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Em seu artigo Acerca do conceito de representação, Santos (2011, p. 29) situa nos séculos
XIII e XIV a expansão do uso da palavra representar, citando como exemplo “os juristas
medievais que começaram a usar o termo para personificar a vida coletiva. Desta forma, uma
comunidade seria uma persona non vera sed repraesentata”. O termo representação passa,
então, a significar também “‘retratar’, ‘figurar’ ou ‘delinear’. [...] passa a ser aplicado a
objetos inanimados que ‘ocupam o lugar de’ ou correspondem a ‘algo ou alguém’. Além
disso, significa ‘produzir uma peça’”. Ainda segundo o mesmo autor, o conceito de
representação é encontrado, pela primeira vez, na teoria política, em 1961, na obra O Leviatã
de Thomas Hobbes.
Nesse mesmo texto, Santos critica o fato de grande parte dos estudos brasileiros apresentarem
o termo apenas “vinculado às obras de Carlo Ginzburg e Roger Chartier, quando muito,
relacionam-se à obra de Serge Moscovici e Denise Jodelet, articuladores do conceito de
representações sociais” (p. 27, grifo do autor).
O acontecimento [...] por ser representado (o que é mais e outra coisa do que
ser simplesmente registrado ou difundido), tomará o valor de uma espécie de
ponto originário da comunidade social: o acontecimento se dará em um
momento singular do tempo; mas a essência do ato se encontrará para
sempre na própria estrutura do objeto que o representará (a emissão
1
Mestre em Letras: Cultura, Educação e Linguagens, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.
televisionada, por exemplo). Ele se tornará indissociavelmente documento
histórico e monumento de recordação.
Já Moscovici, além dos acontecimentos, destaca também a importância das interações:
Todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois
grupos, pressupõem representações. Na realidade, é isso que as caracteriza.
[...] Se esse fato é menosprezado, tudo o que sobra são trocas, isto é, ações e
reações, que são não-específicas e, ainda mais, empobrecidas na troca.
(MOSCOVICI, 2007, p. 40, grifo do autor).
Santos afirma que sua intenção é apenas apresentar a problemática da representação e como
essa é tratada pela teoria da história, que seu texto é
Existe um jogo entre os signos de um texto que fazem com que os elementos
linguísticos presentes nele remetam a outros elementos linguísticos, criando
assim uma rede simbólica textual. Pensando assim, uma representação
remete-se a outra representação e não à realidade. A linguagem constrói não
somente o real, mas também o próprio sujeito. O textualismo não nega que
existam objetos extradiscursivos, mas nega que possamos conhecê-los
(SANTOS, 2011, p. 42, grifos do autor).
Ao considerar que a “coisa-em-si” não pode ser conhecida, o autor conclui que “estamos
então diante de códigos, sistemas de símbolos, sistemas de sentido” (p. 42). E acrescenta que
se trata de uma
É fato social toda maneira de agir fixada ou não, suscetível de exercer sobre
o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é
geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma
existência própria, independente de suas manifestações individuais
(DURKHEIM, 2007, p. 13, grifos do autor).
Ainda de acordo com Durkheim (2007, p. XX-XXI), “o que importa saber não é a maneira
como tal pensador individualmente concebe tal instituição, mas a concepção que dela tem o
grupo; somente essa concepção é socialmente eficaz”. Ou como afirma algumas páginas
adiante:
Os fatos sociais têm uma existência independente dos fatos individuais. São
exteriores às consciências individuais, existem nas partes porque antes
existem no todo. E é isso que os diferencia do objeto da psicologia. Cabe à
sociologia analisar os estados de consciência coletiva, suas leis e
representações, que são extremamente diferentes dos de natureza individual,
com os quais deve preocupar-se aquela ciência.
E, ainda comentando as afirmações de Durkheim, acrescenta que
Afirma ainda que as representações sociais na sociedade hodierna equivalem aos mitos nas
sociedades primitivas e que seu estudo
se focaliza na maneira pela qual os seres humanos tentam captar e
compreender as coisas que os circundam e resolver os “lugares comuns” e
quebra-cabeças que envolvem seu nascimento, seus corpos, suas
humilhações, o céu que veem, os humores de seu vizinho e o poder a que se
submetem (MOSCOVICI apud HOROCHOVSKI, 2004, p.99).
Nas sociedades primitivas, porém, o mito correspondia a uma visão homogênea do mundo,
enquanto na sociedade atual a representação não é a única, mas uma das maneiras de se
compreender a realidade, coexistindo com as concepções filosóficas e técnico-científicas,
pelas quais pode ser influenciada ou às quais pode se opor.
Acerca da substituição do termo coletiva por social para referir-se às representações, observa
Horochovski (2004, p. 99):
Assim como fizera Moscovici, Chartier toma emprestado da sociologia de Émile Durkheim a
noção de representações sociais para, no seu caso, aplicá-la à história, o que o levará a
declarar: “a apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das interpretações,
referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as
produzem” (CHARTIER, 1991, p. 180).
Segundo o autor,
seja por falta de “preparação” do leitor (o que remete às formas e aos modos
de inculcação das convenções), seja pelo fato da “extravagância” de uma
relação arbitrária entre o signo e o significado (o que levanta a questão das
próprias condições de produção das equivalências admitidas e partilhadas).
Apresenta, então, como exemplo dessa segunda forma de incompreensão da representação o
que chama de “teatralização da vida social” (p. 185) na sociedade do Antigo Regime. Nesse
sentido, o autor dialoga com Pascal, que afirma:
o efeito próprio das “representações sociais” [...] nunca é tão evidente senão
quando a palavra precede a coisa e a usurpação da identidade nominal
precipita a constituição da identidade real, como no caso dessas associações
de voluntários que se transformam em profissões reconhecidas ou desses
grupos de defesa corporativos [...] que, aos poucos, impõem a representação
de sua existência e de sua unidade, tanto a seus próprios membros quanto
aos outros grupos (grifos do autor).
É ainda o mesmo autor que, algumas páginas mais adiante, descreve como se dá a
representação dos distintos grupos sociais:
DAVALLON, Jean. A imagem, uma arte da memória? In: ACHARD, Pierre et al. Papel da
memória. 2. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2007. p. 23-37.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Trad. Paulo Neves; rev. da trad.
Eduardo Brandão. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
SÊGA, Rafael Augustus. O conceito de representação social nas obras de Denise Jodelet e
Serge Moscovici. Anos 90. Porto Alegre, n. 13, jul/2000.