 90, o governo central do Chile, por exemplo, mudou as diretrizes de sua
reforma, aumentando bastante os gastos por aluno do Ministério da Educação e
concentrando-se nas escolas de baixo desempenho (mais produtividade e menos
disparidade).
Na Argentina, os ministérios do governo central e das províncias também
começaram a ter um papel mais ativo na promoção de programas de melhoria de
qualidade e no aumento dos gastos com a educação. Em 1993, por exemplo, foi
criado um programa dirigido a 10 mil escolas localizadas em áreas carentes. O
programa propicia treinamento de professores, livros, computadores e a recupe-
ração e manutenção de escolas. No sistema brasileiro, há muito descentralizado,
as reformas orientadas para a competitividade e a supressão das disparidades
começaram nos níveis estadual e municipal. [...] As reformas em outros países já
democráticos, como a Colômbia, que começaram no final dos anos 80, mudaram
de orientação rapidamente por outro motivo. Sem esperar pelas lições a extrair da
reforma financeira da educação, municípios e professores reorientaram a reforma
descentralizadora para a competitividade e a equidade. Mas reformadores de
outros países, como México e El Salvador, ainda esperam que a descentralização
predominantemente financeira seja o mecanismo adequado para melhorar o ensino,
poupar recursos públicos, ou ambos.

A Reforma Chilena para a Descentralização/Privatização

Um caso “modelo” de reforma para descentralização foi a implementada no


Chile em 1981, quando o governo central transferiu o ensino de 1º e 2º graus
para os municípios e financiou a criação de escolas particulares por meio de um
plano de subvenções de âmbito nacional.16 Assim, o financiamento público con-

Entende-se aqui por escolas “particulares” as que são administradas pela iniciativa privada,
��

seja por entidades com fins lucrativos ou instituições religiosas, mesmo nos casos em que essas
escolas são gratuitas, financiadas em grande parte com recursos governamentais e se veem
obrigadas a obedecer a certas exigências legais impostas pelo governo. As escolas adminis-
tradas pela iniciativa privada podem não parecer “particulares” pelo fato de contarem com
financiamento público e serem reguladas pelo governo, mas essa definição está perfeitamente
de acordo com a ideia geral do que seja uma instituição de ensino particular, ou mesmo com
a definição de negócio privado.

234
tinuava ainda em grande parte centralizado, mas o controle dos recursos passava
aos municípios, no caso das escolas públicas, e às próprias autoridades escolares,
no caso das particulares. As decisões sobre questões pedagógicas também foram
transferidas, em sua maioria, aos municípios e às escolas.
No Chile, a reforma visando à descentralização foi imposta de cima, pelo
regime militar, a fim de privatizar – o máximo possível – a administração da
educação. Mesmo assim, a descentralização se deu por etapas. Antes da refor-
ma educacional de 1980, a burocracia governamental chilena fora delegada,
na década de 70, às províncias e aos municípios administrados por prefeitos e
conselhos municipais nomeados. O sindicato dos professores também fora extin-
to. Na reforma propriamente dita, a privatização foi organizada em torno de um
plano de subvenções e da privatização dos contratos de trabalho dos professores,
passando esses funcionários públicos a empregados do setor privado sem repre-
sentação sindical. Tanto as escolas municipais quanto as escolas subvencionadas
administradas pela iniciativa privada recebiam igual financiamento por aluno, e
o currículo foi desregulamentado.
A reforma chilena conseguiu de fato descentralizar as decisões para as co-
munidades e as escolas locais (no caso das escolas particulares). Também teve
êxito no tocante à subvenção das escolas particulares. Em 1993, 40% dos alunos
do primário e 50% dos alunos do secundário frequentavam escolas geridas pelo
setor privado (Comité Técnico, 1994: 26). Mas é discutível o êxito financeiro da
reforma. Os gastos do governo com educação a princípio aumentaram. Além disso,
os gastos administrativos – outra meta financeira da descentralização – subiram à
medida que a estrutura regional descentralizada do MOE precisou ser fortalecida
com a contratação de mais pessoal. A contribuição financeira do governo central
para a educação diminuiu de 3,5% do PIB em 1980 para 2,5% em 1990, mais
em função da crise financeira generalizada do que de ganhos em eficiência.
Em termos de qualidade, porém, a reforma teve pouco ou nenhum êxito nos
anos 80, e os alunos das camadas socioeconômicas mais desfavorecidas provavel-
mente perderam terreno. No geral, o desempenho estudantil não melhorou, apesar
da alegada maior eficiência das escolas particulares. O fluxo de novos recursos dos
setores privado e público locais para os ensinos médio e superior não compensou
os cortes efetuados nos gastos do governo central, originando uma crise de acesso
para os estudantes de renda mais baixa e uma crise de qualidade para todos, com
exceção dos grupos socioeconômicos mais abastados. Os municípios mais pobres
também não conseguiram administrar muito bem as escolas, porque o governo
não se preocupou com a criação de capacidade gestora como parte da reforma. A
reforma não promoveu programas inovadores de ensino técnico, particularmente
para os 8% de alunos matriculados por associações de funcionários, mas o restante
do sistema ainda se saiu pior.
Quando se estabeleceu a democracia em 1990, essas falhas foram oficialmente
reconhecidas. Além disso, vieram à luz as tensões e conflitos entre professores e
governo, muito embora o novo regime se mostrasse disposto a conceder grandes

235
aumentos de salário e a melhorar substancialmente as condições do ensino nas
escolas públicas. Também se tornou evidente que muitos municípios simplesmente
não dispunham de recursos ou de capacidade técnica próprios para gerir a educa-
ção (e a saúde) no nível municipal.17 Uma avaliação da reforma de 1980 efetuada
em 1994 indicou a necessidade de uma abordagem muito mais integrada, que
reconhecesse a importância de capacitar melhor os professores e que concedesse
incentivos financeiros às escolas, premiando a inovação e a melhoria do desem-
penho escolar. De 1990 a 1995, os salários dos professores foram aumentados
em 32%, como parte do compromisso assumido pelo governo de conceder mais
recursos à educação. Havia uma recomendação expressa para que se melhoras-
sem as qualificações dos novos contratados para a área e seu treinamento prévio,
e para que se atribuísse mais ênfase ao treinamento dos professores no serviço,
agraciando os que tivessem bom desempenho com bolsas de estudo no exterior e
o reconhecimento público (Comité Técnico, 1994: 109).
[...]
Há um ponto importante a frisar aqui: a descentralização, como qualquer outra
mudança institucional isolada, não resolveu o problema da melhoria da educação.
Embora a descentralização seja obviamente desejável nos sistemas educacionais
extremamente burocratizados da América Latina e do Caribe, ela precisa vir
acompanhada de uma série de outras medidas visando à capacitação do pessoal,
ao estabelecimento de normas e critérios e à compatibilização das políticas, que
costumavam ficar a cargo, em sua maioria, dos governos central e estaduais, (por
exemplo, no sistema educacional norte-americano altamente descentralizado) e
não das escolas e municípios. Essas outras medidas necessárias à melhoria da
qualidade do ensino também pressupõem, particularmente quando a administração
escolar é descentralizada, que os governos centrais destinem mais recursos, e não
menos, a esse aprimoramento.

��
O governo democrático está empenhado em dar continuidade ao processo de descentrali-
zação. As recomendações mais recentes são no sentido de que a administração dos recursos
financeiros destinados às escolas municipais passe para a competência das próprias escolas,
uma vez que os professores e pais supostamente teriam uma ideia mais clara do que os municí-
pios de como distribuir os recursos para obter um ensino mais eficaz (Comité Tecnico, 1994).
Essa tese baseia-se na eficiência supostamente maior das escolas particulares subsidiadas, que
realmente administram as finanças no nível escolar. Mas, em 1990, apenas uma entre quatro
crianças matriculadas em escolas particulares subsidiadas provinha de famílias do quintil de
renda mais baixa. E há evidências de que as crianças desse nível socioeconômico não se saem
tão bem quanto nas escolas municipais (Parry, 1994). Isso indica que transferir o processo
decisório para o nível mais descentralizado não produz necessariamente os melhores resultados
no caso daquelas crianças que necessitam mais da inovação e do conhecimento técnico para
melhorar sua aprendizagem.

236
A Descentralização/Recentralização Colombiana

A descentralização do sistema educacional é obviamente vantajosa quando


não é o que ocorre
no Brasil a capacidade no nível local é adequada à tarefa de produzir um ensino de alta
qualidade e quando se dispõe de recursos suficientes do governo central, da
jurisdição local, ou de ambos. Mas quando a Argentina – numa primeira etapa
–, o Chile e o México implementaram suas reformas de descentralização, esses
requisitos para o êxito do empreendimento tinham menos importância do que
transferir a responsabilidade financeira da autoridade central às autoridades
provinciais, departamentais ou municipais. Para os partidários da reforma, a
própria descentralização é considerada essencial à melhoria do ensino; os que
se opõem a ela (em geral, sindicatos de professores, como na Argentina, Chile,
México e Nicarágua, e autoridades locais como no México) usam como argumento
interesses financeiros e, no caso dos sindicatos de professores, os contratos de
trabalho. Embora os partidários da descentralização classifiquem tal oposição
como obviamente prejudicial à melhoria da educação, quando a descentralização
é basicamente motivada por questões de ordem financeira (e não para aumentar
a produtividade na educação), os compromissos políticos a que se chega através
da oposição entre autoridade local e professores podem propiciar o aumento dos
recursos da educação destinados aos salários.
A história da recente reforma colombiana é instrutiva nesse aspecto. A Co-
lômbia já havia realizado uma importante inovação na área educacional, com a
criação das Escuelas Nuevas – que gozam de grande autonomia – em meados
da década de 70. Mas a reforma colombiana para a descentralização, iniciada
em 1989, pretendia ser sistêmica, e não resolver problemas específicos como o
acesso à educação e a qualidade do ensino. A descentralização colombiana se deu
num contexto democrático, em condições políticas bem diferentes das vigentes no
Chile em 1981, e por isso assumiu uma configuração diferente da reforma inicial
chilena. Assim como no Chile, as pressões pela descentralização da educação
faziam parte de uma pressão maior pela descentralização política. Em 1985, o
Congresso colombiano aprovou a eleição popular para prefeitos, o que fez aumentar
imediatamente as expectativas de que serviços sociais como educação e saúde
passassem a ser administrados pelos municípios.
Em 1989, foi sancionada uma lei que ampliou o papel dos municípios na
administração da educação, atribuindo-lhes, efetivamente, a responsabilidade pela
contratação de professores e por certas decisões atinentes à alocação de recursos
para a educação, permanecendo o governo central com a incumbência de pagar os
professores e outros (Montenegro, 1995). Mas, em 1991/92, como parte de uma
medida mais ágil de reestruturação da economia colombiana, o governo propôs
passar aos municípios o controle administrativo das escolas locais, sendo o dinheiro
fornecido por subvenções em bloco do governo central; mas essas subvenções
implicaram cortes nos gastos do governo central. Ainda nos termos dessa mesma
proposta, os departamentos ficariam responsáveis pela assistência técnica e pelo

237
treinamento dos professores, e as escolas teriam autonomia para administrar e
selecionar seu pessoal. Para que os pais tivessem mais opções e houvesse maior
competição entre as escolas, seriam criados vales-educação para alunos carentes
e estimulada a expansão do ensino particular.
Os debates na Assembleia Constituinte sobre o pacote de reformas revelaram
que, para os governos municipais, a proposta de descentralização tinha como princi-
pal motivação o desejo de reduzir os gastos do governo central com educação. Para
assumirem a prestação dos serviços educacionais, os municípios queriam maiores
transferências monetárias e menos responsabilidades locais com levantamentos
de recursos.18 Por fim, o governo central realmente aumentou a transferência de
recursos na nova Constituição, embora isso significasse elevar o custo fiscal da
reforma. Mas quando a Constituição foi sancionada, o Congresso teve que propor
mudanças legais específicas no gerenciamento da educação, o que provocou nova
onda oposicionista, desaa feita por parte do sindicato dos professores, o Fecode
(Montenegro, 1995: 7). O sindicato elaborou sua própria legislação, em franca
oposição à reforma. Após um prolongado e difícil debate, as duas leis de reforma
foram aprovadas. Como resultado, transferiu-se a responsabilidade plena pelas
escolas somente aos departamentos e aos municípios maiores, ficando as escolas
sem autonomia para selecionar, contratar, demitir ou penalizar professores ou
pessoal administrativo. A avaliação do aproveitamento escolar do aluno seria
incluída na reforma, mas não serviria de base para a promoção dos professores.
Foram aprovados vales-educação para alunos carentes, assim como incentivos
para construir novas escolas públicas e particulares, além da possibilidade de
contratar serviços educacionais junto à iniciativa privada. Ficou também assegu-
rado que os recursos para pagar professores e administradores escolares seriam
transferidos do governo central para os departamentos e municípios maiores (ver
também Londoño, 1995).
Os debates e as manobras políticas em torno da reforma colombiana indicam
que, num contexto democrático, os governos centrais devem ter capacidade de
negociação e contar com o apoio da sociedade. Os custos da descentralização
da educação devem ser avaliados levando-se em conta os diferentes interesses
dos alunos. Os que não contam com representação devem ser protegidos. Os
reformadores também têm que ser realistas no que diz respeito aos sindicatos de
professores. É de se esperar que os sindicatos vejam a descentralização – parti-
cularmente a privatização do contrato entre o professor e a escola – como uma
ameaça direta à segurança do emprego. Os professores não são especialmente
bem pagos na América Latina e é natural que assumam uma posição defensiva em
18
As reivindicações de prefeitos e outras autoridades locais devem ser analisadas com cautela.
No Brasil, a Constituição de 1988 descentralizou os recursos para municípios. A transferência
dos serviços sociais, porém, encontrou forte oposição por parte da poderosa associação nacional
de municípios. O resultado é que os governos estaduais ficaram sobrecarregados de demandas
sociais e os municípios, salvo algumas exceções, passaram a gastar seu dinheiro com tudo,
menos com educação básica. Alguns criaram universidades municipais para as elites locais.

238
relação a uma reforma que vise a reduzir ainda mais o seu poder de barganha.
Na Colômbia, como em outros países, as lideranças sindicais dos professores
são frequentemente intolerantes – às vezes distantes da maioria dos professores
–, quase sempre resistentes a reformas que visem a aumentar a produtividade
docente, em geral extremamente preocupadas com apenas uma questão – o salá-
rio do professor – e muito inflexíveis quando se trata de mudar escalas salariais
baseadas em tempo de serviço e títulos. A principal questão a negociar com os
sindicatos de professores é que os recursos adicionais não sejam destinados apenas
ao pagamento dos salários dos professores, mas também a materiais escolares,
livros escolares gratuitos para os alunos, e à melhoria dos prédios escolares para
crianças de famílias de baixa renda.
O compromisso a que se chegou na reforma colombiana de certa maneira
incorporou, no início do processo, algumas das lições aprendidas com a experi-
ência chilena. Embora as escolas colombianas não venham a ter a autonomia das
escolas chilenas e a burocracia do sistema colombiano continue maior, os proble-
mas enfrentados no Chile pelos municípios mais pobres e com menos capacidade
técnica não serão encontrados na Colômbia, onde a descentralização para os
departamentos permitirá que esses detenham grande parte da responsabilidade
pelas decisões educacionais em relação a esses municípios.
É impossível, porém, fazer comparações quanto à qualidade. Na reforma
chilena, os pais puderam optar entre escolas particulares e municipais, mas, em
média, os índices de aproveitamento das crianças de baixa renda não subiram nos
anos 80, durante a primeira etapa da reforma. Na Colômbia, alguns municípios
talvez tenham obtido menos autonomia devido à intervenção do sindicato dos
professores, mas, no geral, os municípios receberam mais recursos, e famílias de
baixa renda receberam vales-educação para o curso secundário. Para as famílias
que vivem em municípios de baixa renda, o compromisso talvez tenha produzido
resultados mais positivos do que a reforma propunha originalmente. Seria interes-
sante comparar os progressos dos alunos colombianos com os dos alunos chilenos
para se chegar a uma conclusão mais concreta quanto à qualidade.

A Descentralização Mexicana: Uma Reforma Incompleta

A descentralização mexicana de 1992/93 também transferiu aos estados boa


parte da responsabilidade pelo ensino pré-escolar, básico e médio e pela formação
de professores do governo federal (Ornelas, 1995, cap. 8). Mas o acordo político
(Acordo Nacional para a Modernização do Ensino Básico) a que se chegou quanto
à reforma continha três elementos essenciais, semelhantes aos compromissos firma-
dos na Colômbia. O primeiro, com o sindicato dos professores (o SNTE), confere
recursos e apoio político para fazer valer os direitos de negociação do sindicato e
para a “revalorização da profissão de professor”, através da formação de novos

239
mestres, do aumento do salário dos professores e do reconhecimento social do
trabalho do professor. O segundo é a garantia dada aos estados de que o governo
federal continuará lhes concedendo um alto nível de financiamento educacional. O
terceiro é um vago compromisso dos governos federais e estaduais de tornar mais
participativo o processo decisório no setor da educação – a criação de conselhos
de participação social nos níveis escolar, estadual e nacional (Ornelas, 1995).
Além disso, a reforma aumentou para nove anos a educação compulsória, aboliu
a proibição do ensino religioso e atribuiu ao governo federal a responsabilidade
pela formulação de novas normas para os currículos escolares e para o currículo
das escolas normais.
Uma avaliação mais recente da reforma (Ibarrola, 1995), porém, põe em
dúvida o significado prático do acordo. Primeiro, a crise econômica de dezembro
de 1994 provocou, mais uma vez, a redução do salário dos professores. Não se
determinou com clareza a quem cabia a responsabilidade por muitos dos aspectos
mais importantes das reformas curriculares e da formação docente. E, por fim, um
dos aspectos mais importantes dos incentivos aos professores – a grande proporção
do salário que depende da avaliação interna – encontra-se praticamente no limbo,
pois o sistema nacional de avaliação do aproveitamento escolar do aluno parece
estar longe de ser implementado.
[...]

240
Leitura 7
Os efeitos da descentralização do sistema educacional sobre a
qualidade da educação na América Latina

Donald R. Winkler e Alec Ian Gershberg (2000)19

[…]
A descentralização do governo tornou-se uma prática comum na América
Latina durante a última década. A educação não constitui exceção, observando-se
um rápido aumento no número de países que estão desenvolvendo importantes
reformas de descentralização nesse setor. Ao mesmo tempo, generalizou-se mun-
dialmente a tendência para dar às escolas maior autonomia, visando melhorar
seus desempenhos e cobrar uma maior responsabilidade pelos resultados. Siste-
mas escolares tão diversos quanto os de Victoria, na Austrália, de Memphis, no
Tennessee, e de Minas Gerais, no Brasil, delegaram autoridade aos diretores de
escolas e, em seguida, através de uma variada gama de mecanismos, fizeram-nos
responsáveis pelo desempenho das escolas.
Os dois tipos de descentralização da educação – transferência para os níveis
inferiores de governo e delegação para as próprias escolas – têm origens e objeti-
vos muito distintos. A transferência para os níveis inferiores de governo ocorreu,
quase sem exceção, no contexto de uma descentralização mais geral do governo
cujas causas podem ser muito diversas. A delegação para as próprias escolas, ao
contrário, foi geralmente motivada pela preocupação diante de seus desempenhos
deficientes. Ambos esses tipos de descentralização da educação estão bem repre-
sentados na América Latina e, neste trabalho, analisamos seus diversos efeitos
sobre o ensino nas escolas até o momento.
A literatura sobre a descentralização da educação é cada vez mais abundante,
mas continua sendo de natureza essencialmente descritiva. As tentativas de ava-
liação de seus efeitos enfrentaram sérios obstáculos devidos à escassez de dados
de referência e à deficiência no desenho das pesquisas, esta, por sua vez, também
devida principalmente à insuficiência de dados. As deficiências das avaliações não
se limitam, nem aos países latino-americanos, nem aos países em desenvolvimento.
Summers e Johnson (1991), por exemplo, revisaram mais de 600 avaliações da
19
Texto extraído de: Donald R. Winkler e Alec Ian Gershberg. Os Efeitos da Descentralização
do Sistema Educacional Sobre a Qualidade da Educação na América Latina. PREAL. Preal
Debates, n. 17. Novembro 2000. (Disponível em: http://www.oei.es/reformaseducativas/efec-
tos_descentralizacion_sistema_educacional_AL_winkler_gershberg_portugues.pdf Acesso
em:12/10/10.)

241
gestão no nível das escolas nos Estados Unidos e só encontraram dois casos com
um desenho adequado de pesquisa.
O presente relatório baseia-se em diversos estudos e avaliações recentes do
ensino básico e secundário, tanto na América Latina, como em outras regiões.
Entre eles, três séries merecem destaque: os estudos sobre a descentralização da
educação no mundo (Fiske, 1996; Gaynor, 1998) patrocinados pelo Banco Mun-
dial, as pesquisas sobre a educação no Brasil, no Chile e na Venezuela (Savedoff,
1998), desenvolvidas sob os auspícios do Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento; e o trabalho da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) em
conjunto com pesquisadores de cinco países (Bolívia, Brasil, Colômbia, México e
Nicarágua) para a avaliação das estratégias de descentralização da educação (Di
Gropello, 1998). Além desses estudos, foram consideradas diversas avaliações
específicas de países da América Latina e algumas revisões selecionadas de outros
locais fora da região.

Fundamentos da Descentralização da Educação

O fundamento econômico da descentralização da educação é o melhoramento


da eficiência técnica e social (Winkler, 1994). Afirma-se que a descentralização das
decisões aumentará a participação dos eleitores/consumidores locais no conjunto
de serviços que recebem, o que acabará elevando seu bem-estar. Presume-se
que, quanto mais local for a decisão, maior será a participação do eleitor/consu-
midor, vale dizer, será maior no nível da escola que no nível municipal, e maior
nos órgãos governamentais de propósito específico (como o distrito escolar, por
exemplo) que nos órgãos de propósitos gerais. Se o financiamento e a oferta de
educação forem determinados no nível local, a elevação do bem-estar social será
ainda maior, dado que o eleitor/consumidor médio somente se dispõe a pagar
impostos na medida em que os custos tributários marginais e os benefícios edu-
cacionais marginais sejam iguais.
Esses argumentos, porém, supõem um mundo em que a democracia funcione
bem e onde todas as externalidades são apreendidas no nível local. Havendo risco
de que as elites locais abarquem as decisões locais, poderia não haver elevação
do bem-estar social. Esse risco seria maior nas sociedades com pouca experiência
em democracia participativa no nível local. Se as externalidades supostamente
resultantes da educação, especialmente da educação básica, forem distribuídas
para além das fronteiras da localidade, há um poderoso argumento a favor de
derivar-se um alto percentual do financiamento de fontes centralizadas. A garan-
tia de igualdade de oportunidades na educação, medida, no mínimo, em termos
da igualdade de gastos com a educação, é mais um argumento na defesa de um
alto grau de centralização do financiamento nos países com distribuição de renda
altamente desigual.

242
O melhoramento da eficiência técnica é o outro fundamento da descentra-
lização da educação. Nesse caso, o argumento tem diversos elementos. Em pri-
meiro lugar, na medida em que os preços e os processos de produção variam nos
diferentes locais, há eficiências óbvias resultantes do fato de se permitir que as
autoridades locais definam os orçamentos para os diversos insumos. Em segundo
lugar, em situações nas quais a capacidade dos ministérios do governo central de
monitorar e supervisionar as escolas locais tem sido baixa, a delegação dessas res-
ponsabilidades aos eleitores/consumidores locais pode aumentar a responsabilidade
das escolas por seu próprio desempenho. O interesse dos eleitores/consumidores
locais pode ser maior se também estiverem aportando recursos – financeiros ou
não financeiros – à escola.
Um último argumento a favor da descentralização é que o fato de haver
muitos provedores, em vez de um só, provavelmente implicará em uma maior
diversidade de experiências e inovações. Com meios adequados para comunicar
e trocar informações sobre essas experiências, um sistema descentralizado poderia
resultar em inovações e mudanças mais aceleradas que um sistema centralizado. É
possível encontrar evidências em favor desse argumento no caso do Brasil (Xavier,
Sobrinho e Marra).
[...]

Tipologia Aplicada à Experiência Recente da América Latina

A descentralização da educação assumiu muitas formas, na América Latina e


no resto do mundo. Sempre envolve a transferência de autoridade e responsabili-
dade, dos níveis superiores para níveis inferiores de governo, mas varia conside-
ravelmente em termos de quais decisões são descentralizadas e de quem recebe
essa delegação. Além disso, dado que a descentralização da educação é parte de
uma iniciativa de reforma educacional mais ampla, há considerável variação na
prática em termos das medidas concomitantes de melhoria escolar.
Na análise que se segue, a tipologia é aplicada às experiências da Argentina,
do Brasil (enfocando-se o Estado de Minas Gerais), do Chile, de El Salvador, do
México e da Nicarágua.

Nível de descentralização

O nível de descentralização da educação varia muito na América Latina. Na


Argentina, o ensino básico e secundário e as escolas normais foram transferidos
do governo central para os governos provinciais (em 1976 e 1991, respectiva-
mente) e, hoje, a maior parte das decisões continua concentrada nas secretarias
(ministérios) provinciais de educação. No que tange à concentração da autoridade

243
no nível regional, a Argentina apresenta um modelo singular na América Latina,
embora o México esteja caminhando rapidamente em direção similar.
O Brasil tem uma longa tradição de educação descentralizada, com a maior
parte da autoridade concentrada no nível dos governos estaduais. O papel pro-
eminente do estado na educação secundária foi confirmado pela constituição de
1988, dando-se aos municípios maior proeminência no financiamento e na oferta
do ensino básico e pré-escolar. Além disso, durante a década de noventa, alguns
estados (como Minas Gerais, por exemplo), transferiram significativa autoridade
decisória para o nível das escolas.
A iniciativa de descentralização educacional no Chile foi longa e complicada.
Iniciou-se em 1981 com a transferência da autoridade para decisões, parte aos
municípios, parte às escolas sem fins lucrativos. Continuou na década de noventa
com um sistema no qual o governo central exercia maior liderança pedagógica e
trabalhava diretamente com as escolas com o intuito de possibilitar um melhora-
mento no nível das próprias escolas.
A iniciativa de descentralização em El Salvador não foi universal. Antes, foi
orientada para as áreas rurais, onde as escolas governamentais não puderam fun-
cionar durante a guerra civil. Assim, enquanto nas escolas públicas tradicionais as
decisões continuaram concentradas no nível do governo central, as novas escolas
rurais, chamadas EDUCO (Educación con la Participación de la Comunidad),
receberam significativa autoridade e autonomia de decisão. Como resultado do
êxito na implantação do modelo EDUCO, desenvolvem-se atualmente iniciativas
de descentralização das escolas tradicionais.
No México, a descentralização da educação é uma combinação dos modelos
argentino e salvadorenho. A Ley General de la Educación de 1993 delegou a
maior parte das decisões educacionais relativas às escolas básicas e secundárias
aos governos dos estados, mas o importante papel do governo central no financia-
mento da educação através de transferências negociadas aos estados fez com que,
na prática, continuasse a centralização. A descentralização real para os estados
somente se produziu em 1998, quando as transferências educacionais passaram
a ser automáticas. Além disso, o governo central continua operando diretamente
um sistema de escolas rurais chamado CONAFE (Corporación Nacional de Fo-
mento a la Educación), com o fim de assegurar oportunidades de aprendizado às
crianças de comunidades rurais remotas, particularmente às crianças indígenas.
Apesar de seu grau de autonomia ser muito inferior ao das escolas EDUCO de
El Salvador, as escolas da CONAFE deram aos pais um papel consideravelmente
mais importante que aquele que se vê nas escolas públicas tradicionais.
Finalmente, a descentralização da educação na Nicarágua evoluiu de uma
ênfase na municipalização no início da década de noventa, para uma clara política
de maior delegação de decisões de gestão e financiamento educacionais importantes
no nível da escola ao final da década.
Vários outros países da região também adotaram políticas de descentralização
da educação durante os anos noventa. A Colômbia descentralizou os ensinos básico

244
e secundário para o nível dos departamentos (governos regionais) e dos municípios,
e a Bolívia está paulatinamente implantando uma política similar. Guatemala e
Honduras seguiram o modelo das escolas EDUCO de São Salvador. Na região,
apenas Costa Rica, Equador, Panamá e Uruguai optaram por continuar com seus
sistemas educacionais centralizados.

Poder de decisão

O que significa a descentralização da educação em termos dos níveis envol-


vidos? Como já foi observado no caso dos países da OCDE, algumas decisões
educacionais, como a escolha dos textos de estudo, a seleção dos métodos pe-
dagógicos e a responsabilidade pela implantação de planos de melhoria escolar
tendem a ficar localizadas no nível da escola, independentemente do nível de
descentralização. Outras, como a definição do currículo básico, ou a administração
e informação dos resultados de provas de rendimento, tendem a ficar no nível
nacional, independentemente do nível de descentralização. No Quadro 1 ilustra-
-se o nível em que se localizam as principais decisões educacionais em diversos
países da América Latina.

Quadro 1
Nível em que ficam as principais decisões e responsabilidades educacionais

Grupo Decisões Arg. MG Chile El Salv. Méx. Nic.


Nível de descentralização
R E L E R E
Seleção dos textos de
Organização estudo E E E E N E
Definição dos métodos
E E E E E E
pedagógicos
Contratação/dispensa do
diretor da escola R E L E R E
Seleção/contratação dos
Pessoal R R L E R E
professores
Definição ou aumento da R R L N N E
remuneração dos prof.

Estabelecimento das
provas de rendimento N R N N
Planejamento N N
Implantação do plano de E E E E
melhoria escolar

245
Determinação dos gastos
R R N, L N R N, E
Distribuição do orçamento
Recursos de pessoal R R L N R E
Distribuição do orçamento
R E L E R E
não relacionado a pessoal

N =Nacional; R = Regional; L = Local; E = Escola.

A descentralização se caracteriza, principalmente, pelo nível em que se lo-


calizam as decisões relativas a pessoal e aos orçamentos. A maior concordância
encontra-se nas decisões relativas à seleção e contratação do pessoal docente e dos
diretores das escolas e à elaboração do orçamento para gastos não relacionados
com pessoal. Na Argentina e no México, essas decisões estão localizadas em nível
regional (provincial), no Chile, no nível local (municipal), e em El Salvador e Nica-
rágua, no nível da escola. As decisões referentes à remuneração dos professores
continuam, em alguns casos, nos níveis superiores de governo (como ocorre em
Minas Gerais, El Salvador e México) e, na maioria dos casos, veem-se fortemente
influenciadas pela política nacional que estabelece as condições quanto ao salário
mínimo (Chile, por exemplo), ou as decisões nacionais referentes ao financiamento
da educação (Minas Gerais, por exemplo).
[...]

Avaliação da Descentralização

Ainda que as razões para a descentralização da educação na América Latina


sejam de natureza política ou fiscal, em uma perspectiva educacional, há a ex-
pectativa de que a descentralização melhore os resultados da escolaridade. Esses
resultados podem ser definidos de diversas maneiras, mas envolvem, no mínimo,
medidas do nível e da distribuição do aprendizado e os anos de escolaridade
alcançados pelos alunos.
É difícil aferir essas medidas para avaliar a descentralização da educação por
três motivos: em primeiro lugar, poucas vezes encontramos séries cronológicas
dessas medidas; em segundo, a resposta, em termos de resultados escolares, a
qualquer tipo de intervenção educacional, inclusive a descentralização, é geral-
mente lenta; e, finalmente, é muito difícil controlar as crises externas, que vão
desde os desastres naturais e crises fiscais até greves de professores e mudanças
dos dirigentes da educação no nível nacional, coisas que também podem influir
nos resultados de escolaridade.
Devido à dificuldade de isolar os efeitos da descentralização sobre o apren-
dizado e os resultados acadêmicos, nosso enfoque é considerar de que maneira
a descentralização muda fatores que sabidamente estão relacionados com o

246
aprendizado. Em primeiro lugar, perguntamo-nos qual é o conhecimento recebi-
do com relação às características das escolas eficazes e de alto desempenho. Em
segundo, perguntamo-nos de que maneira essas características se refletem no
ambiente escolar e, em terceiro, de que maneira a descentralização afeta, direta
ou indiretamente, qualquer desses fatores.
[...]

Resumo

[...]
É difícil avaliar as reformas de descentralização devido (1) à carência de dados
de referência, (2) à implantação incompleta de muitos elementos das reformas e
(3) às defasagens entre a implantação e as mudanças em fatores tais como o com-
portamento e a atribuição de recursos, fatores esses que afetam o aprendizado.
A dificuldade de avaliar as reformas aconselha precaução na interpretação dos
resultados. A escassez de avaliações rigorosas da experiência da América Latina
nos levou a basear nossas conclusões gerais, em certa medida, em avaliações
sólidas de iniciativas de descentralização empreendidas em outras regiões.
A existência de poucas avaliações do impacto da descentralização sobre os
resultados em termos de aprendizagem também nos levou a aplicar um enfoque
alternativo, para inferir os efeitos, a partir do grau de correspondência entre as
características das reformas de descentralização e as das escolas de alto desem-
penho. O fato de que as reformas escolares norte-americanas de sucesso e bem
avaliadas – de Chicago e de Memphis – terem compartilhado as características
da descentralização associadas pelos educadores profissionais às escolas públicas
eficazes, valida este enfoque. É interessante considerar que muitas das reco-
mendações feitas pelos educadores para criar escolas eficazes coincidem com as
prováveis prescrições dos economistas.
[...]
Duas das reformas latino-americanas analisadas neste relatório – as do Chile
e de Minas Gerais – abarcam um grande número dos elementos que, segundo
as pesquisas feitas, dão origem às características das escolas eficazes. Apesar de
nenhuma dessas reformas ter sido submetida a uma avaliação rigorosa, a evidência
disponível é positiva. Outras duas reformas latino-americanas – de alcance mais
limitado que as do Chile e de Minas Gerais – foram avaliadas em termos de seus
efeitos, obtendo-se resultados mais contraditórios. O programa EDUCO de El
Salvador ainda não demonstrou efeitos positivos sobre o aprendizado, coisa que
já ocorreu no caso das escolas autônomas da Nicarágua. A reforma nicaraguense
delegou considerável autoridade aos diretores das escolas, um aspecto que, se-

247
gundo as conclusões de pesquisas realizadas no Brasil, está associado a benefícios
em termos de aprendizagem.
Em resumo, há cada vez maior evidência de que pelo menos algumas das
características das reformas de descentralização da educação centradas na auto-
nomia das escolas, em oposição à autonomia regional ou municipal, contribuem
para o surgimento de escolas de alto desempenho. A descentralização em nível de
governos sub-regionais também pode produzir alguns benefícios educacionais ao
permitir um maior grau de inovação e maior flexibilidade para adaptar a alocação
dos recursos aos preços locais – mas isso ainda está por ser demonstrado.

248
Leitura 8
Financiamento da educação: gestão democrática dos recursos
financeiros públicos em educação

José Carlos de Araújo Melchior (1991)20

[...]

A experiência do Estado de São Paulo

Em agosto de 1989, o governo do Estado de São Paulo deu início a um


processo induzido de descentralização na área da educação. Como o governador
Orestes Quércia havia sido eleito com a bandeira da municipalização, a esse pro-
cesso deu-se o nome de Municipalização do Ensino.
Anteriormente já havia um processo de descentralização na área da educa-
ção. No entanto, era um processo fragmentado, difuso e esparso, constituído de
ações isoladas, conforme as necessidades dos municípios e as disponibilidades da
Secretaria de Estado da Educação. Na gestão governamental de Franco Montoro,
as ações de descentralização foram intensificadas e, em agosto de 1989, cerca de
cinco mil convênios estavam em andamento, firmados entre Estado e municípios,
quase todos com problemas de execução e controle.
O que o governo do Estado fez, a partir de agosto de 1989, foi transformar
ações isoladas numa política integrada, que passou a ser denominada de Muni-
cipalização do Ensino. A nova política abrangia 11 ações. Incluía as anteriores e
abrangia ações ainda inexistentes na esfera da Secretaria da Educação. Ao incluir
as já existentes, procurou extirpar todos os problemas e erros dos antigos convênios.
Naquele momento, em agosto de 1989, o Estado possuía 571 municípios. O
objetivo do governador era chegar ao fim do seu mandato com a inclusão de 300
municípios no Programa de Municipalização. Por adesão voluntária, em novembro
de 1990, o programa já havia firmado convênios com 346 municípios, havendo
cerca de mais 100 nele querendo entrar.

20
Texto extraído de: José Carlos de Araújo Melchior. Financiamento da Educação: Gestão
Democrática dos Recursos Financeiros Públicos em Educação. Revista brasileira de Estudos
pedagógicos, Brasília, v.72, n.172, set./dez, 1991: p.262-290. Reproduzido com permissão do
INEP. (Disponível em: http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/472/483.
Acesso em: 12/11/10.)

249
Na esfera estadual, o Programa de Municipalização consta do Decreto no
30.375, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 14/9/89, que
delega ao secretário da Educação o poder de firmar convênios com os prefeitos
dos municípios. Como parte integrante do decreto, publicou-se na mesma data o
modelo de convênio único que seria assinado com o município e a exposição de
motivos que explicava as razões ou bases teóricas do programa que se pretendia
implantar. A partir do convênio único, poderiam ser assinados termos aditivos
que abrangessem as áreas de construções escolares, merenda, material de apoio
didático, aperfeiçoamento de pessoal, apoio a eventos escolares, transporte
escolar, integração do currículo à realidade da escola e assistência ao aluno. O
município, para aderir voluntariamente, deveria ter uma lei municipal que auto-
rizasse o prefeito a entrar no programa, assinando, de início, o convênio único e,
posteriormente, os termos aditivos.
O Programa de Municipalização, que começou a ser implantado na gestão
de Wagner Rossi na Secretaria da Educação, posteriormente ficou estagnado na
gestão de José Goldemberg e, na gestão de Carlos Estevan Martins, sofreu um novo
impulso em seu aspecto de política de descentralização. Em 24/9/90 foi baixado
o Decreto no 32.392, que autoriza o secretário da Educação a celebrar o Termo
de Cooperação Intergovernamental (TCI) com municípios do Estado de São Paulo.
O TCI faz parte do decreto e visa construir e equipar prédios escolares, em terre-
nos doados pelos municípios, destinando-os a estes últimos, para a implantação
de escolas de ensino fundamental, criadas e administradas exclusivamente pela
esfera municipal. É o início da efetiva implantação e/ou do desenvolvimento dos
sistemas municipais de ensino, prevista na Constituição Federal de 1988. Com
essa medida criaram-se as condições para a intensificação do processo de descen-
tralização da educação no Estado de São Paulo, através da ação, da colaboração e
da cooperação entre Estado e município, visando garantir a melhoria da qualidade
do ensino e a criação de melhores condições para que os alunos tenham o acesso,
a permanência e a progressão no sistema público de ensino.
De maior interesse, contudo, para os fins deste trabalho, foi a criação da
Comissão de Educação do Município (CEM). Ao assinar o convênio único, o mu-
nicípio obrigava-se a “tomar providências para a instalação, o funcionamento e
o desenvolvimento das atividades da Comissão de Educação do Município, bem
como participar ativamente de seus trabalhos e colaborar para o seu desempenho
eficiente”. Os objetivos da CEM eram identificar problemas, estabelecer priori-
dades e propor soluções.
O critério de constituição das CEMs foi a pluralidade de representação,
sendo uma representação fixa e uma variável, de acordo com as forças atuantes
da comunidade.
A parte fixa foi constituída com os seguintes representantes:
a) o prefeito e/ou o dirigente municipal de educação;
b) um representante dos vereadores, eleito por seus pares;

250
c) um representante da Secretaria da Educação do Estado, que será o dele-
gado de ensino, no caso do município ser a sede da Delegacia de Ensino, ou um
supervisor de ensino, por aquele indicado, nos demais casos;
d) um representante dos diretores de escolas, eleito por seus pares;
e) um representante dos professores, eleito por seus pares;
f) um secretário de escola, eleito pelos funcionários da escola;
g) um representante dos pais, eleito pelas Associações de Pais e Mestres (APMs).
A parte variável da composição das Comissões de Educação dos Municípios terá
um mínimo de três e um máximo de cinco representantes de segmentos atuantes
da sociedade local. Os representantes desses segmentos serão apontados pelos
componentes da representação fixa da Comissão de Educação do Município.
Deu-se um prazo de sessenta dias, a contar da data da assinatura do convênio,
para o município providenciar a criação, a constituição e a instalação da Comis-
são de Educação do Município, a qual deverá ter Regimento próprio, e enviar,
trimestralmente, relatório de suas atividades, dando destaque à avaliação e aos
problemas de execução do convênio.
O Programa de Municipalização do Ensino está em desenvolvimento, tendo
atingido três ações prioritárias: construção de salas de aulas, reforma e ampliação
de prédios escolares e fornecimento de material didático de apoio às atividades
escolares, principalmente aparelhos audiovisuais.
Além de dar início a um processo integrado e ordenado de ações descentrali-
zadas, em regime de colaboração entre Estado e município, o programa, ao criar
as Comissões de Educação do Município, procurou equacionar uma questão vital
para os educadores: a questão da representação da comunidade — uma questão
vital para os educadores, os políticos, os partidos, e para a população, bem como
para o funcionamento da democracia participativa, que não se circunscreve so-
mente à participação delegada mediante a eleição dos representantes dos Poderes
Executivo e Legislativo. Aos poucos, foi se desenvolvendo a ideia de que uma
nação compõe-se de governo e sociedade civil, não bastando somente a partici-
pação, por delegação, do governo nas decisões referentes ao destino do País. Ao
contrário, foi se desenvolvendo a ideia de que, mais importante que o governo,
é a organização da sociedade civil, seja participando dos órgãos governamentais,
seja criando suas associações próprias, ou participando de situações mistas, nas
quais governo e sociedade estejam representados. Nas democracias, os controles
internos desenvolvidos pelo governo e sua burocracia devem ser complementa-
dos pelos controles externos, compostos pela representação popular delegada e
pela sociedade civil. É desta última que nasce o controle social da aplicação dos
recursos financeiros públicos.
De modo simples, mas eficaz, é a Comissão de Educação do Município que
passa a ser o instrumento fundamental do controle social dos recursos financeiros
aplicados à educação pelo Estado e pelo município. As CEMs funcionam ao lado
da burocracia, colaborando na agilização da identificação e na solução dos pro-
blemas das redes estadual e municipal de ensino. Seus componentes envolvem os

251
poderes públicos estadual e municipal e as pessoas que representam os segmentos
envolvidos direta e indiretamente no ensino. O critério de representatividade
dos segmentos envolvidos significa que as CEMs não são compostas por pessoas
especializadas em educação, mas que lá estão para manifestar o que pensam os
diversos segmentos em relação aos problemas educacionais. Como os segmentos
representam interesses e pontos de vista diferentes, a divergência e o conflito
passam a ser naturais e normais. É a regra que orienta o sistema democrático:
institucionalizar o conflito, buscando as soluções de consenso e/ou de maiorias,
respeitados os interesses da minoria, que também participa do processo e que
pode influir na tomada de decisão final.
O funcionamento das CEMs não é condicionado por receitas. A CEM é o fator
fundamental de um processo de conscientização e participação da sociedade local
nos problemas da educação. Não havendo receitas e nem regras preestabelecidas
em relação aos limites de funcionamento das CEMs, sua atuação, em grande parte,
vai depender do interesse, competência e capacidade de liderança de seus mem-
bros. Há um espaço a ser ocupado por disposições do convênio único e por meio
de cada ação desenvolvida que é transcrita nos termos aditivos. Além disso, há
uma zona de liberdade, um espaço não determinado, cuja existência vai depender
da capacidade dos membros da CEM, seja sugerindo, criticando, controlando ou
avaliando a educação, concretamente, em suas manifestações locais.
Na prática, nós temos CEMs que vão desde as mais atuantes e produtivas até
aquelas que não acreditam no seu poder de colaborar e de pressionar em bene-
fício da educação local. E isto tem que ser visto como um processo normal, que
depende da educação de seus membros e da constante valorização de sua atuação
por parte das autoridades, incentivando-as com reforços positivos, tanto a curto
como a médio e a longo prazo. Detonado um processo social dessa magnitude,
resta somente ter a esperança de que os envolvidos nele saibam valorizá-lo para
que não se perca a oportunidade de fazer valer um dos princípios mais buscados
nos sistemas democráticos, que é o da participação nas decisões que podem afetar
as nossas vidas.

252
Leitura 9
A municipalização cumpriu suas promessas de democratização
da gestão educacional? Um balanço crítico

Romualdo Portela de Oliveira (2003)21

[...]

Introdução

Uma das questões recorrentes no debate educacional brasileiro diz respeito ao


papel que o município deve cumprir no atendimento à demanda, particularmente
do ensino fundamental, ou, de outra maneira, refere-se ao grau de descentralização
desejável22, questão que remonta à Constituição Imperial de 1824 e a legislação
que se lhe seguiu, como a lei de 1827 e o Ato Adicional de 1834 (Oliveira, 1999;
Sucupira, 2001).
A onda mais recente desse debate ocorreu por ocasião da Constituinte de
1987-88, quando diversos setores propugnaram a municipalização do ensino como
operacionalização de uma proposta mais descentralizada de gestão da educação.
Nesse contexto, tal proposta apareceu como proposição democrática, sentido
praticamente ausente no debate anterior. Isso se deveu, a meu ver, à influência
do setor progressista do catolicismo brasileiro, alinhado, mesmo que de forma
difusa, com as proposições da Teologia da Libertação23.
O objetivo deste breve texto é avaliar a política de municipalização a partir
da análise de um dos argumentos mais significativos esgrimidos por seus defen-
sores, o de que a municipalização do ensino possibilitaria maior controle social
sobre as políticas educacionais, dada a proximidade entre o usuário dos serviços
educacionais e os gestores e decisores encarregados da mesma. (Gadotti; Romão,

21
Texto extraído de: Romualdo Portela de Oliveira. A municipalização cumpriu suas promessas
de democratização da gestão educacional? Um balanço crítico. Gestão em Ação, Salvador, V.6,
n.2, jul-dez 2003: 99-106. Texto reproduzido com permissão do autor.
22
Neste texto, entendo por descentralização a transferência de responsabilidade entre diferentes
esferas da administração pública e por desconcentração a transferência de poder decisório e
de execução no interior de uma mesma esfera (Oliveira, 1999: 14-16).
23
Para uma análise da trajetória desse movimento, ver Bruneau, 1974. Para uma crítica de
seus limites, ver Romano, 1979.

253
1993; Bordignon, 1993). Proponho-me a confrontar o discurso dos proponentes
da municipalização com o que tem sido realizado, em um ponto particular: o da
democratização da gestão da educação24. Trata-se de um recurso avaliativo simples,
mas em geral bastante elucidativo, que se propõe simplesmente a verificar em que
medida o proposto foi realizado (Figueiredo; Figueiredo, 1996).
Quando determinada política é multifacetada e implantada em situações muito
díspares, avaliá-la é tarefa complexa, pois os acertos e os equívocos são passíveis
de serem encontrados aqui e acolá, sem que de per se, com isso, seja possível
julgar o acerto ou não da iniciativa. Esse é o caso da municipalização do ensino
fundamental implementada no Brasil na última década. Além disso, a comple-
xidade epistemológica da avaliação de políticas educacionais está a demandar o
fortalecimento dessa área de estudos em nossas pesquisas e programas de pós-
-graduação (Figueiredo; Figueiredo, 1996; Rico, 1998).
Por outro lado, a ausência de tradição avaliativa na educação brasileira facilita
a descontinuidade das políticas públicas, dando-lhes muito mais características de
governo que de estado, ao sabor das contínuas mudanças no executivo. Exatamente
por não termos tradição é que entre nós a educação é palco (ou trampolim!) para
todo e qualquer arrivista que queira alavancar uma política (ou candidatura!) com
medidas pirotécnicas que não sobrevivem à própria gestão e deixam sequelas
para o futuro. O ideal do planejamento educacional, antídoto indicado para as
mazelas da descontinuidade, tão importante nas proposições de 1932, não vicejou
entre nós25. Ao contrário, em geral, os planos educacionais no Brasil são apenas
declarações de intenção não levadas em conta no momento de formulação das
políticas educacionais.
Portanto, parece-me oportuno realizar um balanço crítico do acentuado proces-
so de municipalização pelo qual o Brasil passou na última década, particularmente
nos dois mandados de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
De pronto, é necessário reconhecer que tal não é uma tarefa fácil. Nem mes-
mo exequível nos limites deste texto. Assim sendo, limitar-me-ei a aclarar uma
interpretação acerca desse processo e avaliar tal política a partir de um ponto
específico, mas certamente não desprezível, o da democratização da gestão, ou
em que medida tal política facilitou ou dificultou à população usuária tomar os
destinos da escola e de maneira mais geral da educação escolar em suas mãos.
Comecemos por pesquisar a terminologia. Em trabalho anterior (Oliveira,
1997: 174), afirmo que,

24
As duas outras dimensões que constituem o que se chama de democratização da educação,
a democratização do acesso e da permanência/sucesso, salvo melhor juízo, têm tido pouca
relação com a municipalização.
25 É conhecida a importância atribuída pelos pioneiros à ideia de Plano Nacional de Educa-
ção, de modo que a principal emenda por eles apresentada à Constituinte de 1934 referia-se
a essa questão. (Manifesto de 1932 Cury, 1986 e Rocha, 2001)

254
A expressão “municipalização do ensino”, quando utilizada para o ensino funda-
mental, pode ser entendida de duas maneiras diferentes, a saber:
• Como a iniciativa, no âmbito do Poder Municipal, de expandir suas redes de
ensino, ampliando o nível de atendimento por parte desta esfera da administra-
ção pública;
• Como o processo de transferência de rede de ensino de um nível da Adminis-
tração Pública para outro, geralmente do estadual, para o município.
Essencialmente, esses são os dois sentidos correntes do termo. Entretanto,
pode haver processo de municipalização de serviços pontuais, como foi o caso da
municipalização da merenda que, parcialmente no caso de São Paulo, antecipou
o processo de municipalização stricto sensu.
Neste texto, utilizo o termo municipalização como o processo de ampliação do
atendimento do ensino fundamental por parte da esfera municipal, quer seja por
ampliação da rede própria, quer seja por transferência da rede estadual.

Um Processo a Demandar uma Avaliação mais Ampla

Para avaliar um processo como esse, parece-me fundamental delimitar o que


está em discussão, pois do contrário corre-se o risco de embrenhar-se por um
emaranhado de casos particulares que podem ocultar o debate principal. A meu
ver, estamos discutindo a conformação do estado nacional, tanto no que diz respeito
à viabilidade de seu peculiar regime federativo garantir o Direito à Educação, nos
termos estabelecidos pela legislação em vigor (artigo 208 da Constituição e sua
regulamentação complementar), particularmente no que diz respeito ao direito
ao padrão de qualidade para todo cidadão, quanto a reduzir as desigualdades
interestaduais e, agora, intermunicipais.
Entendo que há uma simplificação na noção de descentralização quando
transmutada em municipalização. Essa simplificação ancora-se em uma ambigui-
dade, que toma descentralização e municipalização como sinônimos. Entretanto,
tal entendimento elude que se pode ter um processo de municipalização em que
o poder não seja descentralizado, apenas se alterando a esfera administrativa
responsável pela gestão do ensino. Aliás, a julgar pela prática política vigente, na
maioria das administrações municipais no Brasil, essa é a tendência predominan-
te. (Bordignon, 1993). Pode-se ter uma sem a outra ou vice-versa. Por exemplo,
mantida a responsabilidade estadual por um dado sistema de ensino, pode-se
implantar um amplo processo de descentralização das decisões e, inversamente,
podemos ter um processo de municipalização sem qualquer característica des-
centralizadora, pelo menos para a base do sistema, se a gestão municipal for

255
centralizadora e autoritária26. Não nos esqueçamos que a esfera local entre nós é
o espaço por excelência do mandonismo, do coronelismo e do compadrio (Leal,
1975; Faoro, 1976).
De todo modo, generalizou-se a interpretação que entende ser a municipa-
lização a operacionalização de uma visão descentralizadora. Neste particular, é
cabível reconhecer a hegemonia dessa visão, não sua correção.
O intenso processo de municipalização ocorrido nos últimos anos (Tabela 1)
fez com que, desde 2000, a esfera municipal seja a maior responsável pela oferta
do ensino fundamental e, a partir de 2002, responsabilize-se por mais de 50%
da matrícula total dessa etapa da educação básica, incluindo o setor privado. Em
trabalho de 1997, sustentei que as duas principais instituições emissoras dos fun-
damentos ideológicos da municipalização eram a Igreja Católica e o Banco Mundial.
Da primeira provinha o argumento da maior participação e, consequentemente,
de maior democracia e, o segundo, o do aumento da eficiência.

Tabela 1
Brasil. Ensino Fundamental Regular – Matrícula inicial – 1975-2000

Matrícula por Dependência Administrativa

Ano Total Federal % Estadual % Municipal %

1975 19.549.249 122.471 0,6 10.956.560 56 5.948.119 30,4


1980 22.598.254 169.336 0,7 11.928.315 52,8 7.602.527 33,6
1985 24.769.359 116.848 0,5 14.178.371 57,2 7.480.433 30,2
1989 27.557.542 140.983 0,5 15.755.120 57,2 8.218.455 29,8
1991 29.203.724 95.536 0,3 16.716.816 57,2 8.773.360 30
1996 33.131.270 33.564 0,1 18.468.772 55,7 10.921.037 33
1997 34.229.388 30569 0,1 18.098.544 52,9 12.436.528 36,3
1998 35.792.554 29.181 0,1 17.266.355 48,2 15.113.669 42,2
1999 36.059.742 28.571 0,1 16.589.455 46,4 16.164.369 44,5
2000 35.717.948 27810 0,1 15.806.726 44,3 16.694.171 46,7
2001 35.298.089 27.416 0,1 14.917.534 42,3 17.144.853 48,6
2002 35.150.362 26.422 0,1 14.236.020 40,5 17.653.143 50,2

(continua na próxima página)

26
Entre os inúmeros exemplos que ilustram esta assertiva, cita-se o relato de uma Diretoria
da Escola Estadual em uma cidade do interior paulista que, na vacância do cargo de Vice-
-Diretor, poderia indicar, provisoriamente, um substituto. Rapidamente, recebeu a visita do
Prefeito Municipal sugerindo-lhe a indicação de determinada pessoa, caso contrário, a partir
de então ela não “contaria mais com qualquer colaboração por parte da Prefeitura Municipal”.

256
Matrícula por Dependência Administrativa

Ano Particular % Pop. 7-14 Mb


anos
1975 2.522.099 12,9 *
1980 2.898.074 12,8 22.981.805 98
1985 2.989.266 12,1 24.251.162 102
1989 3.442.984 12,5 27.509.374 100
1991 3.618.012 12,4 27.611.580 105
1996 3.707.897 11,2 28.525.815 116
1997 3.663.747 10,7 29.108.003 116
1998 3.383.349 9,5 26.400.307 135
1999 3.377.347 9 25.105.782 143
2000 3.189.241 8,9 27.124.709 131
2001 3.208.286 9,1 26.820.818 132
2002 3.234.777 9,2 27.040.644 130
Fonte: MEC-INEP/SEEC e IBGE. Não dispomos de dados da PNAD para o ano, pois em 1975
foi realizada em seu lugar o Estado Nacional da Despesa Familiar (ENDEF).

Essa afirmação parece-me, ainda hoje, essencialmente correta, pois eventuais


concepções alternativas de municipalização evidentemente não constituíram o subs-
trato das políticas recentes e, nem mesmo, tiveram peso na sustentação de posições
alternativas e/ou contrárias. A título de exemplo, mencione-se a conhecida posição
municipalista de Anísio Teixeira (1967), entretanto, não identifico, na atualidade,
um único discurso que sustente ser Anísio o inspirador e/ou fundamentador do
processo de municipalização em curso.
Dado o objetivo desta reflexão, para problematizar o argumento de maior
democratização por meio da municipalização, concentrar-me-ei no debate sobre
a municipalização proposto pelos setores católicos27.

A gestão dos sistemas de ensino municipalizados

No bojo do processo de municipalização, difundiram-se conselhos destinados


a ampliar o controle social sobre diferentes aspectos do processo de gestão da edu-
cação. Formalmente, tais organismos possibilitariam à população participar mais
ativamente do processo educacional, imprimindo-lhe uma faceta mais democrática.

27
Outro fundamento recente da proposta de municipalização, o de que representaria mais
eficiência, requer um esforço metodológico mais ambicioso, cuja análise desenvolvo em outro
trabalho. (Oliveira, Luce; Arelaro, 2003)

257
Entre tais conselhos, mencione-se particularmente os conselhos municipais de
educação (CMEs), os conselhos de controle e acompanhamento social do Fundef
(CACS) e os conselhos de alimentação escolar (CAEs).
A fim de explicar de que tipo de conselhos estamos falando, ressalta-se primei-
ramente que não se trata de organismos de poder do tipo soviético, impensáveis
tanto no momento político atual, quanto nas intenções de seus proponentes28.
Portanto, por exclusão, estamos falando em modalidades de conselhos destinados
a “participar” da gestão do estado como atualmente configurado.
Lembrando a precisa lição do saudoso mestre Fernando Cláudio Prestes Motta
(1987), participar significa participar de um poder e que, ao fazê-lo, também se o
legitima. Ao mesmo tempo em que os conselhos exercem algum poder, maior ou
menor, dependendo de sua regulamentação, legitimam as hierarquias e estruturas
de poder em que se inserem.
Dentro desse quadro geral, parece-me que os conselhos instituídos podem
ser deliberativos, fiscalizadores ou normatizadores. Deliberativos, no sentido de
terem poder de deliberar sobre determinadas questões, fiscalizadores com fun-
ções mais restritas à verificação do cumprimento da lei e normatizadores quando
se lhes delega o poder de regulamentar dispositivos legais já estabelecidos. Em
todos esses casos, o sentido de gestão que configuraria uma lógica instituinte de
um poder de nova natureza permanece ausente.
À luz dessas considerações, cabe ressaltar que tanto os Conselhos do Fun-
def quanto os de alimentação escolar não são conselhos investidos de poder de
gestão, mas de acompanhamento e/ou fiscalização. Não se destinam, desde sua
concepção, a ampliar o poder da população sobre o funcionamento do Estado,
mas, se cumprirem adequadamente com suas funções, garantir a adequação dos
procedimentos adotados pelo Poder Público ao estabelecido em lei.
Mesmo levando-se em conta esse escopo limitado, no que diz respeito aos seus
objetivos e funções, os estudos destinados a analisar sua ação têm evidenciado seus
limites, sendo suas atividades, na maioria dos casos, marcadamente burocráticas e
legitimadoras de decisões já tomadas na esfera do executivo (Oliveira; Bornholdt,
2001; Oliveira; Luce; Arelaro, 2003; Souza, 2003; entre outros).
Já os Conselhos Municipais de Educação, organismos dotados de poder,
algumas vezes destinados a exercer papel na gestão dos sistemas de ensino, par-
ticularmente na definição dos rumos e estratégias do sistema ou a exercer papel
normatizador, encontram outro tipo de limitação. Quer seja pela reduzida ampli-

Apenas para não parecer extemporâneo com essa ressalva, esta questão apareceu com
��

muita força por ocasião do debate entre Luíza Erundina e Plínio de Arruda Sampaio quando
da disputa entre ambos pela indicação como candidato a prefeito de São Paulo pelo PT, em
1987. Na ocasião, uma das dificuldades entre as proposições de ambos era que uma defen-
dia Conselhos Populares “deliberativos” e o outro, “consultivos”. Apesar de vencer prévias
e posteriormente as eleições municipais, a concepção de conselhos populares deliberativos,
cabíveis apenas numa dinâmica de duplo poder, foi abandonada rapidamente.

258
tude de suas atribuições, quer seja pelo pouco tempo de existência, eles não têm
representado, de fato, organismos por meio dos quais se exerça a vontade popular.
No que diz respeito à sua consolidação, as funções a eles atribuídas referem-se
mais a normatizar o sistema de ensino e menos a geri-lo. Além disso, boa parte das
regulamentações dos CMEs a que tive acesso incluem-no na estrutura de poder
da administração, em função subalterna ao secretário municipal de educação, ou
seja, mesmo quando se lhe atribuem funções normativas, suas decisões dependem
da chancela do Poder Executivo.
Sem apoiar-me em estudo sistemático, que urge realizar, não creio estar
incorrendo em equívoco ao afirmar que o processo de municipalização do ensino
não apresentou uma ampliação da participação e do controle social da política
educacional e da administração dos sistemas de ensino por parte da população.
Ao contrário, segundo as informações, ainda dispersas que coletei, parece-me que
em geral representou um processo de diminuição dessa participação, concentrando
mais poder no executivo.
Isso se dá, a meu ver, porque a democratização da gestão da educação não
se resolve pela alteração do ente federado encarregado da oferta, mas pela exis-
tência de organismos de gestão que, de fato, tenham poder de decisão e sejam
representativos.
Dessas considerações, concluo com os seguintes pontos, evidentemente sujeitos
o posterior desdobramento e aprofundamento.
• A proposta de municipalização no Brasil ancorou-se em pressupostos ideoló-
gicos, articulados com a visão de mundo católica e/ou (neo)liberal que prescindiram
de estudos empíricos, pré e pós sua implantação.
• O argumento da democratização, que sustentou uma das principais correntes
que defenderam tal proposição, não é alterado pela municipalização. Continuamos
sem democratização nos sistemas de ensino.
• Permanece, pois, o desafio de democratizar os nossos sistemas de ensino.
• Para tal, entendo que devemos retomar a reflexão acerca do que seja de-
mocratizar um sistema de ensino e aqui, como alhures, indico que a experiência
recente na política educacional que buscou dar o salto de qualidade mais conse-
quente nessa direção foi a dos CRECES, na gestão Erundina à frente da prefeitura
de São Paulo (Adrião-Pepe, 1995).
Encerro, pois, retomando a feliz formulação de José Marcelino de Rezende
Pinto: “democratizar é preciso, municipalizar não é preciso”.

259
Referências Bibliográficas (Seção 5)

ADRIÃO-PEPE, Thereza Maria de Freitas. Gestão democrática nas escolas


da rede municipal de São Paulo: 1989-1992. 1995. Dissertação (Mestrado) –
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.
ALVAREZ, D.; MEHAN, H. Whole-school detracking: A strategy for equity
and excellence. Theory into Practice, v.45, n.1, p.82–89, 2006.
BALL, S.J. Education Plc: Understanding Private Sector Participation. In:
Public Sector Education. London: Routledge, 2007a.
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265
Seção 6
Crise cultural

Introdução

Em 1944, um ano antes do término da 2ª Guerra Mundial, a estrutura do


ensino médio na Grã-Bretanha sofreu uma mudança profunda através da Lei de
Reforma patrocinada pelo político conservador1 R. A. Butler. Tornou-se um siste-
ma gratuito e aberto a todos mediante a criação de três tipos diferentes de escola
e um exame de seleção para determinar a qual dos diferentes tipos de escola os
alunos seriam encaminhados. Essa reforma tripartite, como foi chamada, nasceu
das esperanças de reforma social provocadas pela guerra e pela convicção na ca-
pacidade da educação de promover o crescimento econômico (Richmond, 1978).
Essas crenças foram duramente contestadas pelo Partido Trabalhista, que
assumiu o governo em 1964 e logo começou a desmontar os elementos estrutu-
radores da obra educacional de Butler. Imbuído do espírito libertador da sua
década, que combatia as diferenças de classe e promovia a visão de uma sociedade
sem privilégios, o governo trabalhista iniciou mais uma reforma do ensino médio
ao abolir o sistema seletivo da reforma de 1944. Baseado em testes aplicados a
todos os alunos de 11 anos, para definir o tipo de escola em que ingressariam no
ano seguinte, esse sistema classificava os alunos em mais ou menos talentosos e
os encaminhava às escolas correspondentes: ou às escolas Grammar, para aqueles
com maiores aptidões acadêmicas e maiores chances de ir para a universidade,
ou às escolas Secondary Modern e Escolas Técnicas, para os demais.
Em nome de uma redução na estratificação social que caracterizava esse
sistema, os trabalhistas eliminaram o exame dos 11 anos e fundiram a grande
maioria das escolas Grammar e Secondary Modern. O resultado dessa fusão foi a
escola multipropósito e academicamente diversificada chamada “compreensiva”
(comprehensive). No princípio da década de 1970, só sobravam algumas poucas
escolas Grammar, junto com algumas escolas de Subvenção Direta (Direct Grant),
que eram escolas privadas que recebiam subvenções das autoridades educacionais
locais para matricular alunos públicos com chances e capacidade de prosseguir
seus estudos em nível superior.
Simultaneamente, foi sendo eliminada das escolas secundárias a prática
seletiva chamada de streaming, que envolvia a enturmação dos alunos de acordo
1
Até recentemente, o sistema político britânico estava dominado por somente dois partidos,
o Conservador e o Trabalhista. As reformas educacionais tratadas nesta seção refletem as
diferenças que existiam no pensamento desses dois partidos.

267
com seu nível de desempenho e a costura de currículos diferenciados para as
diferentes turmas e, em mais um avanço das ideias progressistas, foram incorpo-
radas as práticas pedagógicas que organizavam o ensino em torno das condições
e necessidades da criança. Tendo origem nas pré-escolas, essas metodologias
progressistas “centradas nos alunos” (child-centered) se expandiram até alcançar
muitas das escolas de ensino médio na década de 1960. Quando se publicou
o famoso relatório do Comitê Plowden em 1967, essas metodologias já estavam
totalmente difundidas nas escolas de ensino fundamental e receberam firmes
elogios por esse comitê encarregado de avaliar o estado da educação britânica
(D.E.S., 1967).
Quando os conservadores voltaram ao poder ao final da década de 1970, o
sentimento que prevalecia entre suas fileiras era que os trabalhistas tinham jogado
fora a criança junto com a água das reformas igualitárias e que era essencial recu-
perar o espírito e os valores da escola Grammar. Também havia certeza de que as
reformas progressistas nos métodos de ensino e na descentralização do currículo
tinham ido longe demais e que a autonomia dos professores, das escolas e das bu-
rocracias educacionais precisava ser submetida a algum tipo de responsabilização.
A primeira leitura nos oferece justamente uma resenha do pensamento con-
servador a respeito das reformas da década de 60 e 70, e os elementos identifica-
dos como prontos para novas mudanças à luz da crítica aos exageros igualitários
dos trabalhistas. Dessa forma, o texto de Ken Jones nos permite ver a reforma
educacional deslanchada na década de 1980 como uma reação conservadora
às mudanças das décadas anteriores, sobretudo a eliminação da seletividade e
a criação das escolas compreensivas, e uma tentativa nostálgica de recuperar os
valores tradicionais da disciplina, do empenho pessoal e da excelência acadêmica
que pareciam ter sido sacrificados em nome da justiça social. A atitude dos con-
servadores foi uma reação a uma crise na educação causada pela assimilação de
uma cultura igualitária alheia aos verdadeiros interesses da nação.
O texto avalia a política educacional do Partido Conservador, efetivamente
colocada em marcha na década de 1980 e arrematada pela Lei de Educação de
1988, que institui a peça central da estratégia, o currículo nacional. Jones nos
mostra que, além de nostálgico, o pensamento conservador da época foi profunda-
mente crítico quanto à hegemonia do ideário educacional da esquerda, considerado
alheio às necessidades do setor produtivo da economia e interessado somente
em promover os objetivos da reforma social. Quando os conservadores pareciam
perseguir objetivos modernizadores, com ênfase nos elementos tecnológicos do
novo currículo nacional e na expansão de institutos de tecnologia, o autor deixa
claro que essa política também representava uma volta à antiga seletividade re-
presentada pelas escolas Grammar, sem, contudo, ressuscitar o sistema tripartite.
Os conservadores rejeitavam a ideia de que a qualidade poderia ser preservada
com a igualdade de oportunidades e a expansão universal da educação. Segundo
o argumento conservador, para atender às exigências da economia, era necessário

268
fazer uma seleção entre alunos e instituições e direcionar esforços e recursos para
a preservação dos padrões de qualidade.
O texto também nos introduz a uma das fontes mais importantes para o pen-
samento conservador, os famosos Documentos Negros Sobre a Educação (Black
Papers on Education)2. Publicados entre os anos 1969 e 1977 em vários volumes
de textos, os primeiros desses documentos causaram um grande impacto por
representarem um ataque frontal ao consenso progressista que predominava nos
círculos educacionais durante o governo trabalhista. Quando apareceu o primeiro
volume dos Documentos Negros, o Ministro da Educação chamou a publicação
de “um dos dias mais negros da história da educação dos últimos 100 anos”.
De tão virulentos, e tão confessamente conservadores, os primeiros Documentos
Negros foram vistos por muitos como retrógrados demais para serem levados a
sério e irrelevantes para o debate nacional a respeito da qualidade da educação.
No entanto, a relevância dos Documentos Negros se tornou bastante evidente
a partir da vitória do Partido Conservador nas eleições parlamentares de 1979, e
as reformas educacionais implantadas ao longo da década seguinte sob a batuta
da primeira ministra Margaret Thatcher. Ao descortinar suas ideias para uma
nova lógica do sistema de ensino, os conservadores mostraram que comungavam
de muitas das mesmas premissas presentes nos Documentos Negros: eles também
desconfiavam dos progressistas e queriam reduzir o grau de autonomia curricular
e didática alcançado pelos professores durante os anos trabalhistas. Ou seja, as
opiniões que, no final da década de 1960 e princípio da década de 1970, foram
caracterizadas como reacionárias próprias de um bando de autores de extrema
direita, se tornaram uma inspiração para o governo conservador da Margaret
Thatcher a partir de 1979.
Como mostra Jones, os elementos da contrarreforma conservadora estavam
todos presentes de uma forma ou de outra ao longo dos diferentes documentos
negros: a necessidade de dar liberdade aos pais para escolherem a escola dos
filhos; um currículo básico nacional; um freio nas atividades dos progressistas; a
recuperação da seletividade; a necessidade de testar o desempenho dos alunos em
vários momentos da sua trajetória escolar e publicar os resultados; e um sistema
de vales-educação (vouchers), além de outros elementos, para dar ao sistema uma
eficiência de funcionamento comparável ao setor produtivo. Neste último elemento,
Jones sinaliza a influência do setor privado e a incorporação do pensamento de
livre mercado pelos ideólogos conservadores. Haverá uma necessidade de voltar
a esse tema mais à frente, junto com a discussão das formas encontradas pelos
conservadores para responsabilizar a burocracia educacional.

2
O significado do nome vem do fato dos documentos governamentais que expõem opiniões
oficiais a respeito de determinado assunto se chamarem Documentos Brancos (White Papers).
Ao chamá-los de Documentos Negros os autores queriam mostrar sua inconformidade com
as opiniões do governo.

269
Porém, antes disso, acho importante colocar as mãos em pelo menos alguns
dos textos originais que compuseram os Documentos Negros. Além de sentir a
força das ideias e a importância dos apelos para um retorno aos valores consagra-
dos, uma olhada nesses textos nos permitirá resgatar os fundamentos das críticas
dirigidas ao establishment educacional das décadas de 1960 e 1970 e esclarecer
melhor a ideologia por trás do pensamento conservador uma década depois. Para
esse propósito, escolhi duas leituras das fases iniciais dos Documentos Negros que
expressam opiniões sobre os excessos dos professores “progressistas” e justificam
o combate à criação da escola compreensiva.
A primeira das duas leituras dessa fonte deixa clara a essência da crítica
à escola compreensiva – a incapacidade de manter os padrões acadêmicos de
qualidade associados às antigas escolas Grammar. Os autores são radicalmente a
favor da preservação de algumas escolas seletivas para permitir que os alunos de
talento tenham condições para desenvolver suas habilidades. O texto é favorável,
portanto, à manutenção das escolas Grammar que ainda sobreviviam no princípio
da década de 1970, à continuidade do sistema de escolas de Subvenção Direta e
contra a compreensivizacão completa do sistema de ensino médio. O argumento
fundamental por trás dessa posição foi a ideia de que, sem escolas seletivas para
alunos de talento, seria impossível o sistema manter um padrão de excelência.
De certa forma, essa também era a crítica aos métodos progressistas. Estes,
ao deixarem os alunos seguirem suas inclinações naturais em brincadeiras “anár-
quicas”, não permitiam que os professores cultivassem as noções de empenho e
disciplina, nem representassem “as grandes conquistas da civilização passada”.
Mas a crítica às escolas compreensivas ia além. A abolição das escolas Grammar
era vista não só como uma ameaça à manutenção dos padrões de excelência, mas
também às chances de sucesso de muitos dos alunos de origem social humilde e
cujos talentos eram cruciais para o futuro do país.
Conforme esse argumento, a escola compreensiva seria incapaz de dar o
necessário estímulo e atendimento acadêmico aos seus alunos mais talentosos em
função de seu tamanho. Somente quando os mais talentosos estão concentrados na
mesma escola é que a essa opera na escala necessária para ofertar um currículo
diversificado de acordo com os talentos de seus alunos. Na escola compreensi-
va, por outro lado, onde se misturam todos os alunos, o número de alunos em
condições de se beneficiar do currículo exigente que leva à universidade é muito
menor, o que dificulta a diversificação curricular necessária ao desenvolvimento
das diversas habilidades dos alunos3. O outro argumento é que a escola que se
especializa na educação dos academicamente mais capazes inevitavelmente cria
um ambiente mais propício à aprendizagem e à manutenção dos melhores padrões.
Confessamente elitistas e a favor de processos seletivos, os autores desen-
volvem mais um argumento a favor da vida acadêmica mais apurada das escolas

3
O ensino médio na Grã Bretanha favorece a especialização em determinadas áreas curriculares
a partir dos 16 anos, o que permite que os alunos do mesmo ano cursem matérias diferentes.

270
Grammar, a sua capacidade de influenciar todas as outras escolas e crianças do
sistema mediante a manutenção tanto dos padrões acadêmicos, culturais e morais
“da civilização europeia” quanto de um modelo de excelência para o benefício das
escolas compreensivas. Dessa forma, as escolas compreensivas seriam impedidas
de sucumbir aos exageros dos progressistas.
No final do texto, os autores Cox e Dyson dão destaque a uma aparente solu-
ção para a falta de atendimento aos alunos de perfil mais acadêmico nas escolas
compreensivas, mediante a criação de um outro tipo de escola só para os alunos
da 6ª e última série do ensino médio. No entanto, essa escola, com seu objetivo
propedêutico de promover o ingresso na universidade dos melhores alunos das es-
colas compreensivas, é criticada por representar outro perigo, o de privar as escolas
compreensivas dos seus melhores alunos e, como consequência, da capacidade de
criar alguma tradição acadêmica. Por mais que os autores queiram oportunidades
melhores para os melhores alunos, eles percebem os efeitos nocivos da criação
desse novo nível de ensino. Mesmo oferecendo uma saída seletiva para o grande
problema das escolas compreensivas, os custos são considerados altos demais.
A leitura seguinte aprofunda mais a análise do pensamento igualitário, ao qual
os autores dos Documentos Negros atribuíam a responsabilidade pelo avanço da
reforma compreensiva e pela derrocada da qualidade da educação na Grã-Breta-
nha. Perante o nosso consenso atual a favor da inclusão social e contra a seleção,
o argumento de Maude pode nos parecer um pouco bizarro. Mesmo assim, vale a
pena considerar tal ponto de vista para entender como a busca pela justiça social
e a igualdade de oportunidades chegaram a ser entendidas como prejudiciais aos
interesses dos alunos e do próprio país.
A essência dessa crítica é a tese do nivelamento por baixo, ou seja, a ideia de
que, ao criar uma escola inclusiva que incorpora alunos de todas as habilidades,
é inevitável a “uniformização medíocre”. Esse processo destrói os padrões e cria
injustiças ao sujeitar todos os alunos ao mesmo tratamento, inclusive aqueles em
condições de aproveitar um tratamento diferenciado mais exigente. O autor com-
bate a noção dos “igualitários”, pela qual a escola deve reduzir a competitividade
e desestimular a diferenciação. Por trás dessa posição, reside a convicção de que
as crianças não são iguais e que, ao tentar criar oportunidades iguais a todos, os
igualitários trabalhistas estavam tirando as chances de muitos alunos de aprimo-
rarem suas habilidades acadêmicas. Para o autor, o objetivo do sistema, do ponto
de vista tanto do aluno quanto da sociedade, era de oferecer a melhor chance
possível para cada aluno se desenvolver até o limite das suas capacidades. Para
isso, era necessária a oferta de excelência em pelo menos alguma parte do sistema.
A inevitável formação de uma elite não devia ser considerada uma anomalia, já
que há “padrões de qualidade que são essenciais à sobrevivência da civilização”.
Ao tentar adaptar essa discussão ao contexto brasileiro, encontramos o
problema da estreita relação no nosso meio entre a condição socioeconômica do
aluno e seu progresso escolar. Ao criticar os igualitários, os autores ingleses não
pareciam preocupados com a possibilidade da uma correlação entre a distribui-

271
ção de oportunidades e a condição social dos alunos. A sua preocupação parecia
estar focada exclusivamente na necessidade de criar oportunidades diversas, para
atender àqueles alunos cujas habilidades demandavam estudos mais exigentes,
sem questionar se a distribuição dessas oportunidades seria afetada pelo nível
socioeconômico. Porém, essa falta de preocupação não pode significar uma falta
de correlação entre classe social e frequência à escola Grammar. Sabemos que os
trabalhistas atacaram o exame dos 11 anos e o sistema tripartite justamente por
conta da sua seletividade social. Muitos dos alunos que passavam no exame dos
11 anos tinham alguma vantagem social e, se é verdade que passava também um
número suficiente de alunos de origens menos favorecidas para dar a impressão
de um sistema permeável e que favorecia alguma mobilidade, a correlação geral
entre origem e desempenho no teste era bem conhecida. O que os autores esta-
vam dizendo, portanto, é que, mesmo lamentável, essa correlação não deveria
ser um impedimento à criação de opções seletivas dentro do sistema, sob o risco
de perder os efeitos benéficos dos padrões de qualidade das melhores escolas e
todas as outras vantagens do ambiente escolar de instituições seletivas voltadas
para a excelência.
No nosso meio, saberíamos a resposta para essa questão, que quanto mais
seletivo o funil, maior a correlação entre a condição do aluno e a sua probabili-
dade de passar no teste. A ideia de diversificar o ensino médio, e de selecionar
os alunos de acordo com sua capacidade de prosseguirem os estudos em nível
superior, seria combatida com unhas e dentes por conta dessa associação entre
as condições socioeconômicas e as chances de sucesso na seleção e a inevitável
discriminação social que esse procedimento provocaria. Pior ainda, teríamos que
levar em consideração as consequências atuais de um sistema público sem seleti-
vidade acadêmica, e a migração quase completa da classe média e de muitos dos
melhores alunos para o sistema privado de ensino. Numa sociedade de distribuição
de renda tão desigual, e de opções tão variadas de ensino privado, a decapitação
do sistema público a que se referem os autores em relação à escola de 6ª série
começa aqui, não no final do ensino médio, mas sim no jardim de infância. Aqui,
portanto, uma nova seletividade dentro do sistema público de ensino médio re-
duziria a quase zero as chances do aluno mais pobre de atingir a universidade.
As duas leituras seguintes tratam do elemento central da reforma conservadora
da década de 1980, o currículo nacional. A primeira, de Lawton e Chitty, mostra
como a ideia de um resgate dos padrões do passado se concretizou na forma de
uma legislação detalhada sobre todos os conteúdos de um currículo centralizado
obrigatório. Por trás dessa imposição, havia vários argumentos, começando pela
necessidade de coibir a falta de padronização dos conteúdos de ensino devido à
autonomia exagerada dos professores e a convicção da necessidade de avaliar o
desempenho dos alunos. Sem um currículo comum nacional, a proposta de um
sistema de avaliação não iria para frente. Outros elementos incluíam a inveja dos
currículos dos vizinhos europeus e a preocupação em instituir estudos voltados
para a tecnologia.

272
O descrédito dos educadores era patente quando o pacote do currículo na-
cional foi revelado. Além das falhas mencionadas por Lawton e Chitty referentes
à sua organização por matérias, à falta de interdisciplinaridade e à ausência das
diferentes áreas de conhecimento necessárias ao desenvolvimento do cidadão
moderno, a sua estrutura disciplinar ultrapassada era mais evidente ainda. Esse
é o tema da segunda leitura sobre o assunto do currículo nacional, de Richard
Aldrich. Para esse observador, ficou óbvio que a grande inspiração do novo cur-
rículo foi aquele implantado quando da criação das primeiras escolas secundárias
públicas em 1904. Os conservadores sempre falavam da importância de resgatar
os valores acadêmicos do passado, mas ninguém suspeitava que eles voltassem
83 anos para achar a fonte do novo currículo nacional!
A explicação fornecida por Aldrich é de que a lista de disciplinas obrigatórias
foi criada de olho no sistema de avaliação a ser implantado para medir e publicar o
desempenho dos alunos nos anos finais de cada etapa-chave do currículo. Aldrich
também comenta as desvantagens da estrutura fortemente disciplinar do currículo
e a ausência de áreas de estudo mais modernas, e chega a três conclusões: que
o exercício incorreto e impositivo do controle central do currículo podia levar
a prejuízos para o desenvolvimento dos alunos; que um sistema “primitivo” de
exames nacionais podia também acarretar perdas em vez de estimular a melhoria
contínua nos resultados; e que uma autoridade educacional central com poder
suficiente para controlar todo o sistema poderia se tornar uma tirania.
Essa observação fornece uma ligação para a próxima leitura que enfoca justa-
mente a recentralização pelo governo britânico de diversos poderes que anterior-
mente estavam nas mãos das autoridades educacionais locais – LEAs4. O propósito
dessa vertente das reformas conservadoras na Grã-Bretanha foi o de diminuir o
poder das autoridades locais, muitas das quais administradas por representantes
do Partido Trabalhista e opositores das políticas educacionais conservadoras. O
outro motivo foi de reduzir as relações entre as escolas e as LEAs, para tornar as
escolas mais susceptíveis aos desejos dos pais e mais dependentes do financiamento
direto do governo central. Havia também o propósito de estabelecer mecanismos
de responsabilização e de inserir uma mentalidade de mercado nas relações entre
a escola e seus “usuários”.
Observa-se certa dose de ceticismo e até resistência por parte do autor, Stewart
Ranson, mas o texto nos fornece um dado de extrema importância: a real conti-
nuidade das políticas dos conservadores após a volta do Partido Trabalhista ao
poder em 1997. Como previa o autor da primeira leitura, Ken Jones, ao escrever
sobre a chegada dos conservadores na década de 80, a política conservadora não
poderia ser encarada como um espasmo reacionário irracional e um interlúdio
de vida curta. Pela sua profundidade e abrangência, a reforma estava fadada e
se perpetuar e os trabalhistas logo abandonaram qualquer ideia de retornar ao
estado ex ante facto. Pelo contrário, pelo texto e por outras observações, pode-se

4
LEA: orig. Local Education Authority.

273
confirmar que os trabalhistas até aprofundaram as reformas de mercado instituí-
das pelos conservadores, além de contribuírem para um novo modelo neoliberal
de governança escolar que adota estilos de gestão do setor privado em que são
especificados, com clareza cada vez maior, todos os “objetivos, tarefas e condições
de fornecimento dos serviços”. Esse estilo vai além da mera responsabilização
da escola pelos resultados dos alunos e estimula novas conexões entre escolas,
outros fornecedores de serviços educacionais, organizações não governamentais,
empregadores e outros setores num modelo chamado de corporativo que acaba
excluindo o controle governamental. Esse modelo assume as regulamentações
corporativas que funcionam na base de aferições constantes, em um regime que
o autor chama de “performatividade”.
Se a leitura de Ranson se concentra no novo modelo de gestão, iniciado pelos
conservadores e aprofundado pelos trabalhistas, a última leitura desta seção se
concentra na vertente da reforma britânica que mais chama a atenção. Refiro-me
às mudanças que se costuma chamar de “privatização da educação” mediante a
incorporação de instituições ou práticas privadas ao sistema de educação públi-
ca, tipicamente via competição pelos alunos e os vouchers discutidos por Milton
Friedman, ou através da gradual terceirização dos serviços de apoio às escolas
que eram fornecidos originalmente pelo governo e suas agências.
O autor, Stephen Ball, faz uma distinção importante entre essas duas defini-
ções, chamando a primeira de privatização endógena, em que as escolas públicas
começam a agir como instituições do setor privado, e a segunda de privatização
exógena, em que os serviços educacionais de apoio se tornam parte de um setor
comercial regido por critérios empresariais. A distinção é importante na medida em
que o autor mostra que, mesmo na presença de uma discussão intensa e acalorada
sobre o financiamento per capita das escolas, a aparente liberdade para os pais
escolherem a escola de seus filhos, a divulgação mercadológica dos resultados da
escola e outros elementos de um modelo tipicamente privado de ensino, o avanço
da privatização exógena tem sido pequeno. O mercado educacional não opera
conforme as regras dos economistas – as escolas melhores não procuram mais
alunos e as piores não vão à bancarrota. Na prática, a compatibilização da escolha
dos pais e a oferta de vagas das escolas é extremamente difícil de administrar. Por
exemplo, o sistema de vouchers nem chegou a ser experimentado, a não ser por
um caso piloto e de pouca duração com o ensino pré-escolar. Em compensação,
o autor observa uma mudança de atitudes por parte dos profissionais do setor
educacional a partir da incorporação dos critérios de mercado nas relações entre
as escolas e identifica o que chama de comportamentos oportunistas dentro de
um novo “ambiente ético”.
A privatização exógena, por outro lado, parece estar em expansão exponencial.
A partir das iniciativas modestas dos funcionários deslocados pela redução nas
responsabilidades das autoridades educacionais locais, a indústria dos serviços
educacionais tem crescido enormemente e hoje abrange uma diversidade de
atividades que incluem até o serviço de inspeção escolar. A motivação mais ideo-

274
lógica do Partido Conservador a favor dessa modalidade de privatização, a partir
da sua desconfiança dos profissionais do setor e principalmente dos professores,
tem sido substituída pela vontade dos trabalhistas de criar uma estratégia para a
modernização do setor público. Com isso, observa-se uma progressiva redução
das barreiras entre os setores público e privado e uma crescente transferência de
atribuições para as empresas do setor de serviços educacionais.
Na sua análise detalhada da privatização exógena, reproduzida aqui pelo seu
ineditismo na bibliografia brasileira, o autor se concentra em dois dos aspectos
principais do mercado de serviços: a terceirização e os produtos de aperfeiçoa-
mento. Em relação à terceirização, pode surpreender o fato de que, quando o
Partido Trabalhista assumiu o poder, já estavam terceirizados todos os serviços
de inspeção escolar e uma proporção significativa dos processos de recrutamento
e seleção de professores. Em poucos anos de governo trabalhista, o mercado de
contratação de docentes cresceu até 600 milhões de libras esterlinas (aprox. 1,6
bilhões de reais), o que, em 2008, representava aproximadamente 40% do total
do mercado de serviços terceirizados. Outra parte desse mercado diz respeito à
administração das autoridades educacionais locais que, em inspeções realizadas
pela agência de inspeção, são classificadas como inadequadas. Nesses casos é feita
uma licitação pública e contratada uma empresa para organizar e administrar a
burocracia educacional da região. Em relação aos chamados produtos de aper-
feiçoamento, percebe-se o impacto da descentralização de recursos até a escola e
a eliminação do poder de intermediação das autoridades educacionais locais. As
empresas prestadoras de serviços atuam diretamente com as escolas no forneci-
mento tanto de equipamentos e infraestrutura quanto na área de desenvolvimento
curricular e melhoramento dos processos pedagógicos. Num mercado bilionário,
essas empresas adotam todos os truques mercadológicos de qualquer setor dinâmico
e competitivo, ao mesmo tempo em que procuram oportunidades de inovação.
Com essa leitura, encerra-se a descrição da reforma educacional na Grã-
-Bretanha, ao mesmo tempo em que se tenta dar um fecho na discussão aberta na
seção anterior, sobre a incorporação de pensamento econômico na formulação e
condução da política educacional. Primeiro com os conservadores e depois com
os trabalhistas, cada um seguindo sua própria motivação, foi constatada uma
confiança cada vez maior na capacidade do mercado de resolver os problemas
da qualidade e eficiência dos serviços públicos de educação. A marca neoliberal
para esses processos parece razoável na medida em que recuperam as crenças
liberais sobre a necessidade de limitar o alcance do estado e permitir que o mer-
cado ofereça as soluções para a distribuição dos serviços públicos. Resta saber
se a carga negativa associada a esse epíteto se justifica a partir de uma avaliação
da diversidade, qualidade e eficiência dos serviços prestados.

275
Leitura 1
A virada à direita: a revolução conservadora na educação

Ken Jones (1989)5

Esquemas e histórias

A política educacional do Partido Conservador, ambivalente, funde o arcaico


e o moderno, mistura nostalgia com tecnologia, evoca a comunidade e promove o
empreendedorismo. Seu sistema de contrastes combinados, de polaridades asso-
ciadas – e tensões contínuas –, é complexo, e a maior parte deste livro destina-se
a descrevê-lo. Logo no princípio já é possível, contudo, fazer uma afirmação clara:
o conforto de ver a política conservadora como um espasmo reacionário irracional
e, consequentemente, como um breve interlúdio no caminho do progresso, deve
ser abandonado.
Com muita frequência, a política educacional conservadora é descrita como
um regresso: um passo atrás; a restauração de um privilégio; um retorno à seleção.
De fato, é muito fácil pensar a política e suas implicações de tal modo. A nostalgia
é um de seus componentes e, entre as promessas que faz, estão a restauração e
certo restabelecimento da continuidade. Mas perceber somente esses aspectos
significa obter apenas a compreensão mais parcial possível. Em seu caráter cen-
tralizador, a Lei de Reforma da Educação de 1988 (1988 Education Reform Act)
pode muito bem ter reproduzido características da legislação conservadora de
1902 [...]. Igualmente, as concepções de conteúdo curricular do Departamento
de Educação e Ciência (Department of Education and Science – DES) e de mui-
tos ministros refletem uma tradição acadêmica e seletiva. Mais importante que
esses ecos ou repetições, contudo, são as novidades da política conservadora. Até
mesmo a aparentemente mais arcaica de suas formulações serve uma espécie de
propósito contemporâneo, e muito de seu programa tem intenções de modernização
explícitas. Tradicionais ou tecnológicas em sua retórica, suas diversas formas estão
centradas em pelo menos um urgente propósito comum: eliminar as principais
tendências que dominaram a política educacional do pós-guerra, substituindo-as
por uma ordem de prioridades bastante diferente.

5
Texto extraído de: Ken Jones. Right Turn: The Conservative Revolution in Education. ���
Hu-
tchinson Radius, London, 1989: 1-49 (Capítulo 1, Outlines and histories).

276
A primeira dessas tendências diz respeito à relação entre educação e econo-
mia. Com cada vez mais certeza, impulsionados pelas afirmações do lobby dos
negócios e com a autoridade conferida por estudos acadêmicos apaixonados e
bem-documentados, como os de Correlli Barnett, alguns políticos conservadores
identificaram a secular fraqueza da educação inglesa: seu distanciamento – ou
hostilidade – com relação à política industrial. Eles argumentam que o treinamento
industrial sempre foi rudimentar; a educação superior negligenciou as necessidades
de pesquisa da indústria; as escolas não se interessaram por tecnologia; e, o que
é talvez o mais devastador, a intelligentsia inglesa desenvolveu um ethos profun-
damente anti-industrial. Cultivando interesses literários, históricos ou religiosos
em detrimento de uma cultura baseada em torno da engenharia e da ciência, e
priorizando a integração social acima do crescimento econômico, ela ajudou a
criar uma disposição que, conquanto favorável a custosos projetos de reforma
social, demonstra repúdio, ignorância ou medo em relação às necessidades do
desenvolvimento tecnológico. Nas escolas, tais interesses refletiram-se no prestígio
e na influência de certas matérias, na seleção de prioridades dentro de uma área
do conhecimento e em uma generalizada disposição não competitiva.
Uma prioridade do programa educacional conservador é reverter tudo isso.
A ciência e a tecnologia se tornarão centrais no currículo nacional. Novas escolas
com vultosas verbas se especializarão em estudos técnicos. O espírito do empre-
endedorismo, o desenvolvimento de compreensão da economia e uma “motiva-
ção” para o trabalho serão encorajados em todos os tipos de escolas. Tampouco
isso constitui meramente uma mudança no nível das políticas, simples ideias no
papel. Provocada por pressão do governo, uma nova forma de ensino emergiu,
incorporando alguns aspectos da educação progressista ao mesmo tempo em que
abandonou seus supostamente excêntricos compromissos sociais. Essa pedagogia
é centrada no estudante, baseada em atividades e orgulhosa de sua relevância.
Ela se contrapõe ao caráter acadêmico e baseado em livros-texto dos modelos
tradicionais, adicionando evidências à afirmação de que um rompimento com o
passado finalmente foi realizado.
Dessa forma, e com essa atenção aos detalhes, é dito que o viés de um século
está sendo corrigido.
Mas o que há de novo ou de precisamente conservador nisso? “Educação para
o mundo do trabalho” era, afinal de contas, um dos slogans favoritos do último
governo trabalhista; foi James Callaghan6 que criticou as escolas por sua ênfase
no “social” ao invés do “econômico”. Mesmo agora, esses temas são um elemento
padrão nos discursos sobre educação do Partido Trabalhista. Então não seriam
eles um sinal dos tempos, ao invés da propriedade de um partido ou de outro?
Se ignorarmos o especial fervor com o qual os conservadores promovem o ideal
jepp de empreendedorismo, e deixando de lado a presteza com a qual promoveram
mudanças nas instituições e nos sistemas de controle, a resposta pode ser sim.

6
Primeiro-ministro e líder do Partido Trabalhista de 1976 a 1979. (N.T.)

277
Mas, mesmo assim, haveria uma segunda tendência a se perceber, uma segunda
vertente do projeto Tory7 de demolição e reconstrução, que de tão entremeada
com a ênfase no tecnológico, forma com ela um forte emaranhado conectivo.
A doutrina subjacente à reforma do pós-guerra sustentava que o progresso
econômico dependia da provisão mais generalizada de educação de maior qua-
lidade, bem como de igualar as oportunidades disponíveis aos estudantes de
diferentes classes sociais. A esse argumento econômico em favor da igualdade
de oportunidades, foi adicionado um segundo: que os interesses da justiça social
demandavam um aumento das oportunidades e uma expansão da educação. Esses
argumentos se combinaram em uma arguição em favor de reformas que associava
justiça e eficiência, interesse individual e necessidades econômicas. Ainda que
agora saibamos que não foram os mais desprivilegiados de nossa sociedade os que
mais se beneficiaram das oportunidades oferecidas, essa maneira de compreender
a reforma teve efeitos reais. Ela sugeriu que as “necessidades da economia” po-
deriam ser atendidas mediante uma expansão indiferenciada da educação – uma
expansão que não fosse formal e deliberadamente direcionada às necessidades
de força de trabalho e de grupos sociais específicos.
É essa posição que os conservadores ora desmontam. Eles rejeitam a ideia
de que uma expansão universal da educação seja necessária para atender às
necessidades por eles identificadas. Privilegiam, ao invés disso, um grau muito
mais alto de direcionamento e seleção: seleção dentro das escolas, de modo a
manter tendências acadêmicas e desenvolver tendências técnicas, e seleção entre
escolas, para constituir centros de excelência acadêmica ou institutos de tecnolo-
gia. Em cada caso, está implícito que há grupos que não serão alvo de tratamento
favorável, para os quais níveis mais baixos de educação e diferentes concepções
de relevância são propostas.
A segunda tendência da política conservadora, então, é sua explícita seletivi-
dade. Ela rompeu com as políticas anteriores que diziam dar passos em direção à
universalização do ensino de qualidade. A seletividade, juntamente com a ênfase
na “tecnologização” das escolas, configura um novo desenvolvimento na educação
inglesa: um projeto de modernização de coloração direitista.
[...]

Desenvolvendo a Direita: os Documentos Negros

[...]
Em 1969 foi publicado o primeiro de uma série de ensaios sobre os perigos
da reforma educacional. Imediatamente ele se tornou conhecido e foi amplamen-

7
Outro nome para o Partido Conservador, que remete às suas origens aristocratas no século
XVII. (N.T.)

278
te lido. “A Luta pela Educação: um Documento Negro” (Fight for Education: a
Black Paper), editado por dois professores universitários de inglês, identificava
nas mudanças da década de 1960 uma ameaça aos padrões educacionais e à
disciplina. Métodos educacionais progressistas, oficialmente apoiados por relató-
rios governamentais, estavam reduzindo os níveis de desempenho nas habilidades
básicas e diminuindo a autoridade dos professores. A rápida expansão das Escolas
Compreensivas8, aliada a um crescimento do ensino não diferenciado (unstreamed9),
estava erodindo os valores da disciplina, do autodesenvolvimento e do trabalho
duro, que haviam sido fomentados na Grammar School10. Além disso, enquanto
escolas estavam sendo lançadas no caos por reformas apressadas e injustificadas,
a educação superior enfrentava uma ameaça ainda maior, sob a forma de uma
militância estudantil bárbara e antieducacão.
Essas afirmações articularam as atitudes de muitos conservadores com relação
à mudança da educação, e representaram o aparecimento de um descontentamen-
to subterrâneo com o consenso das lideranças partidárias em torno da reforma.
Entretanto, nenhum dos três primeiros Documentos Negros (Black Papers), de
1969 a 1971, expressou uma orientação explícita para a reformulação da política
conservadora. Seus editoriais conclamavam os moderados do Partido Trabalhista
a refrearem uma liderança extremista, comprometida em aumentar a abrangência
do sistema inteiro. Seus leitores, afirmava-se, não pertenciam a nenhum grupo
específico, sendo, “na maioria, professores” que “receberam com entusiasmo” o
primeiro Documento Negro. Argumentava-se que a maioria dos professores “consi-
dera que a separação das turmas por nível de capacidade (streaming) é essencial”
e que o Secretário da Educação, Sr. Short, “foi longe demais”. Havia, é claro,
professores progressistas, bem como havia educadores doutrinários e extremistas
no Partido Trabalhista, mas, no geral, de acordo com a opinião dos Documentos
Negros, o grosso da opinião educacional era racional e de disposição cética.
Atendo-se a essa análise, o propósito desses primeiros ensaios era limitado. Era
uma questão de defender a “excelência” ao manter as escolas particulares, junto
a um forte, mas relativamente pequeno, setor de Grammar Schools. A velocidade
da reforma seria reduzida, e os métodos de ensino progressistas introduzidos de
maneira mais cuidadosa e experimental.
Seria um erro, contudo, ler os primeiros Documentos Negros como um con-
junto de proposições de políticas. Tão importante quanto seu programa político

8 As escolas Comprehensive são escolas públicas britânicas de ensino médio que não selecio-
nam seus alunos. Foram criadas nas décadas de 1960 e 1970, a partir da fusão das escolas
Grammar (seletivas) e das escolas Secondary Modern (não-seletivas) e correspondem à High
School nos Estados Unidos e à Gesamtschule na Alemanha. (N.T.)
9
Palavra que descreve a prática de não mais enturmar os alunos por nível de habilidade,
nem de organizar o currículo de acordo com o nível ou stream da turma, e que equivale à
enturmação heterogênea. (N.T.)
10
Escola para alunos de habilidade acadêmica mais alta, eliminada com a criação da escola
compreensiva nas décadas de 1960 e 1970. (N.T.)

279
foi seu impacto ideológico. Ao dar atenção a algumas das dificuldades reais da
reforma, e ao medo corriqueiro com relação ao que se passava em um sistema
educacional que repentinamente se tornara estranho, eles questionaram algumas
das hipóteses prevalecentes sobre os benefícios da mudança, substituindo-as por
um sentimento de crise. O fim da seleção e o declínio dos padrões punham em risco
a capacidade da sociedade de transmitir os valores herdados do passado. Longe
de unir a sociedade em torno de níveis mais altos de desempenho, a reforma, ao
reduzir a autoridade e erodir o coletivo de significações culturais, estava criando
uma crise de ordem – que tinha como um de seus primeiros sinais a militância
estudantil que se seguiu à expansão universitária.
Os Documentos Negros surgiram, sem dúvida, da experiência da abolição
parcial da Grammar School e das ansiedades da classe-média daí advindas –
mas sempre havia, dentro deste argumento, espaço para uma ênfase especial na
frustração das habilidades dos estudantes da classe trabalhadora, para os quais a
Grammar School oferecera uma oportunidade para o progresso individual muito
maior do que a escola compreensiva jamais poderia. Foi esse argumento que
deu aos primeiros Documentos Negros uma força especial. Apesar de, no mundo
educacional, suas visões terem sido tratadas com uma tola superioridade, como se
fossem irrelevantes para a experiência da reforma, elas tinham, de fato, identificado
frustrações e desapontamentos que eram endêmicos no novo sistema. O amanhe-
cer do sistema compreensivo não havia trazido consigo uma ampla reavaliação
da educação, que era necessária em uma escola não-seletiva. O ensino médio era
uma mistura de experimentos corajosos e ocasionais, de reformas dispersas e da
simples manutenção de métodos mais antigos, derivados das escolas seletivas.
Além do mais, o ensino médio havia desenvolvido procedimentos e hábitos que
pareciam tornar plausível a acusação dos Documentos Negros de que ele parecia se
vangloriar de sua ausência de responsabilização. Podiam alegar que a educação se
tornara um vasto “grupo de interesse”, no qual as preocupações dos educadores,
administradores e políticos tinham desenvolvido sua própria dinâmica, que seguia
atropelando as experiências e visões dos estudantes, professores e pais. Foi essa
incoerência curricular e aparente falta de responsabilização que deu relevância
às certezas mais antigas dos Documentos Negros. Pela primeira vez em décadas,
era possível para a direita falar sobre a educação estatal com autoridade e vigor
e unir a preocupação para com o ensino estatal a uma crítica do direcionamento
e das consequências da reforma. E, assim, teve considerável recepção: os dois
primeiros Documentos Negros venderam 80.000 cópias, tornando-se a primeira
crítica popular e eficaz do estado do bem-estar social do pós-guerra.
O sucesso dos Documentos Negros não foi simplesmente uma questão do poder
de convencimento de um argumento – e muito menos de sua precisão. Muitas
de suas afirmações específicas sobre o declínio dos padrões foram refutadas, em
livros como “Progresso na educação” (Progress in Education) de Nigel Wright. Mas
essas proposições nunca foram essenciais para o impacto popular dos Documen-
tos Negros: seu sucesso baseava-se em achar uma linguagem na qual a mudança

280
pudesse ser avaliada e insatisfações fragmentárias pudessem ser reunidas. Eles
engajaram a voz desiludida da experiência, que dramatizava e personalizava um
processo social, e ajudaram a dar credibilidade à afirmação de que algo havia
dado muito errado no processo de reforma como um todo. Cox e Dyson, editores
dos primeiros Documentos Negros, tinham ambos votado no Partido Trabalhista
em 1966. Outros colaboradores, como Kingsley Amis e Iris Murdoch, também
apoiaram, em algum momento, o Partido Trabalhista. Os Documentos Negros
que vieram mais tarde contaram com contribuições de professores anteriormente
progressistas – os liberais Renee Soskin e Dolly Walker, que estudaram com Fro-
ebel, e expuseram as iniquidades da educação progressista na William Tyndale
Junior School em Islington, Londres11. De igual importância foi a acessibilidade
dos Documentos Negros: ensaios curtos – com humor, crítica e nostalgia –, evo-
cando valores duradouros que estavam sendo negligenciados. A gama de vozes foi
também importante: guardas penitenciárias ao lado de catedráticos de Cambridge;
professores de ensino básico ao lado de celebridades literárias. Tanto em seu tom
quanto em sua amplitude, os Documentos Negros levavam vantagem sobre seus
críticos, cujas respostas se baseavam na linguagem dos educadores ou dos políticos
trabalhistas, pareciam destituídas de vida, de convicção pessoal informada e da
habilidade de reconhecer e refletir sobre os problemas da reforma. Acabaram
por fundar uma tradição panfletária que serviria bem à direita.
Já em 1971, os Documentos Negros diziam ter “quebrado o popular consenso
da esquerda” sobre a educação. Eles tinham, decerto, o desafiado, mas seguiram-
-se muitas evidências de que não tinham impedido o crescimento das atitudes e
políticas que condenavam. Sob o governo conservador de Edward Heath12, cresceu
a velocidade de adoção desse modelo, caracterizado também por sua abrangên-
cia. A Sra. Thatcher, como Secretária da Educação, de acordo com o jornalista
conservador Ronald Butt, “foi muito mais cuidadosa em desafiar a ortodoxia do
que muitos de seu partido teriam gostado”. O Comitê Bullock, criado pela Sra.
Thatcher para investigar o ensino nas escolas inglesas – e assim avaliar as críticas
sobre o declínio dos padrões de alfabetização –, entregou um relatório que não
rompia com o detestado consenso, e assim provocou uma declaração de dissensão
dos Documentos Negros. Em algumas áreas foram introduzidas reformas radicais
de currículo e de organização interna da escola. Os professores, longe de terem se
reestabelecido como guardiões de valores educacionais desinteressados, lutaram
e receberam aumentos salariais expressivos. Um marxismo revivido ganhou lugar
entre professores e estudantes do ensino superior. Tudo isso ocorreu, é claro, em

11
A escola primária William Tyndale ficou paralisada por mais de um ano entre 1974 e 1975
por conta de discussões internas sobre suas metodologias progressistas de ensino e a reação
de muitos pais que retiraram seus filhos. A escola se tornou símbolo da controvérsia entre
professores, conselheiros, autoridades educacionais e pais de família a respeito dos métodos
progressistas e do grau de liberdade da escola em escolher seus métodos. (N.T.)
12
Primeiro-ministro britânico de 1970 a 1974. (N.T.)

281
meio a uma turbulência mais ampla que, como vimos, muito alarmou e estimulou
a direita que ressurgia.
Nesse contexto, os Documentos Negros bandearam-se para a direita, abando-
nando toda a esperança por uma moderação das políticas do Partido Trabalhista
e repensando de maneira mais detalhada seu próprio programa, após a inércia
e os desapontamentos da era Heath. Em 1975 o político conservador Rhodes
Boyson se tornou coeditor, junto a Brian Cox. No mesmo ano, em seu livro “Crise
na Educação” (Crisis in Education), Boyson formulou a ideia, antes de outros con-
servadores, de como a escolha dos pais poderia ser transformada de um princípio
geral para a própria base da organização do sistema escolar, e também lançou
a ideia de um currículo nacional. Sob sua coeditoria, uma segunda geração de
colaboradores apareceu – Caroline Cox, Edward Norman, Stuart Sexton – que
estavam, ou vieram a ficar, mais diretamente envolvidos com a ala direita da
elaboração de políticas dos conservadores. Correspondentemente, houve uma
marcada mudança na identificação das razões da crise e das forças e programas
que poderiam resolvê-la. O último Documento Negro, de 1977, defendia que a
crise do ensino era generalizada, e não meramente localizada. Havia um “colap-
so no ensino” e era “hora do Sindicato Nacional de Professores parar de fingir
que não”. A deterioração não mais se limitava ao nível político e administrativo,
mas havia se espalhado por todas as partes: “os devotos fanáticos da educação
progressista” detinham “poder demais nas escolas e colégios”. MESP
Uma vez que não se podia mais confiar nos professores, era hora de desenvol-
ver um programa mais elaborado para a educação. Do programa inicial dos Docu-
mentos Negros, apenas a ênfase na seleção se mantinha. Limitar o dano causado
pelo extremismo do Partido Trabalhista não constituía mais a principal ambição. Ao
invés disso, um conjunto mais confiante e abrangente de alternativas foi proposto,
que de muitas formas prefigurou as políticas conservadoras da década de 1980.
as avaliações
externas
As crianças deveriam ser testadas aos 7, 11 e 14 anos. Os resultados deveriam
ser publicados. Deveria haver um “currículo básico” de leitura e matemática, e
um “conjunto de conhecimentos que se espera que todos os cidadãos adquiram”.
Métodos educacionais progressistas deveriam se restringir a um pequeno número
de escolas experimentais. Deveria haver um modelo de treinamento de professo-
res como aprendizes, para reduzir a influência de teorias que estavam na moda
no meio acadêmico, porém eram inúteis ou prejudiciais à escola. Um sistema de
voucher (vale-educação) “ou algum outro método” deveria ser introduzido, para
que a escolha dos pais pudesse moldar o sistema educacional. As Grammar Schools
de financiamento direto (semi-independentes) seriam reabsorvidas pelo sistema
estatal e utilizadas como escolas acadêmicas superseletivas, de modo a se manter
a excelência viva e mostrar os padrões possíveis com crianças talentosas. Analo-
gamente, “escolas que poucos gostariam de frequentar, deveriam ser fechadas”.
Nessa ideias, desenvolvidas a partir de conferências organizadas pelo Conselho
Nacional de Padrões Educacionais (National Council for Educational Standards)
e divulgadas a uma audiência mais ampla por Stuart Sexton, os Documentos

282
Negros associaram sua crítica dos padrões educacionais (ainda essencialmente
A defesa do
nostálgica) a ideias de livre-mercado para a reestruturação da educação. Essa foi mesp é justamente
uma junção essencial para a nova direita: uma síntese de políticas na qual os pais essa
desempenhavam um papel central na determinação da qualidade e da estrutura "Pais são os únicos
organizacional da educação. responsáveis..."

A partir dos Documentos Negros: o livre-mercado

O último Documento Negro, então, apontava para duas direções. Uma de-
monstrava a familiar preocupação para com o papel da educação na preservação
de padrões e valores. [...] O que acontecia na educação era interpretado em termos
que refletiam a importância da cultura, da autoridade e da nação no programa
da direita.
A segunda direção foi a indicada no artigo de Stuart Sexton. A posição da
direita se alterou de uma ação defensiva contra o avanço da reforma igualitária
para o começo de uma postura ofensiva contra a mesma, cuja meta seria substituí-
-la por uma ordem econômica e social diferente. Foi crucial para esse trabalho o MBL
crescimento de centros de estudos (think tanks) e grupos de pressão financiados
por corporações. Subsídios generosos do mundo dos negócios formaram o Centro
para Estudos de Políticas (Centre for Policy Studies - CPS), concebido em 1974 por
Keith Joseph, a mais produtiva dessas instituições. Com doações do conglomerado
Hanson Trust, da Kellogs, da Glaxo, do Beechams e da GKN, e com empresários
da Bass, da British Steel e da Gestetner em seu conselho, o CPS não teve quaisquer
dificuldades financeiras em buscar sua meta de “melhorar as políticas relativas
ao padrão e qualidade de vida e à liberdade”. Da mesma forma, a Unidade de
Assuntos Sociais (Social Affairs Unit), cuja instituição mantenedora era o Instituto
de Assuntos Econômicos (Institute of Economic Affairs), a favor do livre-mercado,
recebeu quase meio milhão de libras em doações de corporações. O Instituto Adam
Smith (Adam Smith Institute), um projeto mais modesto, não recebeu tanto finan-
ciamento, mas, como veremos, dificilmente deixou de ser influente. Todos esses
órgãos, nos anos iniciais e intermediários da administração Thatcher, levantaram
polêmicas e produziram programas mais detalhados e sistemáticos que os Docu-
mentos Negros. Na medida em que eram frequentemente menos populistas em
sua abordagem, puderam aproveitar do sucesso de seu predecessor e se associar
mais de perto ao processo de elaboração de políticas.
[...]
Os Documentos Negros traziam comentários a respeito da ausência de res-
ponsabilização dos que controlavam a educação e com ela trabalhavam. Essas
observações, contudo, não constituíam nenhuma teoria geral, nenhuma “lei da
burocracia”. Sob o impacto do pensamento a favor do livre-mercado, tal teoria foi
aplicada ao sistema educacional, no começo da década de 1980: a indiferença

283
do aparato educacional quanto ao que se pensava ser a demanda popular não
era um acidente; era, isto sim, uma decorrência inexorável da natureza de um
sistema que havia sido removido das pressões mercadológicas, tendo sido “posto
sob direção e controle político”. A educação era um dos grandes monopólios do
Estado, com seu “exército de burocratas” impondo políticas de cima para baixo,
resultando em “serviços surrados e atrasados”.
As consequências educacionais de um controle monopolista intrinsecamente
impossível de ser responsabilizado eram graves e numerosas. Operando com base
em uma renda garantida, as escolas eram “complacentes com as práticas existen-
tes”; elas “não inovavam” de maneira construtiva, enquanto eram excessivamente
suscetíveis às idiossincrasias políticas dos professores, alguns dos quais achavam
“mais fácil declamar seus preconceitos políticos aos alunos em vez de fazer o
esforço intelectual de dominar uma matéria, e quanto mais ensinar uma”. Sem a
necessidade de serem receptivas à influência dos consumidores, as escolas tinham
desenvolvido “um viés educacional contra a comunidade dos negócios”, enquanto
elas próprias eram, em termos econômicos, instituições altamente ineficientes.
Sobrecarregadas com administradores, e com excesso de professores, o sistema
escolar falhara em responder eficazmente às “novas condições de mercado” criadas
pelo declínio das matrículas. E ele não podia se regenerar, já que, mesmo com a
melhor das intenções, os professores não conseguiriam escapar das pressões de
uma situação de monopólio.
Por mais dedicados que sejam como educadores, por mais preocupados que se-
jam como pais, o casulo dos interesses de produtores gira continuamente em torno
deles. Seu ambiente de trabalho exaure cada um deles, até que os professores
firmemente aceitem que merecem mais dinheiro, que não se deve esperar que
supervisionem a merenda escolar, que precisam de turmas menores, que não po-
dem ensinar adequadamente sem um diploma, que não devem ser julgados pelos
resultados das avaliações, que devem ter um emprego garantido para a vida toda
e assim por diante.
A solução para esses problemas crônicos estava, é claro, no mercado. Era
hora de deixar o futuro do sistema ser decidido não pela política, mas pela “von-
tade dos consumidores”. Por algum tempo, entretanto, houve incerteza na direita
quanto à forma organizacional que daria o efeito mais poderoso a essa vontade.
Alguns defendiam um sistema de vouchers, pelo qual a concessão aos pais de
créditos através de vales-educação (educational vouchers) substituiria o financia-
mento das escolas pelas autoridades locais. Os pais então utilizariam o crédito
na escola que escolhessem, complementando-o caso quisessem. O problema
com esse esquema era de ordem política: seria uma tentativa de tudo ou nada
para transformar a educação, que instantaneamente “unificaria todo o aparato
educacional contra ela”. Assim, a ideia, ainda que tenha sido sugerida na época
da eleição de 1983, foi descartada na prática como uma alternativa ao sistema
em vigor. Havia outras maneiras, mais sutis e mais produtivas, de expor as es-
colas à disciplina do mercado. A responsabilidade de gerenciar as escolas seria

284
descentralizada ao nível das próprias escolas, onde se tornaria propriedade dos
“conselhos escolares” dominados pelos pais. O papel da Autoridade Educacional
Local seria reduzido à canalização de fundos – em grande medida providos pelo
governo central – para as escolas. O tamanho do financiamento dependeria do
número de estudantes que uma escola atraísse. Ao responder à demanda do mer-
cado, as escolas aumentariam o número de seus estudantes e sua renda. “Decisões
erradas refletiriam em uma queda das matrículas”. Os conselhos escolares assim
reestruturação escolarpresidiriam empresas, a eficiência competitiva assumindo especial importância. A
competitividade poderia ser aumentada de diversas maneiras. As escolas poderiam
reduzir seus custos aumentando a produtividade de sua equipe. A estabilidade de
emprego dos professores, bem como a proteção de suas condições de trabalho e
salários através de acordos coletivos, seria abolida. Cada professor ou professora
teria um contrato individual, com seu trabalho avaliado anualmente. O status de
professor qualificado – outra doutrina monopolista ultrapassada – se tornaria
professor de
notório saber menos importante, e os professores poderiam ser treinados de modo mais barato
e rápido. “Pessoas de fora” com experiências relevantes – experiências obtidas na
indústria, talvez – deveriam ser empregadas. O diretor ficaria livre para organizar
a alimentação e a limpeza com o menor custo possível, talvez utilizando trabalho
voluntário dos pais. Além disso, as escolas seriam encorajadas a procurar outras
fontes de financiamento, possivelmente através de doações dedutíveis do imposto
de renda feitas pelos pais e pela comunidade dos negócios.
A influência do estado nessa nova e gigantesca zona de empreendimentos não
mais seria todo-abrangente, mas sim concentrada em alguns pontos-chave para
garantir padrões básicos e para controlar a subversão. Diretrizes nacionais seriam
ASSUSTADAAAAAestabelecidas para um núcleo compulsório de matérias, enquanto as “periféricas”
ou “controversas” poderiam se tornar optativas, de modo a permitir aos pais tirar
seus filhos e filhas de discussões indesejadas sobre sexo e política. Em relação às
matérias básicas, uma nova “obrigação de equilíbrio” seria legalmente definida:
o ensino nas escolas públicas não seria específico de qualquer tendência, e nem
tampouco seria baseado em uma análise associada a qualquer ideologia política
determinada. MESP
Dessa maneira, a dinâmica inteira do sistema seria modificada, e, com ela,
as visões de todos os envolvidos na educação. O efeito imediato mais óbvio seria
nos professores: ou os educadores se submeteriam à reeducação por princípios
mercadológicos, ou perderiam seu sustento.

285
Leitura 2
Os documentos negros sobre a educação: introdução

C.B. Cox e A.E. Dyson (1971)13

[...]

A Educação Progressista

As opiniões contidas nos Documentos Negros sobre a educação progressista


são, em grande parte, atribuídas ao Professor Bantock e reaparecem publicadas
aqui. A primeira página do Documento Negro Nº 1 coloca o seguinte:
Após a guerra, mudanças revolucionárias aconteceram na área da Educação In-
glesa — a introdução de métodos lúdicos livres nas escolas primárias, esquemas
compreensivos, a expansão da educação universitária, os cursos experimentais nas
universidades novas. Essas mudanças receberam forte apoio, mas, ao longo dos
dois últimos anos, muitos são os que se manifestaram descontentes com relação a
determinados aspectos de sua filosofia geral. A anarquia está se tornando moda
e os que escrevem em jornais como o The Guardian e o New Statesman parecem
aceitar como natural a ideia de que mudanças fundamentais no relacionamento
professor/aluno são inevitáveis. O professor não é mais considerado representante
das grandes conquistas da civilização passada; seu trabalho é de “decodificar a
crítica radical dos jovens” (segundo as palavras do professor universitário Ro-
ger Poole, no Guardian de 15 de Outubro de 1968). Os políticos e dirigentes
têm adotado essa moda, e os elevados padrões tradicionais da educação inglesa
correm o risco de desaparecer. Na escola primária, alguns professores chegam
ao extremo de acreditar que não se deve mandar nas crianças e que elas devem
descobrir seu caminho sozinhas. Para o período posterior à idade de onze anos,
o empenho é que seja abolido o streaming14, e as noções de disciplina e empenho
cultivadas pela Grammar School15 são vistas com descaso. Nas universidades, os

13
Texto extraído de: C.B. Cox e A.E. Dyson. Introduction. In: C.B. Cox e A.E. Dyson (orgs.),
The Black Papers on Education. London: Davis-Poynter, 1971.
14
Palavra que descreve a prática de enturmar os alunos por nível de habilidade e organizar
o currículo de acordo com o nível ou stream da turma. Chamado de tracking nos Estados
Unidos. (N.T.)
15
Escola para alunos de habilidade acadêmica mais alta, eliminada com a criação da escola
compreensiva nas décadas de 1960 e 1970. (N.T.)

286
alunos reivindicam o direito de formular currículos, de abolir as provas e até mes-
mo de escolher seus próprios professores. Em uma recente manifestação em uma
nova universidade, os alunos reclamaram de ter que estudar História, Literatura
e Ciência e pediram que se lhes fosse ensinada a VIDA. Há um sentimento de
que a excelência em educação é algo esnobe e antidemocrático e que, a título de
exemplo, deveríamos abolir as diferentes categorias nos diplomas universitários.

Grande parte dessa agitação podia ser tachada como sendo um absurdo extremis-
ta, não fossem as importantes decisões administrativas oriundas dessas posições
chamadas “liberais”. A nova moda da anarquia é contrária à natureza humana,
pois ela leva a crer que crianças e estudantes devem trabalhar segundo sua in-
clinação natural ao invés de serem motivados pelo desejo da recompensa. Assim
como outras formas de anarquismo, ela também tem a tendência de ser mais
autoritária do que o sistema que ela procura substituir. Pais, crianças, alunos e
professores são forçados a aceitar as novas mudanças, gostem ou não.

No Documento Negro Nº 2, escrevemos:

Neste Documento Negro, o Professor Bantock nos diz o seguinte: “Realmente,


deve-se afirmar categoricamente que a superioridade dos ‘métodos de descober-
ta’ não pode, no momento, ser convalidada com base em pesquisas empíricas.”
Não estamos negando o valor dos métodos informais, esclarece o Prof. Bantock;
na verdade, frequentemente usamos esses métodos enquanto ensinamos. Mas,
provamos que as suposições de Plowden16 se converteram em dogma e estão
sendo utilizadas sem qualquer reflexão em muitas escolas em todo o país. O re-
sultado é percebido na queda de padrões à qual nos referimos anteriormente e
que pesquisas recentes tem se preocupado em denunciar. Conforme o Prof. Brian
Foss registra em Perspectives on Plowden:

Ausubel (1961) conclui que não há comprovação de que a criança aprenda me-
lhor através dos métodos de descoberta. Segundo um estudo realizado sobre a
aprendizagem de princípios aritméticos por crianças mais velhas (Kersh, 1962),
o pesquisador se mostrou decepcionado ao descobrir que a aprendizagem por
memorização demonstrou ser superior ao da descoberta dirigida (p. 48).
[...]

No Documento Nº 3, tentamos resumir as falácias básicas da educação pro-


gressista:

Da mesma forma que as facções da educação compreensiva estão atualmente


polarizadas entre tradicionalistas e os que se opõem ao streaming, os educadores
progressistas estão subdivididos segundo sua postura em relação à aprendiza-

��
Nome da Presidente da comissão criada em 1966 para avaliar a situação da educação na
Inglaterra, e que, no relatório final (O Relatório Plowden), deu seu aval às mudanças progres-
sistas em curso na época. (N.T.)

287
gem da criança. Os progressistas inteligentes estão certos em acreditar no valor
dos métodos de descoberta, atividade criativa e novas técnicas de aprendizagem.
Pensamos da mesma forma, desde que esses métodos sejam aplicados com bom
senso. Contudo, o interesse pelos novos métodos logo cede lugar à crença de que
as crianças devem descobrir as coisas por si mesmas, que nunca devem receber
ordens, nunca devem ser obrigadas a fazer nada, que são inerentemente boas e
que devem ficar livres de todas as restrições de autoridade. Os pais sabem que
os professores de uma escola progressista nem sempre entendem adequadamente
as técnicas sofisticadas do “progressismo” e acabam aceitando com facilidade
essa atitude permissiva. Um professor é uma autoridade, uma pessoa que tem
formação especializada para desenvolver a potencialidade de seus alunos nas dis-
ciplinas que estudam. É sua obrigação repassar suas habilidades e sua sabedoria
para as crianças e garantir que elas tenham hábitos e pensamentos civilizados. Se
ele se abdica de suas responsabilidades, ele se torna culpado da mais grave das
negligências. Como parte dessa tarefa, ele deve ajudar as crianças a avaliar as
opiniões dos próprios professores e refletir objetivamente sobre todos os dogmas.
Contudo, a obrigação dos pais e professores é de orientar, e não de adotar uma
atitude passiva e descompromissada em relação aos elevados padrões de compor-
tamento e aprendizagem.
Os resultados da educação permissiva podem ser vistos à nossa volta com o cres-
cimento da anarquia. Porque se os adultos se afastam e permitem que as crianças
encontrem sua verdadeira personalidade, o resultado pode ser um vácuo onde
podem se abrigar as piores feições do mundo pop das drogas.

A Educação Compreensiva17

O lobby a favor da escola compreensiva sustentou repetidas vezes que os


padrões iriam melhorar assim que essa política fosse implementada. Em um
excelente e polêmico artigo do Documento Negro Nº 1, R. R. Pedley [...] aponta
quais são os principais problemas da escola compreensiva:
Uma das maiores e mais grotescas ironias de nossa época é ver que o Partido
Trabalhista, que alega ter interesse especial pelas necessidades dos pobres e dos
menos favorecidos e preocupação em manter os altos padrões nacionais de traba-
lho e vida, tenha determinado uma política para a educação do ensino médio que,
sem sombra de dúvida, reduzirá a qualidade dos padrões, bem como as oportuni-
dades para as crianças capazes – independentemente de sua origem social. Minha
principal preocupação aqui é com essa minoria capaz, visto que o progresso do
país depende, sobretudo, de talento. A melhor forma de ajudar o aluno menos

17
As escolas Comprehensive são escolas públicas britânicas de ensino médio que não selecionam
seus alunos. Foram criadas nas décadas de 1960 e 1970 a partir da fusão das escolas Grammar
(seletivas) e das escolas Secondary Modern (não-seletivas) e correspondem à High School nos
Estados Unidos e à Gesamtschule na Alemanha (N.T.)

288
capaz é usar a inteligência e a sensibilidade em relação aos seus problemas e, se
as pessoas com mais capacidade – as que voarão mais alto –, são negligenciadas,
o país estará irremediavelmente empobrecido (não estou me referindo a dinheiro
apenas), e são os menos capazes que sofrerão mais.
A ideia de que crianças talentosas são tão bem atendidas nas escolas que
atendem a todos os grupos quanto nas escolas especialmente criadas para servi-
-las não passa de conto da carochinha. Da mesma forma que as chamadas escolas
“especiais” viabilizam o treinamento especializado para quem é menos dotado e se
situa na parte inferior da escala da inteligência, as escolas Grammar disponibilizam
atendimento para quem está no topo. A criança talentosa, ao conviver com seus
pares, encontra um ambiente, um ethos que lhe é propício e aí, portanto, recebe
estímulo e incentivo para aprimorar suas habilidades. É muito importante que a
criança talentosa que vive em um lar pobre receba esse estímulo diferenciado
e o mais cedo possível. A escola compreensiva tem muito a fazer para oferecer
atendimento acadêmico exclusivo e, a não ser que seja uma escola muito maior
que qualquer outra jamais criada no país, ela não tem condições e não consegue
oferecer a variedade dos cursos acadêmicos do 6th Form18, disponíveis nas escola
seletivas adequadamente organizadas.
Mas, somos sempre lembrados de que a unidade social está acima de tudo.
A escola compreensiva, ao aproximar crianças de todas as origens sociais, será
o maior instrumento para alcançar aquela Utopia da igualdade onde o Duque se
assenta com o estivador e o Marquês e o leiteiro são unha e carne.
[...]
Acreditamos que o exame de onze anos ou mais (eleven plus)19 não deve existir,
mas algumas formas de seleção são essenciais. Nossa política para o futuro foi
resumida pelo Documento Negro Nº 3:
As escolas de Subvenção Direta (Direct Grant)20 e as Grammar Schools que persis-
tem são fundamentais, não apenas para as crianças que elas educam, mas para o
bem geral da educação no país e, indiretamente, para toda criança.
A importância essencial dessas escolas é que elas mantêm os padrões mais eleva-
dos e oferecem oportunidades com base em uma igualdade genuína de oportuni-
dade para todos. O estado deve continuar a apoiar escolas que sustentam a vida
acadêmica mais apurada e que, portanto, complementam o alcance das grandes
escolas públicas. Todas as crianças, independentemente de sua classe ou origem

��
A 6ª e última série de ensino médio nas Grammar Schools para alunos de 16 a 18 anos que
se preparavam para ingressar na universidade. A grande maioria das Grammar Schools foram
fechadas no processo de criação das escolas compreensivas. (N.T)
19
Prova de seleção para crianças de 11 anos (ou mais) para o ingresso na Grammar School,
abolida com a criação das escolas compreensivas. (N.T)
20
As escolas Direct Grant eram instituições particulares que recebiam subvenções públicas
para também receber alunos selecionados pelas autoridades educacionais locais com base nas
suas habilidades acadêmicas. (N.T.)

289
social, terão como se qualificar para estudar nelas. Habilidade e determinação
para trabalhar lhes garantirão o ingresso.
O valor das Escolas Subvencionadas e das Grammar Schools para seus alunos não
precisa ser enfatizado; o que deve ser ressaltado é o valor que elas têm para todo
o sistema educacional e para todas as crianças. Em primeiro lugar, esse valor
consiste na manutenção dos padrões. Se tivéssemos adotado um sistema intei-
ramente constituído de escolas compreensivas, a desilusão sentida nos Estados
Unidos e Rússia (ver Tibor Szamuely) já teria nos acometido inevitavelmente. Da
forma como está, com algumas escolas subvencionadas e Grammar Schools deter-
minando os padrões acadêmicos, culturais e morais, e com seu status garantido,
o prognóstico é que haja um nivelamento por cima. No nível primário, as escolas
subsidiadas servirão como a medida do desempenho de alto nível, e colocarão
um freio nas experiências antieducacionais de efeitos negativos. No nível médio,
elas determinarão o padrão de excelência e forçarão as escolas compreensivas
a competir com elas na esfera acadêmica – o que farão com sucesso. Mas, da
mesma forma, elas darão uma base sólida para as universidades nesse período
de expansão e garantirão que os requisitos acadêmicos para a seleção não sejam
empobrecidos como poderia acontecer. Esses aspectos, uma vez mantidos em
todos os níveis de educação, podem se tornar a salvação de nossa vida cultural e
econômica.
A característica encorajadora da política conservadora é que ela pode alcançar
esses grandes benefícios, atualmente em risco, e simultaneamente resolver os pro-
blemas que têm prejudicado a busca pela excelência educacional de um passado
ainda recente.
[...]
Pelo sistema que se desponta21, as subvencionadas e as Grammar Schools não
produzirão uma elite exclusiva ou meritocracia perpétua, mas estarão dando sim-
plesmente uma educação apropriada para alunos talentosos e interessados em
fazer bom uso do que estas escolas oferecem. Isso será justo não apenas para as
próprias crianças e particularmente para aqueles pais que não têm condições de
pagar pela escola particular, mas também para toda a sociedade. Os talentos de
todos os nossos cidadãos, já adultos, são necessários para o nosso futuro, e isso
se torna ainda mais verdadeiro se quisermos assistir adequadamente a quem é
menos talentoso, menos afortunado e menos bem sucedido.

Ao mesmo tempo, as crianças das escolas subvencionadas e Grammar Schools


não terão vantagens de longo prazo. Se eles se qualificarem para a universidade,
eles lá se juntarão aos candidatos bem-sucedidos que frequentaram as escolas
independentes22 e as escolas compreensivas e, de novo, a igualdade de oportu-
nidades prevalecerá. A existência dessas escolas terá estimulado todo o sistema,
21
Um sistema misto, devido à pausa no processo de “compreensivização” das escolas Grammar
causada pela volta dos conservadores ao poder, com uma maioria de escolas compreensivas
e ainda algumas Grammar Schools e escolas subvencionadas para os melhores alunos. (N.T.)
22
Escolas particulares, fora do âmbito do sistema público. (N.T.)

290
mas não terá concedido privilégios exclusivos aos seus alunos. As escolas Gram-
mar e as subvencionadas apenas reconhecerão e incentivarão habilidade e deter-
minação – qualidades que nenhuma sociedade vigorosa e competitiva, na verda-
de, nenhuma sociedade avessa à decadência, pode se dar ao luxo de suprimir.

Contudo, o aspecto mais importante é que as escolas Grammar e as subvenciona-


das, ao lado das melhores escolas independentes, preservarão os valores morais e
culturais da civilização europeia, e não permitirão que o intelecto, por se divorciar
desses valores, forme uma meritocracia à parte. Nunca é bastante enfatizar que o
principal perigo para as escolas compreensivas venha, neste momento da história,
de teóricos progressistas extremos, que gostariam de derrubar nossos valores cul-
turais tradicionais através dos métodos que já discutimos.

Não temos dúvida de que o novo sistema estabelecerá o padrão para um futu-
ro melhor, principalmente se aquela outra grande prioridade – a educação de
crianças e de crianças em seus primeiros anos de vida, oriundas de áreas menos
privilegiadas – for também levada adiante.
No momento, acredita-se cada vez mais que as escolas compreensivas de
grande porte criam grandes problemas psicológicos para alunos e professores. No
Documento Negro Nº 3, o antigo diretor da Escola Grammar Cheltenham, Arthur
E. Bell, tratou do problema criado em grandes escolas pelas minorias destruidoras
e determinadas:
As crianças mais brutas reagem de diversas formas diante de outras que são cria-
das com mais cuidado e carinho, e tanto os pais quanto os professores só podem
observá-los à distância, e talvez até com apreensão, quando elas interagirem. Há
casos curiosos que podemos chamar de mímica defensiva: o menino bem articula-
do aprende a gritar com os outros e abandona o sotaque de classe média que o faz
vulnerável, o menino inteligente antes aplicado absorve a displicência da maioria
em relação ao trabalho. Não há como negar que esse tipo de situação que cito
brevemente, aqui, seja bem conhecido dentro das escolas seletivas, onde o ethos
existente talvez ajude os professores. Mas, é claro que essa espécie de seleção e
rejeição por grupos influentes deve acontecer mais acentuadamente nas escolas
não-seletivas, mesmo que torná-la pública possa custar a vida (ou o cargo) do di-
retor. Referências públicas a essa situação são necessariamente ambíguas, raras
e omitidas das peças de divulgação, quer no Parlamento quer em outros lugares.

O problema se agrava, contudo, com a nova situação das escolas primárias, onde
não há mais pressão para que disputem vagas nas escolas Grammar. Com a se-
leção para o ensino médio eliminada, ou prestes a ser eliminada na maioria dos
lugares, as escolas de ensino médio estão, sem sombra de dúvida, diminuindo seu
trabalho acadêmico formal. Consequentemente, há probabilidade de que haja um
período mais longo do que antes – provavelmente de um ano ou mais – durante o
qual formas não enunciadas de seleção e rejeição se desenvolvam. Em consequ-
ência, a chance de uma criança de onze anos ser nivelada por baixo em função do

291
ambiente se torna maior e sua adaptação posterior aos cursos mais disciplinados
e acadêmicos será mais difícil.
Já há escolas onde poucos são os professores que conseguem manter a or-
dem e onde a rotatividade de professores interrompe a instauração da tradição; e
também tem crescido o absenteísmo de alunos nas áreas urbanas.
Além disso, a reorganização compreensiva suscita dois problemas práticos
que podem ser insolúveis. O aspecto geral da divisão social criado pelas escolas
de bairro foi estudado por Tibor Szamuely [..]. Conforme já salientamos repetidas
vezes, as grandes oportunidades anteriormente colocadas à disposição das crianças
inteligentes de classe operária pelas escolas Grammar e pelas vagas garantidas
através de bolsas conquistadas por merecimento nas escolas subvencionadas e
independentes estão sendo eliminadas pelos igualitários dogmáticos e substituídas
pela loteria geográfica da escola de bairro. Para qualquer pessoa capaz de pensar
com bom senso sobre a questão, esse é um movimento escandaloso em direção
à desigualdade de oportunidades e faz das crianças de pais de classe trabalha-
dora suas maiores vítimas. Cada vez mais as pessoas descobrem, por experiência
própria, qual é a natureza real da situação, mas o dano já feito não poderá ser
revertido facilmente.
Argumenta-se que o mais sério defeito do sistema compreensivo de bairro é
o fracasso, em muitos lugares, da 6ª e última série do ensino médio.23 A causa do
problema foi analisada por Mr. R. R. Pedley, o primeiro a chamar a atenção para
esse perigo há vários anos. Resumimos essa posição nos segundos Documentos
Negros e nenhuma tentativa séria de contestação foi esboçada pelos oponentes
desses textos:
Em uma escola de bairro com uma clientela mista e de habilidades diversas, é
necessário manter um número bem maior de estudantes do que a maioria desse
tipo de escola para que o último ano do segundo grau se torne academicamente
viável. Em decorrência disso, estamos agora presenciando, em muitas áreas, o
desenvolvimento de uma educação ‘terciária’ – um sistema em que os alunos dei-
xam a escola compreensiva com a idade aproximada de 16 anos e concluem seus
estudos em um Colégio de Sexta Série24 ou uma Escola Técnica. O ex-Ministro da
Educação, Sr. Short, aprovava essa solução e vários órgãos educacionais, incluin-
do a Autoridade Educacional para o Centro de Londres, a estão levando a sério.
Do ponto de vista da escola compreensiva, os resultados serão desastrosos, visto
que ela vai acabar perdendo a maioria de seus melhores professores, os quais cer-
tamente preferirão lecionar no Colégio de Sexta Série, saindo, por consequência,
da escola de ensino médio. Ela também perderá todos os seus alunos mais velhos
– todos aqueles que contribuem para o desenvolvimento das tradições de uma
escola e que definem sua identidade. Decapitada dessa forma, ela pode decair

23
No sistema de ensino médio britânico, para alunos de 13 a 18 anos, a sexta série representa
a fase final não-obrigatória (a partir dos 16 anos), preparatória para a universidade. (N.T.)
24
Escola que oferece a última etapa do ensino médio exclusivamente para alunos de 16 a 18
anos com pretensões de ir para a universidade. (N.T)

292
para a posição incômoda de intermediária entre a escola do ensino fundamental,
talvez aumentada para incluir alunos de 12 e 13 anos, e a escola terciária de alu-
nos de 16 anos. Assim sendo, não seria fantasioso imaginar que, em poucos anos,
os padrões de qualidade cairão dramaticamente. Haverá muitas crianças que vão
fazer seus primeiros anos de estudo em uma escola progressista e que, depois,
vão para uma escola compreensiva sem streaming ou seleção e que não oferece os
últimos anos do ensino médio. Aos dezesseis anos, muitos dos alunos ainda serão
semianalfabetos num estágio onde defeitos de formação demasiado básicos muito
dificilmente poderão ser corrigidos. A possibilidade dessa situação acontecer foi
amplamente comprovada nos anos de 1950 nos Estados Unidos.
Se for para que a 6ª série do tipo tradicional sobreviva, isso só acontecerá
caso se aceitem as propostas para o ensino médio apresentadas anteriormente nesta
Introdução. As esperanças do futuro dependem de uma diversidade de escolas
que atendam os muitos tipos de necessidades das crianças acima dos 13 anos.
[...]

293
Leitura 3
A ameaça igualitária

Angus Maude (1971)25

Olhando de forma integral, devemos concluir que o maior perigo que a Grã-
-Bretanha enfrenta é a ameaça que paira sobre a qualidade da educação em todos
os níveis. A razão de ser dessa ameaça é a ideologia do igualitarismo.
Essa é a força motriz que inspira quase todas as pessoas que buscam refor-
mar a educação – sua organização, suas instituições, seus currículos e métodos
de ensino. O elemento de inveja, consciente ou reprimido, pode, na maior parte,
ser ignorado. Os reformistas que reverenciam os ideais mais elevados, que estão
emocionalmente comprometidos com o conceito de igualdade são os mais perigosos.
Em nome da equidade e da justiça social, o sentimentalismo chegou ao ponto de
enfraquecer o caráter essencial de firmeza do qual a qualidade depende.
Na teoria, aquele que abraça o igualitarismo deseja apenas que todas as
crianças tenham oportunidades iguais de acesso a uma boa educação. Na prática,
suas emoções o levam bem mais adiante. Ele, instintivamente, rejeita qualquer
processo que possibilite que algumas crianças se sobressaiam das demais. Pelo
fato de ser difícil disfarçar esse sentimento em algo que, na prática, não seja um
receituário de desastres, ele se vê obrigado a racionalizar seus preconceitos de
diferentes formas.
Em nome da igualdade de oportunidades, o igualitário procura destruir ou
transformar aquelas escolas que se empenham em trazer à tona o que as crian-
ças talentosas têm de melhor. É longa, demorada e cara a jornada de elevar os
padrões de qualidade de todas as instituições para levá-las à altura das melhores;
em função de sua impaciência, o igualitário envereda pelo caminho alternativo
de nivelar por baixo os padrões mais altos de qualidade, fazendo-os descer aos
níveis de uma uniformização medíocre. Já que é injusto dar a duas crianças com
igual capacidade uma escolaridade de qualidade desigual, ele procura a forma
mais fácil de tentar impedir que os pais paguem mais por um ensino melhor para
seus filhos do que os contribuintes estão dispostos a pagar pela manutenção do
sistema. Como isso resultaria em ter alguns meninos e meninas com pior educação
que a atual, realiza-se, de fato, uma receita de injustiça social.
O igualitário, contudo, não para por ai. Ele se queixa amargamente da ex-
cessiva competitividade do sistema convencional, e sustenta que suas reformas
25
Texto extraído de: Angus Maude. The Egalitarian Threat. In: C.B. Cox e A.E. Dyson (orgs.),
The Black Papers on Education. London: Davis-Poynter, 1971: 37-40.

294
eliminariam o estresse que as crianças alegam sentir. Ele não apenas discorda das
notas atribuídas em aula e dos exames competitivos, mas tem horror a qualquer
prova em que o aluno possa se sair mal. Isso o leva a negar a importância dos
padrões acadêmicos e da disciplina – e até da própria aprendizagem. Ele advoga
a favor dos novos métodos de ensino, que, na realidade, livram a todos da res-
ponsabilidade de ensinar e de ter que aprender.
O igualitário racionaliza sua rejeição pelas disciplinas acadêmicas ao falar
de educação em prol da vida social. Ele prefere essa à aprendizagem verdadei-
ra, porque é impossível que qualquer elite surja dessa situação tão nebulosa e
imensurável. A ideia é de retirar do processo educacional qualquer coisa que
demande esforço e que motive a criança a se aprimorar. Algumas crianças devem
ser seguradas, para evitar desencorajar as outras.
Nenhum sistema de educação baseado nessa filosofia de preconceito emocional
tem a possibilidade de dar uma preparação adequada para a vida da forma que
ela é realmente vivida. Quando o adolescente que é resguardado dessa maneira
finalmente tem que encarar a realidade da vida, ele ficará propenso a desapon-
tamento, frustrações e ressentimentos mais graves do que aqueles que os refor-
madores educacionais alegam tê-lo poupado na escola. Talvez a pretensão mais
ridícula seja a alegação – fortemente proclamada pelo reitor do King´s College,
Cambridge, em suas famosas Conferências Reith26 de 1967 – que a eliminação
da competição na educação levará a uma sociedade menos competitiva. E se fosse
mesmo possível extrair todas as dificuldades e desafios da vida, seria a vida digna
de ser vivida?
É claro que nenhum sistema de educação que pretenda tratar todas as crianças
da mesma forma tem condições de desempenhar suas funções essenciais. Ou ele
fracassa em trazer à tona o melhor de seus alunos mais inteligentes, ou ele acaba
por desencorajar aqueles que são menos talentosos.
Com o devido respeito aos igualitários, o objetivo do exercício não é dar
a toda criança uma oportunidade igual; é, sim, de dar a toda criança a melhor
chance possível para desenvolver e fazer o melhor com suas próprias aptidões. Se
realizarmos isso, até mesmo com a criança mais lenta, então, só mesmo alguém
completamente irracional poderia se queixar se algumas crianças se sobressaem no
seu desempenho. Que Deus tenha piedade de nós se elas não conseguissem isso.
A qualidade legítima, tanto na aprendizagem quanto em qualquer outra
coisa, não pode ser alcançada se sempre recorrermos aos atalhos. É necessário
esforçar-se, empenhar-se com determinação, para conquistar essa qualidade.
Além do mais, quando ela é alcançada, ela deve ser reconhecida, respeitada
e recompensada. A valorização da qualidade – que a educação deveria incutir
como seu objetivo prioritário – requer uma razoável dose de humildade por parte
do observador. E se o sistema educacional deve incutir respeito pela qualidade,

26
Uma série anual de palestras na radio BBC sobre assuntos contemporâneos significativos,
dadas por intelectuais de destaque. (N.T.)

295
aqueles que são responsáveis pela educação devem ter o respeito apropriado pela
qualidade na educação.
Todas as formas de educação não são, segundo a crença do igualitário, de
igual valor e importância, e é desastroso atribuir igual status a todos os tipos de
instituição educacional. Independentemente da forma em que for rotulada uma
escola técnica – ainda que nela se instale um departamento de ciências sociais – ela
não é a mesma coisa que uma universidade. Nem tampouco um curso profissio-
nalizante, que é idealizado a funcionar como um passaporte para o trabalho tem
o mesmo valor de uma graduação que visa a ampliar o alcance da razão e aguçar
a percepção. (Embora seja claro que um curso estruturado em ciência pura e tec-
nologia, feito em profundidade, possa ter mais valor educativo do que um curso
multidisciplinar que aborde superficialmente artes liberais ou ciências sociais).
A igualdade de oportunidades é um ideal louvável, mas não há método capaz
de alcançá-la rapidamente que não acarrete outras injustiças e prejuízos para a
qualidade total de nossa sociedade. Um século atrás, Bagehot escreveu a respeito
da ameaça de filantropos que tinham herdado de seus antepassados bárbaros um
gosto irracional pela ação instantânea. A ameaça ainda está conosco e os filantro-
pos igualitários são os piores. Se esses têm liberdade de ação, eles irão produzir
uma sociedade ainda mais ineficiente do que a que temos agora. Pior ainda, irão
destruir a cultura, com a alegação de que o intelecto e seu refinamento não são
importantes.
A tentativa de impor uniformidade pela eliminação dos efeitos do acidente
acabará por fracassar, mas pode causar grandes danos antes que alguma reação
seja esboçada. É apenas mediante a variedade que o progresso pode ser alcan-
çado. A busca pela qualidade fará com que alguns se sobressaiam e caso, eles
não o façam, não haverá excelência. Coibir o surgimento de uma elite gera mais
frustração do que evita, e produz uma mediocridade de pensamento ainda mais
perigosa do que a mediocridade de desempenho. Há certos padrões de qualidade
que são essenciais à sobrevivência da civilização e não podem ser alcançados e
preservados se não for pela aplicação de um esforço rigoroso. Um alto nível de
exigência é necessário em pelo menos uma parte do sistema educacional para que
os padrões sejam mantidos.
Nenhuma sociedade pode abandonar todo o rigor no seu sistema educacional
sem o risco, ao final, dela mesma se tornar relaxada. E se ela relaxar, ela não
consegue sobreviver. Não há esperança para um povo que não tenha sido ensinado
adequadamente a solucionar problemas ou a refletir sobre eles com rigor de modo
a percebê-los em sua essência.
O pêndulo já chegou longe demais com o seu balanço. Agora é necessário
endurecer com os igualitários, que aboliriam ou reduziriam os padrões de quali-
dade em função de sua compaixão com aqueles que não conseguem se igualar a
eles. Precisamos rejeitar o sonho da igualdade e proclamar o ideal da qualidade.
Os igualitários, cujos ideais de justiça social são receitas de mediocridade e anar-
quia, devem ser impedidos de exercer qualquer controle sobre a educação dos

296
jovens. É dever dos políticos assumir essa batalha no Parlamento e na Câmara, e
os cidadãos e pais conscientes apoiarão aqueles que realmente lutarem pela causa.
Mas, é dever dos diretores e professores – se eles, como profissionais, de fato,
valorizarem a qualidade do ensino que têm o privilégio de desenvolver e propagar
– lutar contra os inimigos nos espaços delimitados pelos seus próprios portões.
O Cavalo de Troia do igualitarismo já avançou por demais dentro da cidadela.

297
Leitura 4
O currículo nacional

Denis Lawton e Clyde Chitty (1988)27

Introdução

Entrevistado por Matthew Parris no programa Weekend World da ITV no início


de dezembro de 1986, Kenneth Baker, Secretário da Educação da Grã-Bretanha,
anunciou que uma terceira administração de Thatcher introduziria uma medida
legislativa importante relativa à educação para criar um “currículo básico nacional”
com objetivos definidos. Seriam estabelecidos padrões para um grande número
de matérias nas idades de nove, onze e quatorze anos (posteriormente modifica-
das para sete, onze, quatorze e dezesseis anos). Embora não houvesse qualquer
intenção de “congelar e destruir a inventividade dos professores”, o Sr. Baker
deixou claro que “teria de haver mais direcionamento central no que concerne
ao currículo”. O “currículo nacional” proposto deveria ser visto como parte de
um movimento no sentido de maior controle central, visando aos interesses dos
estudantes. Na visão do Sr. Baker, o sistema compreensivo28 estava “seriamente
defeituoso”. Somente um currículo nacional, imposto pelo centro, poderia garantir
melhorias generalizadas nos padrões de ensino, particularmente no ensino médio.
O Secretário da Educação desenvolveu esse argumento em um discurso
proferido durante a Conferência de Educação do Norte da Inglaterra (North of
England Conference on Education) no início de 1987. Ele descreveu o sistema
educacional inglês como “uma desordem, uma dessas desordens institucionalizadas
que se tornaram uma particularidade dos ingleses”. O sistema poderia, ademais,
ser comparado negativamente aos de outros lugares da Europa:
Na Inglaterra, somos excêntricos com relação à nossa educação, como em diver-
sas outras áreas. Por pelo menos um século, nosso sistema educacional tem sido

27
Texto extraído de: Denis Lawton e Clyde Chitty. Introduction. In: Denis Lawton e Clyde
Chitty (orgs.), The National Curriculum. Bedford Way Papers 33, The Institute of Education,
University of London, 1988. ������������������������������������������������������������
Reproduzido com permissão do Institute of Education Publica-
tions, Institute of Education, London: www.ioe.ac.uk.
28
Refere-se ao sistema de escolas “compreensivas”, não-seletivas, criadas a partir da década
de 1960. (N.T.)

298
bem diferente daquele adotado pela maioria de nossos vizinhos europeus. Eles
tenderam a centralizar e padronizar. Nós optamos pela difusão e variedade. Par-
ticularmente, as funções do Estado foram em larga medida descentralizadas para
instâncias locais eleitas, e o currículo escolar tem sido deixado em grande parte a
cargo das escolas e professores individuais. (DES, 1987a)
Tudo isso deve mudar como parte de uma campanha para atingir padrões
mais elevados. Devemos tanto preservar os atributos positivos de nossos arranjos
presentes quanto “nos desfazer dos ruins” através da “definição de um currículo
nacional que funcione por meio de critérios nacionais para cada área do conhe-
cimento do currículo” (ibid.).
Um sentimento de urgência foi transmitido pelo Secretário da Educação em
um segundo discurso em janeiro de 1987, esse proferido para a Conferência da
Sociedade de Dirigentes da Educação (Society of Education Officers’ Conference).
Baker deixou claro que não seria desviado do caminho escolhido pelas posições
dos “educadores profissionais”:
(...) eu acredito que, pelo menos no que concerne à Inglaterra, deveríamos ra-
pidamente transitar para um currículo nacional ... eu entendo que as mudanças
que almejo são radicais e abrangentes e podem, portanto, ser mal recebidas por
aqueles que prezam pelo que é tradicional e conhecido e que frequentemen-
te funcionou bem no passado. Mas acredito profundamente que os educadores
profissionais farão um desserviço à causa da educação, bem como à nação, caso
se entrincheirem na defesa do status quo. Um número crescente de pessoas tem
passado a considerar que nosso currículo não é tão bom quanto poderia e tem
que ser, e que precisamos transitar para algo mais próximo dos programas que
têm funcionado a contento em outros países europeus, sem com isso sacrificar os
atributos de nossa abordagem tradicional que continuam a demonstrar seu valor.
(DES, 1987b)
Em outra declaração feita no início de abril de 1987, o Sr. Baker anunciou
que dois grupos de trabalho, um de matemática e outro de ciências, seriam for-
mados para aconselhar a definição de metas para crianças de diferentes idades
e habilidades, bem como programas de estudos para permitir às crianças atingir
tais metas. Esses seriam os primeiros de alguns grupos de trabalho com objetivos
similares. O governo queria garantir que os estudantes recebessem “um currículo-
-base balanceado” que incluísse não só matemática e inglês, mas também ciências,
línguas estrangeiras, história, geografia e tecnologia. Ao mesmo tempo, “metas
de desempenho claras e desafiadoras eram necessárias para as idades de sete,
onze e quatorze anos”. Uma vez que fossem estabelecidas, seria possível definir
“o conteúdo, as habilidades e os processos essenciais a serem ensinados em cada
matéria” (DES, 1987c).
A proposta de estabelecer um “currículo básico nacional” constituiu a pri-
meira de quatro grandes reformas delineadas em Os Próximos Passos Adiante
(The Next Moves Forward), o Manifesto Eleitoral do Partido Conservador de 1987,
publicado em maio:

299
É fundamental garantir que todos os estudantes entre cinco e dezesseis anos es-
tudem um conjunto básico de matérias – incluindo matemática, inglês e ciências.
Em cada uma dessas matérias básicas, publicar-se-ão ementas e definir-se-ão
níveis de desempenho para que o progresso dos estudantes possa ser avaliado
aproximadamente às idades de sete, onze e quatorze anos e em preparação para
o Certificado Geral de Ensino Médio aos dezesseis anos. Pais, professores e es-
tudantes então saberão quão bem cada criança está indo. Nós faremos amplas
consultas aos interessados para a definição desse currículo. (Conservative Party,
1987: 18)
O documento de consulta do Currículo Nacional, publicado dois meses mais
tarde (DES, 1987d), listou dez matérias básicas que todos os estudantes deveriam
cursar durante sua educação básica: inglês, matemática, ciências, uma língua
estrangeira moderna (exceto no ensino fundamental), tecnologia, história, geogra-
fia, artes, música e educação física. Dentre essas, inglês, matemática e ciências
formariam o “núcleo” do currículo, e a maior parte do tempo curricular durante
o ensino fundamental seria dedicada a essas três matérias. As escolas de ensino
médio deveriam dedicar de 30 a 40% do tempo a essas três matérias centrais e,
no quarto e quinto ano, 80 a 90% de seu tempo para as matérias básicas. Temas
como saúde e tecnologia da informação teriam que ser ensinados através das
matérias básicas.
As metas de desempenho seriam definidas para as três matérias centrais
para estudantes de sete, onze, quatorze e dezesseis anos. Também poderiam ser
definidas para outras matérias básicas, mas, para artes, música e educação física
haveria “diretrizes”, ao invés de metas de desempenho específicas. Avaliações
nacionais, aplicadas e corrigidas pelos professores, mas moderadas29 pelo conselho
de avaliação do Certificado Geral de Ensino Secundário – GCSE – mediriam o
progresso dos estudantes com relação às metas de desempenho quando tivessem
sete, onze, quatorze e dezesseis anos. Registros de desempenho seriam nacional-
mente introduzidos em 1990.
O documento de consulta foi recebido com grande desaprovação e descrédito
tanto por educadores como por professores e líderes sindicais. Muitos comentaristas
indicaram, e nós argumentamos em outros momentos (Lawton, 1987; Lawton &
Chitty, 1987), que o pensamento do governo está “fundamentalmente compro-
metido” por diversas razões.
Em primeiro lugar, o currículo é concebido inteiramente em termos de maté-
rias, com pouco ou nenhum reconhecimento do debate que tem sido travado tanto
dentro quanto fora do Departamento de Educação e Ciência (DES) durante pelo
menos os dez últimos anos. Ainda que formados e treinados dentro de disciplinas
específicas, os professores têm que aprender a aplicar seus conhecimentos e
habilidades de maneira que em muito transcendam disciplinas individuais e ine-

29
O processo de “moderação”, mediante o escrutínio de amostras de provas por avaliadores
diferentes, pretende assegurar os mesmos padrões de avaliação para todos os alunos. (N.T.)

300
vitavelmente cruzem suas fronteiras. Eles têm que questionar, como os grupos de
trabalho do Serviço de Inspeção Escolar fizeram, quais são as áreas essenciais do
aprendizado e da experiência às quais todas as crianças têm direito de ter acesso.
Tudo isso é completamente ignorado no documento de consulta.
Além disso, importantes áreas da experiência humana são completamente
negligenciadas. No documento, há pouca ou nenhuma menção à educação mo-
ral, ao desenvolvimento social e pessoal, ou à compreensão econômica e política
– todos os quais adquiriram proeminência ao longo das últimas duas décadas,
na tentativa de se construir um currículo amplo, balanceado e relevante para os
últimos anos do século XX.

301
Leitura 5
O Currículo Nacional: uma perspectiva histórica

Richard Aldrich (1988)30

[...]
Para um historiador, a mais impressionante característica do currículo nacional
recém-proposto é que ele data de pelo menos 83 anos atrás. Escolas secundá-
rias públicas foram criadas através do Ato de 1902 e, em 1904, o Conselho de
Educação emitiu regulamentos que determinavam o programa de estudos para os
alunos até as idades de dezesseis ou dezessete anos em tais escolas.
O Curso deve fornecer instrução em língua inglesa e literatura, pelo menos uma
língua que não seja o inglês, geografia, história, matemática, ciências e desenho,
além de programa para trabalhos manuais e exercícios físicos, e, em escolas para
meninas, prendas domésticas. (Gordon & Lawton, 1978:22-23)
Uma comparação com um currículo proposto no documento de 1987 é ins-
trutiva.

1904 1987
Inglês Inglês
Matemática Matemática
Ciências Ciências
História História
Geografia Geografia
Língua estrangeira Língua estrangeira moderna
Desenho Artes
Exercício físico Educação Física
Tecnologia
Trabalhos manuais/Prendas domésticas
Música

Existe uma semelhança tão impressionante entre essas duas listas que parece
que uma foi simplesmente copiada da outra, embora o termo “língua estrangeira

30
Texto extraído de: Robert Aldrich. The national curriculum: a historical perspective. In:
Denis Lawton e Clyde Chitty (orgs.), The National Curriculum. Bedford Way Papers 33, The
Institute of Education, University of London, 1988. Reproduzido com permissão do Institute
of Education Publications, Institute of Education, London: www.ioe.ac.uk.

302
moderna” na lista de 1987 exclua o latim que aparecia predominantemente nos
currículos da escola secundária de 1904. Portanto, apenas música da lista de
1987 não era uma disciplina obrigatória em 1904. A listagem abaixo, de 1935,
no entanto, indica tanto a continuação da tradição quanto uma proximidade ainda
maior com a lista de 1987.
A não ser que haja uma permissão prévia do conselho, deve haver provisão ade-
quada para o ensino da língua inglesa e literatura, pelo menos uma língua que não
seja o inglês, geografia, história, matemática, ciências, desenho, canto, instrução
manual no caso dos meninos, assuntos domésticos no caso das meninas, exercí-
cios físicos e jogos organizados. (Gordon & Lawton, 1978: 28)
Dessa forma o currículo nacional proposto, no que se refere às disciplinas
obrigatórias e de base, surge como uma reafirmação do currículo da escola secun-
dária “Grammar”31 criado no início do século XX por homens tais como Robert
Morant e James Headlam (Eaglesham, 1967: 58-61). Esse currículo deve ser
implantado nas escolas primárias e secundárias “compreensivas”. 32
Existem evidências, porém, para se desconfiar que o documento de consulta,
embora intitulado The National Curriculum (O Currículo Nacional), está basica-
mente preocupado com exames, e que a lista de disciplinas obrigatórias foi criada
simplesmente para facilitar esses exames. Nesse respeito, o antecedente histórico
é claramente o Código Revisado de 1862. Naquele ano, Robert Lowe, membro
de um governo disposto a reduzir gastos com a educação básica, introduziu um
sistema de pagamento por resultados onde verbas para as escolas eram baseadas
em padrões de resultados atingidos pelas crianças numa gama muito restrita de
disciplinas – inicialmente os 3Rs.33 Essa filosofia foi tão dominante que as crianças
passaram a ser agrupadas de acordo com padrões, ao invés de turmas ou salas.
O currículo era então subordinado às exigências dos procedimentos de um teste
que era usado para justificar uma redução nas despesas educacionais, embora
esse último objetivo tenha sido expresso em termos de custo-benefício.
[...]
O termo “currículo” não é fácil de definir, mas uma das características mais
marcantes do documento de consulta é o fato do currículo ser definido em termos
de disciplinas. É verdade que se deve permitir certa flexibilidade na organização
do dia escolar e do ensino, e que entre 10 e 20% da semana pode ser usado para
outros tipos de estudo, embora, mais uma vez essas disciplinas sejam definidas
para o 4º e o 5º ano em escolas secundárias como “matérias adicionais” (DES,
1987: 6). Mesmo assim, quer seja nas escolas primárias ou secundárias, no mo-

31
As escolas secundárias se dividiam entre as escolas Grammar, seletivas, para acesso à
universidade, e as Secondary Modern, não seletivas, para outros destinos.(N.T.)
32
A escola secundária Comprehensive, não seletiva, foi fruto da fusão das escolas Grammar e
Secondary Modern na década de 1960 e 1970. (N.T.)
33
Os três Rs significam leitura (Reading), escrita (wRiting) e matemática (aRithmetic). (N. T.)

303
mento da decisão, “os objetivos claros sobre o que os alunos devem ser capazes
de saber, fazer e entender serão definidos em termos de disciplinas” (DES, 1987:
9). Não restam muitas possibilidades, então, de como interpretar o Relatório de
Hadow de 1931 que recomendava que “o currículo deve ser pensado em termos
de atividades e experiências, e não de conhecimento a ser adquirido e fatos a
serem armazenados” (Board of Education, 1931: 93). Nenhuma atenção parece
ter sido dada às “formas de conhecimento” de Paul Hirst, às “principais áreas
de conhecimento” de Denis Lawton, nem mesmo às “áreas de experiência” dos
Inspetores de Sua Majestade, os quais buscaram redefinir o currículo escolar em
outros termos que não fossem disciplinas.
Além de nenhuma atenção ter sido dada às abordagens não disciplinares, a
própria lista de disciplinas é praticamente a mesma de 1904. Será que não houve
nenhum acréscimo ao conhecimento desde então? Será que matérias como econo-
mia, estudos de negócios, habilidades comerciais, estudos sociais, educação para
a saúde, programas de educação pessoal e social, programas de habilidades para
a vida como aqueles desenvolvidos pelo Conselho de Exames Associados (Asso-
ciated Examining Board), e uma série de outras devem ser espremidas em apenas
10% do tempo? Será que as crianças serão obrigadas a continuar aprendendo
uma língua estrangeira, por exemplo, aos dezesseis anos, em detrimento de outros
estudos nos quais elas, além de serem competentes, também estão interessadas e
que têm relevância imediata para o trabalho? Alguém levou em consideração os
interesses dos pais e alunos na formulação do currículo? Em 1968, o Inquérito
Nº 1 do Conselho de Escolas (Schools Council) descreveu a evidente incompati-
bilidade que existia entre os objetivos da escola secundária, do ponto de vista dos
jovens que estavam terminando seus estudos e seus pais por um lado, e diretores
e professores nessas escolas por outro (Schools Council, 1968: 31-45). Será que
essas dificuldades serão resolvidas através da imposição ou reimposição de um
currículo acadêmico baseado em matérias?
[...]

Em conclusão, chegamos a três pontos.

A autoridade central tem seu papel em assuntos de currículo, tanto como


um parceiro em um processo compartilhado de criação e avaliação de currículo,
quanto como uma instância de apelo contra ações irracionais de autoridades locais
e escolas. Por outro lado, a imposição central de um currículo, especialmente
quando esse estiver subordinado a uma política primitiva de exames e limitação
de recursos, infringiu sérios danos ao sistema educacional do país no passado e
tem o potencial de fazê-lo novamente. Existem boas razões para se argumentar
que a imposição por si só e o currículo específico proposto criarão obstáculos ao
invés de promover o desenvolvimento individual e nacional.

304
Do mesmo modo, a autoridade central tem um papel a cumprir em assuntos
de padrões e exames. Por exemplo, é dever do governo central, assim como de
outros parceiros no serviço da educação, certificar-se que o aumento consistente
nos níveis de desempenho em exames externos de escolas secundárias nos últi-
mos dez anos seja mantido. Esses números representam uma melhora contínua,
e podem ser contrastados, por exemplo, com aqueles da produção industrial ou
do desemprego no mesmo período. Existe um risco de que um sistema primitivo
de exames nacionais impostos em oposição aos conselhos dos profissionais possa
inibir, ao invés de assegurar futuros avanços.
Por fim, existem as advertências dos antecessores do Sr. Baker.34 Em 1870,
W. E. Foster, vice-presidente do Comitê do Conselho para Educação durante o
primeiro governo de Gladstone, rejeitou a ideia de um sistema educacional cen-
tralizado por duas razões. Ao introduzir seu projeto de educação, declarou que
a autoridade educacional central existente não tinha poder suficiente para criar
e controlar esse sistema, e que conferir tal poder à mesma seria como criar uma
tirania em potencial.

Kenneth Baker, Secretário de Estado da Educação da Grã-Bretanha de 1986 a 1989, foi


��

o ministro responsável pela introdução do Currículo Nacional. (N.T.)

305
Leitura 6
A mudança na governança da educação

Stewart Ranson (2008)35

Introdução

O Ato de Reforma da Educação (Education Reform Act), de 1988, instituiu a


reformulação mais radical da governança da educação desde a Segunda Guerra
Mundial. O Ato redefiniu as relações entre o governo central e local de modo
a fortalecer o controle de Whitehall36 sobre o currículo, reduzir os poderes ad-
ministrativos das Autoridades Educacionais Locais (LEAs) e tornar as escolas e
colégios mais sensíveis aos desejos de pais e empregadores. Através dessas mu-
danças, o Ato criou um mercado administrado que aumentou a escolha pública
de duas maneiras. Em primeiro lugar, pelo fortalecimento da participação ativa
dos consumidores mediante a provisão de informações aos pais, pela inclusão
do direito de escolher, recorrer e registrar reclamações e pela oportunidade de
desempenhar um papel central na criação e gerenciamento de um novo modelo
de escola, financiada diretamente pelo governo central. Em segundo lugar, pela
desregulação do governo local da educação e fortalecimento das escolas, com a
delegação das finanças e outros controles, tornando-as instituições autogoverna-
das. Um quase-mercado de escolas crescentemente diferenciadas e autônomas
estimularia a competição e, acreditava-se, portanto, que o desempenho melhoraria
ao mesmo tempo em que os serviços ficariam mais responsabilizáveis, na medida
em que deveriam responder diretamente às escolhas de consumidores individuais.
Como em outras formas de troca no mercado, os produtos só se mantêm se tiverem
o apoio dos consumidores. Essas reformas visavam não somente melhorar “um
serviço”, mas também reestruturar uma política social democrata supostamente
atrasada, moldada pela autoridade do conhecimento profissional. Uma nova ordem
política de escolha pública “neoliberal” foi constituída com base em princípios de
35
Texto extraído de: Ranson, Stewart. The Changing Governance of Education. Educational
Management Administration & Leadership, Vol. 36 (2), 2008: 201-202, 205-207. Reproduzido
com a permissão de SAGE Publications Ltd., London, Los Angeles, New Delhi, Singapore
and Washington DC.
36
Nome de rua de Londres onde se situam diversos Ministérios que se tornou sinônimo de
governo. (N.T.)

306
direitos, visando a reforçar os interesses individuais. O público (como consumidor)
foi fortalecido em detrimento do provedor (profissional). Bens públicos, visando
garantir equidade e não igualdade, foram concebidos como agregados de esco-
lhas e interesses privados que atingiriam, com mais eficácia que o planejamento
público, os objetivos de oportunidade e mudança social.
O governo do Novo Trabalhismo (New Labour)37 de 1997 não alterou, mas
sim acentuou os propósitos e práticas dessa política de maior escolha do consu-
midor, de lei contratual, de avaliações de desempenho, de poder corporativo e
responsabilização reguladora – tudo visando a criar o serviço educacional como
uma esfera de relações mercadológicas de troca, na qual os agentes recebem um
relatório de desempenho quantificável, permitindo-lhes calcular sua vantagem
relativa individual. As trocas de mercado foram assim fortalecidas pela regulação
e vigilância nacional.
[...]
Uma nova forma de governança da educação está se formando dentro do
problemático arcabouço formado pela antiga. As contradições são patentes (Harris
& Ranson, 2005). A escolha de escola pelos pais, como consumidores do serviço,
tem uma relação tensa com políticas que visam a encorajar parcerias locais entre
escolas, pais e serviços. A regulação estatal de um currículo nacional e a avaliação
estabelecem uma relação tensa com as escolas que buscam responder às necessi-
dades de aprendizado centradas nos estudantes, exercer empreendedorismo local
e se responsabilizarem perante a comunidade. Fortalecer a qualidade profissional
dos serviços pode parecer estar em contradição com a orientação de incluir os pais
como educadores complementares e coprodutores do aprendizado.
Este artigo explora o que pode ser aprendido sobre a natureza da governança
ao estudar os diferentes regimes de educação estabelecidos pelo governo desde
o Ato da Educação de 1944 (1944 Education Act).
[...]

Reestruturando a Governança da Educação

Costumeiramente, identificam-se pelo menos duas formações distintas da


governança da educação desde 1945: a socialdemocracia e a “era do profissio-
nalismo”, que durou até finais da década de 1970; e a “era do neoliberalismo”,
que se desenvolveu desde a década de 1980. Elas estabeleceram práticas muito
diferentes de criação e regulação de políticas e de estruturação e distribuição do
poder entre níveis do governo, instituições e o público, enquanto as diferentes
formas de governança definiram códigos divergentes sobre o que tem sido ser

37
O partido Trabalhista (Labour) passou por modificações programáticas na década de 1990,
e sua nova plataforma política passou a se chamar de Novo Trabalhismo. (N.T.)

307
um cidadão. Essas formas só podem ser compreendidas nos contextos históricos
e políticos que as formaram.

A Social Democracia e a Era do Profissionalismo

A educação se tornou o carro-chefe das políticas públicas durante o período do


pós-guerra (1955-1975). Um amplo consenso social e político apoiou o papel da
educação em possibilitar o crescimento econômico, a igualdade de oportunidades
e a justiça social. Uma taxa de natalidade crescente, o crescimento econômico
e, especialmente, a vontade política para a reforma social, juntaram-se em torno
da expansão da educação. O serviço gozou de um período sem precedentes de
crescimento e privilégio. A política educacional focava a mudança fundamental
representada pela introdução de escolas inclusivas em substituição ao sistema
escolar tripartite, que selecionava e excluía a maioria dos jovens.
[...]
Esse sistema de governança da educação do pós-guerra constituía uma ordem
política da socialdemocracia baseada nos princípios da justiça e da igualdade de
oportunidades, desenvolvido com o objetivo de reduzir as desvantagens e divisões
de classes (Perkin, 1989). Considerava-se que os bens públicos precisavam de
escolha e redistribuição coletiva. Daí o valor dos sistemas de planejamento ad-
ministrativo (a LEA, ou Local Education Authority, ou Autoridade Educacional
Local) e da organização institucional (a Escola Compreensiva). O reconhecimento
da complexidade do objetivo e da prática profissional moldou a forma de res-
ponsabilização. Foi dada confiança pública ao conhecimento especializado dos
profissionais, e os necessários requisitos de responsabilização foram atendidos
mediante a delegação de autoridade para os diretores, professores e conselheiros
– apenas especialistas poderiam julgar a qualidade do ensino e o progresso dos
estudantes (Kogan, 1978). A forma como geralmente monitoravam o progresso
era informal e ad hoc. Relações profissionais, ainda que estivessem inseridas em
hierarquias administrativas, formalmente expressavam parcerias, coleguismo e
confiança entre os níveis do serviço e dentro deles. O Comitê de Educação da
LEA formava a arena para o diálogo sobre a responsabilização pública, na qual
os julgamentos profissionais eram testados.
As limitações desse arcabouço de governança repousavam nos códigos me-
diadores do período em questão. Os pressupostos de conhecimento profissional
reforçados pelos controles ordeiros da burocracia racional eram as condições defi-
nidoras do estado do bem-estar social e da socialdemocracia. Questionar a prática
dos padrões e regras profissionais seria desafiar os pressupostos que embasavam
a esfera pública: que uma sociedade justa e aberta que aumentasse o bem-estar
de seus membros pudesse existir e, de alguma forma, ser fornecido ao público. A

308
boa sociedade deveria ser fornecida por especialistas capazes. Um público passivo
seria o cliente do conhecimento universal da burocracia profissional.

Democracia Neoliberal – e a Era da Escolha Pública

Foi essa dominação profissional que o governo Conservador eleito em 1979


procurou regular e reduzir. A qualidade dos serviços públicos não deveria ser
uma questão para os especialistas decidirem, mas sim algo a ser determinado
pela escolha pública. A política neoliberal foi construída sobre o princípio de
que “há apenas indivíduos com suas próprias vidas particulares” (Nozick, 1974).
Os serviços públicos deveriam se desenvolver em resposta aos indivíduos agindo
como consumidores e expressando seus direitos e interesses em um mercado
que os permitisse escolher entre os serviços. Tal competição, e não o controle e
julgamento do provedor, seria o meio mais eficaz de melhorar a qualidade dos
serviços públicos.
Inaugurado pelo Ato de Reforma da Educação de 1988 (Education Reform
Act – ERA), esse regime de mercado na educação tem se expandido ao longo de
algumas décadas, com cada fase de seu desenvolvimento – contrato, performati-
vidade e agora influência corporativa – acentuando a constituição da governança
neoliberal. A década de 1990 assistiu ao fortalecimento da regulação legal do
mercado. Uma “nova administração pública” (Pollitt, 1990; Hood, 1992) foi
implementada, encorajando a adoção de modelos de gestão do setor privado, es-
pecialmente a separação dos papéis de fornecedor e consumidor e o crescimento
de arranjos contratuais ou semicontratuais. Os contratos imputam uma responsa-
bilização transparente para os servidores públicos, assegurando que respondam
pelo nível dos serviços que proveem, pelas metas de recursos definidas e pelos
resultados obtidos. O critério de desempenho para a responsabilização incorpo-
ra uma clara racionalidade técnica, de ajuste de meios aos fins. A confiança é
garantida através da maior especificação dos objetivos, tarefas e condições de
fornecimento dos serviços.
Essa preocupação com a especificação começou a chegar ao núcleo pedagógico
e aos serviços de apoio. Um propósito principal do ERA de 1988 foi “sobretudo
aumentar os padrões de desempenho de todos os estudantes por meio de uma
definição melhor daquilo que deve ser ensinado e aprendido...”, o que era con-
siderado necessário para melhorar a qualidade e aumentar a responsabilização,
bem como para conquistar a confiança e o crédito dos pais com relação ao que as
escolas estavam oferecendo. O Currículo Nacional funcionou como o veículo para
essa maior especificação do aprendizado, permitindo que relatórios de desempenho
fossem apresentados em tabelas classificatórias nacionais (league tables)38, para

38
Tabelas mostrando a posição ranqueada de cada escola, como se fossem as tabelas das
“ligas” dos campeonatos de futebol. (N.T.)

309
informar as decisões dos pais e permitir o monitoramento pelo serviço de inspeção
escolar nacional, o Ofsted. Um sofisticado sistema nacional de regulamentações
– os apetrechos do estado auditor – foi implementado para mensurar e monitorar
um limitado número de desempenhos e resultados – principalmente resultados
de provas e avaliações.
O Novo Trabalhismo tem acentuado as características da educação neoliberal,
cada vez mais transformando as escolas em um setor corporativo governado de
modo independente. A Estratégia de 2004 (2004 Strategy), seguida pelo Ato da
Educação de 2006 (Education Act 2006), busca reconfigurar a governança da
educação com “novas energias” e “responsabilização mais inteligente”. As escolas
e os serviços devem ser “abertos a novos e diferentes provedores e maneiras de
oferecer os serviços”. Esses novos provedores podem incluir “grupos de pais (...)
capazes de patrocinar as escolas, permitindo que escolas de sucesso estabeleçam
e gerenciem escolas e federações inteiramente novas”. As próprias escolas são
encorajadas a formarem parcerias e federações que trabalhem juntas para elevar
os padrões, mas também assumam novas responsabilidades “em áreas como pro-
ver para crianças com necessidades educacionais especiais ou estudantes difíceis
de serem alocados”. As escolas podem definir como parceiros “empregadores,
voluntários e organizações voluntárias para maximizar a chance de sobrevivência
para todos”. O setor privado, assim como as igrejas, é percebido não só como
estendendo seu crescente controle e fornecimento de ensino estatal, mas também
como desempenhando um papel emergente em um novo sistema de governança
local, em que todos oferecem “serviço local para fazer as coisas funcionarem” e
coordenação para garantir o fornecimento conjunto: “Isso não pode ser somente
uma parceria de fornecedores estatais – o setor voluntário e comunitário, as em-
presas e os empreendimentos privados precisam ser uma parte dessa parceria
para fornecer serviços conjuntamente” (DfES, 2004).
Essa reconstituição da governança da educação faz a mediação de uma mu-
dança de direcionamento para a esfera pública da educação, indicando que o
controle da educação está escapando do setor público para o corporativo e que
as formas tradicionais de governança local estão sendo gradualmente erodidas
(Crouch, 2003; Ranson, 2003; Marquand, 2004). O crescimento de um setor
corporativo reflete duas dimensões da mudança de um serviço público que tradi-
cionalmente é descrito como um serviço nacional localmente governado ou admi-
nistrado. Em primeiro lugar, um número crescente de escolas é controlado por
provedores que trazem interesses exógenos ao fornecimento público de educação:
na definição da preocupação em fornecer o serviço escolar, existe um interesse
“externo” relacionado a negócios, ao lucro ou a interesses religiosos. Essa dupla
propriedade das escolas, tradicionalmente exemplificada na relação entre a igreja
e o Estado no setor voluntário, está agora sendo estendida aos setores privado e
de negócios. Um bem público agora acomoda interesses sectários cujo interesse
principal não é somente a necessidade de um cidadão como tal, mas o interesse
definidor da organização. Eles são chamados apropriadamente de “corporativos”

310
para capturar o interesse e responsabilização dessa entidade organizacional e fi-
nanceira separada. Uma segunda dimensão da corporativização do fornecimento
da educação é revelada na reconstrução e renovação de escolas através do uso
do capital privado. Tal financiamento pode permitir que os patronos corporativos
obtenham uma influência controladora sobre as práticas de uma escola (Whitfield,
2001; McFadyean & Rowland, 2002). Portanto, o setor educacional corporativo é
definido diretamente pelos interesses exógenos e por formas de responsabilização
que são trazidas para a esfera pública. Esse fortalecimento dos interesses corpo-
rativos é reforçado indiretamente pela derrocada da autoridade local de educação
e, logo, pela necessidade desta ser responsabilizada perante um governo local e
democraticamente responsabilizável.
Esse regime neoliberal de escolha do consumidor e controle corporativo foi
desenvolvido, supostamente, para restaurar a confiança pública ao tornar os servi-
ços responsabilizáveis e sensíveis à escolha pública, sendo essa concebida como a
preferência dos consumidores. Disponibilizar para os consumidores relatórios de
desempenho e qualidade do serviço levou ao surgimento de um regime de perfor-
matividade que funciona de fora para dentro, através de regulamentações, controles
e pressões, mas também de dentro para fora, colonizando vidas e produzindo
novas subjetividades. Tal performatividade, vivida como um regime de controles
externamente imposto, gera identidades disciplinadas por metas, indicadores e
registros de desempenho (Lyotard, 1997; Ball, 2001). Argumenta-se (Ranson,
1994, 2003) que tal regime não pode cumprir seus propósitos de melhorar o
desempenho institucional ou aumentar a confiança pública. O desempenho se de-
senvolve a partir da disposição interna da motivação para melhorar (que advém do
reconhecimento e deliberação conjunta do propósito), e não da imposição externa
de metas quantificáveis. Igualmente, a confiança pública não pode emergir das
forças neoliberais da competição, que não fazem mais que criar uma hierarquia
de privilégios de classe que transformam a oportunidade educacional em uma
hierarquia de privilégios. Diferentes concepções dos propósitos, de quem somos
e do que podemos nos tornar, são excluídas por tal regime. A confiança pública
só pode emergir quando à comunidade mais ampla de cidadãos é dada a possibi-
lidade de participar e deliberar a respeito dos bens comuns de uma comunidade
(Ranson & Stewart; 1994, 1998; Leys, 2001; Ranson, 2003; Marquand, 2004).
[...]

311
Leitura 7
O legado da Lei de Reforma da Educação
(Education Reform Act − ERA): a privatização do ensino e a
política de efeito catraca

Stephen J. Ball (2008)39

Este artigo tem por objetivo tratar de algumas das maneiras pelas quais o
ímpeto neoliberal de privatização do ensino público inglês, evidenciado na Lei
de Reforma da Educação (Education Reform Act - ERA), implantou-se no sistema
educacional britânico através de uma diversidade de mudanças políticas, instru-
mentos, programas e iniciativas que surgiram depois dessa nova lei, e que a ela
se relacionam. Quatro pontos principais serão apresentados. O primeiro deles é
que, em relação à privatização do ensino, a importância intrínseca do ERA não
foi tão grande em termos de substância, porém foi muito significativa em termos
de estratégia. O ERA fez com que a privatização passasse, pela primeira vez, a ser
vista como aceitável como opção de política pública para a educação, e introduziu
uma forma básica de “mercado” (ver Ball, 1990). Em segundo lugar, quando se
rastreia a sequência de privatizações no Reino Unido desde a entrada em vigor do
ERA, pode-se observar uma política de efeito catraca, que correspondeu a uma
série de mudanças pequenas e incrementais, e que permitiu que a privatização
se disseminasse, sedimentasse e passasse a ser considerada como algo natural no
âmbito do setor público britânico. Em terceiro lugar, ao mesmo tempo em que
se observa que a privatização foi assumida e executada muito mais intensamen-
te pelo Novo Trabalhismo (New Labour40) do que havia sido antes pelo Partido
Conservador, também se percebem diferenças entre essas duas administrações
quanto ao papel da privatização na política educacional e no papel do Estado.
Em quarto lugar, o fato de que, com a nova lei, o planejamento e a prestação de
serviços públicos educacionais passaram a ser também realizados por instituições
particulares de ensino, fez com que estas últimas passassem a ocupar o centro
das políticas educacionais. Comentaremos aqui tanto a privatização “endógena”

39
Texto extraído de: Stephen J. Ball. The Legacy of ERA, Privatization and the Policy Ratchet.
Educational Management Administration and Leadership. Sage Publications, Vol. 36 (2), 2008:
185-189. Reproduzido com permissão de SAGE Publications Ltd., London, Los Angeles,
New Delhi, Singapore and Washington DC.
40
O partido Trabalhista (Labour) passou por modificações programáticas na década de 1990,
e sua nova plataforma política passou a se chamar Novo Trabalhismo. (N.T.)

312
quanto a “exógena”, embora nossa ênfase seja dada principalmente a esta últi-
ma. Em certos pontos do artigo, nos basearemos em entrevistas realizadas com
representantes de instituições particulares de ensino (ver detalhes em Ball, 2007).
A importância do ERA na história da educação inglesa é inegável. Essa lei
representou tanto uma ruptura decisiva com a timidez do curto experimento com
a escola compreensiva, quanto uma reinvenção, na educação pública britânica, de
temas e de padrões originários do século XIX. Neste artigo, entretanto, desejamos
nos concentrar naquilo que o ERA não fez ou, mais precisamente, naquilo que
o ERA, embora não tenha feito, tornou possível que acontecesse. No âmbito da
legislação, da política e do discurso, o ERA abriu caminho para um conjunto de
alterações profundas e inter-relacionadas no paradigma da política educacional
inglesa. Especificamente, o ERA e outras leis correlatas tornaram possível, no
âmbito das políticas públicas no Reino Unido, considerar a participação do setor
privado na formulação e oferta de serviços educacionais que estavam a cargo do
Estado. Entretanto, são os governos trabalhistas pós-1997 que têm levado muito
mais a sério e mais longe a condução dessas políticas.
As privatizações ocasionadas pelo ERA foram de dois tipos: o endógeno e o
exógeno, segundo a denominação de Hatcher e Hirtt (1999). O tipo endógeno
refere-se à criação de relações mercadológicas dentro das próprias instituições
públicas de ensino e também entre elas, de modo que o setor educacional público
passou a agir como o setor privado e, assim, a se parecer com ele. Na educação,
isso se deu por meio de uma combinação de liberdade para os pais escolherem
a escola de seus filhos, devoluções de verbas para as instituições de ensino e
outras formas de autonomia institucional, financiamento per capita, divulgação
mercadológica de informações sobre testes e sobre o desempenho dos alunos em
exames, publicadas desde 1992 na forma de tabelas de classificação das escolas,
e um grande número de inovações (como os City Technology Colleges – CTCs41,
as Grant-Maintained Schools – GM42, paralelamente à preservação das Grammar
Schools43), o que aumentou o leque de opções dos pais e dos alunos pelas escolas
disponíveis. Todos esses temas foram tratados pelo ERA, que estabeleceu, para
isso, uma forma de “centralização fragmentada”, pela qual tirou das escolas pú-
blicas algumas autonomias que já lhes haviam sido concedidas (sobre as grades
curriculares e as avaliações), ao mesmo tempo em que lhes outorgava novas autono-

41
Os City Technology Colleges (CTCs) são escolas públicas tecnológicas de nível secundário que,
independentes das administrações escolares locais, estão submetidas diretamente ao governo
central e que contam também com a participação de financiadores do setor privado. (N. T.)
42
Grant-Maintained [GM] Schools: escolas públicas britânicas que optaram por se desvincular
das autoridades locais que as controlavam, passando a depender diretamente de verbas (grants)
do governo central. (N. T.)
43
Grammar Schools: escolas públicas seletivas, de nível secundário, conhecidas por seus
elevados padrões acadêmicos, que na maioria foram abolidas nas décadas de 1960 e 1970
a partir da criação da escola compreensiva, não seletiva. (N. T.)

313
mias (referentes à autogestão das escolas, ou LMS)44. Ao mesmo tempo, portanto,
o ERA centralizava e devolvia autonomia para as instituições públicas de ensino
e, no decorrer desse processo, reduziu e minou significativamente os papéis e o
poder das autoridades locais de educação, conhecidas como LEAs45. A despeito
das influências neoliberais presentes no ERA, a ênfase dessa lei estava centrada
no Estado. Em particular, cresceram enormemente em número e em diversidade
os poderes do Secretário de Estado da Educação46. O mercado educacional criado
pelo ERA e por outras leis subsequentes estimulou as escolas públicas a atuarem
de modo independente e competitivo; porém, ao mesmo tempo, sujeitou-as às
disciplinas das relações de mercado, conforme regidas pela teoria econômica e
mercadológica hayekiana (Hayek, 1980). Os aspectos-chave da teoria mercadoló-
gica do ERA residiam na existência de agentes capazes de fazer escolhas (os pais
dos alunos), que, portanto, selecionariam para seus filhos as escolas de melhor
desempenho. Por sua vez, as melhores escolas, com isso, veriam aumentado o
nível de sua clientela, ao passo que as escolas de fraco desempenho teriam que se
aperfeiçoar para poder sobreviver, sob a pena de irem à “bancarrota” (conforme
a expressão empregada por Keith Joseph, quando o entrevistamos em 1989; ver
Ball [1999]). Naturalmente, entretanto, era muito raro que, na prática, o mercado
educacional operasse, de fato, desse modo. A escolha das escolas pelos pais provou
ser uma prática de caráter social e cultural, e apenas parcialmente relacionada às
informações mercadológicas acima mencionadas. Poucas escolas bem-sucedidas
tentaram aumentar o número de ingressantes, a despeito do financiamento especial
que lhes foi disponibilizado por Kenneth Clarke em 1992, o qual fez surgirem
casos de escolas tanto com excesso quanto com falta de inscritos para suas vagas,
e a falta de solução para esses casos. De fato, sucessivos governos vêm consta-
tando que é extremamente difícil administrar a escolha dos pais e a oferta das
escolas. Além disso, tanto as administrações conservadoras quanto as trabalhistas
comprometeram-se continuamente com o aspecto seletivo desse processo, segundo
uma variedade de formas, o que serviu para distorcer a liberdade de mercado e
fortalecer determinadas instituições educacionais – e isso complicou ainda mais
o processo da escolha feita pelos pais. Não obstante, a inserção das relações de
mercado no sistema educacional público contribuiu, de certo modo, para a cria-
ção de um novo “ambiente ético” (Blackburn, 2001) dentro do qual atuam, nos
dias de hoje, os profissionais do setor. Cabe mesmo dizer que algumas escolas
passaram a adotar várias formas de “comportamento oportunista”, com vistas a
manipular as informações sobre seus pontos fortes e a maximizar seus indicadores
de desempenho. Um dos efeitos dessas práticas foi o surgimento de pequenos
“mercados de estudantes valorizados”, pelo qual as escolas passaram a competir

44
Abreviatura da expressão original: Local Management of Schools. (N. T.)
��
Abreviatura da expressão original: Local Education Authority. (N. T.)
46
No original, Secretary of State [for Education], o equivalente, no Brasil, ao Ministro da
Educação. (N. T.)

314
entre si no recrutamento de alunos capazes de “agregar valor”, ou seja, passaram
a disputar o recrutamento de estudantes que têm uma maior probabilidade de
contribuir para melhorias mensuráveis nos resultados de desempenho da escola,
além de serem os mais fáceis e baratos para ensinar, e cuja presença atrai outros
alunos similares. Ao mesmo tempo, os alunos associados a um “valor negativo”,
como os portadores de necessidades especiais, os que têm o inglês como segunda
língua ou aqueles que apresentam dificuldades sociais ou emocionais, são evitados
tanto quanto possível, de acordo com as regras dessa economia.
Levando em consideração o pensamento econômico do Partido Conservador
na época do ERA, essas medidas para criar um mercado educacional eram mo-
destas. Havia ideias mais radicais sendo debatidas, (...). Entretanto, conforme já se
indicou, nosso argumento é que a significância geral do ERA no que diz respeito à
privatização foi, em geral, estratégica, ao invés de substantiva. Além disso, ambos
esses aspectos precisam ser considerados juntamente com vários outros movimen-
tos políticos de privatização, referentes ou não ao caso educacional, que abriram
janelas de oportunidade para os fornecedores particulares e aumentaram a sua
ambição. A introdução da administração direta pelas escolas (que lhes permitiu
controlar as verbas descentralizadas pelo Estado) e as mudanças que isso acarre-
tou aos orçamentos das autoridades locais de educação47, juntamente com outras
prerrogativas e responsabilidades que foram tiradas das autoridades locais, como
resultado do ERA e de outras leis, exerceram um impacto tanto direto quanto
indireto sobre as novas formas de privatização exógena da educação. Houve casos
de funcionários das autoridades locais de educação – cujos cargos deixaram de
ser importantes em consequência do ERA e de outras pessoas as quais, também
como consequência do ERA, adquiriram experiência na comercialização de serviços
educacionais – que vislumbraram a possibilidade de trabalhar com novos desafios
e oportunidades profissionais, passando, assim, eles próprios, a atuar como forne-
cedores particulares de serviços educacionais. Várias “empresas educacionais”,
algumas delas sendo as mais importantes hoje em dia na indústria de serviços
educacionais (Education Services Industry – ESI), iniciaram suas atividades nessa
época, como a Associados Educacionais de Cambridge (Cambridge Educational
Associates – CEA, que agora é parte da Mott MacDonald) e a Prospects.
[...]
Outras privatizações realizadas pelo Partido Conservador criaram, por sua vez,
novas possibilidades e pontos de partida para o movimento geral de privatização,
dentre os quais se podem citar as relacionadas à oferta de serviços (como nos
City Technology Colleges e nas escolas especializadas48), (...), os contratos com o
��
Autoridade responsável pela administração da educação pública em determinada jurisdição
do Reino Unido. A extensão da jurisdição pode variar entre a área dos condados, das cidades
maiores ou de parte de uma cidade, como no caso de Londres. (N.T.)
48
As escolas especializadas fazem parte de um programa do governo britânico destinado a
encorajar estabelecimentos de ensino secundário a dedicar-se a áreas específicas de conheci-
mento/atuação, de modo a aumentar o desempenho dessas instituições. (N. T.)

315
Ofsted49, a Iniciativa de Financiamento Privada (Private Finance Initiative – PFI)50
e a Licitação Pública Compulsória Competitiva (Compulsory Competitive Tendering
– CCT), que foi uma iniciativa introduzida como uma tentativa de melhorar a efi-
ciência das administrações locais e dos serviços de saúde, através de um estímulo
à concorrência. Essa medida aboliu o monopólio das administrações locais sobre
a prestação de determinados serviços, valendo-se, para isso, da contratação de
mão de obra direta, da exigência de que as contratações das administrações locais
se guiassem pela regra do menor preço e da transferência de funcionários dos
governos locais para empresas particulares.
[...]
Essas políticas alternativas, um tanto quanto diversificadas, propiciaram o
surgimento de uma grande diversidade de fontes de prestação de serviços, bem
como de idealizadores com visões políticas bastante diferentes entre si (entre os
quais se podem citar Joseph, Thatcher, Baker e Clarke)51. A despeito de tais dife-
renças, entretanto, essas políticas eram, de modo geral, guiadas pelo compromisso
ideológico que os conservadores tinham com a teoria de mercado hayekiana e
neoliberal, e também pela desconfiança generalizada que eles tinham em relação
às instituições públicas em geral e aos professores em particular. Não obstante,
também cabe mencionar que essas políticas nunca chegaram a formar uma es-
tratégia coerente de privatização no meio educacional, embora, como já se disse
antes, o ERA tenha, de fato, sido o responsável majoritário pela introdução dos
principais aspectos da “forma mercadológica” na educação britânica.

As Privatizações Exógenas

A longo prazo, a significância de todas essas transformações iniciais, com


a exceção dos vales-educação e do Programa Nacional de Vales-creche, que foi
abolido pelo Novo Trabalhismo, é o fato de que este último adotou e ampliou

49
Ofsted: abreviatura de Office for Standards in Education, Children’s Services and Skills (Es-
critório para Padrões em Educação, Serviços à Infância e Ensino Profissionalizante), órgão do
governo britânico responsável pela regulação e inspeção de escolas, centros de atendimento
a crianças e instituições de ensino profissionalizante. (N. T.)
50
A Private Finance Initiative, ou Iniciativa de Financiamento Privado, é, no Reino Unido, uma
forma de financiamento de projetos que combinam infraestrutura pública com financiamento
privado, sendo largamente aplicada na área de saúde. (N. T.)
��
Keith Joseph (1918-1994), político do Partido Conservador britânico, foi uma das principais
figuras do gabinete da primeira-ministra Margaret Thatcher, que governou o Reino Unido entre
1979 e 1990. Kenneth Baker (n. 1934), também do Partido Conservador britânico, foi Ministro
da Educação (Secretary of State for Education) do Reino Unido entre 1986 e 1989. Kenneth
Clarke (n. 1940) é um dos mais conhecidos políticos do Reino Unido, tendo participado dos
gabinetes conservadores de Margaret Thatcher e John Major. (N. T.)

316
bastante tais mudanças. Quando o Novo Trabalhismo assumiu o poder em 1997,
as inspeções escolares e uma proporção significativa das atividades de contrata-
ção de professores estavam sendo administradas por empresas particulares. Em
2002, o mercado de contratação de docentes estava avaliado em 600 milhões
de libras esterlinas (ver Hutchings, 2006). O sistema de administração local das
escolas havia, então, criado um novo “mercado varejista” de serviços educacio-
nais para as escolas; os serviços de apoio, assistência técnica e de Tecnologias
da Informação e Comunicação passaram a ser cada vez mais fornecidos pelo
setor privado. Tanto as instituições com fins lucrativos quanto as beneficentes
passaram a patrocinar os City Technology Colleges e as escolas especializadas. As
iniciativas de financiamento privado experimentavam aumentos modestos, porém
consistentes. Cada vez mais, os consultores viravam um lugar-comum no governo
e em suas agências e, em particular, no setor de educação continuada, que havia
sido incorporado em 1992. Para todos os efeitos, o governo trabalhista pós-1997
estabeleceu a infraestrutura e as regras para a criação de um processo muito mais
completo de privatização, fazendo disso uma estratégia central em sua agenda de
modernização do setor público.
Quando, ao usuário de serviços educacionais, se concede uma maior capacidade
para escolher o provedor desses serviços, tanto o setor privado quanto o setor
voluntário crescem em importância. Contrariamente ao mito, ninguém chegou
sequer a sugerir que tais setores sejam a resposta para os problemas educacio-
nais, nem tampouco que eles devam substituir os serviços públicos. Entretanto,
nos casos em que o uso desses setores possibilita o aperfeiçoamento dos serviços
públicos, nada deveria impedir a sua utilização. Em todo o mundo e em todos os
eventos, as barreiras entre os setores público, privado e voluntário estão caindo.
(...) Se as escolas e suas comunidades desejam estabelecer novas relações com as
empresas, como muitas querem, é preciso deixá-las livres para fazer isso. (...) O
que digo é que se deve deixar o sistema respirar, se desenvolver, expandir; deve-
-se dar uma chance para que a inovação e a criatividade dos servidores públicos
floresçam. (Discurso do Primeiro-Ministro sobre a Reforma do Serviço Público,
16 de outubro de 2001. Disponível no URL : http://www.number10.gov.uk/ou-
tput/Page1632.asp ).

Terceirização

A terceirização na educação assume diversas formas, das quais duas delas


serão discutidas neste artigo, a saber: a contratação de serviços de administração
organizacional (escolas, Serviços de Crianças e as autoridades locais de educação),
e as contratações para a condução dos programas de abrangência nacional (como
as Estratégias Nacionais, a orientação vocacional, etc.).
A terceirização dos serviços educacionais no Reino Unido é um negócio cujo
valor se estima ser de, pelo menos, 1,5 bilhões de libras por ano. Mais atenção

317
tem sido prestada provavelmente à terceirização dos serviços locais de educação,
embora isso pareça ter agora terminado. Em 1996, o governo do Partido Conser-
vador concedeu ao Ofsted poderes para inspecionar as autoridades educacionais
locais (LEAs), e o Novo Trabalhismo utilizou essas inspeções para identificar
as LEAs que estavam falhando. Os procedimentos previstos pela Lei de Estru-
turação e Padrões Escolares (Schools Standards and Framework Act) de 1998
capacitavam o Secretário da Educação a autorizar que autoridades educacionais
locais de desempenho insuficiente passassem a ser administradas por instituições
particulares. O primeiro desses contratos foi assinado em 1º de julho de 1999,
quando a Nord Anglia, uma empresa educacional com ações na bolsa de valores,
recebeu uma concessão para administrar o Serviço de Aperfeiçoamento Escolar do
distrito londrino de Hackney, sendo que ela própria, por sua vez, foi considerada
inadequada por inspeções posteriores. Os contratos para a entrada em cena das
empresas particulares são normalmente assinados quando as inspeções realizadas
pelo Ofsted levantam sérias preocupações sobre o desempenho e a capacidade
das instituições locais de desempenharem seu papel (ver Campbell et al., 2004),
e também em decorrência de recomendações subsequentes feitas ao Department
for Education and Skills (DfES)52 por consultores (em muitos casos, os consultores
da PriceWaterhouseCoopers – PWC), além de surgirem de negociações entre
as autoridades competentes e o DfES a respeito de ações remediais adequadas.
Consultores também são chamados para redigir os contratos com as empresas
privadas. Entretanto, cabe dizer que nem todas as autoridades educacionais
locais em dificuldades foram terceirizadas. Desse modo, a terceirização é apenas
um de vários “experimentos” realizados pelo DfES com o intuito de encorajar as
autoridades educacionais locais a assumirem “novas formas de trabalhar”.
[...]
No nível das escolas, o “mercado de contratos” é menos desenvolvido. Apenas
quatro escolas de ensino médio, três delas do condado de Surrey, foram até agora
completamente terceirizadas, sendo que duas delas (Frenchay e King´s College)
estão sendo administradas pela 3Es – empresa que foi adquirida pela GEMS (Gene-
ral Education Management Systems), com sede em Dubai – e uma, a Abbeylands,
que estava sendo administrada pela Nord-Anglia. A quarta, a escola Salisbury
em Enfield, foi, através de um contrato de 2007, entregue à subsidiária britânica
da Edison, uma empresa norte-americana. Há também uma escola primária em
Tower Hamlets, chamada Rams Episcopal, que foi administrada durante um curto
período pela CfBT. Esse nível de terceirização é muito mais desenvolvido nos
EUA, embora lá também ele ocorra em pequena escala, com a Edison ocupando
a liderança do mercado. Em 2003, a Edison administrava um quarto das 417

52
Lit.: Departamento para a Educação e Habilidades: órgão do governo britânico que, entre
2001 e 2007, foi o responsável pela educação e pelos serviços públicos prestados à infância
no Reino Unido, correspondendo, portanto, ao Ministério da Educação daquele país durante
esse período. (N. T.)

318
escolas terceirizadas nos EUA, com uma clientela de 132.000 alunos em vinte
estados – o que, por outro lado, representa uma pequena proporção do sistema
educacional norte-americano. Na Inglaterra, os principais fatores inibidores de
um avanço desse modelo são a falta de interesse, tanto por parte das autoridades
educacionais locais, quanto por parte das empresas particulares, que enxergam
pouca oportunidade de lucro e de economia de eficiência na administração de
escolas isoladas.
[...]

Produtos de Aperfeiçoamento

A autogestão das escolas, como já se observou anteriormente, tanto serviu


para fazer das escolas “consumidoras” de serviços, como também foi um fator de
grande importância no desmantelamento dos serviços que as autoridades locais
prestavam às escolas. Atualmente, existe um mercado varejista para a venda de
serviços específicos, ou de pacotes de serviços destinados a escolas individuais
ou autoridades locais, que abrange desde serviços “hard” de escritório, finanças
e infraestrutura até serviços “soft” de aperfeiçoamento escolar e de certificação
em processamento de dados, bem como o que a Tribal chama de “serviços de
recuperação”, destinados a apoiar instituições de fraco desempenho ou com um
histórico de “fracasso”. As empresas prestadoras de serviços também atuam
no sentido de ajudar as escolas a se prepararem para as inspeções do Ofsted,
fornecendo-lhes também os serviços de monitoramento e treinamento das equipes
que irão assumir as funções administrativas, além de fornecer também serviços
de “administração interina”.
Uma parte significativa desse trabalho “soft” refere-se às respostas das escolas
às alterações nas iniciativas e políticas governamentais acerca dos requisitos cur-
riculares e outras demandas conexas. O setor privado preenche, assim, o espaço
deixado pela redução do financiamento e capacidade das autoridades locais de
educação de interpretar e mediar a política destinada às escolas. Dessa forma, por
exemplo, os negócios educacionais da HBS “correspondem, em 95% dos casos,
às atividades curriculares de âmbito nacional, enquanto que 5% se relacionam a
questões administrativas das escolas. (...) Nosso principal objetivo é, portanto, o
aperfeiçoamento escolar e a promoção de mudanças nas escolas” (Peter Dunne).
Esse trabalho mais leve, correspondente à “administração da mudança”, é um
nicho de mercado para empresas privadas de serviço educacionais de menor porte,
como a Edunova, a Edison e a Cocentra.
Para os fornecedores particulares de serviços, as reformas e as políticas
educacionais do Novo Trabalhismo constituem-se em duas oportunidades espe-
cíficas de lucro. Primeiro, as políticas que anunciam uma “tolerância zero com o
mau desempenho” e a prática de intervenções nas escolas com resultados fracos

319
(Excellence in Schools, 1998 Internet Summary) fornecem oportunidades para a
substituição e/ou a recuperação de instituições públicas consideradas como “ruins”
ou “fracassadas”. As empresas educacionais podem vender o aperfeiçoamento das
escolas – por exemplo, oferecendo-lhes maneiras de se adequarem às demandas de
desempenho; proporcionando-lhes novas identidades organizacionais e “serviços
de recuperação”, destinados àquelas escolas e colégios que estão “lutando” para
fazer frente às exigências de desempenho. Em segundo lugar, com a ocupação dos
espaços já vagos ou deixados livres pelas autoridades educacionais locais e também
por organizações estatais, essas empresas estabelecem uma mediação entre as
políticas públicas e as instituições, fazendo, assim, com que as políticas se tornem
administráveis e sensíveis às escolas e aos professores. De fato, realizadas em nome
do estado, essas mudanças disseminam os discursos de reforma, de aperfeiçoa-
mento e de competição. Tais serviços ficam explicitados num exame de marcas
de empresas relevantes: a Cocentra oferece serviços “à prova de futuro”; a Tribal
transforma as pessoas em “alunos campeões”; a EdisonSchoolsUK comercializa o
“Modelo Edison”, que inclui sistemas de tutoria e de gestão para o desempenho;
a Mouchell Parkman trata de “facilitação da melhoria” e do “desenvolvimento
colaborativo”; a Edunova adota o “Desenho Led de Aprendizagem” (Learning
Led Design), ao mesmo tempo em que salienta que a “inovação só pode ser eficaz
como parte de um processo de transformação da escola, pelo qual ela emerge
naturalmente de uma cultura que aceita as mudanças e o aperfeiçoamento contínuo
como uma forma de vida”; a Prospects oferece Tutoria Contínua de Desempenho
(Performance Life Coaching); e a CEA é capaz de fornecer “Soluções de Melhoria
para Escolas Líderes” (Leading School Improvement Solutions). Os panfletos e
websites que anunciam esses serviços são “enormemente entusiastas” (Parker,
2000: 9), enérgicos e audazes, prometendo resolver os problemas escolares. Por
exemplo, “a HBS Education tem como missão apoiar todos os envolvidos com a
elevação dos padrões e a transformação de nossa maneira de aprender (...). A
introdução de estratégias ousadas de mudança para transformar o modo como
ensinamos e aprendemos neste século requer novas maneiras de olhar e resolver
os problemas (...). A HBS é de uma nova safra de fornecedores de soluções em
educação.”
Central a tudo isso é o que Fullan (2001) chama de “reculturação” – um
processo que tira sua linguagem e seus métodos dos modelos corporativos para
a administração de mudanças, e que Parker (2000: 11) vê como uma saída da
burocracia e de suas ineficiências para uma situação de “cuidado para com os
clientes, busca pela inovação, foco na qualidade e assim por diante (...)”. O que
se vende são as urgências da transformação, uma nova linguagem para a vida
organizacional e um tipo de autocrença e autoeficácia – que perfazem as mentalida-
des e sensibilidades das empresas particulares. Aqui, é o trabalho da privatização
exógena que traz novas mudanças para o processo de privatização endógena.
[...]

320
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323
Seção 7
A reforma educacional no mundo globalizado

Introdução

Todo estudante de educação comparada na década de 1990 tinha consciência


das mudanças múltiplas e simultâneas que ocorriam nas diversas regiões do mundo.
Parecia que tinha chegado a hora e a vez da educação, e os planos de reforma
se propagavam entre os países como um incêndio florestal. Mas o processo não
foi aleatório nem descontrolado, como um evento da natureza. As grandes seme-
lhanças entre as reformas educacionais dos diferentes países, como se estivessem
seguindo um receituário de políticas educacionais, denunciavam algum tipo de
orquestração ou, no mínimo, uma história de origens comuns.
O propósito desta seção não é debater o receituário. Nem todas as ideias da
década de 1990 por trás das reformas mencionadas nesta seção são novas. Muitas
já foram tratadas nas discussões das mudanças educacionais nos Estados Unidos
e na Grã-Bretanha. O propósito é mais o de procurar as origens da avalanche e
de compreender o processo de internacionalização das reformas educacionais
da época. Estamos interessados em entender de que forma se estabeleceu um
consenso mundial a favor de novos esforços na área educacional, e em traçar a
dinâmica da sua distribuição. No nível pragmático, isso significa uma discussão
dos eventos que galvanizaram os formuladores das políticas educacionais, como a
Conferência de Jomtien de 1990, e o papel dos bancos de desenvolvimento, das
agências de assistência bilateral e até de ONGs internacionais na disseminação
mundial das propostas de reforma. Em nível mais conceitual, isso significa uma
análise da lógica da globalização e uma avaliação da sua relevância para a com-
preensão dos fenômenos educacionais.
É preciso avisar que estamos entrando em terreno contestado. O discurso ofi-
cial procura manter o debate das políticas de reforma em termos dos beneficiários
imediatos e das estratégias a serem seguidas para a promoção de melhorias. Os
teóricos, por outro lado, procuram esclarecer as novas políticas educacionais em
termos de mudanças estruturais, muitas vezes da própria organização do estado
ou do funcionamento do sistema econômico. Em alguns casos, as explicações
encontradas atribuem ao gestor motivações alheias aos objetivos da política edu-
cacional oficial, como se estivesse a serviço de outros interesses. No mínimo, o
gestor é visto como um ingênuo, incapaz de ver que as políticas serão contrapro-
ducentes e, a longo prazo, prejudiciais em relação à profissão docente e à própria
democratização da educação. No embate que segue, o diálogo pode se tornar uma

325
conversa de surdos, a menos que haja uma explicitação dos supostos, distintos
entre si, por trás dos dois discursos.
Usando a região da América Latina como um exemplo, a primeira leitura dá a
medida do volume da onda de reformas deslanchada durante a década de 1990.
Olhando primeiro para os objetivos, encontramos uma semelhança notável de
propósitos entre as reformas. Na maioria dos países, são especificados os objetivos
gerais de descentralizar a gestão, melhorar a qualidade, equidade e eficiência dos
sistemas, dar maior autonomia e também de cobrar maior responsabilidade da
escola, investir mais e melhor na formação do professor e conectar a escola às
demandas da sociedade.
Quando as reformas educacionais dos diferentes países são categorizadas de
acordo com seus objetivos mais específicos, podemos ver claramente o quanto as
reformas seguiram os mesmos rumos ao longo do continente. Em todas as cate-
gorias, há, no mínimo, sete países diferentes embarcados na mesma proposta de
reforma. No entanto, é no caso da implantação de novos sistemas de avaliação
padronizada que a verdadeira uniformidade das propostas educacionais se reve-
la. Nesse caso, observa-se que nada menos que 13 países da região adotaram
sistemas de avaliação entre 1990 e 1998. No quadro da autora que identifica o
ano de implantação desses sistemas, as únicas exceções são o Chile, que, como
vimos, criou o SIMCE no final da década anterior, e Cuba, um caso à parte, que
já tinha um sistema próprio desde a década de 1970.
De acordo com a autora, devemos procurar a explicação das semelhanças e
simultaneidade das reformas em dois níveis. Num primeiro momento, há que se
reconhecer o efeito das múltiplas reuniões multilaterais e ministeriais e o esforço
das agências de desenvolvimento em forjar o novo consenso de levar a educação ao
topo da agenda. Entre esses grandes encontros internacionais, caberia falar aqui
da Conferência Mundial sobre Educação, da UNESCO, em Jomtien, Tailândia,
que, no princípio da década de 1990, reuniu delegados de 155 países para fixar
diretrizes para a transformação dos sistemas educacionais. Os delegados fizeram
história, ao adotarem a Declaração Mundial da Educação para Todos (Education
for All – EFA), que estabelece a educação como um direito humano fundamental
e define como obrigação de todo sistema satisfazer às necessidades básicas de
aprendizagem de toda a sua população. Além da chamada principal de univer-
salizar o ensino fundamental até o final da década, foram tomadas decisões de
privilegiar as questões da equidade, da ênfase nos resultados da aprendizagem, de
criar ambientes voltados para a aprendizagem e tornar a educação um instrumento
de desenvolvimento econômico e social.
Incentivados por esse novo consenso, e ativados pelas inúmeras demandas dos
países em desenvolvimento, os bancos internacionais se tornaram os financiadores
da reforma educacional na maioria dos países da região. O Banco Mundial adotou
as declarações de Jomtien e moldou uma série de estratégias consideradas eficazes
na realização desses objetivos, incluindo o fortalecimento da autonomia das escolas

326
e a criação de sistemas de avaliação de aprendizagem. Gajardo explica a relação
entre as estratégias do banco e as reformas da região:
Como essas recomendações serviram de base para estabelecer os condicionantes
dos empréstimos internacionais, a maior parte dos projetos realizados com cré-
ditos provenientes do Banco também se orientaram para a melhoria dos climas
institucionais para o favorecimento do aprendizado, o fortalecimento institucional,
a modernização da gestão e a formação de professores em serviço. (Gajardo,
2000: 8)
Num segundo nível, a explicação do consenso a favor da reforma educacional
envolve uma referência à nova ordem econômica mundial. Na opinião de Gajardo,
o que alimentava o entusiasmo crescente com os temas educacionais e movimentava
os ministros e os bancos de desenvolvimento eram as mudanças na organização da
economia global. Essa nova ordem significava a abertura das economias nacionais à
concorrência em escala global e ao livre movimento de investimentos e tecnologia.
Nesse novo cenário de integração, com a economia baseada na concorrência e a
redemocratização do sistema político, cabia aos países a reforma de seus sistemas
educacionais para garantir a competitividade.
Ficava clara a ideia de Gajardo de que a reforma educacional fazia parte de
uma estratégia econômica para alavancar a competitividade. Fala-se, no texto, da
centralidade adquirida pela educação no papel da preparação das novas gerações
para o trabalho, mas sem explicitar exatamente as conexões entre as novas fun-
ções do sistema educacional e as competências demandadas pela competividade
internacional. Deve-se supor que as novas demandas das economias da região,
criadas por sua inserção no mercado global e impulsionadas por mudanças na
estrutura de empregos, ou na própria natureza das atividades produtivas, seriam
melhor atendidas após implantadas as reformas dos sistemas educacionais.
Nas entrelinhas, percebe-se a ideia de que os governos começavam a reco-
nhecer a relevância de melhorar a qualidade da educação, pela sua conexão com
a produtividade individual e a competividade internacional. Se antes a educação
“foi considerada apenas como direito social, outorgado aos cidadãos na medida
de seus compromissos sociais, dos recursos fiscais ou da tendência a usar o siste-
ma educacional como mecanismo de cooptação política” (Corrales, 2000: 4), as
reformas da década de 1990 deixaram claro que os governos começavam a ver a
qualidade como um ingrediente necessário à modernização e ao desenvolvimento.
Os autores da próxima leitura concordam em parte com esse raciocínio.
Lima e Afonso enxergam as reformas da década de 1990 em Portugal, como em
outras partes, como um exercício de modernização a partir das novas exigências
da economia de mercado. Sustentam que por trás dessa modernização existe o
combate ao desperdício e à ineficácia e o enaltecimento dos valores da gestão
racional. Porém, se há concordância em relação ao impacto nas políticas de
reforma educacional de Portugal, no sentido de se promover a inserção da sua
economia num contexto econômico maior – no caso, a Comunidade Europeia –,

327
os autores enxergam motivações muito mais empresariais do que os propósitos
aparentemente democráticos dos reformadores. O que os autores argumentam é
que o processo de modernização surge justamente para desvincular a escola dos
movimentos democráticos. Não se trata, portanto, de um processo inevitável de
reorganização da gestão a partir de novas demandas econômicas, mas sim de uma
“empresarialização” da educação, para subordinar o discurso da democratização
à ideologia da modernização. O que isso significa na prática é a apropriação pelo
sistema educacional das noções de eficácia e eficiência da cartilha empresarial,
além da ascendência das ideias de racionalização e controle de qualidade. Os
efeitos das mudanças nas regras do jogo econômico ficam em segundo lugar pe-
rante a hegemonia dos ideais da organização empresarial.
O curioso do texto é a falta de clareza a respeito das vantagens ou desvantagens
da racionalidade empresarial. Fala-se da recuperação do atraso, do combate ao
desperdício, da preocupação com a qualidade e com o aumento da produtivida-
de, mas, pela associação dessas ideias ou “ideologias gestionárias” ao modo de
agir da empresa, deve-se supor que seus efeitos na escola serão adversos. Nesse
raciocínio, a racionalidade técnica e os objetivos da gestão moderna perdem seu
valor por terem sido aplicados anteriormente em contextos não educacionais, e
os possíveis ganhos para os alunos em termos de aprendizagem são anulados.
Para os autores, o componente mais emblemático da racionalização é o uso
dos novos métodos administrativos a favor da eficácia, eficiência e qualidade. Esses
são classificados como uma obsessão tayloriana, em referência à desumanização
do trabalho na década de vinte pela incorporação dos princípios da “Adminis-
tração Científica” baseados nos estudos de Frederick Taylor sobre os tempos e
movimentos dos trabalhadores. Ou seja, os conceitos de eficiência e qualidade
são suspeitos não só pela sua associação com o setor privado, mas também por
terem sido empregados na época do desenvolvimento capitalista, associados à
criação da linha de produção industrial. A procura da eficácia e da qualidade
educacional é reduzida ao status de um discurso ideológico que se esfacela perante
associações tão nefastas.
O papel central da avaliação nesse novo modelo de gestão educacional ne-
oliberal também é atribuído à ascendência da perspectiva “gestionária-utilitária
neotayloriana”. A quantificação dos resultados da escola é tratada como um des-
serviço mecanicista aos verdadeiros propósitos da avaliação, ao mesmo tempo em
que seus objetivos de controle de qualidade são questionados pela ausência de
políticas que possam efetivamente melhorar as condições de trabalho e qualidade
do ensino. Ou seja, a nova política de avaliação educacional é coadjuvante na
promoção do conceito neotayloriano de qualidade, à custa das outras definições
do termo e a favor de uma visão única, tecnicamente duvidosa, que facilita a
discriminação social.
A próxima leitura não descarta os elementos da reforma como uma mera
expressão da hegemonia da ideologia empresarial. Escrevendo em 2000 sobre o
cenário educacional na América Latina e as profundas mudanças ocorridas na dé-

328
cada anterior, Nora Krawczyk encontra outras explicações. Ela vai logo atribuindo
a reforma aos desafios da nova ordem econômica mundial e à interpretação desses
desafios por parte de organismos internacionais, especificamente da UNESCO e
do Banco Mundial. Ou seja, a reforma educacional dos anos 90 assumiu as suas
feições pela tradução que os organismos internacionais fizeram da sua época, ao
converter as supostas demandas da nova ordem econômica em necessidades de
mudança no funcionamento dos sistemas de educação.
Os elementos dessa tradução que merecem destaque são conceitos como com-
petitividade, desempenho e descentralização, e expressões como “novo modelo de
organização” e “gestão da educação pública”. Para a autora, essa interpretação
neoliberal trouxe profundas mudanças na organização do trabalho docente por
conta, principalmente, do efeito homogeneizante das reformas, forjadas em mol-
de único, mas aplicadas em contextos culturais diversos. Mas, a quais mudanças
estamos nos referindo e quais aspectos da nova ordem econômica mundial que
puderam levar a essas mudanças?
Na próxima leitura, também do final da década de 90, encontramos o
emprego do termo mundialização para expressar justamente o processo de in-
terligação e mudança das economias mundiais, e como esse movimento estava
impactando a educação. Hoje, o autor Martin Carnoy provavelmente usaria o
termo globalização, mas são as características do processo, descritas na mesma
época das reformas, que nos interessam. Para Carnoy, não havia dúvida de que
a circulação maciça e quase instantânea de informação era o que estava alterando
para sempre a natureza do trabalho, e que esse processo já estava criando novas
demandas para a educação. Ao detalhar essas demandas, o autor enfatiza quatro
delas: a necessidade de o trabalhador ser flexível e polivalente para se adaptar às
constantes mudanças do novo sistema de trabalho; a necessidade de um aumento
nos gastos com a educação, mesmo em casos de redução nos gastos públicos; a
importância crucial da qualidade da formação, o que torna indispensável a ava-
liação e o monitoramento da qualidade da educação; e a assimilação de valores
comerciais na nova cultura global.
Mesmo aceitando a tese da globalização econômica em termos de mudanças
na economia a favor de atividades e produtos de alta tecnologia, é difícil enxergar
o receituário das reformas da década de 90 nessa descrição do processo e dos seus
supostos impactos na educação. Estaria o Banco Mundial operando com base em
outra análise das demandas da economia globalizada, ou os motivos das reformas,
na realidade, seriam outros? O próximo texto, de Davies e Guppy, escrito durante
a década de 1990, nos ajuda a desvendar esse mistério.
Antes, porém, há de se fazer algumas observações. Os autores da próxima
leitura dedicaram-se a escrever sobre o processo de disseminação de reformas
educacionais entre vários países de língua inglesa que tinha se iniciado um pouco
antes das reformas da América Latina. No entanto, a natureza das reformas e
suas justificativas em termos da modernização dos sistemas educacionais para
competir no mundo globalizado eram as mesmas. Os autores mostram que a troca

329
de políticas educacionais entre as democracias anglo-americanas foi facilitada pela
herança linguística e cultural comum e que, uma vez colocadas em andamento,
as reformas eram transferidas com facilidade, mesmo entre governos com feições
políticas inteiramente diferentes. O mesmo modelo servia para todos, já que todos
usavam o conceito da globalização como fator explicativo para a adoção das refor-
mas e todas as reformas pareciam convergir para o mesmo objetivo de aumentar
a competitividade global. Essa transferência do mesmo modelo para países de
outras regiões não demoraria a ocorrer.
Os autores logo tratam de fazer uma distinção importante entre dois com-
ponentes da globalização – a globalização econômica e a racionalização global.
A primeira, como justificativa das reformas, descreve mudanças na atividade
econômica, principalmente na era da informatização, que levam à valorização de
uma educação cada vez mais avançada. Também se adota o argumento neoliberal
de que o lócus da atividade econômica está mudando da produção material para
o processamento da informação, o que leva a demandas por produtos de melhor
qualidade, empregos de alta tecnologia, mais competição e mais adaptabilidade
por parte das escolas.
A racionalização global, por outro lado, é a ideia da convergência por força de
uma aproximação entre modelos burocráticos. No âmbito educacional, isso significa
a assimilação de padrões comuns, pelo fato de já existir uma espécie de comu-
nidade cultural mundial que compartilha muitos valores, incluindo a integração,
o progresso e a justiça social. Os condutores do processo de convergência, tanto
das ideias quanto dos padrões educacionais, são os organismos internacionais.
Uma evidência para essa convergência seriam as próprias avaliações educacionais
internacionais, como o PISA, que pressupõem uma semelhança considerável entre
os países para admitir uma comparação entre os resultados dos diferentes sistemas
educacionais. A disposição dos países em participarem dessas avaliações indica,
no mínimo, uma vontade de tornar os sistemas comparáveis.
Na hora de pesar as evidências a favor do processo de globalização econômica,
os autores chegam a conclusões surpreendentes, que indicam uma falta de dados
para sustentar a tese de mudanças reais na natureza do trabalho. Os esforços para
mudar os currículos e as características dos trabalhadores, a fim de dotá-los das
habilidades necessárias para a nova economia, podem ser melhor interpretados
como uma forma de resolver os problema do desemprego. Ao mesmo tempo, a
avaliação padronizada internacional pode não ser o reflexo da globalização eco-
nômica, senão a própria essência da competição entre as nações, sem conotações
econômicas. Ou seja, a mera existência dos testes e da pesquisa internacional cria
as pressões para a convergência através da uniformização de currículos e padrões.
Em vez de estarem procurando as adaptações necessárias para a nova economia
global, os países estão investindo em novos currículos e métodos administrativos
para poder competir entre si em termos exclusivamente educacionais. Em resumo,
os efeitos da globalização na educação podem ser melhor entendidos em termos
de uma aproximação entre os discursos e a prática dos sistemas educacionais,

330
facilitada mais por uma convergência competitiva no plano ideológico do que por
mudanças no sistema produtivo global.
Todos os autores atribuem uma importância especial aos organismos inter-
nacionais no processo de globalização da reforma educacional. Entretanto, faz
falta, nesse ponto, especular mais a respeito do papel desses organismos e avaliar
seu trabalho. O primeiro dos dois textos incluídos com esse propósito é um artigo
escrito em 1995 por Connie McNeely. Nesse trabalho, a autora confirma o pro-
cesso de convergência de ideologias e práticas educacionais mencionado na leitura
anterior e estabelece as bases para uma pesquisa sobre as fontes de transmissão e
difusão dos princípios educacionais mundiais. As conclusões não trazem surpre-
sas. A autora mostra como o Banco Mundial e outros organismos disseminam, de
fato, uma teoria de desenvolvimento que é um pacote ideológico completo para
a compreensão dos fenômenos econômicos e sociais. Por força desse conjunto,
as políticas educacionais dos Estados-nação podem ser vistas como expressões
concretas de princípios e ideologias gerados em contextos supranacionais:
A adoção, por parte dos países, de políticas comuns em conformidade com as
prescrições das organizações internacionais indicaria um papel saliente desempe-
nhado por essas organizações no processo global de institucionalização educacio-
nal. (McNeely, 1995: 485)
Os mecanismos da difusão, e a consequente institucionalização educacional,
são vários, incluindo as cartas e outras recomendações adotadas pelas conferências
internacionais, que se tornam verdadeiros códigos de conduta para os estados-
-membros, e os planos educacionais nacionais, que mediante a assistência técnica
e consultoria dos organismos internacionais, assumem um alto grau de consistência
com as políticas educacionais defendidas por esses organismos. Chamam a atenção
as evidências de que essa influência vem de longa data. Os países estão respon-
dendo a esse ambiente cultural e organizacional mais amplo desde o século XIX.
Claudio de Moura Castro, autor da próxima leitura, quer nos convencer de
que nenhum banco de desenvolvimento tem esse poder todo. Baseado em sua
própria experiência como funcionário, tanto do Banco Mundial quanto do Banco
Interamericano, sua tese básica é de que os bancos não têm a capacidade de impor
reformas aos países. Se os países são mais pobres e não resistem às condições
impostas na hora da negociação, a implementação dos projetos não abrange esses
elementos pela falta de condições institucionais ou políticas. No caso dos países
mais desenvolvidos, os elementos que o Banco quer impor são logo descartados
na fase de negociação. Isso não significa que o autor esteja sugerindo que o banco
abra mão de seu poder de influência. Os avanços nas reformas dos países que
tomam os empréstimos se devem em parte à insistência dos bancos, mas não há
avanço sem que o país esteja em condições e com vontade própria de fazê-lo.
O irônico do texto de Moura Castro é que, aparentemente, os limites dos ban-
cos para imporem reformas são dados pela incapacidade tanto dos bancos quanto
dos tomadores dos empréstimos. No caso do FMI, por exemplo, sua influência é

331
nítida e direta. A linha de autoridade do país em apuros é única e a transmissão
da ordem para a alteração de parâmetros fundamentais do funcionamento da
economia reside nas mãos de um único oficial. Os ministérios ou secretarias de
educação não oferecem a mesma facilidade. As diversas camadas da burocracia,
algumas das quais sempre resistentes às ideias dos bancos, os custos políticos, a
falta de autonomia para a tomada de decisões e a perda de privilégios são todos
motivos para a não implementação das condicionalidades que o banco propõe,
mesmo na presença dos recursos não orçamentários dos bancos para “lubrifica-
rem” os caminhos. Por seu lado, os bancos são incapazes de aprenderem com
seus erros: “Eles se encontram emperrados por procedimentos disfuncionais, não
conseguem detectar problemas, e tampouco criar qualquer motivação significativa
que lhes permita aprender”.
A última leitura constitui um adendo a esta seção sobre a globalização para
estimular uma reflexão sobre as possíveis consequências do processo de conver-
gência cultural e a competição por indicadores educacionais melhores. Se for
verdade que, antes de tudo, a globalização significa uma aproximação entre as
burocracias da comunidade cultural mundial que se expressa na convergência
de padrões e valores, qual é o resultado em termos dos currículos escolares dos
diferentes países? Observa-se, de fato, uma progressiva homogeneização dos
currículos e a perda gradual de referências nacionais? Se for o caso, teríamos a
evidência de que a globalização também significa a perda da identidade nacional.
O texto de Cox e colegas relata uma pesquisa para analisar os conteúdos
curriculares sobre história, sociedade e política de sete países da América Latina,
incluindo o Brasil, à procura dos elementos que criam uma identidade comum e
favorecem a coesão social. O que os autores encontram, pelo menos no caso do
Peru, Guatemala, Brasil e Colômbia, é um silêncio em relação ao tema “nação” e
uma ausência de referências à história de cada país para a formação da identidade
nacional. No caso do Brasil, quase não há objetivos ou conteúdos curriculares
referentes à cidadania política. No seu lugar, encontram-se os valores do civismo
e da convivência.
A conclusão dos autores versa sobre a tendência de substituição da nação
como referência central dos currículos por referências locais, comunitárias, por
um lado, e referências universais, por outro. A assimilação de valores supranacio-
nais sinaliza uma mudança no modelo do bom cidadão referendado em normas
nacionais, fincadas na história de cada nação, para um modelo baseado em de-
clarações de direitos universais. Aos olhos dos autores, as consequências dessa
transição podem ser problemáticas. A convergência global dos currículos pode ter
implicações sérias, tanto para a coesão social quanto para o próprio funcionamento
das instituições democráticas.

332
Leitura 1
Reformas educativas na América Latina:
balanço de uma década

Marcela Gajardo (2000)1

[...]

Os Fatos

A década de noventa caracterizou-se pela dedicação de tempo, talento e


recursos importantes às tarefas de modernizar a gestão dos sistemas de educação
pública, oferecer a todos iguais oportunidades de acesso a uma educação de
qualidade, fortalecer a profissão docente, aumentar o investimento educacional e
abrir os sistemas de educação e ensino às demandas da sociedade.
[...]
Os países da região estão integrando-se gradualmente a uma nova ordem
econômica mundial baseada em um modelo de economias nacionais abertas à
concorrência internacional, ao investimento estrangeiro e à inovação tecnológica.
Em matéria de política, a reinstalação de governos democráticos impôs a redefinição
das funções do Estado, abrindo caminho à aplicação de estilos descentralizados
de gestão, ao consenso em torno dos esforços sociais e à promoção de uma maior
participação de outros atores nos esforços pelo desenvolvimento nacional.
Afirma-se hoje que esse novo cenário implica necessariamente a geração de
capacidades e competências indispensáveis à competitividade internacional, o au-
mento do potencial científico-tecnológico da região, bem como o desenvolvimento
de estratégias que propiciem a formação de uma moderna cidadania vinculada
à competitividade dos países, à democracia e à equidade. Por isso mesmo, a
educação adquiriu uma centralidade renovada. Dela se espera, de um lado, que
prepare as novas gerações para o trabalho no marco de economias modernas
e competitivas e, de outro, que promova a equidade e a mobilidade social sem
descurar da formação para uma participação cidadã e integração à vida nacional.
[...]

1
Texto extraído de: Marcela Gajardo. Reformas Educativas na América Latina. Balanço de
Uma Década. Documentos PREAL, No. 15, Março. 2000. (Disponível em: www.preal.cl)

333
Contextos Favoráveis às Reformas

Existe atualmente um contexto favorável para as reformas e um relativo consen-


so quanto às políticas mais adequadas para introdução de mudanças institucionais,
modernização da gestão, melhora da qualidade e da equidade, aproximação maior
das escolas às demandas da sociedade e abertura à iniciativa dos atores. De fato,
as transformações da última década compartilham algumas orientações e eixos de
política que são comuns à maioria dos países, e em torno dos quais ordenam-se as
medidas de mudanças. Em síntese, esses elementos enfatizam a necessidade de:
• dar prioridade à educação na agenda política dos países e buscar consensos
amplos entre os diversos atores sociais para levar as reformas a cabo;
• melhorar a equidade provendo uma educação sensível às diferenças e que
discrimine em favor dos mais pobres e vulneráveis;
• descentralizar e reorganizar a gestão educativa e dar maior autonomia às
escolas, sobretudo nos níveis básicos de ensino;
• fortalecer a instituição escolar para oferecer melhor capacidade de operação
e maior responsabilidade por seus resultados perante os estudantes, os pais de
alunos e a comunidade em geral;
• abrir a instituição escolar às demandas da sociedade e interconectá-la a
outros âmbitos ou campos institucionais, públicos e privados;
• investir mais, administrar melhor e testar modelos de alocação de recursos
vinculados a resultados;
• formar melhores professores, eliminar a burocracia e melhorar a orientação
dos processos educativos, além de fortalecer a capacidade de gestão dos diretores
das escolas.
O discurso atual sobre as reformas compartilha, no todo ou em parte, esses
elementos e foi construído com base em acordos e recomendações internacionais
sobre prioridades e estratégias para modernização da educação e do ensino. Isso
deu origem ao desenho de políticas e programas que pretendem assumir as ativi-
dades de reforma educativa como tarefas estratégicas, de longo prazo, baseadas
em amplos consensos nacionais e compromissos financeiros estáveis com seu
desenvolvimento.
Na maioria dessas propostas, assim como nos objetivos das reformas de
praticamente todos os países da região, incluem-se os conceitos de qualidade
(melhores resultados em termos de aprendizado escolar, trabalho produtivo e
atitudes sociais); eficiência (melhor uso dos recursos e busca de novas opções
financeiras) e equidade (participação e atenção prioritária aos grupos excluídos)
(Alvarez, B., 1997).
Estas orientações, refletidas nas recomendações de política de diversas
agências internacionais de cooperação, tiveram forte influência no desenho dos
programas e deram os marcos de referência para formulação ou aperfeiçoamento
das políticas vigentes, proporcionando, ao mesmo tempo, um contexto internacional
altamente favorável às mudanças.

334
[...] nas reformas da década de noventa foram definidos quatro eixos de
políticas em torno dos quais desenharam-se estratégias, programas e projetos de
inovação e mudança: o da gestão, o da qualidade e equidade, o do aperfeiçoamento
docente e o do financiamento.
Enquanto o primeiro e o último apontam para a racionalização de recursos,
a descentralização da administração do sistema e dos estabelecimentos, bem
como para a avaliação do rendimento escolar, os demais eixos voltam-se para a
necessidade de contar com escolas eficazes, que usem os insumos existentes da
melhor maneira, enfatizem os resultados acadêmicos, imponham um ambiente
ordenado em termos de assistência, infraestrutura e insumos educativos e forta-
leçam a capacidade de liderança e gestão de diretores e professores (Slavin R.,
1996; Aguerrondo I., 1997).
Há diversos programas e projetos orientados nessa direção. De um lado estão
os que apontam para o fortalecimento dos ambientes de aprendizagem, os que
enfatizam a melhoria da formação e a motivação dos professores e os que visam
o fortalecimento da gestão institucional. Faz-se distinção, geralmente, entre os
âmbitos administrativo (institucional), pedagógico e financeiro, cada qual com
suas estratégias ou programas de ação próprios.
Cada um desses âmbitos de política admite diversas estratégias ou programas,
conforme se pode ver no Quadro 1.

Quadro 1
Eixos e Estratégias nas Orientações de Política Educacional
na Década de Noventa

Eixos de Política Estratégias/Programas


Gestão Descentralização administrativa e pedagógica
Fortalecimento das capacidades de gestão
Autonomia escolar e participação local
Melhoria dos sistemas de informações e gestão
Avaliação/aferição de resultados, prestação de contas à sociedade
Participação dos pais, governos e comunidades locais
Equidade e Qualidade Enfoque nas escolas mais pobres dos níveis básicos
Discriminação positiva para grupos vulneráveis (pobres e indigentes
urbanos e rurais, população indígena, mulheres pobres e indígenas)
Reformas curriculares
Fornecimento de textos e materiais de instrução
Extensão da jornada escolar/aumento de horas de aula
Programas de melhoria e inovação pedagógica
Programas de fortalecimento institucional

335
Aperfeiçoamento dos Desenvolvimento profissional dos docentes
Professores Remuneração por desempenho
Políticas de incentivos
Financiamento Subsídio à demanda
Financiamento compartilhado
Mobilização de recursos do setor privado
Redistribuição/impostos x educação
Uso efetivo de recursos existentes (racionalização)
Nota: os eixos de política estão organizados segundo as quatro grandes áreas de reforma e as
orientações políticas predominantes na década dos noventa.

Praticamente todos os países da região fizeram mudanças em uma ou outra das


direções indicadas, mas, na maioria dos casos, apresentam resultados ambíguos,
o que leva, frequentemente, a que se questione a direção das mudanças propostas
ou as opções de política e medidas adotadas.
Apesar do que acaba de ser dito, é possível afirmar que os países da América
da Latina e do Caribe encontram-se em um estado de desenvolvimento educativo
distinto do que caracterizara o setor nos anos oitenta. Uma simples observação de
tendências permite assinalar que a região passou de um paradigma tradicional, que
favoreceria a igualdade de acesso, a outro que privilegia a igualdade nos resultados;
a descentralização e a concorrência pelos recursos com critérios de discrimina-
ção positiva, de atuação direta do Estado através de programas de melhoria da
qualidade e da equidade; a introdução de novos instrumentos de informação; a
avaliação pública de programas e instituições e a abertura dos estabelecimentos
escolares a redes de apoio externo.
As reformas em curso assim o evidenciam. Um exame de suas características
e do avanço que fizeram permite afirmar que, mesmo persistindo alguns sérios
problemas, alguns países da região realizaram um tremendo esforço para mo-
dernizar seus sistemas de educação pública, profissionalizar o trabalho docente
e oferecer uma educação de qualidade ao conjunto da população, com se pode
ver no Quadro 2.
Ainda que esses resultados não tenham permitido superar os problemas
existentes, no transcurso de uma década produziu-se uma mudança importante
nos termos do debate e na prioridade que a sociedade e os governos atribuem
à educação na agenda das políticas públicas. Obtiveram-se também alguns con-
sensos básicos sobre o que reformar e como fazê-lo. Ainda que esses às vezes se
choquem com uma realidade difícil de transformar, permitiram modificar, não
sem conflitos, as bases institucionais, os sistemas escolares e algumas dimensões
da gestão educativa e pedagógica.

336
Quadro 2
Casos Selecionados de Países com Reformas em Curso

Objetivos de Política Países com Reformas em Curso


Reorganização institucional e descentralização Argentina, Colômbia, Chile, Brasil, México,
administrativa República Dominicana, El Salvador
Fortalecimento da Autonomia das escolas Bolívia, Paraguai, Chile, Estados do Brasil,
(curricular, pedagógica, financeira) Guatemala, El Salvador, Nicarágua
Melhoria da qualidade e equidade: programas Argentina, Colômbia, Chile, Brasil, Peru,
consistentes com enfoque no fornecimento Paraguai, Bolívia, Costa Rica, Guatemala,
de materiais, equipamentos e na melhoria da Nicarágua, República Dominicana
infraestrutura
Reformas curriculares Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica, Bolívia,
República Dominicana, Brasil, México
Ampliação da jornada escolar Colômbia, Chile, Uruguai
Maior dignidade à função docente e Argentina, Colômbia, Chile, Brasil, Uruguai,
aperfeiçoamento dos professores Costa Rica, Guatemala, Nicarágua, República
Dominicana
Aumento do investimento em educação Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
(Base: ano de 1996) Costa Rica, Guatemala, México, Panamá,
Paraguai, Uruguai
Fonte: Elaboração própria. Dados de fontes secundárias e relatórios nacionais.

[...]

A Avaliação dos Aprendizados

Essa é uma área onde os avanços latino-americanos foram impressionantes.


De fato, pode-se dizer que, no transcurso de uma década, generalizou-se na re-
gião o uso de sistemas de aferição de resultados de aprendizado e avaliação de
qualidade. De forma incipiente começam também a surgir sistemas para avaliação
do desempenho dos professores vinculada a incentivos monetários e de desenvol-
vimento profissional.

Sistemas nacionais de aferição da qualidade da educação

O Chile foi um dos primeiros países a contar com um Sistema Nacional de


Medición de la Calidad de la Educación (SIMCE) para avaliar os resultados de
aprendizado das crianças que cursavam o quarto e o oitavo anos básicos em esta-
belecimentos públicos e privados, cobrindo principalmente as matérias de língua

337
materna e matemáticas. O SIMCE, que foi aplicado pela primeira vez em 1988,
também mediu os resultados de aprendizado em 10% dos alunos nas matérias
de ciências naturais, história e geografia e pesquisou aspectos relacionados com
o desenvolvimento pessoal das crianças, a relação escola comunidade e a eficiên-
cia escolar medida com base em estatísticas de matrículas, repetência, atraso e
deserção. Dez anos depois de implantado o sistema, seus resultados são usados
para desenhar políticas focalizadas nas escolas mais pobres e de pior rendimento
do país. Seus resultados são divulgados publicamente e sua base está sendo re-
visada para incluir variáveis de condição das famílias e ambiente doméstico que
não foram consideradas no início e sobre os quais trabalham outros países, como
o Uruguai, que só iniciaram esse tipo de aferição quando a década de noventa
já ia adiantada.
L. Wolff (1997), em seu trabalho sobre avaliações educacionais na América
Latina, menciona também como pioneiros o México e a Costa Rica. O México,
contudo, até meados da década de noventa trabalhou somente com amostras e
apenas em 1994 aplicou seus instrumentos em nível nacional. A Costa Rica iniciou
suas avaliações no nível do ensino superior. V. Arancibia (1996), em um estudo
similar, menciona o caso de Cuba, que teria começado experiências no campo das
avaliações do aprendizado em meados dos anos setenta (Ver Quadro 3).

Quadro 3
Ano de Implantação dos Sistemas, por país

País Ano de Implantação do Sistema


Argentina (SINEC) 1993
Bolívia (SIMECAL) 1996
Brasil (SAEB) 1993
Chile (SIMCE) 1988
Colômbia 1991
Costa Rica 1995
Cuba 1975
Honduras 1990
México 1994
Nicarágua (SINED) 1998
Paraguai 1996
República Dominicana 1992
El Salvador 1993
Uruguai 1996
Venezuela 1995
Fonte: Arancibia, V.: Unesco/Orealc, Laboratorio Latinoamericano de Medición de Calidad
de la Educación. Op.cit.

338
Leitura 2
Reformas da educação pública:
democratização, modernização, neoliberalismo

Licínio C. Lima e Almerindo Janela Afonso (2002)2

[...]

A Modernização como Imperativo e a Reforma Educativa

Em Portugal, a política educativa evidencia nos últimos anos um deslocamento


da esfera da democratização para o universo da modernização — “A democratiza-
ção da educação, a todos os níveis, parece ser remetida para segunda linha, como se
constituísse já uma aquisição plena e um objetivo alcançado, a que haveria, agora,
de se lhe juntar o objetivo da racionalização e da otimização” (Lima, 1992b: 4).
A modernização do país, e designadamente da educação e da escola, é apre-
sentada como um desígnio nacional. Conforme já assinalamos em outro lugar, “A
recuperação de atrasos, os exemplos de outros países e os desafios da integração na
Europa Comunitária, as metas estatísticas, o combate ao desperdício e a ineficácia,
o elogio da excelência, vão de súbito surgir como temas maiores e, frequentemente,
mais associados à capacidade técnica gestionária, e a imperativos de modernização,
do que propriamente a opções políticas de fundo” (Id., ibid.). O fenômeno não é
especificamente português e, pelo contrário, foi observado em diversos países ao
longo da década anterior e do início da de noventa, com destaque para as políticas
thatcherianas para a educação na Grã-Bretanha. O que há talvez de específico no
caso português é o tipo de ruptura com o discurso da democratização, fortemente
enraizado na política educativa desde 1974 (e até mesmo antes), e a tentativa de
articular aquele discurso com a ideologia da modernização. Com efeito, parece
muito difícil ignorar a necessidade de democratizar o sistema educativo e a es-
cola, face ao “atraso português” que diversos “indicadores”, mais do que nunca
em voga, não permitem ocultar. Por isso o discurso da democratização não é
completamente afastado, mas antes reconvertido e subordinado à ideologia da
modernização, e com ela compatibilizado, dados os elevados ganhos simbólicos

2
Texto extraído de: Licínio C. Lima e Almerindo Janela Afonso. Reformas da Educação Pública:
Democratização, Modernização, Neoliberalismo. Porto: Afrontamento, 2002. Reproduzido
com permissão de Edições Afrontamento.

339
e de legitimidade que daí provêm. Nesse sentido, as prioridades políticas tendem
a ser estabelecidas em função da segunda, e não do primeiro, ao mesmo tempo
em que se constrói uma nova semântica da modernização que permite utilizar
as mesmas palavras (democratização, participação, autonomia, descentralização,
justiça social,etc.) com novos significados.
Registra-se ainda uma tendência no sentido de remeter a democratização
para o discurso político e normativo mais visível, presente em leis fundamentais,
em preâmbulos, na apresentação pública de programas e medidas governamen-
tais, ao passo que o discurso da modernização tende a estar presente de forma
mais constante nos domínios da regulamentação da ação política, domínios mais
operativos e implementativos e, por isso, aparentemente menos sujeitos a critérios
de conveniência discursiva. A título de exemplo, basta comparar os discursos pre-
sentes na Lei de Bases do Sistema Educativo, nos documentos preparatórios e na
proposta global da Comissão de Reforma quanto à direção e gestão das escolas,
e até mesmo, parcialmente, em alguns preâmbulos (como é o caso do constante
no Decreto-Lei n.° 172/91), com a linguagem predominante nos articulados, nas
portarias e nos despachos, e até mesmo em diversas publicações informativas e
pedagógicas que versam essa temática. Porém, mais recentemente, tem-se assistido
a uma defesa mais aberta, e por vezes mesmo apologética, da modernização – ra-
cionalização educativa por parte de certos setores, não obstante se descortinarem
nuances entre discursos proferidos por diferentes responsáveis e se deve admitir
que a expressão da política educativa não se constitui necessariamente como um
corpo monolítico, absolutamente estável e congruente.
A organização e a administração escolares surgem progressivamente despoli-
tizadas e desideologizadas, naturalizadas enquanto instrumentos técnico-racionais,
(auto) justificadas e legitimadas na base dos imperativos de modernização e de
reforma educativa. As exigências de modernização e as pressões econômicas e de
mercado são intencionalmente desarticuladas dos contextos políticos e sociais con-
cretos e dos enquadramentos institucionais precisos; a eficácia, porque assente na
monorracionalidade, impõe-se de forma independente dos contextos institucionais
e organizacionais3; a “empresarialização” da educação4 configura-se como “the one
best way” para a consecução de opções políticas e sociais que são apresentadas
como determinismos macroeconômicos à escala europeia ou mundial, impossíveis

3
Para uma análise desta problemática, veja-se Richard Whitey (1992), The Social Construction
of Organizations and Markets: The Comparative Analysis of Business Recipes.
4
Para um esclarecimento desta expressão e respectivas análises, veja-se o importante texto de
J.A.Correia, A.D. Stoleroff e S.R. Stoer, “A Ideologia da Modernização no Sistema Educativo
Português” (1993) e também o interessante livro de Celestino Alves da Silva Junior, A Escola
Pública como Local de Trabalho (1990).

340
por isso mesmo de ignorar e de equacionar fora do quadro dos grandes desafios
consensualmente definidos5.
As perspectivas neotaylorianas encontram o seu caminho aberto, ressurgindo
na educação as teorias organizacionais de tipo “neocientífico”6, numa complexa e
sofisticada combinação de elementos das relações humanas, da teoria da contin-
gência, do desenvolvimento organizacional, etc., que passa facilmente por um novo
corpo de ideias e de propostas modernas, produzindo frequentemente situações
de um certo encantamento e de uma certa adesão, mesmo em setores políticos e
sociais de “oposição”7.
A escola é uma “empresa”, uma “empresa educativa”, como se afirma em
documentos da UNESC08, ou como argumentava o ministro francês Jean-Pierre
Chevenement (1985: 203), e uma “indústria de mão de obra”, como se refere em
textos da OCDE (1984a). É preciso, portanto, geri-la enquanto tal. A administração
escolar é sobretudo, e acima de tudo, “administração”, e muito menos “escolar”,
conforme denuncia Celestino Silva Junior9 . As ideologias gestionárias informam o
novo discurso e as novas políticas de modernização, com as palavras-chave “em-
presa”, “capacidade”, “competência”, “partenariado”, à cabeça (Duke, 1992); é
essencial o crescimento do sistema com menores despesas, aumentar a qualidade
(questão que se sucede ao problema do acesso) com menores investimentos, é
imperioso aumentar a produtividade, quantificar os recursos e os resultados obti-
dos, aferir a qualidade. Em suma, torna-se indispensável racionalizar e otimizar,
garantir a eficácia e a eficiência.
5
“Ao transformar em determinismos econômicos as opções societais subjacentes às medidas
implementadas, o discurso da modernização tende a instituir uma grelha de leitura da reali-
dade que, impondo-se aos indivíduos e grupos sociais, também oculta a conflitualidade dos
interesses dos grupos intervenientes na definição da política educativa” (Correia, Stoleroff &
Stoer, 1993: 28).
6
Já na década de setenta, Thomas Sergiovanni registava esta tendência no seu trabalho “The
Odisseyof Organizational Theory and Implications for Humanizing Education” (1977); signi-
ficativamente, o autor propõe como título alternativo do seu artigo “The not so Glorious Evolu-
tion of Organizational Theory in Education, or, for the Humanist, Going from Bad to Worst”.
7
“Oposição” assume, aqui, um sentido lato, conforme esclarece Johan P. Olsen (1991:
127):“Those against reform are easily labeled old-fashioned, outmoded, obsolescent, obstruc-
tive, irrational or reactionary”. Entre nós, o Ministro da Educação tem-se referido aos “mestres
da suspeita e da descrença” (cf., por exemplo, discurso proferido no Acto de Tomada de
Posse do Conselho Coordenador da Formação Contínua e do Conselho de Acompanhamento
do Sistema de Gestão Escolar, Lisboa, 16 de Dezembro de 1992 - Ministério da Educação,
1992ª: 8).
8
Cf. UNESCO, As Funções da Administração da Educação. Planeamento e Administração da
Educação e Equipamentos Educativos (1988: 30); entre nós encontramos afirmações do mes-
mo gênero (ver, a título de exemplo, Ministério da Educação, Exame dos Políticos Educativos
Nacionais. OCUE. Relatório Nacional de Portugal, 1984: 281).
9
“[...] ou seja, o fato administrativo apresenta-se como substantivo e o fato pedagógico, apenas
como contingente” (Silva Junior, 1990: 69).

341
A democratização, a participação e a autonomia, a ideia de “projeto edu-
cativo” e de “comunidade educativa” são ideias que não desaparecem pura e
simplesmente; pelo contrário, ressurgem com maior intensidade e frequência,
mas concentrando novos significados que decorrem das orientações acima refe-
ridas. A compreensão desse elaborado processo de reconceitualização torna-se
consideravelmente mais difícil, como mais problemática se afigura a tentativa de
desocultação das lógicas profundas que estão na sua base. E é nesse sentido que
a hipótese de trabalho que assenta na emergência de perspectivas neotaylorianas
na organização e administração da educação pode ter a vantagem de remeter a
análise para o próprio terreno das ideologias e dos conceitos de tipo organiza-
cional, convocando a história, reconstruindo a genealogia dos conceitos usados e
identificando as suas matrizes.

Racionalização, Eficácia, Controle de Qualidade

A modernização de tipo neotayloriano institui uma racionalidade tecnocrática


assente na “cultura do positivismo”, relegando “a natureza política da escola à sala
de espera da teoria e práticas educativas”, como observa Henry Giroux (1986:
223). A racionalidade técnica, no sentido de Habermas, oposta à racionalidade
hermenêutica e à racionalidade emancipatória (Habermas, 1978), é certa e obje-
tiva, acentua o controle e a mensuração dos resultados, neutra e livre, ou acima,
de valores. Ignora que cada modo de racionalidade se baseia num sistema de
valores e de interesses ou, quando muito, qual “varinha mágica”, como escrevem
Correia, Stoleroff e Stoer a propósito da modernização (1993: 32), eleva os inte-
resses particulares à categoria de interesses universais.
O setor da educação é atualmente terreno privilegiado das medidas de racio-
nalização. A fase de expansão quantitativa do sistema terá chegado ao seu termo
(precocemente, face aos problemas com que se continua a debater a este nível),
sabendo-se que os cortes nas despesas públicas serão certos, já anunciados e
admitidos10, e que, face a essa orientação, o aumento da qualidade da educação
terá de ser conseguido não à custa de maiores investimentos, mas, precisamente,
através de políticas de racionalização e de reestruturação que garantam uma
maior eficácia e uma maior eficiência interna11. Compreende-se, assim, como o

10
De resto, esta tendência tem sido registrada a nível internacional. Referindo-se, por exem-
plo, a situação do ensino superior, as conclusões da Joint Conference on Access to Higher
Education in Europe (Conselho da Europa, Parma, 13-16 de Outubro de 1992) destacam o
declínio progressivo do financiamento ao longo da década de oitenta na Europa (Council of
Europe, 1992: 5).
11
As palavras são do Secretário de Estado, Joaquim de Azevedo (1992ª: 69): “A grande
questão que se põe ao sistema educativo português (...) [refere-se] ao crescimento na quali-
dade, através de ganhos de eficiência internos. Não podemos continuar a fazer com que os

342
discurso político da reforma transitou da expressão quantitativa e qualitativa e da
fase dos grandes investimentos, para o discurso técnico (e para a técnica como
política) do “crescimento na qualidade”. E compreende-se melhor ainda como,
nesse quadro, as soluções de tipo organizacional e administrativo ganham súbito
relevo. Da anterior política terá permanecido a esforço de mobilização para o
consenso relativamente ao fim, ou à missão, da reforma educativa — a criação
de “um novo tipo de português”, nas palavras de Pedro da Cunha12. Essa missão
exige, agora, uma correta estratégia de racionalização, valorizando ainda mais o
saber técnico-gestionário.
Demonstrando uma impressionante capacidade de apropriação dos saberes
teóricos e de integração e uso dos aparelhos conceituais ao serviço daquela estra-
tégia, a política educativa raramente terá sido expressa de forma tão elaborada
por parte de alguns setores da administração central, tornando-se, assim, mais
difícil a sua crítica no próprio terreno que escolhe para legitimar as suas opções.
Não obstante, o conhecimento teórico aprofundado das teorias organizacionais e
administrativas permite desocultar e interpretar as linhas estratégicas seguidas,
identificar a origem dos conceitos utilizados e compreender o processo de recon-
ceitualização, e até de ressemantização, operado relativamente a outros conceitos
mais tradicionais. E o caso dos conceitos de eficácia, eficiência, qualidade e con-
trole de qualidade, entre outros, a que faremos breve referência nesta rubrica,
bem como o caso dos conceitos de participação, autonomia, projeto e comunidade
educativa, que abordaremos posteriormente.
A obsessão pela eficácia, pela eficiência e pela qualidade, ainda que recente
no universo educativo, é uma obsessão tipicamente tayloriana, presente de diversas
formas na teoria da burocracia, na escola das relações humanas, nas perspectivas
sistêmicas e contingências, etc. A novidade residirá, apenas, na insistência com
que é referida no setor educativo, ganhando foros de inovação. A reedição de
programas, de métodos e de técnicas, que têm feito carreira na administração das
empresas, sobretudo a partir da década de sessenta, agora no contexto educativo
é mais um sinal a confirmar a adoção de um modo de racionalidade econômica.

portugueses paguem cada vez mais impostos para alimentar esta máquina gigantesca, que
ainda por cima tem grandes desperdícios, seja em insucesso, ou em abandono...”. Também
no recentemente publicado Roteiro da Reforma do Sistema Educativo. Guia para Pais e Pro-
fessores. 1986-1996 (cf. Ministério da Educação, 1992b), afirmou-se que “A qualidade na
educação será a prioridade da década de noventa” (p. 18), referindo-se ainda “à exigência
de qualidade, eficácia e eficiência no funcionamento da escola” e à redução do “desperdício
escolar” (p. 29), elementos integrados norma orientação política mais geral que o Ministro da
Educação (em prefácio, p. 3) exprime assim: “A educação e o ensino são um bem precioso
para sustentar a modernização do País”.
��
“O que a sociedade portuguesa pressente desde há muito, aquilo que de todos os lados se
sugere”, Pedro da Cunha (1989a), Relação Pedagógica Baseada na Autonomia, comunicação
proferida no 2° Seminário de Formação de Professores, Fátima.

343
Tem sido na base das estratégias “gerencialistas”, como as chama William
Tyler (1991: 186-187), que a discussão em torno da eficácia educativa e das “es-
colas eficazes” tem sido frequentemente conduzida, quantas vezes socorrendo-se da
vulgata gestionária e do receituário, em crise, no domínio econômico-empresarial.
A questão da eficácia só deixa de ser problemática quando remetida para o
quadro de uma racionalidade a priori; de outro modo, é imperioso reconhecer
que não há uma, mas várias eficácias, tantas, possivelmente, quantos os modos de
racionalidade em presença conflitual. Mas se se adota uma concepção relativista
de eficácia, condenando padrões absolutos ou unívocos de aferição, tornar-se-á
consideravelmente mais difícil, se não impossível, estabelecer comparações, pre-
miar resultados, aferir a qualidade. As polêmicas, noutros países, em torno dos
standards, dos exames e dos currículos uniformes, dos indicadores de desempe-
nho, etc., são disso mesmo esclarecedoras (Moon, Isaac & Powney, 1990). Face
a essas dificuldades, ou se centraliza, uniformiza e controla em termos tais que
o cálculo da eficácia e o controle da qualidade passam a ser possíveis, porque
subordinados a critérios uniformes e, como tais, passíveis de comparação, ou
então os discursos da eficácia e da qualidade assumem o caráter de retórica com
propósitos de reposição da confiança no sistema e de legitimação institucional.
Bastará, então, falar em eficácia e em qualidade, mesmo sem a sua obtenção
empírica, para alcançar aqueles propósitos13.
Em todo o caso, a ideologia e o discurso da qualidade estão bem patentes
nas políticas educativas e ocupam lugar de maior relevo no contexto da ainda
escassa produção científica e pedagógica na área de administração educacional
em Portugal.
No Tratado da União Europeia, afirma-se que “A Comunidade contribuirá
para o desenvolvimento de uma educação de qualidade”, logo na primeira re-
ferência à educação14; na Lei de Bases do Sistema Educativo, embora marginal
face aos princípios gerais consagrados, a qualidade não deixa de estar presente,
estabelecendo-se que cabe à administração central, através da sua função de ins-
peção, “garantir a necessária qualidade do ensino”15; a produção normativa, do
ordenamento jurídico da formação de professores e educadores e do novo modelo
de direção e gestão das escolas, a criação dos serviços de psicologia e orientação,
entre outros, confirmam o discurso da qualidade e a repetição, por vezes até a
exaustão, da referida palavra. Entretanto, também a informação dirigida às esco-
las, por ocasião da abertura do ano letivo, aponta na mesma direção; fala-se do
“Programa SIQUE” (Sistema de Incentivos à Qualidade na Educação), ficando
claro que “a qualidade constitui o objetivo central da atuação do Governo” —

13
Tal como relativamente ao conceito de eficiência, a teoria institucional levanta a hipótese
da legitimação, como observa Charles Perrow (1992: 372).
14
Cf. Tratado da União Europeia (1992), Artigo 126°.
15
LBSE, Artigo 44°, c).

344
“aprendizagem da qualidade”, “procura da qualidade”, “escola de qualidade”,
“mudança qualitativa”, etc. (Ministério da Educação, 1992c).
Instituiu-se mesmo um “Observatório da Qualidade da Escola”, no âmbito
do Programa de Educação para Todos/2000. No respectivo “guião organizativo”,
apresenta-se, como objetivo, “conhecer os resultados do esforço investido na
modernização e desenvolvimento das instituições escolares”, anunciando-se “a
introdução de uma reforma cultural na gestão escolar“ (Climaco, 1992). Fala-se,
repetidamente, de “polos de excelência”, “nichos de qualidade”, “produtividade
escolar”, “escolas eficazes”, “serviços” e “bens” educativos, etc., associando-se
autonomia à qualidade, participação à coesão (ou a cooperação da comunidade
escolar) e, sem deixar margem para dúvidas, cita-se a máxima “aquilo que se
mede, alcança-se mais facilmente”.
[...]
A ideologia organizativa de tipo neotayloriano penetra profundamente nas
matérias avaliativas, as quais, de resto, ganham súbita e redobrada importância
política. A avaliação neotayloriana concentra-se nos resultados obtidos, assume
os objetivos como consensuais e definidos a priori, e as tecnologias pedagógicas
e de avaliação como processos certos, estáveis e objetivos. Conforme chamamos
a atenção em outro Lugar (Afonso & Lima, 1992: 4), então a propósito do Des-
pacho 162/ME/91 (“Despacho da Avaliação”, como ficou conhecido até ter sido
substituído), esse tipo de avaliação releva “[...] de um projeto de controle da
subjetividade e de esbatimento da ‘imperfeição’ humana, centrado nos resultados
obtidos e no rigor das formas de tradução/quantificação desses resultados — ‘cri-
térios de objetividade’, ‘medição’, ‘validação externa’, ‘verificação da qualidade’,
‘aferição’, ‘validade e fidedignidade’, etc. Convoca-se uma monorracionalidade de
tipo técnico e uma perspectiva gestionária-utilitária (neotayloriana); decompõe-se e
fragmenta-se o processo de avaliação, quantificando, mensurando, formalizando;
adopta-se uma visão mecanicista da organização escolar, centrada nas operações
técnicas, na eficácia e na eficiência”.
No mesmo texto, chamamos a atenção para o fato de o “controle de qualida-
de” pressupor que essa propriedade é apreciada e promovida ao nível do sistema
educativo, exigindo uma política de promoção efetiva da(s) qualidade(s), a qual
tornaria legítimo o seu controle. Não obstante, a imagem que continua a carac-
terizar o sistema educativo e as escolas está longe de ser essa, face à continuada
carência de condições de trabalho nas escolas e a outros níveis, pelo que é legí-
timo apresentar como hipótese de trabalho a emergência de uma nova expressão
que, no essencial, coincidirá com o tradicional controle político, administrativo,
pedagógico e profissional, apenas lhe introduzindo uma alteração terminológica
e, possivelmente, afinando os instrumentos desse controle. Porém, tal alteração é
especialmente congruente com a ideologia da modernização, assente nas regras
do mercado e nas lógicas da privatização. Como defende Clímaco (1990: 111),
“A implementação de certas regras da economia de mercado e a abertura à

345
competitividade são outras duas componentes da privatização que se tem tentado
introduzir na gestão das escolas, enquanto estratégia para promover a sua eficácia”.
Numa lógica de democratização da educação e da escola, parece fazer pouco
sentido a oposição quantidade/qualidade, por tão imbricados que se encontram
os dois termos. A promoção da qualidade à maneira neotayloriana, tal como a
construção dos chamados “climas” e das “culturas” de organização, redundam
frequentemente em ações para uns poucos, desprezando a qualidade para todos
e os diferentes sentidos e critérios de qualidade e, desse modo, a promoção da
quantidade da(s) qualidade(s), como observa Vitor Paro (1990: 109). Ora, é
exatamente a quantidade da(s) qualidade(s), ou a(s) qualidade(s) para todos, que
promove a “democratização real”, ao passo que “a política da qualidade [...] quase
sempre determina o seu oposto: uma quantidade desqualificada” (Vale, 1985:
67), sobre a qual se abatem pressões variadas, instrumentos de discriminação
social, penalizações diversas16.

16
Observa-se, ainda, que os discursos relativos à qualidade tomam essencialmente por referên-
cia padrões empresariais, no quadro dos quais o “controle de qualidade” (e a normalização)
e a “garantia de qualidade” correspondem já a propostas consideradas ultrapassadas. Não
será, porém, surpreendente se os novos conceitos de “qualidade total”, “marketing global”,
“cultura de qualidade”, etc., vierem proximamente a emergir nos discursos de politica edu-
cativa, do que há já indícios.

346
Leitura 3
A construção social das políticas educacionais no
Brasil e na América Latina

Nora Krawczyk (2000)17

[...]
Há cerca de uma década, iniciou-se um movimento internacional de reforma
da educação que alegadamente daria condições aos sistemas educacionais de cada neoliberalismo
um dos países para enfrentar os desafios de uma nova ordem econômica mundial.
No caso da América Latina, indicava-se também a necessidade de conciliar os
desafios da modernidade sem aumento da exclusão, como reação aos problemas
estruturais que apresenta o desenvolvimento capitalista.
Uma das expressões mais importantes dessa postura foi a CEPAL/OREALC.
As proposições desse organismo vinculavam as reivindicações históricas de de-
mocratização da educação – expansão, equidade e integração – aos princípios
de competitividade, desempenho e descentralização. Essas duas dimensões eram
encaradas como desafios internos e externos, respectivamente, que os países latino-
-americanos deveriam enfrentar antes da passagem para o século XXI (CEPAL/
UNESCO, 1992).
Esse tema está presente, durante as últimas décadas, na corrente hegemônica
do debate educacional nacional e internacional, no marco das mudanças estru-
turais do Estado. Em particular no que diz respeito a políticas de compensação
social e regulação, à redefinição do papel da sociedade civil e dos parâmetros de
representação política.
As reformas nos diferentes países iniciaram-se no quadro dos compromissos
assumidos por seus governos e pelos organismos internacionais na Conferência
Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990.
A partir desse encontro, pode-se dizer, a educação voltou a fazer parte das agendas
nacionais e internacionais como tema central das reformas políticas e econômicas.
Ainda que impulsionadas por esses movimentos, as políticas educacionais
acabaram sendo de fato fortemente direcionadas, tanto na definição de suas priori-
dades quanto de suas estratégias, pelas orientações dos organismos internacionais

17
Texto extraído de: Krawczyk, Nora. A Construção Social das Políticas Educacionais no
Brasil e na América Latina. In: O cenário educacional latino americano no limiar do século
XXI. Campinas: Editora Autores Associados, 2000. Reproduzido com permissão da editora:
www.autoresassociados.com.br

347
financiadores, principalmente pelo Banco Mundial. O poder crescente dos bancos,
no âmbito político-educacional, obrigou os Estados nacionais a adaptarem-se aos
ritmos impostos para a Reforma, provocando a adoção de mudanças vertiginosas
na área para não serem punidos.
[...]
A reforma educacional dos anos 1990 instaurou, sem dúvida, um novo modelo
de organização e gestão da educação pública, tanto do sistema quanto de suas
instituições. Talvez essa seja sua maior conquista. Isso nos apresenta, no limiar
do século XXI, um cenário educativo que, sob o fetiche da modernidade e da
democratização, vivifica os fundamentos neoliberais que estão experimentando
nossas sociedades.
A retórica da descentralização e da redistribuição de poder, comum às refor-
mas educacionais em curso, constitui uma nova organização, em que o localismo e
o comunitarismo convertem-se na contrapartida e na contraface da centralização e
da privatização18. Esse modelo tem sua expressão tanto no espaço nacional quanto
no internacional, através do poder crescente das agências internacionais – princi-
palmente dos bancos – na definição das políticas educacionais.
O questionamento da educação formal como sistema e a busca de uma forma
de estruturação diferente não são alheios ao modelo de organização e gestão da
educação pública imposta nem a sua retórica de democratização. A ideia de “rede”,
tão divulgada nos âmbitos acadêmicos e políticos pelos organismos internacionais,
busca excluir dos princípios da organização da educação formal a sua base territo-
rial e seu sentido político de associação com o Estado nacional. Em contrapartida,
instaura os princípios da comunicabilidade, solidariedade e a importância do fluxo
da informação, como formas de articulação não hierárquicas e mais dinâmicas
entre o próprio e o alheio, entre os interesses individuais e os gerais19.
A reestruturação da organização e gestão do sistema educacional nos dife-
rentes países da América Latina trouxe, de diferentes formas e graus, profundas
mudanças na organização do trabalho docente, nas suas relações de trabalho e na
prática sindical, na definição das fronteiras entre o público e o privado, na distri-
buição das responsabilidades e atribuições entre as instâncias centrais, locais e
institucionais, na concepção e lógica do financiamento para educação, entre outros.
A constituição e o desenvolvimento do sistema educacional – que tiveram sua
origem no final do século XIX na sociedade ocidental – responderam simultanea-
mente, ainda que em graus diferenciados segundo os países, às exigências políticas
dos processos de construção dos Estados nacionais e do sistema democrático e às

��
Este processo pode ser constatado, entre outros, nas descrições de políticas de gestão
educacional na América Latina em Preal, Autogestão escolar: Aumento de La cobertura educa-
cional em zonas rurales pobres. Formas e Reformas de La Educación: Série Mejores Práticas,
Santiago de Chile, 1999.
��
A defesa dos princípios desta proposta pode ser encontrada em J. C. Tedesco, O novo pacto
educativo: educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna. São Paulo, Ática, 1998.

348
exigências do desenvolvimento econômico. De forma análoga, a reforma educacio-
nal dos anos de 1990 é um elemento importante da mudança do caráter regulador
do Estado e contém tensões e lutas que emergem dessas mudanças. Além disso,
as práticas da Reforma em cada contexto socioeconômico e político particular
organizam e conferem valor a certos tipos de relações sociais e não a outras.
As reformas educacionais tiveram um caráter homogeneizante tanto na leitu-
ra das realidades nacionais quanto nas suas propostas, pretendendo impor uma
padronização de ações para a região. Entretanto, ao se refletir sobre aspectos
das condições de desenvolvimento dos países, observa-se que essas reformas
se processam em sociedade com diferentes culturas políticas e associativas que,
seguramente, intervêm na concretização das mudanças.
A ausência dessa preocupação nos estudos oficiais reitera o caráter homoge-
neizante da Reforma e anula a possibilidade de definir políticas que tenham como
ponto de partida a sua realidade específica. E a neutralização do contexto histórico
nas análises críticas tem produzido, como disse Bourdieu, “uma universalização
aparente que duplica o trabalho de teorização” (Bourdieu et al., 1998), obscurece
a capacidade de discernimento do processo de regulação das subjetividades e os
matizes que ressignificam os temas da educação (Krawczyk et al., 1999).
[...]

349
Leitura 4
Mundialização e reforma na educação:
o que os planejadores devem saber

Martin Carnoy (1999)20

Introdução

[...]
A economia globalizada não é a economia mundial que, aliás, é um fenô-
meno existente, pelo menos, desde o século XVI (Braudel, 1979), mas, antes,
uma economia cujas atividades estratégicas, fundamentais — como a inovação,
os capitais, e a gestão da empresa —, funcionam na escala planetária em tempo
real (Carnoy et al., 1993; Castells, 1996).21 E, recentemente, essa globalidade
tornou-se possível, graças aos recursos tecnológicos proporcionados pelas teleco-
municações, sistemas informáticos, microeletrônica e redes informatizadas. Nos
dias de hoje, até mesmo por oposição ao que se passava há vinte anos, tudo se
globaliza: capital, tecnologia, gestão, informação e mercados internos.
A mundialização, associada às novas tecnologias da informação e aos meca-
nismos inovadores suscitados por elas, está em vias de implicar uma revolução na
organização do trabalho, na produção de bens e serviços, nas relações interna-
cionais e, inclusive, na cultura local. Nenhuma população está isenta dos efeitos
de tal revolução que transforma o próprio principio das relações humanas e da
vida social.
Dois dos fundamentos essenciais da mundialização são a informação e a ino-
vação que, por sua vez, exigem uma elevada porcentagem de matéria cinzenta.
As indústrias da informação, internacionalizadas e com acentuado crescimento,
produzem bens e serviços cognitivos. A circulação maciça de capitais, atualmente
operantes, se baseia na informação, comunicação e saber relativamente aos mer-
cados mundiais. E como o saber é altamente transferível, presta-se facilmente à
mundialização.

��
Texto extraído de: Martin Carnoy, Mundialização e Reforma na Educação: O Que os Plane-
jadores Devem Saber. UNESCO, 1999. Reproduzido com permissão da Editora.
21
Na linguagem do espetáculo, o tempo real é “ao vivo”: isso significa que a difusão das
informações é simultânea à sua produção.

350
Se o saber é essencial à mundialização, esta exerce, certamente, um profundo
impacto sobre a transmissão do saber; alguns pretendem que não é bem assim,
colocando em dúvida a capacidade da mundialização para interferir na produção
e transmissão dos conhecimentos influenciados pelas culturas locais (ver, por
exemplo, McGinn, 1997). É verdade que, em muitos países, segundo parece, a
educação evoluiu pouco no nível da escola, inclusive nos países mais ativos no
âmbito da economia mundial e da era da informação. Para além da utilização
pontual do computador na sala de aula, os métodos de ensino e os programas
escolares nacionais têm permanecido praticamente imutáveis: parece, inclusive,
que pouco ou nenhum efeito foi produzido sobre o ensino escolar pela descentra-
lização operada na administração e financiamento da educação, ou seja, um dos
principais aspectos da reforma dessa área associados à mundialização.
Esta obra prova o contrário: afirma que a mundialização exerce um profundo
impacto sobre a educação em planos bastante diferentes e que, no futuro, esse
fenômeno será tanto mais perceptível, quanto mais plenamente for apreendido
pelas nações, regiões e localidades o papel fundamental das instituições educativas,
não somente para transmitir os conhecimentos necessários à economia mundial,
mas também para reinserir os indivíduos em novas sociedades construídas em
torno da informação e do saber.
Para apreciar esse papel, é necessário estabelecer a distinção entre os efeitos
da mundialização, como tal, sobre a educação e os efeitos de uma ideologia estrei-
tamente associada e propícia ao desenvolvimento da economia mundial, segundo
uma certa orientação. Ora, isso não é fácil. Por exemplo, a descentralização na
educação pode ser uma manifestação da mundialização no sentido em que esta
modifica o poder político do Estado. No entanto, a descentralização pode também
ser o fruto de uma ideologia que considera a burocracia estatal como um obstáculo
inerente ao rápido desenvolvimento do setor privado. Para tornar uma política
educativa eficaz em um contexto mundializado, é necessário tentar estabelecer a
distinção entre as consequências da evolução da capacidade do Estado para gerir
eficazmente a educação e as exigências de um sistema ideológico antiestatal que
inclui a descentralização, mas não se limita a esse aspecto; os limites do poder
estatal obrigam a reformar a gestão da educação, mas as reações políticas ideoló-
gicas podem facilmente tornar o sistema educacional menos eficaz.
A análise, apresentada aqui, vai muito além do impacto da mundialização
sobre o meio escolar. O método de ensino aplicado na sala de aula é um aspecto
importante da produção de saber; aliás, parece que a sala é realmente poupada
pela mundialização. No entanto, tal método não representa senão uma parcela do
processo de produção de conhecimento e, em nossa opinião, é sutilmente trans-
formado pelas forças da mundialização. Ao analisar a verdadeira relação entre a
mundialização e as reformas da educação, temos necessidade de saber em que
aspectos a mundialização e seu corpo de doutrinas condicionam a escolaridade,
considerada em todos os seus níveis.

351
Apoiando-nos sobre essa amplíssima interpretação, constatamos que a mun-
dialização tem, verdadeiramente, uma profunda incidência sobre a educação de
cinco maneiras diferentes:
• A mundialização exerce, por toda parte, um real impacto sobre a organiza-
ção do trabalho e a atividade profissional. A progressão fulgurante da demanda
atinge os produtos, cuja fabricação exige um elevado grau de qualificação. Nesse
sentido, o trabalho acaba por se organizar em torno da noção de flexibilidade;
no decorrer de sua vida profissional, os trabalhadores trocam, várias vezes, de
atividade e têm tendência a serem cada vez mais polivalentes. Tal situação se
traduz por uma pressão no sentido de elevar o nível médio de instrução da popu-
lação economicamente ativa e permitir que, mais facilmente, os adultos retornem
a escola para adquirirem novas competências. Por toda parte, são cada vez mais
avultados os créditos alocados ao ensino superior em decorrência das novas
orientações da produção econômica voltada, daqui em diante, para produtos e
procedimentos que exigem um maior volume de saber, mas também porque os
poderes políticos adotam, às vezes, uma política que favorece a desigualdade das
rendas. Por outro lado, a elevação da renda dos funcionários mais qualificados
suscita o aumento do número de pessoas interessadas em ingressar na universida-
de, incitando os Governos a desenvolver o ensino superior, ao mesmo tempo em
que cresce o número de diplomados do segundo grau que estão preparados para
entrar na universidade. Nos países que, anteriormente, eram reticentes na oferta
às moças da igualdade de acesso à educação, a necessidade de uma mão de obra
mais qualificada e pouco dispendiosa propende a aumentar as possibilidades de
instrução da população feminina.
• Assim, os Governos dos países em desenvolvimento são obrigados a aumentar
os gastos com a educação para se dotarem de uma população ativa mais instruída.
Um sistema educacional bem estruturado e trabalhadores mais qualificados podem
contribuir para atrair capitais de financiamento globalizados que desempenham um
papel cada vez mais importante na economia mundial. No entanto, esses capitais
têm, igualmente, interesses econômicos a curto prazo que incitam a restringir a
função do setor público; além disso, tendem a favorecer o setor privado. O corpo
dessa ideologia estimulada pela circulação de capitais globais obriga os Governos
não só a frear o alimento dos gastos públicos com a educação, mas também a
procurar outras fontes de financiamento para garantirem o desenvolvimento de
seu sistema educacional. Esse projeto mais amplo de restrição dos gastos públicos
com a educação corre o risco de impedir os Estados de escolher os meios mais
eficazes de desenvolver e aprimorar o ensino no âmbito da nova economia mundial.
• A qualidade dos sistemas educacionais de cada país é levada, inapelavel-
mente, a comparar-se à dos outros países: as matérias mais conhecidas são as
disciplinas científicas e a matemática, assim como o inglês como primeira língua
estrangeira e as tecnologias da comunicação. Os testes e as normas participam de
um esforço de responsabilização que consiste em computar a produção de matéria
cinzenta e utilizar tais dados para avaliar o desempenho dos gestores da educação

352
e dos professores. No entanto, a maneira de aplicar os testes para “aprimorar a
qualidade” é amplamente influenciada pela conjuntura política e pelos objetivos
do sistema de avaliação. Uma vez mais, para conduzir uma política bem-sucedida
de aprimoramento da educação, convém estabelecer uma nítida separação entre
o conteúdo ideológico e político do programa de avaliação, por um lado, e, por
outro, o conteúdo da gestão da educação.
• A mundialização das redes de informação significa a mutação da cultura
planetária; no entanto, significa também que numerosas categorias sociais se sentem
marginalizadas pelos valores comerciais dessa nova cultura. Elas lutam contra a
globalização da economia pela afirmação de valores culturais que, por sua vez,
podem ter um caráter global (por um lado, o integrismo religioso, por exemplo,
e, por outro, os movimentos feministas e ecológicos pós-modernos), mas que são,
ao mesmo tempo, encarniçadamente opostos à economia de mercado. Trata-se
de um novo tipo de combate sobre a significação e o valor do conhecimento que
acaba repercutindo, também, sobre a organização do sistema educacional.

353
Leitura 5
Globalização e reformas educacionais em
democracias anglo-americanas

Scott Davies e Neil Guppy (1997)22

Na década passada, muitas reformas educacionais cruzaram fronteiras nacio-


nais entre o Canadá, Estados Unidos, Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia23.
Essas reformas incluíram mudanças no currículo, padronização e centralização de
avaliações, educação multicultural e gestão escolar.24 Reformas sob essas amplas
rubricas, enquanto nunca idênticas em conteúdo, foram adotadas simultaneamente
mediante uma rajada de mudanças nas políticas de governos localizados em todo
o espectro político – do social democrático ao conservador – que estão tomando
emprestados modelos de reforma uns dos outros.

O contexto para Mudança

Nessas democracias anglo-americanas, os debates sobre políticas educacionais


estão impregnados com o imaginário da “globalização”. Seja debatendo avaliações,
conteúdo curricular, ou gestão escolar, e independentemente de quem seja parte

22
Texto extraído de: Scott Davies & Neil Guppy. Globalization and Educational Reforms in
Anglo-American Democracies. University of Chicago. Comparative Education Review, Vol. 41,
No. 4, 1997: 435-459. Reproduzido com permissão da University of Chicago Press.
23
O rascunho original deste artigo foi escrito enquanto o autor sênior era pesquisador de
pós-doutorado da SSHRCC na Universidade de British Columbia. Uma versão posterior foi
apresentada no encontro anual da Sociology of Education Association, Pacific Grove, Califórnia,
em Fevereiro de 1996. Em oposição a pequenos refinamentos, consideramos uma “reforma”
como sendo uma reorganização completa em curso de alguns processos ou procedimentos
para alcançar fins específicos ou mudanças nos próprios fins. Permanecemos agnósticos se as
mudanças identificadas são benéficas para algum grupo ou todos eles. Ver Mark B. Ginsburg,
Susan Cooper, Rajeshwari Rahgu e Hugo Zegarra, “National and World-System Explanations
of Educational Reform”, Comprehensive Education Review 34, no.4, 1900: 474-99.
24
Escolhemos estas reformas porque elas são comuns entre as nações. Cada uma delas é
justificada pelos seus proponentes com a retórica “internacionalista” de economias e culturas
emergentes ao redor do mundo, e todas são consideradas importantes por vários comentaristas.
Para discussões gerais sobre essas reformas, ver H. Beare e W. Lowe Boyd, Reestructuring
Schools: An International Perspective on the Movement to Transform the Control and Performance
of Schools (Washington D.C.: Falmer, 1993) e International Handbook of Educational Reform,
ed. Peter Cookson, Alan Sadovnik, and Susan Semel (New York: Greenswood, 1992).

354
do debate (por exemplo, pais, líderes sindicais, políticos e a comunidade pró-ne-
gócios), frases como “aumentar a competição global”, “comércio internacional”, e
“intercâmbio transnacional” dominam. Líderes nacionais frequentemente atribuem
as recessões econômicas em parte aos jovens trabalhadores, que eles declaram
estar mal preparados pela escola para a nova economia global (U.S. Government
Printing Office, 1983). Líderes corporativos e políticos normalmente descrevem a
educação pública como “atrasada” e “fora da realidade”. O assunto globalização
parece contagioso e movimentos de reforma nessas nações compartilham muitos
objetivos. Tendo o Canadá como nosso foco central, mas não único, sugerimos
que essas reformas possam ser compreendidas através das lentes conceituais da
“globalização”.
Em seu nível mais amplo, a globalização se refere à descrição e explicação de
processos sociais que transcendem barreiras nacionais. Por um lado, a globalização
econômica enfatiza os imperativos da competição de mercado e do capital global
através da promoção da convergência de medidas institucionais entre as principais
nações e, consequentemente, entre sistemas educacionais. Operando em escala
global, companhias transnacionais cada vez mais ditam os termos e condições da
prática econômica. Estados-nação têm que reagir mais e mais a essas pressões
e batalhar constantemente para melhorar sua vantagem comparativa que leva a
uma proposição-chave: a teia em constante expansão de relações de mercado
promove uma padronização de sistemas de conhecimento em todos os principais
Estados-nação industrializados. Como os Estados-nação organizam e distribuem
conhecimento através da educação formal, essa lógica implica uma tendência de
convergência dos sistemas escolares dessas nações desenvolvidas.
Por outro lado, a racionalização global, mesmo relacionada aos imperativos
econômicos, enfatiza a ideia de um sistema cultural unitário. Nessa visão, o mo-
delo Estado-nação de organização social difunde processos de racionalização e
padronização. Essa ênfase weberiana em racionalidade, cristalizada principalmente
pelo cálculo dos meios e fins da burocracia moderna, ilustra uma segunda força
abrangente em direção à convergência em sociedades modernas. Essa perspectiva,
apesar de não sugerir que todas as nações estejam se movendo em direção a uma
estrutura monolítica de educação mundial, propõe que sistemas escolares adotem
formas geralmente similares, devido à crescente racionalidade global.
Neste artigo, examinamos se e como esses dois conceitos amplos de globa-
lização explicam a natureza coincidente de reformas recentes no Canadá, Reino
Unido, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. Nossa intenção não é forne-
cer descrições e explicações exaustivas para todas as reformas que discutimos,
nem apoiar alguma reforma em particular. Ao invés de procurar fazer um teste
definitivo de teorias de globalização, queremos construir hipóteses sugestivas
e oferecer algumas conclusões provisórias. Na verdade, já que a intenção das
teorias de globalização é capturar processos internacionais que ainda estão se
iniciando, neste momento, não seria possível obter um teste definitivo.

355
Nosso método é comparativo e qualitativo. Já que não é possível compre-
ender adequadamente a dinâmica das reformas coincidentes com o estudo
de caso de uma só nação, destacamos processos comuns entre cinco nações.
Construímos o nosso argumento resumindo a literatura de pesquisa, suplemen-
tada no caso canadense, por entrevistas feitas com funcionários do governo e
da educação, grupos de reformas, pais, professores, e líderes de sindicato e
de negócios e análises de documentos oficiais de cada grupo.25 Nosso método
difere da análise de grandes conjuntos de dados quantitativos usados por al-
guns pesquisadores neoinstucionais e estudiosos da teoria do sistema-mundo.26
Embora nossas comparações sejam menos sistemáticas devido ao fato de so-
mente cinco nações estarem sendo estudadas, nossos procedimentos mostram
grandes detalhes de cada nação, permitindo uma comparação mais focada em
processos-chave, motivos, retórica e atores. A maior profundidade e a riqueza
de informações complementam, assim, a pesquisa quantitativa.
Com referência à capacidade de generalização dos resultados, suspeitamos
que os processos amplos a que nos referimos e as reações locais a eles são
similares entre a maioria das nações industrializadas. Entretanto, os países
anglo-americanos possuem certos interesses comuns que fazem seu caso dife-
rente. Primeiramente, eles compartilham a mesma língua e têm estruturas de
governança democrática similares, o que facilita uma difusão mais rápida de
ideias educacionais. Em segundo lugar, a proeminência de aspectos multicul-
turalistas nesses países se deriva de seus padrões similares de imigração que
estão enraizados em seus laços de Commonwealth.27 Além do mais, todas as
nações, com exceção do Reino Unido, eram colônias nas quais povos nativos
foram oprimidos, e uma maior atenção às questões dos aborígenes na educação
tem combinado com pressões multiculturalistas contemporâneas. Em terceiro
lugar, essas nações compartilham características que as fazem susceptíveis às
pressões da globalização econômica. O tema da globalização está presente na
maioria de seus discursos públicos, e cada uma dessas nações possui uma
economia de mercado relativamente aberta. Todas são importantes membros
dos novos blocos de comércio tidos como as origens da globalização econô-
mica: Canadá e Estados Unidos fazem parte do Tratado de Livre Comércio
do Atlântico Norte (NAFTA) e de acordos do Pacific Rim; Austrália e Nova
25
Entrevistamos, por telefone ou pessoalmente, 70 pessoas em três províncias (Ontário, Al-
berta e Colúmbia Britânica). Essas entrevistas se concentraram em áreas-chave da reforma,
nas forças motrizes e pressões por trás das reformas, nos indivíduos ou grupos que resistem
às reformas, no ritmo de mudança, na distância entre retórica e implementação, formação de
coalizões e processos de consulta pública.
26
Para uma descrição de abordagens mais quantitativas, ver Francisco Ramírez, “The
Nation-State, Citizenship, and Educational Change: Institutionalization and Globalization”,
em Handbook of Development and Education: Past and Future, ed. Cummings e Noel McGinn
New York: Garland, in press.
27
Uma associação de países principalmente de ex-membros do Império Britânico (N.T.).

356
Zelândia são também membros dos pactos do Pacific Rim, e a Inglaterra é um
membro-chave da União Europeia (UE). Em termos da racionalização global,
todos são importantes membros de organizações internacionais chave, tais como
a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE),
as Nações Unidas e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO). Ademais, historicamente, Inglaterra e Estados
Unidos vêm exportando seus modelos educacionais para o resto do mundo.
Essas cinco nações não estão todas na vanguarda da nova economia global,
porém isso não as desqualifica como países onde o processo da globalização
pode ser estudado. Apesar das democracias anglo-americanas não estarem
aproveitando o embalo econômico da Alemanha, do Japão e das economias
em rápida expansão do sudoeste da Ásia, esse fato, sustentamos, faz deles
candidatos interessantes para antecipar e responder aos processos de globali-
zação. Concordamos com Francisco Ramírez e John Boli, que especulam que
as reformas educacionais são especialmente atraentes para nações que já foram
dominantes economicamente, mas agora estão ficando para trás – onde líderes
nacionais apregoam reformas como parte de uma estratégia de competição pela
liderança econômica mundial com nações como o Japão. Esses líderes nacionais
estão em busca de inovações educacionais para tentar encontrar uma margem
competitiva e restaurar a vitalidade econômica (Ramírez & Boli, 1987).
Enquanto consideramos a globalização uma convincente estrutura para
compreender mudanças pan-nacionais em educação, sustentamos que as
duas versões – globalização econômica e racionalização global – se aplicam
a reformas diferentes e são ambíguas ou vagas em especificar os agentes res-
ponsáveis pela mudança. Além do mais, a globalização não só gera pressões
para a convergência internacional, mas também aumenta a capacidade e ex-
pectativas dos atores locais de produzir mudança, motivando-os a se resguar-
dar contra a homogeneização educacional. Como resultado, sustentamos que
o efeito da globalização na educação é simultaneamente uma centralização e
uma descentralização de autoridade, que reduz o poder dos níveis médios da
administração educacional e o redistribui para os órgãos centrais ou para os
níveis mais baixos, para as escolas e grupos de reformadores.

Globalização econômica

Essa perspectiva se concentra no predomínio do mercado global em dar


forma a reformas educacionais. A mudança social é alimentada pela atividade
de mercado, que está além do controle de governos nacionais. O comércio in-
ternacional intensificado e as prósperas tecnologias da informação conduzem a
uma nova ordem de competitividade produtiva que é qualitativamente diferente.
A política mundial é vista como um reflexo das relações econômicas globais,

357
dos processos de acumulação, de decisões de corporações transnacionais, e
tentativas dos Estados-nação de aumentar sua competitividade. Novas tecno-
logias estão levando à desindustrialização das principais economias, afetando,
de maneira desproporcional, áreas como o nordeste dos Estados Unidos, a
região da ferradura de ouro do Canadá e as Midlands no Reino Unido. Na
perspectiva da globalização econômica, existem visões antagônicas sobre as
mudanças nas habilidades de trabalho e na educação.
A variante neoliberal da globalização econômica propõe que uma nova
alvorada da organização econômica está emergindo, devido a revoluções tecno-
lógicas em microeletrônica, informática, produtos farmacêuticos, biotecnologia
e tecnologia a laser. O forte papel da informação muda o lócus da atividade
econômica da produção material para o processamento da informação. Como
afirma Peter Drucker, antigos fatores de produção – terra, trabalho e capital
– serão eclipsados pelo conhecimento como recurso-chave do próximo século.
Novas fontes tecnológicas encontram-se na aplicação da ciência e tecnologia
para a produção e distribuição. Como reflexo dessa tendência, 20% do produto
nacional bruto (PNB) em países industrializados do Ocidente é utilizado para
a produção e distribuição do conhecimento através da educação, treinamento
no trabalho e pesquisa e desenvolvimento (Drucker, 1995).
Economias nacionais, indústrias e organizações estão adotando formas
de organização “pós–fordismo”. Novas demandas de mercado por produtos
de melhor qualidade e gostos que mudam muito rapidamente inspiram essa
mudança, resultando em unidades menores de produção, produção flexível e
especializada e maior responsabilidade dos trabalhadores (Kumar, 1992; Piore
& Sabel, 1986; Porter, 1990; Reich, 1992). Cada vez mais os empregos de
serviços e de alta tecnologia estão substituindo as ocupações de rotina e de
baixa qualificação, devido ao fato de que muitas atividades antigas estão se
tornando totalmente automatizadas e perdidas para sempre. Em consequência,
as nações industrializadas irão competir por capital de investimento cada vez
mais volátil, enfatizando as habilidades de sua força de trabalho, a capacidade
de inovação de seus cientistas e trabalhadores técnicos e a eficiência de suas
empresas.
O princípio central do argumento neoliberal afirma que as escolas têm que
se adaptar à importância crescente do conhecimento na produção. Do modo
apregoado pelos neoliberais, a escola é a primeira a ser culpada pelo declínio
econômico (entre outros culpados), enquanto que a reforma educacional ofe-
rece respostas para o mercado de trabalho pós-industrial e a economia global
reestruturada, identificadas como o caminho para a recuperação econômica
(Ontario Premier’s Council, 1988; Partido Liberal do Canadá, 1993; National
Advisory Board on Science and Technology, 1991; Steering Group on Prospe-
rity, 1992). O raciocínio é que, com o desaparecimento de trabalhos de baixa
qualificação (devido à automação ou exportação de trabalhos), quase todos os
trabalhos irão exigir uma qualificação mínima que deverá ser fornecida pelas

358
escolas. Além do mais, a globalização está conduzindo a uma nova era de exi-
gência de conhecimento. Currículos focados em relações com o consumidor,
solução de problemas, empreendedorismo e “multi-habilidades” interculturais
são centrais para essa transformação econômica. Empregadores irão recrutar
pessoas com educação abrangente e completá-la com treinamento intensivo
no trabalho.
Neomarxistas contestaram essa visão com veemência, considerando-a um
ataque infundado à educação, que tenta profissionalizar ainda mais o ensino
público e aumentar as desigualdades educacionais (Barlow & Robertson, 1994;
Apple, 1990). Segundo o ponto de vista neomarxista, grandes empresas estão
liderando ataques à educação em um esforço de desviar a culpa da estagna-
ção econômica para as escolas e para longe da indústria, e simultaneamente
permitindo que interesses de empresas reestruturem a educação de acordo
com os seus próprios propósitos. Os neomarxistas afirmam que a globalização
cria pressões para diminuir ainda mais as habilidades e que o resultado final
será de trabalhadores com um nível educacional muito superior ao exigido em
trabalhos de baixa qualificação. Em resumo, a reforma educacional procura
incutir ainda mais valores comerciais e de mercado nos estudantes, ao invés
de atualizar a força de trabalho. Apesar dessas diferenças, as interpretações
neoliberais e neomarxistas dos efeitos econômicos da globalização compartilham
duas proposições empíricas chaves. Ambas interpretações veem as forças de
mercado por trás dessas reformas, e ambas consideram que os atores de clas-
se – corporações, executivos, empresas multinacionais e seus representantes
políticos – são os principais agentes responsáveis pelas mudanças.

Racionalização global

Outros são céticos em relação à declaração de que o capitalismo é o motor


principal da mudança educacional no mundo. Apesar de muitos críticos con-
siderarem fatores econômicos como importantes, alguns afirmam que outras
dinâmicas institucionais não podem ser ignoradas. Uma fonte-chave para essa
visão é o trabalho de John Meyer, Francisco Ramírez e seus colaboradores
(Meyer, 1980; Thomas, Meyer, Ramírez & Boli, 1987; Fuller & Robinson,
1992). Eles afirmam que as ideias de Weber de racionalização inflexível – par-
ticularmente na forma institucional da burocracia e do estado moderno – têm
frequentemente sido tratadas como secundárias, com perspectivas econômicas
falhando em relação ao crescente isomorfismo do modelo do Estado-nação.
Mesmo nas nações periféricas, instituições modernas mostram níveis incrivel-
mente similares de autoridade centralizada, previdência organizada, serviço
militar e sistemas educacionais. Independentemente de seus níveis de desen-

359
volvimento social, os estados afirmaram ter autoridade e responsabilidade por
muitas facetas da vida moderna.
Nesse modelo padronizado de estado-nação, Meyer olha além das pressões
econômicas para incluir o conteúdo cultural do regime mundial. Uma vez que
sistemas educacionais possuem maior homogeneidade do que sistemas econô-
micos, afirma-se que a economia não pode ser a principal força responsável
pela padronização. Ao contrário, processos de racionalização e ideologias
forjaram modelos-padrão de sociedade e estados-nação que moldam a forma
organizacional do estado e de seus objetivos (DiMaggio & Powell, 1991; Boli-
-Bennet, 1979). Por exemplo, Estados-nação modernos buscam o “progresso”
como definido pelos padrões econômicos e sociais mundiais, medidos através
de referenciais como o PIB per capita (Meyer, 1980). A escolarização em
massa tornou-se fundamental para o avanço de missões aceitas globalmente de
justiça social e progresso, e para a promoção do desenvolvimento nacional, do
progresso econômico e da integração social. Como afirma Ernest Gellner, “O
direito à educação é uma parte bem conhecida do panteão de valores moder-
nos... O princípio da educação universal e garantida centralmente é um ideal
mais honrado na observância do que na violação” (Gellner, 1983).
A institucionalização das escolas em formas burocráticas racionalizadas
representa, assim, um segundo motor de mudança conectado às trocas eco-
nômicas competitivas, mas relativamente autônomo em relação a elas. Uma
contínua convergência mundial de sistemas educacionais e currículos é vista
como um fato empírico, um processo em andamento já há um século. Não
somente matérias como matemática, ciências e estudos sociais são padrão,
como também o número de horas-aula dedicadas a cada uma delas é quase
idêntico nos Estados-nação, independentemente do nível de industrialização,
urbanização ou estrutura política do país (Benavot, Cha, Kamens, Meyer &
Wong, 1991). Além do mais, todos os currículos nacionais enfatizam a educa-
ção geral, ao invés da educação profissionalizante especializada, e escolas em
todos os lugares encorajam a participação de todas as crianças, não somente
daquelas das famílias de elite.
Como esse processo ocorre, e onde está a agência responsável por ele? A
crescente similaridade de estados-nação surge em diversas maneiras de acordo
com essa perspectiva. Primeiramente, devido ao fato de que os Estados-nação
devem se associar um ao outro, eles desenvolvem gradualmente métodos-padrão
de interação (ex.: mecanismos de taxas de câmbio e embaixadores) que são
adotados formalmente em organizações globais (ex.: as Nações Unidas, o Fundo
Monetário Internacional – FMI, e a Organização Mundial da Saúde – OMS).
Em segundo lugar, líderes políticos trocam ideais de progresso, tais como o
individualismo, a busca pelo sucesso e a meritocracia. Eles adotam, então,
maneiras similares de promover tais objetivos e, cada vez mais, mensuram sua
a aptidão em relação a padrões globais. Tendo que confrontar incertezas com
relação a como atingir tais objetivos nacionais, os líderes emulam modelos de

360
sucesso para seus programas. Essas ideias são promulgadas por organizações
internacionais tais como as Nações Unidas e o Banco Mundial, promovidas
através de negócios globais e lazer, e instituídas por administradores profis-
sionais nos Estados-nação. Na educação, a OCDE e a UNESCO estão sempre
promovendo padrões internacionais.
Em resumo, os agentes-chave da racionalização são burocratas. A profissio-
nalização do setor público promove a formação de regras normativas de como
melhor atingir certos objetivos nacionais em saúde, nas forças armadas, ou na
educação. Devido ao fato das redes das elites profissionais atravessarem os
Estados-nação, as inovações são difundidas rapidamente nos países através do
compartilhamento de novas técnicas que ajudam os profissionais a confrontar
seus problemas. Tais processos, certamente, não são novos. Durante o século
XIX, profissionais da educação na América do Norte compartilhavam ambições
comuns, liam reciprocamente seus trabalhos, e frequentemente entravam em
contato uns com os outros (Gaffield, 1994). Mas, decorridos cem anos, tais
processos são mais intensos e alcançam agora as regiões mais longínquas do
globo.

Reformas Educacionais Recentes que Refletem a Convergência

Tanto a globalização econômica quanto a racionalização global apontam para


processos de convergência educacional, mas, existirá evidência desses processos
nas reformas educacionais recentes? Sim e não. Em seguida, examinaremos
áreas-chave de reformas que exemplificam as forças globalizantes: [...], currícu-
los voltados para a formação de habilidades para o trabalho e para a avaliação
padronizada.
[...]

A Reformulação do currículo para a formação de habilidades para o


trabalho

As noções de globalização econômica afetam a educação mais diretamente na


área de formação de habilidades, onde os formuladores de políticas estão deman-
dando uma maior proximidade entre a escola e o ambiente de trabalho. Teóricos
da globalização econômica, tanto neomarxistas quanto neoliberais, argumentam
que o novo poder das corporações em ditar políticas governamentais e o crescente
desejo de funcionários do estado de adotar atitudes orientadas para o mercado
estão estimulando reformas nessa área.
Os debates sobre a formação de habilidades tiveram seu maior impacto no
Reino Unido. Apesar dos conservadores de Thatcher terem se encarregado de
quase toda a reforma, foram as críticas do Primeiro-ministro James Callaghan,

361
do Partido Trabalhista, de que as escolas estimulam atitudes antimercado, que
deram início ao debate nacional. Quando os conservadores alcançaram o poder em
1979, eles fizeram da educação um ponto fundamental em sua reorganização da
sociedade britânica e, devido ao relativo declínio da produtividade industrial, não
é surpreendente que o treinamento para o trabalho seja uma pedra fundamental
da iniciativa deles. Dois programas importantes, o Youth Training Scheme (Esque-
ma de Treinamento para a Juventude) e o Technical and Vocational Education
Iniciative (Iniciativa de Educação Técnica e Vocacional), foram introduzidos para
melhorar as transições entre escola e trabalho e dar vida à cultura empreendedora
de escolas secundárias (Rees & Rees, 1988).
Em outros países, as determinações de formuladores de políticas incluem
aumentar as conquistas educacionais da população em geral e reduzir a taxa de
desistência. No Canadá, a iniciativa Stay-In-School (Fique na Escola) representa um
projeto federal para melhorar as habilidades para o trabalho. Uma segunda ênfase
é no “aprendizado para a vida”. Organizações como a OCDE argumentam que a
educação foca em demasia os jovens. Em lugar disso, eles apoiam um aprendizado
ao longo da vida e a regeneração do capital humano (Bengtsson, 1993; Fisher &
Kiellruberson, 1992). A educação ao longo da vida é vista como um pré-requisito
para a emergente economia intensiva em conhecimento, para a qual a educação
inicial como preparação para toda uma carreira já se mostrou obsoleta. Ao invés
de constantemente prolongar a educação pré-trabalho, proponentes dessa posi-
ção argumentam que as nações deveriam focar mais nos estudantes adultos e no
treinamento localizado nas empresas (Corporate Higher Education Forum, 1992;
Conference Board of Canada, 1992; ECC, 1992; Sullivan, 1988). Uma terceira
perspectiva afirma que as escolas deveriam ensinar novos tipos de habilidades
e conhecimento. Currículos, diz-se, deveriam mudar o enfoque da gramática e
da lógica para o uso criativo das ideias, das habilidades transferíveis, da solução
de problemas, empreendedorismo e “atitudes positivas” em direção à educação
posterior e ao treinamento para habilidades mais avançadas (Conference Board of
Canada, 1992; ECC, 1992; Sullivan, 1988). Essas demandas parecem se apro-
ximar dos objetivos de uma educação tradicional liberal, porém, iriam atender a
todos, e não a somente uma elite.
Mesmo se as demandas para o retreinamento de habilidades e para a me-
lhora das escolas forem válidas e mesmo se a retórica tenha ultrapassado a ação
real28, duas tendências são importantes para os nossos propósitos. Primeiramen-

28
Por que as mudanças não foram dramáticas em áreas como treinamento de capacitação?
É importante observar que os sistemas escolares e as estruturas das jurisdições políticas em
relação às escolas podem impedir a mudança. Dale, por exemplo, descreve uma “inércia de
sistemas educacionais” que limita a resposta das escolas a novas exigências. Ver Roger Dale,
The State and Educacional Policy (Toronto: Ontario Institute for Studies in Education Press,
1989: 37-38). Inovações educacionais na Grã-Bretanha foram introduzidas através da Man-
power Services Commission com o programa do Youth Training Scheme (YTS). Entretanto, e
isso é um dos exemplos de por que nos questionamos o alcance de verdadeiras reformas em

362
te, essas iniciativas estão sendo justificadas usando a linguagem da globalização
econômica. Líderes nacionais demandam constantemente novos programas, que
eles irão explicitamente associar a economia global. Em segundo lugar, os atores
políticos em altas posições estão agora atuando mais na educação. A maioria dos
estados nacionais está evitando ter um papel educacional passivo, em favor de
uma intervenção cada vez maior para retificar a estagnação econômica e assegu-
rar a competitividade. O refrão “educação é cada vez mais importante para ser
deixada para os educadores” é debatido em todas as nações que estudamos. Tal
tipo de conversa promove um controle centralizado maior. O poder está sendo
levado para o topo.

Avaliação padronizada

Quase invariavelmente, os reformadores desencantados com a educação


progressista apontam resultados relativamente fracos em resultados de testes
internacionais como uma evidência clara de que as escolas estão fracassando. Na
Inglaterra e nos Estados Unidos, os governos de Thatcher e Reagan usaram tais
resultados para justificar as reformas. Na verdade, os Estados Unidos declararam
formalmente, pela primeira vez, metas educacionais nacionais, prometendo que os
estudantes americanos conseguiriam alcançar o primeiro lugar em testes interna-
cionais de ciências e matemática até o ano 2000. No Canadá, os fracos resultados
obtidos pelos estudantes de Ontário no Second International Mathematics Study
(Segundo Estudo Internacional de Matemática) foram enfatizados no relatório do

torno do treinamento de habilidades, o programa do YTS no Reino Unido é cada vez mais
visto como uma tentativa de administrar problemas de desemprego de jovens, mesmo quando
esse é frequentemente encoberto pela linguagem de treinamento para a nova economia global.
Ver Mike Hickox e Robert Moore “Education and Post-Fordism: A New Correspondence?” em
Brown e Lauder, eds. (n.8 acima):95-116. O registro norte americano defasado em termos
de iniciativas de treinamento de habilidades reflete parcialmente os papéis limitados que o
governo nacional/federal tem na educação, já que a educação lá se encontra principalmente
sob a jurisdição estadual e regional. Ver George Male, “New Development in Educational
Policy in England and the United States,” in the Socio-cultural Foundations of Education and
the Evolution of Education Policies in the United States, ed. J. Van Patten (Lewiston, N.Y.:
Edwin Mellon Press, 1991: 103-32). As províncias canadenses estão sempre alertas quanto
a incursões federais em seu território educacional e, como resultado, nenhum programa
de treinamento nacional contínuo foi implementado. Talvez o exemplo mais claro seja o de
1982-85 da McDonald Commission – the Royal Commission on the Economic Union and
Development Prospects for Canada – em que somente três páginas entre as 2.000 do relatório
tratavam da educação primária e secundária. O treinamento foi deixado em sua grande parte
aos caprichos da indústria e do sistema de community colleges, os quais possuíam níveis desi-
guais de desenvolvimento. Nos Estados Unidos, apesar de um grande descontentamento e de
muitas promessas grandiosas, nem a administração de Bush (o autoproclamado “Presidente
da Educação”), nem a de Clinton fizeram grandes reformas educacionais.

363
Ontario Premier’s Council de 1988. O conselho pressionou por reformas educacio-
nais como parte de uma estratégia para a província reter sua vantagem competitiva
no comércio. Mais recentemente, o governo social democrata de Ontário (o New
Democratic Party) reinstitucionalizou os testes padronizados, apesar da grande
oposição por parte dos educadores progressistas. Como em outros lugares, a re-
tórica da competição econômica foi usada para justificar demandas por mudanças
fundamentais na educação. Repetindo esse tema, o Partido Liberal Federal (Federal
Liberal Party) argumenta que os resultados dos testes mostram que, apesar do alto
gasto com a educação, “existe uma crescente preocupação entre os canadenses
de que o nosso sistema educacional é medíocre, e está fora das metas” (Liberal
Party of Canada, 1993). Demandas de toda a parte por mais e melhores testes
educacionais estão repletas do imaginário da globalização econômica.
Entretanto, esse é, precisamente, o tipo de racionalidade global discutido
por Meyer e seus colegas: nações utilizando padrões internacionais para criar
políticas com o objetivo de alcançar o que nações de “sucesso” estão alcançando.
Na verdade, a mera existência de pesquisa internacional, dados, e padrões de
sucesso educacional deve muito a processos institucionais personificados na lógica
da racionalização global de Meyer.
A utilização de testes padronizados internacionais cria pressão para uma
convergência e centralização educacional, dentro e entre as nações. Tais testes
promovem a uniformização de currículos através de objetivos, metas e padrões
comuns. Além disso, devido ao fato de que a aplicação de testes padronizados
requer uma autoridade central para fornecer liderança e ação, ela provê um
mecanismo para a supervisão de escolas que permite aos estados justificar sua
influência compreensiva, tanto nos níveis regionais quanto nacionais ou até mes-
mo internacionais. Essas reformas têm o efeito de centralizar a administração da
educação, homogeneizando a educação nas regiões e nações.

364
Leitura 6
Prescrevendo as políticas nacionais de educação:
o papel das organizações internacionais

Connie L. McNeely (1995)29,30

A educação tem se constituído em um tema central às concepções de desen-


volvimento e construção de uma nação, e à criação de uma cidadania nacional.
Além disso, considerada como um direito humano primordial, a educação tem
sido retratada como necessária à satisfação das necessidades humanas básicas.
Essa imagem fundamental vem inspirando diversos estudos educacionais com-
parativos entre países, bem como a difusão mundial de ideais, práticas e ideias
relacionadas a esse tema. Atualmente, grande parte do trabalho realizado apresenta
uma perspectiva institucionalista – pela qual se sustenta que muitos dos ideais e
práticas nacionais de educação refletem e respondem aos temas e aos imperativos
internacionais, culturais e organizacionais. Isso se expressa como um processo de
institucionalização, relacionado tanto ao estabelecimento de princípios consistentes
quanto à tendência de que tais princípios orientem o comportamento. Com efeito,
em todo o cenário internacional, estudos comparativos vêm demonstrando ampla-
mente o caráter isomórfico e convergente da educação, bem como das ideologias
e práticas que a apoiam (Thomas et al., 1987; Fuller & Robinson, 1992; Meyer
& Hannan, 1979).
O que agora se necessita é de uma agenda de pesquisa mais geral sobre a
formulação e a transmissão dos ideais mundiais da educação, e também sobre
as prescrições educacionais no nível dos países individuais. Por exemplo, quão
precisamente o sistema educacional atua para determinar nacionalmente a ideo-
logia, a estrutura e a prática educacionais? Quais são as fontes de transmissão e
difusão dos princípios educacionais mundiais? Em que medida tais princípios são,
de fato, adotados pelos estados-membros da comunidade internacional, e quais
são os processos pelos quais isso ocorre? Sugiro que examinar as interações e
as práticas educacionais entre as organizações governamentais internacionais e
os Estados-nação pode ser uma estratégia de pesquisa a um só tempo instrutiva
e também construtiva para responder a essas questões, bem como para elaborar
29
Extraído do texto: Connie L. McNeely. Prescribing National Education Policies: The Role
of International Organizations. University of Chicago. Comparative Education Review, Vol. 39,
No. 4, Nov., 1995: 483-507. Reproduzido com permissão da University of Chicago Press.
30
A autora agradece a William T. Bielby, John W. Meyer, Francisco O. Ramírez e aos revisores
anônimos deste artigo por seus valiosos comentários.

365
mais substancialmente o processo de influência e institucionalização mundial da
educação. Em resumo, meu argumento é de que as organizações internacionais
são importantes facilitadoras do padrão mundial de institucionalização educacional
já documentado.31
Várias organizações internacionais, dentre as quais as Nações Unidas (ONU),
o Banco Mundial (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento)
e, naturalmente, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO), têm a educação como uma área de interesse primordial.
Além disso, dentro do próprio sistema das Nações Unidas, há vários outros
grupos e organizações relacionados ao tema educacional, do que são exemplos
a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Associação Internacional de
Desenvolvimento (AID), a Organização das Nações Unidas para a Agricultura
e a Alimentação (FAO)32 e a Organização Mundial de Saúde (OMS), que, ao
mesmo tempo em que se concentram em áreas específicas, também contribuem
para os esforços internacionais gerais que se fazem em prol da educação.33 Um
dos propósitos dessas organizações internacionais é facilitar o estabelecimento
de uma uniformidade de ideologias, estruturas e práticas por parte dos Estados-
-nação (McNeely, 1989). As organizações internacionais – particularmente as
de congregação potencialmente universal – têm apoiado a disseminação de uma
teoria padronizada de desenvolvimento. Com efeito, a visão mundial da educação
como um meio crucial de desenvolvimento e como um direito humano básico,
juntamente com a notável expansão da educação segundo os modelos mundiais,
tem emergido sob a égide das organizações internacionais (McNeely & Cha, 1987).
Embora a pesquisa em educação frequentemente se baseie em dados coleta-
dos e fornecidos por organizações internacionais, muito pouca atenção analítica
direta tem sido dada ao papel das próprias organizações na institucionalização da
educação. Faz-se necessário examinar a participação dessas instituições como parte
do processo pelo qual o desenvolvimento e a difusão das regras institucionais e
de prestação de contas vêm ocorrendo (McNeely & Cha, 1994). Isso não somente
aumentará nossa compreensão da convergência entre as políticas e as práticas
nacionais de educação, mas também nos ajudará a compreender como, em um
mundo de Estados-nação culturalmente diferenciadas, pode emergir um sistema
com ideais e práticas isomórficas. A institucionalização educacional em um sistema
internacional é um processo complexo, no qual condições e pressões internas e
externas afetam o comportamento dos estados. Tal processo envolve influências

��
Para padrões mundiais de documentação em pesquisa, ver, p. ex., F. O. Ramírez e J. Boli,
“Global Patterns of Educational Institutionalization”, em Thomas et al.
32
Abreviatura do nome inglês desta organização: Food and Agriculture Organization. (N. T.)
33
Há vários outros organismos das Nações Unidas que também são ativos nesta área, como,
por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Escritório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Organização das Nações Unidas para
o Desenvolvimento Industrial, e outras.

366
econômicas e políticas, além dos princípios morais e ideológicos pelos quais as
normas educacionais mundiais são não apenas internacionalizadas, mas também
internalizadas por diversas sociedades ao redor do mundo (Nadelmann, 1990).
Pode-se pensar em políticas como expressões concretas de princípios e ideo-
logias (Ashford, 1977) e, dessa forma, as políticas educacionais são indicadores
institucionais de uma ideologia nacional, representando, assim, esforços movi-
dos com base ideológica, e que procuram afetar a substância educacional. Em
outras palavras, ideais e práticas educacionais originam-se na grande sociedade
(Durkheim, 1956), e os ideais e as práticas educacionais nacionais plausivelmente
derivam do próprio sistema internacional mais amplo. Portanto, um exame que
confronta as políticas nacionais de educação com essas organizações internacio-
nais pode ajudar a esclarecer a relação entre os princípios educacionais estatais
e o sistema internacional. Essa abordagem é particularmente relevante à luz
da referência que usualmente se faz às políticas de organizações internacionais
como sendo “instrumentos para o estabelecimento de padrões”, o que, com efei-
to, serve como prescrições para políticas estatais. Considerando os argumentos
ideológicos correlatos, espera-se que as políticas educacionais nacionais reflitam
o compromisso com princípios globais, conforme prescritos pelas organizações
internacionais. Ou seja, se, de fato, as políticas ou prescrições das organizações
internacionais têm orientado as políticas estatais, podemos esperar um nível ele-
vado e progressivamente crescente de concordância entre ambos. A adoção, por
parte dos países, de políticas comuns em conformidade com as prescrições das
organizações internacionais indicaria um papel saliente desempenhado por essas
organizações no processo global de institucionalização educacional.
Meu propósito aqui é investigar o conteúdo substantivo dessas normas educa-
cionais prescritivas e o seu processo de institucionalização. Embora a maior parte
da discussão concentrar-se-á nas organizações governamentais internacionais,
como as que se originaram de acordos entre governos, também as organizações
não-governamentais internacionais desempenham um papel significativo nesse
processo. Essas ONGs (como, por exemplo, a International Federation of Educa-
tional Associations e a Alliance of Women) tendem a possuir propósitos funcionais
ou instrumentais bastante específicos e, usualmente, seus objetivos incorporam e
representam metas culturais de relevância global, como o progresso e a cidadania
no mundo (Thomas & Boli, 1993).
A estratégia básica nessa exploração implica a conceptualização das decisões e
políticas das organizações internacionais como expressões de princípios e ideologias
mundiais, além da consideração sobre a consistência ou não das políticas estatais
com relação a tais normas. Após uma breve revisão das evidências relacionadas
a este tema e dos resultados das pesquisas educacionais no sistema internacional,
farei, a título de fornecimento de informações básicas, uma discussão das políticas
educacionais dos estados como respostas por eles dadas às organizações interna-
cionais em geral, e às diretrizes da UNESCO em particular. O foco na UNESCO
baseia-se no fato de que a educação é a mais relevante de suas incumbências, e

367
de que, no sistema internacional, a UNESCO é a organização mais importante e
com uma potencialidade universal para tratar especificamente dos temas da edu-
cação. Portanto, com o objetivo de esclarecer essa relação, compararei as metas
e princípios educacionais expressos tanto na constituição da UNESCO quanto
em suas políticas organizacionais, com as declarações de políticas educacionais
nacionais sobre o mesmo tema.
As constituições das organizações internacionais estabelecem princípios de
orientação de conduta dos estados-membros – criando, assim, uma agenda e
uma atmosfera ideológica para a elaboração de políticas (Jacobson, 1984; Be-
nett, 1984). Entretanto, as obrigações e as metas constitucionais são usualmente
expressas em termos tão amplos e abstratos que tornam improvável o surgimento
de problemas concretos de não-cumprimento de tais diretrizes. Além disso, os
propósitos latentes das organizações internacionais nem sempre ficam óbvios a
partir de seus documentos constitucionais ou dos argumentos citados a favor do
seu estabelecimento (Jacobson, 1984). A única maneira de dar uma forma iden-
tificável e um conteúdo específico aos objetivos organizacionais é considerar as
decisões políticas particulares feitas pela organização que as promoveu. Portanto,
pretendo rastrear a ratificação e a adoção nacional de uma das principais deci-
sões da UNESCO, a Convenção contra a Discriminação em Educação, para ter,
assim, uma perspectiva mais concreta sobre a influência política das organizações
internacionais, bem como uma compreensão mais substantiva da relação entre as
organizações internacionais e as políticas educacionais nacionais.

Pesquisas Relacionadas

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tem havido uma extraordiná-


ria expansão dos sistemas educacionais nacionais, sendo que tais sistemas
apresentam uma notável convergência, tanto em termos de ideologia quando
de estrutura organizacional (Ramírez & Boli, 1993). Além disso, uma grande
quantidade de trabalhos acadêmicos sugere que as atividades de diversas orga-
nizações internacionais (como, por exemplo, a UNESCO e a World Federation
of Educational Associations) contribuíram para promover a institucionalização
educacional.34
As recomendações adotadas pelas Conferências Internacionais sobre Edu-
cação fornecem exemplos marcantes de maneiras pelas quais as organizações
internacionais prescrevem a uniformidade nas ideologias educacionais. Tais
orientações “constituem um tipo de carta ou código internacional da educação
pública, um corpo de doutrinas educacionais de escopo e importância muito

34
Veja em McNeely e Cha, (1994), “Worldwide Convergence through International Organiza-
tions”, uma discussão desse trabalho em termos dos mecanismos de influência das organizações
internacionais.

368
amplos”. Essas recomendações, que foram “aprovadas pelos representantes
devidamente autorizados dos governos (...) após cuidadosos exames prelimi-
nares e a apresentação de relatórios detalhados por parte dos Ministérios da
Educação, incorporam não apenas sugestões ideais, mas também sugestões
bem-fundamentadas e factíveis para o avanço educacional”. Elas cobrem
virtualmente todos os aspectos da educação, indo desde a administração e a
organização dos sistemas escolares até as grades curriculares e os processos
de ensino em diversos tipos e níveis de escolas. Além disso, elas têm servido
como uma “valiosa fonte de inspiração e orientação” para os Estados-nação
individuais (Aggarwal, 1971: 156).
K. Lewin, A. Little e C. Colclough (1982) analisaram 29 planos educacio-
nais nacionais entre 1966 e 1985, elaborados para 16 países da África, Ásia
e América Latina. De modo uniforme, esses planos expressam o papel domi-
nante da educação no processo de desenvolvimento e no aperfeiçoamento da
força de trabalho, da igualdade social e da construção nacional. Entretanto, o
estudo também revelou que esses planos governamentais eram consistentes com
as políticas educacionais determinadas pela UNESCO e pelo Banco Mundial.
Além disso, a UNESCO, juntamente com o Banco Mundial, rotineiramente
ajudava ou era consultada no processo de elaboração desses planos, o que
indica a existência de um elo causal entre as organizações internacionais e o
desenvolvimento de planos educacionais nacionais baseados nos princípios e
nos temas mundiais.
Tem havido também evidências de que a estrutura dos sistemas educa-
cionais nacionais da maior parte dos países europeus e de outros, desde o
final do século XIX até o começo do século XX, foi fortemente influenciada
por diversos fatores organizacionais internacionais. Por exemplo, detalhes de
informações teóricas, práticas e técnicas sobre esses sistemas foram trocados
periodicamente em diversas conferências internacionais sobre educação, como
a Exposição Universal de Paris de 1867, a Exibição Internacional de Viena
de 1873 e o Congresso Educacional e a Exibição de Paris de 1889 (Wesley,
1870; Seguin, 1893; U.S. Bureau of Education, 1893).
Outro exemplo está na adoção, pela Assembleia Geral da ONU em 1948,
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proclamou que todos têm o
direito à educação e que a educação elementar deve ser gratuita e compulsória.
Essa declaração, ao expressar o valor mundial da educação pública, exerceu
uma poderosa influência e, de fato, algumas prescrições dessa declaração fo-
ram incorporadas, com seus termos originais, à constituição de muitas nações
recém-formadas (Naumann &. Huefner, 1983). Além disso, a Conferência
Internacional sobre Educação Pública, realizada em 1951 e patrocinada pela
UNESCO e pelo Escritório Internacional de Educação (que opera sob os auspí-
cios da UNESCO), unanimemente adotou uma recomendação (a de número 32)
que reforçava a menção feita pela declaração sobre a educação compulsória.
Essa recomendação – ou prescrição – estabelece princípios e práticas abran-

369
gentes para que cada Estado siga de modo a alinhar seu sistema educacional
nacional conforme as diretrizes expressas pelas organizações. Em 1983, pelo
menos cinco anos de educação eram obrigatórios em 171 países, e somente
28 países ainda não haviam instituído a obrigatoriedade de, ao menos, algum
período de educação (UNESCO, 1985).
O trabalho realizado por J. K. Gordon também indica que as atividades
das organizações internacionais têm tido o efeito de estabelecer códigos de
conduta para os estados. As novas ênfases dos programas de apoio educacional
propostas pela UNESCO, OIT e OMS, têm engendrado mudanças significativas
nas políticas educacionais dos países em desenvolvimento. Essas mudanças
correspondem a “uma diretriz rumo à cultura emergente de um mundo que
(...) está se tornando uma única comunidade” (Gordon, 1980). R. Fiala e A.
G. Lanford examinaram dados sobre a ideologia educacional em 125 países
entre 1950 e 1970, revelando a existência e a intensificação de ideologias
educacionais consistentes com o desenvolvimento e o progresso de nível mun-
dial. A análise por eles feita, e que se baseou em noções de institucionalização,
apontou para a existência de uma adoção generalizada de metas educacionais
conforme expressas nas políticas das organizações internacionais. Além disso,
a UNESCO, de fato, chegou a elaborar as políticas educacionais de vários dos
países pesquisados (Fiala & Lanford, 1987; Meyer et al., 1979).
Em outro estudo, C. L. McNeely e Y. K. Cha (1994) examinaram a resposta
dos Estados-nação à influência exógena das organizações internacionais. Eles
examinaram 108 relatórios nacionais submetidos à 39ª Seção da Conferência
Internacional sobre Educação (CIE), realizada em 1986 em Genebra, para
determinar se os países haviam individualmente declarado ter empreendido
ações relevantes (por exemplo, medidas políticas ou legislativas) com respeito
a quatro recomendações adotadas em conferências anteriores.35 Dos países
respondentes, a maioria havia empreendido alguma ação nacional especifica-
mente em resposta às recomendações, sendo que alguns deles também haviam
complementado políticas relevantes já existentes. Não apenas individualmente
os países estavam conscientes de um ambiente cultural e organizacional mais
amplo, mas também – e o que era mais interessante – estavam, de fato, res-
pondendo a esse ambiente cultural e organizacional mais amplo, representado
pelas organizações internacionais.
[...]

��
As quatro recomendações da CIE são a de número 69 (1975), sobre a transformação
do papel do professor e a influência desse novo papel na preparação para a profissão e no
treinamento dos docentes já atuantes; a de número 71 (1977), a respeito do problema da
informação, tanto no nível nacional quanto no internacional, que surge do aperfeiçoamento
dos sistemas internacionais; a de número 72 (1979), sobre o aperfeiçoamento da organização
e administração dos sistemas educacionais como um meio de elevar a eficiência educacional,
estendendo, assim, o direito à educação; e a de número 73 (1981), que trata da interação
entre a educação e o trabalho produtivo.

370
Leitura 7
As políticas do Banco Mundial:
se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come

Cláudio de Moura Castro (2002)36

Resumo

Para alguns, o Banco Mundial é o braço todo-poderoso do imperialismo.


Outros lamentam que, sem poder, ele é incapaz de influenciar as políticas
dos países com os quais trabalha. Este artigo discute este assunto do ponto de
vista do autor, um ex-empregado tanto do Banco Mundial quanto do Banco
Interamericano de Desenvolvimento e também um servidor público e consultor
ao lado dos que recebem os empréstimos.
[...]

Os bancos são capazes de impor reformas?

Na opinião do autor, essa é a questão crucial a respeito do papel dos bancos


de desenvolvimento. Todas as discussões sobre as condições dos empréstimos
perdem a importância na hora da efetiva implementação dos projetos. Na fase de
discussão dos documentos dos projetos, os bancos costumam usar toda sua influ-
ência, não sendo incomuns manifestações de arrogância. Os representantes dos
bancos defendem seus planos de reforma e há embates formidáveis entre eles e os
negociadores do país em questão. Às vezes, as negociações empacam, quando se
faz necessário estender as consultas a instâncias mais elevadas, não raro sob forte
pressão para o cumprimento dos cronogramas. No fim das contas, no entanto, o
histórico da capacidade dos bancos de fazer cumprir as condições dos contratos
é desolador. No curso de projetos orçados em centenas de milhões de dólares,
e em meio a rígidos cronogramas e licitações, a vontade dos representantes dos

36
Texto extraído de: Cláudio de Moura Castro. The World Bank Policies: damned if you do,
damned if you don´t. Comparative Education. Vol. 38, No. 4, 2002. Pp387-399. Reproduzido
com permissão da editora: Taylor & Francis Ltd, http://www.informaworld.com

371
bancos de interromper as liberações de verbas devido ao não-cumprimento das
condições diminui bastante. O que se conclui daí é bastante claro e não muito
tranquilizador para quem defende a rigidez das condições. Os componentes poli-
ticamente indesejáveis dos projetos vão sendo arrastados, e não se faz muito para
forçar o seu cumprimento. Naturalmente, algum tipo de persuasão moral existe,
porém, penalidades mais sérias são pouco comuns.
S. Heyneman oferece uma visão interessante dos problemas em discussão
no Banco Mundial:
Há duas interpretações diferentes para explicar o que ocorreu de errado com o
Banco na década de 1980. Uma dessas interpretações se refere ao domínio, no
setor educacional, de uma ideologia já sedimentada na América Latina de fazer
operações de ajuste no decorrer dos programas. Essa nova forma de emprés-
timo requeria a existência de um menu sucinto de opções políticas envolvendo
setores sociais. Tais opções, por sua vez, eram frequentemente negociadas por
macroeconomistas completamente alheios ao setor educacional, setor este que
sempre acabava relegado a segundo plano diante das necessidades prementes de
se fazerem consertos rápidos na área macroeconômica. Acreditamos que isso cos-
tumava ocorrer tanto no âmbito dos países quanto do próprio banco. Em outras
palavras, ao se propor um menu abreviado de políticas, frequentemente ele era
discutido primeiro nos ministérios econômicos, e não raro por cima da autoridade
dos ministros da educação. Há também uma outra interpretação, segundo a qual
essas distorções políticas poderiam ter sido evitadas caso se tivesse mantido um
equilíbrio original de poder, ou seja, caso se tivesse obedecido a uma estrutura de
poder idealizada por Robert McNamara, que havia previsto exatamente esse tipo
de distorção. Essa estrutura de equilíbrio de poder preconiza a existência de uma
autoridade capaz de interromper políticas ruins de origem regional. E também
havia autoridade no órgão central capaz de interromper empréstimos ruins. O
Escritório Central de Projetos precisava de autorização para enviar um pedido de
empréstimo ao Conselho do Banco. E nenhum empréstimo iria ao Conselho sem
que os vice-presidentes regionais chegassem antes a um consenso. Tratava-se,
portanto, de um equilíbrio que fazia o banco funcionar. [Entretanto], tal equilíbrio
foi destruído e substituído, pelo Banco, por uma “superautoridade” sobre todos
os outros vice-presidentes seniores, o que (...) permitiu ao centro impor suas von-
tades sobre as regiões (Informe pessoal).
O raciocínio acima leva-nos a uma conclusão contundente: os bancos são
incapazes de impor reformas. Essa foi uma lição dolorosa que o Banco Mundial
aprendeu na década de 1980, quando um terço dos programas de seu portfólio
apresentava um desempenho insuficiente.
Por que isso ocorreu? Porque o banco estava tentando elaborar empréstimos
excessivamente complexos e impor reformas politicamente inaceitáveis. A obser-
vação das experiências passadas fornece uma lição clara, sobre a qual precisamos
ser bastante honestos: os bancos não podem impor reformas. O que eles são ca-
pazes de fazer é identificar os “mocinhos”. Também podem estar antenados para
descobrir onde certas reformas estão sendo preparadas. Porém, o máximo que

372
conseguem é encontrar os mocinhos na hora certa e apoiá-los em seus esforços
em prol das reformas.
Vez ou outra, o Banco Mundial tem tentado vender ou impor reformas; en-
tretanto, isso não tem funcionado. Tempos atrás, a modelagem de um moderno
projeto de reforma costumava ser o principal desafio dos funcionários do banco.
Nos dias de hoje, entretanto, quando os funcionários já sabem como fazer isso,
o desafio real é compreender os países individualmente, e saber até que ponto
eles são capazes de avançar na reforma de suas instituições. Isso não chega a
ser um grande problema em relação a países maiores e mais desenvolvidos, pois
eles tendem a saber o que querem e a possuir a autoconfiança para dizer não a
um projeto que não seja politicamente viável – ou cujo preço político não estejam
dispostos a pagar. Em casos assim, ou os bancos recuam, ou então não existe
projeto. Situações assim, aliás, correspondem ao melhor cenário possível. Porém,
os países menores ou os mais pobres podem estar sendo muito pressionados pela
mão de ferro dos representantes dos bancos, ou pela necessidade de contrair
empréstimos. E somente depois de assinarem o contrato é que seus governos
vêm a perceber que não têm condições de satisfazer todas as condições para sua
execução. Frequentemente, nunca foi sequer sua intenção pagar o preço político.
Isso já aconteceu muitas vezes.
Passando ao largo das discussões sobre o direito dos bancos multilaterais de
impor condições – e, particularmente, quais condições –, podemos nos debruçar
sobre essa questão segundo uma perspectiva puramente pragmática. Do ponto
de vista do autor deste texto, se aqueles que estão incumbidos de implementar
os projetos não gostam das condições impostas pelos bancos, as chances de fazer
com que tais condições se observem são bastante remotas. Será isso então um erro
fatal, fazer das condições um aborrecimento inútil? A resposta é um redondo não.
As condições desempenham um papel bastante significativo, apesar de mais
modesto, nesse processo. As reformas são um cabo-de-guerra na política local. Se
elas fossem fáceis, os bancos não teriam motivo para gastar tanto tempo e dinheiro
para pô-las em andamento. As reformas alteram o equilíbrio de poder. Adminis-
tradores centrais podem perder poder para outras instituições políticas ou para
tomadores de decisão no nível local. Políticos podem ficar sem sua autonomia para
nomear pessoas; professores podem perder alguns privilégios (como aposentado-
rias muito precoces). Portanto, quase sempre, as reformas têm um preço político
– que pode vir a ser muito alto. O que os ministros e outras autoridades ganham
com elas? E o que eles perdem se não as promoverem? Eis duas questões que se
apresentam aos ministros que procedem com racionalidade ao mesmo tempo em
que se veem obrigados a tomar decisões difíceis.
A maioria dos ministros age de boa-fé e tenta fazer o melhor que pode.
Entretanto, bem ou mal, eles acabam se deparando com essas duas questões. É
nesse ponto, sobre as condicionalidades, que entra em jogo o cálculo de perdas e
ganhos. Para começar, é possível transferir o preço político que se terá que pagar
para “o lado mau” do Banco. Com efeito, as próprias “autoridades do lado mau”

373
sugerem ao ministro que os bancos recebam a culpa pelas imposições políticas
de difícil digestão. Essa isca permite ao Ministro evitar certos custos políticos.
Porém, ainda mais importante, supondo que o ministro seja favorável à re-
forma, os bancos são capazes de criar diversos incentivos e sanções. O próprio
empréstimo fornece ao ministério uma enorme quantidade de fundos que não estão
atrelados aos orçamentos. Isso aumenta a visibilidade do ministério, dando-lhe
condições de levar a cabo diversos empreendimentos, adquirir equipamentos e
mesmo permitir-se incorrer em gastos passíveis de agradar níveis inferiores da
burocracia: funcionários melhor treinados, aparelhos de ar-condicionado, compu-
tadores, automóveis, motoristas, etc. Esse dinheiro leve “lubrifica” as engrenagens
da burocracia – porém, chamá-lo de propina seria um grande exagero.
Resumindo, as condições para a implementação das reformas representam um
empurrão extra a seu favor, caso o ministério já esteja quase pronto para pagar o
preço por elas. E o empréstimo em si também traz recompensas vinculadas à sua
contratação. Porém, como já se mencionou, os bancos não são capazes de impor
reformas a um ministério que não esteja preparado para elas. Eles simplesmente
não têm poder suficiente para impor as reformas sobre as engrenagens altamente
burocráticas e pouco responsivas de um ministério social. Com efeito, um ministro
da área social exerce pouco controle sobre a sua própria equipe, mesmo nos casos
em que haja um grande esforço nesse sentido. Tal fato representa um profundo
contraste com as condições impostas pelo FMI – como as que tratam de variações
nas taxas de juros ou de alterações dos requerimentos sobre as reservas dos bancos
privados. Tais imposições usualmente ficam por conta das políticas monetárias, as
quais, por sua vez, encontram-se nas mãos de uma única pessoa capaz de alterá-
-las com uma canetada. Portanto, são imposições fáceis de monitorar, e das quais
a implementação acaba sendo uma decorrência natural.
Esse contraste fica explícito no trabalho de W. Hunter e D. Brown mencio-
nado no início deste artigo37. Com efeito, esses autores constataram que, mesmo
nos países onde o Banco Mundial possui um portfólio muito robusto – alguns dos
quais sendo países pequenos e frágeis –, ele não tem conseguido levar a cabo
políticas de fornecer menos verbas para a educação superior e mais verbas para

37
Nos excertos do artigo mencionado, Hunter e Brown expressam as seguintes opiniões:
“O financiamento promovido pelo Banco Mundial exerce pouca influência sobre as políticas
sociais (...). Altas concentrações de financiamento por parte do Banco Mundial não possuem
virtualmente qualquer impacto sobre a parcela de recursos educacionais destinados à educa-
ção primária (...). Embora o Banco Mundial disponha dos recursos financeiros e dos aliados
tecnocráticos para sustentar a transmissão de suas ideias, frequentemente também entram em
cena outras forças políticas e burocráticas (...). Em última instância, o Banco Mundial pode
pressionar, mas não pode forçar o governo brasileiro a adotar suas recomendações (...). As
forças políticas domésticas prevalecem sobre os elos tecnocratas internacionais, no que diz
respeito à redistribuição das políticas públicas. [E o Banco Mundial] fica sem o pulso político
que, de outro modo, lhe permitiria sobrepujar os interesses velados de setores sociais”. (W.
Hunter; D. Brown, 2000: 126, 129, 135, 138). (N. T.)

374
a educação fundamental, o que é, cabe dizer, uma das orientações políticas mais
fortemente preconizadas pelo Banco nos últimos anos. Esses autores salientam,
corretamente, a falta de poder do Banco Mundial para alterar as políticas locais
e para se impor sobre as camadas intermediárias da burocracia. Portanto, as
evidências empíricas cuidadosamente apresentadas pelos autores desmentem em
um grau significativo as acusações de “grande Satã” que se fazem aos bancos
quando esses impõem políticas a seus clientes.
Essa falta de poder para, de fato, impor políticas que dependem de lentas
máquinas administrativas é bem conhecida pelos agentes e gerentes dos bancos
multilaterais. De fato, a década de 1980 foi de crise e de aprendizagem para o
Banco Mundial, que, desde então, tem diminuído seu furor reformista, e percebido
que é preciso compreender mais os países com os quais se relaciona. Por outro
lado, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que foi muito conser-
vador na década de 1980, tem se tornado mais ambicioso, exigente e engajado
com as reformas. Contudo, sua composição regional permitiu-lhe conservar elos
mais próximos com as culturas e estruturas locais, o que levou, em muitos casos,
a apreciações mais realistas sobre o que é possível implementar no mundo real.

Serão os bancos organizações que aprendem?

Após tantos anos fazendo projetos, parece justo perguntar se os bancos estão
aprendendo com suas experiências e erros. Em outras palavras, os bancos são
organizações que aprendem?
Com essa questão em mente, este autor e um associado (do BID) realizaram
uma análise completa do portfólio de projetos educacionais do Banco Interameri-
cano de Desenvolvimento. O artigo resultante desse estudo nunca foi publicado,
o que é compreensível, considerando-se a natureza sensível do material. Porém, o
que é preocupante, embora não surpreendente, é o fato de que ele nunca recebeu
muita atenção por parte da administração do Banco (embora tenha se transformado
em um best-seller entre os profissionais que nele trabalham).
Os resultados do estudo são surpreendentes em mais de uma maneira. Pri-
meiramente, eles são muito claros, o que não é comum em análises desse tipo. Em
segundo lugar, expõem uma evidente dicotomia nas respostas encontradas, acerca
da questão básica que formulamos. Quando perguntamos se, em um determinado
projeto, é possível encontrar reflexões sobre o que se aprendeu com empréstimos
anteriores efetuados na mesma linha, a resposta era claramente positiva. Cada
projeto tendia a incorporar a aprendizagem e as lições de outros que o antecede-
ram. O BID tende a repetir as histórias de sucesso, ao mesmo tempo em que tenta
consertar os problemas encontrados em projetos anteriores e similares. Portanto,
nesse sentido, o BID é uma organização que aprende.

375
Entretanto, quando nos detivemos na implementação dos programas, a respos-
ta foi exatamente o contrário. Os instrumentos de implementação não parecem se
aperfeiçoar. O que não funcionou antes reaparece no projeto seguinte. Os mesmos
equívocos vão sendo continuamente repetidos. Os projetos empacam exatamente
nos mesmos obstáculos (falta de fundos que deveriam ser proporcionados por
contrapartes, gerenciamento deficiente, falta de liderança, entraves burocráticos e
muitas outras causas recorrentes). Por exemplo, a oferta de programas de treina-
mento em gestão é ingenuamente considerada como uma reforma ou uma melhoria
administrativa. Os procedimentos de controle local são excessivamente compli-
cados. O temor de corrupção traumatiza os pequenos burocratas, que preferem
parar um programa a correr os riscos do surgimento de pequenas irregularidades.
A supervisão ocorre sob um ponto de vista puramente contábil, falhando em ob-
servar erros óbvios de julgamento ao longo do processo. E, o pior de tudo, esses
pontos fracos não geram quaisquer forças capazes de contrabalançar e consertar
o sistema. Os bancos não são organizações que aprendem do ponto de vista da
implementação. Eles se encontram emperrados por procedimentos disfuncionais,
não conseguem detectar problemas e tampouco criar qualquer motivação signi-
ficativa que lhes permita aprender, bem como utilizar essa aprendizagem, com
vistas a se aperfeiçoar.
[...]

376
Leitura 8
Currículos escolares e suas orientações sobre história, sociedade
e política: significados para a coesão social na América Latina

Cristian Cox, Robinson Lira e Renato Gazmuri (2010)38

Introdução

O tema da coesão social tem a educação como um de seus âmbitos funda-


mentais. Independentemente de como seja definida, a coesão social se baseia nas
competências dos indivíduos, características das redes e instituições que constroem
suas relações sociais e representações do comum que, em seu conjunto, integram
simbolicamente uma sociedade. A partir dos três pontos de vista, a sequência
de formação de 6, 10 ou 12 anos da escolaridade obrigatória tem importância
decisiva: a de formar e distribuir socialmente competências e disposições que
facilitam ou dificultam a cooperação; inculcam um imaginário e valores comuns
em que o conjunto dos grupos, classes, etnias e territórios se reconhecem e aos
quais atribuem valor normativo ou os ignoram e rompem.
A última década e meia foi incomparável em função de ativismo público e
privado na educação latino-americana. Os resultados foram a expansão radical
da cobertura e do número de anos de educação alcançados pelas novas gerações,
os processos de descentralização e os critérios de focalização, que impactaram
o modo de atuação do Estado no âmbito educacional, além da onipresença das
reformas curriculares, que buscam modificar a experiência de aprendizagem das
maiorias, adequando-as àquilo que se entende como requisitos da globalização
e da sociedade do conhecimento. Esse conjunto de mudanças já foi questionado
em relação aos critérios de qualidade (ou relevância) e à equidade, mas não do
ponto de vista da coesão social (Gajardo, 1999; PreaL, 2006; Carnoy, 2007;
Schwartzman, 2007).
A indagação sobre coesão é diferente da questão da equidade ou da inclusão.
Enquanto esta tem como foco as relações de desigualdade entre grupos em relação

38
Texto extraído de: Cristian Cox, Robinson Lira e Renato Gazmuri. Currículos Escolares e
Suas Orientações Sobre História, Sociedade e Política: Significados para a Coesão Social na
América Latina In: Políticas Educacionais e Coesão Social: Uma Agenda Latino-americana.
Elsevier, 2010. Reproduzido com permissão da editora.

377
ao conjunto de recursos, ao bem-estar propiciado por eles e as percepções dos
indivíduos ou grupos sobre suas posições relativas no ordenamento social, a coesão
social conduz a um questionamento sobre as características dos vínculos entre os
grupos, que tornam uma sociedade mais integrada e mais propensa à cooperação
que ao conflito. Tais vínculos, como se verá, dependem de características sistêmicas
da ordem (socioeconômica, institucional e cultural) estabelecida pelo conjunto dos
grupos e suas inter-relações (Sorj & Tironi, 2007).
O objetivo deste trabalho é analisar as respostas encontradas pelas reformas
curriculares dos anos 1990 e 2000 para as funções da escola de prover um refe-
rencial simbólico comum a todos os grupos e estratos, chave para a integração ou a
coesão social de uma sociedade. A análise e a reflexão interpretativa se baseiam no
exame dos currículos de formação cidadã, do final do ensino fundamental ao início
do ensino médio, de sete países: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Guatemala,
México e Peru39. A pergunta genérica é se os padrões observados nos currículos
correspondentes contribuem ou não para a coesão social.

Educação e Coesão Social

Duas tradições principais tratam do conceito de coesão social. Por um lado, a


que se centra nos indivíduos, e em suas disposições para a cooperação e o compro-
misso cívico, que dão origem a uma sociedade civil vigorosa. Essa visão surge e se
desenvolve na tradição política liberal e individualista, que vai desde Tocqueville
e sua celebração do vigor do “associativismo” norte-americano de fins do século
XVIII, a Coleman (1987) e Putnam (2000) e à centralidade da “confiança” e das
“redes” em seu conceito de capital social. Por outro lado, aquela na qual a coesão
social é inseparável dos arranjos institucionais que definem uma distribuição mais
ou menos equitativa de recursos e poder, percebida como legítima e detentora,
em sua referência ao Estado e à totalidade de uma ordem, de características
estruturais (Green, Preston & Janmaat, 2006); assim como em sua referência a
significados compartilhados, por sobre as diferenças, um componente básico de
comunidade moral (Durkheim, 1977). Política e historicamente, as referências
nesse caso estão incluídas em esquemas de solidariedade próprios da tradição
social-democrata europeia.
A seguinte análise das relações entre educação e coesão social recorre a ele-
mentos de ambas as tradições questionando-se sobre a experiência educacional
e a formação de competências e disposições dos indivíduos para a cooperação,
a associatividade e a confiança. Não nos interrogaremos, neste trabalho, sobre a

39
Estes foram os países estudados pelo projeto “Coesão Social na América Latina”. Neles,
aplicou-se a pesquisa ECosociAl, 2007. Uma análise detalhada dos resultados se encontra
em Valenzuela et al.(2008). Ver também http://www.ecosocialsurvey.org.

378
distribuição social da educação, que é básica para a coesão social do ponto de
vista societal.40
[...]

Definições Curriculares dos Sete Países: Modelo Comparativo

[...]
Na análise a seguir, tentamos vincular o padrão de semelhanças e diferenças
que emerge das opções e ênfases das prescrições curriculares nacionais observa-
das, com o questionamento genérico de sua funcionalidade para a coesão social.
Recorreremos, para tanto, a um modelo de “posições” aproximadas dos países,
em um espaço definido por dois eixos de significados definidos, cada um, por
polos contrapostos.
O eixo vertical no Gráfico 1 corresponde à dimensão relacional da vida em
comum para a qual o currículo forma. Os polos são Civismo-convivência (extremo
inferior) e Cidadania política (extremo superior). Nesse último, devem-se situar
os currículos que enfatizam os objetivos e conteúdos curriculares referidos ao Es-
tado, a política e as relações dos indivíduos com o sistema político (capital social
ponte), enquanto ao polo de civismo-convivência correspondem os currículos que,
em contrapartida, privilegiam objetivos e conteúdos orientados para formar em
competências para as relações interpessoais, intragrupos, locais e comunitárias
(capital social vinculante)41.42
O eixo horizontal corresponde à dimensão “identidade”. Aqui, os polos são
Afirmação da nação − experiência histórica,43 por um lado, e Valores Universais −
expectativas de sociedade, por outro. Enquanto no primeiro polo devemos situar os
40
Sobre essa dimensão da análise das relações entre educação e coesão social, ver o capítulo
de Cristian Cox em Tironi (2008).
41
No trabalho de Putnam, encontra-se a distinção entre a capital social-ponte (bridging social
capital) e o capital social vinculante (bonding social capital). O primeiro cria redes entre pes-
soas de origens diferentes, enquanto o segundo junta pessoas que compartilham características
sociodemográficas comuns (Nota do Editor).
��
Os dois polos desse eixo correspondem diretamente ao que a pesquisa ECosociAL 2007
distingue e mede por meio das categorias Exclusão (medida por três perguntas sobre relações
com as pessoas que me rodeiam) e Alienação (medida por três perguntas acerca das autoridades
ou das pessoas que dirigem o país). Ver Valenzuela et al. (2008).
43
“(...) a experiência é um passado recente, cujos acontecimentos foram incorporados e podem
ser recordados”; “(...) a expectativa é o futuro feito presente, aponta para o ainda-não, ao não
experimentado, ao que se pode descobrir” (Koselleck, 1993: 338). Para esse filósofo da His-
tória, “(...) na época moderna, vai aumentando progressivamente a diferença entre experiência
e expectativa, ou, mais exatamente, que somente se pode conceber a modernidade como um
tempo novo desde que as expectativas tenham sido afastadas cada vez mais das experiências
realizadas (Koselleck, 1993: 343).

379
currículos que enfatizam uma memória comum, cuja base se encontra no passado
histórico e que se referem à nação como princípio identitário, no polo oposto se
situam os currículos que comunicam uma visão critica tanto do passado quanto do
presente, e que baseiam o referencial identitário mais em uma expectativa futura
ou em um projeto de sociedade do que em sua trajetória.
Como dito, os eixos e seus polos geram um espaço de posições que permite
distinguir entre os currículos dos países e considerar, a partir das respectivas
localizações, as perguntas sobre o significado de cada um para as oportunidades
de aprendizagem funcionais para a coesão social de suas respectivas sociedades.
No Gráfico 1, ordenam-se os currículos dos diferentes países segundo sua posição
em relação aos dois eixos mencionados.44
O México (currículo do ensino fundamental, 1993), que se situa no qua-
drante superior-esquerdo, está na posição mais próxima do polo Afirmação da
nação − experiência histórica, no eixo identidade, e Cidadania política, no eixo
relacional. Como visto, seu currículo destaca explicitamente a nação como prin-
cípio identitário, e determina uma disciplina especial para a cidadania (política),
praticamente com ausência de objetivos e conteúdos sobre civismo e convivência.
Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta que há uma marcada diferença entre
o currículo vigente em 2008 para o ensino fundamental — gerado por uma das
últimas administrações do PRI há 16 anos — e o do ensino médio, definido em
2005 pela administração do presidente Fox, aberto ao multiculturalismo e a uma
visão de identidade menos unitária e primordial45 da nação.
Argentina e Chile se situam no eixo vertical em uma posição mais próxima ao
polo Cidadania-política, embora suas definições abordem ambas as dimensões
do aspecto relacional. No eixo horizontal, situam-se também no centro, embora
mais perto do polo Afirmação da nação − experiência histórica, porque, em seus
currículos, o passado é tratado como definidor da identidade, mas com uma visão
mais crítica que a do currículo mexicano, ao tratar expressamente dos períodos
autoritários e das violações dos direitos humanos, mas claramente valorizadores de
uma experiência histórica mais longa, que os distancia nitidamente dos currículos
do Peru, da Guatemala e da Colômbia. Também tem algo de projeto e aspiração
em suas definições sobre equidade, justiça e desenvolvimento.

44
Esse “posicionamento” dos currículos é aproximado.
45
Termo com o qual a literatura comparada sobre educação cidadã caracteriza a visão tra-
dicional da nação, fundada, segundo Renan (1996), no acordo de lembrar certas coisas do
passado e esquecer outras. Bauman vai além: “Eu enfatizaria um pouco o ponto: o nacionalismo
prescreve que todas as coisas sobre as quais não se combinou que sejam recordadas, devem
ser esquecidas” (Bauman, 1999: 164).

380
Gráfico 1
Orientações nos currículos escolares de sete países latino-americanos:
Diagrama de posições

Cidadania Política

México

Chile
Afirmação da Argentina Valores universais,
Nação e experiência expectativas de
histórica Peru Guatemala sociedade

Brasil

Colômbia

Civismo, convivência

Peru e Guatemala não se distinguem dos países do Cone Sul em relação ao


eixo vertical, mas claramente em relação ao horizontal. Trata-se, em ambos os
casos — mais marcadamente no currículo da Guatemala —, de definições de
objetivos e conteúdos que comunicam uma visão muito crítica de sua sociedade,
em que as expectativas de transformação da mesma e do futuro são os pilares
estruturadores do espaço simbólico comum.46
O Brasil se encontra no eixo vertical em uma posição mais próxima do civismo-
-convivência que da cidadania-política, já que, em seu currículo de educação básica
de 1998, praticamente ignora o sistema político e as relações de cidadania, para
se centrar, quase por completo, nas relações locais e comunitárias. [...] No eixo
horizontal, o currículo brasileiro se situa mais próximo ao polo Valores universais −

46
Parafraseando Koselleck, dir-se-ia que se trata de currículos que entre os dois modos de
ser — a lembrança e a esperança – cuja trama constitui a história, centram-se quase comple-
tamente no segundo (Koselleck, 1993).

381
expectativas de sociedade em comparação com Argentina e Chile, por seu caráter
mais crítico e de transformação sociocultural.
A Colômbia, no eixo vertical, representa o caso mais radical de foco em
relações interpessoais e de sociabilidade primária, como base de criação de con-
fianças e manejo pacífico do conflito, sem referência ao âmbito político. No eixo
horizontal, pode-se considerar seu currículo como na posição oposta à do México:
nenhuma celebração do passado nem do presente: o referencial identitário que
a educação deve trabalhar é, claramente, o das expectativas, o de um processo
de transformação.
Simplificando, pode-se apontar que há duas situações fundamentais em torno
das quais se dão as variações nacionais: i) a do quadrante superior esquerdo, onde
estão México e os dois países do Cone Sul. Estes podem ser qualificados como
tradicionais, por se tratar de currículos em que o referencial identitário é a nação
e sua História, e que tem um foco explícito na formação para a cidadania (capital
social-ponte). Também fica claro que, dentro dessa caracterização genérica, há
uma diferença importante entre o currículo do México e o da Argentina e Chile:
enquanto aquele é “primordial”, em um sentido que nenhum dos outros países
o é, os currículos do Cone Sul apresentam as características de combinação de
elementos que nos fazem situá-los próximos ao centro do espaço de posições; ii) a
do quadrante inferior direito, onde figuram Peru, Guatemala, Brasil e Colômbia,
reunidos por seu silêncio em relação aos significados de “nação” como princípio
de coesão, significado que é preenchido pela referência a valores universais, e
omissão relativa também à História como referência identitária. Adicionalmente,
nesse quadrante, estão os dois casos nacionais (Brasil e Colômbia) cujos currícu-
los praticamente não têm objetivos e conteúdos referentes à cidadania política,
enfatizando, em vez disso, civismo e convivência (ou as capacidades relevantes
para o capital social).

Declínio da Nação como Referencial

A análise dos sete currículos nos leva a concluir que a geração de uma cons-
ciência histórica “nacional”, na maioria dos casos, continua sendo um objetivo
curricular relevante, como quando se fundaram os sistemas educacionais na
região. Não obstante, nessa continuidade, à luz das perguntas sobre os fatores
que, na escola, fortalecem ou debilitam a coesão social, observa-se uma tendência
importante que julgamos necessário discutir.
A definição da comunidade em relação à qual crianças e jovens são educados
para que a sintam como própria, que demanda adesão e lealdade, sem dúvida tem
sido uma das tarefas centrais e clássicas da escola. Historicamente, a referência

382
crucial para essa construção escolar de identidade foi a nação.47 Os currículos da
década de 1990 na América Latina se posicionam claramente em outra perspectiva
em relação à nação, ao Estado e ao patriotismo. Chama à reflexão o quão tênue
é a presença da nação como referência do coletivo nos currículos do quadrante
inferior direito. E quão problemática pode ser sua ausência, porque, se não há uma
construção cultural da nação no sistema escolar, em seu sentido mais profundo
de comunidade de origem e destino, está-se diante do risco de tendências desa-
gregadoras do comum, fortemente presentes tanto na lógica do mercado quanto
no clima cultural valorizador da diversidade.
O que substituiu a nação como referência do imaginário comum nos currículos
escolares aponta, simultaneamente, mais para baixo e mais para cima: “mais para
baixo”, no sentido dos grupos sociais, de base local ou étnica e “mais para cima”,
no sentido de que a Declaração dos Direitos Humanos, em sua universalidade
e precedência sobre as definições de Estados particulares, redefine o lócus da
regulação moral da política, subordinando a nação à humanidade.
Esse “deslizamento rumo ao universal” 48 tem uma gênese mais global que a
de contextos regionais e que a dos países em que essa análise se baseia. Um exame
comparativo recente de tendências do currículo para a cidadania, na Europa e na
Ásia, detecta uma mudança no modelo do bom cidadão: de um baseado somente
em normas coletivas nacionais a um crescentemente baseado em normas trans-
nacionais. Uma análise recente dos currículos e livros didáticos sobre cidadania,
na Europa e Ásia, conclui:
[...] (há) uma virada no modelo do bom cidadão. Se antes esse modelo se baseava
somente nas normas nacionais coletivas, agora se baseia cada vez mais em normas
transnacionais, tal como se reflete tanto no caso europeu (...) como no asiático
(...). A mudança substitui um ensino de Educação Cívica e centrado na nação, por
um no qual os direitos humanos, a democracia e a diversidade são os orientadores
para a vida pública. A formação cidadã destaca o ensino desses valores de amplo
alcance em lugar das estruturas e dos procedimentos administrativos dos Estados
nacionais e locais, que costumavam dominar os currículos anteriores. (Soysal &
Wong, 2006: 146)
A conjunção de influências globais, como as aludidas, com histórias nacionais
e desenvolvimentos específicos dos campos educacionais do caso, compõe uma
trama complexa que, nitidamente, está produzindo, nos currículos dos países, uma
transição de vastas implicações para as bases culturais da coesão social. Para além

47
“A nação é um arco de solidariedades, uma construção política e ideacional que postula
a existência de um “nós” que implica uma demanda de lealdade acima e além de todas as
outras identidades e interesses e que, se já não o tem, frequentemente busca assentar-se ou
definir-se em território delimitado pelo Estado” (O’Donnell, 2004: 165).
��
Expressão de Francois Audigier ao analisar o currículo francês para a cidadania: o des-
lizamento rumo à universalidade fez com que, na Franca, a pátria e a nação, não fossem
referências sistemáticas, obrigadas pelo currículo (Audigier, 1999).

383
das diferenças sistemáticas observadas, há uma mudança de fundo em relação
a como se respondeu tradicionalmente às interrogações básicas: qual o núcleo
simbólico comum que une os diferentes? Como se preparar para interagir com
os distantes? O declínio da nação como referência questiona o poder vinculante
de seus substitutos (valores universais como os direitos humanos ou a cidadania
global). Além disso, a omissão em relação às instituições políticas e à cidadania
de vários dos currículos nacionais estudados questiona frontalmente sua funcio-
nalidade para a coesão em contextos democráticos.
[...]

384
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391
Seção 8
Equidade

Introdução

Ao incorporar os direitos educacionais em uma definição expandida dos


direitos humanos, a ONU contribuiu enormemente para estabelecer a educação
como elemento estruturador da vida humana. Foram vários os passos, começando
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a Convenção contra
a Discriminação em Educação em 1960, a Convenção dos Direitos da Criança em
1989 e a Conferência Mundial in 1990. Através desses eventos, a ONU trabalhou
com sucesso para estabelecer o direito de todas as crianças, independentemente de
suas características pessoais ou origens socioeconômicas, de ter o mesmo acesso
à escola e de receber a mesma educação básica de qualidade. Essas formulações
enfatizam claramente a responsabilidade de todos os países, inclusive dos mais
pobres, de desenvolverem políticas que promovam a igualdade de oportunidades e
a igualdade de tratamento para todas as crianças. Inerente a essa exigência, reside
a tese de que a justiça, a liberdade, a cidadania e o autodesenvolvimento depen-
dem da capacidade do indivíduo e da sua sociedade de se expressarem através
da língua escrita, o que gera a equação entre o direito à educação e a democracia.
Mas há outras razões para os países se preocuparem com a distribuição
igualitária de oportunidades. Ficou cada vez mais evidente que fornecer as habi-
lidades para que todos possam se empregar produtivamente é essencial ao bem
estar individual e social e ao desenvolvimento econômico dos países. Em outras
palavras, se a educação é fornecida para todos em quantidade e qualidade que
permitam uma inserção produtiva na economia, a sociedade só tem a ganhar, por
meio do crescimento da renda individual, da redução da pobreza e da eliminação
gradual das desigualdades que tanto dificultam a integração social.
Esses movimentos explicam porque o conceito da igualdade de oportunidades
educacionais nunca esteve longe das preocupações das reformas educacionais
dos últimos 50 anos e porque todas as agências internacionais, mesmo aquelas
dedicadas primordialmente ao desenvolvimento econômico nos países mais po-
bres, têm atribuído à equidade uma importância igual à da expansão ou melhoria
da qualidade do ensino. Nos documentos do Banco Mundial a partir da década
de 1980, nota-se uma insistência cada vez maior no uso de métodos tanto equa-
lizadores quanto compensatórios para a distribuição de recursos como forma de
amenizar as desigualdades do passado e estabelecer políticas de equidade para
o futuro. E, em quase todos os exemplos de reforma educacional pelo mundo

393
afora, encontram-se declarações a favor da justiça social e ações para amenizar
ou eliminar as injustiças contidas na distribuição desigual de oportunidades e
resultados educacionais. Não podia faltar uma seção neste livro sobre a equidade
como ideia propulsora da reforma educacional, mesmo havendo poucos exemplos
de reforma que procuram esse objetivo exclusivamente.
As reformas empreendidas nos Estados Unidos na década de 1960 na guerra
contra a pobreza constituíram talvez os primeiros exemplos de políticas educacio-
nais que foram além do discurso da esperança por uma sociedade mais igualitária
e experimentaram o efeito compensatório de projetos e programas voltados para
somente uma parte da população, aquela mais pobre e com menos probabilidades
de sucesso educacional. Como tivemos a oportunidade de comentar em seção
anterior, esses esforços se derivaram do movimento a favor dos Direitos Civis, e
se expressaram através de uma série de leis e outros atos legislativos entre 1964
e 1968. O objetivo era fornecer condições educacionais significativamente me-
lhores para a população negra, principalmente do sul dos Estados Unidos para,
nas palavras de uma expressão típica da época, “nivelar o campo de jogo”. Essa
expressão acaba mostrando que o pensamento compensatório era de natureza
bastante simples – bastava criar condições de aprendizagem bem melhores que
no passado, sobretudo nos anos iniciais de escolarização, que os alunos tradi-
cionalmente em desvantagem acabariam competindo de igual para igual com
os outros alunos no novo campo das oportunidades iguais. Essa nova igualdade
educacional se traduziria em maiores oportunidades de trabalho e renda, o que
levaria inevitavelmente à redução da pobreza e da desigualdade.
O primeiro texto desta seção, escrito por Francesco Cordasco, dá uma ideia da
intensa movimentação da década de 1960 no combate à pobreza e traz as primeiras
intimações das dificuldades práticas em resolver desigualdades educacionais secu-
lares. Porém, ao mesmo tempo em que o autor admite as dificuldades, inclui uma
citação que levanta a tese de que o aparente fracasso da educação compensatória
se deve à “indiferença” de parte da população e aos valores submersos da cultura
nacional, que resistiam à igualdade entre os grupos sociais. Por mais intrigante
que seja essa explicação, que remete à história de discriminação racial daquele
país, não há dúvida de que ela é precipitada, fruto de uma análise ainda incipiente
sobre os impactos distintos das diferentes modalidades da educação compensatória
e de uma falta de clareza sobre os diferentes significados da equidade.
A próxima leitura é uma tentativa de clarear a distinção entre os dois senti-
dos principais do termo equidade. Lima e Rodríguez mostram que o termo pode
significar: (a) tratar de forma igual os desiguais ou (b) tratar de forma desigual
os desiguais. Todos os dois tratamentos buscam a justiça, mas têm pressupostos
diferentes. O tipo (a) pressupõe que todos têm direitos iguais e que a essência
da igualdade e de garantir que todas recebam o mesmo tratamento, por respeito
a esses direitos. O tipo (b), por outro lado, é associado às ações compensatórias
ou afirmativas que pretendem corrigir injustiças passadas ou, nas palavras da lei
que criou as cotas para negros nas universidades brasileiras, “inverter a lógica
da estrutura de oportunidades”.
O argumento das autoras é que o Banco Mundial favorece a definição tipo (a)
e que, por trás dessa preferência pelo desenvolvimento social desigual, mas sem
distinções, existe uma resistência à distribuição de oportunidades de acordo com
as condições de raça, casta, gênero e características socioeconômicas dos grupos
desfavorecidos. Aos olhos das autoras, a política do Banco é fruto da sua visão
neoliberal sobre a necessidade do indivíduo ser produtivo e um bom consumi-
dor, e de propiciar a competição e a melhoria na qualidade dos produtos. Nesse
cenário, cabe ao estado subsidiar a educação e propiciar uma aparente igualdade
de oportunidades de aprendizagem, fazendo com que as desigualdades sociais
preexistentes permaneçam inalteradas.
Uma leitura mais atenta dos escritos do Banco e das agências multilaterais
mostra que a tipologia da Lima e Rodríguez já ganhou outra nomenclatura, e
que há um consenso cada vez maior a respeito da necessidade dos governos de
promoverem tanto a equidade horizontal quanto a equidade vertical (Sherman &
Poirier, 2007). Em se tratando de equidade horizontal, o princípio em jogo é que
não deveriam existir diferenças no tratamento de diferentes grupos de alunos e
nem nos resultados dos mesmos. O esforço deveria ser de reduzir as disparidades
de modo que as diferenças nos resultados reflitam somente as diferenças na capa-
cidade de aprendizagem do aluno. Como há o pressuposto de que a capacidade
de aprender e de aproveitar a educação seja distribuída de forma aleatória entre,
por exemplo, os diferentes grupos sociais, isso significa a redução, na medida do
possível, de todas as diferenças derivadas da condição socioeconômica do aluno.
A situação de equidade seria alcançada quando a interferência da classe social
no desempenho do aluno deixasse de existir. O problema está na conexão entre
classe social e as condições prévias de desenvolvimento do aluno, da sua motivação
e a sua capacidade de aprendizagem fora da escola. Por esse critério, se aceita,
portanto, que certas diferenças nos resultados da escola não sejam passíveis de
eliminação completa.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outros grupos cujos membros não têm
qualquer desvantagem a priori e cujos resultados seriam iguais ou similares aos de
outros alunos se não houvesse diferença no tratamento recebido pela escola. Podem
ser incluídos, aqui, os grupos de gênero e também os grupos raciais/étnicos. Há
necessidade de monitorar os resultados desses grupos para verificar a existência ou
não de tratamentos diferenciados que podem se refletir nos resultados alcançados.
A equidade vertical reconhece que, na vida real, os alunos não começam
todos iguais, e que o ponto de partida de um aluno em relação a outro deve ser
levado em consideração em uma análise da equidade. Ou seja, mesmo após a
equalização das condições ou das oportunidades de estudo, os alunos não co-
meçam do mesmo lugar por conta de diferenças anteriores à escola. Nesse caso,
alocar diferentes níveis de recursos para crianças em situações diferentes pode ser
considerado justo. Com isso, um sistema de educação se torna mais justo porque

395
fornece recursos para conseguir resultados similares em determinada região ou
grupo particular de crianças.
Foi exatamente isso que o governo chileno fez quando criou o Programa das
900 Escolas (P-900) no princípio da década de 1990, na volta da democracia
naquele país após 17 anos de ditadura. Na próxima leitura, García Huidobro
reconta a história desse programa, talvez o mais conhecido exemplo na nossa
região de uma política educacional inspirada no preceito da equidade vertical. O
P-900 foi uma ação compensatória a favor dos alunos das escolas e regiões mais
pobres do país com o objetivo explícito de reduzir as disparidades entre as escolas
e regiões chilenas. As 900 escolas da primeira fase do programa representavam
10% de escolas com os piores resultados no Sistema Nacional de Medição da
Qualidade da Educação (SIMCE) e o programa trabalhou por mais de uma déca-
da para melhorar a aprendizagem de alunos da 1ª à 4ª série em leitura, escrita
e matemática, mediante numerosas ações com as crianças e seus professores. A
lógica subjacente foi a de que a qualidade da educação poderia ser medida em
termos dos resultados dos alunos e que, para atingir uma qualidade mínima em
todas as escolas, havia a necessidade de distribuir os recursos entre elas de forma
desigual, num movimento que também pode ser chamado de discriminação positiva.
Talvez não chame tanta atenção as atividades de formação continuada, as
oficinas pedagógicas, os cantos de leitura e os outros materiais pedagógicos forne-
cidos pelo programa na medida em que essas estratégias já fazem parte de políticas
regulares de apoio às escolas. O vital do programa era o esforço concentrado sobre
escolas específicas e, por meio desse tratamento intensivo diferenciado, a criação
de condições de funcionamento para escolas que antes só conseguiam reproduzir
as desvantagens socioeconômicas de seus alunos. Para o autor, o fato de não ter
estendido o princípio da discriminação positiva a outros aspectos do funcionamento
das escolas, como os salários dos professores, reduziu o impacto do programa,
mas os dados fornecidos mostram que os ganhos, mesmo modestos, foram reais.
A leitura de Moura Castro e Carnoy dá outro exemplo de uma reforma inspi-
rada em critérios de equidade. Os autores contam o caso das Escuelas Nuevas das
zonas rurais da Colômbia iniciada na década de 1970. A educação rural em si não
representa necessariamente uma mudança significativa a favor da equidade, mas,
para um país onde a educação rural era quase inexistente, e o que tinha padecia
de sérios problemas, a criação de uma política de intervenção e de investimento
em escolas rurais de qualidade se tornou um exemplo de discriminação positiva
admirável. Famosa na sua época, a reforma das Escuelas Nuevas foi uma tenta-
tiva de equilibrar as oportunidades de aprendizagem com a qualidade do ensino
que logrou sucessos importantes, apesar das conhecidas dificuldades de fornecer
uma educação de qualidade na zona rural. A curiosidade da reforma é que ela
introduziu uma nova disparidade entre os diferentes tipos de escola em termos dos
resultados dos alunos, sendo melhores as Escuelas Nuevas, não só que as escolas
rurais tradicionais, mas também que muitas escolas urbanas.

396
A leitura seguinte de Semeghini nós traz o exemplo da Fundef e sua con-
tribuição incontestável no combate às desigualdades da educação brasileira.
Trata-se de uma política bem-sucedida de equidade horizontal que veio romper
com décadas de desigualdades cristalizadas entre as regiões e as redes de ensino
público através de um mecanismo novo de financiamento educacional. O autor
oferece uma boa descrição das origens e funcionamento do Fundef e mostra sua
essência como um mecanismo redistributivo e equalizador. Ao mesmo tempo, a
leitura deixa claro que o Fundef significou um acréscimo considerável no volume
de recursos disponíveis. O valor aluno/ano aumentou até 117,5% no Nordeste,
sendo os municípios mais pobres os mais beneficiados. O crescimento da matrícula
registrado entre 1997 e 2000 também pode ser atribuído ao Fundef, o que mostra
que uma política de equidade, fundamentada no direito de todos a uma educação
de qualidade igual, pode ter efeitos colaterais positivos na própria distribuição do
acesso e permanência dos alunos na escola.
O segundo exemplo brasileiro de política de equidade, a partir da reforma da
Escola Plural implantada na rede municipal de Belo Horizonte na década de 1990,
preferiu usar o termo inclusão social para descrever o processo de discriminação
positiva a favor dos alunos mais pobres. No texto da Ângela Dalben, encontra-
-se a descrição dessa política de equidade voltada para os alunos com menor
rendimento e maior probabilidade de evasão em função das suas características
socioeconômicas. Na sua essência, essa reforma, chamada de Escola Plural por
tratar a diversidade como uma característica inerente à escola, foi uma tentativa
de promover o desempenho e permanência dos alunos com mais dificuldades de
aprendizagem. Criando uma organização e uma pedagogia que favoreciam os que
tinham mais chance de serem excluídos, a Escola Plural marcou época como um
dos primeiros exemplos da política de progressão automática.
Pela descrição das propostas, mesmo um tanto vagas, percebe-se que a Es-
cola Plural estava voltada para a tarefa de não permitir que o aluno evadisse e
de assegurar-lhe nove anos de escolarização. Por estar focado no aluno de baixa
renda, o resultado desejado foi de uma redução na desigualdade de resultados
e, portanto, no aumento da equidade tanto vertical quanto horizontal. A autora
também descreve as resistências que foram se aprofundando ao longo da década
seguinte até a gradual eliminação da Escola Plural dos pronunciamentos oficiais.
O desempenho inferior da rede municipal em comparação com a rede estadual
do município de Belo Horizonte e a falta de evidências concretas sobre o impacto
da Escola Plural em indicadores de equidade também contribuíram para a perda
gradual de apoio para a reforma.
A última leitura desta seção permite voltar à reforma da educação na Inglaterra
e analisá-la desde o ponto de vista da equidade. Em que medida o governo do
Novo Trabalhismo, ideologicamente mais à esquerda do que os conservadores,
conseguiu introduzir suas preocupações em relação à equidade quando assumiu
a condução da reforma em 1997? O Novo Trabalhismo conseguiu implantar

397
políticas para diminuir as diferenças sociais nos resultados dos alunos, mesmo
em um sistema estruturado por Margaret Thatcher para promover a competição?
Apesar das contradições, o autor Geoff Whitty reconhece os avanços do Novo
Trabalhismo em direção à redução nas diferenças nos resultados de alunos de
origens socioeconômica diferentes. Esse resultado a favor da equidade foi fruto de
um conjunto de ações, incluindo a eliminação da política conservadora de compra
de vagas em escolas privadas, o investimento na redução da relação professor/
aluno, a alocação de recursos adicionais a regiões do país com maiores índices de
exclusão social e ações para melhorar a qualidade de escolas que tradicionalmente
atendiam a clientelas de baixa renda, como o programa Excelência nas Cidades.
O autor também menciona uma variedade de programas para dar assistência a
escolas e alunos com maiores necessidades, para aumentar os contatos entre a
escola e a comunidade e outros tantos cuja estratégia é sempre de diminuir as
diferenças nos resultados dos alunos. Pela lista apresentada, fica evidente que a
política de equidade do governo trabalhista não foi um programa isolado, senão
um conjunto complexo de iniciativas que, aos poucos, aumentou a prioridade dos
mecanismos de equidade horizontal e vertical.
Porém, o autor avalia que nem todos os programas surtem os efeitos desejados.
Na opinião de Whitty, o governo consegue reduzir mais as diferenças entre alunos
de grupos sociais diferentes quando admite a importância de questões estruturais
e culturais e reduz a insistência nos fatores da escola como responsáveis pelas
diferenças de rendimento. O argumento do autor é que, para diminuir as diferen-
ças, não é o suficiente igualar as condições de funcionamento das escolas. Para
reverter a condição dos alunos menos privilegiados, é preciso chegar ao nível do
aluno e criar sistemas de apoio especiais. Com isso, o autor oferece um insight
importante sobre os limites das políticas de equidade vertical. Mesmo focadas nos
alunos menos privilegiados e baseadas em processos de financiamento compensa-
tório, as políticas que atribuem às escolas a capacidade de igualar os resultados
dos alunos nunca apresentarão os resultados desejados.

398
Leitura 1
A guerra johnsoniana contra a pobreza: programas federais em
favor dos pobres nos anos 60

Francesco Cordasco (1973)1

As presidências de John F. Kennedy (1960-1963) e Lyndon B. Johnson


(1963-1968) testemunharam o início e a consolidação de programas amplos de
reforma social interna; os programas que afetam a educação (apesar de estarem
passando por contínuas mudanças) tiveram continuidade durante a presidência
de Richard M. Nixon (1969-19742).
O maior catalisador dessa nova consciência e da intervenção federal direta
foi o movimento em prol dos Direitos Civis e a luta ideológica da qual emergiu a
promulgação do Ato de Direitos Civis de 1964. A principal legislação educacional
promulgada pelo congresso nos anos 60 inclui:
1964 Ato de Oportunidade Econômica (Economic Opportunity Act)
1964 Ato de Direitos Civis (Civil Rights Act)
1965 Ato da Educação Primária e Secundária (Elementary and Secondary
Education Act – ESEA)
1965 Ato da Educação Superior (Higher Education Act)
1966 Ato da Educação de Adultos (Adult Education Act – emendas, ESEA)
1967 Educação Bilíngue (Bilingual Education – Título VII da ESEA)
1967 Ato do Desenvolvimento de Profissões da Educação (Educational
Professions Development Act)
1968 Emendas do Ato da Educação Vocacional (Vocational Education Act)
1968 Ato de Controle e Delinquência Juvenil (Juvenile Delinquency and
Control Act)
Cada um desses atos inclui muitos componentes, e muitos dos atos sofreram
(e estão sofrendo) emendas para atender a novas necessidades. O Ato de Oportu-
nidade Econômica incluiu o Headstart3 e diferentes facetas de programas de ação
1
Texto extraído de: Francesco Cordasco. The Equality of Educational Opportunity. A Bib-
liography of Selected References. New Jersey, Littlefield, Adams & Co. 1973. Reproduzido
com permissão da editora.
2
Ano em branco no original. (N.T.)
3
Programa Federal para financiar programas pré-escolares para crianças de baixa renda. (N.T.)

399
comunitária, como o “Job Corps” 4 e o “Vista”5; o Ato da Educação Primária e
Secundária, em uma ampla gama de artigos (títulos), se comprometeu a atender às
necessidades educacionais de crianças economicamente desfavorecidas (em 1969,
o Ato da Educação Primária e Secundária despendeu US$1,314 bilhão); o Ato
do Desenvolvimento de Profissões da Educação juntou, sob uma única gerência
administrativa, todos os programas relacionados aos profissionais da educação.
[...]
O Título I é o maior componente do Ato da Educação Primária e Secundária
de 1965. Ele fornece fundos para órgãos públicos de educação a fim de ajudá-los
a atender às necessidades de alunos economicamente desfavorecidos. Ao longo
de 1968, terceiro ano de operação do programa, o congresso disponibilizou mais
de $3 bilhões para distribuição por meio do Título I.
Nunca no curso da história uma nação despendeu tanto dinheiro na tentativa
de erradicar a pobreza; e, em reconhecimento da desvantagem educacional so-
frida pelas crianças pobres, nenhuma nação tentou um programa tão ambicioso
de educação compensatória e de reparação.

A Promessa dos Anos 70

Daniel P. Moynihan chamou os anos 60 de “a década devastadora”; certa-


mente, o tamanho dos programas sociais da década criou problemas e fracassos.
Os anos 70 têm sido caracterizados como a década da consolidação:
Ao rotular a década de 70 do século XX, historiadores terão uma ampla gama
de termos descritivos à sua escolha. No campo da educação, no entanto, a esco-
lha não se faz nem um pouco difícil, pois a década foi indubitavelmente a das
crianças desfavorecidas, especialmente a das desfavorecidas e de idade muito
tenra. Apesar dos programas não terem sido formulados e praticados em nenhu-
ma extensão antes de meados da década, a teorização, a pesquisa e a assimilação
de informações disponíveis, que foram os precursores necessários dos esforços
programáticos, já eram feitos com grande fervor desde 1960, aproximadamente,
antes e além dos programas se tornaram operacionais. (...) No começo da década
de setenta, a educação para a criança desfavorecida pode ser descrita como em
um período de consolidação. Os dias fáceis já se haviam ido e, com a partida de-
les, foi-se também um pouco da confusão e da agitação que caracterizaram nossos
esforços por tantos anos. O que restou é mais do que o suficiente para trabalhar e
crescer – ou seja, uma sólida base teórica, no que se refere aos efeitos de experi-
ências nos anos iniciais de vida, uma consciência da necessidade de se procurar
novos conceitos para estruturarem programas operacionais, e o reconhecimento

4
Programa de cursos profissionalizantes para jovens de baixa renda, sobretudo de 16-19
anos. (N.T.)
5
Programa de trabalho voluntário no combate à pobreza. (N.T.)

400
da necessidade de procurar formas de organizar o ambiente de aprendizagem a
fim de sustentar, assim como estimular, o crescimento. Na realidade, a maioria
dos que trabalham seriamente neste campo está aliviada por ter sido removido o
ônus de expectativas irreais. As coisas estão agora sob uma perspectiva melhor.
(Caldwell, 1970)
Qualquer tentativa de avaliar os programas significa o confronto com uma
literatura extensa e em expansão (Cordasco, 1970; Weinberg, 1970; Alloway &
Cordasco, 1970); mas alguns grandes pontos de referência estão disponíveis.6

Epílogo

Os Estados Unidos da América celebram seu bicentenário em 1976. Quase


desde a gênese de sua história nacional, os americanos têm lutado com os pro-
blemas de implementação dos ideais dos fundadores da nação.
É nas escolas que a sociedade tem procurado laboriosamente a emancipação
de seus cidadãos; e os programas que vêm sendo articulados pela sociedade a
partir da Guerra contra a Pobreza têm se comprometido (apesar de inadequada-
mente) com a erradicação do racismo, com o estímulo ao orgulho étnico e com
a autenticidade de oportunidades educacionais iguais para todas as crianças. A
consciência advinda do Movimento pelos Direitos Civis, o desmantelamento legal
dos sistemas de escolas segregados, e os programas intervencionistas em favor
dos pobres nos anos 60 atestam a maturidade da sociedade americana, o que é
um bom augúrio para o futuro:
A promessa de uma educação compensatória era substancialmente para reparar
desigualdades existentes entre a educação de ricos e a de pobres, mas seu fra-
casso até agora se faz evidente a partir das experiências da década passada. Por
quê? Por que nossa nação não podia ou não queria cumprir esse compromisso?

A educação efetiva de crianças desfavorecidas é um objetivo genuinamente pre-


zado por uma grande proporção do povo americano, embora seja patente que
muitos dos nossos cidadãos são indiferentes ou se opõem à sua realização. De

6
Ver Edward L. McDill, et. al.. Strategies for Success in Compensatory Education: An Appraisal
of Evaluation Research. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1969. Sobre o Título I (ESEA),
ver Education of the Disadvantaged: An Evaluative Report on Title I, Elementary and Secondary
Education Act of 1965. Fiscal Year 1968. Washington: Government Printing Office, 1970.
Sobre o “Headstart,” ver Victor G. Cicirelli, et al., The Impact of Headstart on Children’s Cogni-
tive and Affective Development. Westinghouse Learning Corporation and Ohio University, 1969.
Observa-se também um aumento da literatura em relação ao controverso trabalho de James
Coleman, et al., Equality of Educational Opportunity. Washington: Government Printing Office,
1966, sobre o qual recomenda-se ver um artigo especial da Harvard Educational Review, v.
38 (Winter, 1968). O “Resumo” do “Coleman Report” foi reproduzido por F. Cordasco, et
al., The School in the Social Order. Scranton: International Textbook, 1970.

401
fato, há aqueles que advogam abertamente um tipo europeu de “educação de
classes” limitada para as crianças dos pobres... Poderia ser, apesar de profissões
que dizem o contrário, que essa negação do objetivo da igualdade educacional
reflete os valores que, de fato, estão comandando a nossa nação?

A instituição de ensino é uma unidade interativa e altamente dependente de toda


a sociedade, decisivamente influenciada pelos valores prevalecentes. Consideran-
do os recursos sem precedentes que a nossa nação pode e de fato disponibiliza na
busca dos que são objetivos prioritários – como no espaço, no Vietnã, na produção
de munições –, nossa persistente incapacidade em desenvolver bons programas
escolares para a maioria das crianças pobres necessariamente levanta a questão
sobre a posição desse objetivo dentro da nossa escala de valores nacionais.

A educação compensatória, depois de uma década de desenvolvimento, é cerca-


da por muitas questões importantes a respeito da teoria e práticas educacionais.
Mais fundamental para seu desenvolvimento futuro, porém, é saber se a educação
efetiva de crianças desfavorecidas é – ou pode se tornar – um valor essencial da
sociedade americana. (Wilkerson apud Hellmuth, 1969-1970: 34)

402
Leitura 2
Políticas educacionais e equidade: revendo conceitos

Silvia Peixoto de Lima e Margarita Victoria Rodríguez (2008)7

[...]

Múltiplos significados

[...]
Nota-se que, ora o conceito [de equidade] é entendido como em tratar de forma
igual os desiguais (igualdade de oportunidade, por exemplo), ora em tratar de forma
desigual os desiguais (dar mais a quem tem menos). Atente-se que não se trata de
um jogo de palavras, mas de conceitos que orientam as políticas públicas que se
implementam referenciadas nessas concepções. A aplicação prática de “tratar de
forma igual os desiguais” produz resultados diferentes de “tratar de forma desigual
os desiguais”, e esse é o conceito de equidade que consideramos correto, pois, de
alguma forma, isso pode contribuir para resultados mais igualitários.
Nas sociedades capitalistas, não obstante o risco de arbitrariedade, políticas
de cunho equitativo podem ser uma forma de buscar igualdade. Observemos,
por exemplo, o caso da política de cotas para negros nas universidades. Essa,
embora não esteja regulamentada, tem sido utilizada por algumas Instituições
de Ensino Superior (IES) como ações afirmativas. Bittar e Almeida (2006), em
artigo sobre pesquisa realizada na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(UEMS), referente à política de cotas adotada por essa IES, explicam que, apesar
de sermos a segunda maior população negra do mundo, apenas 2,8% de alunos
negros concluem o ensino superior. As autoras chamam atenção para a situação
de desigualdade existente também no Estado de Mato Grosso do Sul e para o fato
da Assembleia Legislativa Estadual, após reivindicação dos movimentos sociais,
aprovar por unanimidade a proposta de implantação de cotas na UEMS. Citam
como justificativa para tal proposição o fato da desigualdade entre negros e brancos
estar relacionada a fatores de discriminação e estruturais como o educacional,
acarretando oportunidades de menor prestígio no mercado de trabalho para os

7
Texto extraído de: Silvia Peixoto de Lima e Margarita Victoria Rodriguez. Políticas Educacio-
nais e Equidade: revendo conceitos. Contraponto, Vol. 8 No.1 p53-69, Itajaí, jan/abr 2008.
Reproduzido com permissão das autoras.

403
negros. “Nesse sentido, é preciso que o Estado invista em políticas públicas afirma-
tivas, invertendo a lógica da estrutura de oportunidades, que está profundamente
marcada por práticas violadoras de direitos e de discriminações baseadas na raça”
(Lei nº 2.605, 2003 apud Bittar; Almeida, 2006: 194).
[...]
Essas políticas representam a tentativa de romper com uma situação de de-
sigualdade entre negros e brancos e são feitas dentro do princípio da equidade,
entendida aqui como “tratar de forma desigual os desiguais”, e não como igualdade
de oportunidades (tratar de forma igual os desiguais), considerando que isso só é
possível após o ingresso no meio acadêmico. “Tratamento desigual”, pois o processo
de classificação é particularizado entre aqueles que se identificam como negros,
e não universalizado (vestibular para todos), viabilizando o acesso desses ao meio
acadêmico. É importante lembrar que o processo seletivo se dá da seguinte forma:
Os candidatos que aspiram a uma dessas vagas submetem-se às mesmas provas
dos candidatos às vagas gerais e são avaliados da mesma forma e com os mesmos
critérios de nota. Assim, o argumento de que a universidade receberá desqualifi-
cados e despreparados torna-se frágil. A diferença consiste no fato da inscrição;
ao se corrigirem as provas, eles serão classificados separadamente e, os que ob-
tiverem notas necessárias para aprovação, ocuparão as vagas. (Bittar; Almeida,
2006: 198, grifo nosso)
Terminado o curso, poderíamos dizer, ainda que teoricamente, que o profis-
sional teria oportunidades iguais de ingresso no mercado de trabalho. É evidente
Essa crítica que isso não é suficiente para criar condições de igualdade substantiva em nossa
refere-se ao
trabalho de
sociedade e nem poderia ser, já que este não é o objetivo do modelo econômico
doutorado da vigente. É, contudo, uma forma de reduzir desigualdades, uma vez que o merca-
Ana Luísa do globalizado exige cada vez mais qualificação profissional e formação contínua
para manter-se inserido no trabalho, sobretudo naqueles de melhor remuneração.
Posto isso, passamos a analisar a forma como o conceito de equidade é uti-
lizado pelo Banco Mundial, influenciando a elaboração da maioria das políticas
educacionais no Brasil.

O Banco Mundial e as políticas educacionais

No processo da reestruturação capitalista, os Bancos Multilaterais de Desenvol-


vimento, enquanto financiadores e orientadores de políticas educacionais nos países
da América Latina, têm desempenhado com supremacia o papel ideológico de
propagadores do neoliberalismo. Políticas sociais e especificamente educacionais,
embasadas no conceito de equidade, terão diferentes compromissos, conforme
a concepção que se faça dessa. Isso pode ser evidenciado no Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial 2006: “Equidade e Desenvolvimento”, produzido pelo
Banco Mundial.

404
O Banco faz franca distinção entre igualdade e equidade, salientando que,
“[...] embora campos de atuação mais equilibrados possam produzir menor de-
sigualdade de desempenho educacional, condições de saúde e renda, o objetivo
da política não é a igualdade de resultados finais” (Banco Mundial, 2007: 15).
A equidade não significa a igualdade de renda ou de situação de saúde ou qual-
quer outro efeito específico. Pelo contrário, é a busca de uma situação em que as
oportunidades sejam iguais, ou seja, em que o esforço pessoal, as preferências e
a iniciativa – e não as origens familiares, casta, raça ou gênero – sejam responsá-
veis pelas diferenças entre realizações econômicas das pessoas. (Banco Mundial,
2006, s/n) individualismo
Destaca a importância das diferenças de renda no fornecimento de incentivos
para investimentos em educação e capital físico para trabalhar e assumir riscos,
afirmando que a ação pública deve se concentrar em oferecer igualdades de
oportunidades econômicas, e não na desigualdade de rendimentos. “Do ponto
de vista da equidade, a distribuição de oportunidades é mais importante que a
distribuição de resultados” (Idem, 2007: 16).
[...]
Para o Banco, a educação deverá ser o grande divisor de águas, possibilitando
o desenvolvimento de cada um a partir de suas capacidades e, consequentemente,
acarretando o desenvolvimento social, embora não de forma igualitária. Nesse
modelo social, a desigualdade tem papel fundamental, pois motiva a competição
entre os homens. O Banco, porém, reconhece a improdutividade daquilo que
chama de “armadilha de desigualdade”, a qual, segundo ele, é perpetuada pelas
elites e internalizada pelos grupos marginalizados, impedindo os pobres de sair
da pobreza, sendo que essa situação impede o desenvolvimento sustentável. Isso,
entretanto, pode ser resolvido com políticas que contribuam para a transição da
“armadilha da desigualdade” para:
[...] um círculo virtuoso de igualdade e crescimento por intermédio do equilí-
brio do campo de atuação – com maior investimento nos recursos humanos das
pessoas de mais baixa renda; acesso mais amplo e mais igualitário aos serviços
públicos, à informação e aos mercados; garantia de propriedade para todos; e
mercados mais justos. (Banco Mundial, 2007: 15)
Sob essa ótica, para o Banco, romper com o círculo da desigualdade exige
o investimento nos recursos humanos, reforçando a concepção defendida pela
teoria do capital humano, na qual a educação deve potencializar a capacidade de
trabalho do indivíduo para atender o mercado. Além disso, o acesso à informação
deve ser incentivado, mantendo os trabalhadores em constante formação e, é claro,
empregáveis. Dessa feita, o homem tende a buscar o bem-estar que, para essa
corrente, significa capacidade de consumo, a qual só pode se realizar por meio do
mercado. E é ele que deverá garantir a prestação dos serviços públicos, cabendo às
pessoas escolherem livremente de acordo com suas possibilidades, onde consumir.
Consequentemente, no parecer dos neoliberais, haverá mais competição, gerando

405
mais qualidade no fornecimento dos produtos. Ao Estado compete subsidiar a
educação, apoiando a iniciativa privada, salvaguardar a liberdade de mercado, o
direito à propriedade, intervindo na ordem social somente “quando se encontram
em perigo seus fundamentos” (Bianchetti, 2001: 81).
Para o Banco, investir em educação é a melhor forma de aumentar os re-
cursos e a capacidade de trabalho dos pobres, sendo que consegue com essas
políticas promover de fato aquilo que ele entende por equidade “à custa do em-
pobrecimento dos setores médios urbanos, sem afetar as camadas de alta renda”
(Coraggio, 2001: 78).
Dessa maneira, quando os organismos multilaterais nas sociedades capitalistas
de modelo neoliberal, em especial o Banco Mundial, falam de equidade na formu-
lação das políticas educacionais, o fazem na perspectiva de oferecer “oportunidade
iguais às pessoas de baixa renda, aumentando sua contribuição econômica para
a respectiva sociedade, reduzindo a própria pobreza” (Banco Mundial, 2007).
Ou seja, o Banco não fomenta políticas que promovam a equidade no sentido de
buscar igualdade social (tratar de forma desigual os desiguais). O Banco presta
assessoria para que os governos trabalhem com a categoria de equidade no sentido
de tratar de forma igual os desiguais, buscando diminuir as diferenças sociais e
possibilitando aos pobres a melhoria da sua condição financeira para ter acesso a
bens e serviços nas sociedades capitalistas. Dessa forma, realimentam o sistema
e mantêm a (des)ordem estabelecida.

406
Leitura 3
O Programa das 900 Escolas e as escolas críticas no Chile: duas
experiências de discriminação positiva8

Juan Eduardo García-Huidobro S. (2006)9,10

Apresentação do Programa das 900 Escolas

Descrição do Programa
O “Programa das 900 Escolas” (P-900) iniciou-se em março de 1990, no
dia seguinte ao da posse do presidente Aylwin11, num momento em que o Chile
voltava à democracia após 17 anos de ditadura12. Essas circunstâncias marcaram
o P-900 com um caráter emblemático: foi a primeira ação de política educacional
na democracia, voltada para os mais pobres, e foi também o primeiro espaço que
se abriu aos educadores para iniciar uma mudança longamente esperada, algo que
despertou um grande entusiasmo nas pessoas que participaram desse programa.

8
Neste texto, o autor recorre a apresentações feitas anteriormente, em especial, a realizada
juntamente com Celila Jara e Carmen Sotomayor, e publicada no livro Trayectoria de una
Década (Ministério da Educação do Chile, 2002).
9
Texto extraído de: Juan Eduardo García-Huidobro S, Programa de las 900 Escuelas e Escue-
las Críticas (Chile). Dos experiencias de discriminación positiva. Banco Mundial, Washington.
2006. (Disponível em http://info.worldbank.org/etools/docs/library/235965/D1_Progra-
ma_de_las_900_EcuelasCriticas.pdf) Reproduzido com permissão do autor.
10
Juan Eduardo García-Huidobro foi quem desenhou e primeiro coordenou esse programa
(1990-1992), com o qual manteve vínculos até o ano 2000.
11
Patricio Aylwin foi o primeiro presidente após a era Pinochet, e tomou posse em 11 de
março de 1990, cumprindo seu mandato até 1994. (N. T.)
12
O referido programa foi viabilizado através de doações feitas pelos governos da Suécia e da
Dinamarca, como parte de um movimento de solidariedade internacional objetivando apoiar
a transição para a democracia no Chile.

407
Propósito
O Programa se propôs a melhorar a aprendizagem de meninos e meninas que
frequentavam as escolas gratuitas do ensino básico, localizadas em áreas rurais
ou em áreas urbanas de extrema pobreza nas 13 regiões do país. O programa
concentrou suas ações nos 10% dos estabelecimentos que apresentavam um maior
risco educacional: as escolas com os piores resultados na prova do SIMCE13, que
se aplica aos quartos anos dos ciclos básicos a cada dois anos14. Seu objetivo
era o de aperfeiçoar a aprendizagem das crianças da primeira à quarta série nas
áreas de leitura, escrita e matemática, que constituem a base fundamental para as
demais aprendizagens. Para isso, desenvolveram-se ações com as crianças e com
seus professores, distribuíram-se materiais educacionais e efetuaram-se reparos
nos estabelecimentos em pior estado de conservação.
O programa baseou-se em um diagnóstico claro e em uma visão compartilhada
sobre as “novas metas da educação chilena”: a qualidade (entendida como nível
de aprendizagem) e a equidade (entendida como uma igualdade real de oportuni-
dades, o que supõe uma discriminação positiva a favor daqueles que se encontram
em situação mais frágil)15. Esse critério de focalização se deu em quatro níveis no
P-900: ele selecionou os 10% das escolas mais necessitadas, concentrou-se no
primeiro ciclo da educação básica (do primeiro ao quarto ano), apoiou a aprendiza-
gem das habilidades culturais básicas – leitura, escrita e introdução à matemática
– e, por último, proporcionou um reforço especial aos meninos e meninas que,
por ocasião do terceiro e do quarto anos, apresentavam atrasos de aprendizagem.
[...]

13
O Sistema Nacional de Medição da Qualidade da Educação (SIMCE – Sistema Nacional de
Medición de la Calidad de la Educación) funciona no Chile desde 1988 e, desde então, tem
aplicado, a cada dois anos, provas de rendimento escolar em castelhano e matemática a todos
os alunos do quarto e do oitavo anos da educação básica.
14
O nome do “Programa das 900 escolas” vem deste fato: há 9000 escuelas básicas no Chile,
de modo que 10% delas correspondem a 900 estabelecimentos.
15
A partir da década de 1960, o Chile viveu um processo sustentado de aumento da cober-
tura do sistema educacional, embora com uma grande desigualdade nos resultados. Ao fim
da década de 1980, enquanto que, nos estabelecimentos pagos, os resultados das provas
do SIMCE atingiam até 80% de respostas corretas, nas escolas subvencionadas, esse valor
chegava a 55%, descendo até 34% no caso das escolas rurais. A categoria “estabelecimentos
subvencionados” cobre no Chile o conjunto de escolas que recebem financiamento público
para funcionar; em 1990, dois terços delas eram administradas pelas prefeituras, e o terço
restante por patrocinadores privados. Sobre o diagnóstico e as orientações políticas fundamen-
tais expressas no P-900, pode-se consultar o PIIEE (1984) e García-Huidobro, J. E. (Editor)
(1989), principalmente em sua conclusão (p. 200-275).

408
Principais linhas de ação
1. Oficinas de Professores. O centro da estratégia do Programa das 900
Escolas foram as Oficinas de Professores, entendidas como uma instância de
aperfeiçoamento em serviço (formação continuada) dos docentes do primeiro ao
quarto ano básico das escolas beneficiadas. A função básica dessas oficinas era
elevar a capacidade técnica dos professores a fim de que se alcançasse também
uma aprendizagem efetiva por parte dos estudantes. Esse aperfeiçoamento abor-
dou a metodologia de ensino de leitura, escrita e matemática nos primeiros anos
da escola e ofereceu enfoques e metodologias para favorecer a compreensão do
entorno cultural dos alunos e propiciar as relações escola-comunidade.
Essas oficinas realizavam-se semanalmente, abrindo um espaço habitual para
um trabalho técnico participativo e autônomo dos docentes. Nelas, professoras e
professores refletiam sobre seu trabalho, analisavam as dificuldades encontradas
no processo de ensino-aprendizagem e buscavam ferramentas adequadas à sua
superação. As oficinas permitiram aos docentes apropriarem-se de sua prática
pedagógica, como um domínio no qual podiam ser inovadores, e sobre cujos
resultados tinham uma responsabilidade profissional.
2. Oficinas de Aprendizagem. Originalmente, as Oficinas de Aprendizagem
foram uma experiência de educação comunitária realizada no Chile desde o iní-
cio da década de 1980 e que, com o P-900, foi incorporada às escolas16. Nelas,
atendiam-se crianças do terceiro e do quarto anos básicos que apresentavam atraso
escolar. Trabalhava-se com grupos de 15 a 20 crianças, conduzidos por jovens
monitores da comunidade17. Funcionavam no horário adicional ao da escola duas
vezes por semana.
As atividades das oficinas procuravam reforçar o ensino escolar, além de,
sobretudo, elevar a autoestima e a criatividade das crianças, através de uma me-
todologia ativo-participativa que incorpora o jogo como elemento educacional18.
Uma característica do P-900 foi uma interpretação do ganho de aprendizagens e
do fracasso escolar que incorporava não somente aspectos pedagógicos e didáticos,
mas também aspectos sociais e psico-sócio-afetivos. Essa visão esteve particular-

��
Trata-se de uma experiência educacional surgida durante os anos da ditadura, como parte
de uma tradição distinta da escolar – a educação popular –, e apoiada por uma instituição
não-estatal, o Programa Interdisciplinar de Pesquisas em Educação (PIIE – Programa Inter-
disciplinario de Investigaciones en Educación) (Vaccaro et al., 1989 e Vaccaro, 2006).
17
Os monitores eram jovens de 18 a 22 anos, selecionados pelo(a) diretor(a) e pelos docentes
da escola, e capacitados pelos supervisores e técnicos do Ministério da Educação chileno. Os
monitores recebiam uma bolsa durante os seis meses do ano em que funcionavam as Oficinas
de Aprendizagem, num valor correspondente a cerca de US$100 mensais.
��
Além disso, para realizarem trabalhos escolares, as crianças recebiam cadernos especiais,
com os quais podiam exercitar, em casa, aquilo que haviam aprendido na escola. Os monito-
res dedicavam parte de seu tempo para visitar as famílias das crianças e incentivar os pais a
ficarem atentos às realizações de seus filhos na escola.

409
mente presente nas oficinas de aprendizagem, que, em seu apoio aos meninos e
meninas que haviam experimentado o fracasso escolar, recorreram a atividades
mais lúdicas e centradas em aspectos distintos da aprendizagem escolar, como
nas artes e nas habilidades físicas. Geraram, assim, espaços alternativos, nos
quais aqueles que haviam antes fracassado em atividades estritamente acadêmicas
puderam experimentar o sucesso. Além disso, ao substituírem os professores por
jovens, as oficinas ofereceram aos meninos e meninas uma relação pedagógica
distinta daquela em que eles haviam fracassado, e abriram, às crianças com
problemas na escola, a oportunidade de viver experiências oriundas de outras
relações bem-sucedidas, as quais interrompiam seu quadro de fracasso escolar e
permitiam-lhes superar sua baixa autoestima19.
3. Apoio aos professores-diretores. Elaboraram-se materiais educacionais para
que os diretores das escolas trabalhassem com seu respectivo corpo docente a
concepção e a implementação de um projeto de melhoramento da escola, que in-
tegrasse as diversas linhas do Programa e facilitasse a participação de professores,
pais e alunos20. Além disso, desenvolveu-se uma linha de capacitação de diretores
em Gestão Educacional. Essas atividades orientadas para os diretores, juntamente
com as Oficinas de Professores, buscaram criar as condições para que, nas escolas
participantes, se constituísse uma equipe docente capaz de agir com um sentido
de compartilhamento e de conduzir o aperfeiçoamento educacional (um lema que
às vezes se repetia era: “Nesta escola, todas as crianças aprendem”).
4. Material didático. Cada uma das atividades do programa fez-se acom-
panhar de materiais de apoio21. Assegurou-se a todos os alunos do primeiro ao
quarto ano básico os textos necessários à prática dos exercícios fundamentais22.
Cada sala dos dois primeiros anos básicos recebeu uma biblioteca de aula com
40 livros infantis. As escolas também receberam materiais didáticos de apoio ao
ensino de linguagem e de matemática. Além disso, todas as escolas igualmente

19
Esta orientação se expressou também nas Oficinas de Professores, que tentaram contextualizar
as didáticas da linguagem e da matemática no entorno cultural dessas escolas, e propuseram
aos docentes uma revisão de suas atitudes acerca da pobreza e da cultura popular.
20
Esses materiais educacionais abordavam os seguintes temas: Vocação e Identidade da Escola,
Qualidade da Educação, Avaliação Participativa, Responsáveis e Alunos.
21
As oficinas de professores contaram com manuais de trabalho sobre linguagem e matemá-
tica, e as oficinas de aprendizagem com manuais para os monitores, além de materiais de
trabalho para as crianças.
��
Entre as várias ações do P-900, pode-se citar: melhoramentos na infraestrutura das escolas,
fornecimento de textos escolares, de bibliotecas de aula e de material didático para o ensino
de linguagem e matemática. Essas ações se incorporaram em 1992 ao programa MECE Básica
(Programa de Mejoramiento de la Calidad y Equidad de la Educación básica) e se expandiram
a todas as escolas gratuitas do país; entretanto, as escolas do P-900 continuaram recebendo
materiais adicionais em conexão com as temáticas tratadas nas Oficinas de Professores.

410
receberam gravadores portáteis e um sistema de reprodução de materiais (xerox
ou mimeógrafo) para utilização no processo de leitura e escrita23.

A Gestão do Programa
O “Programa das 900 Escolas” foi uma atividade do Ministério da Educação
do Chile, realizada através de seu sistema de supervisão técnico-pedagógica, como
uma ação de assessoria e apoio às escolas. Em seu início (biênio 1990-1991),
o P-900 foi visto como um programa transitório e emergencial, possível graças
a doações internacionais, e destinado a apoiar de imediato as escolas em maior
situação de risco, enquanto não se implementavam políticas mais globais. Não
obstante, pouco a pouco, o próprio P-900 passou a fazer parte dessas políticas.
Inicialmente (1990-1992), a condução do programa esteve a cargo de uma
equipe técnica nacional, com três profissionais encarregados da gestão, três espe-
cialistas na área de ensino da linguagem e três outros no ensino da matemática.
Adicionalmente, contou-se com o apoio de profissionais de outras repartições do
Ministério. A gestão das oficinas de aprendizagem realizou-se por meio de uma
equipe de profissionais do PIIE (Programa Interdisciplinario de Investigaciones en
Educación – Programa Interdisciplinar de Pesquisas em Educação)24 e a avalia-
ção do programa esteve a cargo do CIDE (Centro de Investigación y Desarollo de
la Educación – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação). Em cada
uma das 13 regiões do país, as Secretarias Regionais do Ministério da Educação
nomearam um Coordenador Regional do Programa que o gerenciou em sua
respectiva região. Foram os supervisores técnico-pedagógicos das 40 Diretorias
Provinciais existentes no país que levaram semanalmente o programa às escolas
selecionadas. Esses supervisores foram capacitados de forma intensiva pela equipe
técnica durante os primeiros anos do programa.
O critério para selecionar as escolas foi seu resultado de 1988 na prova do
SIMCE no quarto ano do ciclo básico; entretanto, além disso, fizeram-se reuniões
com os supervisores de cada Departamento Provincial, para corrigir a lista inicial
por meio do conhecimento direto que esses profissionais possuíam das escolas25.
23
É fundamental para as crianças de camadas populares vivenciarem a funcionalidade do
aprender a ler; um procedimento simples é gravar contos, de modo que a criança possa olhar
para o livro e escutar o conto. Também importante para o estabelecimento de um elo entre a
cultura oral da criança e de seu ambiente com a cultura letrada da escola, é a possibilidade
de que as crianças contem contos, que esses sejam gravados e que depois se transformem em
“textos”, para uso das crianças.
24
Com efeito, essa equipe de profissionais do PIIE criou as Oficinas de Aprendizagem no
começo da década de 1980, implementou-as em diversos lugares no país, como parte de
processos de educação popular e elaborou os materiais que vieram a se adaptar ao P-900
(ver Vaccaro, L., 1989).
25
Na seleção dos estabelecimentos, excluíram-se aqueles muito pequenos (com quatro professo-
res ou menos), os quais foram atendidos por um programa especial, o Programa de Educação
Básica Rural, iniciado em 1991.

411
O Desenvolvimento do Programa
Abrangência
O programa procurou atender aos que dele mais necessitavam, e com uma
intensidade tal que esse apoio assegurasse um melhoramento das escolas por
ele atendidas. Dada a capacidade limitada do sistema de supervisão, bem como
suas outras responsabilidades, achou-se prudente restringir a atenção a uma
quantidade próxima de 900 escolas por ano (Quadro 1)26. As escolas saíam do
programa à medida que superavam as médias regionais do SIMCE, dando, assim,
lugar a outras, de modo a satisfazer o critério inicial (que era pertencer aos 10%
de estabelecimentos de mais alto risco em sua respectiva região). Desde o seu
início até o ano de 2000, o “Programa das 900 Escolas” apoiou cerca de 2500
estabelecimentos27. A metade deles era rural; não obstante, 74% das matrículas
atendidas eram da área urbana.

Quadro 1
Abrangência do “Programa das 900 Escolas”

1990 1991 1992 1993 1994 1995


Escolas 969 1.278 1.123 1.097 1.060 988
Professores 1ª a 4ª 5.237 7.129 6.494 5.406 5.626 5.135
Professores 5ª a 8ª            
Alunos 1ª a 4ª 160.182 219.594 191.451 170.214 165.758 152.326
Alunos 5ª a 8ª            
Monitores 2.086 2.800 2.500 2.350 2.300 2.186
Crianças nas oficinas
34.000 50.000 40.000 38.000 35.000 32.900
de aprendizagem

26
Este número, somado às 3350 escolas com menos de quatro professores atendidas pelo
Programa de Educação Básica Rural, correspondia a 50% das escolas e a 15% das matrículas.
27
No triênio 2001-2003, a cobertura do programa aumentou, variando entre 1300 e 1450
escolas (aproximadamente 16% das escolas subvencionadas).

412
Quadro 1 (continuação)

1996 1997 1998 1999 2000


Escolas 900 862 893 913 909
Professores 1ª a 4ª 4.806 4.414 4.720 4.833 4.838
Professores 5ª a 8ª     5.442 5.575 5.577
Alunos 1ª a 4ª 141.316 137.689 141.463 145.389 145.920
Alunos 5ª a 8ª     119.672 123.264 123.720
Monitores 1.802 1.745 1.800 1.826 1.818
Crianças nas oficinas
28.000 26.000 36.000 36.520 36.369
de aprendizagem
Fonte: Programa 900 Escuelas

Até 1997, o P-900 atendia somente ao 1º ciclo da Educação Básica. Desde


1998, entretanto, ele passou a incluir um ano de pré-escola e também o segundo
ciclo da Educação Básica, que vai da quinta à oitava série. Isso significou passar
de aproximadamente 140.000 alunos e 5.000 docentes atendidos para cerca de
305.000 e 11.000, respectivamente, o que equivale a 11% dos alunos e a 9% dos
docentes da educação básica subvencionada. Além disso, a cada ano se concedeu
uma bolsa de estudos e capacitação a cerca de 1800 monitores comunitários que
trabalharam nas Oficinas de Aprendizagem28.

Resultados do Programa
Será analisado/dimensionado, agora, o impacto do “Programa das 900 Esco-
las”, com base nos resultados dos alunos das escolas participantes nas avaliações de
aprendizagem e também nas contribuições dadas pelo programa ao melhoramento
das escolas e ao financiamento do sistema educacional.

Melhoramento da aprendizagem
Um estudo de avaliação finalizado no ano 200029 mostrou que o “Programa
das 900 Escolas” contribui para a equidade do sistema, no sentido em que os
alunos das escolas participantes do programa aumentam mais suas pontuações
28
Entre 1990 e 1999, passaram pelo P-900 aproximadamente 12.000 monitores, a metade
dos quais permaneceu durante mais de um ano no programa.
29
O documento intitulado Evaluación del Programa de Mejoramento de la Calidad de las Escue-
las de Sectores Pobres P-900 (Avaliação do Programa de Melhoria da Qualidade das Escolas de
Setores Pobres P-900) foi resultado de uma pesquisa realizada em 1999-2000 pela Santiago
Consultores y Asesorías para el Desarollo e publicado pelo Ministério da Educação em 2000
(Santiago Consultores et al., 2000). Houve várias avaliações anteriores (ver a Bibliografia);
de modo que esta última beneficiou-se de ter podido considerar as pesquisas anteriores, e
também de ter sido a mais global.

413
no SIMCE da quarta série do ensino básico, comparado com os alunos de ca-
racterísticas similares estudando em escolas que não participaram do programa.
Essa análise foi feita para cinco subperíodos de permanência no programa: 1990,
1991-92, 1993-94, 1995-96, 1997-99 (Quadro 2).

Quadro 2
Variação Relativa na Pontuação do SIMCE Escolas P-900 vs.
Escolas não P-900 (grupo de controle)

1991 e 1993 e 1995 e 1997 a


Ano 1990
1992 1994 1996 1999 *
Geral 0,8 3,56 -0,89 -0,43 0,22
Pontuação inicial < 50 0,82 5,12 1,38 0,06
50 - 59,99 0,3 2,64 -0,1 0,01 1,61 **
60 - 69,99 n/d 0,77 -2,52 -0,86 -0,62
70 - 79,99 n/d -2,72 -4,36 -1,3 -2,45
Dependência Mun. 0,9 3,58 -1,02 -0,33 0,17
Part. Subv. 0,26 3,43 -0,2 -0,87 0,42
Matrícula < 100 -1,48 3,41 -1,72 -1,7 0,2
100 - 299 1,09 3,28 -0,66 0,01 0,55
300 ou mais 0,8 3,88 -1,04 -0,71 -0,18
Fonte: Evaluación del Programa de 900 Escuelas (Santiago Consultores et al., 2000).

* Variação na pontuação do SIMCE 1999 e seu equivalente para 1996. Lembre-se de


que a pontuação da escala 1996-99 não é totalmente comparável com a dos períodos anteriores.
** Corresponde à classe de pontuação inicial <60 pontos no SIMCE.

Os resultados mostram três situações: o impacto foi muito elevado no início


do programa (1990-92); nesse período, o P-900 era o único programa que estava
a cargo do sistema de supervisão; o impacto passa a diminuir a partir de 1993
(1993-1996), momento em que se inicia um importante conjunto de interven-
ções sobre a totalidade das escolas (MECE Básica)30. Essas intervenções também
passaram a ser de responsabilidade da mesma equipe de supervisores que antes

30
O Programa de Mejoramiento de la Calidad y Equidad de la Educación básica (MECE-
-Básica) do Ministério da Educação do Chile, começou a ser executado em 1992 e terminou
em 1997. Seu objetivo foi o de atender integralmente as escolas básicas financiadas pelo
poder público. Suas linhas de ação contemplaram a melhoria de condições e de insumos para
o ensino (informática educacional, investimentos em infraestrutura, em textos, etc.), um fundo
de projetos a serem desenvolvidos pelas escolas e escolhidos por meio de concurso e, por fim,
as intervenções em grupos específicos de escolas, com base no Programa Rural e no P-900,
que se incorporou, portanto, a esse esforço maior.

414
se dedicava quase que exclusivamente ao “Programa das 900 Escolas”, algo que
se traduziu em uma perda de perfil do P-900. O impacto volta a ser positivo em
1996-99, o que foi produto de uma reorganização do conjunto de ações voltadas
para o ensino de nível básico.31

Conclusões do “Programa das 900 Escolas”

Nestas conclusões, resumem-se alguns achados do Programa das 900 Escolas


que podem ser úteis por ocasião de se desenharem e realizarem políticas similares.

Um programa bem-sucedido
Observado tanto do ponto de vista geral quanto de cada um de seus com-
ponentes, pode-se considerar que o P-900 é um programa bem-sucedido, e que
se apresenta como uma linha de ação política que vale a pena explorar no caso
de programas de discriminação positiva voltados para conjuntos de escolas que
estejam colocando em risco a aprendizagem de seus alunos. Em seus dois mo-
mentos de maior êxito, o bom resultado se associa à claridade de propósitos (foco
e focalização) e à disponibilidade de um pessoal dedicado de modo especializado
à realização do programa.

Alguns aspectos problemáticos


1. O P-900 foi pensado como a “unidade de tratamento intensivo do sistema”,
no sentido de haver alguns casos entrando (doentes), e outros casos saindo (sau-
dáveis). Esse ponto foi um dos mais controversos e obriga que se pensem futuros
programas desse tipo como um primeiro passo de uma estratégia progressiva,
através da qual alguns casos iniciam o processo objetivando atingir as condições
básicas de funcionamento e rendimento de uma escola, ao passo que outros casos
avançam mais, na tentativa de obterem progressos maiores e mais complexos.
2. Outra lição institucional do P-900 é a necessidade de se atingir um equi-
líbrio entre um apoio semelhante dado a todas as escolas e uma estratégia mais
diferenciada, que forneça também ajudas distintas a tipos distintos de escolas.
3. O critério de discriminação positiva deve ser transversal às políticas; junto
com programas de apoio às escolas de maior risco, requer-se que a discriminação
positiva se expresse em outros domínios: o financiamento da educação; o tratamento
salarial dos docentes; a gestão dos diretores.
[…]

31
Uma avaliação referente aos anos seguintes (2001-2003) e realizada por uma equipe da
Universidade Católica do Chile, constata que o funcionamento do Programa, segundo a opinião
dos beneficiários (professores e diretores) continuou melhorando. (Martinic et al., 2005).

415
Leitura 4
Como anda a Reforma da Educação na América Latina?

Claudio de Moura Castro e Martin Carnoy (1997)32

[...]

As Escuelas Nuevas da Colômbia

Numa região que não se destaca por progressos na área da educação, o


movimento da Escuela Nueva representa um grande contraste. Ele revitaliza a
educação rural e resgata a ideia de escolas com classes multisseriadas. Também
pode ser considerado uma importante experiência de descentralização escolar.
A reforma da Escuela Nueva teve início em 1975 com o objetivo de ampliar
o acesso à educação básica nas áreas rurais da Colômbia e melhorar a qualidade
do ensino. Começou como um projeto experimental de um grupo de professores
rurais, com o apoio financeiro de ONGs. Desde então, transformou-se num pro-
grama oficial do governo e se estendeu, das 500 escolas iniciais, a mais de 17 mil
— quase a metade das escolas rurais da Colômbia. As escolas procuram ministrar
um curso primário completo de cinco anos em áreas onde talvez não houvesse
alunos suficientes para justificar um professor para cada série. As Escuelas Nue-
vas são, portanto, classes multisseriadas, com um ou dois professores por escola.
A passagem dos alunos de uma série a outra é flexível, mas não automática, e
é feita de acordo com o ritmo de cada um. As atividades individuais dos alunos
são combinadas a atividades em pequenos grupos, onde os alunos mais velhos
auxiliam os mais novos. Manuais de autoinstrução orientam os trabalhos indivi-
duais e em grupo, e são acompanhados de manuais do professor. Outra parte
integrante das Escuelas é uma pequena biblioteca com dicionários, livros-texto e
livros infantis. O treinamento do corpo docente é efetuado por meio de três cursos
de uma semana durante o primeiro ano escolar e de workshops de acompanha-
mento, sempre que necessário, em “microcentros”. Os centros estão instalados
nas escolas-demonstração que são consideradas exemplos especialmente bons da
metodologia adotada pela Escuela. Além disso, espera-se que as Escuelas funcionem

32
Extraído de: Claúdio de Moura Castro e Martin Carnoy. Como Anda a reforma da Educação
na América Latina. Tradução de Luiz Alberto Monjardin e Maria Lúcia Leão Velloso de Maga-
lhães. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. Reproduzido com permissão do autor.

416
como pontos de apoio e de reunião para a comunidade vizinha. Espera-se também
que certas atividades comunitárias sejam realizadas em conjunto, por professores,
alunos e pais, inclusive a elaboração de um calendário agrícola e uma descrição
socioeconômica e cultural da região (MacEwan, 1995).
Duas avaliações diferentes das Escuelas Nuevas revelam que seus alunos têm
um desempenho significativamente melhor na 3ª série e um pouco melhor na
5ª série do que os alunos das escolas rurais tradicionais (Psacharopoulos et al.,
1994; MacEwan, 1995). Isso é especialmente digno de nota porque um terço
das Escuelas Nuevas não dispõe das bibliotecas requeridas e metade não utiliza
os livros didáticos, em parte porque alguns estados e outros financiadores não
lhes destinaram os recursos necessários. As Escuelas Nuevas consomem mais
recursos do que as escolas rurais tradicionais. Têm menos alunos, em função de
seu relativo isolamento, e ainda assim requerem um mínimo de pessoal. Assim,
produzem melhores resultados e têm índices menores de evasão escolar, a um
custo mais elevado (MacEwan, 1995). Contudo, poder-se-ia argumentar que, em
locais menos isolados, os custos relativos das Escuelas seriam menores, enquanto
os resultados acadêmicos continuariam sendo melhores.

417
Leitura 5
FUNDEF: corrigindo distorções históricas

Ulysses Cidade Semeghini (2001)33

Introdução

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de


Valorização do Magistério (Fundef) vem sendo reconhecido como um vetor de
autêntica revolução nas condições de oferta do ensino fundamental no Brasil.
Derivado de uma ideia extremamente simples, seu grande mérito, enquanto
política pública, é a universalidade. Pela primeira vez em décadas, concebeu-se
um instrumento capaz de induzir transformações onde estão de fato os alunos e
professores, na totalidade das redes de ensino, e não apenas em alguns pretensos
polos de excelência no interior de cada rede. Suas raízes devem ser buscadas na
Constituição de 1988 e no caráter descentralizado dessas redes de ensino nacio-
nais, historicamente muito desiguais.
A vinculação de 25% das receitas de Estados e municípios e 18% das re-
ceitas da União à educação, estabelecida pela Constituição, contemplou antiga
reivindicação dos professores e profissionais da área. Mas essa vinculação não foi
suficiente, como se desejava, para garantir o financiamento adequado ao ensino
obrigatório, tampouco para trazer maior transparência e equidade ao gasto público
correspondente. Ao mesmo tempo em que faltava a muitos Estados e municípios
um planejamento estratégico para o gasto desses recursos, inexistiam, no País,
mecanismos eficientes de controle e fiscalização dos dispêndios com a educação
pública. Apesar de a Carta Magna ter aberto aos municípios a possibilidade de
organizar seus próprios sistemas de ensino, sem a orientação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada em 1996, os gestores desses
recursos podiam aplicá-los com grande flexibilidade: podiam gastar tudo com
educação infantil, financiar bolsas de estudos para alunos estudarem na rede
particular ou adquirirem formação sindical, ou ainda transportar estudantes do

33
Extraído de: Ulysses Cidade Semeghini. Fundef: Corrigindo Distorções Históricas. Em Aberto,
Brasília, v.18, n.74, 2001: 43-57. Reproduzido com permissão da editora. (Disponível em:
http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1127/1026.)

418
ensino superior, por exemplo, bem como respaldar despesas que nada tinham a
ver com a área de educação.
Como cada escola está sujeita à capacidade de arrecadação da instância de
governo à qual está subordinada, cristalizaram-se os contrastes regionais e as
diferenças entre redes estaduais e municipais de ensino. Essa distorção se tornou
ainda maior com o processo de descentralização desencadeado a partir da década
de 80 e representava um obstáculo para a municipalização do ensino fundamen-
tal. Se, por um lado, os municípios mais ricos deixavam de aplicar 25% de suas
receitas no ensino fundamental, nos municípios mais pobres os recursos não eram
suficientes para garantir uma educação com condições mínimas de qualidade.
Em 1995, ainda prevalecia um quadro de acentuados déficits de cobertura e
condições muito diferenciadas na oferta do ensino fundamental. Apenas 89% dos
brasileiros de 7 a 14 anos estavam na escola. Embora em declínio, as taxas de
evasão e repetência e a distorção idade/série mantinham-se em patamares elevados.
Colocava-se, portanto, uma demanda prioritária a ser equacionada e atendida.
Nesse contexto, tornava-se necessária uma fórmula capaz de garantir o
oferecimento do ensino fundamental a 100% dessa população, com qualidade.
Desde a década de 50, buscava-se um mecanismo capaz de assegurar essa oferta,
de forma ágil e com equidade. A realização anual do Censo Escolar a partir de
1996, iniciativa pioneira, foi o primeiro passo, pois tornou confiável o dado do
número de alunos do ensino fundamental público, bem como o de onde estão
matriculados. As informações sobre as matrículas são levantadas pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do Ministério da Educação
(MEC), junto às Secretarias de Educação dos Estados e municípios, a partir do
final do mês de março de cada ano (entre janeiro e março, desenvolve-se a fase
preparatória do Censo). Consolidados os números preliminares de cada Estado,
no mês de outubro, o resultado é publicado no Diário Oficial da União, para que
Estados e municípios, num prazo de 30 dias, possam apresentar recursos com
vistas à retificação de dados eventualmente incorretos.
Esses levantamentos anuais convergiram com a ideia de criação de um Fundo
de natureza contábil, no âmbito de cada Estado, cuja distribuição de recursos fosse
automática, de acordo com o número de alunos matriculados em cada rede de
ensino fundamental. Com base nos dados consolidados do Censo do ano anterior,
passaram a ser definidos os coeficientes de distribuição dos recursos do Fundef
para cada Estado e suas municipalidades. Calculadas as quotas correspondentes,
o valor devido é redirecionado para contas próprias e específicas do Fundef.
Esse sistema automático de repasses constitui o principal mecanismo de de-
fesa dos recursos do ensino fundamental, protegendo-os de ingerências políticas
e burocráticas. Graças a ele, os créditos à conta do Fundo – operados pelo Banco
do Brasil, que ocorrem toda semana, para todos os Estados e municípios – não
atrasaram um só dia, desde janeiro de 1998.

419
O Fundef foi criado pela Emenda Constitucional nº 14 e regulamentado pela
Lei nº 9.424/96 e pelo Decreto nº 2.264/97. Essa legislação prevê a distribuição
de recursos e responsabilidades entre os Estados e seus municípios, de tal forma que:
• pelo prazo de dez anos, os Estados e municípios devem aplicar, no mínimo,
15% de todas as suas receitas exclusivamente na manutenção e no desenvolvimento
do ensino fundamental:
• no mínimo 60% desses recursos devem ser utilizados exclusivamente no
pagamento da remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício;
• deve ser fixado, a cada ano, um valor mínimo nacional por aluno. O governo
federal complementa esses recursos sempre que, no âmbito de cada Estado, seu
valor anual por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.
Os recursos que compõem o Fundef são provenientes de 15% das seguintes
fontes de receitas dos Estados e municípios:
• Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS);
• Fundo de Participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM);
• Imposto sobre Produtos Industrializados proporcional as exportações (IPIexp);
• Ressarcimento pela desoneração de Exportações de que trata a Lei Com-
plementar n° 87/96 (Lei Kandir).
O texto que se apresenta a seguir explora algumas das mudanças mais
significativas, derivadas da operação do Fundef, e está dividido em três partes.
Inicialmente, procura-se resumir seus efeitos redistributivos e, simultaneamente,
os impactos sobre as matrículas do ensino fundamental. [...]

Impacto redistributivo do Fundef e efeitos sobre as matrículas

Entre 1998 e 2000 (Tabela 1), o montante global de recursos vinculados ao


Fundef cresceu 33%, aumento esse que superou em muito a inflação do período.
Em decorrência da elevação na arrecadação de impostos, a maior disponibilidade
de recursos configurou, assim, um quadro favorável à consecução dos principais
objetivos do novo Fundo: assegurar a vinculação efetiva ao ensino fundamental,
promover uma alocação mais justa, baseada no número de alunos, e valorizar o
magistério.
Tabela 1
Composição do Fundef, segundo a origem dos recursos 1998-2000

1998 1999 2000


Origem dos recursos
Fundef Part. % Fundef Part. % Fundef Part. %
FPM 1.838,3 13,8 2.042 13,4 2.238,7 12,7
FPE 1.638,1 12,3 1.819,9 12 2.149,8 12,2

420
Tabela 1 (continuação)

ICMS 8.758,8 66 9.834,2 64,7 11.924,7 67,6


IPI-EXP 238 1,8 239,7 1,6 264,6 1,5
LC 87/96 314 2,4 684,6 4,5 565,6 3,2
Subtotal 12.787,2 96,3 14.620,4 96,2 17.143,4 97,1
Complem. da União 486,6 * 3,7 579,9 3,8 505,6 2,9
Total do Fundef 13.273,8 100 15.200,3 100 17.649 100
Fonte: STN/MF
(*) Inclusive R$65,2 de acerto de contas realizado em 1999.

Do montante de recursos vinculados ao Fundo, os Estados detinham R$8,1


bilhões, em 1998, e R$9,2 bilhões, em 2000, enquanto que, para o conjunto
de municípios, os montantes respectivos corresponderam a R$5 bilhões e R$7,5
bilhões. Portanto, enquanto a parcela estadual aumentou em 13%, a dos muni-
cípios cresceu 50%. As transferências dos Estados aos municípios, que foram de
423 milhões líquidos, no primeiro ano, passaram a R$1,75 bilhão, em 2000.
Os dados das Tabelas 2 e 3 detalham os fluxos financeiros dirigidos aos
municípios no período. Na Tabela 2, observa-se a variação do valor médio por
aluno/ano disponível para eles em cada região e para o Brasil como um todo. As-
sim, em termos nacionais, enquanto que, no primeiro ano, o acréscimo do valor
aluno/ano devido ao Fundo foi de 22,7%, em 2000 atingiu 48,5%. Destacam-
-se os acréscimos para as Regiões Norte e Nordeste, cujos municípios puderam
contar com aumentos correspondentes a 90% e 117,5%, respectivamente. Ainda
comparando-se 1998 e 2000, para o Brasil, a média passa de R$335,00 (sem
o Fundef, em 1998) para R$496,00 (com o Fundef, em 2001), um crescimento
de cerca de 48,5%.34
A receita adicional bruta dirigida aos municípios em consequência do Fundef
aparece na Tabela 3. Assim, em 1998, 2.703 municípios (49% do total) tiveram
acréscimo de receita com o Fundef35. Esse acréscimo foi de cerca de R$2 bilhões,
beneficiando 10 milhões de alunos, ou 81% das matrículas municipais (vale dizer:
os outros 51% de municípios, com transferências negativas de recursos devidas
ao Fundo, detinham menos de 20% das matrículas).

��
Sem o Fundef, e com o mesmo aumento de matrículas, o crescimento teria sido de 6%. As
transferências estaduais explicam a diferença.
35
Todos os municípios brasileiros, bem como os Estados, têm 15% de suas receitas de FPM,
ICMS e IPlexp bloqueadas automaticamente quando dos créditos. Imediatamente, o montante
assim constituído no âmbito de cada unidade da Federação é redistribuído para o Estado
e cada município proporcionalmente ao respectivo número de alunos. Por isso, o município
pode estar transferindo recursos (se tiver poucos alunos) ou recebendo.

421
Tabela 2
Distribuição das matrículas da educação fundamental por dependência administrativa –
1997-2000 e valor por aluno/ano no âmbito dos municípios, por UF e região – 1998-2000

1998 2000
Vlr aluno/ano nos
UF/ municípios (R$) % Matr. 1997 Vlr aluno/ano nos municípios (R$)
% Matr. 1997
Região Sem o Com o Sem o Com o Fundef
Var. %
Fundef Fundef Fundef 1a a 4a 5a a 8a Per capita médio Var. %
(A) (B) (B/A) Estadual Municipal (C) série série (D) (D/C)
N 63,1 36,9 251 369 47,0 49,3 50,7 220 408 428 418 90,1
NE 42,7 57,3 170 321 88,8 36,0 64,0 164 348 365 357 117,5
CO (*) 69,4 30,6 370 371 0,3 65,0 35,0 413 493 518 505 22,4
SE 71,4 28,6 602 550 -8,6 61,5 38,5 563 666 699 683 21,3
SE 57,3 42,7 407 482 18,4 55,0 45,0 499 630 662 646 29,4
BR 59,3 40,7 335 411 22,7 50,8 49,2 334 484 508 496 48,5

Fonte: Fundação Seade/SP e STN/MF


(*) Excluindo o Distrito Federal (não há redistribuição de recursos entre governos)
Tabela 3
Receita Adicional Bruta dos municípios em decorrência do Fundef,
por UF e região – 1998/2000

1998
UF/Região Rede Municipal Valor
No de alunos/1997 No de Municípios (R$ milhões)
N 885.547 307 160,9
NE 5.050.908 1.557 931,1
CO (***) 497.582 120 66,5
SE 2.324.957 253 628,8
SE 1.310.950 466 236,6
Total 10.069.944 2.703 2.023,9
Total Redes Munic. 12.436.528 5.506 5.075,5
Part % (***) 81,0 49,1 39,9

Tabela 3 (continuação)

2000
UF/Região Rede Municipal (*) Valor
No de alunos/2000 No de Municípios (R$ milhões)
N 1.482.551 365 344,8
NE 6.787.139 1.657 1.423,9
CO (***) 625.202 142 106,8
SE 3.618.310 733 927,3
SE 1.502.699 517 297,8
Total 14.015.901 3.408 3.100,6
Total Redes Munic. 16.162.649 5.506 7.544,5
Part % (***) 86,7 61,9 41,1
Fonte: MEC (Elaboração: Fundação Seade/SP)
(*) Municípios com acréscimo de receita.
(**) Calculado sobre o total de matrículas da rede municipal do Brasil.
(***) Excluindo o Distrito Federal (não há redistribuição de recursos entre governos).

Com a acentuada municipalização, a transferência adicional vem aumentando:


em 2000 alcançou R$3,1 bilhões. Nesse ano, cerca de dois terços dos municípios
teve saldo positivo, proporção que vai a mais de 90% no Nordeste, e a cerca de
80% no Norte. No conjunto, as localidades com saldo positivo respondem por 14
milhões de alunos, representando 87% do total municipal. Digno de nota ainda é

423
que o montante adicional de R$3,1 bilhões representa uma vez e meia o montante
do Fundo de Participação dos Municípios creditado à conta do Fundef em 2000
para a totalidade dos municípios36.
A Tabela 4 destaca o efeito do Fundef sobre os municípios mais pobres. Ela
mostra, em primeiro lugar, que, sem o Fundef, um total de 2.564 municípios teria
menos de R$350.00 por aluno, em 2000. Nesse caso, estariam disponíveis para
cada um dos 11,4 milhões de estudantes matriculados nessas redes municipais
apenas R$180,00 em média. Com o Fundef, essa média sobe para R$382,50,
um incremento de 112,6%. E, para as 1.602 localidades que compõem os três
primeiros estratos, cujo valor anual por aluno situava-se aquém de R$200,00, a
receita adicional transferida graças ao Fundo superou R$2 bilhões.

Tabela 4
Efeitos financeiros do Fundef nos municípios com valor por
aluno/ano inferior a R$350,00 – 2000

Valor por Receita


Valor por Aluno/ Municípios Alunos/1999 Variação
Aluno/Ano (R$) Adicional
Sem o Com o Bruta Valor por
%
N o
% N o
% Fundef Fundef (R$ Mil- Aluno
Ano R$1,00
(A) (B) hões) (B-A) (B/A)
Até 100 477 8,7 3.253.351 20,1 78,1 341,1 862,1 263,0 336,7
> 100 <= 150 680 12,4 2.793.728 17,2 123,7 350,2 644,8 226,5 183,1
>150 <= 200 445 8,1 2.147.289 13,3 173,0 376,9 618,5 203,9 117,9
>200 <= 250 330 6,0 1.212.123 7,5 223,4 401,8 243,2 178,4 79,9
>250 <= 350 (*) 632 11,5 2.059.099 12,7 301,6 442,7 324,6 141,1 46,8
Total 2.564 46,6 11.465.590 70,8 180,0 382,5 2693,3 202,6 112,6
Outros Munic. 2.942 53,4 4.731.037 29,2          
Total Geral 5.506 100,0 16.196.627 100          
Fonte: Recursos: Elaboração MEC/SEADE; Municípios: IBGE; Alunos: Censo Escolar
(*) O valor mínimo nacional estabelecido para os alunos da 5a a 8a e para a educação especial
fundamental em 2000 é de R$349,65.

Outro aspecto relevante do Fundef diz respeito a seus impactos sobre os muni-
cípios constituintes das regiões metropolitanas (exceto capitais), onde, sabidamente,
concentra-se boa parte da pobreza e das carências sociais do país. A Tabela 5
resume esses impactos, revelando, em primeiro lugar, que, se, em 1998, apenas

Os municípios das Regiões Norte e Nordeste, que tiveram uma receita adicional de pouco
��

mais de R$1 bilhão em 1998, puderam contar com R$1,7 bilhão em 2000. Portanto, juntos,
esses municípios absorveram 50% do acréscimo.

424
em Salvador, Belo Horizonte e São Paulo houve saldo negativo para os municípios
metropolitanos, já em 1999 e 2000, esse saldo negativo estaria restrito à região
metropolitana (RM) de São Paulo (onde a rede estadual atende à grande maioria
dos alunos), não fosse o fato de Recife estar, desde 1998, excluída do Fundef
por via judicial. Como se observa, com isso, foi grande o prejuízo das demais
integrantes daquela RM: de um saldo positivo de cerca de R$6 milhões em 1998,
passaram a suportar um déficit aproximado de R$3 milhões em 2000.37
Destacam-se ainda na Tabela 5 os ganhos – muito expressivos (e crescentes)
– registrados nas RMs do Rio de Janeiro (direcionados, sobretudo, à Baixada
Fluminense), Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Belém e Vitória.38
Tabela 5
Ganhos Financeiros nas regiões metropolitanas com a
implantação do Fundef – 1998/2000

Regiões Contribuição ao Receita Originária do


Acréscimo %
Metropolitanas Anos Fundef Fundef
(*) (A) (B) (C=B/A)
Belém 1998 5,0 5,7 14,0
  1999 5,3 7,7 45,8
  2000 5,3 7,6 42,3
Curitiba 1998 24,5 41,2 68,2
1999 34,0 57,1 67,9
  2000 33,4 57,0 70,8
Fortaleza 1998 15,6 29,3 87,8
1999 17,5 35,4 101,5
  2000 17,0 39,8 133,6
Natal 1998 3,6 9,8 172,2
1999 6,4 14,2 123,8
  2000 6,5 14,9 131,1

37
A liminar que excluiu Recife do Fundef foi impetrada pelo prefeito Roberto Magalhães, não
reeleito. Se não houver decisão diferente na administração atual, os municípios pernambucanos
prejudicados terão de aguardar decisão judicial. Nos quatro casos similares (de um total de
11) apreciados até agora, a União obteve ganho de causa, com a consequente reinclusão dos
recalcitrantes ao Fundef.
38
As duas maiores capitais, São Paulo e Rio de Janeiro, que detêm extensas redes de ensino
fundamental, são as principais beneficiárias isoladas das transferências devidas ao Fundef no
País, com recursos adicionais previstos para 2001 da ordem de R$190,2 milhões e de 326,3
milhões, respectivamente. Nas demais, apenas sete (Maceió, Salvador, São Luis. Belém, Natal,
Boa Vista e Porto Alegre) devem registrar saldos negativos: em todas elas, o maior atendimento
aos alunos ainda é de responsabilidade das redes estaduais.

425
Tabela 5 (continuação)

Porto Alegre 1998 53,0 100,0 88,7


1999 58,4 111,1 90,4
2000 60,4 116,5 92,7
Recife (1) 1998 31,5 37,4 18,7
1999 39,2 39,6 1,0
2000 51,3 48,4 -5,7
Rio de Janeiro 1998 66,8 159,0 138,0
1999 76,0 186,5 145,5
2000 77,6 192,9 148,7
Vitória 1998 20,5 34,9 70,2
1999 19,0 31,5 65,9
2000 22,2 40,5 82,1
Belo Horizonte 1998 52,6 23,5 -17,3
1999 62,1 68,3 10,0
2000 62,7 73,2 16,8
Salvador 1998 38,3 30,8 -19,5
1999 37,0 41,1 11,1
2000 38,1 45,6 19,9
São Paulo 1998 203,9 57,3 -146,6
1999 224,0 76,4 -147,6
2000 203,4 113,7 89,7
Fonte: Fundação Seade/SP (Elaboração: SEF/MEC)
(*) Não consideramos os municípios das capitais, pelo fato de o atendimento nestas localidades
ser oferecido pelas redes estaduais de ensino de forma predominante.
(1) Em 1999, a cidade de Recife foi afastada do Fundef por decisão judicial, fazendo com
que os ganhos financeiros dos demais municípios se reduzissem.

A evolução das matrículas 1997-2000 está registrada na Tabela 6. Nesse


período de três anos, o contingente de alunos do ensino fundamental público
cresceu 6,7%, um acréscimo de 2 milhões de alunos que constitui um dos mais
importantes efeitos do Fundef nestes primeiros anos de funcionamento.

426
Tabela 6
Comparativo de matrículas da educação fundamental, por UF, região e
esfera de governo – 1997/2000

1997 2000*
UF/Região

Estadual Municipal Estadual Municipal


Total de Total de
Nº de Part Nº de Part alunos Nº de Part Nº de Part alunos
alunos % alunos % alunos % alunos %
(A) (A/C) (B) (B/C) (C=A+B) (D) (D/F) (E) (E/F) (F=D+E)
N 1.789.065 63,1 1.045.998 36,9 2.835.063 1.412.606 45,1 1.722.308 54,9 3.134.914
NE 4.233.478 42,7 5.678.516 57,3 9.911.994 3.980.681 34,5 7.564.948 65,5 11.545.629
CO 1.546.716 69,4 680.443 30,6 2.227.159 1.483.103 62,8 879.583 37,2 2.362.686
SE 8.170.569 71,4 3.271.646 28,6 11.442.215 6.778.573 59,1 4.692.467 40,9 11.471.040
SE 2.358.716 57,3 1.759.925 42,7 4.118.641 2.208.177 54,2 1.869.479 45,8 4.077.656
BR 18.098.544 59,3 12.436.528 40,7 30535072 15863140 48,7 16.728.785 51,3 32.591.925
Fonte: MEC (Censo Escolar 1997/2000)
* Inclusive alunos da educação especial fundamental.

Com isso, em 2001, estima-se que 97% das crianças na faixa etária de 7 a
14 estarão na escola. Esse crescimento concentrou-se, sobretudo, nas Regiões
Nordeste (crescimento de 16,5%) e Norte (mais 10,5%). Essas duas regiões res-
ponderam por 1,9 milhão de novas matrículas. Também o Centro-Oeste registrou
um aumento de 6%. Por outro lado, o Sul e Sudeste mantiveram praticamente
seus efetivos39.
Ao mesmo tempo, registrou-se uma intensa municipalização. O contingente
matriculado no ensino fundamental das redes municipais passou de 12,4 milhões
de alunos em 1997 para 16,7 milhões em 2000 (acréscimo de 34,5%). Enquanto
isso, as redes estaduais, que detinham 18 milhões de alunos em 1997, chegaram
a 2000 com um contingente de 15,8 milhões. O balanço desses dois movimentos
indica que as redes municipais absorveram, no período, 4,3 milhões de novos
alunos, tendo as estaduais perdido 2,2 milhões. Em outras palavras, no global,
as redes municipais cresceram, absorvendo as matrículas novas (2 milhões) e
matrículas estaduais (2,2 milhões).
Com isso, e pela primeira vez, em 2000 as redes municipais superaram as
estaduais em contingente de alunos do ensino fundamental, com 51,3% do total.
Regionalmente, a mais intensa municipalização ocorreu no Sudeste, onde sempre

39
Embora também nessas regiões aumentassem as matrículas iniciais, as saídas intensificaram-
-se mais, com a diminuição das taxas de distorção série/idade.

427
foi maior o peso relativo das redes estaduais: com 71,4% das matrículas em 1997,
em 2000 sua participação caiu para 59,1%40.
Em síntese, o conjunto de dados exibidos nas Tabelas de 1 a 6 atesta que os
objetivos redistributivos do Fundef vêm sendo atingidos: os maiores beneficiários
foram os municípios das regiões mais pobres (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) e os
grandes municípios metropolitanos. Ademais, como efeito do aumento de receitas
e da municipalização das matrículas, nos três anos, um número crescente passou
a contabilizar saldos positivos, de forma que esse conjunto representou cerca de
dois terços do total em 2000, quando também o montante global adicional foi
65% maior do que aquele de 1998.41
Essa realocação de recursos conduziu à maior conquista propiciada pelo
Fundo nesses primeiros anos: o aumento da cobertura nas matrículas do ensino
fundamental, propiciando o acesso à escola das crianças das camadas mais po-
bres da população. Como sublinha o ministro Paulo Renato, o Fundef constitui,
com certeza, a mais bem-sucedida política brasileira de inclusão social. Em três
anos, com ele, foi possível conseguir resultados que três décadas de acelerada
massificação das matrículas não haviam logrado.
[...]

��
Adicionalmente, convém assinalar que, para os próximos anos, esse quadro nacional de
matrículas deve permanecer estável. Entre 1999 e 2000, o crescimento nacional das matrículas
da 1ª à 4ª série foi negativo, o mesmo ocorrendo com o total de matrículas nas Regiões Sul
e Sudeste. Isso se explica, como foi dito, pelo fato de os fluxos de saída estarem superando
o total de novas matrículas.
41
Importante insistir aqui em um efeito muito significativo provocado pela lei que criou o
Fundef: a vinculação de recursos ao ensino fundamental, muito mais efetiva a partir de 1998.
Esse efeito, embora de difícil mensuração, é atestado frequentemente por professores e outros
profissionais da educação, e significa, obviamente, que os efeitos positivos do Fundef não se
limitam à mais justa redistribuição de recursos entre as redes de ensino, manifestando-se
também em sua aplicação estrita ao ensino fundamental.

428
Leitura 6
Singular ou plural? Eis a escola em questão!

Angela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben (2000)42

[...]

O Programa Escola Plural

A Escola Plural, implementada em fins de 1994 pela Secretaria Municipal


de Educação de Belo Horizonte – SMED, foi apresentada à comunidade escolar
como sendo um retrato construído a partir da multiplicidade de experiências que
as próprias escolas vinham desenvolvendo, na busca pelo equacionamento dos
problemas do fracasso escolar das crianças da camada popular. A administração
à época, nesse sentido, se propôs a assumir a escola emergente, construindo,
coletivamente, uma proposta político-pedagógica, interferindo nas estruturas ex-
cludentes e seletivas do sistema escolar43.
O programa propôs uma alteração radical na organização do trabalho escolar,
com a instituição de novos tempos e espaços escolares. Propôs o rompimento com
os processos tradicionais e tecnicistas de ensino; a eliminação dos mecanismos de
reprovação escolar, próprios da concepção seletiva e excludente de avaliação, e a
introdução de uma nova relação educativa, em que todos avaliam todos e buscam
novos sentidos e significados para o conteúdo escolar e o processo de escolarização.
O Programa Escola Plural centrou-se em quatro grandes núcleos considera-
dos “vertebradores”: o primeiro refere-se aos eixos norteadores da escola que se
caracterizam por:
• apresentar uma intervenção coletiva mais radical;
• apresentar a sensibilidade com a totalidade da formação humana;
• ser uma escola como tempo de vivência cultural;
• considerar a escola enquanto espaço de produção coletiva;

42
Texto extraído da Introdução do livro Singular ou Plural? Eis a escola em questão! GAME
– Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais. Universidade Federal de Minas Gerais, Fa-
culdade de Educação (FAE). Belo Horizonte, 2000. Reproduzido com permissão da autora.
43
Vale salientar que a implantação de outros programas aconteceu simultaneamente à Escola
Plural em outras cidades como Porto Alegre (Escola Cidadã), Brasília (Escola Candanga), Ipa-
tinga (Escola Participativa), que têm em comum o princípio da garantia do direito à educação.

429
• possuir as virtualidades educativas da materialidade da escola;
• considerar a vivência de cada idade de formação sem interrupção;
• buscar a socialização adequada a cada idade-ciclo de formação;
• buscar uma nova identidade da escola, nova identidade do seu profissional.
O segundo envolve a reorganização dos tempos escolares, o terceiro compreende
os processos de formação plural, enquanto o quarto núcleo ressignifica a avaliação
na Escola Plural.
As bases do projeto apresentadas nos documentos elaborados pela Secretaria
Municipal de Educação, a partir dos núcleos vertebradores, apontam a necessidade
de intervir na lógica que orienta a organização escolar, tornando-a mais demo-
crática e igualitária que a atual; buscar práticas e ações na escola que garantam
a sensibilidade com a totalidade da formação humana; considerar a escola como
tempo de vivência cultural, traduzindo no currículo as dimensões culturais que o
perpassam; garantir aos sujeitos a participação na construção dos conhecimentos,
tornando a escola um espaço de produção coletiva; investir na materialidade da
escola e nas mudanças na estrutura escolar existente na Rede Municipal de Ensino,
tornando-a mais formadora para os alunos e profissionais; considerar a vivência
de cada idade de formação, sem interrupção, redefinindo os tempos e espaços
da organização escolar a fim de garantir os direitos da infância, adolescência e
idade adulta; redescobrir a força socializadora da escola, mantendo os educandos
junto aos seus pares de idade e socialização; reconhecer o papel do profissional de
educação da Rede Municipal de Ensino como participante ativo da construção do
Programa Escola Plural, reconhecendo-o, assim, enquanto sujeito sócio-cultural.
Na perspectiva política da inclusão social e garantindo o direito à educação,
o Programa Escola Plural amplia o tempo de permanência do aluno no Ensino
Fundamental de 8 para 9 anos. Propõe a organização por ciclos de formação,
buscando a continuidade do processo de escolarização, eliminando a seriação e
visando à construção da identidade do aluno. Esses ciclos assim se organizam:
1º ciclo (infância) com alunos de 6 a 9 anos de idade; 2º ciclo (pré-adolescência)
com alunos de 9 a 12 anos de idade; 3º ciclo (adolescência) com alunos de 12
a 14 anos de idade.
O programa foi proposto ao conjunto das escolas municipais e, no primeiro ano
(1995), a implantação se deu nos 1º e 2º ciclos e, no ano seguinte (1996), no 3º
ciclo. Simultaneamente, foi-se definindo e ampliando a política do Programa com
propostas para o atendimento à Educação de Jovens e Adultos, à Educação Infantil,
ao Ensino Especial, e, atualmente, ao Ensino Médio com a criação do 4º ciclo.
O contexto de implantação foi polêmico, havendo grande número de assem-
bleias e reuniões, realizadas com as diferentes instâncias, objetivando estudar a sua
proposta e definir as formas de concretizá-la no dia-a-dia das escolas. As reações
foram diversas: resistência, ansiedade, insegurança, envolvimento, empenho e
esperanças foram sentimentos comuns entre os profissionais. As justificativas para
tais reações oscilaram entre dificuldades para o entendimento da nova concepção

430
de ensino e insegurança quanto à atuação e à situação funcional dos docentes.44 A
comunidade de pais, inicialmente, mostrou-se, ora com entusiasmo, ora com des-
contentamento, mas, aos poucos, foi se recolhendo na expectativa dos resultados.
[...]

44
Para maior conhecimento dos primeiros anos de implementação da proposta, vide: Dalben,
Ângela Imaculada Loureiro de Freitas. Avaliação escolar: um processo de reflexão da prática
docente e da formação do professor no trabalho. Belo Horizonte, Faculdade de Educação,
UFMG, 1998 (Tese de Doutorado).

431
Leitura 7
Vinte anos de progresso?
A política educacional inglesa de 1988 até o presente

Geoff Whitty (2008)45

[...]

O Novo Trabalhismo e a Tentativa de Balancear Escolha e Equidade

Apesar da abordagem em relação à administração pública que emergiu durante


a década de 1980 ter sido inicialmente concebida como uma resposta temporária
à depressão econômica, ela se tornou uma forte tendência política, que de modo
algum está restrita à Inglaterra. Escolha e competição, delegação de poderes e
performatividade46, centralização e imposição representam agora tendências globais
da política educacional, e não aberrações do Novo Trabalhismo (Whitty et al.,
1998; Ball, 2001). Não obstante, sua aceitação pelo Novo Trabalhismo representa
um distanciamento significativo da ideologia tradicional do partido. A filosofia
subjacente que o Novo Trabalhismo adotou e suas subsequentes escolhas políticas
na educação – e o que talvez é mais relevante, suas tentativas de “moldar” essas
políticas de maneiras diferentes das dos Conservadores – constituíram repetidos
esforços para superar essa divisão ideológica.
Em termos gerais, a política educacional do Novo Trabalhismo esteve baseada
no comprometimento do governo com a Terceira Via – embora o uso explícito
de tal termo tenha agora desaparecido completamente. A versão da Terceira Via
promovida pelo Novo Trabalhismo, e por Tony Blair especificamente, ressaltava
a importância “do que funciona” e a necessidade de uma abordagem pragmática.
A Terceira Via não foi vista como uma questão de eliminar as diferenças entre
a direita e a esquerda, entre o capitalismo neoliberal e a social-democracia, mas

45
Texto extraído de: Geoff Whitty. Twenty Years of Progress? English Education Policy: 1988
to the Present. Educational Management Administration & Leadership, 2008. Reproduzido
com permissão de SAGE Publications Ltd., London, Los Angeles, New Delhi, Singapore and
Washington DC.
46
Onde a ênfase recai sobre a performance/desempenho do sistema e dos professores. Ver
o uso desse termo na Leitura 6 da Seção 6 “A Mudança na Governança da Educação” de
Stewart Ranson. (N.T.)

432
sim como uma parceria criativa entre ambos (Lawton, 2005). Ao mesmo tempo,
o governo especificamente admitia uma preocupação quanto aos efeitos nocivos
que os quase-mercados teriam sobre a equidade, e pregava um compromisso com
a busca pela justiça social (Blair, 1998). Nas palavras de Michael Barber, em
1997 – então um dos conselheiros mais próximos do governo na área da política
educacional –, isso representou uma tentativa do governo de unir um novo reco-
nhecimento da diversidade com a preocupação tradicional do Partido Trabalhista
com a igualdade (Barber, 1997:175).
Entretanto, mesmo com os acréscimos substanciais de recursos promovidos
pelo Novo Trabalhismo, muitos setores da esquerda, incluindo a maioria dos
membros do antigo aparato educacional, entenderam que as aparentes contradi-
ções da abordagem proposta pelo Novo Trabalhismo eram insuperáveis. Como
poderia a justiça social e a inclusão serem atingidas enquanto se encorajavam
ideias mercadológicas que necessariamente envolviam a existência de perdedores
e ganhadores? (ver Haydn, 2004). Perguntando-se se a política do Novo Traba-
lhismo deveria ser considerada da “Primeira, Segunda ou Terceira Via?”, muitos
concluíram que, seja qual for o potencial da política da Terceira Via, na prática,
o Novo Trabalhismo não desenvolveu uma política educacional substancialmente
nova (Power & Whitty, 1999). De fato, o partido parece ter ido mais longe em
direção ao mercado, e muito mais a fundo na privatização, que os conservadores
jamais conseguiram, além de ter aumentado a centralização do sistema através
de iniciativas tais como as Estratégias Nacionais de Alfabetização e Competência
Numérica (National Literacy and Numeracy Strategies) (ver também Tomlinson,
2001). O efeito disso tem sido limitar o impacto dos aspectos mais progressistas da
retórica do Novo Trabalhismo, que originalmente visavam diferenciar as “novas”
políticas daquelas do governo anterior.

Tentativas Focadas para Combater Desvantagens

“Educação de alta qualidade para muitos, ao invés de excelência para poucos”


era o promissor slogan do partido imediatamente após a eleição de 1997. Isso
foi simbolizado primeiramente na Lei de Educação (Escolas) de 1997, através
da abolição do Projeto de Vagas Assistidas (Assisted Places Scheme)47 dos con-
servadores e o redirecionamento dos recursos para o setor público, para reduzir
o tamanho das turmas nas pré-escolas. Isso foi apresentado como uma medida
socialmente redistributiva, embora retrospectivamente não pareça ter tido exata-
mente esse impacto.48

47
Esquema para a compra de vagas em escolas privadas. (N.T.)
48
A maioria das turmas com mais de trinta estudantes se encontrava em distritos eleitorais
suburbanos e não em áreas nos centros urbanos, onde as turmas já estavam abaixo desse nível,

433
Outras iniciativas visavam aumentar o desempenho educacional em áreas
particularmente marcadas pela exclusão social, através da alocação de recursos
adicionais. O lançamento em 1998 das Zonas de Ação Educacional (Education
Action Zones – EAZ) significou a distribuição de £750,000 para um grupo de
escolas de baixo desempenho. As escolas participantes também recebiam maiores
liberdades quanto ao pagamento dos professores, de modo que pudessem atrair os
melhores profissionais e quanto ao conteúdo de seu ensino, decidindo se queriam
despender mais tempo com alfabetização e competência numérica ou adotar um
elemento profissionalizante mais forte. Um ano mais tarde, foi lançada outra inicia-
tiva, chamada “Excelência nas Cidades” (Excellence in Cities – EiC), que buscou
enfrentar o subdesempenho em todas as principais zonas urbanas da Inglaterra, e a
maioria das EAZs foi eventualmente subordinada a esse programa. O EiC continha
seis outras definições de políticas: os programas Dotados e Talentosos, Mentores
de Aprendizado, Unidades de Apoio ao Aprendizado e Centros de Aprendizado
das Cidades (Gifted and Talented, Learning Mentors, Learning Support Units,
City Learning Centres), bem como escolas especializadas e escolas-referência nas
áreas do EiC. Essas escolas de alto desempenho eram encorajadas a cumprir um
papel desenvolvimentista entre as escolas de sua localidade. A mesma ênfase em
programas de múltiplas atividades pode ser percebida em políticas mais recentes,
como, por exemplo, as escolas estendidas, com seu ensino “extraclasse” para os
estudantes e a abertura para a comunidade.
Outro exemplo de iniciativas direcionadas é o “Desafio de Londres” (London
Challenge), que inicialmente era uma parceria de cinco anos entre o governo,
escolas e distritos visando elevar os padrões do ensino médio de Londres. Essa
iniciativa envolveu recursos pan-londrinos e programas para todas as escolas, apoio
individualizado para os estudantes menos privilegiados e trabalho intensivo com
cinco distritos de Londres e certas escolas centrais dentro deles. Estendeu-se a
iniciativa em 2006 de modo a incluir trabalhos com o ensino fundamental e com
o prosseguimento dos estudantes para o ensino superior. Tem havido formação
profissional continuada para os professores através do programa Professor Cer-
tificado de Londres (Chartered London Teacher) e para os diretores através da
Estratégia de Liderança de Londres (London Leadership Strategy).
Os resultados de avaliações das EAZs têm sido em geral desencorajadores
(Power et al., 2004). Quanto ao EiC, os resultados sugerem que a iniciativa e as
instalações e abordagens que o programa ajudou a estabelecer deram alguma con-
tribuição para enfrentar o problema do subdesempenho (Kendall et al., 2005). Mas
eles também indicam as limitações dessa iniciativa em termos de sua capacidade
de elevar os padrões e melhorar as habilidades e atitudes de todos os estudantes,
especialmente entre os menos privilegiados (ver também Machin et al., 2007).

o que sugere que a política foi guiada, ao menos parcialmente, pelos resultados de pesquisas
eleitorais (ver Whitty, 2006).

434
Não obstante, a recente avaliação do projeto-piloto das escolas estendidas com
o leque completo de serviços constatou que, a despeito dos desafios enfrentados,
tal iniciativa tem demonstrado resultados positivos para as famílias mais pobres, ao
prover estabilidade e aumentar o comprometimento das crianças com o aprendi-
zado. De modo encorajador, seu relatório final indicou que a diferença de desem-
penho entre estudantes privilegiados e desprivilegiados, baseada na elegibilidade
para merenda gratuita, era menor nessas escolas que em outras (Cummings et al.,
2007). O Desafio de Londres também parece ter obtido algum sucesso, tanto em
reduzir o número de escolas “mal sucedidas” quanto em aumentar o desempenho
relativo dos estudantes desprivilegiados das mesmas. Por exemplo, o percentual
de estudantes que recebem merenda gratuita que obtiveram aprovação em cinco
matérias do GCSE49 com notas entre A* e C nas escolas “Chave para o Sucesso”
(Key to Success)50 cresceu 13,1 pontos entre 2003 e 2006, comparado a apenas
12,3 pontos para os que não recebem merenda gratuita (informação fornecida
pelo DfES; ver também Ofsted, 2006).
O significativo é que esses ganhos, ainda que pequenos, foram identificados em
iniciativas que, ao menos parcialmente, vão contra a mercantilização das políticas
recentes. O Desafio de Londres reconhece os desafios específicos enfrentados pelas
escolas da capital, enquanto uma das características-chave das escolas estendidas
é a cooperação entre vários órgãos públicos. Essas iniciativas reconhecem mais
a importância de influências estruturais e culturais no desempenho educacional
do que o modelo de mercado dominante. Estranhamente, o Novo Trabalhismo
há tempos parece reconhecer a importância de fatores estruturais e culturais
abrangentes em suas políticas mais gerais, especialmente na iniciativa Começo
Seguro (Sure Start) e em torno da agenda para as crianças51, mas não é sempre
que aplica esses insights a seu entendimento do desempenho diferenciado das
��
O GCSE (General Certificate of Secondary Education – Certificado Geral do Ensino Médio)
é feito por todos os estudantes secundaristas quando têm 16 anos na Inglaterra, no País de
Gales e na Irlanda do Norte (na Escócia, o equivalente é o Standard Grade).
50
O programa Chave para o Sucesso visa elevar os padrões em algumas das escolas mais
desafiadoras de Londres, quebrando o elo entre desvantagem e subdesempenho. As escolas
no programa incluem as de baixo desempenho ou que levantem preocupações por outras
razões. A lista de aproximadamente 70 escolas é continuamente atualizada e refinada. Elas
são apoiadas por um conselheiro do Desafio de Londres, responsável por todas as escolas do
programa Chave para o Sucesso naquele distrito. Sugere-se uma solução para cada escola,
baseada em modelos estabelecidos, e oferece-se apoio de curto prazo como intervenções
direcionadas para estudantes aproximando-se de suas avaliações GCSE.
51
Em vigor desde 1999, o Começo Seguro é um programa governamental que une a educação
da primeira infância, cuidado com as crianças, saúde e apoio familiar. Baseia-se na noção de
que prover serviços integrados nessas áreas juntamente com o apoio para o emprego, tudo
através de centros dedicados, é um fator-chave para a determinação de um bom desempenho
para as crianças do pré-escolar e para seus pais. Isso se dá em termos de melhoria na saúde e
no desenvolvimento emocional das crianças e em bons resultados na escola, bem como através
do apoio aos pais, enquanto pais e com relação a suas aspirações de emprego. Em termos mais

435
escolas. Pelo contrário, um número excessivo das políticas escolares do Novo
Trabalhismo tem se baseado “(...) na crença de que as diferenças de qualidade
entre as escolas são primordialmente responsabilidade das próprias escolas, e
podem, portanto, ser enfrentadas com iniciativas ao nível das escolas” (Thrupp
& Lupton, 2006:315). Isso é claramente demonstrado pelo foco do governo em
“padrões, e não estruturas”.

Padrões, não estruturas

Desde que assumiu o poder em 1997, o Novo Trabalhismo se comprometeu


com uma dedicação “implacável” de elevar os padrões educacionais através de
um sistema de “grandes desafios e grande apoio” (DfEE, 1997). Essa aborda-
gem ao melhoramento escolar – baseada no “discurso das escolas-modelo” e
na ideia de que as escolas podem replicar o exemplo das melhores (Thrupp &
Lupton, 2006) – incluiu a definição de padrões ambiciosos para o desempenho
dos estudantes e metas claras para as escolas, bem como pesquisas em torno das
melhores práticas e de oportunidades relacionadas de formação profissional para
os professores. Um componente de especial importância tem sido o princípio da
intervenção governamental na proporção inversa do sucesso de uma escola.
Grande parte do foco em padrões educacionais está relacionado ao esforço
em elevar os níveis de alfabetização e competência numérica – primeiro, em es-
colas de ensino fundamental e, mais tarde, em escolas de ensino médio. De certa
forma, as Estratégias Nacionais de Alfabetização e Competência Numérica, e as
avaliações a elas associadas introduzidas em 1998, foram apenas um elemento
de uma longa reforma curricular que remonta à introdução do Currículo Nacio-
nal. Mas, por outro lado, são qualitativamente diferentes, tanto em termos de seu
impacto imediato sobre o trabalho dos professores, quanto pela velocidade das
mudanças que ocasionaram (Moss, 2004). As alavancas do monitoramento e da
definição de metas têm permitido ao governo gerir as estratégias mais de perto do
que jamais fora possível com as iniciativas anteriores (Moss, 2002). Na medida
em que as melhorias no desempenho dos estudantes atingiram um certo platô,
o governo modificou as estratégias para que elas focassem aspectos que pudes-
sem afetar suas metas mais diretamente. Isso envolveu a identificação de áreas
específicas das estratégias a serem priorizadas (p. ex., métodos fônicos) e/ou de
cortes que precisassem de maior apoio (p. ex., meninos ou grupos que estivessem
apresentando um desempenho mais baixo em idades mais jovens). Em 2003, as
Estratégias de Alfabetização e Competência Numérica foram subordinadas às mais
amplas Estratégias para o Ensino Fundamental e Médio (Primary and Secondary
Strategies), que também compreendiam uma abordagem nacional para a melho-

gerais, a agenda para as crianças tem buscado encorajar a cooperação de múltiplos órgãos
públicos visando ao interesse das crianças atendidas.

436
ria do comportamento e da frequência escolar, estendendo, assim, esse nível de
intervenção central.
Escolas “de sucesso” – aquelas que apresentam um bom desempenho com
relação às metas governamentais e às inspeções escolares – são recompensadas
com novas liberdades. De 2003 em diante, e de modo reminiscente ao anterior
pensamento neoliberal dos mercados educacionais, isso incluiu a oportunidade
das melhores escolas de expandirem o número de alunos. Inversamente, as es-
colas “mal sucedidas” ficam sujeitas a árduas medidas e apoio direcionado. Não
surpreendentemente, há uma grande correlação entre os resultados das inspeções
da Ofsted52 e os indicadores escolares de estudantes em desvantagem (Gorard,
2005), sendo que a maioria das escolas com “medidas especiais” ou em vias de
serem fechadas está localizada em áreas socioeconomicamente desfavorecidas. Isso
fornece uma ilustração gritante do efeito que a classe social tem sobre o desempe-
nho dos estudantes (Grace, 1984; Plewis & Goldstein, 1998), consistentemente
subestimado pelo Novo Trabalhismo.
São relevantes para esta questão as pesquisas que demonstram que, recebendo
o mesmo input, crianças de famílias privilegiadas tendem a progredir a taxas mais
elevadas que aquelas de contextos desprivilegiados. Baseados nisso, Mortimore
e Whitty (1997) advertiram que, se todas as escolas fossem iguais às melhores,
a estratificação do desempenho pela classe social poderia se tornar ainda mais
gritante. E, de fato, os dados liberados pelo próprio governo em 2005 parecem
indicar as deficiências de sua abordagem a esse respeito (Kelly, 2005). Foi mos-
trado que, enquanto todos os estudantes do ensino fundamental atingiram padrões
mais elevados em Inglês e Matemática em 2004 do que em 1998, aqueles de
famílias de maior renda progrediram mais que os estudantes desprivilegiados,
resultando em diferenças de desempenho persistentes entre esses grupos de
estudantes (Kelly, 2005).
Esses resultados, pelo menos, provocaram alguma reação do governo, e há
agora um maior foco nos próprios estudantes desprivilegiados, e não somente
nas escolas em regiões desprivilegiadas. O documento governamental de 2005
sobre as escolas (DfES, 2005), por exemplo, enfatiza a necessidade de moldar
a educação para as necessidades de cada criança, incluindo um ensino extra
para as que precisarem. Isso abrange a expansão do programa “Recuperação da
Leitura” (Reading Recovery), que oferece apoio individualizado às crianças com
dificuldades na leitura durante seus primeiros anos.
Esses tipos de intervenção podem ou não ter um impacto significativo sobre
a futura diferença de desempenho entre as classes sociais. Ainda em 2006, Ruth
Kelly, então ministra da educação, anunciava que novas pesquisas demonstrariam
que “... no mínimo, houve uma leve diminuição da diferença [de desempenho]
nas idades de 14 e 16 anos” (Kelly, 2006:1). Kelly foi depois criticada por não
ter disponibilizado as pesquisas que embasaram tal afirmação (Education and

52
Agência responsável pelo serviço de inspeção escolar. (N.T.)

437
Skills Committee, 2006). Mas ter atingido apenas uma redução muito modesta da
diferença de desempenho após três mandatos ainda é uma mancha no histórico
de um governo que pregava um compromisso com a justiça social. O fato que ele
tenha demorado tanto a mudar suas políticas, mesmo tendo sido avisado ainda
em 1997, também lança dúvidas sobre a extensão de seu compromisso para com
políticas baseadas em evidências (Whitty, 2006).
[...]

438
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Seção 9
A implementação de reformas em larga escala

Introdução

Ao tratar as diferentes reformas educacionais ao longo deste livro, foram várias


as leituras e numerosas as menções acerca das dificuldades encontradas pelos
governos na hora de colocar essas políticas em prática. Essas dificuldades, às vezes
classificadas como de adoção, implementação e manutenção, não são específicas
do setor educacional. O campo da avaliação de políticas públicas está repleto de
estudos que documentam a ineficácia da ação governamental, ou porque a política
em questão foi só parcialmente implementada, ou porque a implementação durou
pouco. Mesmo assim, tentar resumir em uma única seção os diferentes estudos dos
condicionantes do sucesso ou fracasso das reformas educacionais representa um
desafio especial. São cinquenta anos ou mais de pesquisa, empregando inúmeras
abordagens sobre uma diversidade de reformas e contextos, que tentam responder
a pergunta de por que é tão difícil mudar o sistema educacional nas suas atividades
fundamentais. O assunto merecia uma revisão bem mais detalhada.
Além da impossibilidade de dar exemplos de todos os métodos de análise de
como as reformas se instalam e se entranham, ou não, no seio do sistema, vejo a
necessidade de falar do momento atual e das novas modalidades ou estratégias de
reforma que são apresentados, oferecendo alguma esperança de mudança para o
futuro. Refiro-me às tendências descritas nas frases “school-based reform” (reforma
a partir da escola) e “school improvement” (melhoria escolar) que descrevem as
tentativas de alavancar mudanças sistêmicas em larga escala, uma vez criada a
capacidade das escolas de gerirem suas próprias mudanças. Como essas tendências
se derivam da constatação das enormes dificuldades em promover mudanças reais
e duradouras através de reformas criadas e implementadas a partir dos órgãos
centrais, nada mais justo do que terminar o livro com essas leituras. A inversão da
trajetória tradicional da política de cima para baixo abre perspectivas novas para
a mudança educacional e permite, ao final de um livro recheado de exemplos mal
sucedidos, certa dose de otimismo.
O estudo sistemático dos processos de mudança educacional tem uma histó-
ria bastante recente. Segundo Fullan (1992), foi somente a partir da década de
1960 que se veio a compreender de que modo as transformações educacionais
ocorrem na prática. Essa evolução está associada aos investimentos maciços do
governo federal dos Estados Unidos nos programas curriculares desenvolvidos a
partir da Lei de Educação e Defesa Nacional, aprovada sob a sombra do Sputnik,

443
e nos programas de ação afirmativa decorrentes do Ato da Educação Primária e
Secundária de 1965 e na Guerra contra a Pobreza. Esses investimentos foram
tratados na Seção 1 e de novo na Seção 8. O governo estava investindo pesada-
mente na reformulação da escola americana e queria saber se o dinheiro estava
rendendo os frutos esperados.
Uma das primeiras pesquisas sobre as reformas curriculares da década de
60 e 70 foi realizada por Berman e McLaughlin para a Corporação Rand. Os
pesquisadores estudaram 293 programas iniciados nesse período e descobriram
que a maioria deles, desenvolvidos por órgãos externos e depois passados às
escolas, simplesmente não foram implementados (Berman; McLaughlin, 1978).
Esse resultado chamou a atenção para a complexidade da cultura escolar e para
a dificuldade de efetuar mudanças em uma instituição social tão intricada e tra-
dicional. Porém, como o relatório da pesquisa ocupa oito volumes, escolhi para a
primeira leitura o resumo de algumas das suas conclusões apresentado por Seymour
Sarason, em seu livro A Cultura da Escola e o Problema de Mudança. Publicado
originalmente em 1971, esse livro também representou um marco na pesquisa
em mudança educacional ao aplicar um roteiro interpretativo mais rigoroso na
tentativa de entender a influência da cultura e história de cada escola no processo
de reforma educacional.
Esse livro teve impacto sobre o movimento de reforma escolar nos Estados
Unidos, em grande parte pela previsão de Sarason de que as reformas continuariam
a falhar e que era provável que a qualidade das escolas também continuaria em
queda. Vemos nos trechos finais da leitura o raciocínio do autor, a partir das con-
clusões de Berman e McLaughlin, de que o método de implementação do processo
de mudança é muito mais importante para o sucesso do empreendimento do que
a natureza da mudança desejada. Ou seja, por mais criativa ou educacionalmente
correta que seja a reforma pretendida, ela será invalidada se a implantação seguir
um método padronizado, de “engenharia social”, que não leva em consideração a
cultura da escola e os interesses das pessoas afetadas, e se não der o tempo que
a escola precisa para incorporar as inovações esperadas.
A leitura seguinte, de autoria de Havelock e Huberman, representa uma tradi-
ção de pesquisa um pouco diferente, por se concentrar nas reformas empreendidas
por países em desenvolvimento a partir de empréstimos concedidos pelos bancos e
outras agências de ajuda externa. Os casos estudados, sempre de ex-colônias com
estruturas governamentais unificadas que permitem a implantação de reformas
nacionais a partir do Ministério de Educação, são interpretados através da teoria
da informação, muito em voga na época da realização da pesquisa. Os autores
analisaram várias fontes de informação sobre diversas inovações educacionais na
tentativa de explicar porque as mudanças ocorrem de forma diferente em con-
textos diferentes e quais as implicações para a gestão da mudança nos países em
desenvolvimento. Além de usar estudos de caso e relatórios já publicados, os
autores aplicaram questionários a mais de 80 assessores e diretores de projetos,
principalmente de formação continuada de professores, e realizaram quase 30

444
entrevistas com especialistas e funcionários ministeriais de diversos países. O estudo
mostra que, apesar dos investimentos consideráveis e das elevadas expectativas,
são poucas as inovações que fazem alguma diferença em relação aos problemas
educacionais que motivaram sua criação.
No entanto, é importante frisar que os resultados relatados se referem mais
aos projetos financiados do que às reformas propriamente ditas. A distinção é
importante, porque os projetos negociados com as agências multilaterais adotam
um sofisticado arcabouço de planejamento e execução que pode se tornar o cen-
tro das atenções. A execução dos orçamentos detalhados, dentro dos parâmetros
estabelecidos pelos cronogramas e métodos operacionais predeterminados, acaba
sendo avaliada como se fosse o verdadeiro propósito do investimento, e não me-
ramente o veículo da mudança. Pelos seus prazos e complexidade, com previsões
de gastos feitas com até cinco anos de antecedência, esses projetos raramente
cumprem o planejado no tempo previsto. Pelas conhecidas dificuldades de medir
o impacto de políticas públicas, as inovações educacionais pretendidas acabam
sendo julgadas mais pelas dificuldades de execução dos projetos do que pelas
suas consequências.
Dadas as características dos projetos de reforma com financiamento externo,
incluindo sua concepção em gabinetes ministeriais, escala de atuação, velocidade
de implantação e capacidade de adaptação, não é de se surpreender que os autores
encontrem um sem número de problemas na hora da sua execução. Empregando
cinco categorias de análise, os autores mostram diversos padrões para o uso de
insumos, de liderança, uso da mídia, estratégias de implantação e resultados das
inovações, mas, ao final, ficam impossibilitados de traçar o perfil do projeto bem-
-sucedido, devido à enorme variedade de contextos e condicionantes. O que se
pode concluir do trabalho apresentado é que os autores acreditam que o problema
fundamental é de planejamento. Pela ênfase nas diferentes etapas de implemen-
tação em que podem ocorrer os problemas, os autores sugerem que é possível
antever as condições que a inovação enfrentará e, desse modo, planejar todos os
procedimentos apropriados. Além de sugerir níveis cada vez mais sofisticados de
planejamento para projetos já sobrecarregados, a falta de clareza a respeito da
diferença entre inovação e mudança e a ausência de exemplos de países federativos,
onde são as instâncias subnacionais as responsáveis pela implantação das mudanças
educacionais, também dificultam a aplicação dos resultados ao cenário brasileiro.
O enfoque dos autores da próxima leitura é bem diferente. Em vez de acre-
ditar que a natureza da reforma e seu processo de implementação sejam reflexos
do planejamento ou da falta dele, Kaufman e Nelson veem as reformas e suas
chances de sucesso como fruto dos diferentes grupos de atores que são envolvi-
dos no processo de mudança. Esse enfoque mais sociológico situa o trabalho dos
autores na tradição de análise chamada de “barganha e conflito” (Dyer, 1999),
marcada pela existência inevitável de interesses em conflito e pela necessidade
de negociação política para a implantação das reformas. O foco reside na análise

445
do comportamento dos diferentes grupos e de como eles chegam a influenciar os
rumos das políticas adotadas.
No caso, os autores se concentram na análise das reformas de descentrali-
zação ocorridas ao longo das décadas de 1980 e 1990 na América Latina, que
foi um dos temas da Seção 5. Para Kaufman e Nelson, o sucesso ou não de cada
reforma deve ser explicado em termos dos apoios recebidos, da força dos grupos
interessados e da capacidade de negociação de cada um. Talvez implícita nesse
enfoque seja a ausência da população usuária da educação. Pelo menos no caso da
descentralização, as demandas a favor das reformas não vieram dos movimentos
sociais ou de qualquer outro segmento organizado da população. As propostas de
quase todos os países da região que promoveram a descentralização financeira e
administrativa dos seus sistemas de educação não foram precedidas por grandes
debates nacionais. Os proponentes das reformas foram os tomadores de decisão
dos altos escalões governamentais.
Os outros grupos de atores identificados por Kaufman e Nelson são classifi-
cados como os reformistas, os opositores e os que não se envolvem. No primeiro
grupo, de defensores das reformas, encontram-se os especialistas e funcionários
que são os intérpretes das informações que circulam nos foros internacionais e que
estão na linha de frente nos contatos com os órgãos de financiamento. Os próprios
bancos também representam um grupo de interesse ao financiarem os projetos de
descentralização de diversos países da região. Os sindicatos dos professores, por
outro lado, se alinham majoritariamente com os opositores da política devido à
perda de poder de negociação inerente à diversificação das fontes de pagamento.
No entanto, a natureza da oposição variou muito entre os países, entre as fases
da reforma e de acordo com o nível de influência política dos sindicatos. Os
sindicatos argentinos, por exemplo, não foram capazes inicialmente de alterar a
descentralização de aspectos do ensino secundário, mas, posteriormente, ajudaram
a aumentar o financiamento federal para as províncias. Outros grupos identificados
foram os políticos, os legisladores e os dirigentes de partido e, de forma bem mais
modesta, os empresários.
A ausência dos professores como grupo de interesse profissional, e não somente
como de membros de sindicatos, chama a atenção para o fato de a descentrali-
zação ser uma reforma principalmente da administração e do financiamento da
educação, e não da organização do ensino. Sendo bem diferente da concessão
da autonomia pedagógica, a descentralização administrativa prescindiu de mu-
danças de comportamento por parte dos professores e alterou pouco a dinâmica
da escola. Por esse mesmo motivo, talvez, o relato das reformas estruturais da
descentralização ofereça uma visão mais otimista sobre o grau de sucesso da sua
implantação do que os relatos anteriores sobre mudanças no próprio processo
de ensino. Pelo menos nesse caso, as reformas de cima para baixo têm alguma
chance de serem implantadas.
A leitura seguinte volta ao tema das mudanças no ensino e, para esses casos,
aceita como premissa a ideia de que as reformas de cima para baixo são sempre

446
fadadas ao fracasso se não levarem em consideração os comportamentos que
pretendem mudar. Caroline Dyer desenvolve esta tese através de um raciocínio
em dois passos. O primeiro passo consiste em mostrar que, na maioria das vezes,
a implementação da política raramente ocupa a posição estratégica que merece.
A autora critica a falta de atenção e estudo do processo da implementação e, ao
discutir um método para sua melhoria, toma o segundo passo. Este consiste na
ideia de visualizar a mudança que se pretende, não a partir das instâncias, pessoas
e recursos que precisam ser mobilizados na cadeia que vai dos reformadores até
a sala de aula, mas a partir daquilo que precisa ser mudado na ponta, dentro da
sala de aula. Dessa ponta, pode-se começar a identificar cada uma das mudanças
necessárias na direção contrária, até chegar às instâncias superiores.
Esta metodologia, chamada de backward mapping, ou mapeamento reverso,
é testada por Dyer no contexto indiano na análise de um projeto de reforma
chamada Operação Quadro-negro, cujo objetivo foi de melhorar a qualidade do
ensino. Segundo a autora, o mapeamento reverso conseguiu identificar definições
diferentes do problema da qualidade do ensino dependendo do nível da hierarquia
educacional. Em outras palavras, a pesquisa pôs em dúvida o modelo usado pelos
reformadores para explicar a conexão entre sua política e o contexto escolar. Se as
informações geradas estivessem disponíveis antes da implementação das mudan-
ças, elas teriam obrigado a inclusão de novos elementos e melhorado o impacto
gerado na qualidade do ensino.
A autora deixa clara a convicção de que os elementos para o sucesso da
mudança estão nas mãos dos reformadores, na medida em que haja uma análise
prévia, a partir da sala de aula, de todos os comportamentos e aspectos do con-
texto que precisam ser alterados. Estabelece-se que a implementação seja um
processo cuja complexidade talvez tenha sido subestimada, mas que continua
como a essência da reforma, sob o controle dos planejadores e de outros agentes
externos à escola. Portanto, ao mesmo tempo em que Dyer admite a falência das
implementações de cima para baixo, ela continua acreditando na capacidade dos
reformadores externos de mapearem corretamente as necessidades do professor.
Apesar do autor da próxima leitura, Richard Elmore, ser o responsável pela
frase “mapeamento reverso”, ele não assume a mesma postura que sua pupila.
Pelo contrário, a leitura de seu artigo nos leva à conclusão de que o problema
da falta de impacto das tentativas de mudar o ensino não é uma questão de im-
plementação, e que a solução não reside nas mãos dos órgãos externos. O que
Elmore alega é que as reformas raramente chegam ao “cerne” da prática de
ensino. A despeito de todas as mudanças que ocorrem na escola, os conceitos
básicos dos professores sobre o currículo e sobre sua relação com os alunos não
se alteram. Ou seja, não é um problema de resistência à mudança em si, nem da
falta de implementação das políticas. O que falta é uma estrutura de incentivos
institucionais a favor da melhoria das práticas educacionais. Ao atingir a todos,
esses incentivos permitiriam que uma proporção maior de professores tivesse
o mesmo interesse e desempenho dos poucos que já os têm sem os incentivos.

447
Essa proporção pequena leva certos observadores a acreditar que a proficiência
do professor é uma questão individual, de talento, quando, na realidade, trata-se
de competências profissionais que estariam ao acesso de todos na presença dos
incentivos corretos. A lição aprendida do fracasso das reformas curriculares da
década de 60 é que não se pode pressupor que todos os professores tenham uma
motivação intrínseca para adotar práticas novas e mais exigentes.
Essa tentativa de explicar porque as boas ideias por trás das reformas não
conseguem atingir mais do que uma pequena proporção das escolas, leva Elmore
a duvidar de qualquer processo de mudança que não tenha sua origem na própria
escola, no âmbito do professor. Esse raciocínio nos oferece uma transição para
a segunda parte desta seção que, conforme mencionei, tenta resumir justamente
as diferentes tentativas de colocar em prática esse enfoque de mudança local e,
a partir da soma das mudanças no nível da escola, espalhar a reforma através do
sistema como um todo.
O texto de Emily Calhoun e Bruce Joyce é a segunda parte de um artigo cujo
início já apareceu na primeira seção deste livro, na discussão da estratégia usada
nos Estados Unidos para a implementação das reformas curriculares da década
de 1960. Se, nessa primeira parte, os autores demostravam as deficiências do
modelo “P & D” de desenvolvimento dos materiais curriculares nos centros de
pesquisa para posterior entrega às escolas, na segunda parte eles avaliam a al-
ternativa criada a partir da década de 1980, de centrar os esforços de mudança
no nível da escola.
A vertente da proposta de mudança baseada na escola mais estudada pelos
autores se denomina “gestão em nível escolar” e, em alguns aspectos, se pare-
ce com o modelo de gestão democrática encontrado nas escolas brasileiras. Os
autores enfatizam o compartilhamento do processo decisório, a existência de
uma instância colegiada, uma discussão coletiva de métodos comuns e alguma
autonomia financeira. Os autores também falam da criação de um “plano de ação
para a melhoria escolar”, que poderia parecer com o plano pedagógico da escola
brasileira, não fosse pelo seu foco nos conteúdos curriculares a serem ensinados.
A teoria por trás do modelo também se assemelha à gestão democrática ao frisar a
necessidade das escolas encontrarem suas próprias soluções, de permitir ao corpo
docente exercer sua capacidade de resolver problemas e de respeitar a dignidade
e capacidade profissional dos professores.
Apesar dos diversos esforços em criar as condições objetivas para a formula-
ção e execução de projetos de mudança pela própria escola, os autores acabam
reconhecendo que “esse método raramente provoca alterações produtivas em
termos de currículos e ensino”. As razões para o fato de não mais que 10% das
escolas conseguirem gerar mudanças significativas não devem nos surpreender:
as escolas geralmente não têm acesso aos especialistas que precisam, nem aos
produtos curriculares externos; as relações interpessoais entre os professores
travam o avanço; os esforços de mudança acabam se concentrando nas condi-
ções de trabalho e não na aprendizagem; e as autoridades raramente oferecem

448
as oportunidades de formação em serviço que seriam necessárias para a escola
empreender seu próprio programa de mudança curricular.
Trabalhos recentes sobre o desenvolvimento de melhorias curriculares e de
ensino no nível da escola mostram que a ideia continua viva sob o novo nome de
“melhoria escolar”. A diferença, conforme a leitura de autoria de David Hopkins,
reside no fornecimento de tudo que estava em falta no diagnóstico de Calhoun e
Joyce. Por esse novo modelo, acima de tudo, a escola precisa ter as condições e
“a capacidade de gerir a mudança”. Tornou-se, portanto, uma questão de gestão
e de interpretação de como a escola adquire essa capacidade. O próprio Hopkins
oferece algumas das respostas quando fala da motivação dos membros da equipe
escolar e também da pressão a que estão sujeitas as escolas através dos sistemas
de responsabilização. Ou seja, a capacidade de gerir a mudança pode ser criada
mediante a reformulação dos incentivos institucionais mencionada por Elmore. Na
ausência da motivação intrínseca, criam-se os sistemas de premiação para oferecer
aos professores a razão para superar suas diferenças e investir coletivamente na
melhoria dos resultados de aprendizagem dos alunos.
Um dos problemas da “melhoria escolar” é a dificuldade de criar um processo
de mudança em nível sistêmico ou, como dizem alguns, de mudar de patamar e
provocar reformas em grande escala. Se o problema das reformas da década de
60, 70 e 80 era a estratégia de implementação em larga escala e o pouco retorno
em termos do número de escolas efetivamente atingidas, o problema da melhoria
escolar era o inverso, com uma série de inovações promissoras a partir de esforços
localizados que não conseguiam se disseminar através do sistema. Os últimos dois
textos sugerem que a história recente de alguns países talvez permita rever essa
conclusão. Pelas reformas sistêmicas instituídas principalmente na Inglaterra,
Canadá e Finlândia, e pelos resultados positivos provocados, os autores mostram
um elevado grau de otimismo a respeito do futuro das reformas de larga escala.
O texto de Fullan, que oferece um resumo de várias das discussões levantadas
ao longo do presente livro, também dá a história recente das reformas em larga
escala. O pioneiro dessa nova geração de reformas é a Estratégia Nacional de
Alfabetização e Competência Numérica introduzida em 1998 em todas as escolas
públicas de ensino fundamental na Inglaterra, sob o comando do governo traba-
lhista de Tony Blair. Os ingredientes destacados como cruciais para o sucesso
da estratégia, e repetidos em vários dos outros exemplos de reforma analisados,
incluem padrões ambiciosos, boas informações e metas claras, responsabilidade
descentralizada, acesso às melhores práticas e desenvolvimento profissional de
qualidade, responsabilização e intervenção em casos de necessidade. A menção de
boas informações e uma metodologia de gestão referenciada em padrões e metas
nos dá uma medida da atualidade das reformas discutidas e a importância cada
vez maior de sistemas de avaliação e de informação em tempo real.
Na última leitura, Andy Hargreaves nos brinda com um resumo das tendências
atuais da reforma educacional e uma previsão dos rumos futuros. De modo geral,
as reformas de larga escala da atualidade são cada vez maiores. Os exemplos

449
oferecidos incluem as reformas de distritos educacionais inteiros nos Estados
Unidos, incluindo o Distrito 2 de Nova York, e a reforma da alfabetização e da
competência numérica da província de Ontário, Canadá, tomada de empréstimo
da Estratégia Nacional de Alfabetização e Competência Numérica da Inglaterra,
mencionada na leitura anterior. As reformas não só são maiores, mas também mais
nítidas, no sentido da clareza dos seus objetivos. Essa tendência se deve ao fato
das reformas terem componentes que precisam ser implementados à distância, o
que requer uma descentralização de responsabilidades e, simultaneamente, uma
especificação mais clara das metas a serem alcançadas. Com a progressiva sofisti-
cação do banco de dados e de informações sobre o desempenho dos alunos, que
permitem a comparação detalhada entre escolas e alunos de condições similares,
as reformas têm-se tornado cada vez mais consistentes e bem fundamentadas em
relação ao uso da pesquisa para melhorar as práticas da sala de aula. A última
tendência destacada pelo autor diz respeito à procura pela equidade. Cada vez
mais as reformas procuram achatar as diferenças de desempenho entre os grupos,
na tentativa de reduzir as desigualdades e criar uma sociedade menos hierárquica
e mais equitativa.
Na opinião de Hargreaves, as avaliações high-stakes – que envolvem grandes
decisões – e, por suposto, os sistemas conexos de responsabilização, não detêm
a chave do futuro. Diferentemente de outros observadores, Hargreaves descarta
as avaliações high-stakes e, no lugar delas, aposta numa lista de seis políticas
educacionais que, acredita ele, farão parte das estratégias reformistas do futuro:
a valorização da inovação e da criatividade em sintonia com a economia do conhe-
cimento; o serviço comunitário; o crescimento de redes de escolas conectando-se
entre si e tornando-se comunidades de aprendizagem; uma atuação direta junto
às famílias e comunidades das crianças; a formação de líderes que inspiram a
criatividade; e o redesenho do ambiente escolar e das funções de liderança em
preparação para uma nova geração “mais rápida, assertiva, direta, baseada em
equipe, focada em tarefas e tecnologicamente pragmática”, que transformará a
sala de aula e as escolas do século XXI.

450
Leitura 1
A avaliação da mudança educacional

Seymour B. Sarason (1982)1

[...]
Somente nos últimos anos é que foram realizadas tentativas sérias de estudar
os esforços de mudança. Neste capítulo, enfocaremos os estudos que pretenderam
avaliar programas federais que apoiaram mudanças educacionais em diversas
escolas bastante diferentes entre si quanto à região, tamanho e demografia.2 Em
suma, não se trata de estudos de caso (mesmo que o texto contenha alguns), mas
de análises de grandes amostras e de levantamentos intensivos em escolas finan-
ciadas pelo governo federal, com o propósito de alcançar mudanças educacionais
inovadoras.

Os Estudos Rand

Sem dúvida, a tentativa mais ambiciosa (até mesmo heroica) de avaliar re-
sultados de esforços direcionados à mudança educacional foi o estudo realizado
durante muitos anos por Berman e McLaughlin (1978) para o Departamento de
Educação dos Estados Unidos. Esse estudo apareceu em oito volumes. A seguir,
me basearei no último volume, pois ele contém um resumo claro e imparcial dos
resultados encontrados.

1
Texto extraído de: Seymour Sarason. The Culture of the School and the Problem of Change.
Boston: Allyn and Bacon. 1982. Segunda Edição. (Ch. 5. The Evaluation of Educational Change).
2
Em páginas anteriores, avisei ao leitor para evitar a conclusão simplificada, e inválida, de
que foram somente as escolas que foram submetidas à intensa pressão de mudança e que as
características do processo de mudança e seus resultados são específicos do meio educacional.
Aqui acrescentaria outro aviso: as tentativas de mudança educacional e a perplexidade perante
os resultados decepcionantes não são específicos da nossa sociedade. Eu já tive oportunidade
de me encontrar com pesquisadores e educadores de vários países da Europa Ocidental e me
chamaram atenção as semelhanças entre os nossos esforços. De fato, as pessoas com quem
conversei estavam visitando esse país porque seus esforços de mudança e inovação educa-
cional foram, frustrantemente, muito decepcionantes. Voltarei a esse tópico posteriormente,
porque o problema não é educacional, no sentido estrito. Ele se relaciona com os pressupostos
subjacentes e não verbalizados sobre os quais se fundamentam os tradicionais conceitos de
mudança institucional.

451
[...]
Berman e McLaughlin iniciam seu resumo com estas frases sobre os ante-
cedentes:
A ajuda financeira federal representa agora uma parte importante de muitos orça-
mentos de distritos escolares locais, mas sua efetividade em melhorar as práticas
locais de educação é incerta. Avaliações financiadas pelo governo federal revelam
resultados inconsistentes e geralmente decepcionantes, e, apesar de considerável
atividade inovadora por parte dos distritos locais escolares, as evidências sugerem
que:

Não se encontrou nenhuma categoria de modificação educacional que consis-


tentemente leve a resultados melhores dos alunos (quando variações no cenário
institucional e fatores não escolares são levados em consideração).

Projetos “bem-sucedidos” apresentam dificuldade de sustentar seu sucesso por


vários anos.

Projetos “bem-sucedidos” não são disseminados automática ou facilmente, e sua


“replicação” em novos locais apresenta pior desempenho que nos locais originais.

Consequentemente, ainda que o apoio federal para os serviços escolares locais


tenha se tornado bem estabelecido, a “década da reforma”, que começou com o
ESEA (Elementary and Secondary Education Act), não alcançou suas expectativas,
e questões continuam a ser levantadas sobre qual deve ser o papel federal mais
apropriado e efetivo para melhorar as escolas públicas.
[...]
Enquanto os efeitos gerais da política federal podem ser desapontadores, os resul-
tados positivos não devem ser ignorados. Alguns projetos locais funcionaram bem
e, a partir deste sucesso, podemos identificar fatores que determinam o destino
das inovações.

Fatores que afetam a implementação e a continuidade


Além da análise dos efeitos das políticas federais, examinamos como as caracte-
rísticas dos projetos e das regiões escolares afetam os resultados das inovações.
Estudamos o método educacional dos projetos, os níveis de recursos, o escopo
e as estratégias de implementação; as características da região que analisamos
foram o clima escolar e a liderança, os atributos do professor e a capacidade de
gerenciamento e apoio local. O que descobrimos:

1.Métodos educacionais: O método do projeto determinou sua implementação,


efeito e continuidade apenas em grau pequeno e limitado. Isso acontece porque os
projetos com basicamente os mesmos métodos educacionais podem ser, e geral-
mente são, implementados de maneiras muito diferentes, e assim variam quanto

452
à sua efetividade. Em síntese, o projeto em si importava menos do que como ele
era executado.

2.Recursos do projeto: Geralmente os projetos mais caros não tinham maior pro-
babilidade do que os menos caros de serem efetivamente implementados, de
provocar mudanças nos professores, de melhorar o desempenho dos alunos ou
de serem continuados pelos professores. Tampouco as variações no número de
escolas do projeto por região, ou no financiamento por aluno afetaram fortemente
os resultados do projeto na maioria dos casos.

3.Escopo do projeto: As inovações ambiciosas e exigentes promoveram a mudança


nas práticas e na continuidade dos métodos do projeto por parte dos professo-
res, sem necessariamente causar problemas incontroláveis na implementação ou
diminuir os ganhos no desempenho dos alunos. Os professores devem entender
claramente os objetivos e o sentido do seu projeto; essa clareza vem durante a
implementação. Nós duvidamos de que projetos que visam a uma mudança sig-
nificativa possam ser efetivamente implementados em todo um sistema escolar de
uma só vez.

4.Estratégias de implementação: Estratégias de implementação são as decisões e


escolhas locais, explícitas ou implícitas, de como colocar a inovação em prática.
Descobrimos que essas estratégias poderiam ditar as diferenças entre sucesso e
fracasso, quase independentemente do tipo de inovação ou do método educacio-
nal utilizado; além disso, elas poderiam determinar se os professores assimilariam
e continuariam utilizando o método ou permitiriam que esse caísse em desuso.
As estratégias abaixo foram frequentemente ineficazes, por não serem consoantes
com as condições da vida escolar regional ou com a motivação dominante e as
necessidades dos professores:
• Consultores externos
• Abordagens de pacotes de gerenciamento
• Treinamento único de pré-implementação
• Pagamento pelo treinamento
• Avaliação formal
• Projetos abrangentes
As estratégias que foram efetivas promoveram, por outro lado, uma adaptação
mútua, em um processo através do qual o projeto é adaptado à realidade do con-
texto institucional, enquanto, ao mesmo tempo, os professores e os representantes
da escola adaptam suas práticas em resposta ao projeto. Essas estratégias efetivas
concedem a cada professor um feedback oportuno e necessário, permitem fazer
escolhas no nível do projeto para corrigir erros, e encorajam o comprometimento
para com o projeto. O que se segue são estratégias consideradas efetivas, particu-
larmente quando aplicadas em conjunto:
• Treinamento concreto, extenso e específico para professores.

453
• Assistência em sala de aula por parte da equipe do projeto ou equipe local.
• Observação pelos professores de projetos similares em outras salas de aula,
escolas ou regiões.
• Reuniões regulares do projeto focadas em problemas práticos.
• Participação dos professores nas decisões do projeto.
• Desenvolvimento de materiais locais.
• Participação do diretor no treinamento.
5.Clima organizacional escolar e liderança: três elementos do clima organizacio-
nal da escola afetaram intensamente a implementação e a continuidade do projeto
– a qualidade das relações de trabalho entre os professores, o suporte ativo dos
diretores, e a eficácia dos gerentes do projeto. A importância do diretor para os
efeitos de curto e longo prazos da inovação dificilmente pode ser exagerada. A
singular contribuição do diretor para a implementação consiste não no “como
fazer” – esses conselhos são melhor dados pelos gerentes do projeto –, mas em
oferecer apoio moral para a equipe e em criar um clima organizacional que dá
legitimidade ao projeto. O apoio do diretor foi também crucial para a continuida-
de. Era improvável que os professores mantivessem a diversidade completa dos
métodos dos projetos sem a aprovação do seu diretor, mesmo que os métodos
tivessem sido bem sucedidos e assimilados.

Ademais, após o fim do financiamento federal, muitas regiões adotaram uma ati-
tude laissez-faire, de deixar os diretores decidirem o destino dos projetos dentro
das suas escolas. A menos que os diretores promovessem ativamente o projeto,
especialmente em relação à busca pelo apoio financeiro da região e à substituição
da equipe que foi para outros lugares, até projetos bem sucedidos poderiam se en-
fraquecer. Diante de tudo isso, o diretor merece o título de “guardião da mudança”.

6.Características das escolas e atribuições dos professores: A mudança foi particular-


mente difícil de alcançar e manter no nível de ensino médio. Três características
dos professores – anos de experiência docente, senso de eficácia e habilidade
verbal – afetaram significativamente os resultados dos projetos. O número de
anos de docência teve efeitos negativos: quanto mais tempo um professor tivesse
dado aula, menor a probabilidade de o projeto atingir seus objetivos, e menor
a probabilidade de o projeto melhorar o desempenho dos alunos. Além disso,
professores há muito tempo em seu trabalho tinham menos probabilidade de
mudarem suas próprias práticas e de continuarem a usar os métodos dos projetos
após o fim do financiamento federal. O senso de eficácia do professor – a crença
de que o professor pode ajudar até mesmo os alunos mais difíceis e desmotivados
– mostrou fortes efeitos positivos em todos os resultados, enquanto que a habili-
dade verbal dos professores teve uma correlação positiva apenas com a melhora
no desempenho dos alunos.

7.Capacidade de gerenciamento e apoio local: as autoridades regionais diferem-se


grandemente na sua capacidade de gerenciar os projetos como agentes de mu-
dança e em sua receptividade quanto a eles. Ainda que não pudesse medir esses

454
fatores com precisão, nossa observação dos dados das entrevistas deixa poucas
dúvidas em relação à importância do apoio constante e ativo das autoridades edu-
cacionais locais e da equipe especializada nos resultados de curto prazo do projeto
e especialmente no seu destino de longo prazo. (Berman e McLaughlin, 1978:vi-ix)

Para nosso presente propósito, irei me concentrar em três conclusões de


Berman e McLaughlin. A primeira, e uma que enfatizei nos capítulos anteriores,
diz respeito ao fato de que a forma com que o processo de mudança é conceitu-
ado é muito mais determinante para o sucesso ou o fracasso do projeto do que
o método ou o conteúdo educacional (ex.: leitura, estudos sociais) que se busca
implementar. Ou seja, pode-se ter a ideia mais criativa, válida e educacionalmente
produtiva do mundo, mas a sua incorporação e sustentabilidade em um contexto
socialmente complexo será principalmente um efeito de como se conceituou o
processo de implementação da mudança. O significado dessa conclusão é que
ela invalida a visão frequentemente aceita de que o processo de mudança é um
processo de engenharia social que requer que se siga uma receita passo a passo
que levará a um resultado ou produto final. Essa visão de “como fazer” se so-
brepõe a questões complexas de “como pensar sobre isso”. Por exemplo, essa
visão evita o confronto com as características e tradições do cenário e as formas
pelas quais elas normalmente facilitam e frustram as mudanças. É uma visão que
ignora a história e a tradição, simplificando demais o que deveria ser envolvido
na implementação e sustentação da mudança. E como veremos depois, é uma
visão que não permite aos seus proponentes fazer uma pergunta essencial: dados
os objetivos da mudança, como se pode determinar qual seria uma perspectiva
de tempo realista a ser adotada para se atingirem os objetivos?
[...]
Em quase todos os estudos avaliados por Berman e McLaughlin, existiu
uma aceitação sem crítica da suposição de que a perspectiva de tempo adotada
era apropriada para os objetivos da mudança. Em quase todas as instâncias, a
perspectiva de tempo era determinada não por pessoas da escola, mas pelos
responsáveis pelas políticas e pelos legisladores federais, isto é, pelas suposições
que embasam as políticas de financiamento. Achar que a escola vai se acomodar
a tal perspectiva de tempo de bom grado indica quão difundida é a tendência de
simplificar demais aquilo que está inserido em um contexto de mudança cultural
e institucional.
Passemos agora para uma segunda grande conclusão de Berman e McLaughlin,
que eu colocaria desta forma: o esforço de mudança tem chances de sucesso na
medida em que identifique e envolva significantemente todos aqueles que direta
ou indiretamente serão afetados pela mudança. Isso é colocar a questão de forma
positiva. Em muitos estudos, os proponentes de mudanças procederam de modo
a isolar o projeto e, desse modo, garantiram o conflito e o fracasso, precisamente
porque as necessidades e os interesses individuais de pessoas importantes foram
ignorados. A questão é menos relacionada ao fato de que elas foram ignoradas,

455
pois isso implica em uma decisão consciente, e mais devido à falha de reconhecer
o que deveria ser óbvio: um esforço de mudança institucional, independentemente
de quão limitada ela seja, é observável, possui diferentes significados e será jul-
gada de diversas maneiras por uma variedade de pessoas envolvidas no cenário
onde a mudança é buscada. Como alguém uma vez disse: “O nome do jogo são
as pessoas interessadas”.3 A sabedoria contida nessa afirmação não fazia parte
das ideias de uma proporção grande dos educadores que procuravam a mudança.
É importante ressaltar que, assim que alguém entende o significado das pessoas
interessadas para o esforço de mudança, essa pessoa é forçada a avaliar as bases
para o cálculo o tempo da mudança, porque desenvolver e sustentar as pessoas
interessadas é, e deve ser, uma tarefa que exige tempo, e não é menos importante
do que outros aspectos do esforço da mudança.
Em minha experiência, aqueles que buscam efetuar uma mudança nas es-
colas tendem a dividir as pessoas em três grupos. O primeiro consiste naqueles
que aparentemente não precisam ser convencidos, e pode-se contar com o seu
apoio. Esse grupo costuma ser relativamente pequeno, que frequentemente não
apresenta a homogeneidade de motivação e valores como se imaginava. Enquanto
o primeiro grupo pode ser chamado de “mocinhos”, o segundo é composto pelos
“vilões”: pessoas que são tidas como resistentes à mudança ou que, por outros
motivos, não podem ser consideradas apoiadoras e que, portanto, devem ser evi-
tadas ou, quando se tem o poder necessário, derrubadas. Quando o projeto falha,
“os vilões” são considerados os culpados de acordo com a dinâmica da profecia
autorrealizável. O terceiro grupo, que é, de longe, o maior deles, é formado por
pessoas que se supõe que não tenham interesse direto ou indireto na mudança em
particular e, portanto, pode-se tranquilamente ignorá-los – suposição esta que prova
sua invalidade depois que o projeto está, por assim dizer, naufragando, ou quase.
Como Berman e McLaughlin enfatizam, se, na prática, as pessoas interessadas
se referem apenas aos “mocinhos”, o palco para o fracasso está sendo montado.
Criticar essa visão somente como uma falha de relações humanas perde o sentido
e até trivializa a questão. O que faz com que as relações humanas sejam falhas
é a falha em se compreender as inevitáveis ramificações do esforço de mudança
nas diferentes partes de um contexto mais amplo, em perceber como cada uma
dessas partes irá reagir e, assim, desenvolver estratégias para atingir um grupo de
interessados tão amplo e diversificado quanto possível. Com frequência, o que as
pessoas querem dizer com relações humanas falhas se refere menos à causa do
fracasso do que às consequências de uma concepção autodestrutiva do processo
de mudança. Muitas pessoas amáveis, que ordinariamente seriam descritas como
tendo boas relações humanas, são descritas de outro modo depois de assumirem
a responsabilidade pela implementação de uma mudança educacional.
[...]

3
No original, a palavra “constituencies” significa literalmente os eleitores. Uma palavra de
significado similar seria stakeholders ou pessoas interessadas. (N.T.)

456
Leitura 2
Resolução de problemas educacionais:
teoria e realidade da inovação em países em desenvolvimento

R. G. Havelock e A. M. Huberman (1977)4

[...]

Padrões e realidades de inovações educacionais

Muitas das inovações educacionais nos países em desenvolvimento envolvem


“uma grande transformação sistêmica”. Elas são tipicamente ambiciosas, tanto na
quantidade de tempo, energia e recursos materiais investidos, quanto na velocidade
e no tamanho das mudanças esperadas. A despeito de tais expectativas e inves-
timentos em grande escala, poucas dessas inovações parecem fazer uma grande
diferença em nível nacional no que diz respeito ao problema da educação ou do
treinamento para cuja resolução elas foram desenvolvidas. Em muitos aspectos,
elas parecem ser projetos-piloto gigantes.
Nessas inovações, o ciclo de resolução de problema geralmente apresenta um
movimento muito rápido, partindo da avaliação inicial em relação à necessidade de
mudança, em direção ao projeto de solução e à implementação dessa solução. A
implementação é rápida e abrangente, e é influenciada pelo instrumental adminis-
trativo existente, ao invés de o ser por canais indiretos ou informais. Geralmente,
não existe uma fase de teste ou experimento que antecede à execução completa,
o que pode ser explicado pela percepção da urgência das necessidades, mas que
frequentemente aumenta a quantidade e a seriedade dos problemas encontrados
durante e após sua implementação.
Aqueles que aparecem como atores principais na origem da proposta ou do
projeto inicial de inovação são de dois tipos: (a) consultores externos contrata-
dos pelo ministério ou órgão regional de educação e (b) especialistas locais bem
colocados, como os funcionários de planejamento ou do ministério que viajam
frequentemente para fora do país, os chefes de departamento de universidades e

4
Texto extraído de: R.G. Havelock e A.M. Huberman. Solving Educational Problems: the theory
and reality of innovation in developing countries. A study prepared for the International Bureau
of Education. Paris. UNESCO. 1977: 14-19. Reproduzido com permissão da ©UNESCO.

457
assistentes pessoais de líderes educacionais e políticos. É muito difícil canalizar
soluções de “baixo” para as instâncias onde as inovações são planejadas.
Dada a ambição do projeto em relação aos recursos do próprio país e, em
particular, à sua capacidade de processar um grande número e variedade de in-
formações e decisões concernentes a programas em andamento ou novos, essas
inovações encontram muitos problemas inesperados e frequentemente apresentam
resultados imprevistos que as afastam dos objetivos originais.
Existe uma riqueza de inovações menores, iniciadas localmente, que raramen-
te são divulgadas fora do ambiente local. Esses projetos geralmente constituem
uma resposta a problemas imediatos e urgentes da comunidade, e eles são pos-
sivelmente as únicas inovações sobre as quais pode haver consenso suficiente de
modo a assegurar uma implementação rápida e uma adoção durável. O ciclo de
resolução de um problema é mais vagaroso, e centra-se principalmente na escolha
de uma solução prática e aceitável que pode trazer rapidamente algum benefício
inicial. O inovador geralmente corresponde ao perfil clássico do “cosmopolita”, e
a inovação se move muito mais rapidamente se a pessoa possuir conexões com os
funcionários regionais. Esses projetos são tipicamente prejudicados por uma quase
ausência de recursos necessários e pela pouca perspectiva de encontrar mais; tal
circunstância torna a fase inicial de implementação mais crítica na determinação
do resultado da inovação. Técnicas indiretas, informais e socialmente interativas
para a instalação e a disseminação da inovação são predominantes. Algumas das
inovações locais de mais sucesso, mais visíveis e menos controversas são escolhidas
pelos funcionários regionais ou nacionais e testadas em outro lugar, algumas vezes
em um escala muito mais cara.
É possível delinear quatro padrões de projeto muito semelhantes: a “alterna-
tiva de grandeza”, a “expansão controlada”, a “cruzada” e a “mudança local”,
sendo que os dois últimos tipos parecem ter uma taxa de adoção de sucesso e
duração mais alta.

Insumos

Dividimos nossa análise de insumos em duas subseções, uma que trata dos
insumos financeiros e a outra do conhecimento tecnológico. Foi impossível respon-
der à questão “Maiores níveis de financiamento melhoram o projeto?”, porém, se
observou que maiores níveis de financiamento de dentro do país estavam associa-
dos a uma estratégia de aquisição de conhecimento mais sofisticada, ao uso mais
variado da mídia e à visão, por parte dos entrevistados, de que os objetivos do
projeto eram mais realistas. O nível de financiamento do PNUD5, por outro lado,
não pareceu estar significativamente relacionado com quaisquer outras variáveis

5
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: agência que canaliza recursos para
os países em desenvolvimento para projetos de combate à pobreza. (N.T.)

458
importantes do processo. Respondentes da pesquisa expressaram apenas uma
pequena insatisfação com o nível de financiamento tanto interno quanto externo.
Um conjunto de variáveis constitui o que pode ser chamado de síndrome dos
“problemas econômicos”; entretanto, curiosamente, esse conjunto não estava
nem um pouco relacionado ao nível real de financiamento, externo ou interno.
Em relação aos padrões de utilização dos conhecimentos técnicos, encontra-
mos poucos contrastes dramáticos entre usuários internos e externos; na verdade,
todos os tipos de utilização de conhecimento técnico tinham a tendência de estar
interrelacionados, e a elevada utilização de recursos externos estava altamente
correlacionada (r=.35) com o alto uso de recursos internos. O padrão mais inte-
ressante que emergiu dessas análises foi o que chamamos de “utilização sofisticada
de recursos”, pela qual se deposita uma grande confiança em uma combinação de
livros sobre desenvolvimento, documentos e visitas locais a projetos dentro e fora
do país, além da consultoria de especialistas externos. Esse padrão relacionou-se
a um planejamento coerente, a uma ênfase em avaliação, ao uso de vários tipos
de mídia e a um alto nível de suporte financeiro nacional.

Participação, liderança e uso da mídia

Inúmeros estudos e entrevistas levam à conclusão de que as inovações têm que


receber suporte dos líderes para sobreviver. Se o projeto tem escopo nacional, é
necessário receber suporte da liderança mais alta, preferivelmente do presidente
ou primeiro-ministro. O suporte tem que ser mais do que formal ou legal: ele tem
que ser ativo. Os líderes têm que mostrar interesse, aparecendo em público para
advogar a inovação, participando de demonstrações e visitando salas de aula e,
particularmente, usando sua influência com a mídia, para ter certeza de que a
mensagem irá atingir todos os cidadãos.
Entretanto, a participação de líderes não é suficiente; idealmente, deve ha-
ver uma participação muito ativa de baixo, ou seja, de professores e estudantes
e também da comunidade. Os dados da pesquisa indicam que houve poucos
esforços para obter a participação e que os professores se envolviam somente
no mais baixo e rotineiro nível de tomada de decisão, quando o faziam. Por ou-
tro lado, mais de 95% dos entrevistados indicaram que havia alguma forma de
envolvimento da comunidade, geralmente no nível de equipes de trabalho, mas
algumas vezes em todos os níveis. Essa descoberta realça a importância do uso
da mídia como uma tentativa de (a) alertar a comunidade sobre as necessidades
educacionais, (b) alertar a comunidade sobre as inovações educacionais relevantes
às suas necessidades, (c) despertar o interesse delas sobre esses assuntos e (d)
dar-lhes algum sentimento de participação no processo de solução de problemas
e tomada de decisão.

459
Barreiras

Dado o desequilíbrio entre os objetivos de muitos projetos e a capacidade


dos sistemas educacionais e administrativos de lidar com tantos e tão variados
componentes, um grande número de problemas logísticos é encontrado. Essas
barreiras associam-se a dificuldades de comunicação, coordenação e tomadas de
decisão das diversas pessoas ligadas ao projeto. Em consequência, existe uma
falta de clareza na estrutura de tomada de decisão, uma falta de entendimento
comum dos objetivos do projeto e atrasos em autorizações e entregas dos materiais
necessários. Esses problemas são agravados por uma alta taxa de rotatividade de
pessoas-chave associadas ao projeto.
Outra série de barreiras acontece devido à falta de recursos humanos ou
materiais (estagiários, pessoal treinado, financiamento, equipamento), mas muito
disso pode ser atribuído, pelo menos parcialmente, a um planejamento otimista e,
portanto, fora da realidade. A questão da falta de atenção para com os problemas
de implementação é encontrada com frequência em todas as fontes de informação.
Outros problemas se relacionam à subestimação de custos, à baixa qualidade dos
materiais e a atrasos na preparação dos materiais necessários, para os quais o
cronograma foi demasiadamente ambicioso. Problemas referentes à longa distân-
cia entre localidades e ao transporte lento de materiais também podem resultar,
em parte, de um planejamento fora da realidade. A inovação pode também ser
frustrada ou distorcida por um sistema educacional com vestígios coloniais, e que
se mostra agora tremendamente inapropriado para as necessidades do país. Inova-
dores podem subestimar as barreiras institucionais em seu entusiasmo inicial para
introduzir as mudanças que já deveriam ter sido implementadas há muito tempo.
Há indicações de que algumas das vantagens da assistência externa sejam
contrabalançadas por problemas de relações sociais e de diferenças de valores
culturais entre os membros de uma equipe constituída de atores nacionais e
internacionais. Alguns dados sugerem que os consultores mais eficientes são
provavelmente diplomatas e pedagogos visionários, ao invés de técnicos muito
habilidosos e competentes.
O padrão de problemas detectados nas inovações iniciadas localmente e em
pequena escala é marcadamente diferente. Tais inovações são caracterizadas pela
falta de recursos, pela resistência a novas ideias de práticas por parte de muitas
pessoas afetadas pela mudança, pela falta de apoio administrativo, pelo isolamento
e pela baixa qualidade de materiais.

Estratégias

A pesquisa incluiu 30 itens expressando vários pontos de vista que talvez


possam fazer parte de uma estratégia ótima de inovação. Pediu-se aos entrevista-

460
dos que indicassem o quanto seus projetos exemplificavam essas abordagens. Os
resultados das nossas análises tendem a confirmar pesquisas prévias referentes a
estratégias e ideologias de inovação. As respostas se encaixaram em quatro grupos
claros e distintos, os quais denominamos de “Auto-ajuda Participativa”, “Difusão”,
“Poder” e “Insumos Abertos”.
O grupo mais forte, “Auto-ajuda Participativa” incluiu itens tais como: ênfase
no “controle local das tomadas de decisão”, “resposta aos costumes, necessidades
e desejos locais”, “grande margem para iniciativa individual e escolha em nível
local”, “autoajuda” e “a crença em que as pessoas devem ser capazes de resolver
seus próprios problemas com um mínimo de assistência externa”. [...]
Associada, mas diferente da acima citada, estava a estratégia de “Insumos
Abertos”, que incluiu itens tais como: “ampla definição de objetivos”, “abertura
para a reciclagem e redefinição de objetivos e procedimentos”, “utilização máxima
de todos os recursos, nacionais, locais e externos” e “procura por novas ideias
junto ao maior número de pessoas possível”. Essa estratégia de “insumos abertos”
estava também relacionada a uma elevada contribuição financeira nacional, a uma
utilização da mídia, especialmente na cobertura de grandes encontros, palestras
e programas de rádio, e em uma origem interna para o projeto. Havia também
uma elevada correlação entre a autoajuda e as estratégias de insumos abertos, e
ambas tiveram uma grande aprovação de nossos respondentes.
Outra estratégia bem distinta, que chamamos de “Poder”, envolvia uma “clara
administração hierárquica das tomadas de decisão”, o “uso de diretivas, leis, regras
e manuais de procedimento”, “sanções negativas por falha em obedecer aos pro-
cedimentos do projeto ou em cumprir com os seus objetivos”, e o “envolvimento e
a orientação de uma alta liderança política”. Essa estratégia era claramente muito
menos popular do que as outras duas já mencionadas, mas representa também
claramente uma abordagem ainda largamente utilizada. Ela também está associada
ao uso da mídia, como palestras e rádio, e levemente relacionada (r=.20) com o
nível de financiamento do PNUD.
Uma quarta abordagem distinta, que chamamos de “Difusão”, incluía itens
tais como o “uso de canais informais”, “técnicas de persuasão”, a “identificação
e uso de formadores de opinião formais e informais”, e o “uso planejado da mídia
de massa para despertar o interesse pelas inovações”. Os itens nesse grupo foram
escritos para corresponder às principais descobertas dos estudos sociológicos da
difusão de inovações (ex. como resumido por Roger e Shoemaker, 1971). Esta
estratégia está também correlacionada com uma alta contribuição nacional e
uma substituição antecipada de financiamento e pessoal não-nativo. Ela também
se correlaciona com o nosso índex de participação de vários grupos e níveis do
sistema educacional, com o uso de recursos relativamente sofisticados e com o
emprego de diversas mídias. A maioria dos respondentes, entretanto, não relatou
o emprego extensivo dessa estratégia, apesar de sua firme base em estudos de
pesquisa sociológica.

461
As descobertas acima referentes a diferentes estratégias correspondem muito
bem às descobertas relatadas em outros estudos e aos resumos teóricos relatados
previamente por Havelock (1969), Huberman (1973) e Dalin (1973). Falhamos,
entretanto, em encontrar uma reafirmação clara de uma estratégia que chamaría-
mos de “empírico-racional” ou de “pesquisa-e-desenvolvimento”, e que tínhamos
previsto com base nesses estudos prévios. Aparentemente, os projetos baseados
em pesquisa e planejados, implementados e avaliados muito sistematicamente
são bastante raros nos países em desenvolvimento, apesar de sua popularidade
em alguns países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos e na Suécia.
[...]

Resultados

A curto prazo, um enorme número de inovações encontram dificuldades ines-


peradas que podem ser atribuídas pelo menos em parte a um planejamento muito
rápido ou muito superficial. Grandes quantidades de tempo, energia e recursos
são gastas em lidar com essas dificuldades, fazendo com que as inovações sejam
frequentemente adiadas ou desviadas. Em poucos casos, o resultado de curto
prazo é consoante com os objetivos de curto prazo. Frequentemente, o número e
a variedade de resultados antecipados obrigam funcionários ou diretores de pro-
jetos a cortar o tamanho e o escopo da inovação para proporções mais modestas.
Essa atitude tende a tornar a implementação e a adoção mais suaves, mas também
diminui a margem de mudança inicialmente planejada e provavelmente necessária
para atender às necessidades da comunidade, instituição ou província.
Ao mesmo tempo, os efeitos de longo prazo são frequentemente menores do
que os planejados. Isso se deve principalmente a três fatores: a enorme distância
entre o desejo de mudança e as habilidades e comportamentos dos alunos e das
instituições, a atenção inadequada dada à prática e ao aprendizado dessas habi-
lidades ou aos comportamentos durante a duração do projeto, e a força do meio
externo em reduzir as mudanças a proporções mais familiares e “digeríveis”.
A natureza exata e o nível desses resultados são de difícil mensuração, devido
aos baixos níveis de detalhamento, rigor e confiabilidade das avaliações formais
que são feitas. Estudos posteriores, em especial, raramente existem. Em relação
ao objetivo específico de transferência de responsabilidade externa para interna
em termos de pessoal e financiamento, as taxas de sucesso parecem ser maiores
em se tratando de inovações menores, porém bem planejadas e criadas localmente
(em contraste com as de origem externa). Algumas das condições associadas a
uma boa transferência são (a) a provisão de apoio durante a fase de adoção, (b) o
aumento gradual da prática e da responsabilidade durante a vida do projeto e (c)
o desenvolvimento da autoconfiança e do compromisso com a inovação através
da desmistificação do papel do “perito-especialista”.

462
Existem poucas informações precisas ou confiáveis sobre como ou quão bem
muitos destes grandes projetos-piloto são generalizados ou divulgados para outros
públicos. Dados disponíveis sugerem que existe uma tendência de generalizar ra-
pidamente, com pouca negociação ou planejamento prévio, e divulgar tal difusão
pelos canais administrativos existentes. Essa estratégia pode, com frequência,
sinalizar várias dificuldades futuras inesperadas, especialmente uma resistência
crescente com relação às mudanças desejadas e uma subversão dos objetivos iniciais.
Devido à percepção da urgência das necessidades e da impaciência de fornecer
pelo menos soluções temporárias, algumas das técnicas mais vagarosas e menos
diretas de disseminação de inovações são raramente usadas, apesar delas mos-
trarem promessas de trazer mudanças mais duráveis e abrangentes no longo prazo.

463
Leitura 3
Políticas de reforma educacional: comparação entre países

Robert R. Kaufman e Joan M. Nelson (2005)6

[...]

O Elenco de Atores: Reformistas, Opositores e os que Não se Envolvem

São muitos os fatores que explicam as similitudes e diferenças que existem


entre os países, com respeito aos alcances e os tipos de reformas educacionais
implementadas. O primeiro passo para analisar os padrões existentes é identifi-
car os atores relevantes do processo, seus recursos e seus interesses, que podem
mudar consideravelmente à medida que as políticas passam do desenho para a
implementação. Não obstante, é possível identificar atores que são particularmente
importantes em vários pontos do processo de reforma, seja como promotores ou
como opositores das propostas. Ou ainda, como atores que não se envolvem da
maneira esperada.

Quem Pressiona Pelas Reformas?

Apesar do evidente interesse dos cidadãos em receber uma melhor oferta


educacional, ao longo dos anos noventa, a categoria de atores que efetivamente
pressionou para que se dessem mudanças específicas, foi bastante limitada. Em
geral, as iniciativas surgiram de especialistas do setor provenientes de organizações
nacionais e internacionais, de funcionários públicos responsáveis por reformas
macroeconômicas e, em alguns casos, de presidentes e do alto pessoal de governo.
Em pelo menos dois casos, Nicarágua e Brasil, os principais proponentes foram os
Ministros da Educação, que chegaram ao cargo após terem percorrido uma longa
carreira como analistas do sistema educacional, e eram defensores de medidas
que buscavam melhorias na qualidade. Na Venezuela, o Ministro da Educação

6
Texto extraído de: Robert R. Kaufman e Joan M. Nelson. Políticas de reforma educacional:
comparação entre países. PREAL Documentos, No. 33, Agosto, 2005. (Disponível em: http://
www.preal.org/BibliotecaN.asp?Pagina=2&Id_Carpeta=64&Camino=63|PrealPublicacion
es/64| PREAL Documentos. Acesso, 07/04/2011.)

464
designado pelo Presidente Rafael Caldera (1993-98) também havia sido defensor
da reforma educacional durante um longo tempo, apesar do principal impulso
para a descentralização ter vindo de pessoas não especializadas da Comissão
Presidencial para a Reforma do Estado (COPRE) (Navarro, 2000).
Em alguns casos, a reforma educacional foi apoiada por funcionários vincu-
lados aos Ministérios das Finanças, cujas carreiras estavam na área de políticas
macroeconômicas e não na área da educação. Vale a pena destacar o fato de
que, ainda quando, em geral, a principal preocupação de tais funcionários era
a eficiência, a descentralização quase nunca esteve motivada pelo objetivo de
aliviar as pressões ao pressuposto nacional. Somente na Argentina, este último
foi um objetivo central; e, ainda nesse país, os governos locais e os sindicatos
de professores conseguiram forçar o poderoso Ministro de Fazenda para que se
comprometesse a realizar um aumento de recursos destinados à educação. No
México, onde os funcionários macroeconômicos também lideraram a iniciativa de
reforma, o Presidente Salinas e seu Ministro da Educação Zedillo pareciam ver
a descentralização não como uma forma para economizar recursos públicos, mas
como um passo necessário para fazer competitiva a economia mexicana. Como
assinala M. Grindle (2004), os gastos em educação aumentaram durante esse
período presidencial. Os gastos como porcentagens do Produto Interno Bruto
também aumentaram significativamente durante a década dos noventa no Brasil
e Colômbia, e sutilmente na Venezuela.
Organizações internacionais de financiamento, especialmente o Banco Mun-
dial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, brindaram uma terceira
fonte de apoio às reformas educacionais. Essas organizações contribuíram para
voltar a atenção aos temas educacionais, proporcionando informação e assessoria
fundamentalmente relacionada com as experiências de outros países e regiões. O
financiamento externo também brindou um apoio importante nos casos em que
os reformadores locais conseguiram obter apoio político, e tanto o Banco Mundial
como o Banco Interamericano de Desenvolvimento prestaram respaldo financeiro
e assistência técnica em vários casos. Com a possível exceção da Nicarágua, as
organizações internacionais de financiamento não lideraram o lançamento nem
o desenho dos programas de reforma. Pelo contrário, na maioria dos casos, os
atores locais foram centrais, tanto na iniciativa como no desenho dos programas.7

Grupos de Poder e Grupos Neutros (Imparciais)

Os sindicatos de professores estão entre os grupos de interesses mais visíveis


e importantes dos sistemas educacionais existentes e, em geral, têm um amplo

7
Estas conclusões são consistentes com os resultados de importantes estudos estatísticos que
também mostram que os programas do Banco Mundial não tiveram um efeito significativo nas
políticas de educação dirigidas aos mais pobres (Hunter & Brown, 2000).

465
poder político em defesa de seus interesses. Durante os anos 50, 60 e 70, os
sindicatos de professores apoiaram fortemente a expansão da educação primá-
ria, a qual contribuiu para aumentar significativamente a filiação sindical, assim
como sua influência política. Em quase todos os países, os trabalhadores do setor
educacional constituem uma das duas maiores categorias de empregados do setor
público (a segunda é a saúde). Ao contrário dos trabalhadores do setor saúde, a
totalidade da carreira do magistério ocorre no setor público; em consequência, e
em ausência de fontes de renda do setor privado, são mais propensos a utilizar seus
recursos políticos para pressionar pelos seus interesses (Maceira & Murillo, 2001).
Todos os estudos de caso mostram como os sindicatos estiveram entre os
principais oponentes às “reformas qualitativas” que surgiram na agenda política
durante os anos 90. Para ser preciso, sua oposição não foi sempre intransigente,
como aconteceu com o caso mexicano. Em geral, foram adversários poderosos, e
na maioria das vezes se opuseram fortemente às iniciativas de descentralização que
pudessem debilitar seu poder de negociação frente às autoridades políticas no nível
nacional. Outras medidas que de alguma maneira ameaçavam as bases do poder
sindical como, por exemplo, os esforços para gerar incentivos para professores e
escolas associando o desempenho a prêmios, foram raramente acolhidas e, pelo
contrário, fortemente repudiadas.
Não obstante, a capacidade desses sindicatos em criar obstáculos para o curso
das reformas teve variações consideráveis de país para país e ao longo do tempo.
Como mostram os casos do México e Colômbia, o tamanho, estrutura e influência
do sindicato colombiano (FECODE) e do mexicano (SNTE) lhes deram maior
poder de negociação durante o curso de processo de mudanças. Os dois tinham
crescido muito rapidamente durante a expansão do sistema educacional dos anos
70. Ambos estavam altamente centralizados no nível nacional e exerciam uma
influência importante frente a seus respectivos Ministérios da Educação.
Ainda quando esses sindicatos não puderam evitar mudanças em seus respec-
tivos sistemas educacionais, tiveram êxito na negociação de importantes concessões
no desenho da reforma e na defesa de seus direitos no curso da implementação.
Em ambos os casos, insistiram com êxito na manutenção das estruturas centra-
lizadas de negociação coletiva e na regulação da gestão de pessoal; igualmente,
conseguiram um alto incremento salarial no lugar de concessões feitas com respeito
à descentralização. Na Colômbia, a pressão sindical atenuou significativamente
os esforços para descentralizar a educação, retardou as tentativas de aumentar
o controle municipal e contribuiu para uma grande confusão de atribuição de
recursos e responsabilidades entre níveis de governo. As demandas sindicais por
salários mais altos e aumentos na contratação de professores absorveram a maior
parte do imenso incremento no gasto educacional ordenado pela Constituição
durante os anos 90.
Em outros países, os sindicatos eram mais débeis; e ainda que isso não as-
segurasse maiores mudanças no sistema educacional, oferecia aos proponentes
de reformas um campo mais amplo de manobra. No sistema federal do Brasil,

466
descentralizado, os sindicatos de professores negociaram contratos de trabalho no
nível estadual e não foram capazes de coordenar uma efetiva resposta nacional de
oposição às iniciativas de reestruturação (Draibe, 2005). Na Nicarágua, o principal
sindicato de professores se afiliou ao derrotado governo sandinista, e demonstrou
pouca capacidade para resistir às iniciativas de autonomia escolar. Na Venezuela
(Celli, 2005), os professores, representados por sete sindicatos diferentes, assim
como no Brasil, enfrentaram barreiras significativas à ação coletiva. As reformas
descentralizadoras iniciadas durante os anos 90 fracassaram na Venezuela, mas
os sindicatos não foram os principais obstáculos. A implementação fracassou
principalmente pela dificuldade de negociar transferências de fundos e pela
renúncia dos governos regionais em assumirem novas e potencialmente custosas
responsabilidades (Navarro, 2000)8.
Ainda quando nesta análise se enfatizam as diferenças entre os países, é
importante ressaltar que a influência política dos sindicatos também pode mudar
durante o curso da reforma. Os sindicatos de professores argentinos ilustram
claramente essas possibilidades dinâmicas. Tais sindicatos estavam organizados
tanto no nível regional como em confederações nacionais. Igualmente como no
caso do Brasil e Venezuela, enfrentavam sérios problemas no exercício da ação
coletiva. Em 1991, quando o Ministro da Economia Cavallo transferiu às provín-
cias responsabilidades dentro da educação secundária, os sindicatos não foram,
em princípio, capazes de reagir; entretanto, nos anos seguintes, a Confederação
Nacional de Professores teve êxito com a mobilização dos sindicatos provinciais
por conta de uma ampla campanha para aumentar as remunerações de financia-
mento federal. Nessa instância, de forma paradoxal, a repercussão política dos
sindicatos pode haver tido um efeito positivo, já que ajudou a suavizar o processo
que originalmente apontava menos em aumentar a qualidade educacional do que
reduzir gastos no nível federal9.
Os políticos eleitos formaram outro importante grupo de interesse devido às
oportunidades de clientelismo que a burocracia educacional oferecia. Esses, assim
como os sindicatos de professores, obtinham vantagens políticas das reformas
orientadas em ampliar o acesso às escolas, já que os programas de construção
destas foi uma importante fonte de recursos clientelistas10 e onde os benefícios

8
Navarro (2000) argumenta que, apesar do fracasso de transferir responsabilidades formais
no setor social, o estabelecimento de eleições locais de governadores e prefeitos em 1989
criou um importante incentivo para que estes se encarregassem de proporcionar serviços
sociais, observando-se, entre outras coisas, um importante incremento nos gastos locais e
estatais. Sugere-se, entretanto, que esse esforço se viu refletido mais no setor da saúde do
que no educacional.
9
A nova legislação estabeleceu metas obrigatórias e discricionais, incluindo a extensão da
educação obrigatória de 7 a 10 anos, a garantia da assistência gratuita e a duplicação dos
investimentos no setor durante os cinco anos seguintes.
10
A expressão recursos clientelistas é utilizada como equivalente a pork-barrel resources. Essa
expressão faz referência aos recursos que os membros do Congresso (norte-americano) ob-

467
de novas oportunidades educacionais para os filhos dos eleitores foram evidentes
de imediato. Todavia, as reformas qualitativas como as debatidas nos anos no-
venta, não gozavam de retornos tão visíveis e populares no eleitorado. Como já
se mencionou, o setor educacional era a maior fonte de emprego público e, salvo
circunstâncias excepcionais (transições democráticas, crises de legitimidade, etc.),
as vantagens obtidas na implementação desses tipos de reformas eram frequente-
mente superadas pelos custos de renunciar ao acesso a recursos clientelistas do
sistema educacional (Geddes, 1994).
Tais fatores foram especialmente fortes no caso colombiano, onde os legislado-
res e dirigentes de partido conseguiram criar uma resistência efetiva aos esforços
para reduzir o controle clientelista da contratação e ascensão dentro do setor
educacional. Este, entretanto, não foi tão certo em todos os casos. Os legisladores
não foram atores significativos na história das reformas do México, Nicarágua e
Venezuela, e desempenharam tão somente um papel marginal nos resultados.
Em outros casos, as circunstâncias levaram alguns membros dos partidos a
facilitar aspectos específicos dos processos de reforma. No Brasil, um respaldo
importante para a reforma educacional proveio dos líderes do PSDB, partido
do governo Cardoso (Partido Social Democrático), os quais tinham desde muito
tempo um compromisso com a reforma do setor social. Na Argentina, no contexto
da campanha sindical anteriormente mencionada, os peronistas moderados da
Câmara de Representantes ajudaram a concretizar um compromisso entre os
tecnocratas do Ministério das Finanças e os representantes dos governadores das
províncias, sobre o tema de garantias de financiamento para estas. O controle
sobre o clientelismo não estava diretamente em discussão e o compromisso desa-
tivou um possível estancamento entre o governo, as autoridades provinciais e os
sindicatos de professores.
Inicialmente, as autoridades municipais e provinciais foram outras fontes de
oposição ou, pelo menos, de ambivalência frente à reforma. Na Argentina e na
Colômbia, onde a educação já havia sido descentralizada até certo ponto, os gover-
nos regionais se mostraram resistentes em delegar autoridade aos municípios. Mas
ainda, na Argentina, México e Venezuela, os governantes regionais enfrentaram o
difícil desafio político de fazer a fusão de suas escalas salariais e de administração
dos sistemas escolares recém-transferidos com os já existentes no nível estatal.
Esses problemas retardaram as negociações bilaterais e a implementação das
reformas na Argentina e no México e, como já se mencionara, praticamente as
paralisaram na Venezuela.
Ao mesmo tempo, para alguns funcionários regionais que nunca haviam tido
esse tipo de autoridade, a federalização ou municipalização da educação gerava

têm ao pressionar os responsáveis por iniciativas governamentais, para destiná-los a projetos


específicos desenvolvidos em suas regiões de origem, os quais, de modo geral, não têm re-
lação com os objetivos centrais da iniciativa. Sua finalidade é obter respaldo político para os
legisladores. (N. T.)

468
um alto risco, assim como uma oportunidade de obter vantagens políticas. Em
algumas localidades (Minas Gerais no Brasil, São Luis na Argentina e Bogotá na
Colômbia) a descentralização deu aos governadores e prefeitos, especialmente
aos arrojados, a oportunidade de implementar programas inovadores que torna-
ram possível a prestação de contas no nível escolar e a participação dos pais. De
uma forma geral, todavia, assim como no setor de saúde, os governantes locais
se mostraram reticentes em apoiar reformas de descentralização, já que sentiam
que elas significariam mais responsabilidades sem o financiamento adequado. E,
mais do que isso, as autoridades locais não estavam particularmente ansiosas em
assumir a tarefa de negociar com os sindicatos beligerantes quando anteriormente
estes somente haviam negociado diretamente com o ministério no nível nacional.
Igualmente, como no caso dos sindicatos de professores, o poder dos gover-
nadores e prefeitos frente ao Poder Executivo no nível nacional teve variações
entre os diferentes países. No México, no princípio dos anos noventa, muitos dos
governantes eram de fato, e, inclusive, oficialmente, designados pelo presidente que
os havia escolhido como candidatos do PRI. Como menciona Grindle (2004) em
sua análise do caso mexicano, os governadores somente desempenharam um papel
marginal nas negociações sobre descentralização. Em contraste, os governadores
argentinos puderam, em geral, contar com o apoio de grupos de eleitores locais e
usualmente conseguiram controlar grupos significativos no interior do Congresso.
Se bem que não tiveram êxito em evitar, em 1991, a transferência das escolas
secundárias do controle federal ao provincial, durante a legislação seguinte em
1993, os senadores e deputados que representavam os interesses das províncias
exerceram fortes pressões para obter consideráveis aumentos e garantias sobre o
financiamento federal da educação, e conseguiram acordos que garantiram que
o investimento seria dobrado em um período de cinco anos.
À medida que os governos buscaram diminuir os fundos destinados à educação
superior, os beneficiários das universidades públicas “gratuitas” foram outras
fontes importantes de oposição. No Brasil (e em outros países), as famílias de renda
média e alta pagavam os custos da educação primária e secundária privada de
seus filhos, com a expectativa de que posteriormente tivessem a oportunidade de
ingressar em universidades nacionais completamente subsidiadas. Os esforços para
reduzir direitos adquiridos, transferindo alguns dos custos aos estudantes e suas
famílias, geraram prolongadas greves de estudantes e docentes em países como
Argentina, Brasil e México, o que forçou os governos a abandonar tais propostas.
Obviamente se os gastos educacionais agregados aumentam, as prioridades do
gasto podem ser mudadas sem recortes no financiamento para as universidades
que são politicamente custosas. Entretanto, as restrições fiscais para esse caminho
colocaram uma forte barreira aos governos que pretendiam financiar melhorias
na qualidade no nível primário e secundário.
Assim como no setor de saúde, é importante ressaltar o papel relativamente
limitado que desempenharam os empresários como atores significativos do processo
de reforma. As elites internacionais e políticas frequentemente têm enfatizado a

469
necessidade de melhorar a qualificação da força de trabalho na medida em que a
economia está mais exposta ao competitivo mercado internacional. Os estudos de
caso, entretanto, mostram muito pouca evidência de que os grupos de empresários
efetivamente tenham advogado por tais mudanças. A principal exceção foi o caso
da Venezuela, onde o Fórum Educacional da Venezuela, um grupo de defensores
da reforma educacional, recebeu um importante apoio financeiro da comunidade
empresarial11. As associações de empresários desse país também apoiaram uma
tentativa de lançar um programa-piloto em colégios públicos selecionados em
1992; contudo, o programa não prosperou devido a uma violenta reação dos
sindicatos dos professores, que temiam que isso abrisse as portas a contratações
por fora do magistério.
Em outros países, os empresários não parecem ter sido atores-chave. De fato,
uma recente pesquisa realizada no nordeste de Brasil (Tendler, 2002) mostra que
alguns grupos de empresários e industriais não são simplesmente passivos, senão
céticos frente a [necessidade de] melhorar a educação. De acordo com sondagens
realizadas na região, os donos e administradores de grandes plantas de produção
consideram que, com um determinado treinamento no lugar de trabalho, se pode
assegurar uma produtividade razoável com trabalhadores com pouca educação
formal. Temem que uma maior escolaridade reduza a docilidade dos trabalhadores,
motive sua migração a regiões mais prósperas e provoque o aumento dos salários.
Os funcionários públicos e políticos regionais tendem a compartilhar esse
ponto de vista e a considerar a mão de obra barata como a principal vantagem
comparativa da região. Apesar da alta prioridade que a opinião pública dá à
educação nas pesquisas, seu apoio às reformas é bastante reduzido. As pesquisas
[realizadas pelo] Latinobarômetro, mostram que o interesse do público pela edu-
cação é amplo, mas não parece ser muito contundente, e é propenso a diminuir
nos períodos de crises econômicas. Muitos pais de meninos que vão à escola se
interessam ativamente pelos assuntos que ocorrem nela; mas esse interesse não
se traduz em uma consciência, e muito menos em atividade, com respeito às po-
líticas ou programas educacionais no nível local e ainda menos no nível nacional.
Adicionalmente, uma grande proporção de pais de classe média, mais propensos
a estarem informados e a participar, envia seus filhos a escolas privadas. Também
é possível que pais menos educados e mais pobres não sejam tão críticos com a
qualidade das escolas, talvez porque seus filhos estejam recebendo mais educação
do que a que eles receberam.
Em algumas ocasiões, os reformistas do governo têm conseguido mobilizar
um forte apoio político. Por exemplo, no ano de 2001, uma modificação de am-
plo alcance na reforma educacional na Colômbia foi facilitada pela oposição da
opinião pública frente às greves permanentes dos professores exigindo melhorias

11
Comunicação pessoal com Juan Carlos Navarro.

470
salariais, mesmo vivendo em tempos difíceis12. Contudo, na maior parte do tem-
po, o público em sua maioria tem desempenhado um papel secundário, tanto em
apoiar as iniciativas de reforma, como em apoiar os reformistas, uma vez que o
processo está se adiantando.
Que conclusões podemos tirar sobre o impacto desses atores no processo de
reforma? Como argumenta Grindle (2004), não se pode fazer um balanço mecânico
da dimensão da mudança no setor educacional medindo-se a força relativa das
iniciativas pró e antirreforma. Em parte, isso se deve ao posicionamento dessas
forças, assim como os recursos com os quais conta podem modificar-se durante o
curso do processo. De fato, reformistas que quiseram ir mais além de gerar mudan-
ças incrementais, enfrentaram oponentes bem organizados com uma considerável
capacidade de defender seus interesses no status quo. [...] Inclusive os sindicatos
relativamente débeis, como, por exemplo, o dos venezuelanos, foram capazes de
deixar para trás esforços importantes ligando a remuneração ao desempenho e
de implementar programas-piloto instituindo as escolas charter.
Apesar dos fatos anteriores, em alguns países, certas reformas, sim, puderam
caminhar. A capacidade dos opositores políticos para obstaculizar mudanças sig-
nificativas variou segundo o tema e o país. Em alguns casos, como o do México,
mesmo os sindicatos relativamente poderosos mostraram disponibilidade para ne-
gociar compromissos que não distorceriam integralmente os esforços reformadores
para transferir responsabilidades aos estados. Da mesma maneira, ainda quando
os governadores foram assumir as responsabilidades dos sistemas educacionais
descentralizados, alguns deles assumiram reformas inovadoras em seu nível de
jurisdição. E, no mesmo sentido, apesar dos reformistas não contarem com um
apoio constante por parte das comunidades de empresários, das organizações não
governamentais e do público em geral, a crescente preocupação internacional e
local por temas educacionais lhes abriu possibilidades, especialmente em períodos
em que as economias pareciam ter-se recomposto das crises macroeconômicas,
abrindo caminho para priorizar “assuntos sociais”.
[...]

A Bolívia nos dá outro exemplo. Em 1999, o Ministro da Educação resistiu, pela primeira vez
��

exitosamente, ao poderoso sindicato de professores; o contexto incluía a impaciência pública


estimulada pela publicidade governamental bem intencionada sobre as greves recorrentes dos
professores e a suas demandas crescentes (Grindle 2004).

471
Leitura 4
Pesquisando a implementação das políticas educacionais:
uma abordagem de mapeamento reverso

Caroline Dyer (1999)13

Introdução
Planejar o crescimento qualitativo e quantitativo de sistemas educacionais
ainda não plenamente desenvolvidos é algo que pode ser visto como uma “série
de episódios desorganizados e sobrepostos nos quais uma variedade de pessoas e
organizações com enfoques diversos estão ativamente envolvidas – tanto técnica
quanto politicamente” (Haddad, 1995: 17). Esse processo torna-se ainda mais
complexo no instante em que a política abstrata entra nas fases concretas da im-
plementação. Nesse momento, se o planejamento das etapas não for cuidadoso,
os resultados podem levar a uma forte resistência contra o pensamento político
por trás desses esforços, bem como a resultados inesperados. Isso, por sua vez,
pode significar que a gestão eficaz da mudança cede lugar a uma série de ajustes
ad hoc, bem como à adoção de estratégias de curto prazo visando a fazer frente
aos problemas, o que acaba diluindo a eficiência da política. Segundo Haddad
(1995: 36), “superestimar a facilidade da implementação é provavelmente o erro
mais frequente no planejamento de políticas”.
Nos países em desenvolvimento, conceber as políticas é uma atividade mais
prestigiosa do que implementá-las, de modo que é para a formulação das políticas
que as atenções se voltam (Ganapathy, 1985). Em uma revisão de políticas exe-
cutadas em 19 países em desenvolvimento, Verspoor (1992: 237) constata “um
descaso quase universal em relação às questões de implementação”. Os responsá-
veis por essas políticas “tendem a supor que as decisões de promover mudanças
automaticamente resultarão na alteração das políticas ou do comportamento das
instituições” (Grindle; Thomas, 1991: 121), ao invés de planejarem cuidadosamen-
te as etapas de implementação que se seguem à decisão de se iniciar a mudança.
Em vez de verem a implementação de uma política como parte integral de sua
formulação, seus idealizadores tendem a enxergá-la como um apêndice. Entretanto,

Texto extraído de: Caroline Dyer. Researching the Implementation of Educational Policy: a
��

backward mapping approach. Comparative Education, Vol. 35, No. 1, 1999: 45-61. Repro-
duzido com permissão de Taylor & Francis Group, London.

472
é justamente na tradução para a prática que se põem à prova a propriedade e a
viabilidade da política pretendida, e é a partir daí que surge a oportunidade, à
luz da experiência, de fazer os ajustes necessários. Isso porque “a implementação
não é uma breve pausa entre uma ideia brilhante e uma realização competente”
(Khan, 1989: 864). E o comentário feito por Nieuwenhuis (1997: 141) sobre a
formulação de políticas na África do Sul é, certamente, de aplicação universal: “o
sucesso de qualquer política educacional reside em sua implementação”.
[...]
Como a implementação das políticas educacionais nos países em desenvolvi-
mento não têm recebido um grau suficiente de atenção analítica, muitos aspectos
dos processos envolvidos ainda não são bem compreendidos. Se existe uma
concordância sobre a necessidade de se concentrar na implementação, existe
também uma necessidade de desenvolver abordagens metodológicas capazes de
permitir o acúmulo de informações relevantes, para que seja possível compará-las
e contrastá-las a partir de diferentes contextos, seja dentro de um país específico,
seja entre diferentes países. Este artigo utiliza um modelo conhecido como “ma-
peamento reverso” (Elmore, 1980), com o propósito de ilustrar os processos de
implementação na grande e heterogênea política federal indiana, bem como para
estabelecer uma comparação de resultados entre diversos contextos diferentes
dentro deste país.
Num estudo de caso sobre a Operação Quadro-negro14, um programa pa-
trocinado pela Política Nacional de Educação (1986; revisado em 1992), o mo-
delo de “mapeamento reverso” conseguiu produzir insights significativos sobre
a “caixa preta” dos processos envolvidos nas políticas de implementação. Pelo
mapeamento reverso, obteve-se um conjunto de achados mostrando que o padrão
de implementação observado em todos os três diferentes níveis da burocracia era
muito similar, além de se ter constatado uma oposição entre o dito padrão e as
mensagens articuladas pela política em questão. Uma comparação feita entre três
diferentes contextos no nível da escola identificou certas condições que podem
estar correlacionadas com resultados de implementação mais bem-sucedidos.
Além de avaliar os resultados da Operação Quadro-negro, esse modelo gerou,
para o estudo das políticas educacionais, uma grande riqueza de informações
referentes aos contextos escolares e burocráticos em que essas inovações tinham
que se inserir. Finalmente, o modelo de mapeamento reverso adotado permitiu
que se sugerissem possíveis estratégias para promover uma implementação mais
eficaz das políticas no futuro. Caso essa pesquisa comparativa e contextual tivesse
precedido a implementação da Operação Quadro-negro, esta claramente teria se
beneficiado por receber um planejamento mais bem-sucedido.
Este estudo de caso mostra como outras pesquisas desse tipo podem ter
grande utilidade, particularmente no contexto das constantes dificuldades que
muitos países em desenvolvimento ainda enfrentam para atingir a universalidade
14
Lit.: Blackboard Operation. (N. T.)

473
da educação primária, meta essa reafirmada em 1990 na Conferência Mundial
do Programa Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia.

A Pesquisa sobre Implementação

Enquanto o Hemisfério Sul não desenvolve sua própria abordagem conceitual,


a pesquisa sobre a implementação de políticas se verá obrigada a tomar empres-
tados os enfoques oriundos de três décadas de pesquisa no Norte, principalmente
nos EUA. Tais instrumentos não são ideais, uma vez que, no Hemisfério Sul,
não se pode dar como certa a existência de diversas premissas, como um grau
razoável de estabilidade política, fortes tradições democráticas, bases de dados
e de informações acessíveis e capazes de orientar a formulação de políticas e um
funcionalismo público relativamente imune à corrupção e dotado de fortes tradi-
ções de avaliação profissional (Smith, 1985). Portanto, as “soluções” oferecidas
pelas pesquisas realizadas no Hemisfério Norte podem ter muito menos utilidade
do que seus respectivos construtos de implementação. Não obstante, cabe reco-
nhecer que esse corpo de pesquisa (o qual vem, ele próprio, sendo criticado como
sendo “abundante em descrições e escasso em prescrições”, Elmore, 1980: 601)
fornece um ponto de partida.
Para explicar as práticas indianas de implementação de políticas, é possível
identificar dois modelos, ambos pertencentes à tradição “de cima para baixo” 15.
Um deles é o “modelo de processo burocrático”, que começa com uma mensagem
política, no topo, e vê a implementação como uma cadeia (Dunsire, 1978), ou
seja, uma questão de logística para baixo, a ser regulada por cima. Nesses casos, a
política é vista como soberana, e a resistência a ela tende a ser considerada como
algo irracional e como uma barreira à sua implementação. É nesse paradigma que
se enquadram os métodos de implementação dos órgãos dos governos federais
da Índia e do Paquistão. Noordin (1985: 472), por exemplo, ao discutir o caso
indiano, inclui a implementação como o último dos cinco passos de um processo
sequencial (identificação de regularidades empíricas; deliberação; pronunciamento;
operacionalização; implementação). Ele descreve a implementação como sendo a
“transmissão de um projeto para as unidades operacionais”, o que, por sua vez, é
uma atividade bastante direta, visto que a estrutura, as limitações (e) as prioridades
(...) já foram todas delineadas. Por sua vez, Forojalla (1993), escrevendo a partir
de uma perspectiva africana, também endossa implicitamente essa abordagem. O
foco subjacente aqui é o controle, visto que “os valores técnicos de eficiência e de
economia tendem a dominar a seleção dos meios” (Held, 1980: 265).
O segundo modelo que explica as práticas indianas de implementação de
políticas é o de “barganha e conflito”, ou seja, um modelo que reconhece que a
implementação das políticas é um processo confuso. Segundo essa abordagem, os

15
No original, top down. (N. T.)

474
desafios e a resistência às mensagens políticas são racionais, e a implementação
das políticas é vista como um processo de mediação entre interesses concorrentes,
que podem ter resultados inesperados. O argumento aqui é o de que a implemen-
tação de uma política é meramente uma continuação do processo de sua própria
formulação, ou seja, parte integrante de sua elaboração (Barrett; Hill, 1984).
O foco desse modelo reside em verificar como as ações e o comportamento dos
indivíduos ou dos grupos se relacionam com a política em questão, ou seja, em
considerar “a interação estratégica entre os diversos atores numa rede de políticas”
(Sabatier, 1986: 33). Como este estudo de caso mostrará, tal abordagem permite
que se chegue mais perto de explicar o que, na prática, acontece numa federação
de múltiplos níveis, como é a Índia.

A Lógica do Modelo de Mapeamento Reverso

Elmore (1980: 602-603) descreve a lógica inerente à abordagem de cima


para baixo como sendo a de mapeamento para frente, ou seja, que “começa no
topo do processo, com uma declaração tão clara quanto possível das intenções dos
idealizadores da política, e continua por meio de uma sequência de etapas cada vez
mais específicas”, para então enunciar “um resultado que possa ser medido para
determinar o sucesso ou fracasso”. Os analistas políticos do Hemisfério Norte que
vêm estudando tais mecanismos de entrega das políticas de cima para baixo, têm
implicitamente endossado a importância do controle. Eles têm, portanto, procurado
aumentar a eficiência ou a eficácia da implementação de um programa sugerindo
a adoção de estatutos mais rigorosos para as políticas (Ingram; Schneider, 1990),
a melhoria da estrutura legal (Mazmanian; Sabatier, 1981), e o aperfeiçoamento
dos elos entre as entidades organizacionais responsáveis pela implementação (Sa-
batier, 1986, Dunsire, 1978). Entretanto, Elmore (1980: 603), argumenta que a
ideia segundo a qual é possível controlar a implementação a partir de cima, para
então traçar o seu rumo, é um mito, não sustentado por um crescente corpo de
evidências de pesquisas, de modo que isso implica que a lógica do mapeamento
para frente está errada. Uma sugestão desse mesmo autor é a adoção de uma lógica
diferente e mais útil de mapeamento, o reverso, que ainda sirva “ao interesse dos
responsáveis pelas políticas de afetar o processo de implementação e os resultados
das decisões políticas” (Elmore, 1980: 604).
O mapeamento reverso começa com “uma descrição do comportamento
específico no nível mais baixo do processo de implementação que criou a ne-
cessidade de uma política de reforma” (Elmore, 1980: 604). De acordo com
essa lógica, as informações referentes à elaboração de uma política não provêm
de uma “declaração de intenções” feita pelos seus formuladores, mas, antes, de
uma compreensão da discrepância entre a prática real e a prática desejada, que
a política, em sua formulação, tenta eliminar. Esse processo de mapeamento ope-
ra, então, de modo reverso, pois procura investigar “qual a habilidade que cada

475
unidade precisa para afetar o comportamento-alvo da política; e quais recursos
seriam necessários para que se atingisse esse objetivo” (Elmore, 1980: 604). Em
cada estágio, identifica-se um conjunto de operações organizacionais e como elas
funcionam. Após uma investigação analítica que estimula um questionamento
sobre as necessidades das políticas, e sobre as opções políticas disponíveis para
satisfazê-las, a política surge como o estágio final, sendo formulada somente após
uma revisão completa da trajetória de sua implementação. Isso permite que os
recursos sejam direcionados “às organizações com maior probabilidade de exercer
os maiores efeitos” (Elmore, 1980: 604). Nessa mesma referência (Elmore, 1980:
610), o autor sugere que tal processo reduz “a confiança em soluções abstratas e
padronizadas”, abrindo caminho para “as habilidades e o conhecimento locais no
nível de execução da política”, algo que é essencial, uma vez que “a capacidade
de resolução dos problemas de sistemas complexos depende, não do controle
hierárquico, mas sim de se maximizar a atenção no ponto onde o problema é mais
imediato” (Elmore, 1980: 605).
Esse modelo de mapeamento reverso promete ser um ponto de partida útil
para uma investigação sobre a implementação das políticas. Ele também mobiliza
questões importantes que vêm surgindo até hoje nas pesquisas de implementação.
Por exemplo, com o mapeamento, é possível identificar os pontos de veto – ou
seja, os pontos de decisão – identificados como críticos por Pressman e Wildavsky
(1973: 102), uma vez que existe uma relação inversa entre o número de pontos
de veto e a chance de ocorrência de um determinado resultado. O mapeamento
também pode mostrar qual tipo de pensamento causal se empregou, algo que
Pressman e Wildavsky (1973) também demonstraram ser central. Por ele, também
é possível ilustrar a influência da política partidária nas cadeias de implementação
(Barret; Hill, 1984), e o emprego da influência pessoal para favorecer ou prejudicar
iniciativas de políticas (Lipsky, 1980). Essas duas questões foram identificadas
como altamente significantes no contexto de países em desenvolvimento (Grindle;
Thomas, 1991). Pelo mapeamento reverso, também é possível identificar os vários
comportamentos de aceitação das inovações (para uma taxonomia ver Adams;
Chen, 1981, e para uma discussão específica sobre os professores Fullan, 1991).
[...]

Lições para as Políticas

A lógica da política que servia de base para a Operação Quadro-negro era


a de que as melhorias na qualidade da educação não seriam possíveis sem uma
estrutura física melhor, e que isso deveria se tornar uma norma, de modo a evitar
que o problema se repetisse no futuro. Entretanto, tal lógica não combinava bem
com os pontos de vista dos outros agentes envolvidos no processo. Do nível dos
governos estaduais para baixo, as questões mais urgentes para a política educa-
cional diziam respeito à gestão da sala de aula e à motivação dos professores. Por

476
sua vez, os professores enxergavam outras barreiras à melhoria do processo de
ensino-aprendizagem. Embora o comportamento das pessoas fosse racional em seu
respectivo contexto, ele frequentemente desestimulava as inovações pretendidas
pela política e, dessa forma, ao invés de promover tais inovações, contribuía para
a perda de sua eficiência.
Aplicando o modelo de mapeamento reverso, percebe-se que essa política,
cujo objetivo era institucionalizar um método de aprendizagem mais centrado nas
crianças, deveria ter sido gerada a partir da formulação de questões sobre e a
respeito dos professores em sala de aula, e também sobre a relação entre o com-
portamento docente e as intenções da política. A pesquisa de mapeamento reverso
descrita aqui gerou, de modo relativamente rápido, insights que puseram em dúvida
o ajuste entre a política pretendida e o contexto escolar. Análises adicionais da
dinâmica dos processos em sala de aula e das relações entre os professores e as
comunidades locais poderiam gerar mais informações a respeito das dificuldades
dos professores em aplicar o currículo. Essas análises, portanto, poderiam constatar
que tais dificuldades surgiam por diversas razões interconectadas, entre as quais se
incluem a formação dos professores, a falta de ajuste entre o conteúdo curricular
e o ambiente dos alunos, e uma falta de apoio pedagógico, bem como a ausência
de material de apoio para o processo de ensino-aprendizagem, que foi, aliás, uma
questão muito pouco apontada como sendo um problema. Tem-se aqui, portanto,
uma gama considerável de opções políticas que precisariam ser consideradas na
tentativa de aprimorar a qualidade da educação primária.
O mapeamento reverso nesse caso também ilustra o fato de que, em qualquer
dos níveis considerados, um problema sério foi a ausência de um sentimento de
propriedade em relação à inovação e, por conseguinte, uma falta de compromisso
com essa inovação em termos tanto dos componentes remediais imediatos, quanto
dos componentes normativos subjacentes de longo prazo. Na hora da decisão no
topo do sistema de se realizar uma “Operação Quadro-negro”, já havia conheci-
mento suficiente em outras partes do mesmo sistema sobre as formas e as razões
que provavelmente levariam o empreendimento ao fracasso. Sem o suporte da
convicção e do senso de propriedade, a inovação falhou na tentativa de competir
com as outras opções políticas na busca por um espaço na agenda governamental
estatal e local. O interesse dos atores envolvidos não foi reconhecido como sen-
do um componente essencial para o sucesso da inovação, de modo que não se
tentou obtê-lo, nem no estágio de planejamento, nem na fase subsequente de sua
implementação. Nesse caso, já havia uma concordância geral sobre a necessidade
de fornecer recursos básicos às escolas, e um resultado mais efetivo poderia ter
sido obtido caso se tivessem empreendido esforços proativos capazes de gerar o
interesse dos atores, consultando – e, portanto, envolvendo – aqueles que seriam
os responsáveis finais pela implementação do programa.
Esse exemplo indiano ilustra a maneira pela qual se espera que o modelo
de mapeamento reverso, num contexto qualquer, seja capaz de gerar: (a) lições
para as políticas; (b) opções para as políticas e (c) planos que sejam capazes de

477
considerar e de projetar os contextos nos quais se irá operar. Com esse modelo, é
possível identificar os níveis de conhecimento “local”, de modo a se basear nele
e a aumentar a eficácia da implementação; no estudo de caso aqui considerado,
embora tal conhecimento existisse, ele não foi utilizado. Caso os atores nos diversos
níveis tivessem recebido insumos por parte dos responsáveis pelas políticas, teria
sido possível mobilizá-los para identificar as barreiras em potencial e os pontos
críticos de veto, e, também, para conceber estratégias legítimas para as políticas.
Tudo isso faria, portanto, com que um plano de implementação se delineasse. O
passo seguinte seria então identificar a natureza dos recursos (tanto financeiros
quanto humanos) necessários para superar os obstáculos identificados e fazer
os arranjos necessários. Além disso, a utilização do conhecimento local permite
fornecer indicações sobre como esses requerimentos de recursos podem diferir
de lugar para lugar. Um benefício duradouro desse método é que, como os ato-
res dos diversos níveis são chamados para participar do processo, consegue-se
fazer com que os próprios papéis positivos e proativos desses profissionais sejam
aperfeiçoados num processo capaz de interligar a definição e a implementação
das políticas. Com isso, é de se esperar que, com o tempo, o sistema educacional
desenvolva uma maior flexibilidade e capacidade de resposta.
Para concluir, duas mensagens precisam ser ressaltadas. A primeira delas é
que a necessidade de planejar a implementação de uma política é algo óbvio, e que
o modelo de mapeamento reverso é uma ferramenta útil para gerar as informações
necessárias para isso. O presente exemplo de aplicação desse modelo revelou a
profundidade e complexidade do ambiente de implementação que precisam ser o
objeto de consideração e planejamento durante a fase de formulação da política. A
adoção do modelo de implementação mais flexível descrito acima é um processo
em que os riscos podem parecer elevados, visto que o lócus de controle deixa de
pertencer àqueles que se encontram no “topo” do sistema, mas a penalidade por
não planejar ou não planejar bem uma implementação é o desperdício de recursos
humanos e financeiros pelo fato da política ficar menos eficaz do que deveria.
A segunda mensagem é que o tema da implementação de políticas merece
ser pesquisado com seriedade. A grande gama de contextos e a variedade de
questões que precisariam ser abordadas podem parecer intimidadoras a princí-
pio. Entretanto, o foco nessa tentativa não deve ser de “dar conselhos” na forma
de pacotes irretocáveis de dicas sobre as políticas. Ao contrário, o que se pode
observar na escassa literatura comparativa sobre esse tema é que uma grande
parte do desafio para se atingirem as metas estabelecidas em Jomtien reside no
“aumento de nossa compreensão da profundidade e da complexidade das políticas
públicas” (Stone, 1985: 489). Esse “aprendizado para a política” (White, 1990)
deve necessariamente incluir uma preocupação central com a implementação – o
campo de teste para qualquer política – utilizando modelos como o do mapea-
mento reverso. Somente então veremos, para as políticas, a produção de insumos
que sejam informativos, incrementais e realizáveis, e que também possam nos
aproximar de nossas metas mais amplas e de longo prazo – como é o caso de
uma educação para todos.
478
Leitura 5
Aumentado a escala das boas práticas educacionais

Richard F. Elmore (1996)16

[...]

O problema de escala na Reforma Educacional

Por que, nos Estados Unidos, as boas ideias sobre ensino e aprendizagem
exercem tão pouco impacto na prática educacional? Nosso argumento é que essa
questão levanta um problema central da educação norte-americana: um significativo
corpo de evidências circunstanciais aponta para a existência de uma profunda e
sistemática incapacidade das escolas norte-americanas, e também dos profissionais
que nelas atuam, de desenvolver, incorporar e estender novas ideias de ensino
e aprendizagem para um contingente de alunos que ultrapasse uma pequena
fração das salas de aula e das escolas existentes. Nosso argumento é que essa
incapacidade encontra-se basicamente enraizada nas estruturas de incentivo com
as quais os professores e administradores escolares trabalham. Portanto, resolver
o problema de escala significa substancialmente alterar as estruturas de incentivo.

Mudando o cerne: alunos, professores e conhecimento

O problema de escala em inovação educacional pode ser expresso resumi-


damente da seguinte forma: as inovações que requerem grandes mudanças no
cerne da prática educacional raramente conseguem penetrar em mais do que uma
fração das salas de aula e das escolas norte-americanas e, mesmo nos casos em
que isso se verifica, essas inovações raramente perduram. Por “cerne da prática
educacional”, entenda-se aqui a forma como os professores compreendem a na-
tureza do conhecimento e do papel dos alunos na aprendizagem, e como essas
ideias sobre o conhecimento e a aprendizagem se manifestam no ensino e no
trabalho realizado em sala de aula. Esse “cerne” também engloba a realização
de arranjos estruturais nas escolas, como a disposição física das salas de aula,
as práticas de enturmação, as responsabilidades dos professores para com suas
16
Texto extraído de: Richard Elmore. Getting to Scale with Good Educational Practice. Har-
vard Educational Review. Vol. 66, No. 1, Spring 1996: 1-27. Reproduzido com permissão
da Harvard Education Publishing Group.
479
turmas e as relações entre professores e estudantes no trabalho em sala de aula,
bem como os processos de avaliação da aprendizagem e os modos de informar
esses resultados aos alunos, professores, pais, administradores escolares e outras
partes interessadas.
[...]
Quanto mais próximo uma inovação chega do cerne da escolarização, menor
é a probabilidade de que influencie o ensino e a aprendizagem em escala maior.
Naturalmente, o corolário dessa proposição é que as inovações que estão distantes
do cerne serão adotadas com mais facilidade em grande escala.
[...]
O problema de escala é um problema de “aninhamento”, ou seja, ele existe
em formas similares em diferentes níveis do sistema. É possível que novas práticas
surjam em salas de aula específicas ou em determinados grupos de turmas de uma
determinada escola, porém tais práticas não se replicam na maioria das turmas
dessa mesma escola. De modo semelhante, é possível criar escolas a partir do
zero e dotá-las de práticas muito distintas, porém, tais escolas nunca deixam de
ser uma minoria entre todas as que compõem um determinado sistema municipal
ou estadual de ensino. E, finalmente, cabe observar que alguns sistemas educa-
cionais municipais podem ser mais bem sucedidos do que outros na disseminação
de novas práticas entre suas escolas e turmas de alunos, porém, mesmo assim,
esses casos continuam sendo uma pequena fração em meio ao número total de
sistemas educacionais municipais dentro de um Estado.
O problema de escala não é um problema da resistência geral das escolas às
mudanças ou do seu fracasso em implementá-las. De fato, a maior parte das escolas
está constantemente mudando – seja pela adoção de novas grades curriculares,
testes ou práticas de enturmação, seja pelas alterações nos horários de aula, ou
ainda pela criação de novos mecanismos de participação na tomada de decisões,
ou pela criação ou supressão de posições docentes e administrativas, e por uma
miríade de outras modificações. Entretanto, a despeito de todo esse vendaval
de mudanças, observa-se que permanecem relativamente estáticos os conceitos
básicos de conhecimento, do papel dos professores e dos alunos na construção
desse conhecimento, e do papel das estruturas existentes, tanto no nível das turmas
quanto no nível das escolas, em promover a aprendizagem dos alunos.
Tampouco se pode dizer que o problema de escala seja um fracasso das pes-
quisas, ou uma falha do conhecimento sistemático acerca do que deve ser feito.
Independentemente da ocasião, há sempre uma abundância de ideias sobre como
alterar as relações fundamentais no cerne da escolarização, sendo que algumas
dessas ideias provêm de pesquisas e de projetos de demonstração, enquanto
outras surgem diretamente da prática docente. Muitas dessas ideias são testadas
empiricamente, e muitas se fundamentam em teorias relativamente coerentes de
aprendizagem discente. Seria desejável que essas ideias ficassem mais próximas
dos processos de linguagem e pensamento daqueles que trabalham diretamente

480
em educação, e que elas também tivessem melhor roupagem e divulgação; entre-
tanto, há mais ideias sobre como mudar as práticas fundamentais de escolarização
em circulação do que há escolas e salas de aula desejosas de abraçá-las. Sempre
existiram discussões entre pesquisadores e profissionais do ensino sobre quais são
as ideias mais promissoras, e também sempre houve evidências conflitantes sobre
os seus efeitos, embora o elenco de ideias discutidas já não seja uma novidade. O
problema reside, portanto, não na geração de novas ideias, mas sim na demanda
por elas. Ou seja, o problema primário de escala é compreender as condições
sob as quais as pessoas que trabalham nas escolas buscam novos conhecimentos
e ativamente os utilizam para alterar os processos fundamentais da escolarização.

Por que o problema de escala é importante para a Reforma Educacional?

No período de reforma educacional atualmente em curso nos Estados Uni-


dos, há duas ideias centrais que levantam problemas fundamentais e recorrentes
na educação norte-americana. Uma delas é a de que o ensino-aprendizagem
nas escolas e nas salas de aula americanas é emocionalmente insípido e pouco
exigente ou estimulante em termos intelectuais; tal ideia foi expressa numa con-
trovertida expressão do relatório Uma Nação em Risco: “uma onda crescente de
mediocridade” (National Commission on Excellence in Education, 1983). Essa é
uma crítica perene feita à educação nos Estados Unidos que data das primeiras
pesquisas sistemáticas sobre as práticas educacionais no início do século XX, e que
é confirmada por evidências contemporâneas. Uma recente pesquisa caracterizou
a típica prática de sala de aula nos EUA da seguinte forma:
Independentemente da perspectiva observacional, um mesmo quadro sempre
emerge. As duas atividades mais comuns dos alunos em sala de aula são assistir
à lição do professor e trabalhar em tarefas escritas (...). Na maior parte do tempo,
os alunos trabalham de modo independente, sozinhos ou em grupos. Ou seja, o
aluno assiste a uma aula, como todos os seus colegas, ou realiza individualmente
uma tarefa em sala de aula (...). Dessa forma, pudemos observar certos modos
de configuração da sala de aula, que nos pareceram ser da seguinte forma: a
professora explicando ou lecionando para toda a turma ou para um único aluno,
vez por outra fazendo perguntas que requerem respostas diretas; quando não
está lecionando, a professora observa ou monitora os alunos enquanto eles traba-
lham individualmente em suas carteiras; os alunos ouvem ou aparentam ouvir à
professora e ocasionalmente respondem às suas perguntas; os alunos trabalham
individualmente em suas carteiras enquanto se ocupam de tarefas de leitura ou
escrita; e tudo com pouca emoção, desde as relações que envolvem calor humano
até aquelas em que se observam expressões de hostilidade. (Goodlad, 1984: 230)
Em toda escola, é possível encontrar professores ativos, engajados e eficien-
tes, e muitos alunos se lembram de, pelo menos, um mestre que os inspirou no
compromisso com o aprendizado e no amor pelo conhecimento. Regularmente
homenageamos e deificamos esses gênios pedagógicos. Entretanto, essas exceções

481
servem apenas para confirmar a regra. Em geral, uma prática de ensino inspirada
e exigente costuma ser considerada como uma característica individual, algo como
a cor do cabelo ou o número do sapato, e não como uma norma profissional.
Porém, enquanto considerarmos o ensino estimulante como uma característica
individual, ao invés de uma norma que deveria se aplicar a qualquer professor,
nos sentimos completamente desobrigados de formular uma questão mais ampla,
que indaga sobre a inexistência de evidências acerca do ensino de qualidade. A
resposta a essa questão é óbvia para os adeptos da teoria da característica indivi-
dual do ensino eficaz: poucos professores estão predispostos a ensinar de forma
interessante. Como alternativa, outra explicação para a prevalência de um ensino
aborrecido, superficial e desestimulante poderia ser que não estamos conseguindo
selecionar e remunerar os professores com base em sua capacidade de ensinar de
modo estimulante, ou que as condições organizacionais não promovem e sustentam
o bom ensino quando ele ocorre.
A outra ideia central no atual período de reforma é bem expressa pelo slogan
“Todos os alunos podem aprender”. O que os reformadores parecem dizer com essa
ideia é que “todos” os alunos – ou a maior parte deles – são capazes de dominar
um conjunto de disciplinas desafiadoras em um elevado nível de compreensão, e
o fato de que muitos não conseguem fazer isso é mais um testemunho da maneira
como o ensino é ministrado, não sendo, portanto, uma questão da existência ou
não da aptidão discente para trabalhos acadêmicos sérios. Em outras palavras, o
slogan tem o propósito de cobrar das escolas a oferta de um ensino desafiador a um
segmento muito mais amplo de alunos do que antes. O ponto central dessa crítica
são as evidências consistentes, recolhidas nas duas últimas décadas aproximada-
mente, de que os alunos norte-americanos têm um desempenho razoavelmente
bom em testes de rendimento de níveis mais baixos de cognição, porém saem-se
relativamente mal em testes que requerem complexidade de raciocínio, inferência,
julgamento e transferência de conhecimento de um tipo de problema para outro
(National Center for Education Statistics, 1993).
Em relação a esse problema da desigualdade de aprendizagem entre os alunos,
é difícil imaginar uma solução que não trate especificamente do primeiro ponto
acima levantado, qual seja, o de difundir o ensino estimulante. Evidentemente,
para fazer com que mais alunos alcancem níveis mais elevados de aprendizagem, é
preciso que haja alguma mudança tanto na forma de ensinar quanto na proporção
de professores interessados em fazer com que seus alunos dominem habilidades e
conhecimentos de nível mais elevado. Naturalmente, é possível resolver ao menos
uma parte do problema da desigualdade de aprendizagem simplesmente fazendo
com que mais professores ensinem conteúdos mais exigentes, mesmo que isso
se faça de modo enfadonho e desestimulante, para um número maior de alunos.
Porém, parece implausível que grandes proporções de alunos atualmente desinte-
ressados na aprendizagem de conteúdos de nível de compreensão mais alto, passem
subitamente a se empenhar nesses estudos, mesmo que as práticas tradicionais de
ensino na maior parte das salas de aula norte-americanas permaneçam do jeito

482
que estão. Alguns alunos conseguem superar o efeito debilitante de um ensino
desmotivador por meio de uma extraordinária dose de habilidade, motivação ou
pressão familiar. Outros estudantes, entretanto, necessitam receber um ensino
extraordinário para alcançar resultados extraordinários. O problema de escala,
então, pode ser visto no contexto do atual debate sobre a reforma educacional,
como uma necessidade de mudar o cerne da escolarização de modo a resultar no
recebimento, pelo maior número possível de estudantes, de um ensino motivador
e com um conteúdo acadêmico desafiador.
Essa visão da reforma educacional, que se concentra na mudança das
condições fundamentais que afetam a relação entre estudantes, professores e o
conhecimento, poderia receber críticas por ser excessivamente ampla ou excessiva-
mente estreita. Minha insistência em focalizar essa análise integralmente no cerne
da escolarização não é para sugerir que o ensino e a aprendizagem possam ser
mudados isoladamente a partir de uma compreensão dos fatores contextuais que
influenciam a vida das crianças. Tampouco era minha intenção sugerir que o objeto
da reforma deva ser o de substituir um tipo de uniformidade de prática docente
por outro. Ao invés disso, o que quero dizer é que a maior parte das reformas
educacionais nunca alcança, e muito menos influenciam, padrões duradouros de
prática docente e são, portanto, em grande parte, inúteis se sua intenção é aumen-
tar a aprendizagem dos alunos. Estou interessado em saber quais os requisitos
para que se possa esperar uma mudança das práticas docentes médias a favor de
práticas mais estimulantes e ambiciosas. Essas práticas podem, a princípio, ser
bastante diversas. Podem envolver adaptações e respostas criativas ao contexto
da aprendizagem, aos interesses e às preferências dos alunos e de suas famílias,
podendo também apresentar aplicações interessantes, com o propósito de achar
soluções para uma variedade de problemas com que as crianças se defrontam fora
da escola. Porém o problema fundamental em que estamos interessados é a razão
pela qual, num momento em que as escolas parecem estar em constante alteração,
a prática docente muda tão pouco, e numa escala tão pequena.
[...]

O papel dos incentivos

Embutido nessa grande estrutura de questões institucionais e políticas,


encontra-se o problema específico dos incentivos que as reformas educacionais
precisam enfrentar para chegar à questão de escala. As estruturas institucionais
influenciam o comportamento dos indivíduos, em parte por meio de incentivos.
As instituições e seu contexto político ajudam a estabelecer os valores e as recom-
pensas às quais os indivíduos respondem em seu trabalho do dia-a-dia. Porém,
os valores individuais são também importantes. Conforme David Cohen (1995)
argumenta irrefutavelmente em sua discussão sobre as compensações pelo desem-

483
penho docente, os incentivos mobilizam os valores individuais; ou seja, os valores
individuais determinam, em certo grau, o que a instituição pode obter com os
incentivos. Por exemplo, se os professores ou os alunos não valorizam o desempe-
nho acadêmico discente, não reconhecem a relação entre esse desempenho e os
objetivos pessoais, ou não acreditam que seja possível mudar o desempenho dos
estudantes, então, fica difícil usar incentivos para motivar esses agentes a atuar
de modo a aumentar seu desempenho.
Portanto, atos individuais, como a prática de ensinar em meio a complexas
situações institucionais, emanam tanto dos incentivos que operam sobre o indiví-
duo quanto da vontade individual de reconhecer e responder a esses incentivos
como legítimos. As ações individuais são também um produto do conhecimento
e da competência que o indivíduo possui. Como Michael Fullan argumentou, as
escolas rotineiramente empreendem reformas para as quais elas não têm nem a
competência institucional, nem a competência individual, e resolvem esse pro-
blema banalizando as reformas, mudando a linguagem utilizada e modificando
as estruturas superficiais em torno das práticas, porém sem alterar as práticas
em si (Fullan, 1982; Fullan, MILLES, 1992). Os indivíduos estão inseridos em
estruturas institucionais que lhes fornecem incentivos para agir de determinadas
maneiras, e eles respondem a esses incentivos testando-os contra seus próprios
valores e sua competência.
Um modo de pensar sobre a evidência acima mencionada vem pela observação
de que ela demonstra a existência de um enorme fracasso das escolas em canali-
zar seus incentivos institucionais em prol da melhoria das práticas educacionais.
Penso que esse fracasso encontra-se enraizado não somente na concepção das
instituições, mas também em uma profunda norma cultural sobre o ensino, à qual
me referi anteriormente: a de que o ensino de alta qualidade é uma característica
individual, ao invés de ser um conjunto de competências profissionais aprendidas
e adquiridas ao longo de uma carreira.
Tanto os reformadores progressistas17 quanto as reformas curriculares das
décadas de 1950 e 1960 tentaram unir ideias poderosas à prática, desenvolvendo
casos exemplares de boas práticas, e arrebanhando adeptos convictos. Esses es-
forços foram, em grande medida, malsucedidos, de modo frequentemente interes-
sante e instrutivo, ao tentar traduzir essas ideias em alterações práticas em grande
escala. Um problema muito grande relacionado aos incentivos encontra-se inserido
nessa estratégia: as estratégias de reforma basearam-se na motivação intrínseca de
indivíduos com valores e competências específicas – e uma orientação específica
para o mundo exterior – para desenvolver e implementar as reformas nas escolas.
Esses indivíduos intrinsecamente motivados normalmente apresentam um ele-
vado engajamento com o mundo exterior ao local onde trabalham, o que os coloca

17
As reformas chamadas progressistas foram anteriores às curriculares provocadas pelo
Sputnik. Elas visavam alterar a pedagogia dominante com base nas ideias progressistas de
intelectuais como John Dewey. (N.T.)

484
em contato com as oportunidades apresentadas pelas novas práticas. Tais indivíduos
usualmente desejam investir uma quantidade substancial de seu próprio tempo
na aprendizagem de novas maneiras de pensar sobre a sua prática, bem como
no confuso e demorado trabalho de fazer com que os outros cooperem, alterando
também suas próprias práticas. E, o que talvez seja o mais importante, eles veem
sua própria prática em um contexto social mais amplo, e reconhecem que certas
partes desse contexto social exercem uma influência legítima sobre a forma de
praticar suas atividades. Os professores e os criadores das escolas progressistas,
por exemplo, viam a si mesmos como participantes de um amplo movimento de
reforma social, e estavam desejosos de avaliar o trabalho que faziam em termos
da consistência deste com as metas da reforma (Tyack & Hansot, 1982). Alguns
professores que estavam diretamente envolvidos nos projetos de reforma curricular
chegaram a se identificar como afiliados às organizações profissionais de Ciências
e Matemática que tinham autoridade e influência sobre a sua prática.
O problema de incentivos está no fato de que esses indivíduos geralmente
correspondem a uma pequena parcela da população total de professores. As de-
mandas criadas por esse tipo de trabalho ambicioso, desafiador e de longo prazo
parecem ser, na melhor das hipóteses, formidáveis, e, na pior delas, impossivel-
mente exigentes. Friedrich Engels uma vez disse que o problema com o socialismo
é que ele nos impede de usufruir de muitas noites agradáveis em casa, e alguém
poderia dizer o mesmo da reforma das práticas educacionais.
Portanto, a prática de atividades ambiciosas e desafiadoras em sala de aula
ocorre aproximadamente de modo proporcional ao número de professores que estão
intrinsecamente motivados a questionar suas práticas num nível fundamental, e a
buscar modelos externos de aprimorar o ensino e a aprendizagem. As evidências
circunstanciais sugerem que, no auge dos períodos reformistas, essa proporção de
professores correspondia a aproximadamente 25% da população total, e que tal
número pode ficar consideravelmente menor se o clima geral para a reforma for
fraco (Cuban, 1990). Portanto, nossas estratégias reformistas de maior sucesso
e ambição incorporam estruturas de incentivo capazes de mobilizar, no máximo,
aproximadamente um quarto da população total de professores.
Considerando-se essa interpretação das evidências, é possível, então, ver o
enorme poder de uma norma cultural como a que descreve o sucesso docente
como sendo um atributo individual, ao invés de ser um corpo de conhecimentos e
habilidades profissionais deliberadamente adquiridos. Se o que um professor faz
baseia-se totalmente, ou em grande parte, em características individuais, então é
altamente improvável que as estruturas de incentivo das escolas possam alterar
a proporção de professores que queiram engajar-se numa prática de alto nível, a
não ser que se mude a própria composição do corpo docente.

485
Leitura 6
As mudanças “de dentro para fora” e “de fora para dentro”:
lições dos paradigmas da melhoria escolar do passado
e do presente (2a parte)

Emily Calhoun e Bruce Joyce (2005)18

[…]
Durante muitos anos, o método mais visível de melhoria escolar era a geração
de programas curriculares por centros de pesquisa e desenvolvimento situados
além da esfera dos distritos escolares, seguida, então, pela implementação desses
programas nas escolas. O financiamento desses programas também era feito por
agências externas às escolas e aos distritos escolares.
[…]

O Método Baseado na Escola e Centrado nos Professores

Atualmente, o método mais visível de melhoria escolar é o que está “baseado


na escola e centrado nos professores”, sendo também conhecido pelo nome de
“gestão em nível escolar” (SBM)19. Além de indicarem que a escola é o centro das
ações, essas expressões possuem muitos significados, e diversas características
nelas estão presentes, em maior ou menor intensidade:
• Há um certo grau de compartilhamento do processo decisório escolar entre
professores e administradores. Os parâmetros desse compartilhamento de deci-
sões vão desde áreas como o planejamento do desenvolvimento profissional na
escola até a participação plena nas alocações orçamentárias e na contratação de
profissionais. E a amplitude dessa participação vai desde o envolvimento de todos
os professores até o de todos os funcionários (incluindo os da secretaria, os de

18
Texto extraído de: CALHOUN, Emily and JOYCE, Bruce. “Inside-Out” and “Outside-In”:
Learning from Past and Present School Improvement Paradigms. In: Hopkins, D. (org.) The
Practice and Theory of School Improvement. ������������������������������������������
Amsterdam. Springer. 2005: 256-264. Repro-
duzido com gentil permissão da Springer Science and Business Média.
19
Acrônimo do original inglês: site-based management, que significa um modelo de gestão em
que as autoridades centrais delegam poderes e responsabilidade à escola, onde se estabelece
um processo decisório participativo. (N. T.)

486
serviços gerais e os assistentes), podendo também abranger os pais e os próprios
alunos (ver Glickman, 1993, por uma defesa dos níveis mais amplos de inclusão).
• Frequentemente há um conselho decisório representativo, tal como uma
Equipe de Gestão Escolar ou um Conselho Executivo, cujos membros são recru-
tados, nomeados ou eleitos. Às vezes, o corpo docente atua como um todo, sem
uma equipe de liderança.
• As escolas que utilizam os métodos da gestão em nível escolar precisam ter
a aprovação do distrito ou do conselho escolar para a implementação desses pro-
cessos de gestão e, na maioria dos casos, também necessitam de aprovação para os
métodos de melhoria escolar centrados nos docentes a partir do compartilhamento
de decisões entre professores e administradores. Em alguns distritos, para todas
as escolas é “obrigatória” a adoção de um método com base na escola, ao passo
que, em outros, as escolas experimentam esse método de modo voluntário. Nos
dias de hoje, é quase pro forma a aprovação desses planos locais pelos distritos.
• Em alguns distritos, as equipes profissionais e os conselhos exercem con-
trole sobre todo o orçamento escolar; em outros distritos, as escolas controlam
alocações orçamentárias específicas, como fundos para o ensino, fundos para o
desenvolvimento profissional da equipe e fundos materiais.
• Um programa ou plano de melhoria escolar é geralmente desenvolvido
pelo conselho escolar ou por um grupo formado especificamente para isso. Muito
frequentemente, o foco desses planos é sobre questões disciplinares e mudanças
organizacionais (p. ex., comunicações, cronogramas, critérios de enturmação,
clima escolar). Muitas vezes, o programa ou plano de ação para a melhoria esco-
lar é uma grande mistura de atividades relacionadas a cronogramas, disciplina,
currículo, administração, avaliação e algumas combinações disso tudo. Às vezes,
os planos ou programas são modificações curriculares de uma área específica (p.
ex., acrescentar objetivos de resolução de problemas ao currículo de matemática;
permitir e informar aos pais sobre o soletramento não-convencional das palavras
nas primeiras séries; oferecer um curso de processamento de texto a estudantes do
ensino médio), ou então a adoção de uma inovação ou método particular (p. ex.,
o método construtivista, a alfabetização integrada, Dimensões da Aprendizagem,
Estratégias Cognitivas de Ensino de Escrita, Ensino de Orientação Cognitiva).
(Resumos dessas práticas comuns podem ser encontrados em David, 1995, 1996
ou Calhoun, 1994).
• As escolas frequentemente pertencem a uma rede ou grupo de outras insti-
tuições de ensino pertencentes ou externas a um determinado distrito escolar, de
modo que seus profissionais ou membros do conselho escolar podem compartilhar
suas experiências e apoiar uns aos outros.
A teoria subjacente a essa abordagem, que poucas vezes é tratada diretamente,
mas que fica implícita em muito do que se escreve sobre esses métodos, é uma
confiança de que o controle local automaticamente resultará em uma melhoria da
escola. Pelo menos quatro argumentos justificam essa confiança:

487
1. O corpo docente da escola tem capacidade de se dedicar à prática local
de pesquisa e desenvolvimento.
2. Anteriormente, restrições organizacionais haviam impedido o corpo docente
de exercer a sua capacidade de resolver problemas.
3. A pesquisa e o desenvolvimento externos relacionam-se a essas restrições
organizacionais, e implícita ou explicitamente denigrem a capacidade e a dignidade
dos professores. (Ver Hollingsworth; Sockett, 1994)
4. As escolas individuais possuem problemas únicos que requerem soluções
únicas. Portanto, tentativas de desenvolver um repertório comum de programas
e métodos efetivos padecem de um erro inerente de direcionamento.
Diversas variantes do paradigma de melhoria com base na escola foram de-
senvolvidas. Especialistas em desenvolvimento organizacional têm se dedicado,
primeiro, a intensificar as relações entre os professores e, segundo, a promover
iniciativas de inovação (Schmuck; Runkel, 1975). Uma variante mais rigorosa, que
é a pesquisa-ação em toda a escola, enfatiza o desenvolvimento da democracia e
das relações entre os docentes, ao mesmo tempo em que também faz os professores
se envolverem vigorosamente em coletas de dados e em ciclos de estudo onde
se geram e se modificam iniciativas (Calhoun, 1994; Glickman, 1993). Derivada
de trabalhos de psicologia social-industrial (Lewin, 1948), a pesquisa-ação vem
experimentando um ressurgimento na educação, em parte como tal, e em parte
nas variantes divulgadas por Deming (1982) e seus colegas, atualmente conhecidas
pelo nome de Administração de Qualidade Total (Bonstingl, 1993).
Outro impulso dado ao método de base escolar deve-se ao fato de que muitos
estados e fundações nos Estados Unidos, ao fornecerem verbas diretamente às
escolas, vêm implementando programas que requerem um envolvimento de todo
o corpo docente, um aumento da participação da comunidade e a realização de
vários níveis de estudo com base nos dados obtidos.
[...]
O movimento de mudanças com base na escola vem sendo estudado há, pelo
menos, 12 anos. Pesquisadores têm investigado as escolas urbanas (Louis; Miles,
1990); equipes de escolas (Huberman; Miles, 1984); programas de melhoria es-
colar contando com muito e com pouco patrocínio, a administração local exigida
pelos estados (David, 1995, 1996); o extenso School Improvement Program (SIP)
da Califórnia (Berman; Gjelten, 1983); grupos de escolas buscando melhoria por
meio da gestão compartilhada e de ações de pesquisa (Calhoun; Allen, 1996);
e redes de escolas de ensino médio com orientação marcadamente acadêmica
(Muncey; McQuillan, 1993).
Os métodos locais de melhoria escolar têm sido bem-sucedidos no que se refere
à criação de locais de trabalho onde, tanto por parte dos professores quando dos
gestores, ocorre um maior envolvimento em processos decisórios além do nível da
sala de aula. De fato, os adultos participam, nas escolas, de decisões das quais não
tomavam parte antes e certamente também fazem escolhas que não faziam antes.

488
Portanto, muitos se sentem melhor em relação ao que está acontecendo, ainda que
nada se altere em termos educacionais e ainda que se tomem decisões idênticas
às que antes eram tomadas pelos administradores. Por outro lado, entretanto, esse
método raramente provoca alterações produtivas em termos de currículos e de
ensino. Nas escolas que adotaram esse método por um período tão longo quanto
cinco anos, poucas mudanças ocorreram no ensino, na interação professor-aluno
ou na aprendizagem/proficiência dos estudantes. (Veja Calhoun; Glickman, 1993;
Calhoun; Allen, 1996; David; Peterson, 1984; David, 1995, 1996; Louis; Miles,
1990; Muncey; McQuillan, 1993).
Conforme se pode ver em toda a literatura sobre o método de gestão em
nível escolar, a história é aproximadamente a mesma que se comentou sobre
os programas dos centros de pesquisa e desenvolvimento [externos à escola].
Essencialmente, apenas cerca de dez por cento das escolas conseguiram gerar
iniciativas que alteraram substantivamente as dimensões de currículo, ensino ou
tecnologia das escolas.

As Lições Aprendidas dos Métodos de Gestão em Nível Escolar.

Diversas hipóteses têm sido levantadas sobre a razão por que os métodos de
melhoria em nível escolar geralmente não conseguem produzir alterações signifi-
cativas no currículo, no ensino ou na tecnologia.
Uma hipótese é a de que apenas a orientação para o processo não é suficien-
te: nos estudos realizados sobre escolas bem-sucedidas, a quase totalidade dos
professores contou diretamente com um intenso serviço de facilitadores que, além
de serem especialistas em desenvolvimento organizacional, também possuíam uma
competência aprofundada em currículo e ensino (Calhoun; Allen, 1996). Às vezes,
esses facilitadores eram das próprias escolas e, às vezes, dos distritos escolares;
porém, com mais frequência, vinham de fora do distrito.
A hipótese segundo a qual os professores precisam receber, ao longo de vários
anos, uma assistência contínua fornecida por “especialistas” no método ou inovação
por eles selecionada encontra também apoio nas investigações sobre as mudanças
no ensino e na avaliação ocorridas no nível da sala de aula (Shepard, 1995) e
na pesquisa sobre a implementação do Success for All (Sucesso para Todos), um
programa de âmbito escolar voltado para os alunos da pré-escola à quinta série,
que organiza recursos para assegurar que todas as crianças estejam lendo ao final
da terceira série, e que também tenham as habilidades fundamentais que lhes
servirão de base para as séries elementares (Slavin et al., 1996).
Uma segunda hipótese, também baseada no estudo dos casos bem-sucedidos,
é que são poucas as escolas norte-americanas onde as relações entre os profis-
sionais são capazes de superar a estrutura normativa idiossincrática tipicamente
encontrada no país, de modo que a maioria acaba “travando” (para usar o termo

489
que Rosenholtz empregou em 1989) muito rapidamente, a menos que adotem
inovações (como lançar mão dos produtos de pesquisa e desenvolvimento externo)
dentro do primeiro ano ou ano e meio de seu compromisso inicial com a melhoria
escolar (Calhoun; Allen, 1996; Louis; Miles, 1990).
Nas escolas, é raro que um corpo docente empreenda esforços institucionais
em termos de currículo, ensino ou tecnologia como parte do seu processo de me-
lhoria (David; Peterson, 1984; Louis; Miles, 1990; Fullan; Miles, 1992; Calhoun;
Glickman, 1993; Calhoun; Allen, 1994). Os professores e as equipes profissionais
de ensino tendem a se concentrar em mudar suas condições de trabalho ou em
especular sobre o que seria possível fazer com “alunos, pais e ambientes fami-
liares diferentes”, a menos que recebam ajuda, interna ou externa, que os leve
a centrar-se na situação de instrução e currículo que lhes é própria. Mesmo nas
escolas onde as normas são fortes o suficiente para apoiar metas comuns foca-
das na aprendizagem dos alunos por meio do currículo e do ensino, dois outros
impedimentos ao progresso são comuns: a ausência de um grau substancial de
desenvolvimento profissional das equipes e a ausência de acompanhamento na
implementação dos programas.
Fica claro que um grande número de distritos que “impuseram” a gestão em
nível escolar, e de escolas que aderiram voluntariamente a esses programas, não
foram capazes de reconhecer, desde o início, que mudanças curriculares e de
ensino seriam necessárias junto com um volume substancial de desenvolvimento
profissional para as equipes para que essas mudanças fossem viabilizadas. Em
muitas situações, a adoção de alternativas em nível escolar parece ter sido feita
principalmente como um fim em si mesmo, e não como um modo de melhorar a
educação dos alunos.

490
Leitura 7
Tensões e perspectivas para o campo da “melhoria escolar”

David Hopkins (2005)20

[...]
À medida que as sociedades continuam a fixar metas educacionais que, a
julgar pelos resultados atuais, ficam além da capacidade dos sistemas, é levado
mais a sério o trabalho daqueles que enfatizam as estratégias de intervenção na
sala de aula como forma de melhorar a aprendizagem dos alunos. A expressão
“melhoria escolar” já está estabelecida no léxico educacional; consta de políticas
governamentais, há professores universitários que nela se especializam, seminários
educacionais debruçam-se sobre ela e até as escolas estão se familiarizando com
o discurso que a embala.
Para muitos de nós, a “melhoria escolar” emerge das sombras como uma
faca de dois gumes. Como qualquer ideia nova, as pessoas esperam muito dela,
sobretudo os políticos que desesperadamente procuram soluções simples para
problemas complexos. No entanto, o lugar ao sol da melhoria escolar durará
pouco, a menos que ela seja capaz de comprovar aos novos amigos que não é uma
resposta instantânea para a mudança educacional, e que o desafio de melhorar o
desempenho dos alunos requer uma medida propositiva e estratégica. Muitas das
iniciativas educacionais recém-criadas sob o guarda-chuva da melhoria escolar são
simplesmente ajustes periféricos. Os governos que enfatizam a responsabilização e
as mudanças de gestão não percebem que se os professores soubessem dar aula de
maneira mais eficaz, eles já teriam mudado décadas atrás. Culpar os professores e
delegar responsabilidade financeira tem pouco impacto na prática da sala de aula.
Da mesma forma, os diretores que reduzem sua atuação a intervenções burocráticas
e ignoram o nível de aprendizagem dos alunos não deviam se surpreender quando
o desempenho deixa de subir. Os projetos bem-sucedidos de melhoria escolar,
como o programa de alfabetização para alunos do ensino fundamental “Sucesso
para Todos”, de Robert Slavin, envolvem não só a introdução de um currículo
e um programa de ensino bem estruturado, mas também o quase redesenho da
escola para focar na aprendizagem do aluno (Slavin et al.,1996).

20
Texto extraído de: Hopkins, David. Introduction. Tensions in and Prospects for School
Improvement. In: Hopkins, D. (ed.) The Practice and Theory of School Improvement. Neth-
erlands: Springer. 2005: 1-21. Reproduzido com gentil permissão de Springer Science and
Business Media.

491
Ao mesmo tempo em que aumenta a pressão sobre as escolas e sobre os
sistemas, o contexto da escolarização está mudando. Na maioria dos sistemas
educacionais ocidentais, houve a mudança de um enfoque bastante paternalista
em relação à educação para uma situação em que as escolas são estimuladas e até
obrigadas a assumir responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento. A ênfase
na automelhoria aumentou na última década através da tendência nos países oci-
dentais de descentralizar para as escolas a responsabilidade pela implementação
da reforma educacional e, ao mesmo tempo, reduzir o apoio que elas recebem
de órgãos externos. Ao lado desse aumento na pressão política por uma renova-
ção institucional, percebe-se cada vez mais que as estratégias tradicionais para a
mudança educacional não funcionam. Em anos recentes, tornou-se bastante claro
que nem a centralização nem a descentralização funcionam como estratégias da
reforma educacional, e que um caminho melhor precisa ser encontrado (Fullan;
Miles, 1992).

Definindo a Melhoria Escolar

A frase “melhoria escolar” é usada geralmente em dois sentidos. O primeiro


é o sentido comum que se relaciona com os esforços genéricos para melhorar as
escolas para efeitos da aprendizagem dos alunos. Essa é uma interpretação sen-
sata da frase e representa a sua utilização mais frequente. Neste trabalho, estou
mais interessado em outro sentido mais específico e técnico. Nesse outro sentido,
a melhoria escolar é um enfoque de mudança educacional distinto que, além de
aumentar a aprendizagem dos alunos, fortalece a capacidade da escola de gerir
a mudança. A melhoria escolar lida com o aumento da aprendizagem median-
te o foco no processo de ensino-aprendizagem e nas condições que o apoiam.
Concentra-se nas estratégias para melhorar a capacidade da escola de fornecer
um ensino de qualidade em época de mudança. Contrasta com a aceitação cega
dos mandamentos das políticas centralizadas e com as tentativas de implementá-
-las irrefletidamente. Entretanto, mesmo esta definição mais específica se abre a
interpretações diferentes (ver Hopkins et al., 1994, Capítulo 1).
Em seu livro Melhorando as Escolas por Dentro, Roland Barth distingue en-
tre dois enfoques diferentes de melhoria escolar que se apoiam em pressupostos
bastante diferentes. Ele descreve o enfoque dominante, que se fundamenta num
conjunto de suposições baseadas na proliferação de “listas”. Existem listas das
características da escola, do professor e do aluno eficaz, listas das competências
mínimas, listas de regulamentos, indicadores de desempenho, etc. Entretanto, o
que torna arriscada e improdutiva esta visão do mundo é o modo de pensar por
trás dela. Inerente a esse enfoque encontra-se um conjunto de pressupostos sobre
como as pessoas se sentem, agem e devem se comportar e sobre o funcionamen-
to das organizações. É um enfoque que estimula alguém a fazer alguma coisa a

492
outra pessoa: trata-se, porém, de controle, e não de crescimento. Tal crítica tem
menos a ver com as listas em si, e mais com os valores que as fomentam. As listas
podem ser úteis quando usadas para informar as ações; mas, mesmo assim, elas
precisam ser negociadas e submetidas à avaliação dos professores ou das escolas.
Barth então argumenta a favor da reforma da escola com base nas habilidades,
aspirações e energia daqueles mais próximos a ela: os professores, os gestores, os
membros do colegiado e os pais. Ele alega que esta “comunidade de aprendizes”
confronta a melhoria escolar a partir de um conjunto de pressupostos radicalmente
diferente daqueles que produzem as listas. Estes pressupostos são (Barth, 1990:
45, itálicos meus):
• As escolas têm a capacidade de se aperfeiçoarem se as condições estiverem
certas. A responsabilidade maior dos agentes externos à escola é ajudar a fornecer
essas condições para os agentes internos.
• Quando a necessidade e motivação estão presentes, e quando as condições
estão certas, os adultos e os alunos aprendem juntos, e cada um energiza e con-
tribui para a aprendizagem do outro.
• O que precisa melhorar na escola é a sua cultura, a qualidade das suas rela-
ções interpessoais, e a natureza e qualidade das suas experiências de aprendizagem.
• A melhoria escolar é um esforço para originar e fornecer, de fora e de
dentro, as condições para que os adultos e os jovens que frequentam as escolas
possam promover e sustentar a aprendizagem entre si.
[...]

493
Leitura 8
As reformas de larga escala atingem a maioridade

Michael Fullan (2009)21

Uma breve história: antes de 1997

Não é necessário acreditar que o Sputnik foi a causa exata das reformas
de larga escala nos EUA após 1957, nem que todas as inovações educacionais
começaram na década de 1960, para saber que algo muito diferente estava no
ar. De fato, Elmore (1995) começou a descrever como “progressista” o período
anterior à década de 1950:
O que é mais interessante sobre o período progressista, comparado a outros pe-
ríodos de reformas educacionais, é que seus objetivos incluíam explicitamente
tentativas de mudar a pedagogia, associadas a uma base intelectual e prática
relativamente forte. Intelectuais notáveis – particularmente John Dewey – desen-
volveram ideias sobre como as escolas poderiam ser diferentes. (Elmore, 1995: 7)
Os reformadores progressistas acreditavam, como mostra Elmore, que, em
geral, as “boas ideias se disseminariam por si próprias” entre as escolas e salas
de aulas (Elmore, 1995: 18). Essa estratégia, segundo Elmore, com o passar
do tempo, “voltou-se para dentro, para a criação de configurações exemplares”
(Elmore, 1995: 11). O resultado foi que:
Produzimos diversos exemplos de como as práticas educacionais poderiam ser
diferentes, mas conseguimos criar poucos exemplos, se é que conseguimos, de
grandes contingentes de professores se engajando com essas práticas nas institui-
ções de larga escala que educam a maior parte das crianças. (Elmore, 1995: 11).
Em outras palavras, as boas práticas não se disseminaram. A despeito dessas
falhas, e mesmo ignorando seus ensinamentos, o Governo Federal dos EUA lançou
uma série de iniciativas para a reforma em grande escala do currículo nacional no
final da década de 1950 e ao longo da década de 1960. Anteriormente, denominei
esse período como a “era de adoção” da reforma, por ser seu objetivo difundir
21
Texto extraído de: Michael Fullan. Large-scale reform comes of age. Journal of Educational
Change, Vol. 10, Nos.2-3, 2009: 101–113. Publicado online: http://www.springerlink.com/
content/1389-2843/10/2-3/ Acesso: 16/04/2011. Reproduzido com gentil permissão de
Springer Science and Business Media.

494
inovações, como se introduzir no sistema uma enxurrada de ideias externas fosse
o suficiente para provocar as mudanças desejadas. Vultosos recursos foram in-
vestidos em grandes reformas curriculares, como a PSSC Physics, BSCS Biology e
MACOS Social Sciences,22 e em inovações organizacionais como escolas de plano
aberto, horário flexível e ensino em equipe.
No começo da década de 1970, havia fortes evidências de que os resultados
tinham sido insignificantes, restringindo-se a exemplos pontuais. Os trabalhos
Behind the classroom door (Por trás da porta da sala de aula), de Goodlad et al.
(1970), The culture of the school and the problem of change (A cultura escolar
e o problema da mudança), de Sarason (1971), e Implementing organizational
innovations (Implementando inovações organizacionais), de Groos et al. (1979),
demonstravam a ausência de mudanças no nível da sala de aula. O termo “im-
plementação” (ou, mais precisamente, “implementação falha”) entrou para o
vocabulário da reforma. Numa extensa revisão das pesquisas (Fullan E Pomfret,
1997), documentamos a contundente falha dessas reformas. Colocar as ideias em
prática era um processo muito mais complexo do que se pensava.
O que faltava a esses modelos, de acordo com Elmore:
Era o complexo processo através do qual decisões curriculares locais eram toma-
das, o relacionamento político e comercial estabelecido e institucionalizado, que
sustentava os currículos vigentes baseados em livros didáticos, os fracos incentivos
dados aos professores para mudarem suas práticas cotidianas de trabalho, e os
extraordinários custos de se fazerem mudanças em larga escala e de longa dura-
ção, de natureza fundamental, sobre como o conhecimento é construído nas salas
de aula. (Elmore, 1995: 15)
Havia, de fato, uma grande pressão e fortes incentivos para a inovação, le-
vando a que muitas escolas adotassem reformas sem que tivessem a capacidade
(individual ou organizacional) de colocá-las em prática. Desse modo, as inovações
foram adotadas superficialmente, havendo alguma mudança da linguagem e das
estruturas, mas não das práticas de ensino.
Outra força importante pressionando por reformas no mundo ocidental durante
a década de 1960 foram os vários tipos de movimentos pelos direitos civis, que
denunciavam diversas formas de desigualdade. O sistema educacional foi visto
como um dos principais instrumentos para a redução da desigualdade social. À
dificuldade intrínseca de modificar práticas individuais, somou-se a enorme difi-
culdade de combater a estrutura de poder existente e de superar o preconceito e
a ignorância das diferenças de etnia, classe, gênero e desigualdades de todos os
tipos. Tampouco há fortes evidências de que a vida dos desprivilegiados melho-
rou, mesmo nos casos em que se comprova haver esforços sinceros nesse sentido

22
Veja, na Seção 1, uma descrição das reformas curriculares do curso de física de nível
médio desenvolvido pelo Comitê de Ensino das Ciências Físicas (PSSC); o Estudo Curricular
de Ciências Biológicas (BSCS); o currículo para as Ciências Sociais - Homem: Um Curso de
Estudos (MACOS). (N.T.)

495
(Oakes e Lipton, 1999). E, quando tais ganhos foram efetivamente alcançados,
isso ocorreu apenas em casos isolados, aparentemente impossíveis de serem am-
pliados para uma escala maior.
Não se fez muito progresso durante o período de 1960-1996, em que pese
o renovado interesse pelas reformas de larga escala durante a década de 1980,
quando mecanismos de responsabilização foram introduzidos. A pressão pelas
reformas cresceu, mas não sua efetivação. As razões urgentes para as reformas são
agora conhecidas. A sociedade global é crescentemente complexa, demandando
cidadãos educados que possam aprender continuamente (ver o trabalhador do
conhecimento de Drucker, 1999) e que possam trabalhar com a diversidade, tanto
local quanto internacionalmente. A despeito de não haver um consenso sobre os
culpados, é agora uma conclusão irrefutável que o sistema educacional e seus
parceiros falharam em produzir cidadãos que possam contribuir para se benefi-
ciar de um mundo que oferece enormes possibilidades, ao mesmo tempo em que
apresenta dificuldades igualmente complexas para nele se orientar. Rohlen (1999)
argumenta convincentemente sobre isto em sua análise de “Software Social para
uma Sociedade de Aprendizagem”, onde argumenta que:
Essencialmente, a mensagem é que nossas escolas precisam ensinar processos
de aprendizagem que melhor se adéquem a como o trabalho tem evoluído. Isso
significa, sobretudo, ensinar as habilidades e os hábitos mentais essenciais para a
solução de problemas, especialmente quando muitas mentes precisam interagir.
(Rohlen , 1999: 251-252)
De todo modo, em 1996, as reformas educacionais em larga escala constituíam
uma agenda em grande medida inconclusa, não havendo praticamente nenhuma
estratégia clara que prometesse melhorias reais.
[...]

Inglaterra: 1997-2002

A Inglaterra foi, em 1997, possivelmente o primeiro governo no mundo a


adotar uma explícita teoria de mudança em larga escala como a base para uma
reforma sistêmica. Quando Tony Blair foi eleito pela primeira vez, em 1997,
“educação, educação e educação” foram suas três prioridades. Indo diretamente
ao que nos interessa mais de perto, Blair e seu estrategista principal, Michael Bar-
ber, deliberadamente basearam sua estratégia no “conhecimento sobre mudança”
então disponível. Mais especificamente, seu governo desenvolveu uma Estratégia
Nacional de Alfabetização e Competência Numérica (NLNS) visando melhorar o
desempenho das crianças de 11 anos em todas as 20.000 escolas primárias do
país – isso foi, no mínimo, uma reforma em larga escala! Há certa controvérsia
na interpretação dos resultados, mas o percentual de estudantes de 11 anos com

496
alto desempenho passou de 63% em 1997 para 75% em 2002, em alfabetização,
sendo os resultados para competência numérica básica respectivamente 62 e 73%.
Michael Barber (2008) caracterizou a estratégia por detrás do NLNS como uma
de grandes desafios e grande apoio em relação a seis elementos-chave: padrões
ambiciosos, boas informações e metas claras, responsabilidade descentralizada,
acesso às melhores práticas e desenvolvimento profissional de qualidade, respon-
sabilização e intervenção na medida inversa do sucesso (escolas apresentando
poucas melhorias recebem uma atenção extra).
O debate quanto aos resultados girou em torno de três questões: i) muitos
dos ganhos foram causados por tendências anteriores a 1997, isso é, anteriores à
estratégia; ii) os resultados são mais aparentes do que reais; e iii) essa estratégia
foi excessivamente centralizada, resultando num foco restrito em apenas duas
matérias, e ela falhou em não conseguir ser amplamente adotada pelos diretores
e professores das escolas.
Quanto aos dois primeiros questionamentos, do ponto de vista de nossa equipe
(uma equipe de Ontário avaliou o NLNS de 1997 a 2002, Earl et al., 2003), não há
quaisquer dúvidas de que os resultados foram, em geral, reais e impressionantes.
Comparações internacionais também corroboram essa conclusão. Havia milhares
a mais de crianças alfabetizadas e com competência numérica básica na Ingla-
terra em 2001. A terceira crítica é mais contundente, no entanto. As avaliações
foram muito restritas (mas não tanto quanto alguns críticos afirmaram), e não há
dúvidas de que, após alguns resultados iniciais positivos, a estratégia de cima para
baixo fracassou em ganhar os corações e as mentes dos diretores e professores
das escolas. Uma indicação disso é que, após um salto inicial nas avaliações, os
resultados se estabilizaram em 2000, 2001 e 2002.
Nosso propósito aqui não é pôr fim ao debate – temos objetivos maiores a
perseguir. Nosso ponto principal é que a NLNS foi uma iniciativa promissora que
nos deu a oportunidade de avaliar componentes específicos de uma estratégia
sistêmica.

Estados Unidos: 1997-2002

Realmente, não há muito o que dizer sobre os EUA durante esse período. Não
houve qualquer estratégia nacional, nenhum uso explícito da teoria da mudança e,
para além de alguns dispersos distritos escolares de sucesso, não houve qualquer
progresso. De fato, tomando-se como referência a diferença entre alunos de alto
e de baixo desempenho nos EUA, esse valor vinha aumentando desde 1980, e
continuou a fazê-lo.
Os fatos estão bem documentados no estudo detalhado de dois economistas
de Harvard sobre as tendências educacionais nos EUA (Goldin e Katz, 2008). A
conclusão ampla e embasada a que chegam é que:

497
(...) os três primeiros quartos do século americano foram uma era de crescimento
econômico de longo prazo e redução das desigualdades. (...) Mas, no final da dé-
cada de 1970, sobreveio um abrupto e substancial crescimento da desigualdade
(...) E a desigualdade é hoje tão grande como fora durante a Grande Depressão,
ou até mesmo durante períodos anteriores. (Goldin e Katz, 2008: 3, ênfase no
original)
Goldin e Katz observam que o declínio (ou a ausência de melhoria) educacio-
nal acompanhou as tendências econômicas: “a desaceleração do crescimento das
conquistas educacionais foi mais extrema e perturbadora para aqueles situados
na base da pirâmide social” (Goldin e Katz, 2008: 7).
Houve alguns esforços dos EUA em realizar reformas educacionais de larga
escala, mas não reformas sistêmicas. Isso é, algumas dessas iniciativas envolveram
um grande número de escolas, mas não todas dentro de uma jurisdição. Um exem-
plo disso são os modelos de reforma de escola inteira. Os Institutos Americanos
de Pesquisa23 (1999) avaliaram 24 modelos abrangentes de reforma de escola
inteira. Dos 24 modelos avaliados pelo AIR, três mostraram fortes evidências de
terem “resultados positivos” sobre o desempenho dos estudantes – Instrução Direta
(Direct Instruction), Escolas de Ensino Médio que Funcionam (High Schools that
Work) e Sucesso para Todos (Success for All) apresentaram resultados promissores,
enquanto os outros 16 tiveram pouco impacto.
Dentre os programas que inicialmente tiveram sucesso, poucos foram mantidos.
Datnow e Stringfield (2000) discutem o problema da “longevidade da reforma”.
Em um estudo feito em oito escolas, apenas três “tinham claramente procurado
institucionalizar suas reformas” (Datnow e Stringfield, 2000: 196). Em outra
série de estudos de caso, Datnow e seus colegas (2002) conduziram um estudo
longitudinal de treze escolas, verificando que apenas quatro delas ainda usavam
as reformas após seis anos. Esses e outros estudos levaram os pesquisadores a
perguntarem “Reformas transplantadas duram? A resposta mais frequente é ...
não” (Datnow e Stringfield, 2002: 232).
Um dos problemas é que essas estratégias veem as escolas como parte do
sistema, e, portanto, não levam em consideração o “contexto”. A ausência de
uma estratégia sistêmica bem fundamentada de nível estadual ou federal nos EUA
continua cobrando seu preço.

Canadá: 1997-2002

Não há qualquer forma de participação federal no ensino público, do ensino


fundamental ao ensino médio, no Canadá, sendo necessário considerar cada
província em separado. As províncias mais destacadas na maioria das avaliações
internacionais são Alberta, Columbia Britânica, Ontário e Quebec. Para esse

American Institutes for Research – AIR. (N.T.)


��

498
período, tomarei Alberta e Ontário como, respectivamente, exemplos positivos e
negativos.
Uma das variáveis que nos interessam neste artigo é se o sucesso de uma
província ou país está baseado em uma estratégia de mudança autoconsciente.
Em certo sentido, um primeiro momento de sucesso não precisa ser explícito e
deliberado, mas afirmo que o progresso continuado, e certamente a disseminação
de estratégias eficazes, deve ser passível de descrição.
Alberta é um exemplo de sucesso sem necessariamente ser clara e articula-
da quanto a sua estratégia. Alberta obtém resultados muito bons em avaliações
internacionais (em geral, ficando entre os cinco primeiros países). A província
atrai professores e administradores de boa qualidade, e tem boas relações entre
sindicatos de professores, distritos escolares, conselheiros, universidades e o go-
verno. Ela é também se beneficia de importantes recursos naturais petrolíferos,
que proporcionam uma sólida base financeira. Para além desses fatores, sua
estratégia baseia-se em dois pilares independentes – capacitação em inovação e
responsabilização.
A capacitação em inovação foi conduzida através do fundo Iniciativa em
Melhoria Escolar de Alberta (Alberta Initiative for School Improvement – AISI),
que começou em 1998, e provê recursos substanciais para todos os distritos na
província com base em propostas submetidas. Ao mesmo tempo, há uma base de
dados bem documentada que registra e fornece informações sobre o progresso
educacional usando diversos indicadores. Mesmo não havendo, como na Inglaterra,
a possibilidade de intervenção como consequência de resultados insatisfatórios, os
ingredientes naturais das verbas para a inovação e a pressão suave pela transpa-
rência dos dados deram a Alberta um início vigoroso na empreitada da reforma
em larga escala.
Por outro lado, durante o mesmo período, Ontário procedeu de uma maneira
que viria a enfraquecer seu sistema de ensino público. De 1995 a 2003, o governo
conservador da época introduziu mudanças estruturais (p. ex., a redução subs-
tancial do número de distritos escolares e a fundação de uma agência avaliadora),
reduziu substancialmente as verbas de educação e, em geral, travou uma batalha
contra os professores da província. O resultado foi um conflito empedernido, baixa
moral e estagnação no nível de alfabetização e competência numérica durante o
período 1998-2002. Ontário continuava a ser um sistema com bons resultados,
mas enfraquecido pela ausência de uma estratégia positiva.

Finlândia: 1997-2002

A Finlândia, agora reconhecida como um dos melhores sistemas no mundo,


começou sua escalada a partir de um período de estagnação durante a década de
1990. Hargreaves et al. (2007), em sua avaliação da Finlândia pela OCDE, traça o

499
princípio desse processo à ação decisiva de investir em uma reviravolta econômica
de alcance nacional. A Finlândia, de acordo com Hargreaves e Shirley (no prelo)
“se empenhou em desenvolver uma economia do conhecimento criativa, de alta
qualificação e altos salários, na qual as pessoas inventam, aplicam, compartilham e
articulam conhecimento em um nível que ultrapassa todos os competidores” (p. 84).
O investimento e a valorização da educação, incluindo o crescimento de uma
poderosa equipe de professores de qualidade, também datam deste período. [...]
ficou demonstrado, no período de 1997 a 2002, que um país de tamanho médio
(cinco milhões de pessoas) pode se reinventar através de uma combinação de visão
e compromisso da sociedade como um todo.

As reformas de larga escala atingem a maioridade: 2003-2009

Atingir a maioridade não significa atingir a maturidade, mas sim que as pessoas
estão definitiva e seriamente participando do jogo. À medida que isso acontece, o
trabalho se torna mais analítico e mais voltado para a prática. Michael Barber, em
uma recente edição do Diálogo Internacional sobre Educação (2008), caracterizou
esse novo desenvolvimento como a “profissionalização da reforma sistêmica”.
Há uma maior convergência, mas não um consenso; os debates se concen-
tram em como realizar reformas sistêmicas, e não em defini-las. Assim, todos
concordam que professores de qualidade são um fator essencial, e que líderes e
professores trabalhando juntos, concentrados no aprendizado e no desempenho
dos estudantes, são condições fundamentais. Mas há diferenças gritantes quanto
às políticas e estratégias para se chegar a tais resultados. Nessa seção, tratarei de
exemplos concretos de países, incluindo os sistemas de melhor desempenho no
mundo, à medida que avaliamos os novos desenvolvimentos emergentes.
Como dantes, podemos ser breves no tratamento dos EUA. Há algumas no-
tícias boas. Em termos gerais, o NCLB24 tem se concentrado nos que apresentam
pior desempenho, e tem dado uma maior atenção aos dados e sua utilização.
Especificamente, reformas abrangendo distritos escolares inteiros apareceram
durante o período de 2003 a 2008, com vários sucessos notáveis capazes de
levantar o patamar dos resultados e reduzir a diferença entre eles – a título de
exemplo, podemos citar Chula Vista e Long Beach na Califórnia, Guilford County
na Carolina do Norte e Chicago. Minnesota, como estado, também obteve bons
resultados nos testes internacionais TIMMS quando comparado a outros países.
Infelizmente, o NCLB continua a se arrastar, atrapalhando mais do que ajudando
com testes excessivos e demasiadamente restritos, curtos horizontes temporais,
pouca capacitação e uma estratégia punitiva. Nenhum estado e nem o governo
federal tem uma estratégia explícita de reforma sistêmica que se aproxime daquilo

24
No Child Left Behind (Nenhuma Criança Deixada para Atrás). Lei Federal da Educação
dos Estados Unidos de 2001. (N.T.)

500
que sabemos ser necessário. A única boa notícia é haver uma percepção, que
cresce rapidamente, de que as estratégias existentes não estão funcionando, visto
que os EUA continuam a regredir internacionalmente. E a melhor notícia é que
líderes importantes estão começando a mostrar interesse em certas estratégias que
funcionam – logo trataremos mais disso.
Um bom lugar para começar, do lado positivo da equação, é o McKinsey
Report, que examinou as características dos “sistemas de melhores resultados”
no mundo (Barber e Mourshed, 2007). A Finlândia, Hong Kong, Singapura,
Taiwan, Canadá (Ontário, Alberta e Québec) e a Coreia do Sul são os países que
consistentemente obtêm bons resultados nos indicadores padronizados de alfa-
betização, competência numérica básica e ciências, ficando geralmente entre os
cinco ou seis primeiros.
O grupo McKinsey procurou identificar políticas e estratégias (isso é, instru-
mentos passíveis de serem manipulados) que pudessem ser responsáveis pelas
diferenças. Eles encontraram quatro grandes fatores: i) atrair pessoal de alta
qualidade para a profissão de professores (em termos acadêmicos e de adequação
para o ensino); ii) ter um foco e estratégias para continuamente desenvolver prá-
ticas educacionais de qualidade em serviço; iii) cultivar, selecionar e desenvolver
líderes voltados para a instrução (especialmente diretores, mas também outros no
âmbito distrital e estadual); iv) dar atenção contínua aos dados de desempenho de
estudantes individuais, escolas e grupos de escolas, fazendo intervenções precoces
para se corrigir quaisquer problemas.
É verdade que muitos desses países são pequenos (todos os acima, à exceção
do Canadá e da Coreia do Sul, têm menos que cinco milhões de habitantes), mas
isso não contradiz o fato dos quatro fatores serem fundamentais. A variabilidade
pode estar na dificuldade de lidar com os mesmos, e há também sutilezas em como
as políticas se desenrolam. As estratégias de Singapura são fortemente articuladas,
enquanto as finlandesas são mais orgânicas. Os componentes centrais, no entanto,
são os mesmos.
Para tratar da Finlândia, podemos nos basear em Hargreaves et al. (2007),
que recentemente conduziram uma avaliação pela OCDE do sistema educacional
do país. Interpretando suas descobertas, Hargreaves (2009) e Hargreaves e Shirley
(no prelo) mencionam “uma profissão de ensino de alta qualidade”, “condições
favoráveis de trabalho”, “confiança profissional”, e “uma visão de país inspiradora”
como elementos fundamentais para o sucesso alcançado.
Em geral, esses resultados de países com alto desempenho são encorajadores.
A meu ver, a próxima fase das reformas deve investigar e separar as sutilezas e
diferenças de acordo com seus contextos. Aliás, uma regra primordial em reformas
sistêmicas é nunca, de modo algum, apoiar um único fator de cada vez como sendo
o fundamental. Por exemplo, perceber que a Finlândia não tem nenhum sistema
de avaliação nacional e está no topo não significa que a ausência de testes sem-
pre seja um elemento positivo. Obter sucesso em reformas sistêmicas geralmente
significa que um pequeno número (até meia dúzia) de poderosos fatores estão

501
interagindo para produzirem um impacto substancial. É o efeito de interação que
responde pelos resultados.
Ontário é um exemplo disso onde, desde 2003, deliberada e conscientemente,
se empregou um grupo de estratégias sistêmicas para levar um sistema estagna-
do ao sucesso dinâmico. Levin et al. (2008) chamam a história de Ontário de
“resultados sem rancor”. A estratégia da província baseia-se em três elementos
superpostos que se reforçam: respeito pela equipe e pelo conhecimento profissio-
nal, abrangência, e coerência e alinhamento através de parcerias entre o governo
e o campo (escolas e distritos).
Ontário definiu um pequeno número de objetivos ambiciosos (alfabetização,
competência numérica básica e conclusão do ensino médio), estabeleceu uma infra-
estrutura de capacitação de liderança dedicada, e trabalha no sentido de negociar
metas, usar dados para registrar o progresso e intervir cedo quando aparecem pro-
blemas. Ainda que haja muito a ser feito, as estratégias estão “funcionando”, visto
ter havido um progresso regular (com alguns períodos de estabilização) durante
seus seis anos de vigência (para uma avaliação mais detalhada, veja Levin, 2008).
Atingir a maioridade não significa haver pleno acordo. Há grandes diferenças
no que os reformadores optam por enfatizar. Compare, por exemplo, Barber e
Hargreaves, dois grandes e antigos estudiosos e praticantes de reformas sistêmi-
cas. Barber (2008, 2009) reforça a necessidade de liderança sistêmica aliada à
capacitação. Ele afirma que, em relação à reforma sistêmica, não se trata mais de
ter a agenda correta, mas sim de implementá-la de modo eficaz. Especificamente,
ele defende a combinação de três componentes: o novo profissionalismo da pro-
fissão docente como um todo, a cidadania e a liderança estratégica do governo.
Para Hargreaves, há muito “comando e controle” na solução de Barber (e eu
suspeito que Barber considera que as recomendações de Hargreaves deixam muito
por conta do acaso). Hargreaves nos leva através de uma evolução dos “Quatro
Caminhos para a Mudança”. No Primeiro Caminho, os professores e a profissão
tinham grande liberdade e autonomia (digamos, durante as décadas de 1960 e
1970). O Segundo Caminho, de acordo com Hargreaves, envolvia objetivos, metas
de desempenho, a escolha dos pais e a capacitação (as décadas de 1980 e 1990).
O Terceiro Caminho baseia-se em metas governamentais de desempenho de
cima para baixo (assim como no Segundo Caminho), juntamente com a capacita-
ção, e o aprendizado horizontal, através da pressão e apoio dos colegas. O Quarto
Caminho de Hargreaves (2009) e de Hargreaves e Shirley (no prelo) consiste na
combinação de uma “visão nacional” de cima para baixo e direcionamento e apoio
governamental, com “envolvimento profissional” e “engajamento público”, com
a finalidade de promover “aprendizado e resultados”.
Todas essas coisas são boas, na medida em que participamos do mesmo
jogo. O próximo período será crucial, porque testaremos as boas ideias novas
que estão surgindo e continuaremos a debatê-las e diferenciá-las em relação a
casos empíricos concretos. Até muito recentemente, havia insuficientes exemplos
de países nos quais se tivesse deliberadamente empreendido reformas sistêmicas

502
em três níveis. Agora, há vários e o interesse é crescente, impulsionado, entre
outras forças, pelas incisivas análises dos padrões de referência e pelas políticas
a eles relacionadas, através das avaliações do PISA da OCDE (Schleicher, 2009).
A reforma sistêmica está pronta para avançar rapidamente no futuro imediato.
[...]

503
Leitura 9
Uma década de mudança educacional e um momento definidor
de oportunidades − uma introdução

Andy Hargreaves (2009)25

[...]
Como editor-chefe deste periódico e pesquisador da mudança educacional em
diversos países por mais de três décadas, defendo, neste editorial, que a mudança
educacional, as estratégias de reformas e o direcionamento das pesquisas a elas
associadas se tornaram maiores, mais nítidas, mais sólidas e mais horizontais.
Essas tendências são evidentes nos grandes planos das estratégias políticas de
reformas, bem como na maneira em que as comunidades profissionais nas escolas
conceberam e desenvolveram seus trabalhos. Esses direcionamentos, precisamente
os que nos trouxeram a este momento definidor da mudança educacional, não
conseguirão, contudo, levar-nos produtivamente à frente. A segunda parte deste
editorial, portanto, expõe alguns direcionamentos previstos e alternativos para o futuro.

Reformas maiores

Após anos de frustração desenvolvendo inovações promissoras que existiam


apenas como exceções incapazes de se disseminar, vendo projetos-piloto serem
mal replicados na tentativa de implementá-los em todo um sistema, e constatando
que a adoção inicial de mudanças raramente levava à institucionalização integral,
em larga escala e sem grandes esforços, os reformadores educacionais começaram
a buscar concepções de reformas mais coordenadas e de nível sistêmico – e o
financiamento para pesquisas crescentemente os seguiu. Mudanças baseadas na
escola e na sala de aula saíram de cena, dando lugar às reformas em grande escala.
[...]
O inovador trabalho do Distrito 2 de Nova York, sob a liderança inspiradora
de Anthony Alvarado, foi, aqui, uma influência-chave. Defendida por Richard
Elmore e Deanne Burney (1997), e inicialmente propugnada por Michael Fullan

25
Texto extraído de: Andy Hargreaves. A decade of educational change and a defining mo-
ment of opportunity – An introduction. Journal of Educacional Change, 10, 2009: 89-100.
Reproduzido com gentil permissão de Springer Science and Business Media.

504
(2001), patrono da mudança internacional, esse modelo de mudança no nível do
distrito escolar desenvolveu um foco mais claro, mais forte e pedagogicamente
mais construtivo na instrução reforçada por material didático de alta qualidade,
por uma eficiente rede de tutores de alfabetização (muitos dos quais vindos da
Austrália), por uma maior atenção em transformar os diretores em lideranças
instrucionais de quem se demandava que discutissem seu aprendizado e suas
dificuldades em conjunto, por um sistema de monitoramento e inspeção pautado
em “visitas” administrativas e por uma clara vinculação aos resultados transpa-
rentes das avaliações.
Os esforços no sentido de transplantar esse modelo diretamente – como
todas as tentativas de clones exatos de mudanças educacionais – se mostraram
frustrantes. Mary Kay Stein, Lee Hubbard e Bud Mehan demonstraram isso em
contribuições anteriores a esse periódico, analisando a tentativa de implementar
o modelo do Distrito 2 em San Diego sob condições de menos recursos, maior
escopo, ambiente político diferente e horizontes temporais menores (Stein et al.,
2004). Mas certos princípios e práticas derivados do Distrito 2 começaram a surgir
entre outros defensores da mudança em larga escala que buscavam resultados
melhores e mais duradouros, uma conexão mais estreita entre a pedagogia e o
ensino e melhores maneiras de engajar e apoiar os professores e líderes no esforço
de mudança. Na Inglaterra, a estratégia de Sir Michael Barber (2007) aumentou
o foco nacional na alfabetização e na competência numérica, aumentou o apoio
aos professores em termos de material, financiamento e auxílio técnico, além de
ter prestado crescente uma atenção ao desenvolvimento da liderança, particular-
mente através da fundação de uma Faculdade Nacional para a Liderança Escolar
(National College for School Leadership). Ele manteve, contudo, os compromissos
existentes de inspecionar, avaliar e revelar publicamente as escolas que deixam
a desejar.
Em Ontário, (...) o contínuo compromisso com a responsabilização educa-
cional baseada em testes foi reforçado por um conjunto de iniciativas sistêmicas
que desenvolveram a capacidade de melhoria e forneceram apoio institucional às
unidades educacionais.
A província tomou de empréstimo da Inglaterra a ideia de tornar a avaliação
da alfabetização e da competência numérica, associada a metas políticas para a
melhoria do desempenho, peça central de sua estratégia de reforma. Além disso,
criou centenas de novos cargos de ensino para reduzir o tamanho das turmas nas
séries iniciais e promoveu a designação de “professores de alunos bem-sucedidos”
em cada escola, de modo a garantir que cada estudante fosse bem conhecido e
apoiado por pelo menos um membro da equipe da escola. Novamente, assim como
no caso da Inglaterra e do Distrito 2 de Nova York, grandes equipes de consul-
tores e tutores trabalharam ao lado dos professores com o apoio de material de
qualidade. Os sindicatos de professores receberam US$5 milhões para gastarem
no desenvolvimento profissional, práticas de sucesso foram disseminadas pelas
escolas e as instituições de pior desempenho foram encorajadas, mas não com-

505
pelidas, a procurar a assistência de equipes governamentais de apoio e de seus
pares de melhor desempenho.

Mais nítidas

Os proponentes de modelos de reforma em larga escala que também ofere-


cem mais apoio, capacitação e envolvimento profissional defendem que, em geral,
iniciativas maiores têm sido melhores. Avaliações profissionais independentes da
experiência de Ontário ainda não estão disponíveis, mas a evidência inglesa é, na
melhor das hipóteses, desigual (...).
Em qualquer situação, quanto mais o controle e a intervenção forem orques-
trados de cima para baixo, mais nítido tem que ser o foco em termos do que deve
ser controlado. Quanto maior for o escopo da ação, mais a confiança, a tomada
de decisões e a responsabilidade precisam ser delegadas para baixo – o que é
conhecido como o princípio da subsidiariedade. Simplesmente, nunca há recursos
suficientes para poder controlar tudo de perto a partir de cima.
A resposta a essa dificuldade entre os reformadores em larga escala tem sido
estabelecer um foco nítido para o controle e a intervenção. Logo, há um cres-
cente consenso em concentrar os esforços das políticas, o desenvolvimento dos
currículos, o treinamento instrucional, as estratégias de intervenção e os planos de
melhorias na melhora dos resultados de avaliações e na redução das diferenças
de desempenho nos testes dos conteúdos básicos de alfabetização e matemática,
juntamente com os resultados dos exames das escolas de ensino médio.
Durante algum tempo, essas estratégias aumentaram a consistência do sistema,
intensificaram o sentimento de urgência quanto à retificação do subdesempenho e
mobilizaram esforços para tanto, além do que, por vezes, garantiram a aprovação
pública, bem como credibilidade política, com relação à discussão da qualidade
do ensino. Não obstante, as melhorias iniciais raramente são mantidas, e a sua
validade é frequentemente contestada sob a alegação de que os resultados são
obtidos mediante um ensino voltado para as avaliações e a fabricação de baixos
níveis iniciais de resultados nos testes, por meio de uma preparação delibera-
damente fraca e de uma implementação apressada, que só depois são seguidas
por um treinamento e apoio – dessa forma, o que parece ser uma melhoria é, na
verdade, uma recuperação.
[...]

Mais sólidas

A década de reformas de larga escala foi também uma década na qual a


evidência substituiu a experiência; dados concretos tomaram o lugar da intuição

506
subjetiva e do julgamento. As lições e as melhorias orientadas pelos dados tornaram-
-se elementos padrão das abordagens anglo-americanas de reforma educacional.
Anteriormente, os dados sobre o desempenho de estudantes nos exames
e testes padronizados eram usados como maneiras primitivas de ranquear de
modo público e competitivo as escolas, de fornecer aos pais informações para
suas escolhas, de fazer os fortes e os fracos se digladiarem e de envergonhar os
competidores piores e mais fracos, estimulando-os a se esforçarem. Mais tarde,
muitos países trabalharam no sentido de sofisticar os bancos de dados. Medidas
de progresso foram desenvolvidas de modo a que as escolas pudessem comparar
o desempenho presente com o resultado anteriormente obtido, e os resultados
do desempenho eram contextualizados em relação ao tipo de comunidade na
qual se inseriam. Desta maneira, as escolas podiam tanto se comparar a outras
em condições similares às suas quanto entrar em contato com as de resultados
melhores para conseguirem apoio e assistência. Muitas escolas então começaram
a usar dados para melhorarem internamente. Departamentos eram comparados
com departamentos, meninos com meninas, estudantes dos grupos majoritários
com os dos grupos minoritários, estudantes estrangeiros com nativos, e assim por
diante. Tudo para que os professores pudessem identificar onde precisavam con-
centrar seus esforços e fazer as intervenções no devido momento. Os resultados
do desempenho também eram compartilhados com cada estudante em reuniões
regulares e individuais, a fim de administrar e monitorar o progresso dos alunos
e de definir com eles os objetivos para o futuro.
Melhorias baseadas em dados passaram a ser uma parte integral do movimento
de levar as escolas a se tornarem comunidades profissionais de aprendizagem
(CPAs), nas quais os professores usam dados e outras evidências para investigar
suas práticas e os efeitos que têm sobre os estudantes, fazendo conjuntamente as
melhorias necessárias para combater as deficiências encontradas. Nas melhores
ou mais avançadas CPAs, uma ampla gama de dados quantitativos e qualitativos
é utilizada como parte regular e natural das práticas coletivas para continuamente
investigar as práticas dentro da sala de aula, do departamento ou da escola como
um todo com vistas à melhoria contínua e à elevação dos padrões de desempenho
(Datnow et al., 2007).
Enquanto esses desenvolvimentos indubitavelmente concentraram a energia
e os esforços dos professores em identificar e atender os estudantes ou grupos
de estudantes com maiores dificuldades, que mais precisam de ajuda, a opção
entusiasmada pela melhoria do ensino baseada em dados não deixou de introduzir
certos riscos e desvantagens.
Em primeiro lugar, ao invés de simplesmente respeitar o valor dos dados e da
evidência objetiva frente à intuição subjetiva, as escolas e os sistemas, por vezes,
vieram a reverenciá-los acima de todo o resto.
[...]

507
Em segundo lugar, a busca por mais dados cada vez mais detalhados para
guiarem cada ação e decisão pode se tornar obsessiva e excessiva. A origem
dessa abordagem está no modelo de negócios da World Class Manufacturing, na
verdade uma metodologia para melhorar a qualidade através da desagregação de
cada parte do processo produtivo em dados e detalhes minúsculos, granulares,
de modo a haver uma necessidade incessante de atenção para melhorar cada
mínima parte do processo.
[...]
Em terceiro lugar, enquanto que as melhores CPAs integram e inserem inves-
tigações fundamentadas em evidências no trabalho diário do ensino, testando todo
o currículo, cabe observar que a imposição de avaliações high-stakes de cima para
baixo e em áreas básicas, porém restritas, de aprendizado (como alfabetização
e competência numérica) pode levar muitas CPAs a assumirem um foco muito
mais estreito e artificial. Na prática, ainda que o escopo das CPAs seja grande,
a maioria dos estudos mostra que a maior parte de suas atividades se resume a
fazer com que os professores estudem juntos planilhas com as notas dos alunos
após dias atarefados de trabalho, para então propor soluções imediatas objetivando
produzir as melhorias rápidas e que afastarão o espectro da responsabilização
(Datnow et al., 2007).
[...]

Mais horizontais

Em educação, o trabalho está cada vez mais horizontalizado. A finalidade é


reduzir as diferenças de desempenho entre os grupos – intervir para que as me-
ninas alcancem os meninos, por exemplo, e depois para que os meninos alcancem
as meninas. São objetivos nobres, porém, não quando são perseguidos a ferro
e a fogo, de modo a fazer com que, quando apareça uma diferença, a resposta
imediata seja eliminá-la.
[...]
Embora a redução de grandes diferenças de desempenho seja uma aspira-
ção válida, ser compelido a eliminar todas as diferenças é uma obsessão pouco
saudável.

Mais dez anos

Na maioria das nações anglo-americanas, os últimos dez anos foram marcados


por uma atenção high-stakes e em larga escala a testes do ensino fundamental e
médio, em que os dados objetivos das avaliações impulsionam esforços cada vez

508
mais detalhados e minuciosos em busca da melhoria, tentando eliminar todas as
diferenças de desempenho onde quer que elas surjam. É cada vez mais claro
que essas ênfases não conseguem desenvolver ou proporcionar os aprendizados
essenciais que são parte integrante das sociedades do conhecimento, criativas e
inovadoras, e que são a nossa melhor aposta para sairmos do colapso da economia
global existente.
Quais as direções e os desenvolvimentos que as políticas, a prática e a pes-
quisa da mudança educacional podem então tomar? Eu defino sete tendências
de mudança educacional essenciais, e por vezes inevitáveis, que podem vir a
caracterizar os próximos dez anos.
Em primeiro lugar, o colapso da economia global vai atrair a atenção das
pessoas para adotarem estratégias orientadas para a educação, como as da Fin-
lândia, para se reinventarem e se tornarem economias do conhecimento bem-
-sucedidas e competitivas. A padronização declinará e a inovação tomará seu
lugar. Isso aparecerá, inicialmente, como adições ao cardápio existente da padro-
nização – em atividades curriculares extra-escolares ou em alocações de tempo
para a criatividade e estudos interdisciplinares dentro de um ambiente que, de
resto, continuará padronizado. Mas, eventualmente, os elaboradores de políticas
terão de admitir que a inovação e a criatividade requerem condições de ensino,
aprendizado e liderança diferentes e mais flexíveis que as prevalecentes na era
gerencial da reforma educacional, orientada por testes e obcecada por dados.
Precisaremos novamente aprender como disseminar a inovação através de redes,
relacionamentos e interações. E precisaremos fazer isso com mais eficácia que
durante as décadas de 1960 e 1970.
Em segundo lugar, no fim dos tempos do materialismo e das formas “egoístas”
de caráter capitalista (James, 2008), faremos perguntas mais abrangentes sobre os
propósitos da educação, sobre como estamos preparando as próximas gerações.
Preocupações técnicas com a redução das diferenças de desempenho educacional
medidas por avaliações dos conteúdos básicos e alusões vazias ao desenvolvimento
de “escolas de nível mundial”, derivados dos princípios tecnicamente guiados
do World Class Manufacturing, darão lugar a objetivos que abarquem as formas
de inovação e de criatividade fundamentais para as economias do conhecimento
avançadas, bem como as virtudes da empatia e do serviço comunitário, que são
uma parte integrante de formas mais “altruístas” de capitalismo.
Em terceiro lugar, veremos, ou deveríamos ver, o declínio das reformas empre-
endidas pelos distritos. Os professores só podem realmente aprender uma vez que
saem de suas próprias salas de aula e entram em contato com outros professores.
Esse é um dos princípios essenciais por detrás das CPAs. Igualmente, as escolas só
podem de fato aprender ao entrarem em contato com outras escolas, inclusive com
aquelas fora de seus distritos imediatos. Muitos distritos são pequenos demais para
permitir tal aprendizado. Outros são hierárquicos, burocráticos ou excessivamente
politizados e controladores – o contato com outras cidades e distritos é orquestrado
e acompanhado apenas pela equipe de maior autoridade do distrito, que filtra o

509
que o deve ser permitido ao restante de seus membros aprender. Uma sociedade
do aprendizado requer que as escolas entrem em contato e aprendam com outras
escolas para além dos confins e da burocracia de seus próprios distritos. Sem
essa evolução, as escolas se tornarão crescentemente isoladas e anacrônicas, mal
equipadas para prepararem seus estudantes e elas próprias com o aprendizado
flexível e adaptado à mudança que são vitais às economias do século XXI. Por essa
razão, redes de contato reais e virtuais abrangendo diferentes distritos podem e
devem se tornar uma prioridade para a pesquisa e a reforma na década vindoura.
Em quarto lugar, a maior parte dos efeitos sobre o desempenho dos estudantes
vem de fora da escola. Ainda assim, com medo de desafiar os pais eleitores quanto
à suas práticas e responsabilidades para com suas crianças em casa, os elaboradores
de políticas concentraram quase todos os seus esforços por melhorias somente na
escola, efetivamente tentando melhorar a performance através daquela que é, na
verdade, a variável de menor influência sobre o desempenho dos estudantes. O fim
do materialismo, contudo, reaviva o espírito de comunidade e a responsabilidade
comunitária. As nações de melhor desempenho, como a Finlândia, Singapura, a
Holanda e a Rússia mantêm um alta performance dando apoio às suas crianças
nas famílias e comunidades, bem como nas escolas. O desenvolvimento de polí-
ticas que combinem liderança distrital com responsabilidade por outros serviços
para crianças na Inglaterra é uma tentativa de avançar nessa mesma direção. As
escolas de tempo integral, escolas de serviço completo e escolas comunitárias são
exemplos de outros países. Na década vindoura aprenderemos e nos comprome-
teremos com a ideia de que as escolas mais fortes e mais eficazes são aquelas
que trabalham e interagem com as comunidades que interagem com elas próprias
– escolas nas quais as lideranças educacionais são também líderes comunitários.
Isso assinalará o fim da hipótese enganosa de que a responsabilidade pela melhoria
recai exclusivamente sobre os professores e suas escolas.
Em quinto lugar, a administração que supervisiona a entrega e a implemen-
tação de políticas dará lugar a uma liderança que possa construir comunidades
profissionais inovadoras. Particularmente desafiadora não será a tarefa de preparar
novos líderes, mas sim de converter os existentes, que foram escolhidos e apren-
deram a sobreviver em condições de competição e “gerencialismo”. Como mudar
gestores responsáveis pela entrega confiável de resultados em líderes capazes de
inspirar a inovação e a criatividade espontânea será uma das principais tarefas
estratégicas e de pesquisa na era do pós-materialismo e da pós-padronização.
Em sexto lugar, à medida que a geração do pós-guerra se aposenta ou se
afasta do ensino e da liderança, ela será substituída pelos sucessores da mais
direta e exigente Geração X e, ainda mais, da Geração Y – por vezes chamada
de Geração do Milênio (Howe & Strauss, 2000). Essa geração, agora na faixa dos
20 anos, é a que chamo de geração DC (depois dos computadores), visto que seus
predecessores são a geração AC (antes dos computadores). É uma geração que já
introduz ideias e incorpora tecnologias mais próximas da cultura das crianças e dos
jovens de hoje. Porém, é quando essa geração numericamente entrar de vez para a

510
liderança, no final dessa próxima década, que o estilo milênio de liderança – mais
rápido, assertivo, direto, baseado em equipe, focado em tarefas e tecnologicamente
pragmático – fará surgir as transformações da sala de aula e organizacionais que
são necessárias para as escolas do século XXI. Uma prioridade da pesquisa nos
próximos anos deverá ser o tratamento da natureza e das necessidades da Geração
Milênio no ensino e na liderança em nossas escolas.
Por fim, as condições globais do colapso econômico demandam uma maior
prudência nos gastos educacionais. Com o apoio financeiro para o ensino e o
aprendizado ameaçado, não é mais prudente ou sustentável financiar sistemas
abrangentes de avaliação padronizada censitária envolvendo todos os estudantes,
em muitas áreas curriculares e em diferentes momentos no tempo. Corporações
bem-sucedidas somente testam amostras de seus produtos para garantir o controle
de qualidade. É um mau negócio e desperdício de lucros testar mais do que isso.
Nós daremos conta de que esse princípio também se aplica à educação, como
muitos países com alto desempenho, como a Finlândia e a Nova Zelândia, já per-
ceberam. A desculpa de que produtos industriais, ao contrário dos estudantes,
não têm pais, como justificativa para uma avaliação global já se vê enfraqueci-
da – a oposição dos pais à avaliação na Grã-Bretanha já fez com que ela fosse
abandonada no País de Gales e que seu âmbito e impacto fossem reduzidos na
Inglaterra. Avaliações padronizadas censitárias são um luxo financeiro e político
que não mais podemos suportar, e algo a que os eleitores estão crescentemente
se opondo. É hora de pesquisar, desenvolver e implementar estratégias de ava-
liação amostral que promovam a responsabilização de forma igual, mas que são
economicamente mais baratas.
A era de mudança educacional que se aproxima precisa ser marcada por menos
planos grandiosos e pelo microgerenciamento de reformas de cima para baixo, em
favor de uma época de inovação e inspiração em um mundo pós-materialista no
qual as pessoas estejam crescentemente preparadas para olharem umas para as
outras na construção conjunta de uma sociedade mais esperançosa e inovadora,
ao invés de olharem apenas para si próprias e suas famílias de modo ganancio-
so e autoindulgente. À medida que a Geração Milênio assumir a liderança, ela
eventualmente proporcionará essas mudanças quase que naturalmente – nossa
responsabilidade durante os próximos anos é de refletir sobre nossos excessos nas
políticas de controle de cima para baixo, e de preparar o terreno, em um sistema
e uma sociedade pós-materialista e pós-padronizada, para aqueles que virão.

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1ª edição: Junho, 2012
formato: 17 x 24 cm; 520 p.
tipologia: Bodoni
papel da capa: Supremo 250 g/m2
papel do miolo: Off-set 90 g/m2

produção editorial: Maíra Nassif


capa: Milton Fernandes
diagramação: Ana C. Bahia
revisão de textos: Maria Fernanda Gonçalves
traduções: Luís Antônio Fajardo Pontes, Viamundi
Traduções, Cleusa Aguiar Brooke.

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