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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.

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O PROCESSO DE PODER, DO CORPO E DA RACIONALIDADE: ENTRE KAFKA


E FOUCAULT

Isabelle da Silva de SOUZA


(G – UENP/CCHE);bella_iss@hotmail.com
Ms. Marcio Luiz CARRERI
(Orientador – UENP); carreri@uol.com.br

A História tradicional, predominante até início do século XX, não permitia o diálogo
da História com outras disciplinas. Nesta fase prevalecia uma história descritiva, factual, na
qual o historiador apenas narrava os fatos, sem questioná-los. Tal condição modifica-se a
partir do advento da “Escola” francesa dos Annales, no fim dos anos 1920, momento em que
se amplia o diálogo com outras disciplinas, a interdisciplinaridade, juntamente com a
concepção de documento.

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. [...] Mas pode fazer-se, deve
fazer-se sem documentos escritos se estes não existirem. Com tudo o que a
engenhosidade do historiador pode lhe permitir usar para fabricar seu mel. [...]
Paisagens, telhas. Formas de campos e de ervas daninhas. Eclipses lunares e
cabrestos [...]. Toda uma parte e sem dúvida a mais apaixonante de nosso trabalho
de historiador não consiste num esforço constante para fazer falar as coisas mudas e
fazê-las dizer o que não dizem por si sós sobre os homens? (FEBVRE. Apud.
TÉTART, 2000, p. 111-112).

Partindo de tal referencial, optamos por relacionar duas disciplinas, a História e a


Literatura, objetivando um dialogo entre esses diferentes campos do saber, interpretados
também a partir da filosofia. Para isso, utilizamos especificamente a obra literária O
Processo1, de Franz Kafka, analisada a partir do pensamento de Michel Foucault nas obras Os
Anormais, Vigiar e Punir e a Microfísica do Poder. Outra referência utilizada é o livro Kafka,
Foucault: sem medos2, que realiza algumas aproximações dos autores sob certas perspectivas.
Em geral, buscaremos articular os autores de forma a entender as noções de poder, corpo e
racionalidade.

O PODER – O CORPO

Kafka pode ser considerado um autor racional e irônico, que utiliza em suas obras uma
linguagem realista, dura e seca. Uma das mais fortes características de sua escrita é o
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rompimento dos comportamentos pré-estabelecidos e a imprevisibilidade. Suas obras apontam


para vários caminhos, mas jamais sugerem um final. Surge, a partir disso, o “kafkiano”, que
apresenta excessos de racionalidade e verdades construídas a partir de sonhos. Essas
características da produção de Kafka foram determinantes para a definição de seus leitores,
visto que sua escrita era direcionada ao leitor insubmisso, revolucionário.
Do pensamento de Michel Foucault, entre os enunciados que já apresentamos, é
possível extrair uma série de compreensões e interpretações do que foi escrito por Kafka. Um
exemplo disso é a questão do medo, na qual Foucault se debruçou. As personagens kafkianas
– e o medo nelas presente – podem ser vistas, por meio de Foucault, como aquelas que não
temem a lei, afinal esta não é clara, na verdade temem e desejam ao mesmo tempo o poder.
Isso pode ser observado nas personagens de Kafka a partir de movimentos do corpo, gestos de
cabeça, olhar ou não nos olhos.

(...) tem de se moderar em suas manifestações, pois quase tudo quanto acaba de
dizer podia tê-lo expressado com algumas palavras, e podíamos tê-lo entendido pela
sua atitude; tudo isso não fala muito em seu favor. (Kafka: 2007, p. 48)

É possível perceber, assim, que esses autores talvez tenham quebrado a visão
tradicional sobre a relação violenta entre Estado e Sociedade. Mostram que a disciplinarização
dos corpos se dá de outras maneiras, além do tradicional castigo. “Desapareceu o corpo como
alvo principal da repressão penal” (FOUCAULT, 2007, p. 12).
Por outro lado, houve uma mudança na perspectiva de castigo. Agora ocorre o
aprisionamento, o assujeitamento do indivíduo, que Foucault aborda principalmente em
Vigiar e Punir. Trabalha com a perspectiva de que tal normalização é causada pelo poder,
conduzindo as pessoas ao espírito de rebanho

[...] visa privar o individuo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um
direto e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema
de coação e de privação, de obrigações e de interdições (FOUCAULT, 2007, p. 14).

Foucault também trabalha com a noção de prisão interior – na qual o homem


não se permite mudar por pensar que, agindo assim, estaria sendo incoerente consigo mesmo.
Essa idéia é notada na obra A Metamorfose, de Kafka, na personagem Gregor, um indivíduo
conformado, que morreu aprisionado na sua prisão particular, sem disso se dar conta.
A partir de suas obras, portanto, é possível notar que Kafka vê o mundo futuro
como um mundo de submissos aos poderes. Esse aspecto também é abordado no livro
Admirável Mundo Novo3, de Huxley, quando diz: “Decantamos nossos bebês sob a forma de
seres vivos socializados (...)” (1994, p. 17). Percebe-se não mais a liberdade, mas pessoas
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como meras criações científicas que seguem um comportamento pré-estabelecido. Outra parte
que comprova essa idéia é quando afirma: “nós não precisamos de inteligência humana
(HUXLEY, 1994, p. 18) [...] o segredo da felicidade e da virtude: amar o que se é obrigado a
fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social
a que não podem escapar.” (HUXLEY, 1994, p. 19).

A RACIONALIDADE

O termo “kafkiano” é utilizado para referir-se aos excessos de racionalidades


utilizados na literatura de Kafka, como já foi mencionado anteriormente. Isso, porém, não nos
permite tratá-lo como um racionalista. Visto que tais excessos são baseados em sonhos e
pesadelos, são construções de realidades a partir desses aspectos, dos quais jamais se espera o
previsível. Rompe-se assim com o que pretende ser global, ao se desviar da rota, do
comportamento pré-estabelecido:

A cerimônia dos suplícios puros não é mais irracional em si do que o aprisionamento


em uma cela; mas ela é irracional em relação a um tipo de prática penal que faz
parecer uma nova maneira de alcançar, através da pena, determinados efeitos, de
calcular sua utilidade [...] Digamos que não se trata de julgar as práticas com a régua
de uma racionalidade que permitiria apreciá-las como formas mais ou menos
perfeitas de racionalidade; mas, antes, de ver como as formas de racionalização se
inscrevem nas práticas ou nos sistemas de práticas, e que papel desempenham nelas.
Porque, certamente, não há ‘práticas’ sem um determinado regime de racionalidade
(FOUCAULT, 1994, p. 26)

A partir desta citação podemos notar que, para Foucault, a razão funciona como uma
técnica que objetiva conduzir a um final, organizando o modo de fazer ou agir. Tais práticas
tornaram-se objeto de estudo de Foucault por influenciarem principalmente no âmbito poder e
no discurso.
Foucault aproxima-se de Kafka quanto ao racionalismo, chegando a ser chamado
algumas vezes de pensador kafkiano, como é citado na obra Kafka, Foucault: sem medos, pois
construiu uma leitura da História na qual restou pouco espaço para o sujeito, rompendo,
assim, com o obvio, aquilo que já era traçado e determinado. Por outro lado Foucault também
se próxima de Kafka por gostar das personagens e dos temas bizarros. É possível ate
mencionar que Foucault pode ter apreendido essa questão da prática com Kafka, porque este
“modificou” as práticas que ate então eram fixas.
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Isso pode ser relacionado ao tempo, visto que ambos romperam com a linearidade e a
idéia de tempo contínuo. Essa abordagem essa que é trabalhada na obra Os Anormais, de
Michel Foucault, quando este afirma ser “o descontínuo que ilumina a continuidade”. Rompe-
se assim com o linear, demonstrando que fato histórico inicia-se a partir de um momento raro,
de um acontecimento e não mais na plenitude da razão.
Tais pressupostos são observados também na obra O Processo, quando a personagem
é simplesmente surpreendida em seu quarto. É a partir desse episódio que se desenrola o
enredo. No decorrer da narrativa nota-se, também, que há um falta de preocupação com o
futuro.

K. sempre manifestara inclinação para encarar todas as coisas com a maior ligeireza
possível, em acreditar no pior somente quando o pior se apresentava, a não nutrir
grandes cuidados pelo futuro mesmo quando tudo tivesse um aspecto ameaçador.
(KAFKA, 2007, p. 42)

Pretendemos, em um estágio posterior de desenvolvimento da pesquisa, o


entendimento, de questões fundamentais como o Estado, a burocracia, as relações de poder
inerentes a elas, na linguagem literária e filosófica, especificamente de Kafka e Foucault,
aproximando tais conversas ao âmbito da História.

Notas

1
O Processo, de Franz Kafka retrata os acontecimentos vividos por Josef K., um funcionário de um banco, que
na manhã em que completou trinta anos de idade foi surpreendido por dois policiais, os quais sem nenhum
motivo lhe dão ordem de prisão. No começo o personagem acreditava não passar de um engano, mas no decorrer
da narrativa percebe que está submetido a um processo real e passa a buscar o verdadeiro motivo disso.
2
Kafka, Foucault: sem medos: obra elaborada a partir de um evento com o mesmo título que teve por objetivo
problematizar questões da vida cotidiana, realizado pelo núcleo da Sociabilidade Libertária do pós em ciências
sociais.
3
Em Admirável Mundo Novo, Aldous descreve uma sociedade perfeita que era dominada por um único
governante, onde o estado distribuía uma droga chamada SOMA para os cidadãos, e todos tinham uma vida
muito calma, sem estresse e que ajudava na disciplina de todos os habitantes.
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Referências Bibliográficas

FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos, volume IV. Paris: Gallimard, 1994.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete.


34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

JANOUCH, Gustav. Conversas com Kafka. Tradução de Celina Luz. Osasco, SP: Novo
Século Editora, 2008.

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e prefácio de Torrieri Guimarães. São Paulo: Editora
Martin Claret, 2007.

PASSETI, Edson (org). Kafka, Foucault: sem medos. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004.

TÉTART, Philippe. Pequena História dos historiadores. Tradução de Maria Leonor


Loureiro. Bauru, SP: EDUSC, 2000.

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