Sunteți pe pagina 1din 14

© EDIPUCRS, 2010

CAPA Paloma Férez Pastor


REVISÃO DE TEXTO Rafael Saraiva
DIAGRAMAÇÃO Janete Abrão

E77 Espanha : política e cultura [recurso eletrônico] / org.


Janete Abrão. – Dados eletrônicos – Porto Alegre :
EDIPUCRS, 2010.
96 p.
Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader
odo de AM
cesso: World Wide Web:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/>
ISBN 978-85-7430-998-9 (on-line)
1. Espanha – História. 2. História Contemporânea.
3. Espanha – História Política. 4. Cultura – Espanha.
I. Abrão, Janete.
CDD 946.08
O Labirinto do Fauno: o embate político-ideológico entre duas
concepções de Espanha

Bruno Kloss Hypólito


Acadêmico do Curso de História – PUCRS, Brasil.

La guerra civil constituyó la más cruel de las educaciones políticas.


Los españoles aprendieron lo que puede hacer el gobierno militar en el tejido
de la vida civil, y cómo algunos hombres se convierten en puros asesinos bajo
la influencia de lemas abstractos y “virtuosos” (Gabriel Jackson).

O presente capítulo tem como objetivo o estudo da obra cinematográfica do


cineasta mexicano Guillermo Del Toro, O Labirinto do Fauno (2006). A análise do
filme mostrará o período inicial da ditadura de Franco (1939-1944) e como os
conceitos antagônicos da Espanha entre os diferentes grupos envolvidos nos conflitos
durante a Guerra Civil (1936-1939) são representados em seus diferentes personagens
e situações.
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foi resultante de divergências políticas e
ideológicas que dividiam a sociedade em relação às reformas sociais e econômicas
propostas e algumas efetivadas ao longo da Segunda República (1931-1936); separou
famílias e criou animosidades em nome de uma sangrenta batalha que durou três
anos, e que teve repercussões internacionais.
O conflito é considerado um dos mais violentos da história da Península Ibérica,
na qual a luta ideológica entre duas frentes – Popular (composta pela esquerda:
comunistas, anarquistas, liberais-democratas, nacionalistas da Galícia, País Basco e
Catalunha) e “Nacionalista” (composta por monarquistas, falangistas, militares de
extrema direita, latifundiários e setores da Igreja Católica) – dizimou boa parte da
população, deixando um rastro de morte, destruição e miséria, empobrecendo a
Espanha e fazendo-a estagnar por várias décadas.
Cabe esclarecer que, o regime franquista, tomou o poder com o final da Guerra
Civil, em abril de 1939. Por sua vez, o General Franco se autoproclamou “Caudillo de
España por la Gracia de Dios”, ao ter conseguido sufocar os republicanos, com o auxílio
externo, e ter tomado as principais cidades esquerdistas espanholas (Madri, Barcelona,
Valencia, Murcia e Alicante). O regime possuía características fascistas peculiares que o
aproximava da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini, sintetizando o que ficou
conhecido por “franquismo”.1
Ao longo da década de 40, o regime praticou uma forte repressão contra os
opositores da ditadura. Manteve uma política econômica de mercado, porém,
autárquica, provocada pela Segunda Guerra Mundial e pelo isolamento posterior da
Espanha – promovido pela ONU, devido à simpatia espanhola pelos regimes nazi-
fascistas e sua política de “não beligerância”. Entretanto, o regime do generalíssimo
Franco perdurou por mais algumas décadas, tendo de se adequar às novas realidades
mundiais e aliar-se com outras potências, até seu fim em 1975. Conforme Santos Juliá
assevera:

Matar campesinos era la prueba irrefutable del restablecimiento del


orden; matar curas demostraba que la revolución estaba en marcha y
ningún paralelismo que iguale responsabilidades y reparta culpas,
sino sencillamente de constatar un hecho: en la zona insurgente, la
represión y la muerte tenían que ver con la construcción de un nuevo
poder.2
67
Mas, foi o grande número de vítimas e o apelo popular que gerou uma áurea
romântica em torno do conflito. Muitos homens e mulheres comuns que sequer
possuíam qualquer treinamento militar pegaram em armas para lutar em nome de
seus ideais, deixando-se atingir por rajadas de metralhadoras e tornando-se mártires
da guerra.
Além da enorme quantidade de trabalhos jornalísticos e acadêmicos gerados
acerca da Guerra Civil, a arte, enquanto reflexo da sociedade, viu-se representando os
combates fratricidas das “Espanhas” em conflito. A comunidade cinematográfica
também se fez presente nesse sentido, produzindo uma grande quantia de
documentários e filmes, abordando o conflito entre “republicanos” e “nacionalistas”.
Pode-se afirmar que a Espanha é um país cujo passado trágico ainda se faz
refletir em seu presente. A Guerra Civil e, por consequência, o regime ditatorial do
general Francisco Franco foi o último exemplo de que divergências político-ideológicas
entre grupos em oposição podem deflagrar uma campanha de terror, perseguição e

1
SALVADÓ, Francisco. A Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 243.
2
JULIÁ, Santos. (coord.). Víctimas de la guerra civil. Madrid: Temas de Hoy, 1999. p. 25.
ódio. A sociedade espanhola atualmente oscila entre a lembrança e o esquecimento
desses episódios, muitas vezes trazendo à tona velhos ressentimentos entre alguns
grupos.
Mais recentemente, o cineasta mexicano Guillermo Del Toro realizou dois
trabalhos de ficção que exploram essa temática para ambientar suas histórias. O
primeiro filme, de 2001, chama-se El Espinazo Del Diablo que narra a história de um
menino que se vê assombrado pelo fantasma de uma criança em um orfanato em
meio à Guerra Civil. O segundo filme, de 2006, intitula-se El Laberinto Del Fauno e,
mais uma vez, utiliza a ótica de uma criança em uma trama ambientada nos primeiros
anos do regime franquista, cuja repressão aos grupos opositores foi a mais violenta.
Este último, fez com que Del Toro fosse aclamado pela crítica mundial como um
promissor diretor da nova geração, ao mesmo tempo em que chamou a atenção para
toda sua simbologia e representação sobre o período ao qual o filme remete.
Nesse sentido, O Labirinto do Fauno será o objeto de análise, pois, partindo do
pressuposto que Del Toro utiliza elementos objetivos (técnicos) e subjetivos
(simbólicos) – tanto em cenas como nos personagens – para representar a complexa
68
conjuntura política e ideológica dos primeiros anos da ditadura de Francisco Franco
(1939-1944), podemos questionar de que forma o filme representa o embate entre as
concepções antagônicas da “Espanha” no período em análise.

O “LABIRINTO ESPANHOL”

O escritor britânico Edward Fitgerald Brenan viveu na Espanha durante anos e


descreveu o país – sob o pseudônimo de Gerald Brenan – como um “labirinto”. 3
Brenan referia-se à complexidade política e aos conflitos armados da década de 30,
que culminaram com a ditadura franquista até 1975. O “labirinto” é a forma mais
simbólica para representar um lugar aparentemente sem saída, sem rumo certo.
Devido a isso, talvez não soe estranho que um filme de produção espanhola, com esse
contexto como pano de fundo, tenha sido intitulado El Laberinto del Fauno.
O Labirinto do Fauno se passa no ano de 1944, apenas um ano antes do fim da
Segunda Grande Guerra e cinco após o término da Guerra Civil. Conta a emocionante
fábula de uma menina de 13 anos, chamada Ofélia (Ivana Baquero), fugindo da dura

3
BRENAN, Gerald apud SALVADÓ, Francisco. Op. Cit., p. 9.
realidade que assola sua infância recorre a sua imaginação e se transporta ao mundo
dos contos de fada. Nesse mundo é uma princesa com a missão de retornar ao seu
reino e governá-lo ao lado de seu pai (falecido no início da Guerra Civil). Junto à mãe,
Carmen (Ariadna Gil), que se encontra em um delicado estado de saúde devido a sua
avançada gestação, Ofélia viaja até uma pequena vila na qual se encontra o capitão
Vidal (Sergi López), um capitão franquista da Guarda Civil, e seu padrasto. Porém, o
que interessa não é contar a história do filme, e sim identificar nele os elementos que
remetem aos conflitos entre os personagens participantes da trama, fazendo um
paralelo constante com os acontecimentos da Guerra Civil e da ditadura de Franco.

RELAÇÃO DOS PERSONAGENS

Dentro da trama que se desenrola, o espectador é apresentado a personagens


que possuem características peculiares e, através deles, pode-se elaborar uma relação
entre sua personalidade e a representação simbólica e ideológica dada pelo diretor do
filme. Esse procedimento é compreendido como a ligação entre o Objeto (personagens
e cenas) e o Modelo (contexto histórico) de maneira análoga ou em forma de mimese.
Como explica Aumont: “Mímesis é, no fundo, um bom sinônimo de analogia. Nós o 69
adotamos aqui para designar o ideal de semelhança ‘absoluta’”. 4
A protagonista é a menina Ofélia e, como foi dito, tem 13 anos. Sendo assim,
teria nascido em 1931 – ano da proclamação da Segunda República. Em sua primeira
cena aparece morta, representando o fim da República.
Ao longo do filme, a jovem mostra-se fortemente ligada à mãe e está sempre
contestando o padrasto, o que pode ser entendido como a relação da própria
República com sua “mãe” Espanha e a negação de um governo usurpador. Simpática à
governanta do casarão (Mercedes, interpretada por Maribel Verdú) e avessa às
normas rígidas do vilarejo, Ofélia representa uma forma de governo popular e livre. É a
única personagem do mundo “real” que interage com os seres mágicos – o que pode
ser interpretado como uma celebração à imaginação, o que não acontece em um
regime de orientação totalitária.
Carmem, a mãe da menina, é representada como uma mulher fraca e
impotente. Não possui vontade própria e aceita submeter-se às ordens de seu marido

4
AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus, 2005. p. 200.
para proteger seu filho, ainda no ventre. Pode-se relacionar a personagem com a
figura da Espanha – um país economicamente debilitado e sujeito às vontades de um
ditador. Casou-se pela segunda vez para poder sustentar os filhos, como aconteceu
com muitas mulheres que enviuvaram durante a guerra.5
O capitão Vidal é o comandante do destacamento do velho moinho, além de
ser o poder máximo da região. Em uma esfera menor, representa a ditadura franquista
e a perseguição contra seus opositores. Seu ideal de vida é facilmente observado na
decoração do Moinho: linhas retas, poucas e antigas mobílias e nenhuma cor. Seu
escritório é um misto de engrenagens e papéis, simbolizando a disciplina e a
burocracia. A personagem é mostrada como um homem extremamente violento, aos
moldes de alguns militares franquistas e militantes falangistas. Ele não se vê como um
indivíduo, mas como um instrumento a serviço da Nação e, em última análise, devido a
sua obsessão por seu filho, aponta a importância da família como núcleo fundamental
e célula base da sociedade no movimento nacionalista de Franco.6 Segundo afirma
Josep Solé i Sabater: “La violencia fue un elemento estructural del franquismo. La
represión y el terror subsiguiente no eran algo episódico, sino el pilar central del nuevo
7 70
Estado, una especie de “principio fundamental del Movimiento”.
A governanta da casa chama-se Mercedes (Maribel Verdú). É uma mulher
corajosa e secretamente envia provisões aos rebeldes das montanhas. Ela desafia o
controle do regime e fomenta secretamente a rebelião. Durante a Guerra Civil e nos
anos posteriores, muitas mulheres acobertaram seus filhos e maridos para que não
fossem presos e assassinados pelas tropas franquistas, e a personagem faz isso por seu
irmão, mas também por pensar de forma diferente no que se refere aos destinos do
país.
O irmão de Mercedes chama-se Pedro (Roger Casamajor) e é o líder do grupo
de guerrilheiros. Sua importância para o filme é a representação do Maquis – grupo de
resistência antifranquista que operava nas regiões de fronteira entre Espanha e
França. Nesse bando pôde ser observada a presença de um francês e a expectativa de

5
DÍAZ-PLAJA, Fernando. La Vida Cotidiana en España de la Guerra Civil. Madrid: Edaf, 1994.
6
PICAZO, Carlos A. Viva España! El nacionalismo fundacional del régimen de Franco. 1939-1943.
Granada: Comares, 1998.
7
SOLÉ I SABATÉ, Josep; VILLARROYA, Joan. Mayo de 1937- abril de 1939. In: JULIA, Santos. (coord.). Op.
Cit., p. 248.
ajuda da União Soviética, mostrando o caráter universalista do comunismo e a união
das Brigadas Internacionais na luta contra os fascismos durante a Guerra Civil. 8
Ainda existe o Dr. Ferrero (Álex Angulo), um médico dedicado a ajudar ambos
os lados. Ele representa a humanidade por trás do conflito, pois não faz distinção entre
os “vermelhos” e os “nacionalistas”. O médico tenta permanecer neutro, embora
reconheça que precisa posicionar-se.
Dentro da esfera mítica do filme, a personagem do Fauno (Doug Jones)
representa a liberdade. Encontra-se no fim do labirinto e tem a missão de auxiliar
Ofélia a encontrar seu reino, orientando-a na tentativa de burlar as normas e a lutar
contra a opressão. Pode-se entender essa relação como a busca de libertação da
República através da luta consciente, quebrando as barreiras impostas pelo governo.
Cabe esclarecer que o Sátiro (ou Fauno) é uma divindade do campo e dos
bosques, metade homem e metade cabra. Celebra a natureza, a liberdade, a
sexualidade e expõe o conflito do ser humano enquanto ser racional e ser animal.
Devido à perseguição da Igreja Católica, sua figura foi associada ao demônio,
representando-o como um dos símbolos pagãos.9 Esse elemento do paganismo versus
71
o cristianismo é outro embate que se encontra representado no filme, pois de um lado
está Ofélia e o Fauno e de outro Vidal e a sociedade tradicional católica espanhola.

O EMBATE: CENAS E SEQUÊNCIAS

É possível observar o constante duelo entre “republicanos” e “nacionalistas”


em praticamente todas as passagens e sequências do filme. Pode-se exemplificar com
algumas cenas a intenção do diretor Del Toro em quadros simples, porém de grande
simbologia.
Nos primeiros minutos do filme, Vidal espera sua esposa e enteada chegarem,
sempre cuidando o horário rigorosamente. Assim que as duas chegam, Ofélia – que
segura um livro de contos de fada na mão direita – estende a mão esquerda para
cumprimentar seu padrasto e este, automaticamente, a corrige, solicitando a outra
mão. Essa sequência representa respectivamente a disciplina militar, a Constituição

8
SERRANO, Secundino. Maquis – Historia de la guerrilla antifranquista. Madrid: Temas de Hoy, 2001.
9
BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia – História de Deuses e Heróis. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2001. p. 204.
republicana como um “conto de fadas”, a mão esquerda de Ofélia como alusão ao
socialismo, e a direita de Vidal como menção ao franquismo e as forças que o apoiam.
Na primeira noite no moinho, Ofélia assusta-se com os barulhos da casa. Sua
mãe a tranquiliza, dizendo que ali no campo as coisas são diferentes da cidade. A cena
representa as discrepâncias entre o atraso das zonas rurais e o progresso das cidades.
Para Francisco Salvadó:

A transição do feudalismo para a produção capitalista moderna não


conseguiu mudar efetivamente o setor agrário, [...] o
desenvolvimento econômico foi um processo desigual que exacerbou
as diferenças sociais entre norte e sul, cidade e campo.10

Porém, se a cena apresenta o atraso do campo em relação à cidade, devemos


salientar a importância do meio rural para o novo regime, pois a sociedade agrária
desde sempre foi a mais tradicional e católica, e principal aliada na luta contra a
esquerda durante a Guerra Civil. O campo era idealizado pelos franquistas, uma vez
que era a essência da Nação, enquanto a cidade representava as mentalidades
corrompidas pelas ideologias esquerdistas e pelo ateísmo.11
Em seguida, para acalmar seu irmão, que ainda não era nascido, Ofélia narra a 72

história de uma rosa que oferecia o dom da imortalidade a quem ousasse atravessar o
terreno repleto de espinhos venenosos. Pode-se interpretar a rosa como a libertação
do estado espanhol e os espinhos venenosos como o exército de Franco.
Mais adiante, Ofélia, a fim de retornar ao seu reino encantado, tem a obrigação
de livrar uma velha figueira do monstro oportunista que se instalou sob ela, deixando-
a doente e impedindo-a de gerar frutos. A velha figueira simboliza a Espanha e o
monstro oportunista representa Franco, que impede o país de desenvolver-se, pois,
“La economía española”, segundo o hispanista Raymond Carr, “siguió siendo pobre
durante los años cuarenta, y no hubo en ella producción ni consumo. Fueron los ‘años
del hambre’”.12
Existe uma sequência na qual o Capitão Vidal – que representa o poder máximo
franquista no filme – promove um jantar em sua casa, no qual os convidados são
membros da classe média, um padre e demais oficiais da Guarda Civil. Durante a ceia,

10
SALVADÓ, Francisco. Op. cit., p. 28-29.
11
PICAZO, Carlos A. Op. Cit., p. 111.
12
CARR, Raymond. España 1808-1975. 12ª. ed. Barcelona: Ariel, 2003. p. 704.
ficam claras as intenções dessa união entre as classes dirigentes e dominantes
tradicionais para a unificação do Estado Espanhol e a ideia de uma “Nação Limpa”, ou
seja, uma nação na qual não haja nenhuma oposição ao governo, o que pode ser
constatado no discurso do personagem Capitão Vidal: “a guerra terminou e nós
[nacionalistas] ganhamos e eles [republicanos] perderam. Não somos todos iguais. Se
tivermos que matar todos os desgraçados é o que faremos!”. Sobre esse aspecto,
Raymond Carr afirma que:

Aun cuando la legitimad de la victoria se convirtiera en la legitimad


de la hazaña, Franco nunca permitió que las divisiones de la guerra
civil se apartaran de la memoria de sus súbditos. Su visión siguió
siendo maniquea: España y anti-España, vencedores y vencidos. 13

Em termos de intenções e propaganda do regime franquista contra os


guerrilheiros, existe uma sequência no filme que faz alusão à distribuição restrita de
pães por parte dos soldados do moinho. Um deles pega um pão e grita repetidamente:

Este é o pão de cada dia na Espanha de Franco que guardamos nesse


moinho. Os vermelhos [anti-franquistas] mentem porque na Espanha
Nacionalista, Una, Grande e Livre, não há um único lar sem lenha ou 73
sem pão.

O propósito desse racionamento era acabar com a colaboração da população no


abastecimento de provisões aos Maquis ou qualquer grupo de resistência armada.
Por sua vez, a mãe de Ofélia morre em decorrência de complicações no parto
de seu irmão. Desesperada com sua morte, a menina refugia-se nos braços de
Mercedes, mais uma vez mostrando a proximidade entre a República e a luta popular
armada.
Ao receber a visita do Fauno, a menina tenta fugir com seu irmão para dentro
do labirinto a fim de executar sua última tarefa e poder voltar para o seu reino
encantado. Porém, Vidal segue Ofélia enquanto os Maquis atacam de maneira
fulminante as forças da Guarda Civil alojadas no moinho. Após retirar o bebê dos
braços da irmã, Vidal dispara sua arma contra ela, deixando-a morta diante do portal
mágico – retornando para a cena inicial do filme. Na volta do labirinto, Vidal é

13
Ibid., p. 664.
abordado por Pedro e Mercedes que tomam posse do menino e, antes de assassinar o
capitão, juram-no que a criança jamais saberá quem foi seu pai.
A sequência final do filme representa a morte da República e o renascimento
de uma nova Espanha – representada pelo bebê. O juramento que Mercedes faz ao
capitão, de jamais contar ao menino quem foi seu pai, nos remete à década de 50 em
que a Espanha ingressa nas Nações Unidas e, a partir daí, dá-se início a uma campanha
política pelo esquecimento das atrocidades cometidas nos anos anteriores. Ao passo
que, nos dias de hoje, o povo espanhol tenta dar conta de apagar o governo franquista
de sua memória.14

ESTÉTICA DO FILME E A INTENÇÃO DO DIRETOR

A preocupação do historiador que utiliza o cinema como objeto de análise


deve-se pautar pela compreensão dos motivos que levaram às omissões, adaptações e
distorções que o diretor e roteirista optaram em fazer, e não se pauta pela busca da
“fidelidade” à História. A produção do filme é repleta da mensagem de quem o fez e
do momento no qual foi feito, fazendo-se refletir na recepção do grande público.
Se a montagem faz sucesso, quer dizer que está de acordo com o momento 74
histórico-social de sua exibição.15 Isso caracteriza a escolha do tema pela produção do
filme, pois existe um movimento de revisão dos documentos que tratam da Guerra
Civil e da ditadura de Franco. Além disso, o grande sucesso, bem como as indicações a
prêmios nas academias de cinema que o filme recebeu, reafirma o êxito conferido pelo
público.
Segundo o historiador Marcos Napolitano, para analisar um filme existe “a
necessidade de articular a linguagem técnico-estética das fontes audiovisuais (ou seja,
seus códigos internos de funcionamento) e as representações da realidade histórica ou
social contidas (ou seja, seu “conteúdo” narrativo propriamente dito)”.16 Uma vez
analisado o segundo aspecto, seguiremos com a linguagem técnica do filme.
Nessa montagem há um choque entre o mundo mágico (simbólico) e a
realidade, e ambos são assombrosos, caracterizados em cores cinza e tons pastéis,

14
JULIÁ, Santos. Op. Cit., p. 43.
15
FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade?, In: História e Cinema. São Paulo: Paz e Terra,
1992. p. 79-115.
16
NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In: PINSKY, Carla (orgs.). Fontes Históricas. São
Paulo: Contexto, 2006. p. 237.
criando uma atmosfera repleta de perigos, incertezas e tensão. A opção pelo terror,
maquiagem realista, atmosferas densas e simbolismo dos cenários, personagens e
diálogos reflete as influências artísticas de Del Toro, podendo-se perceber em outras
de suas produções, como Hellboy, O Orfanato e A Espinha do Diabo.
A câmera movimenta-se constantemente, configurando uma característica
“voyerística”. Esse recurso aproxima o espectador da trama, fazendo com que ele se
sinta um personagem do filme. Ao mesmo tempo, ela pode remeter um olhar curioso
de uma criança, enfatizando mais uma vez a opção do diretor pelo ponto de vista
infantil da história e na História.
Além disso, existe certo anacronismo no filme, pois apesar de estar situado no
ano de 1944, os conflitos da trama remetem diretamente à Guerra Civil. Del Toro
optou por esse viés para representar os traumas e sentimentos do povo espanhol que
ainda acreditava que o conflito não havia acabado.
Com o final da guerra, muitos espanhóis que tiveram condições de fugir para
outros países optaram pelo México, pois esse era um dos poucos países que apoiava a
República espanhola abertamente. Isso explica o fato de um diretor mexicano abordar
75
a Guerra Civil e o Franquismo em duas de suas obras:

Entre 1939 y 1948 llegaron a México 22.000 exilados españoles. […]


El miedo a las represalias de los vencedores motivó, en gran medida,
aquel exilio masivo de españoles.17

Guillermo Del Toro cresceu ouvindo histórias de descendentes espanhóis que


foram vítimas da guerra. Um desses refugiados espanhóis que optou pelo
repatriamento mexicano foi o cineasta Emilio García Riera (1931-2002). Com ele, Del
Toro aprendeu técnicas de direção de curtas-metragens e iniciou-se na carreira de
diretor. Sobre o filme O Labirinto do Fauno, o criador comenta que

[...] a Guerra Civil espanhola é uma guerra que foi muito romantizada
nas imaginações dos escritores. Muito preto ou branco, e como a
última batalha entre o bem e o mal. Não é assim! Obviamente é
muito mais complexa. É uma guerra sobre o qual se pode falar muito.
Então era interessante para mim. Cativou muito minha imaginação.18

17
MORENO, Francisco. La represión en la posguerra. In: JULIÁ, Santos. (coord.). Op. Cit., p. 283.
18
Em entrevista ao documentário sobre a produção do filme El Laberinto del Fauno que se encontra nos
extras do DVD.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passado setenta anos do término da Guerra Civil, a sociedade espanhola ainda


preserva traumas provenientes da época. E foi somente com o término do governo de
Franco, em 1975, que houve um imenso movimento de contestação por parte de
grupos políticos e não políticos. Segundo elucida Raymond Carr:

Hasta su muerte, en noviembre de 1975, el general Franco siguió


siendo, como lo proclamaban sus monedas, ‘Caudillo de España por
la gracia de Dios’ y responsable, según sus apologistas, sólo ante Dios
y ante la Historia.19

Os acontecimentos da Guerra Civil e os piores anos de repressão do franquismo


são desconhecidos pelo grande público, pois as gerações que vieram após a década de
60, não conviveram com as mortes e o medo, apenas ouviram histórias que, aos
poucos, foram tornando-se lendas no imaginário. Nessa perspectiva, obras literárias e
artísticas, como o famoso painel de Pablo Picasso Guernica (1937), e filmes podem
trazer esse lado reflexivo do passado a partir do momento em que trazem o assunto
para debate novamente.
76
O câmbio interdisciplinar da área cinematográfica com as pesquisas das
Ciências Humanas pode facilitar o acesso e a compreensão de inúmeros processos de
transformações na História. Nesse sentido, o historiador pode utilizar o cinema não
apenas como recurso pedagógico, mas como um objeto de análise mais profunda,
pois, para Marcos Napolitano, “A linguagem não-escrita, apoiada em registros
mecânicos, é uma linguagem como outra qualquer, que precisa ser decodificada,
interpretada e criticada”.20
O Labirinto do Fauno dialoga com os mundos da Historiografia e da Arte, de
modo que o espectador consegue observar através da trama como se desenvolveu o
conflito político e ideológico na Espanha durante as décadas de 30 e 40 e a incansável
repressão do exército espanhol contra os grupos opositores ao governo.
Como já foi mencionado, muito elogiado pela crítica, o filme ganhou três Oscar,
nas categorias de Direção de Arte, Fotografia e Maquiagem, além de uma série de
indicações em muitas outras premiações. Guillermo Del Toro consolidou sua carreira

19
CARR, Raymond. Op. cit., p. 663.
20
NAPOLITANO, Marcos A. Op. cit., p. 266.
cinematográfica e projetou-se como um dos mais célebres e renomados diretores de
Hollywood – em parte, graças a esse filme, no qual a fantasia e a brutal realidade
mesclam-se, dando lugar a uma história em que a fantasia ao redor de Ofélia serve para
fugir da crueldade de um regime em que se encontra imersa. A vivência da menina
pode ser comparada, em alguns aspectos, à história real de Anne Frank que viveu vinte
e cinco meses em um anexo no sótão do escritório de seu pai com mais oito pessoas,
escondendo-se dos alemães nazistas, tendo como refúgio apenas o seu diário.
Nesse sentido, o filme O Labirinto do Fauno mostra a perspectiva das ideologias
conflitantes dos grupos antagônicos que guerrearam na Espanha ao longo dos anos 30
e 40, sobre os quais ainda hoje se debate.21 Produções como essa se propõem a
repensar qual noção a sociedade possui sobre os horrores da guerra, da repressão, do
ódio, mas também sobre a memória coletiva e suas representações.

REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus, 2005.


BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia – História de Deuses e Heróis. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2001.
77
CARR, Raymond. España 1808-1975. 12ª.ed. Barcelona: Ariel, 2003.
CIRICI, Alexandre. La Estética del Franquismo. Barcelona: Gustavo Gili, 1977.
DÍAZ-PLAJA, Fernando. La Vida Cotidiana en España de la Guerra Civil. Madrid: Edaf, 1994.
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. FONTANA,
Josep. España Bajo el Franquismo. Barcelona: Crítica, 1986.
JACKSON, Gabriel. La República española y la guerra civil (1931-1939). Barcelona: Orbis S.A., 1976.
. Entre La reforma y La revolución 1931-1939. Barcelona: Crítica, 1980. JULIÁ, Santos.
(coord.). Victimas de la guerra civil. Madrid: Temas de Hoy, 1999.
LAMIRA PACAZO, Carlos. Viva España! El nacionalismo fundacional del régimen de Franco (1939-1943).
Granada: Comares, 1998.
NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In: PINSKY, Carla (orgs.). Fontes Históricas. São Paulo:
Contexto, 2006, p. 235-289.

21
MORAL, Félix. Veinticinco años después. La memoria del franquismo y de la transición a la democracia
en los españoles del año 2000. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2000.
MORAL, Fálix. Veinticinco años después. La memoria del franquismo y de la transición a la democracia en
los españoles del año 2000. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2000.
PICAZO, Carlos A. Viva España! El nacionalismo fundacional del régimen de Franco. 1939-1943.
Granada: Comares, 1998.
PRESTON, Paul. España en crisis – Evolución y decadencia del régimen de Franco. Madrid: FCE, 1977.
. Franco – Caudillo de España. Barcelona: Mandadori, 1999
SALVADÓ, Francisco J.R. A Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
SERRANO, Secundino. Maquis – Historia de la guerrilla antifranquista. Madrid: Temas de Hoy, 2001.

Disponível em http://www.pucrs.br/edipucrs/espanha.pdf acesso em 30/05/2018

78

S-ar putea să vă placă și