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21/05/2018 Cem anos de pedofilia

Cem anos de pedofilia

Na Grécia e no Império Romano, o uso de menores para a
satisfação sexual de adultos foi um costume tolerado e até
prezado. Na China, castrar meninos para vendê­los a ricos
pederastas foi um comércio legítimo durante milênios. No
mundo islâmico, a rígida moral que ordena as relações entre
homens e mulheres foi não raro compensada pela tolerância
para com a pedofilia homossexual. Em alguns países isso
durou até pelo menos o começo do século XX, fazendo da
Argélia, por exemplo, um jardim das delícias para os viajantes
depravados (leiam as memórias de André Gide, "Si le grain ne
meurt").

Por toda parte onde a prática da pedofilia recuou, foi a
influência do cristianismo — e praticamente ela só — que
libertou as crianças desse jugo temível.

Mas isso teve um preço. É como se uma corrente subterrânea de ódio e ressentimento atravessasse dois milênios de
história, aguardando o momento da vingança. Esse momento chegou.

O movimento de indução à pedofilia começa quando Sigmund Freud cria uma versão caricaturalmente erotizada dos
primeiros anos da vida humana, versão que com a maior facilidade é absorvida pela cultura do século. Desde então a
vida familiar surge cada vez mais, no imaginário ocidental, como uma panela­de­pressão de desejos recalcados. No
cinema e na literatura, as crianças parecem que nada mais têm a fazer do que espionar a vida sexual de seus pais pelo
buraco da fechadura ou entregar­se elas próprias aos mais assombrosos jogos eróticos.

O potencial politicamente explosivo da idéia é logo aproveitado por Wilhelm Reich, psiquiatra comunista que organiza
na Alemanha um movimento pela "libertação sexual da juventude", depois transferido para os EUA, onde virá a
constituir talvez a principal idéia­força das rebeliões de estudantes na década de 60.

Enquanto isso, o Relatório Kinsey, que hoje sabemos ter sido uma fraude em toda a linha, demole a imagem de
respeitabilidade dos pais, mostrando­os às novas gerações como hipócritas sexualmente doentes ou libertinos
enrustidos.

O advento da pílula e da camisinha, que os governos passam a distribuir alegremente nas escolas, soa como o toque
de liberação geral do erotismo infanto­juvenil. Desde então a erotização da infância e da adolescência se expande dos
círculos acadêmicos e literários para a cultura das classes média e baixa, por meio de uma infinidade de filmes,
programas de TV, "grupos de encontro", cursos de aconselhamento familiar, anúncios, o diabo. A educação sexual nas
escolas torna­se uma indução direta de crianças e jovens à prática de tudo o que viram no cinema e na TV.

Mas até aí a legitimação da pedofilia aparece apenas insinuada, de contrabando no meio de reivindicações gerais que
a envolvem como conseqüência implícita.

Em 1981, no entanto, a "Time" noticia que argumentos pró­pedofilia estão ganhando popularidade entre conselheiros
sexuais. Larry Constantine, um terapeuta de família, proclama que as crianças "têm o direito de expressar­se
sexualmente, o que significa que podem ter ou não ter contatos sexuais com pessoas mais velhas". Um dos autores do
Relatório Kinsey, Wardell Pomeroy, pontifica que o incesto "pode às vezes ser benéfico".

A pretexto de combater a discriminação, representantes do movimento gay são autorizados a ensinar nas escolas
infantis os benefícios da prática homossexual. Quem quer que se oponha a eles é estigmatizado, perseguido, demitido.
Num livro elogiado por J. Elders, ex­ministro da Saúde dos EUA (surgeon general — aquele mesmo que faz

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21/05/2018 Cem anos de pedofilia
advertências apocalípticas contra os cigarros), a jornalista Judith Levine afirma que os pedófilos são inofensivos e que
a relação sexual de um menino com um sacerdote pode ser até uma coisa benéfica. Perigosos mesmo, diz Levine, são
os pais, que projetam "seus medos e seu próprio desejo de carne infantil no mítico molestador de crianças".

Organizações feministas ajudam a desarmar as crianças contra os pedófilos e armá­las contra a família, divulgando a
teoria monstruosa de um psiquiatra argentino segundo a qual pelo menos uma entre cada quatro meninas é estuprada
pelo próprio pai.

A consagração mais alta da pedofilia vem num número de 1998 do "Psychological Bulletin", órgão da American
Psychological Association. A revista afirma que abusos sexuais na infância "não causam dano intenso de maneira
pervasiva", e ainda recomenda que o termo pedofilia, "carregado de conotações negativas", seja trocado para
"intimidade intergeracional".

Seria impensável que tão vasta revolução mental, alastrando­se por toda a sociedade, poupasse miraculosamente uma
parte especial do público: os padres e seminaristas. No caso destes somou­se à pressão de fora um estímulo especial,
bem calculado para agir desde dentro. Num livro recente, "Goodbye, good men", o repórter americano Michael S. Rose
mostra que há três décadas organizações gays dos EUA vêm colocando gente sua nos departamentos de psicologia
dos seminários para dificultar a entrada de postulantes vocacionalmente dotados e forçar o ingresso maciço de
homossexuais no clero. Nos principais seminários a propaganda do homossexualismo tornou­se ostensiva e
estudantes heterossexuais foram forçados por seus superiores a submeter­se a condutas homossexuais.

Acuados e sabotados, confundidos e induzidos, é fatal mais dia menos dia muitos padres e seminaristas acabem
cedendo à geral gandaia infanto­juvenil. E, quando isso acontece, todos os porta­vozes da moderna cultura "liberada",
todo o establishment "progressista", toda a mídia "avançada", todas as forças, enfim, que ao longo de cem anos foram
despojando as crianças da aura protetora do cristianismo para entregá­las à cobiça de adultos perversos,
repentinamente se rejubilam, porque encontraram um inocente sobre o qual lançar suas culpas. Cem anos de cultura
pedófila, de repente, estão absolvidos, limpos, resgatados ante o Altíssimo: o único culpado de tudo é... o celibato
clerical! A cristandade vai agora pagar por todo o mal que ela os impediu de fazer.

Não tenham dúvida: a Igreja é acusada e humilhada porque está inocente. Seus detratores a acusam porque são eles
próprios os culpados. Nunca a teoria de René Girard, da perseguição ao bode expiatório como expediente para a
restauração da unidade ilusória de uma coletividade em crise, encontrou confirmação tão patente, tão óbvia, tão
universal e simultânea.

Quem quer que não perceba isso, neste momento, está divorciado da sua própria consciência. Tem olhos mas não vê,
tem ouvidos mas não ouve.

Mas a própria Igreja, se em vez de denunciar seus atacantes preferir curvar­se ante eles num grotesco ato de contrição,
sacrificando pro forma uns quantos padres pedófilos para não ter de enfrentar as forças que os injetaram nela como um
vírus, terá feito sua escolha mais desastrosa dos últimos dois milênios.

Transcrição de artigo de Olavo de Carvalho publicado em O Globo, 27/4/2002

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